24 minute read
Criatividade
Actualidade E Desafios No Design Portugu S
Estamos a atravessar uma fase no Design Português de uma grande efervescência criativa. Existe uma diversidade de designers, marcas e projetos em Portugal que expandem e nutrem as possibilidades da disciplina na área dos objetos, mobiliário e homeware, tanto de designers portugueses baseados no território e os que colaboram com Portugal.
Advertisement
Refira-se que muita produção de objectos e mobiliário em Portugal tem o contributo da diáspora portuguesa pela conexão da língua e do contexto. Simultaneamente, nos últimos anos, instalaram-se em Lisboa e outras zonas de Portugal, designers e empreendedores criativos de outros lugares do mundo que nos trazem novas perspectivas, técnicas e conhecimento e com isso geram novas dinâmicas e uma energia vibrante na design scene: seja por abrir estúdios de design, criar novas marcas, galerias, concept stores, lojas online, centros de produção ao nível artesanal e industrial, ou na relocalização ou produção dos objectos.
Ao longo do meu percurso académico e profissional, passei por Inglaterra e Suíça em que a indústria criativa é mais madura e sólida. Observo, contudo, que em Portugal, o nível qualitativo está a elevar-se nos últimos anos e se abrem mais e novas formas de ‘estar’ na disciplina.
Apesar deste amadurecimento, há um grande caminho a percorrer para que as empresas, marcas e indústria valorizem o contributo dos designers independentes a acrescentarem valor aos seus produtos. A relação entre as partes poderia ser mais equilibrada e de valorização mútua – em que a criatividade e a visão dos designers é complementada por outras disciplinas como a direcção de arte, branding, fotografia, vídeo, entre outras – onde todo este expertise criativo deveria ser mais respeitado ao nível de trabalho organizacional e de remuneração financeira, justas para ambas as partes.
Para além disso, acho importante que os designers, enquanto classe profissional, invistam na sua formação em áreas de negociação e sustentabilidade financeira dos projectos e da sua actividade, como forma de não perpetuação de más práticas de trabalho – e assim possam sentir-se mais empoderados a questionar os seus interlocutores a fim de serem mais valorizados.
Vivemos tempos difíceis, numa economia empobrecida em que a maioria dos portugueses não tem fôlego financeiro para consumir bens de qualidade com assinatura por- tuguesa, complementando-se com um desinvestimento na cultura e sensibilidade da sociedade. Considero, contudo, que a valorização do design nos seus diferentes aspectos está a crescer.
Seria fundamental também que o Estado suavizasse a carga fiscal e anulasse processos altamente burocráticos de modo a facilitar e apoiar quem quer concretizar - tanto criativos independentes como as empresas de maior ou menor dimensão.
Outro aspecto importante no contexto de design luso é a existência de uma certa desconexão entre as várias partes: há muitos designers, criativos, indústrias, oficinas iniciativas e projectos que não se conhecem entre si, como se os vários circuitos estivessem um pouco fechados. Seria importante que estes diferentes ‘actores’ que contribuem para a disciplina, se encontrem, se conheçam, e se desenvolva uma rede que possibilite oportunidades como a criação de parcerias, colaborações, novos negócios ou projetos com veia criativa.
O Design no Vidro: contexto e novos designers
Enquanto designer, trabalhei em projetos com vários materiais e noto que em Portugal, o design autoral no vidro não é tão expressivo, ou seja, não existe muita diversidade em termos criativos como em outros materiais (a cerâmica por exemplo).
Apesar de tudo, considero que há espaço para crescer, existe potencial, e sou suspeita - pois tenho uma grande paixão e fascínio por este material. Na verdade, experienciei como é difícil o acesso à indústria vidreira em Portugal, sobretudo, quem quer trabalhar com baixos volumes.
Curiosamente em termos internacionais, observo que existe uma grande tendência e ‘frescura’ no vidro enquanto matéria: muitos designers, criativos e produtores espalhados pela Europa e Estados Unidos estão a desenvolver marcas, objectos utilitários, mobiliário e peças mais experimentais onde este material ganhou um novo protagonismo e expressividade nas suas diferentes técnicas.
Actualmente existem também alguns programas de residências e produção criativa em vários pontos do país para jovens designers, o que é muito bom, mas acho que seria necessário haver também programas a médio e longo prazo porque é necessário tempo e espaço para pensar, criar e acompanhar o desenvolvimento dos projectos, incluindo sinergias com empresas, indústrias, artesãos e marcas. (Tendo como referência o prémio da Villa Noailles da Design Parade em França para jovens designers)
Um caminho válido para os designers e novos vidreiros/makers baseados em Portugal se iniciarem no campo do vidro é o centro de formação do Cencal, o qual possui várias possibilidades de estrutura formativa e exploração de técnicas, e que no meu caso foi decisivo em 2021 enquanto designer, para despoletar mais tarde, as minhas edições independentes em vidro.
As minhas edições – Colour Conversations & Light Echoes
O meu caminho no vidro começou de uma forma gradual. Em 2021 fiz um workshop com mestres vidreiros onde explorei a cor no processo livre e vivo do vidro soprado, o qual iria originar a minha primeira colecção - Colour Conversations - que explora a forma que as cores falam entre si. Esta colecção de peças únicas e numeradas, reflete a interação resultante entre a transparência e a intensidade de tons.
Em 2022, lancei novas peças dessa coleção. Mais tarde, no Outono do mesmo ano, lancei uma nova abordagemLight Echoes - uma edição limitada de peças lapidadas inspiradas no reflexo da luz e da cor no espaço.
As peças da Colour Conversations e Light Echoes, são fabricadas na região da Marinha Grande, uma cidade conhecida pela produção de vidro desde o século XVIII. Aí encontrei vários parceiros de produção, entre os quais alguns Mestres do vidro com décadas de experiência.
Utilizo técnicas distintas consoante os conceitos das colecções. Considero que estão muito ligadas à minha visão e sensibilidade criativa e ao contexto onde me encontro: pelo facto de serem concebidas a partir do meu desejo de criar, de explorar a cor e a luz no vidro, das minhas referências como Joseph Albers e Hella Jongerius, criativos e especialistas da cor, e das múltiplas viagens que tenho feito ao longo dos anos a fabricantes de vidro que me inspiram e levam a experimentar e conceber novas peças. Quanto mais conheço as potencialidades e caminhos do vidro, mais possibilidades se desenham na minha imaginação.
Estas colecções independentes estão disponíveis em www.catarinapacheco.com e em concept stores selecionadas em Lisboa, Algarve e Porto, tais como a Banema Studio em ambas as cidades, na Portugal Manual no Centro Cultural de Belém, na Kintu Studio em São Bento, Lisboa e no Vila Vita Parc, um 5* Hotel no Algarve.)
Design
LABORATÓRIO D´ESTÓRIAS, UM ESPAÇO EXPERIMENTAL DE DESIGN
Enquadramento
Na última década o design português tem ancorado uma forte defesa das tradições e das técnicas ancestrais nacionais no fabrico de peças artesanais, de origem tradicional ou contemporânea, gerando uma narrativa de produções criativas, em diferentes tipologias de produtos, em especial na área da cerâmica. Estes oferecem para além da função, uma vivência individualizada de emoções, sensações e memórias, atribuindo ao design nacional uma particularidade e notoriedade internacional. Podemos testemunhá-lo com a criação de várias marcas fundadas nos últimos anos por diversos designers produtores nacionais que decidiram afirmar o desenho e a valorização dos saberes do fabrico manufaturado português.
O Laboratório d’Estórias Laboratório d´Estórias é um caso. Fundado em junho de 2013 nas Caldas da Rainha, este ano celebra 10 anos, nasce de uma vontade própria dos fundadores, Rute Rosa e Sérgio Vieira, ambos licenciados em Design pela Escola Superior de Design das Caldas da Rainha, de colocar em prática um conhecimento adquirido no período académico e desenvolvido no profissional, durante mais de vinte anos.
O seu espaço é um local aberto e autónomo, no centro da cidade, onde desenvolve a sua prática criativa a partir da recriação de iconografias portuguesas e das memórias de infância, para desenhar uma coleção de peças, recetiva de toda a influência do meio onde é fabricada – Caldas da Rainha, criando a história da marca.
O resultado desta experimentação é uma abordagem conceptual muito própria. Onde a história local da cerâmica das Caldas da Rainha se cruza com o experimentalismo de outras matérias, de novos processos produtivos e de colaborações com outras áreas artísticas - a escrita e a ilustração. Através de convites pontuais, como a Adélia Carvalho, o
Afonso Cruz, a Catarina Sobral, a Inês Fonseca e Santos, o Mantraste, (…).
Submetendo cada peça de cerâmica muito mais além, do seu propósito, do que meramente decorativo ou funcional, procura contar uma outra história de Portugal e manter viva uma produção autoral da cerâmica portuguesa.
A Faiança e a sua herança histórica são a premissa do LDE
Acredita que num mundo de tendências globais, o conhecimento da herança cultural local poderá ser a melhor “matéria-prima” para a criatividade, conferindo ao designer a responsabilidade social como criador e transmissor de cultura. Inventar um mundo próprio, uma nova realidade, no qual os objetos se tornem universais, será provavelmente o melhor fator de diferenciação do design português à escala global. Conferindo-lhe, intemporalidade, afetividade e um desafio à memória, permitindo estabelecer uma ligação emocional entre consumidor e objeto através de uma leitura atenta das várias camadas do objeto. Assim como, também acredita, na mudança por parte do consumidor, na desvalorização da massificação por uma valorização na limitação. Esta mudança abre um novo caminho e uma imposição para o surgimento de cada vez mais objetos diferenciadores e com valor simbólico, distintos por uma verdadeira autenticidade, exclusividade e singularidade. Fatores decisivos para a competitividade do design nacional.
Design
Laboratório d´Estórias só se enriquecerá e crescerá pela pluralidade. E, ainda por uma verdadeira cooperação, por uma extraordinária disponibilidade e por uma cordialidade com os diferentes atores intervenientes.
A atividade da marca tem vindo a expandir-se de forma muito progressiva, como um processo de aprendizagem se tratasse, onde a autorreflexão e a autoavaliação são uma constante. É consciente da carência de especialistas e, da importância, do conhecimento e domínio em áreas como na comunicação e na comercialização digital, para fortalecer o negócio internacionalmente. Num futuro próximo, será inevitável excluir-se desta explosão digital, na apresentação da sua coleção.
Internacionalização da Marca
Em janeiro de 2015, iniciou o processo de internacionalização, de forma empírica, com uma participação autónoma na Maison et Objet. A partir desta primeira experiência positiva, dada a recetividade do mercado internacional, decide repeti-la e expandi-la a outras participações internacionais, no total de onze, até janeiro de 2020, início da pandemia.
Defende com veemência que as características históricas e identitária de um local na prática do design, contribuem para a valorização de um património cultural e de um incentivo ao repensamento de novos processos e métodos para um verdadeiro fabrico sustentável, no domínio ambiental, social e económico. Provavelmente, a melhor direção, para atingir uma linguagem de prevalecimento de um pensamento inovador no design português contemporâneo.
Colaborações desde o artesão à indústria
O LDE procura para cada projeto uma colaboração assertiva e metodológica - com os artesões e com a indústria, contribuindo para o estabelecimento da hegemonia de profissionais, fortalecimento e consolidação de um verdadeiro objeto identitário. Considera que a abertura à colaboração com diferentes unidades de fabrico é essencial. Estas podem proporcionar novas experiências, a descoberta de novos saberes e abrir novos caminhos na disciplina do design. O
Atualmente, pondera o regresso à participação em feiras internacionais, devido à exigência de um esforço financeiro e humano segundo a natureza do projeto. A presença em feiras internacionais consente, naturalmente, descobrir os gostos e os costumes de outras culturas, por conversas simples e sem formalismos e gerar laços emocionais entre quem desenha e compra. Esta experiência, ao longo de cinco anos, foi certamente, uma das maiores fontes de riqueza para ter audácia de continuar a progredir no negócio. A questão que existia, na fase inicial, era saber se a expressão da herança cultural de uma localidade portuguesa num produto constitui um fator de diferenciação e de aceitação num mundo global. Hoje a marca pensa que sim! Cada vez mais, sente-se que existe uma preferência por peças exclusivas, que transportam realidades culturais e sociais, fabricadas em pequena escala, por diferentes mercados internacionais. A marca sente muitas dificuldades, que são entendidas como desafios, na procura por um crescimento mais consistente e sólido. A limitação da produtividade, que considerava até ao tempo atrás ser um entrave à afirmação da marca, hoje é entendida como uma particularidade valorativa. A identidade por um saber fazer das mãos de quem produz é um repositório de saberes e de uma identidade social e cultural tornando-se um património vivo transmitido, entre gerações, que convidamos a descobrir ao adquirir uma peça do Laboratório d´Estórias.
À CONVERSA COM ELSA ALMEIDA, CEO DA PPA - PERPÉTUA, PEREIRA E ALMEIDA, LDA
Keramica – Fale-nos um pouco da marca CLARAVAL, a sua origem, o seu propósito.
Elsa Almeida – Para falar da origem da Claraval é necessário recuar um pouco até ao início de 2022, quando tivemos o primeiro contacto com o Mark Lloyd e a Skopelab, especialista em transformar sons em formas geométricas e formas 3D. Fomos então abordados pelo Mark que nos apresentou este método de produção de formas a partir dos sons, o qual nos deixou bastante interessados, principalmente dado as propriedades das formas, que são naturalmente fluidas, orgânicas e particularmente intrigantes. Seguiram-se alguns desenvolvimentos e trabalhos em conjuntos até que a certo ponto sentimos a necessidade de dar uma vida própria a este projeto, pelo que achámos que seria interessante criar os próprios meios de comunicação e comercialização destas únicas e singulares peças de cerâmica. Achámos que todo este processo criativo de produção do produto merecia um palco próprio e que seríamos capazes de comunicar mais eficazmente se criássemos algo novo, de raiz. Isto levou-nos à criação da marca Claraval.
A verdade é que a marca Claraval já era nossa, da Perpétua, Pereira e Almeida. A marca já estava registada por nós, ainda que não lhe déssemos uso. Sentimos, portanto, que seria a altura perfeita para a reativar. Sentimos que faria todo o sentido, dado a beleza do nome, as suas fortes conexões com Alcobaça, com o Mosteiro e com a própria história da PP&A. Não podíamos ignorar toda esta sinergia e o potencial a explorar.
Kéramica – Qual a relação com o Mosteiro da Alcobaça?
Elsa Almeida – A marca e o Mosteiro de Alcobaça estarão sempre conectados etimologicamente, uma vez que o nome Claraval vem de São Bernardo de Claraval, um abade francês que fundou a ordem de Cister. Como se sabe, a ordem de Cister teve um papel fundamental, quer na construção do Mosteiro de Alcobaça, quer na sua ocupação posterior e desenvolvimento do mesmo e da própria cidade de Alcobaça. A nossa empresa, Perpétua, Pereira e Almeida, detentora das duas marcas “S. Bernardo” e “Claraval”, que no nosso entender encaixam perfeitamente, carrega consigo uma grande componente histórica e local, prestando uma grande homenagem às raízes da nossa cidade, Alcobaça.
Uma das maiores relações com o mosteiro é feita através da importância do som e da criatividade. Para entender melhor esta relação, sugiro a leitura da entrevista que fizemos à Dra. Ana Pagará, Diretora do Mosteiro de Alcobaça, que pode ser consultada no nosso website. A Dra. explica que quando viu as peças, fê-la pensar no modo em que os monges se conectavam com Deus, que era através da música. Apesar da Ordem de Cister ser conhecida pelo silêncio, este silêncio era rompido através da música. Esta e outras conexões podem ser lidas em melhor detalhe através das fantásticas palavras da Dra. Pagará. Não querendo estar aqui a citar repetidamente as suas palavras, volto, portanto, a reiterar a recomendação de leitura no nosso website: www.claraval.pt.
Kéramica – Fale-nos da diferenciação e do posicionamento, a que esta marca se propõe?
Elsa Almeida – A nível de diferenciação penso que seja bastante claro. Produzir cerâmicas deste modo é pioneiro no mundo. É uma proposição de valor única. É uma forma de experienciar o produto cerâmico de uma maneira completamente diferente e nova. É disruptivo. Quando paramos para apreciar a conexão entre, por exemplo, a voz da Sónia Tavares a ecoar no mosteiro e as formas produzidas em resultado disso, toca-nos de uma maneira diferente. Esta foi apenas a primeira coleção, nós preten- demos explorar não apenas os sons humanos, como são exemplos a voz e a música, mas também os sons do mundo natural, de locais específicos, eventos específicos, etc. Em Portugal, já nos imaginamos a captar sons do rio Douro, por exemplo, ao longo do seu extenso leito. Ao longo da costa portuguesa, de norte a sul, em diferentes tipos de costa, inclusive já fizemos captações dos sons das ondas. Há muita coisa a explorar, pois cada um destes locais tem as suas propriedades e produz um conjunto único de sons que nos permitem transformar em requintadas peças de cerâmica.
Posto isto, queremo-nos posicionar como uma marca que combina a inovação tecnológica ao nível do design computacional e impressão 3d da Skopelab, com as técnicas de fabricação tradicional de cerâmicas e know-how da PP&A. Queremos explorar o património cultural e natural através da captação de sons, oferecendo uma proposta de valor capaz de revolucionar o setor das cerâmicas.
Keramica – Esta marca está destinada a um segmento em particular de clientes ou a um mercado específico?
Elsa Almeida – Relativamente à segmentação, claramente o segmento médio-alto é onde queremos estar. A Claraval junta à elevada qualidade dos produtos da S. Bernardo, as técnicas inovadoras da Skopelab, pelo que temos noção da nossa proposta de valor.
Pretendemos apontar ao mercado B2B, sendo que é nossa intenção também vender diretamente a lojas e a outros espaços comerciais. Algo que está pendente de análise é também a venda direta ao público, no entanto sem nada concreto para já. Existem várias possibilidades que, com o avançar do tempo e análise aos padrões de mercado e aceitação aos nossos produtos e à própria marca, terão de ser analisados.
Keramica – Como vão coexistir a marca CLARAVAL e a marca S. Bernardo?
Elsa Almeida – A Claraval e a S. Bernardo são na verdade bastante diferentes entre si. Há uma diferenciação clara entre ambas as marcas uma vez que a S. Bernardo atua principalmente em projetos de co-criação e produção com os nossos clientes. Temos as nossas próprias criações e coleções, claro, mas mesmo estas são vendidas muitas das vezes em “private label”. Com a Claraval é diferente, é uma parceria com a Skopelab em que nos propomos a criar peças de arte únicas de cerâmica. Todas as peças serão criações únicas e próprias, não havendo a possibilidade de alterações e customizações como acontece,
Entrevista
por exemplo, com a S. Bernardo, onde tentamos sempre ir ao máximo de encontro àquilo que o cliente deseja. Para além disto, convém referir também que os mercados em que iremos comercializar ambas as marcas são diferentes e distintas entre si.
Keramica – A primeira coleção da marca CLARAVAL, Monastery, foi lançada muito recentemente. Esta coleção tem um processo de criação das peças muito inovador. Fale-nos um pouco sobre esse processo.
Elsa Almeida – Sim, a primeira coleção oficial da marca Claraval chama-se “Monastery Collection”. Desde o início da sua conceção, sempre foi ponto assente que esta teria de ser algo com uma grande componente cultural e local, que representasse as raízes da empresa e do próprio nome da marca. Como tal, para dar vida ao projeto contámos com uma artista oriunda de Alcobaça que dispensa apresentações – Sónia Tavares - vocalista dos “The Gift”. No início o processo envolve a captação de sons, e fizemo-lo através da gravação da Sónia a cantar em plenos pulmões no Mosteiro de Alcobaça. O que acontece depois é um processo algorítmico, que nos permite transformar os sons gravados em geometria 3D. É um processo que é, claro, computacional, mas que não deixa de ser um processo criativo porque cada peça é esculpida ao vivo, em tempo real, enquanto o som é reproduzido. Não é uma simples transformação matemática de sons para geometrias. Estas geometrias, estas formas, são depois reproduzidas através de impressão 3D avançada. A partir disto conseguimos ter as madres e posteriormente os moldes para podermos proceder à tradicional produção cerâmica de enchimento.
A verdade é que o som é um aspeto fulcral do mundo que nos rodeia, num mundo que é na maior parte das vezes mais visual. Ainda assim, o som tem um tremen- do impacto nas nossas vidas, somos movidos por música, por sons, por aquilo que ouvimos, talvez mais do que por aquilo que vemos. Foi esta perceção que levou a Skopelab a investigar a ideia de transformar as harmonias e os ritmos do som em harmonias e ritmos de formas geométricas.
Keramica – O facto de esta Marca estar relacionada com o Mosteiro de Alcobaça, local emblemático do Gótico e da Ordem de Cister e considerado Património da Humanidade pela UNESCO, irá acrescentar mais-valia à marca? A cerâmica em Alcobaça como um todo, pode beneficiar com a criação desta marca?
Elsa Almeida – Sim, eu penso que a conexão entre o Mosteiro de Alcobaça e a marca é importante. Não apenas pelo que já referi acerca da origem do nome da marca, mas também porque é o sítio mais emblemático de Alcobaça e é um local que sempre esteve ligado à criatividade. O Mosteiro serviu de berço para inúmeras correntes e movimentos artísticos ao longo dos séculos. Como tal, creio que tendo em conta os valores e inspirações que sustentam a Claraval, bem como todas as conexões que já tive oportunidade de referir, conseguimos representar e homenagear da melhor maneira este marco emblemático da cidade de Alcobaça.
Penso que sempre que alguma empresa ou indivíduo tenta trazer algo inovador à cidade, temos de tentar olhar para isso de maneira positiva. Para além de atrair novos olhos e atenções para a cidade ou para o setor da cerâmica, neste caso, é uma oportunidade para todos tentarmos evoluir e ser melhores a cada dia que passa. É isso que nos move e penso que a indústria da cerâmica em Alcobaça pensa do mesmo modo.
Keramica – Pode identificar iniciativas futuras, desta marca?
Elsa Almeida – Posso dizer que isto é apenas o início. Temos imensas ideias e projetos em mente. A marca foi lançada no final do mês de abril, no Salone del Mobile, em Milão, com uma grande aceitação por parte dos visitantes, o que nos leva a estar bastante otimistas em relação ao futuro.
As nossas intenções futuras passam por explorar o significado do som, tanto do mundo natural como cultural. Explorar geografias. Explorar morfologias. Explorar a costa. Explorar a voz humana. Explorar a música. Explorar eventos naturais de modo a conseguir produzir constantemente novas e únicas peças. Temos uma grande crença no potencial desta ideia, desta marca, e de toda a equipa que está por trás.
Dois Arquitectos Vence Concurso De Ideias Para A Zona Da Antiga Lota De Aveiro
O gabinete Dois Arquitectos , liderado pelos arquitetos Nuno Costa e Cátia Alexandre, venceu o 1º lugar no “Concurso de Ideias Estudo Urbanístico da Zona da Antiga Lota de Aveiro – Living Places Lab” lançado pela Câmara de Aveiro no passado mês de Setembro.
Ideia a concurso que arrecadou um prémio de 50 mil euros e o sonho de ver aproveitada a aposta numa ocupação que, segundo os promotores, quer explorar o conceito de Parque Urbano.
O local de intervenção definido para o “Concurso de Ideias - Estudo Urbanístico da Zona da Antiga Lota de Aveiro – Living Places Lab” caracteriza-se por ser uma zona limite da cidade, que se encontra maioritariamente devoluta e invadida pela natureza.
O gabinete Dois Arquitectos assume a importância deste trabalho criativo, entretanto realizado. Diz que tratando-se de uma área nobre da sua própria cidade, procurou defender a visão de residentes com uma exploração de um conceito que permite o funcionamento da área como ponto de encontro, área comercial, residencial e hoteleira e espaço de lazer onde será possível encontrar espaço para ancoradouro náutico.
O projeto vencedor do concurso de ideias para a antiga lota, lançado pela Câmara de Aveiro, foi apresentado em pormenor pelo gabinete aveirense Dois Arquitectos. A apresentação do chamado “Parque Urbano das Marinhas” veio acompanhada com números. Para habitação estão destinados 15.400 metros quadrados e outros oito mil para um hotel. O edifício da lota, atualmente devoluto, será remodelado e ampliado e ocupará 2.250 metros quadrados, ficando destinado à venda de produtos locais, a comércio e restauração. Para as associações náuticas e culturais serão construídos armazéns de seis mil metros quadrados e o Living Places Lab, um equipamento vocacionado para a interpretação ambiental e a investigação, terá 2.350 metros quadrados. A zona de parque urbano propriamente dita, um espaço «agregador e polivalente», segundo o arquiteto Miguel Melo, será dotada com 22.500 metros quadrados. Haverá, ainda, um ancoradouro com 13.400 metros quadrados, capaz de receber embarcações até 40 metros.
“É com orgulho que apresentamos a nossa proposta para o lugar da antiga lota de Aveiro. Caracterizada por ser uma zona limite da cidade, maioritariamente devoluta e invadida pela natureza, pode ser um local de partida para os mais aventureiros que rompem mar adentro na procura de atividade física ou, simplesmente, paz de espírito. Aveiro é uma cidade com história, uma história muito ligada à água, às safras, às tradições e às suas gentes e proporcionar uma melhoria na qualidade de vida nos seus habitantes e visitantes é uma forma de a homenagear. Modernidade, sustentabilidade e inclusão, a par com o respeito pela história e cultura do lugar, uma proposta que valoriza um património muito nosso.” Dois Arquitectos
DESCARBONIZAÇÃO DO SETOR DA CERÂMICA - STATE OF THE ART DO USO DO HIDROGÉNIO VERDE
por Isabel Maia e Silva, Market Research Manager
A luta contra as alterações climáticas é imperativa para o futuro da Europa e do mundo.
A União Europeia estabeleceu objetivos climáticos ambiciosos e demonstrou liderança mundial na luta contra as alterações climáticas. Com o Pacto Ecológico Europeu e a Lei Europeia do Clima, juridicamente vinculativa, a UE colocou o continente numa via clara para a descarbonização.
A Lei Europeia do Clima legisla o objetivo estabelecido no Pacto Ecológico Europeu para que a economia e a sociedade europeia se tornem neutras em termos climáticos até 2050.
A lei estabelece também o objetivo intermédio de redução de 55% das emissões de CO2 até 2030, em comparação com os níveis de 1990. A Lei Europeia do Clima entrou em vigor em 29 de Julho de 2021.
A cerâmica é um setor intensivo em energia, sendo que esta última representa em média cerca de 30% dos custos desta indústria na União Europeia (UE). As emissões totais da indústria cerâmica europeia ascendem a 19 milhões de toneladas de CO2 por ano (valores de 2020), o que representam cerca de 1% do total das emissões industriais da Europa abrangidas pelo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (CELE).
Por outro lado, as instalações de fabricação de produtos com base cerâmica, sendo maioritariamente compostas por Pequenas e Médias Empresas (PME) e pequenos emissores, representam 10% de todas as instalações industriais abrangidas pelo CELE.
Na UE, aproximadamente 83% das emissões de CO2 do setor da cerâmica estão relacionadas com o consumo de energia. O mix do consumo energético industrial é composto de cerca de 85% de gás natural e 15% de eletricidade. Os 83% podem ser desagregados entre o que é devido à combustão de combustíveis fósseis (64%), e os restantes 19% que advém da composição da matriz energética da eletricidade consumida.
Os restantes 17% das emissões de CO2 estão intrinsecamente associadas aos processos industriais, causadas pela decomposição de carbonatos em matérias-primas como calcário, dolomite ou magnesite.
A indústria cerâmica precisa de descarbonizar em duas frentes, (i) reduzindo o consumo de energia para o mesmo output recorrendo a medidas de eficiência energética, e (ii) através da transição para o consumo de energia de base renovável.
É possível alcançar melhorias de eficiência energética através de sistemas com recuperação de calor, reduzindo o consumo de combustível, que poderá ser realizado através da captura de gases do forno para pré-aquecer a combustão ou o secador. A conceção inteligente das instalações de fabrico é também importante, porque a distância física entre os diferentes processos, como a cozedura e a secagem, pode conduzir a poupanças de energia.
A transição para as energias renováveis será feita gradualmente e dependerá do tipo de instalação e das opções localmente disponíveis. Algumas instalações poderão passar a utilizar eletricidade renovável, enquanto outras poderão eventualmente utilizar biocombustíveis, hidrogénio verde (produzido por eletrólise da água a partir de fontes renováveis) ou gás verde sintético.
Energia
No caso do hidrogénio verde, os esforços centram-se nas modificações que devem ser efetuadas nos queimadores para ultrapassar o limite de 5 a 20% de blend de hidrogénio com o gás natural. A influência da integração deste novo vetor energético na qualidade do produto está ainda a ser investigada, embora ao nível de laboratório, e por um fabricante tenham sido testados com uma substituição até 50% e os resultados indicarem que não afeta a qualidade no que se refere a pavimentos e revestimentos. Outro exemplo: em 2022, a Michelmersh anunciou ter obtido aprovação de uma candidatura para mudança de combustível na indústria, por parte do Governo do Reino Unido, para a realização de um estudo de viabilidade para substituir o gás natural por hidrogénio no processo de fabrico de tijolos (Hybrick). Se o estudo for bem-sucedido, será o primeiro tijolo de barro no mundo cozido com 100% de hidrogénio.
No caso da eletrificação direta, existe atualmente a possibilidade de substituir a atomização por uma secagem eletrificada, com a necessidade de modificar o equipamento, num TRL (Technology Readiness Level) de 7. A cozedura encontra-se num TRL inferior (3).
No que respeita à implementação da captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) e apesar do nível TRL ser elevado, esta não é uma opção viável devido à baixa concentração de CO2 nos gases de emissão, à variabilidade e dimensão das fontes (a maioria das empresas é PME), à falta de uma infraestrutura de transporte e armazenamento e ao custo da tecnologia.
É possível aplicar medidas relativas às emissões de processo, tais como a redução dos aditivos que contêm carbono e a minimização do teor de carbono das misturas de argila, assegurando simultaneamente que tal não conduza a um aumento das emissões relacionadas com os transportes.
O hidrogénio verde pode desempenhar um papel importante no setor da cerâmica como vetor energético, substituindo o gás natural nos fornos e secadores da indústria cerâmica, uma vez verificada a ausência de impactos negativos na qualidade do produto final.
O setor da cerâmica espera que até 2030 apenas pequenas quantidades de hidrogénio verde estejam disponíveis para a indústria cerâmica, devido essencialmente (i) à elevada procura por parte de outros setores, (ii) a questões de preços e (iii) à falta de infraestruturas, e que só a partir de 2040 haja uma disponibilidade crescente de hidrogénio verde. Mas, diversas iniciativas tomadas a nível da UE e dos Estados Membros, quer a nível de financiamento público (Planos de Recuperação e Resiliência nacionais, o anúncio dos leilões de Hidrogénio pelo Euro- pean Hydrogen Bank, recentemente criado pela UE, etc.), quer ao nível regulamentar e regulatório, alavancadas em dois drivers principais – a transição climática e a autonomia energética – levam-nos a crer que o hidrogénio verde a preços competitivos e acessível possa estar disponível muito mais cedo. Acresce ainda que o aumento dos preços do gás natural, causado pela invasão russa da Ucrânia, tornou o hidrogénio verde mais competitivo do que anteriormente, o que levou a um aumento do investimento e do interesse do setor privado neste setor que pode ajudar a Europa a reduzir as suas emissões de CO2.
Em Espanha, a Smartenergy está a liderar um consórcio internacional e a investir no desenvolvimento do projeto ORANGE.BAT, que tem como objetivo descarbonizar um dos maiores clusters cerâmicos da Europa, localizado em Castellón, na região de Valência. Este projeto estabelece o caminho para a total descarbonização de um setor industrial intensivo em termos de energia, e consequentemente em emissões de CO2, substituindo o gás natural por hidrogénio verde como combustível. O projeto já tem assegurado a maior parte do terreno para a construção da central solar fotovoltaica e o terreno para a instalação da unidade de produção de hidrogénio e aguarda aprovação relativa aos licenciamentos ambientais. Também existe agora uma maior predisposição por parte dos empresários industriais do setor cerâmico na adesão ao projeto do que há um ano, sobretudo porque estes perceberam que a transição para o hidrogénio verde será feita com o recurso a blend de H2/ GN, que será progressivamente maior em quantidade de H2.
E o que está a ser feito para a adaptação das indústrias ao hidrogénio verde? A título de exemplo, e no âmbito do projeto ORANGE.BAT, está a ser preparado um projeto piloto numa das indústrias participantes, que passa pelo redesenho do processo de aquecimento através da implementação do hidrogénio como combustível. Para poder alimentar os queimadores com hidrogénio, ir-se-á começar com o aumento gradual de H2 no blend com o gás natural, até atingir uma substituição de 100%. Ir-se-á proceder à modificação dos queimadores para obter uma nova chama, estável e otimizada, sem afetar a geometria e a estrutura do forno. Também se fará a integração de novos sistemas de medição para monitorizar o processo e far-se-á a avaliação do comportamento dos refratários sob H2 e a investigação sobre materiais que resistam ao ataque da água e do H2. Será ainda concebido um ecossistema para instrumentação de controlo adicional para regular os fluxos de H2 e a chama (invisível), para os quais são implementados detetores de chama baseados em infravermelhos (IR) e ultra-violetas (UV).
Em Portugal, também estão a ser desenvolvidos vários estudos e projetos piloto, por exemplo, com o apoio de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, para estudar a reconversão das infraestruturas (industriais) de distribuição do blend H2/ GN e do forno no setor cerâmico.
A Smartenergy tem vindo a desenvolver diligências em Portugal, no sentido de explorar oportunidades semelhantes ao ORANGE.BAT, junto de setores (incluindo o setor cerâmico) que necessitam igualmente de adotar medidas para contribuir para a descarbonização.
Assim, a Smartenergy está a desenvolver um projeto – Aveiro Green H2 Valley – no qual irá instalar um electrolisador de cerca de 100 MW, que produzirá H2 verde em Oliveira do Bairro. Este projeto servirá várias indústrias de cerâmica e espera-se possa estar operacional em 2025 (dependendo de financiamento público parcial e dos processos de licenciamento). O projeto contribuirá para a descarbonização da indústria, fornecendo H2 verde como vetor energético e matéria-prima, para injeção na rede de gás natural, e para o setor da mobilidade (sobretudo veículos pesados). A eletricidade renovável será proveniente de uma central fotovoltaica da Smartenergy localizada no distrito de Aveiro. A Smartenergy tem estabelecido parcerias com os principais agentes tecnológicos da indústria do Hidrogénio, e outros fornecedores de equipamento, e tem em curso conversações avançadas com parceiros da cadeia de valor, por exemplo, potenciais offtakers, alguns dos quais players importantes da indústria cerâmica. Em resumo, os fatores energéticos têm um papel relevante nas limitações ao desempenho ambiental e económico da indústria cerâmica. O hidrogénio verde pode desempenhar um papel importante no setor da cerâmica enquanto vetor energético, substituindo o gás natural nos seus fornos e secadores. Começam a existir estudos, testes e projetos piloto para adaptação das indústrias cerâmicas a este vetor energético. O hidrogénio verde em quantidade e a preços competitivos e acessível pode estar disponível para a indústria cerâmica mais cedo do que o previsto pelo setor. Vários projetos, na Europa e em Portugal, para produção de hidrogénio verde estão a ser desenvolvidos e podem estar em condições de servir a indústria cerâmica antes de 2030. A indústria cerâmica em Portugal pode, e deve, beneficiar desta mudança de paradigma em curso e tirar partido do financiamento público disponível para a sua descarbonização.