Jornal A Ponte | Conectando ideias

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conectando ideias Florianópolis, 10 de setembro de 2015

Edição especial sobre mobilidade urbana

E002

PON

TE

“ as cidades

têm a capacidade de oferecer alguma coisa para todos apenas porque, e apenas quando, elas são criadas por todos ”

jane jacobs

o editorial Nesta edição exploraremos o assunto mobilidade urbana. Esse termo tão exaustivamente repetido nas notícias, e que corre o risco de nos soar trivial, carrega consigo nossas vidas: todos os deslocamentos entre a feira e o trabalho, entre a casa da tia e a escola, onde vamos abrir nossos negócios e aonde vamos para aproveitar um domingo de sol - tudo passa por como podemos nos mover pelas nossas cidades. Dada a complexidade da ordem urbana, entendemos que ela precisa ser orgânica e dinâmica, para que se adapte às pessoas e à diversidade das suas necessidades e desejos. Norteados por essa visão, buscamos artigos que vislumbrem soluções eficientes para o sistema de transporte urbano e, mais urgentemente, para a crítica situação da mobilidade nas grandes cidades brasileiras - um cenário alarmante que os florianopolitanos compartilham e o qual testemunham diariamente. pág 2 |

opções para mobilidade há muitas, inclusive as certas pág 4 | ruas para pedestres pág 5 | mobilidade urbana no século XXI pág 6 | cansado de congestionamento? está na

hora de você pagar pra andar!

pág 8 | no muro sobre a polêmica do Uber?

nós tiramos suas dúvidas!

pág 9, 10 e 11 | entrevistas descentralização dos transportes e mobilidade em Florianópolis


Opções para mobilidade há muitas, inclusive as certas artigo de José Cesar Martins via Caos Planejado

No ambiente tecnológico fluido e estimulante que temos, as distâncias e os tempos são encurtados, e o acesso a alternativas está aberto como nunca. O consumidor está empoderado e tem a barra de expectativas estabelecida pelo melhor serviço, o de melhor custo-benefício, o mais confiável, o mais íntegro e, claro, o mais conveniente. Queremos o melhor da Apple, junto com o melhor do Google, sem abrirmos mão do melhor da Amazon. Juntos. Os benchmarks vem de qualquer lugar e educam expectativas crescentes graças à super abundante disponibilidade de informação. Na “indústria” dos transportes, não é diferente. Diferente é o padrão de serviços no transporte público: inseguro, inconfiável, obscuro nos métodos e desumano na prática de transportar pessoas como gado. E gado jamais deveria ser transportado desumanamente.

COM A “ TROCA DO

PARADIGMA DE CIMENTO E CARROS, TEREMOS UM VASTO MENU DE ALTERNATIVAS DE serviços em MOBILIDADE. 2

O Bridj é um novo serviço de transporte coletivo, com operações piloto em Boston, Cambridge e Washington D.C.

Não sendo uma opção para grande parcela da população, mas a única forma de se deslocar, o transporte público destoa de outros serviços já disponibilizados com um padrão universal e razoável, como a telefonia móvel, onde os mais pobres são cortejados; ou o varejo, onde as empresas fazem campanhas com mimos aos mais pobres. Já o transporte coletivo no Brasil, esse monopólio governamental via de regra terceirizado para concessionários privados sabe-se lá como, é uma exceção negativa ao princípio da qualidade e universalidade nos serviços.

O modelo de transporte público é um benchmark ao contrário, perdido em sua lógica superada. O modelo atual, sobretudo de ônibus, compõe a velha resposta do Brasil de viés agrário do século XX mal ajambrada para um problema do Brasil urbano e metropolitano desse século XXI. E assim, sombriamente, nos ônibus brasileiros as pessoas seguem viajando espremidas, a impontualidade é a marca, o desconforto prevalece e a transparência na gestão é artigo mais que escasso. Com isso, os pobres padecem e a classe média foge dessa alternativa para congestionar as vias

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públicas com automóveis sub ocupados. Mais de 70% dos deslocamentos nos Estados Unidos são feitos por carros cujo único passageiro é o próprio motorista. Estimulados pela massiva oferta de tecnologias móveis, gestores mais antenados em cidades abertas à inovação buscam alternativas criativas, menos caras e mais a ver com a antropologia das suas cidades, ao invés de saírem mutilando seus traçados para resultados duvidosos. A ciência dos dados já provou que mais vias para o automóvel privado só induz mais demanda e põe mais carros nas ruas. Viadutos transferem o

gargalo para poucas quadras adiante. Sistemicamente, temo dizer, um novo viaduto, cuja construção atormenta a vida dos moradores durante um tempo que só no quarto mundo se pode encontrar semelhança, não vai resolver a falta de fluidez do trânsito. E há uma razoável chance de piorá-lo. Obras assim, respostas da agenda velha, não atendem às necessidades das pessoas. Sem falar que, frequentemente, pioram o trânsito, enfeiam a cidade, violam a identidade cultural das comunidades e, bem se sabe, criam oportunidades para a venda de facilidades que logo vão ocupar ministério público


e judiciário por longos e custosos processos. O certo é que diminuir o volume de automóveis, mais que um caminho, é uma tendência inevitável. Se Londres e Estocolmo já há muito taxam a circulação em áreas conflagradas, São Paulo ou Porto Alegre não deveriam desprezar medidas atenuadoras antes de sair rasgando a cidade de maneira irreversível. Mas há também novas alternativas baseadas em tecnologias a serem exploradas com custo marginal e menos impacto na vida das cidades. Elas nos convidam a embarcar no trem da inovação liderado por empresas vanguardistas que criam soluções baseadas em dígitos e inteligência aplicados à mobilidade. Esse é um caminho que depende menos de recursos públicos e mais de mudança nos modelos mentais dos gestores. E que venham os inovadores e sejam calorosamente acolhidos. Com a troca do paradigma de cimento e carros, teremos um vasto menu de alternativas de serviços de mobilidade (Lyft, Uber, Sidecar, Bridj, Leap,…) gerando big data que habilita um nível superior de planejamento, baseado em dados confiáveis como nunca houve. Isso já é uma realidade fora do Brasil. É o presente pedindo passagem ao passado. Há muitas oportunidades sob um sistema de transportes pautado pelo uso intensivo de dados. Pensemos em um aplicativo pelo qual um trabalhador fique sabendo que seu ônibus vai atrasar 20 minutos. Pela mesma plataforma, o trabalhador informa ao órgão regulador, que pode penalizar o

RESPOSTAS DA AGENDA “VELHA NÃO ATENDEM ÀS

NECESSIDADES DAS PESSOAS operador do serviço. Melhor, pelo próprio aplicativo, o trabalhador vai ser ressarcido pelo prejuízo e seu empregador comunicado. Muda o paradigma, não? Então por que não tentar novos modelos, se eles podem melhorar a mobilidade para todos? Mais oferta e menos burocracia equivale a menor custo e melhores preços, como já ocorre nos EUA. Não se trata de um modelo “ou” outro. Mas de um “e” outro, onde o passageiro passa a ter mais opções. Nos EUA, o mercado “imexível” dos táxis viu em três anos o volume de “corridas” crescer 10 vezes com a entrada dos novos serviços. Uma revolução. Hoje milhares de pessoas deixam seus veículos para usarem os serviços de ride sharing.

E pessoas que não se sentiam seguras com os táxis (especialmente as populações mais vulneráveis de deficientes e idosos) finalmente puderam se deslocar graças a oferta desses novos serviços. E não parou aí. Outras formas de transporte compartilhado estão se criando agora mesmo, baseadas em algoritmos inteligentes que otimizam rotas em tempo real para transportar, em veículos leves (vans), de 5 a 10 passageiros com diferentes origens e destinos. Isso é ainda mais disruptivo do que o que se viu até agora. Quem disse que o modelo industrial de paradas fixas, horários fixos (nem sempre…), rotas fixas e e preços controlados pelos governos é o único jeito de atender a população?

Isso não apenas já é possível, como é uma realidade que só se consolida. Existem sim as opções de ignorar esse realidade ou até de se opor a ela como conservadores usualmente fazem. Mas, a não ser na fantasia retrógrada de neo ludistas que perderam o contato como a evolução tecnológica, os modelos de transporte baseados em tecnologia digital inteligente são e serão a marca da mobilidade urbana daqui para a frente. A propósito, já não se pergunta mais se teremos veículos que andam sem a necessidade de motoristas, mas quando os teremos. Diz-se que o Google lançará seu veículo autônomo até o ano que vem,

e que, em larga escala, a Tesla é que sairá na frente, até 2020. Todos sabem que todas as montadoras terão veículos que dispensam motoristas em um horizonte de tempo muito curto. Por isso, não discutir mobilidade responsiva à demanda não é só uma atitude conservadora, é alienação. Que se abram as cidades para inovadores dispostos a criar esses e outros serviços de mobilidade a seu próprio risco e sem subsídios dos governos. Estão dadas as condições para o transporte público receber um choque de qualidade. E a notícia boa é que nem são precisos grandes investimentos ou acordos controvertidos com concessionárias.

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Ruas para pedestres artigo de Marcos Paulo Schlickmann via Caos Planejado

Antigamente as calçadas não eram para as pessoas trafegarem, as ruas eram. Basta assistir a um filme antigo retratando uma qualquer rua comercial e pode-se ver claramente que as calçadas serviam de espaço para o feirante colocar as mercadorias, o dono do bar colocar as mesas, o engraxate colocar sua cadeira etc. As pessoas andavam na rua, negociando o espaço com os cavalos, bicicletas, crianças e com o incipiente tráfego automóvel. A prática de jaywalking não era uma infração. As ruas eram o verdadeiro Caos Planejado. Com o aumento do tráfego automóvel e das velocidades essa negociação se tornou impossível! Surgiu então um problema: onde colocar os pedestres? Mande-os para a calçada. E os ciclistas e as crianças? Ah, esses é melhor mesmo ficarem em casa para não incomodar! Hoje em dia, no Brasil, vivemos um dilema: a maioria dos municípios atribui ao proprietário do lote a construção e manutenção da calçada, definindo somente alguns parâmetros básicos como largura. Essa transmissão de responsabilidade mostra claramente o valor que damos ao pedestre - basicamente nenhum - pois nem sequer nos preocupamos em disponibilizar uma via decente para ele trafegar em segurança. O respeito pelas calçadas é um bom indicador do nível de democracia de uma nação. Esse é um dos motivos pelos quais os shoppings se mostram tão apelativos numa democracia instável como a nossa. Por que será isso? Por que as pessoas gostam tanto de shoppings? Porque o shopping é um empilhamento de ruas comerciais perfeitas. Calçadas (os corredores do shopping) largas, limpas, iluminadas e o melhor que ninguém nota: sem carros pra atrapalhar, logo sem poluição e com muita segurança!

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Pessoas transportadas por hora para cada meio de transporte*

No entanto, muitas cidades não caíram na tentação dessas “catedrais do consumo” e conseguiram manter o comércio de rua vivo, através de ruas exclusivas para pedestres. As Ramblas em Barcelona, com um tráfego de 3500 pedestres/ hora, A Oxford Street em Londres, que apesar de não ser fechada ao trânsito tem um tráfego de pedestres intenso, e a Zeil em Frankfurt são alguns exemplos de ruas para pedestres de sucesso. Apesar da longa experiência internacional ainda muitos políticos, comerciantes e a população em geral têm um certo medo em restringir o tráfego ou retirar o estacionamento em frente às lojas, basta a ver a discussão acalorada a respeito do plano cicloviário de São Paulo. Porém, na maioria das vezes a situação melhora muito ao invés de piorar. Um bom exemplo para ilustrar esse debate é a recente intervenção levada a cabo pela Comissária de Transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan. Neste vídeo pode-se ver a distribuição do espaço antes e depois da intervenção. As pessoas que usam as calçadas são muitas e têm pouco espaço, já as pessoas que usam a rua (dentro dos carros) são poucas e têm muito espaço. É muito importante fazer esta esta distinção que normalmente passa batida: queremos transportar pessoas e não carros ou bicicletas ou ônibus. Esses são só veículos, são os meios de transporte e não o transporte em si! Quando se atribui muito espaço para poucos (que vão dentro do carro) e pouco espaço para muitos (que vão a pé pela calçada) notamos a desigualdade de distribuição de espaço na cidade, algo pouco

democrático. Infelizmente vemos gente que ainda acredita no contrário. A Prefeitura de Porto Alegre agora decidiu abrir ao tráfego de automóvel uma rua antes exclusiva para pedestres. Detalhe: um trecho de 100 metros custará R$3 milhões. Às vezes esqueço que somos um país rico. Essas decisões de criar ou reabrir ruas para o tráfego automóvel são uma ilusão. O tráfego de uma cidade grande como Porto Alegre é muito mais complexo, mais estocástico que se imagina. Logo essa rua vai estar congestionada pois vai se tornar alternativa para alguns motoristas que antes faziam outro percurso por ruas e avenidas de maior capacidade, criando um efeito de rat running, não se limitando à comportar a geração de tráfego local e sim servindo como um corta-caminho. Aliado a isso, a taxa de motorização no Brasil está em franco crescimento, logo aumentar oferta viária no centro da cidade só vai induzir mais demanda. Ainda – e talvez esse seja o ponto fulcral dessas medidas esdrúxulas - é que vamos ter uma redução da capacidade viária, não um aumento. Como eu escrevi acima, se pensarmos em pessoas transportadas por hora (e não carros/veículos, sendo sempre importante fazer essa distinção) uma rua para pedestres transporta muito mais que uma rua para carros. O caso das Ramblas é emblemático: para se conseguir transportar aquele volume de pessoas (3500/hora) por automóvel, seria preciso uma verdadeira autoestrada urbana, acompanhada de todo o seu impacto visual, ambiental, etc. *Fonte: http://goo.gl/jwkJDj


Mobilidade urbana no século XXI artigo de Anthony Ling originalmente públicado na Folha de São Paulo

urbana não tem uma única solução, mas, “mobilidade sim, várias. O que precisamos é de um ambiente que permita que elas ocorram. Para diminuir seu histórico incentivo ao uso do automóvel, a Prefeitura de São Paulo aumentou drasticamente o número de faixas exclusivas para ônibus. Por outro lado, autorizou recentemente o aumento da tarifa do transporte público, congelada desde as manifestações de 2013. Ao perder espaço na via, o motorista paulistano mostrou descontentamento. A crítica é até compreensível, já que faixas exclusivas não são a única forma de melhorar o transporte coletivo. Pesquisa realizada pelo engenheiro de transportes Renato Arbex indica que apenas redesenhando as rotas dos ônibus é possível, com menos veículos, eliminar as baldeações e reduzir o tempo de viagem para 99% dos passageiros. Há também formas mais inteligentes de gerir o espaço nas vias. Tanto Estocolmo, na Suécia, como Cingapura, por exemplo, implementaram pedágios urbanos que variam de preço regulando o fluxo da via de acordo com a sua demanda. Com o trânsito fluindo, a faixa exclusiva se torna menos necessária. O MPL (Movimento Passe Livre), que liderou as manifestações de 2013, se opôs aos R$ 0,50 adicionais na tarifa. Mas a proposta do MPL de zerar a tarifa e “municipalizar” as linhas de ônibus, hoje operadas por concessões privadas, levaria à superlotação de um sistema já saturado nos horários de pico. A prefeitura, sem experiência

nem incentivos para gerir bem uma nova estatal e ainda abrindo mão do valor das tarifas, gastaria muito mais do que os R$ 1,6 bilhão que subsidiam os operadores privados. Mesmo assim, a crítica do MPL ao modelo de concessões é válida: se os operadores são protegidos de concorrência e seu lucro garantido pela prefeitura, os benefícios de operação pelo setor privado para aumentar a eficiência se corrompem. O foco do debate deveria ser a restrição a novas tecnologias

e a transportes alternativos capazes de aumentar as opções de mobilidade urbana. O táxi-lotação, que permitiria a divisão da corrida do táxi por até quatro passageiros com rotas definidas, foi recentemente vetado pela Prefeitura de São Paulo, enquanto a solução é o foco de um dos principais projetos da Prefeitura de Nova York. O objetivo lá é aproveitar melhor os táxis existentes, que costumam ter um único passageiro. Outras alternativas novas, como

os aplicativos de encomenda de caronas por smartphone, permitem um ganho real em mobilidade. Lyft e Uber, serviços deste tipo, estão consolidados em várias cidades, levando muitos dos seus usuários a aposentarem seus carros. Em São Paulo, entretanto, o Uber opera ilegalmente, enquanto sua versão carioca, o Zaznu, foi desativado por dificuldades regulatórias. San Francisco, nos EUA, é uma das cidades mais abertas à inovação em transporte, permitindo o teste de dezenas de novas opções de mobilidade criadas por empreendedores. Além dos aplicativos de compartilhamento de caronas, é possível que micro-ônibus criem rotas de acordo com a demanda dos usuários e que ônibus fretados paguem taxas para usar as paradas públicas. São poucas as cidades, no

entanto, que permitem esse tipo de mudança. Não apenas São Paulo, mas cidades do mundo inteiro estão enfrentando dificuldades ao confrontarem regulações do século 20 com tecnologias do século 21. A opinião pública também deve ter consciência de que as soluções já existem e precisa deixar de reivindicar mudanças sobre um modelo já ultrapassado. Tanto o setor público quanto os cidadãos que criticam a atual situação devem se dar conta de que a mobilidade urbana não tem uma única solução, mas, sim, várias. O que precisamos é de um ambiente que permita que elas ocorram.

Texto disponível em: http://goo.gl/n2TSMx

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Cansado de congestionamento? Está na hora de você pagar pra andar artigo de Rodrigo da Silva via Spotniks

É, eu sei. Você já paga por uma sopa de letrinhas todos os anos para manter seu veículo funcionando. IPVA, DPVAT, licenciamento, seguro. Se ousar planejar trocá-lo, na hora de comprar outro veículo gastará outra fortuna com mais um punhado de letras: IPI, ICMS, Cofins, PIS. Não bastasse tudo isso, ainda gasta horas inenarráveis todos os meses em congestionamentos que não terminam mais, em avenidas esburacadas e mal iluminadas, contando as horas para não ser assaltado. Realmente, não é fácil. Todas as forças do mundo trabalham contra você. A culpa por isso tudo? Sustentar um sistema que é “de graça”. Você acabou se tornando um peso para as outras pessoas, um peso para o meio ambiente, um peso para o transporte coletivo. A solução? Abandonar a sopa de letrinhas. Em outras palavras: está na hora de você pagar pra andar com seu carro na rua. Pagar de verdade, pelo quanto você anda, sabendo exatamente como e onde está gastando seu dinheiro.

Quando dirigimos, “ consideramos apenas nossos próprios custos, mas ignoramos que geramos prejuízos para outras pessoas que não têm nada a ver com a gente. 6

Está na hora de deixar de lado a sopa de letrinhas, a burocracia sem sentido, os impostos acachapantes, e substituir por um sistema de preços. O congestionamento de trânsito é uma externalidade. Sabe o que isso significa? Quando nós dirigimos, consideramos apenas os nossos próprios custos – o tempo que perdemos, o combustível gasto, a segurança do automóvel, a manutenção do veículo -, mas ignoramos que geramos prejuízos para outras pessoas, que não tem absolutamente nada a ver com a gente. Quando você coloca o seu carro numa avenida, aumenta o tempo médio que as pessoas gastam para atravessá-la.

E isso tudo custa dinheiro. Muito dinheiro. Todos os anos, os congestionamentos desperdiçam bilhões de reais em todo mundo – especialmente nos países em desenvolvimento. Só no Brasil são mais de 170 bilhões de reais jogados no lixo todos os anos graças a eles. É mais dinheiro do que o governo planeja investir em infraestrutura em todo país por algum tempo. Faz sentido? Nenhum. Nos grandes centros, a construção de novas ruas e avenidas quase nunca dá conta do recado. E é fácil entender a razão. O canadense William Vickrey, ganhador do Nobel de Economia em 1996, dedicou parte da sua carreira como

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economista a tentar explicar esse fenômeno. Sabe o que ele propôs? A ideia de uma taxação de congestionamento. E é aqui que o seu bolso entra. O Brasil aparece com três cidades entre as dez mais congestionadas do mundo. Mas apostou errado quem pensa que São Paulo é a campeã dessa lista. As três cidades são, nessa ordem: Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Congestionamento é um fenômeno sem discriminação regional, presente de norte a sul do país. A pergunta que não quer calar é: afinal, por que as nossas ruas e avenidas simplesmente não funcionam? O motivo é simples: nosso sistema de trânsito não

é guiado por preços, não estão inseridas no mercado. O principal determinante do sistema de preços é a demanda em relação à escassez do recurso em questão. Ficou difícil entender? Sem problema, vou tentar descomplicar. O problema aqui é: oferta de ruas e avenidas limitada/ finita, demanda pelo uso de ruas e avenidas ilimitada/infinita. Em resumo: o sistema de trânsito atual é passe livre – e se você quer entender melhor porque isso simplesmente não funciona, precisa dar uma lida nesse texto aqui. Se não “custa nada” pra você usar um determinado serviço, seu uso será feito de modo irracional.


É exatamente por isso que você perde tanto tempo no trânsito todos os dias. William Vickrey recomendou um sistema eletrônico de taxas de congestionamento, onde as taxas aumentassem durante as horas de rush. O modelo foi aplicado em alguns lugares do mundo. O resultado foi o mesmo em todos eles: o estabelecimento de preços acabou/diminuiu os congestionamentos, melhorou a usabilidade das ruas e avenidas, diminuiu o número de acidentes, impactou positivamente na economia, ajudou o meio ambiente com a diminuição da emissão de CO2 e gerou maior bem-estar. Em Singapura, onde as taxas foram aplicadas em 1975, houve uma redução imediata de 45% no tráfego e um declínio de 25% nos acidentes com veículos. As velocidades médias aumentaram de 18 km/h para 33 km/h. Um sucesso. Anos depois, na década de 90, houve uma atualização do programa, com a instalação do Electronic Road Pricing (ERP), um sistema inteligente com a capacidade de variar os preços com base nas condições de tráfego e por tipo de veículo, hora e local. Hoje apenas veículos de emergência estão isentos da cobrança. Depois da alteração, os níveis de tráfego diminuíram mais 15% (com cerca de 25 mil veículos a menos nos horários de pico) e houve um acréscimo da velocidade média de mais 20%. Por incrível que pareça, congestionamento lá simplesmente não existe mais. Além disso, 65% dos passageiros utilizam agora o transporte coletivo, um aumento de quase 20%. Qual o

impacto disso tudo no meio ambiente? Uma redução de 176,400 libras em emissões de CO2. Nada mal. Impressionadas com os resultados obtidos em Singapura, autoridades de Londres adotaram o modelo na capital britânica em 2003. Por lá, o trânsito seguiu passos parecidos, embora com suas peculiaridades: o congestionamento caiu 30% nos dois anos seguintes à aplicação do modelo e aumentou a demanda pelo transporte coletivo. Todo mundo saiu ganhando. “Mas e os mais pobres?”, você deve estar se perguntando. A preocupação é genuína, mas não se engane: quem mais sofre com nosso sistema de trânsito atual, não guiado por preços, são justamente eles, os mais pobres – que, por normalmente viverem nos bairros mais afastados, demandam mais tempo no trânsito, seja em veículos próprios, seja no transporte coletivo. As famílias brasileiras na faixa de renda 10% mais baixa perdem, em média, 20% mais tempo no trânsito por dia em deslocamentos de casa para o trabalho do que as famílias na faixa de renda 10% mais alta. Isso impacta não apenas na qualidade de vida, mas na produtividade e na própria formação profissional. Sabe aquela especialização que você sonhava em fazer e que iria dar um upgrade na sua carreira? Melhor esquecer, você foi derrotado pelo trânsito. Acabou, já era. Ascensão social não costuma lidar bem com semáforo parado por muito tempo. E o problema não termina por aqui – como tudo que é ruim sempre

pode piorar, o congestionamento também encarece o preço das tarifas de ônibus. Em média, congestionamentos são responsáveis por 25% do preço da passagem de ônibus. E esse valor vem aumentando ano a ano. Adivinha só que classe social mais utiliza ônibus no dia a dia? Acertou quem pensou nos mais pobres. O grande problema é que o atual sistema “de graça” na verdade custa muito dinheiro. O valor é tão alto que quem cobra não tem sequer coragem de informá-lo. Os mais pobres, em especial, pagam caro pra usar um sistema “gratuito” de trânsito e são os maiores prejudicados pela ineficiência do modelo. Pagam em dobro se considerarmos o prejuízo da manutenção de seus veículos, mais expostos ao congestionamento, e do tempo perdido inutilmente no trânsito; pagam caríssimo nas latas de sardinha dos transportes coletivos. Todo esse dinheiro recolhido para a manutenção desse sistema, todo dinheiro perdido com a ineficiência do modelo, é uma grana que bate forte no bolso de todo mundo, mas ainda mais forte no bolso deles. Apostar no modelo atual da sopa de letrinhas, inegavelmente fracassado, como todo setor não guiado pelo sistema de preços, é apostar numa coisa que nasceu pra dar errado. Você paga caro por um produto sem perceber, achando que é “de graça”, e leva em troca muita dor de cabeça pra casa. Pense nisso na próxima vez que estiver no engarrafamento.

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No muro sobre a polêmica do Uber? Tiramos suas dúvidas!

POR QUE O SERVIÇO DE TÁXI TORNOU-SE UM MONOPÓLIO?

As licenças de táxis são obtidas mediante credenciamento nas prefeituras. Como há poucas licenças disponíveis se comparado à demanda, invariavelmente as placas de táxis chegam a custar fortunas. Uma no Aeroporto Internacional de Guarulhos tem o valor excertos do artigo de Luan Sperandio de R$ 1,2 milhões de reais! Se houvesse total liberação do mercado de táxis, o valor da licença via Mercado Popular cairia até chegar a zero: seriam inúteis. Mas isso não ocorre porque as QUAL A DIFERENÇA ENTRE O prefeituras ficam anos sem emitir novas licenças. No Distrito Federal, por foram anunciadas novas autorizações para taxistas em 2015, UBER E OS TÁXIS? exemplo, após uma espera de 36 anos! Não se admira que diante dessas cifras e Do ponto de vista do marco informações a pressão para proibir a liberação do setor seja tão forte. regulatório, o Uber é um provedor remunerado de serviço privado de transporte de passageiros. Quem É NECESSÁRIO REGULAMENTAR O UBER? se cadastra na plataforma do O Uber já é regulamentado. Só que sua regulamentação é privada, não Uber adere às condições impostas estatal. Os consumidores do app, ao completarem uma corrida, dão uma nota privadamente pela empresa. de 1 a 5 estrelas ao motorista. Esse mecanismo permite que a empresa encerre Já, legalmente, os táxis prestam um o vínculo com um motorista ruim. Além disso, a empresa Uber exige experiência e serviço público, cujas condições treinamento de seus motoristas vinculados. Os carros têm GPS e os trajetos são são impostas pelo poder público monitorados. É um sistema que se tem mostrado bastante eficiente. local. Um taxista não pode, por Perceba que não ser regulamentado não é sinônimo de operar na ilegalidade. exemplo, recusar-se de atender Cabe a quem propõe regulamentar o Uber mostrar, no mínimo, que a regulação um passageiro (apesar de serem estatal vai melhorar o serviço, em vez de simplesmente restringir a concorrência comuns relatos sobre recusas). Logo, em benefício dos motoristas já credenciados. havendo regulamentações para os serviços, elas devem ser diferentes. REGULAMENTAR O UBER PELO ESTADO É UMA BOA IDEIA? Depende de como se dará a regulamentação. Nesse sentido, um Projeto de Lei JÁ EXISTIAM SERVIÇOS PRIVADOS de autoria do Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) está em trâmite no Senado Federal e visa regulamentar o sistema de transporte privado individual, o que DE TRANSPORTE INDIVIDUAL NO abrange o Uber. Por um lado, isso pode encarecer um pouco o serviço para BRASIL ANTES DO UBER? os usuários, deixando-o menos vantajoso ao afrontar a democracia dos consuSim, como os denominados serviços midores. Por outro, seria o fim da polêmica que se inicia sempre que um político de “turismo receptivo” ou “transporte protocola um novo PL, em nível municipal ou estadual, para proibir a atividade. executivo” que buscam passageiros Regulamentar o Uber em esfera federal poderia dar segurança jurídica para em diversos locais da cidade, como que iniciativas similares se popularizem atingindo mercados maiores no país, aeroportos e hotéis, não havendo sem riscos de que lobby local e interesses escusos consigam proibir a livre inipolêmica sobre a questão, apesar ciativa e concorrência. Especificamente sobre esse PL, uma análise detalhada de serem marcos regulatórios iguais. será objeto de outro artigo.

OS MOTORISTAS DE TÁXIS SERÃO PREJUDICADOS COM A CONCORRÊNCIA?

Não! Isso ocorre porque muitos motoristas locam dos donos de licenças de táxis para poderem trabalhar. Esses valores podem ultrapassar 5 mil reais mensais. No Uber, o motorista retém 80% do que arrecadar, não havendo diárias. É de se esperar que com a concorrência muitos motoristas de táxis migrem para o aplicativo, fazendo o preço das diárias caírem para os taxistas até o equilíbrio de mercado. Quem perderia seriam os donos de licenças de táxi. Texto disponível na íntegra em: http://goo.gl/3rSd44

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descentralização dos transportes Confiram aqui nossa conversa com Anthony Ling, discorrendo sobre descentralização e inovação disruptiva na mobilidade. Ling é Arquiteto e Urbanista formado pela UFRGS e editor geral do Caos Planejado. a frase da Jane Jacobs que aparece na capa desta edição nos conduz a uma reflexão sobre o papel dos governos na organização das cidades. Apesar de o planejamento central almejar mudanças profundas e positivas através da sua ação, muito frequentemente ele se embrenha em projetos dispendiosos, superficiais e ineptos. Os seus maus resultados não têm sido incentivos suficientes pra reverter esse cenário. Nesse contexto, gostaríamos de começar conhecendo algum caso que ilustre como a descentralização poderia beneficiar o funcionamento do sistema de transporte urbano e os seus usuários.

O transporte descentralizado existe em alguns países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Os casos mais emblemáticos são o de Lima, com os “colectivos” e o de Nairóbi com os “matatus”. Pelo fato de o sistema ser provido por múltiplos agentes, com veículos coletivos pequenos, ele possui pontos positivos inerentes à sua natureza impossíveis de serem atendidos por um sistema descentralizado. O sistema é extremamente dinâmico, com rotas ajustadas de acordo com a demanda; não possui subsídios e é extremamente barato pois é constantemente pressionado pela concorrência; tem alta capilaridade viária, chegando em ruas pequenas e permitindo mais rotas ponto a ponto, sem transferência. A centralização pode gerar alguns problemas, como o da assimetria de informação do provimento no serviço, tanto da qualidade como da rota que será feita. Um sistema assim prejudica principalmente os moradores, que olham para o sistema aparentemente caótico com desgosto. No entanto, grande parte das críticas feitas a estes sistemas não são necessariamente à sua natureza descentralizada, mas a outros fatores que prejudicam a sua qualidade de forma geral. Nenhum dos sistemas permite um mercado aberto com concorrência verdadeira entre provedores de serviço, pois ora funcionam informalmente, debaixo de leis que não são aplicadas, ora enfrentam grupos mafiosos que controlam tais operações. Aliado ao próprio fato de que são países subdesenvolvidos e mirando em um público de baixa renda, a qualidade tenderá a cair. Muitos também criticam que, por ser um sistema sem restrição de oferta de veículos, as ruas tendem a ficar congestionadas com a sua operação. No entanto, me parece evidente que o problema não é a descentralização, mas o acesso gratuito ao espaço viário, que em países desenvolvidos são ocupados da mesma forma com automóveis particulares. Isso dito, cidades americanas tem se tornado bons exemplos incentivando uma descentralização do transporte baseada em tecnologia. San Francisco e Washington já permitem múltiplos serviços privados de transporte sob demanda, solicitados pela internet, com características diferentes, como Uber, Lyft, Loup, Bridj e Split, que andam no caminho de um sistema descentralizado eliminando as assimetrias de informação existentes em países subdesenvolvidos que ainda não tem acesso a tais tecnologias. No Brasil os empreendimentos em transporte urbano são fortemente onerados pela regulação, talvez muito mais que em outros serviços. De que maneiras podemos provocar uma ruptura com esse arranjo, criando um ambiente propício à inovação e ao empreendedorismo em mobilidade?

Acho muito difícil se falar em desregulamentação de transporte no Brasil. Não só pela natureza jurídica e legislativa que o setor público e o setor de transportes já possuem, mas também pelo fato de a via (a infraestrutura de uso) ser pública e pelo fato de existirem fortes grupos de pressão (táxis e concessionários de ônibus) que, querendo ou não, influenciam fortemente as decisões políticas de transporte. O que tem se falado é uma “regulamentação para permitir a operação” de novos serviços de transporte sob demanda via aplicativo. Não vão concorrer diretamente com os serviços atuais, pois não vão “chamar na rua” com acenos de braço, por exemplo, mas é uma forma de abrir o sistema de transporte para novas alternativas empreendedoras. Quais perspectivas você vislumbra pro uso de transporte sob demanda (DRT) no Brasil? Ele tem potencial de quebrar o paradigma da organização pública dos transportes? Como podemos lidar com as potenciais externalidades negativas para o trânsito?

Acho que o transporte público vai continuar existindo por um bom tempo, pois hoje ele existe para tentar garantir uma equidade no transporte, embora isso raramente se configure na prática. O transporte de massa certamente deve continuar existindo, pois haverá por ainda muito tempo uma parcela significativa da população extremamente sensível a preço, disposta a enfrentar um sistema de pior qualidade e acesso. O que o DRT certamente tem o potencial de fazer é de pressionar os demais serviços por qualidade ao oferecer um choque da mesma, algo que já ocorre no táxi pois vê a concorrência com o Uber. Quanto às externalidades negativas para o trânsito, vejo que o automóvel particular será quase sempre mais prejudicial que um DRT, pois ocupa espaço estacionado, usa mais recursos e gera mais acidentes que um veículo compartilhado, neste último caso pois os motoristas individuais não são profissionais e, com frequência, dirigem alcoolizados. Como comentei acima, o problema de sobreoferta é a natureza gratuita da oferta de espaço viário para qualquer cidadão, o que acho que deveria ser corrigido ou amenizado com políticas de pedágio urbano.

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conversas sobre a mobilidade em Florianópolis

PECULIARIDADES DA nossa MOBILIDADE

com Luiz Eduardo Peixoto, estudante Florianópolis carrega a marca de um dos piores índices de mobilidade urbana brasileiros. Para compreender em que contexto esse cenário se desenvolveu e por que ele se mantém precário, conversamos com Luiz Eduardo Peixoto, um florianopolitano estudante de Economia na FEA - USP e pesquisador no Núcleo de Estudos Regionais e Economia Urbana. Luiz estuda fatores que favorecem, ou desfavorecem, o dinamismo urbano. Confiram:

Florianópolis possui um dos piores índices de mobilidade DENTRE as capitais brasileiras. quais fatores você responsabilizaria por essa realidade? Primeiramente, o padrão habitacional da ilha, que, quando a cidade passou por forte crescimento populacional, entre 1980 e 2000, significou uma forte expansão em bairros situados ao extremo norte e meio-sul, como Ingleses e Campeche. Isto se deu por motivos também geográficos, dado que boa parte do território da Ilha é composto por morros escarpados, mas sobretudo pela regulação restritiva na região central, que limitou o desenvolvimento de bairros como Trindade, Agronômica e o próprio Centro, onde um maior adensamento significaria maior oferta de moradias nestes locais, preços mais baixos e deslocamentos mais curtos - ou seja, menores congestionamentos. Isto é culpa de uma visão onde deveríamos controlar o crescimento da cidade - mas que perdeu de vista que, ao fazê-lo por meio de simples limites de altura em locais próprios para se adensar, significaria espalhar a cidade de norte a sul, já que a demanda não iria desaparecer com estes controles. O Hotel Ponta do Coral é um exemplo dessa visão torta, onde um espaço subutilizado em plena Beira-Mar, que potencialmente pode ser polo de empregos numa região própria para tal, é alvo de ambientalistas que não vêem que as habitações “hippies” de frente para a Lagoa da Conceição, Armação ou Morro das Pedras são parte de uma lógica muito mais danosa para a sustentabilidade da Ilha. Temos na ilha MUITAS ÁREAS DE reservas AMBIENTAIS. como esses espaços AFETAM o zoneamento urbano atual e futuro? Acredito que espaços delimitados como o Parque do Rio Vermelho, da Lagoa do Peri e os próprios limites da Lagoa da Conceição devem ser respeitados. Mas temos que ter em mente que não são só leis e decretos que vão proteger estes locais - afinal, as pessoas precisam ter onde morar, e você não pode simplesmente evitar a demanda. Em Florianópolis vimos invasões de áreas de proteção ambiental motivadas por dois vetores: 1) a falta de oferta nas regiões centrais, que colocou preços no teto e inviabilizou moradias mais baratas e 2) corrupção, como evidenciado na operação Moeda Verde. São distintas, porém têm natureza similar; o poder da legislação e do governo sobre a cidade. Quando mal regulado, gera casos de favorecimento ilícito; quando regulado em excesso, resulta em distorções absurdas como bairros-dormitório gigantes a 40 quilômetros do centro, como o caso dos Ingleses/Rio Vermelho. Os migrantes que aqui chegavam não foram para o norte da ilha pela praia, mas sim pela falta de onde ir - preços altos e pouca oferta nas regiões centrais, terrenos baratos e pouco regulados nos limites da mancha urbana; um padrão que se repete nas grandes cidades brasileiras. Os períodos de alta temporada são considerados por muitos moradores locais um grande transtorno. Tendo em vista que o fluxo de pessoas tende a aumentar a cada ano, como você vê possíveIS soluçÕES para AMENIZAR essa situação? Florianópolis chega a receber 1 milhão de visitantes na alta temporada, com variações para baixo nos últimos anos devido ao protagonismo de outros balneários na costa Sul, mas ainda com tendência de crescimento no médio prazo. O setor de turismo, embora tenha perdido relevância para o de alta tecnologia na cidade, ainda tem grande importância. Não me parece factível controlar a quantidade de pessoas que entram na cidade, isto é fruto de uma visão simplista e absurda da realidade. Acredito que uma exploração mais racional da estrutura urbana da ilha é o caminho; favorecer hotéis na região central, permitir soluções de transporte coletivo mais inovadoras, ágeis e descentralizadas - quebrar o monopólio das empresas de transporte coletivo e táxis seria um primeiro passo importante, especialmente dado a complicação que pode ser o sistema integrado de ônibus. Outros transtornos, como com relação à oferta de luz e água, por exemplo, são algo recorrente - sabemos que o problema já vem de décadas - em que órgãos públicos detentores, outra vez, de monopólios são incapazes de responder à demanda ou de se organizarem minimamente para picos de consumo. O que fazer se só temos uma opção? As soluções obviamente passam por aumento de capacidade, e me parece ingênuo acreditar que isso virá de empresas acomodadas, com indicações políticas e corpos técnicos com pouco poder decisório, sujeitos a pressões. Quais ações você considera fundamentais para mELHORAR O CENÁRIO DA MOBILIDADE AQUI? Retomar o adensamento da região central, diminuindo as restrições e permitindo melhor aproveitamento dos terrenos ainda disponíveis nestas regiões, com prédios mais altos. Isto agiria concentrando moradias próximas a onde os empregos estão, e pressionaria os preços para baixo. O novo eixo de desenvolvimento na SC-401 entre Saco Grande e João Paulo também deve ser aproveitado, sem os erros de restrições ao adensamento e deixando este transcorrer de forma orgânica. Também deve-se colocar um fim ao ciclo vicioso de viadutos e rodovias que, se temporariamente resolvem algum gargalo no trânsito da cidade, no médio prazo só agem como o que chamamos de pólos geradores de tráfego, incentivando o espraiamento da cidade e só alimentando congestionamentos - como Florianópolis há tanto assiste. É gasto público que gera gasto público, e só atende a exigências imediatistas, não é planejamento para o futuro.

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O podShare é um projeto que visa compartilhar o uso de automóveis de modo que seus usuários usufruam de uma com Brener Martins, empreendedor mobilidade mais inteligente. Você pode Você já deixou de comprar CDs por causa dos arquivos explicar para nós como funciona a digitais de música. Também parou de alugar filmes que plataforma?

PODSHARE - ECONOMIA COLABORATIVA

pode consumir online. E com um novo capítulo que está sendo escrito, o da economia compartilhada, é possível que desista também de comprar um carro. O lema “acesso é melhor que posse” está mudando a forma pela qual consumimos e produzimos, a exemplo de iniciativas como Uber (taxi compartilhado), Airbnb (hotel compartilhado), dentre outros. Entrevistamos o acadêmico da UFSC, Brener Martins, um dos membros do podShare, um projeto de Florianópolis que promete revolucionar a forma pela qual nos transportamos.

O serviço ofertado é o acesso ágil a veículos por curtos períodos, no nosso caso específico por hora. Para utilizar os veículos disponibilizados são 3 passos simples, reserve, dirija e compartilhe. Sendo um usuário cadastrado, basta reservar via site ou app e então deslocar-se até o veículo, destravá-lo usando seu cartão de acesso e utiliza-lo pelo período reservado, ao final deste basta encerrar o uso retornando ao ponto de retirada do veículo que este pronto para o próximo usuário.

Conte-nos um pouco sobre o que te levou a idealizar e participar deste projeto. Durante toda minha graduação integrei a e3 – Equipe UFSC de Eficiência Energética – na qual desenvolvíamos protótipos veiculares de alta performance para participar de competições nacionais e internacionais. Ao longo dos anos e da experiência internacional surgiu a vontade de levar os conhecimentos adquiridos e tecnologias desenvolvidas para a sociedade na forma de um veículo elétrico urbano. Devido aos altos custos de produção deste passamos a buscar alternativas de precificação, foi assim que a ideia de disponibilizar o veículo na forma de serviço tomou corpo. A partir daí avançamos separadamente desenvolvendo as tecnologias e validações necessárias para o serviço de compartilhamento e projetando o veículo elétrico.

Qual os possíveis impactos do seu projeto para a mobilidade urbana na cidade de Florianópolis? À medida que o número de veículos disponibilizados cresça esperamos que possamos reduzir o número de veículos próprios em uso nas ruas e assim impactar o intenso trânsito que temos em Floripa. De imediato, ofertamos mais um modal para os que aqui residem, com maior qualidade, conforto, flexibilidade e a preço acessível. Como sabemos, a livre competição em um setor sempre beneficia o consumidor.

Agradecemos novamente a sua participação, Brener. Você quer deixar algum recado para os nossos leitores? A todos que se interessaram pelo tópico peço para conferirem as páginas abaixo, nelas além de poder acompanhar as inciativas, sempre são postados notícias relativas a mobilidade urbana, economia compartilhada e veículos elétricos. www.facebook.com/EVPodCycle www.facebook.com/PodShareCompartilhe

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dica do mês

Com uma breve busca pela internet e alguma leitura em trechos da

sua obra, é impossível não sentir vontade de correr pra ler o livro mais marcante de Jane Jacobs: Morte e Vida de Grandes Cidades. Jane foi uma jornalista americana que influenciou fortemente o pensamento urbanístico do século XXI, com sua visão sobre as cidades como ordens sociais complexas, que não podem e não devem ser traçadas e recortadas ao bel prazer de um planejador. Deixamos um trecho do livro para inspirar vocês: “Artistas, seja qual for seu meio de expressão, selecionam da grande abundância de materiais disponíveis na natureza e os organizam em obras que estão sob o controle do artista… a essência do processo é disciplinada, altamente selecionada e discriminatória da vida. Com respeito à abrangência e à literalmente infinita complexidade da vida, a arte é arbitrária, simbólica e abstrata… Tratar de uma cidade, ou mesmo de um bairro, como se fosse um grande problema arquitetônico, capaz de ser resolvido através de um trabalho disciplinado de arte, é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte. Os resultados de tão profunda confusão entre arte e vida não são nem arte, nem vida. Eles são taxidermia.”

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Evento Mobilidade Urbana em Fpolis

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CINE pipoca Liberal 15:00

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GEDLib jurídico 17:00 109 CCJ

INFORMAÇÕES 15, 22 e 29 - 18:30 Grupo de estudos e debates sobre liberalismo econômico, na sala 006 do Centro Socioeconômico 16, 23 e 30 - 17:00 Grupo de estudos e debates sobre liberalismo jurídico, na sala 109 do Centro de Ciências Jurídicas 22 - Circunferência sobre Mobilidade Urbana na Grande Florianópolis, na UFSC + informações Grupo Henry Maksoud https://goo.gl/ut9xr8

Grupo Henry Maksoud


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