Jornal A Ponte | Conectando ideias

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conectando ideias 17 de outubro de 2015

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Edição especial para a Conferência Nacional dos Estudantes pela Liberdade

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o editorial Este jornal é o trabalho de uma equipe preocupada com a falta de apreço pela liberdade nas universidades brasileiras. Entendemos que estas possuem papel fundamental na formação de opinião e na criação de conhecimento, e que, se buscamos uma sociedade mais livre, não podemos nos furtar da busca por uma universidade também mais livre. Ser o primeiro contato pró-liberdade para um vasto público acadêmico é uma experiência incrível, a qual queremos compartilhar. Acreditamos que este projeto deve ser ampliado, estendendo seus resultados positivos a diversas universidades do país, através do trabalho de vocês, coordenadores do Estudantes Pela Liberdade. Pensando nisso, apresentamos aqui uma edição muito especial: ^ O JORNAL A PONTE FEITO POR VOCES!


O problema em defender a liberdade pela metade artigo de Luan de Menezes do Clube Ajuricaba

Um dia desses me perguntaram, “Luan, se defende legalização das drogas, o feminismo e casamento homossexual, o que faz você diferente da esquerda?”. Percebi que era uma pergunta sincera, de alguém com curiosidade e uma vontade inocente de aprender. Contudo, confesso que não foi uma pergunta fácil de responder. Não porque a pergunta fosse complexa. Mas porque era capciosa. Decidi que responder que era um liberal e que rejeitava os termos esquerda e direita como posição política era o jeito mais simples para se fazer entender.

o liberal não pode esperar que o conservador ou o socialista defendam a liberdade por ele 2

Seria fácil dizer que não sou de esquerda porque a esquerda rejeita o livre-mercado e abraça o intervencionismo econômico. Mas isso seria me colocar diretamente no grande guarda-chuva retórico que se transformou o termo direita. Não me encaixo junto com conservadores, militaristas ou fundamentalistas (apesar de haver alas à esquerda com as mesmas posturas) que proclamam o termo para si. Além disso, basear o espectro político apenas no modelo econômico que se defende é rejeitar toda a ciência política. É realmente menos reducionista e mais correto me considerar liberal. Mas o que é um liberal de fato? As duas liberdades É comum encontrar na internet, livros ou jornais duas divisões da liberdade que soam como blasfêmias aos meus ouvidos. E geralmente a liberdade é dividida entre liberdade econômica e a liberdade individual. A liberdade econômica frequentemente se refere ao modelo econômico de um país, se ele é intervencionista ou aberto ao livre-mercado.


Na ciência econômica atual não existe binarismo entre intervencionismo ou livre-mercado. Hoje os países se localizam em um longo espectro de regimes comerciais, que variam em intensidade e grau. O liberalismo Inúmeros autores e teorias tentaram se definir como a terceira via política, a salvadora das nações, o meio-termo de ouro. Todos falharam. O liberalismo, contudo, não possui essa vontade ou designação. Ele está tanto na direita como na esquerda, no centro e no libertário. Não é uma doutrina rígida e fechada, é na verdade uma metamorfose de pensamento, que evolui e se desenvolve de acordo com os autores que abraçam seus princípios. Que princípios são esses? A liberdade humana. Para o liberal, a defesa tanto da liberdade econômica e liberdade individual são uma só. Você não pode ser meio-liberal ou defender a liberdade pela metade. Se é a favor do comércio, por que seria contra o comércio de drogas? As guerras as drogas matam mais que as drogas em si. Separar o problema das drogas do problema das guerras às drogas é o primeiro passo para se pensar em uma solução. >> LEIA MAIS EM WWW.CLUBEAJURICABA.COM

Além disso, reconhecer o machismo na sociedade também é outro passo para pensar em soluções que ajudem as mulheres a serem mais livres e independentes em um mundo que precisa cada vez mais de capital humano. O feminismo nasceu como movimento liberal e há muito de liberalismo no movimento feminista atual. E o que é mais liberal do que defender que duas pessoas que se amam formem uma família? O casamento homossexual hoje está em pauta por causa de princípios que nasceram com o liberalismo: a democracia, o estado de direito e a tolerância. No fim das contas, há muita gente que se define de esquerda ou direita mas defende em certo grau a liberdade humana. Faz parte do jogo político. Mas a coerência pede que se defenda de maneira correta aquilo que acreditamos ser o pilar do progresso humano. O liberal não pode esperar que o conservador ou o socialista defenda a liberdade por ele. Contudo, isso não faz com que essas vertentes sejam inimigas inconciliáveis. Apenas define quem é o verdadeiro protagonista da liberdade.

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O direito de propriedade das carroças na Cracolândia artigo de Luiz Renato Oliveira Péricovia

Sobre o direito de propriedade privada recaem diversas acusações, dentre as quais, a de ser um direito de ricos, que defende os que têm contra os que não têm, perpetuando injustiças sociais. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo discorda. Segundo informe de 10 de junho da própria entidade, “a Defensoria Pública de SP enviou na última semana ofícios à Prefeitura da Capital solicitando que sejam devolvidos os bens, objetos pessoais e carroças aos seus donos, pessoas em situação de rua que tiveram tais pertences apreendidos pelos guardas civis metropolitanos durante as operações que aconteceram na região da Cracolância no final do mês de abril”. As carroças são instrumentos de trabalho dessas pessoas, que trabalham recolhendo lixo reciclável na rua vendendo esse material. Como explicado no documento enviado à Prefeitura, “”Muitas pessoas tiveram suas carroças apreendidas durante a operação do dia 29 de abril e nos dias seguintes, assim como pertences pessoais diversos. As pessoas utilizavam as carroças

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para a coleta e transporte de materiais recicláveis, sendo essa uma das únicas fontes de renda que possuíam no contexto de extrema vulnerabilidade social em que vivem”. Foi isso que lhes foi tirado – e isso responde pelo nome de propriedade. Segundo o informe, “de acordo com os Defensores Públicos, a apreensão administrativa das carroças e objetos pessoais destas pessoas é ilegal e inconstitucional, e fere


o direito de posse e propriedade. ‘É de rigor que se faça não apenas a devolução dos bens, objetos pessoais e instrumentos de trabalho, como também se apure as circunstâncias em que as apreensões ocorreram, que podem caracterizar, inclusive, o crime de abuso de autoridade’”. Proudhon disse que a propriedade é roubo. Os moradores de rua que tiveram suas carroças e bens arrancados discordam; para eles, rouba quem lhes tira o que é seu – no caso, o próprio Estado. A Defensoria Pública de São Paulo também discorda do filósofo – por isso, saiu em socorro do direito dos moradores de rua. Que seu exemplo, mais que aplaudido, seja seguido. A defesa da propriedade não é a defesa do que tem muito , mas do que tem pouco, pois é justamente esse que não pode perder o que tem, e é justamente esse que está mais vulnerável a ter tomado de si o pouco que tem. Os ricos e as grandes empresas, quando querem garantir seus bens, compram sua segurança e o que pode garanti-la – inclusive o Estado; ao pobre, a única garantia é que seu direito a ter o que é seu seja respeitado e garantido e que todo aquele que viole seu direito seja obrigado a repará-lo – ainda que seja o Estado. Se o rico tem dinheiro, influência, poder e mesmo força e violência à sua disposição, ao pobre só resta seus direitos; tirem-lhe seu direito de ter o pouco que tem e estará lhe tirando tudo – absolutamente tudo. Até uma carroça.

A Lei de Terras e a opressão dos negros artigo de Eduardo Lopes do Coletivo Nabuco

Oficialmente, a escravidão brasileira, a única remanescente nos países independentes do continente americano, foi abolida em 13 de maio de 1888. Claro, não seria uma lei assinada pela aristocracia que resolveria os problemas de quem tinha sua força de trabalho e dignidade roubadas; o ambiente vinha sendo moldado há cerca de 40 anos para que isso ocorresse da forma menos dolorosa possível — para os donos de escravos. Por pressão inglesa, o Brasil já havia começado a dar alguns passos em direção ao fim da escravidão. A mais emblemática e ineficaz “lei para inglês ver”, a Lei Feijó, foi sancionada em 1832, dando nominalmente a liberdade a escravos desembarcados no país, mas somente em 1850 a Lei Eusébio de Queirós proibiu mais efetivamente o tráfico de escravos para o território nacional. O fim da escravidão no Brasil estava, ao menos, bem sinalizado, embora muitas medidas tomadas tenham servido para estender a

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vida do regime. Em 1871, a chamada Lei do Ventre Livre foi aprovada, “libertando” os filhos de escravos — que ficariam sob os “cuidados” dos seus senhores ou do estado até os 21 anos, escravizados da mesma forma. Em 1885, a Lei dos Sexagenários “libertou” os escravos com mais de 65 anos — efetivamente dando uma licença de descarte dos escravos aos senhores. Finalmente, a “abolição” ocorreu com a Lei Áurea. Era de se esperar que medidas assim servissem para a continuação dos privilégios brancos, mas nenhuma delas se compara à desumanidade que seria perpetuada até hoje pela Lei de Terras, menos famosa, de vinte anos antes. Aprovada apenas duas semanas após a Lei Eusébio de Queirós, a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 estabelecia o fim da apropriação de terras: nenhuma terra poderia mais ser apropriada através do trabalho, mas apenas por compra do estado. As terras já ocupadas seriam medidas e submetidas a condições de utilização ou, novamente, estariam na mão do estado, que as venderia para quem definisse. Além de impedir que os escravos obtivessem posse de terras através do trabalho, essa lei previa subsídios do governo à vinda de colonos do exterior para serem contratados no país, desvalorizando ainda mais o trabalho dos negros e negras. Quando a abolição ocorreu, os negros foram abandonados à própria sorte, não concedendo nenhum tipo de reparação, indenização e terras — mesmo que nenhum valor fosse suficiente por vidas inteiras de trabalho forçado e desumano. Não podiam cultivar a terra e não tinham dinheiro para comprá-la diretamente do estado (que, de qualquer forma, possuía o poder de determinar quem seria o dono das terras e certamente os negros não estavam no topo da lista). O que restou para a população negra foi a fuga para as cidades para viver em cortiços, dependentes, vendendo sua mão de obra a salários de fome. O cenário mundial da época já exigia o fim da escravidão, mas o Brasil colocou freios em todos avanços do abolicionismo, freios que moldaram o que seriam as possibilidades da população negra, perpetuando o privilégio branco. Quando olhamos à nossa volta no Dia da Consciência Negra, percebemos que a cor da pele dos mais marginalizados e explorados da sociedade é diferente da elite. Isso não foi por acaso: foi o resultado pretendido de uma série de medidas para manter os negros em submissão. Em sua autobiografia, o grande abolicionista e liberal Joaquim Nabuco sentenciava, em 1900: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Exatamente.

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O liberal na federal

artigo de Gabriel C. de Andrade do Grupo Henry Maksoud

É crescente o número de pessoas que percebem a natureza perversa e violenta dos impostos, pagametos amparados pelo uso da violência estatal contra aqueles que se recusam a pagá-los. Contudo, alguns desavisados acreditam ser hipocrisia criticar a natureza dos impostos enquanto utiliza-se de serviços que com eles são sustentados - a verdade é que se existe algum hipócrita nessa história, este não é o liberal. O verdadeiro hipócrita é aquele que, em busca do “bem comum”, utiliza-se da força para moldar a sociedade ao que ele mesmo considera bom. Não defende que cada um

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seja livre para buscar o que considera bom, mas sim que ele próprio seja livre para buscar o que será bom para a vida das outras pessoas - e para tal, ampara-se de coerção contra aqueles que discordarem de sua peculiar visão de “bem comum”. Em tal busca, chama de serviço público certa atividade que ele próprio considera boa, mas que não se contenta em contratá-la apenas para si: quer que todos sejam obrigados a fazê-lo. O liberal, por outro lado, sabe claramente a única origem possível para pagamentos dos serviços públicos, sabe que não há outra forma de financiá-los que não pelo uso de violência e ameaças contra aqueles que ousarem deixar de pagar tais serviços. Robert Nozick levanta o ponto chave de que a cobrança de impostos é análoga ao trabalho forçado, uma vez que ambas situações não permitem ao trabalhador escolher onde gastar o produto do seu trabalho. Stefan Molyneux vai mais longe e questiona: “Se escravidão é tomar 100% dos frutos do trabalho alheio pelo uso da força, em qual porcentagem temos a abolição total?”. É importante trazermos tal questionamento para hoje para termos a clara noção de que nem o escravo de antigamente

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tampouco o cidadão atual possuíram o direito de usar o fruto de seus trabalhos como bem lhes fosse adequado. Existiu sempre um ente externo a ambos que tomou grande parte do que por eles foi produzido, restringindo senão total, parcialmente as suas liberdades. Trata-se portanto de um grave erro chamar o liberal de hipócrita pelo simples fato de estudar em Universidade Pública, pois a esta pessoa, assim como ao escravo, nunca foi dada a opção de utilizar os frutos de seus trabalhos como lhes bem conviesse. Antes de chamar um liberal de hipócrita apenas por ele utilizar serviços públicos pergunte a si mesmo se rotularia de forma similar um escravo que discorda da escravidão mas mesmo assim utiliza os serviços de moradia e alimentação fornecidos a ele pelo seu Senhor. Pela convicção de que tais métodos coercitivos de organização social há muito encontram-se ultrapassados e que sobre eles deve prevalecer a livre associação entre indivíduos, oferecemos ao leitor o presente jornal: o trabalho de um grupo que defenderá a liberdade mesmo daqueles que atacam a nossa própria. Esta é uma defesa que vale a pena ter - e ler.

sobre nós as atividades deste jornal recebem o apoio da Gubernare Corporatif

contato: pontejornal@gmail.com

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Grupo Henry Maksoud


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