Jornal A Ponte | Conectando ideias

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conectando ideias Florianópolis, 05 de abril de 2016

Edição especial sobre a crise institucional brasileira.

E004

PON

TE

“ um partido

sempre devota suas energias a provar que o outro partido não é digno de governar, e ambos estão certos ”

h. l. mencken

o editorial Nesta edição não poderíamos nos furtar de falar sobre o momento crítico que compartilhamos, ante o preocupante fraquejamento das nossas - já antes tão frágeis - instituições. Procuramos coletar opiniões e argumentos sóbrios acerca das raízes da crise política e econômica, do caminho que precisaremos percorrer nos próximos anos e das implicações do processo de impeachment presidencial. Como é da natureza deste editorial, almejamos mais uma vez estimular o embate de ideias, vislumbrando traçar objetivos mais sólidos e comprometidos com a realidade. pág 2 |

o menor dos nossos problemas com Giácomo de Pellegrini pág 5 | a lição de Friedman

com Bruno Souza

pág 6 | visões: o impeachment com Isaac K. Medeiros e Gabriel C. Andrade pág 8 | memória: o golpe militar pág 9 | capitalismo de compadrio

com Gustavo Franco

pág 10 | atividades do mês de abril


O menor dos nossos problemas artigo de Giácomo de Pellegrini

O país está parado - na verdade, recuando. Vamos para dois fortes tombos consecutivos no PIB, algo que não acontecia desde 1930, e as consequências já são devastadoras para boa parte da população. O endividamento público e das famílias está fora de controle. O governo já espera um déficit público colossal de cem bilhões de reais no fim do ano, e se essa é a expectativa do governo, então ele será maior. Tudo leva a crer em mais um impeachment presidencial. Provavelmente até o fim do primeiro semestre novas raposas executivas tomarão conta da granja no Planalto. Na verdade, são velhas raposas. Perceba, tudo isso tem pouco a ver com personagens e mais com bons e maus incentivos, apesar de personagens poderem potencializar problemas. De qualquer maneira, um impeachment dificilmente surge num cenário de bons indicadores. O impeachment é um processo majoritariamente político. Já os bons indicadores dependem de boa ciência econômica. Neste mês de abril, quase certamente, o processo será votado na Câmara. Réus e futuros réus se recolherão para suas bases eleitorais e serão bons ouvintes dissimulados de seus representados.

o que “ tem falhado

é justamente a nossa ideia de estado democrático de direito. 2

Todos os e-mails não lidos já estarão na lixeira. Trocarão alguns telefonemas com seus líderes partidários e financiadores. Líderes gentilmente recomendarão o sim ou o não, baseados em um novo esboço do organograma de verbas, cargos, propinas e punições. Financiadores querem celeridade na manutenção e ampliação de seus privilégios e mecanismos que favoreçam sua perpetuação no mercado. Por fim, munidos dessas informações, os excelentíssimos representantes do povo participarão da festa VIP da democracia. A novidade dessa vez ficará a cargo dos senadores.

Em caso de aprovação do afastamento na Câmara, a maioria simples do Senado pode passar por cima dos dois terços da Câmara e barrar a festa. O Supremo Tribunal Federal através da hermenêutica e técnicas forenses somente disponíveis em 2015 encontrou um borrão que fazia menção a tal possibilidade entre as diversas camadas ocultas de papel da Constituição e leis relacionadas. Estado Democrático de Direito é coisa séria. As causas do problema atual estão nas linhas e entrelinhas acima. O que tem falhado é justamente a nossa ideia de Estado Democrático de Direito.

A partir da nossa Constituição atual, promulgada em 1988, das demais outras leis oriundas, dos nossos legisladores, executores, operadores do Direito e imaginário popular, construiu-se um modelo antieconômico e eticamente perverso. O que se vê agora é apenas o esgotamento desse modelo. Ele é baseado na narrativa do Estado provedor, do bem-estar social, intervencionista, garantidor de falsos direitos e solucionador supremo de conflitos. É possível afirmar que esse modelo é universal. Nações de diversos tipos adotam as mesmas premissas em menor ou maior grau.

A diferença entre as mais diversas nações - entre as que obtém um relativo grau de sucesso e as que não - tende ao básico de organização econômica, ambiente favorável aos negócios, respeito aos contratos, pouca burocracia, fiscalização e transparência dos agentes públicos. Afinal, a garantia de direitos depende proporcionalmente da capacidade de se gerar riquezas, de uma nação ser efetivamente produtiva, competitiva e da forma como ela aloca e controla esses recursos. Mesmo assim existirão muitos problemas. Parece algo simples e elementar, mas esse entendimento


não é o denominador comum da narrativa que permeia nossa sociedade. Estamos num nível abaixo, desdenhamos e não temos qualquer apreço por conceitos econômicos básicos e de regras isonômicas, tratamos iguais de forma desigual, acreditamos na mudança por palavras mortas escritas ou palavras de ordem, e, sobretudo, em personagens salvadores oniscientes e onipotentes. Podemos definir esse comportamento como a infância do pensamento político. Todos os partidos caminham mais ou menos nessa linha demagógica. Porém, o principal representante desse estilo a conquistar o poder, tendo sua última campanha presidencial desavergonhadamente mentirosa, como nunca na história desse país, foi o Partido dos Trabalhadores. Já são treze anos no poder federal acumulando erros, os quais segundo eles são dos outros, enquanto as glórias são deles. O principal inimigo por muito tempo foram as gestões passadas, desde a troca de pau-brasil por espelhos até a estabilização da moeda. Nessa narrativa existem dois países: o antes do PT e o depois do PT. Antes do PT era apenas o caos e a escuridão e depois do PT fez-se a luz. O governo petista pode ser dividido em dois períodos: o de 2003 até a crise internacional de 2008 e o de 2009 até hoje. No primeiro período, o governo Lula flertou com a ortodoxia econômica conduzida pelo banqueiro Henrique Meirelles e diversos quadros técnicos que nada tinham relacionados aos ideais do PT. Mantiveram o tripé macroeconômico criado em 1999 pelo governo

acreditamos na mudança por palavras mortas escritas e em personagens salvadores oniscientes e onipotentes. podemos definir esse comportamento como a infância do pensamento político.

FHC, do PSDB, que consistia em metas de inflação, superávit primário (responsabilidade fiscal) e câmbio flutuante. O alicerce mantido foi suficiente para gerar confiança e previsibilidade ao mercado que esperava uma guinada completa à esquerda através de planos heterodoxos mirabolantes. Depois do plantio da estabilização da moeda e algum saneamento das contas públicas, começaria a colheita. O crédito, até então praticamente inexistente, começou a fluir; consequentemente, investimentos e consumo interno aumentaram substancialmente. Concomitantemente, os juros caíam e a produtividade não melhorava qualitativamente, apenas absorvia a alta taxa de desocupação.

Conforme o desemprego diminuía começou a escalada dos salários e o aumento da renda real, mas estranhamente a inflação se mantinha dentro da meta. A sorte do governo Lula estava em sua maior parte no câmbio; o dólar se desvalorizava fortemente em relação às demais moedas globais, mantendo o real apreciado e controlando os preços. Commodities triplicaram de valor e as reservas internacionais quintuplicaram. A arrecadação de impostos aumentou e se tornou possível a ampliação dos programas assistenciais. Os ventos eram todos favoráveis. A popularidade do governo e o ufanismo nunca estiveram tão altos. Estava-se diante do momento político perfeito para

executar as reformas estruturais - trabalhista, tributária e previdenciária - no país e atacar os problemas mais graves, a baixa produtividade e competitividade, de forma que a sociedade absorvesse as mudanças sem solavancos. Mas houve apenas uma reforma tímida na previdência logo no início do governo e mais nada. A janela de oportunidade para as reformas iria passar com a crise internacional de 2008, exatamente no ano em que o país recebia o grau de investimento. Com a crise internacional o governo acionou uma política econômica anticíclica através dos bancos estatais, principalmente o BNDES. O gasto

do BNDES chegou a passar de 4% do PIB entre 2008 e 2010. A fórmula era continuar estimulando o consumo interno por endividamento e direcionando crédito subsidiado para grandes empresas. O crédito subsidiado oferecia juros muito abaixo dos juros dos títulos da dívida pública emitidos pelo Tesouro para financiar o governo e, consequentemente, o BNDES. Os maiores contratos chegavam a prazos de 30 anos. Teve-se a formação de um gatilho para a inflação e o endividamento público. As próximas gerações ficarão com esse fardo. No curto prazo, a política parecia funcionar e nosso timoneiro dizia que tudo não passava de uma marolinha. Como na economia

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NÃO SERÁ A TROCA DE GOVERNO QUE “ SOLUCIONARÁ TODOS OS NOSSOS PROBLEMAS,

TALVEZ NEM OS AMENIZE. AGONIZAREMOS ENQUANTO NÃO TIVERMOS UMA SOCIEDADE CIVIL SÓLIDA, COM OUTRA MENTALIDADE INDEPENDENTE DO ESTADO E DE BUROCRATAS.

entre a causa e o efeito costuma-se levar certo tempo, o clima de euforia persistiria. Lula conseguiu emplacar sua sucessora, a gerente Dilma Rousseff. Ela já havia antecipado seu lema: “gasto corrente é vida”. Um alerta que ninguém levou a sério, pelo contrário, os aplausos continuavam. A combinação dos anos passados de crescimento amparados em expectativas frágeis junto à atual política anticíclica superficialmente correta fez embalar de vez o discurso do Estado interventor e impulsionador do desenvolvimento. Chegava o momento de agigantar ainda mais o Estado. Nesse cenário, a Nova Matriz Econômica seria gestada. Era o “Bebê de Rosemary”. Adeus tripé econômico. Agora sim estávamos diante de um plano heterodoxo mirabolante e a previsibilidade econômica estaria perdida de vez. O BC passou a ser capturado pelo governo e os juros foram reduzidos sem qualquer fundamento. Teve-se o expansionismo fiscal, aumento de tarifas de importação, protecionismo e uma nova era de moeda desvalorizada. O voluntarismo chegou a tomar contornos absurdos quando o governo interveio nos contratos do setor elétrico com o intuito de baixar as tarifas. Todo o setor passou a enfrentar um enorme endividamento. Investimentos urgentes e necessários foram abortados. O governo começou a represar a inflação através de controle dos preços administrados. Desonerações e favores para setores privilegiados eram distribuídos. Através de artifícios contábeis cada vez maiores se camuflava a piora das contas

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públicas; eram as pedaladas fiscais. As receitas estatais diminuíam e as despesas não paravam de crescer. Tudo viria a estourar após a eleição de 2014; a propaganda não fazia mais sentido, iniciava-se o crepúsculo petista. Ao fim de 2015, a inflação alcançava dois dígitos. O Brasil voltou a ficar mais pobre, mais velho, sem as reformas necessárias e agora mais endividado. Todo esse enredo poderia se resumir somente à péssima ideologia e más escolhas; o que já seria suficiente para o afastamento dada a fraude fiscal. Porém, o que se assiste hoje através de diversas investigações do Ministério Público Federal e Polícia Federal, sendo a principal delas a Operação Lava-Jato, vai muito além disso. Em diversos momentos da gestão petista, estabeleceu-se uma rede de corrupção que alimentava o caixa do partido e de seus aliados com propósito exclusivo de manutenção no poder. Através de fraudes em licitações e contratos, principalmente na Petrobrás, bilhões de reais foram desviados. Diversos personagens enriqueceram ilicitamente, alguns já estão inclusive presos. A corrupção política que costumava atuar no varejo fora descoberta também no atacado. Não bastasse a ruína econômica e o roubo, a sociedade escuta atônita as instituições sendo vilipendiadas através de escutas durante as investigações. O governo do PT parte abertamente para o escárnio. Foi o estopim para as maiores manifestações de rua já realizadas na história do país.

Este impeachment não representa somente a figura da presidente ou de um partido, simboliza a falência do nosso modelo de Estado Democrático de Direito. Pode-se questionar que ao menos o Poder Judiciário está funcionando. Mas não é verdade, o Poder Judiciário não passa de uma enorme caixa-preta com seus operadores levando vidas nababescas. É pior, porque se estabeleceu em todos esses anos uma casca de legalidade à conduta de seus pares através de fundamentos eticamente reprováveis. A sociedade está completamente alheia a isso. Não será a troca de governo que solucionará os problemas, talvez nem os amenize. Agonizaremos enquanto não tivermos uma sociedade civil sólida, com outra mentalidade independente do Estado e burocratas. Se continuarmos a entregar praticamente metade dos nossos esforços em impostos continuaremos pobres, endividados e recebendo serviços piores.

CHEGAVA O “MOMENTO DE

AGIGANTAR AINDA MAIS O ESTADO. NESSE CENÁRIO A NOVA MATRIZ ECONÔMICA SERIA GESTADA. ERA O “BEBÊ DE ROSEMARY”.


A lição de Friedman artigo de Bruno A. Souza

Todos que discutem política nacional já ouviram que O PT não inventou a corrupção no Brasil. Esse fenômeno não é exclusivo do período atual, de um partido em particular e nem deste país em que vivemos - como bem nos lembra o economista Milton Friedman, ao descrever a situação na Inglaterra século XIX: “A alíquota de impostos cobrada por funcionários da alfândega costumava variar de acordo com o “agrado” liberado, requerer uma licença junto ao governo sempre exigia uma dose de “amizade e camaradagem” com o fiscal. A regra dentro do setor público era: quem quer rir, tem que fazer rir.” Se a corrupção não ocorre só no Brasil, mas também em países mais desenvolvidos, deve haver um denominador comum capaz de levar conjunturas tão diferentes a um resultado tão similar. Tal qual o Brasil, a Inglaterra que Friedman descrevia tinha um estado que insistia em ditar cada aspecto da vida dos seus cidadãos. Comprar, criar, produzir, trabalhar, vender, para quem vender, como vender - para onde se olhava, o estado marcava sua presença. Vender um produto de qualidade duvidosa sem jamais enfrentar concorrência e ainda cobrar acima do mercado - eis a cartela de vantagens disponível aos empreendedores que, em vez de investirem em melhoria de serviços, estiverem dispostos a investir na melhoria de suas parcerias políticas em uma economia completamente capturada pela burocracia.

Na Inglaterra, a corrupção e a decadência moral começaram a ser questionadas por aqueles que pediam uma menor interferência estatal nas atividades econômicas. Afinal, como Friedman observou, “quem corromperia um agente público em busca de uma licença que não é necessária para poder empreender?”. No Brasil, é hora de o debate público visar não apenas partidos, mas sim as causas. Afinal de contas, quem criou a corrupção no Brasil não foi o PT, tudo mostra que a culpa é dos crescentes obstáculos à livre iniciativa.

“ Temos feito

o comportamento imoral muito mais rentável. No curso das mudanças em nossa sociedade, os governos têm estabelecido maiores incentivos para que as pessoas se comportem de forma que a maioria de nós considera imoral. M. Friedman

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visões

Convidamos dois graduandos do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina a exporem, neste espaço, as suas visões sobre o cárater do processo de impeachment e as implicações do seu desdobramento.

O erro de Dilma artigo de Gabriel Cesar de Andrade

Já pensou viver em um lugar onde o governante pode fazer tudo, sem caiba a você nenhum tipo de objeção? Um lugar em que, na balança entre governantes e governados, o primeiro tenha completo controle sobre o segundo, o qual resta apenas completa sujeição? Apesar deste cenário remeter muitos ao presente momento, descrevo aqui a forma sob a qual a humanidade viveu por boa parte de sua história. Autoridades políticas reinaram absolutas sem qualquer tipo de restrição institucional por séculos, até que os primeiros limites surgiram. Na Inglaterra do século XIII, o rei João Sem-terra era o símbolo do despotismo em decadência, sendo o último rei inglês a governar sem uma constituição. Aumentou impostos como nunca antes e destruiu a economia inglesa. João Sem-terra viu o fim de sua festa fiscal com a Carta Magna, que limitou seus super-poderes. Coincidentemente ou não, também foi na Inglaterra que a primeira autoridade oficial foi afastada de seu cargo pelo parlamento, num processo chamado de Impeachment. No debate brasileiro, enquanto restamos incapazes de relacionar o instrumento do impeachment como um freio ao poder político, conseguimos ponderar que tal mecanismo seria um golpe. A verdade inconveniente é que a existência de um processo de impeachment no Brasil não foi uma manobra de Cunha contra a democracia. Na verdade, trata-se de uma extensa e detalhada lei (1.079 de 1950) que já perpassou 3 constituições federais e que foi acolhida por nossa presente Constituição (conforme entendimento da Suprema Corte na ADPF 378). Na lei 1.079 de 1950, chamada de lei do impeachment, apesar dos 82 artigos detalhadamente redigidos, você não achará a palavra impeachment, mas sim alguns dos

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famosos “crimes de responsabilidade”. Tratam-se de tipos legais sob os quais, se julgados procedentes, são capazes de destituir presidentes democraticamente eleitos. A grande questão aqui - e com isto metade dos argumentos de que impeachment é golpe simplesmente deixam de existir - é que os crimes de responsabilidade não são crimes. Como me atrevo a dizer isto? Simples, basta ler a tal lei. Acompanhe comigo o que tipifica o artigo 9º alínea 7 como um dos crimes de responsabilidade: “Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Não seria necessário ressuscitar Cesare Beccaria ou pedir ajuda para um jurista garantista para denunciar a inconstitucionalidade desta lei, sob acusação de faltar-lhe a legalidade estrita. Mais estranho ainda do que possa parecer, foi exatamente sob denúncia de ferir esta parte da lei 1.079/50 que os mesmos grandes juristas que hoje são contra o impeachment ofereceram denúncia contra FHC. “A essência dos crimes de responsabilidade, enunciados no art. 85 da Constituição Federal, é indubitavelmente de natureza ética” explica Celso Antonio Bandeira de Mello, protocolante da denúncia contra FHC e hoje advogado de Lula. Isto porque, muito diferente dos crimes comuns, tipificados de forma estrita, escrita e certa e julgados por um juiz imparcial, os crimes de responsabilidade não são delitos penais, mas sim infrações politico-administrativas¹ processadas e julgadas necessariamente por juízes parciais (deputados e senadores) como determina a lei. E é aqui que Dilma se encontra. Diferente de FHC, entretanto, Dilma não é acusada por proceder de modo indigno, mas sim por improbidade administrativa e atentar contra a lei orçamentária. Estes são dois itens que a Constituição sequer

deixou para a lei infraconstitucional tratar, e que traz expressamente em seu texto (Art. 85, inc. V e VI). A denúncia de acusa a presidente de utilização de bancos públicos (CEF, BB, BNDES) para pagar dívidas do governo, ocorrendo uma forma de “repasse antecipado”. Com tal artimanha, pessimamente apelidada de pedalada fiscal (o mais adequado seria mágica fiscal), o governo pode prometer gastar um dinheiro que não tem, já que conta com os bancos para fazê-lo, ou pior, gastar o mesmo dinheiro duas vezes. Expressamente proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal como “Contratação de operação de crédito entre instituição financeira estatal e ente federado”, a prática que chegou no valor de 40bi em 2014 foi alvo de parecer do TCU em 2015 que negou as contas do Governo afirmou, num documento técnico de quase mil páginas: “os atos e fatos constatados nos referidos autos se enquadram no conceito de operação de crédito².” Apesar de tudo, o erro de Dilma não foi ter praticado mágica fiscal, enganando eleitores, investidores, oposição e quebrando a lei. Nada diferente poderíamos esperar dela. O erro de Dilma foi ter nascido depois de João Sem-Terra. E por favor, quando alguém disser que não podemos ameaçar nossa recente e frágil democracia com um processo de impeachment, faça lembrar a seu colega que, muito mais recente que nossa democracia são as ferramentas de proteção de direitos da população e limitação do poder político que, ainda hoje, alguns ousam chamar de golpe.

¹ ²

STF, Habeas Corpus nº 70.055. Acórdãos nº 2459, 2460 e 2461 do Tribunal de Contas da União, pág. 610.


Direito, política e impeachment artigo de Isaac Kofi Medeiros

Quando fui provocado a escrever este artigo, neste jornal, neste momento do País, meditei sobre qual deveria ser o exato teor do texto. Logo, fiz meu dever de casa e pesquisei sobre o espírito do periódico, quando descobri no editorial um apreço pelo bom e humilde debate. É com esse temperamento que exponho aqui minhas razões para acreditar que a defesa do impeachment da Presidente Dilma Roussef não encontra abrigo jurídico, tampouco político. Comecemos pelo problema acima, o da controversa separação entre direito e política, tido como um dos grandes temas do Estado constitucional democrático. Como se sabe, na política vigora o princípio majoritário, da soberania popular, já o direito é regido pela primazia da lei e pela observância aos direitos fundamentais¹. A princípio ambos são incomunicáveis, ou semipermeáveis, isto porque embora a criação do direito dependa da política, a sua aplicação deve ser feita sem favoritismos, conforme simbolizado pelos olhos vendados de Têmis, divindade grega conhecida como Deusa da Justiça. Aí instala-se a primeira controvérsia. A abertura e julgamento do impeachment é, por excelência, um procedimento que mescla direito e política. Um amálgama tipicamente brasileiro. Não é, como querem alguns inadvertidos, eminentemente político somente porque aberto e julgado pelo Congresso, pressionado através de vigília popular. ¹ BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, p. 17. ² A título de curiosidade, há anos tramita no Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional, PEC nº 73/2005, cuja redação prevê a possibilidade de revogação do mandato do Presidente da República e dos Senadores, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP). ³ http://especiais.g1.globo.com/politica/ mapa-manifestacoes-no-brasil/31-03-2016/pro/

É igualmente jurídico na medida em que deve ser executado de acordo com parâmetros constitucionais e infraconstitucionais, tanto em forma quanto em conteúdo. Diante disso, trabalhemos em dois fronts, jurídico e político. Não objetiva-se inovar demais no âmbito jurídico, porque a ninguém é recomendável pretender-se mais do que se é. Filia-se aqui à corrente majoritária de juristas que entende que as chamadas pedaladas fiscais não constituem o rol taxativo de crimes de responsabilidade, previstos no artigo 82 da Constituição Federal e no artigo 4º da Lei nº 1.079/1950. Ainda que se entendesse o contrário, é descabida a configuração de crime de responsabilidade pois os decretos suplementares editados pela Presidência da República na gestão financeira dos recursos foram embasados em pareces técnicos, de acordo com jurisprudência do TCU à época, inexistindo a figura do dolo, o que afasta a tipicidade da conduta de acordo com entendimento dos tribunais brasileiros. Qualquer decisão baseada nesta acusação feriria a legalidade e o Estado Democrático Direito, reduzindo-o a uma instituição fragilizada, senão destruída, em razão de eventual maioria política.

Consideremos agora a hipótese de que a abertura e consumação do impeachment é legitimada através de manifesta e generalizada insatisfação política popular, o que se admite apenas argumentativamente, isto porque impeachment não se confunde com recall, instituto jurídico norte-americano criado para promover a substituição do mandatário eleito em caso de descontentamento do distrito eleitoral com o trabalho realizado pelo seu representante. Não é o caso da legislação brasileira, não existe em nosso ordenamento juríco esta previsão², mas admitamos a hipótese levantada para fins argumentativos. Ao que parece, milita a favor daqueles que advogam pelo impeachment o argumento que compara a destituição de Collor, em 1992, com o atual período, notadamente pela coincidência de amplas manifestações populares favoráveis ao impedimento em ambos os tempos históricos. Trocando em miúdos, alega-se que se o povo foi às ruas tirar Fernando Collor e assim o fez, está a se fazer o mesmo nos dias de hoje, logo, Dilma deve cair. Ocorre que as recentes manifestações contrárias ao impedimento ganharam massiva adesão,

estimada em centenas de milhares³, fazendo emergir outra narrativa sobre os acontecimentos nacionais: não há consenso sobre o impeachment, o País está dividido politicamente sobre o assunto, portanto não há como sequer cogitar da existência de insatisfação política generalizada, tampouco em semelhança com o movimento dos CarasPintadas, justamente porque a saída de Collor enfrentava pouca resistência no seio da sociedade civil. À vista disso, aqueles que almejam a alternância de poder devem ler o momento com serenidade, como a materialização social do apertado desfecho do segundo turno

das eleições presidenciais de 2014, potencializado pelo aborrecimento popular frente as descobertas da Operação Lava-Jato envolvendo a classe política. A eleição, porém, acabou; não se revisita vontade popular senão em prazo constitucionalmente determinado. Até lá, em 2018, a discordância política deve servir como mola propulsora da democracia, porque integrante dela, mas não instrumentalizada a serviço de um retrocesso embusteiro. A legalidade deve prevalecer, exercendo papel contramajoritário se preciso, pois, como diz a máxima, a força do direito deve superar o direito da força (atribuída a Rui Barbosa).

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Memória: o golpe militar No dia 31 de março deste ano completaram-se 52 anos desde o golpe militar no Brasil. Neste período de recessão econômica, efervescência popular e instituições estremecidas que vivemos, é importante lembrar dos abomináveis atentados de regimes de exceção, como esse, à liberdade, à vida e à propriedade.

“O Estado precisa defender-se das arremetidas de seus inimigos. Mas se o Estado, que é o poder, não se defende pelo normal exercício das suas faculdades e necessita de recursos extraordinários, é que já não tem, ou não merece, defesa. São os Estados doentes, os Estados avariados, os Estados degenerados os que sentem a necessidaDE de remédios heróicos. Quase não há dia em que os jornais não relatem uma violação dos mais elementares direitos individuais, ocorrida, não no remoto sertão, mas na própria capital da República. E é justamente quando tão débeis e desamparados se encontram os cidadãos em face do Estado, que se cuida de reforçar o Estado em face dos cidadãos? Haverá coisa mais contraditória que esta?”

Raul Pilla Valdenor Júnior nos relembra (em artigo original do Mercado Popular) que há muito se sabe que a esquerda brasileira fez bela oposição ao golpe e às políticas da ditadura que se seguiu, mas pouca gente sabe da oposição liberal. Dois sujeitos merecem ser mais conhecidos: Raul Pilla e Henry Maksoud - este que dá nome ao grupo que promove o Jornal A Ponte. Olhar para a trajetória de ambos nos serve de revisitação à certeza de que o regime militar foi um atentado a caros valores liberais e humanitários. Os liberais brasileiros devem deixar claro que a defesa da liberdade é incompatível com a repressão autoritária de direitos individuais básicos. A obra de Pilla e Maksoud deve ser recordada contra o fantasma autoritário que está sendo renovado no quadro da direita brasileira. Para ler o artigo completo, acesse: http://goo.gl/skwm46

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o capitalismo companheiro artigo de Gustavo Franco publicado originalmente no Mercado Popular

Seria de uma pretensão sem tamanho imaginar que o Brasil inventou a malversação, ou uma nova forma de capitalismo acinzentado. Temos nossas contribuições, é verdade, mas não se pode perder de vista que estamos diante de um dos grandes temas de nosso tempo, quem sabe uma epidemia global, todavia, já plenamente identificada na literatura especializada, sobre a qual vale se debruçar para melhor entender o que se passa conosco. A palavra “cronismo” não existe em português, mas temo que em pouco tempo será um desses neologismos que aborrecem o senador Aldo Rebelo e que, não obstante, adornam e enriquecem o idioma. A palavra crony surge na Inglaterra no século XVII, vinda do grego khronios (nesse caso, um estrangeirismo isento de tributação), significando “de longa duração”, e progressivamente se tornou uma gíria para designar amigos, afilhados, capangas, comparsas, apaniguados, membros de uma quadrilha ou irmãos no crime. A referência ao cronismo, e mais ainda a um capitalismo crony, de ampla utilização na literatura econômica e sociológica, é bem mais recente e cresceu em alusão a regimes onde as formas de organização das trocas econômicas são tais que pouca coisa importante pode ocorrer sem alguma forma de favoritismo, arbitrariedade ou corrupção. Não há predominância dos mercados, senão na aparência, mas um “controle social” das transações e mercantilização da ação do Estado. A primeira onda de estudos sobre cronismo veio com a crise da Ásia e com a percepção que este tinha sido o fator a desarrumar muitos dos países outrora designados como “tigres”, mas que tinham retroagido a políticas mais protecionistas, mercantilistas e amistosas demais a grandes grupos nacionais familiares. Em seguida, e não por acidente, o cronismo se tornou um grande tema nos regimes que sucederam o socialismo na Rússia e na China, onde os velhos aparelhos repressivos se privatizaram em relações nebulosas com o governo formando uma espécie de capitalismo mais selvagem que os do Ocidente e particularmente afetado por esquemas pessoais,

clientelismo, nepotismo e corrupção. Depois de duas décadas do sepultamento do socialismo é certo dizer que esta nova forma de capitalismo dirigido, desregrado, exagerado e deturpado, onde existe um pântano envolvendo as relações entre o público e o privado, espalhou-se em muitos lugares, embora em variados graus, e ameaça a economia e a política através de ângulos inusitados. É claro que os elementos constitutivos do cronismo sempre existiram — como as máfias, as bruxas, a corrupção e o favoritismo, para não falar dos inúmeros formatos para a alocação de recursos através de relações pessoais, seletivas, corporativas, familiares, relacionais e em oposição às relações de mercado. O que é novo, entretanto, é a hegemonia do cronismo sobre os Estados nacionais, a ponto de estabelecer as agendas de políticas públicas e os andamentos maiores da economia, e pior, a “monetização” da intervenção do Estado. Esse capitalismo de quadrilhas, comparsas, gangues, máfias, laços ou companheiros, assume variadas vestimentas ideológicas, conforme o contexto, meros disfarces, sua lógica é simples: a pilhagem. Sem conhecer o Brasil, esteve aqui faz duas semanas o professor Luigi Zingales (da Universidade de Chicago), com o propósito de lançar seu novo livro (intitulado “Um capitalismo para o povo”), onde estabelece uma disjuntiva que procura explicar os modelos econômicos que se organizaram depois da Queda do Muro. Seu foco reside sobre a natureza do relacionamento entre o público e o privado, onde ele distingue dois regimes ideais, que designa como “pró-negócio” e os “pró-mercado”. “Pró-negócio” é o regime do cronismo, onde o público e o privado se embaralham, mais ou menos como na velha boutade entre Bernard Shaw e a bela bailarina que lhe propôs um filho com a beleza dela e a inteligência dele. Pois os regimes “pró-negócio” são aqueles onde os objetivos são os privados e a eficiência é a pública, o pior dos dois mundos, a verdadeira pirataria. O regime “pró-negócio” está longe de ser anticapitalista. Talvez se possa dizer o exato oposto: é a privatização do Estado e o capitalismo degenerado. O regime “pró-mercado” é fundado na competição e na impessoalidade, o velho capitalismo, como a democracia, o melhor de todos os regimes ruins. Não se trata de Estado mínimo, nem de qualquer visão romântica sobre o modo como o capitalismo funciona. Mas de trabalhar as

virtudes do sistema, que deve enfatizar a democracia e a horizontalidade, enquanto o cronismo procura sempre a seletividade e a arbitrariedade. Em vez de competição, meritocracia e impessoalidade, o regime do cronismo estabelece a discricionariedade para escolher seus “campeões” com bases em prioridades ad hoc e, às vezes, buscando apoio no nacionalismo ou no politicamente correto. É claro que Zingales fala de coisas familiares: a oposição entre seus dois regimes se sobrepõe a antigos dilemas nossos, por exemplo, entre a casa e a rua (do antropólogo Roberto DaMatta), ou entre o patrimonialismo e o mercado, entre o nepotismo e o concurso, o favoritismo e a licitação, os campeões nacionais e as empresas comuns. O cronismo desembarcou no Brasil pelas mãos do PT, que em 2008, passa de uma postura passiva e envergonhada, para outra de extroversão onde parecia atacar cada um dos pressupostos dos consensos internacionais em políticas públicas. Na ocasião, o ministro Guido Mantega proclamou: “O capitalismo precisa ser sempre reinventado. Onde está dando mais certo? Nos países que adotaram o capitalismo de Estado.” E lá fomos nós procurando ser “chineses”, ou ganhar o Nobel em economia, através de várias “opções estratégicas”, como as escolhas para o petróleo, e, mais genericamente, em todas as frentes de políticas públicas onde se buscou confrontar as soluções de mercado pois, segundo se dizia, o “capitalismo não regulado” havia fracassado no mundo inteiro. Seis anos e muitos escândalos depois, passando por prejuízos bilionários, heterodoxias, pedaladas, e outras tantas coisas horríveis que cabem muito bem dentro do figurino internacional do cronismo, é bastante claro que essa nova matriz não apenas fracassou no tocante ao desempenho da economia, como desandou em um oceano de irregularidades e crimes. É um fracasso histórico da maior importância, e que traz, como boa notícia, a demonstração de que o Brasil possui anticorpos poderosos contra o cronismo (nos órgãos de controle, no Judiciário e na mídia). Fará muito bem ao país identificar e punir os crimes cometidos bem como reforçar instituições que evitem que ideias extravagantes sobre a economia tornem o Brasil mais vulnerável ao cronismo.

confira a publicação original: http://goo.gl/zVUFVa

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atividades de abril

Grupo Henry Maksoud


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