O dia do tal Happy hour estava chegando. Desde aquele dia em que rolou aquele “encontro” no banheiro masculino me isolara do resto das pessoas do banco. Almoçava sozinho, meus diálogos não se estendiam dos comprimentos formais e mergulhara profundamente em meus afazeres a ponto de me tornar um dos profissionais mais eficientes de meu departamento. Não sei se queria ir ao tal barzinho. Sentiame espionado, gostaria de quebrar o gelo, tornar o ambiente de trabalho mais leve, menos tenso, mas tinha medo de cair em uma armadilha e perder este emprego maravilhoso, o meu salário era bem mais que o dobro do que os meus outros colegas recebiam para desempenhar a mesma função. Eu gostaria de deixar o meu relacionamento no campo estritamente profissional, mas sentia que se não fizesse parte do clubinho poderia ser descartado rapidamente ou passar a minha vida inteira como um insignificante analista de câmbio. Poderia passar de Junior para pleno e mais um tempo depois sênior e fim. Poderia me tornar como são alguns militares que vão subindo de posto por antiguidade, esperam uma guerra que nunca chega e se aposenta. Um Dom Quixote esperando um moinho de vento para brigar. A dúvida me consumia. Faltavam poucas horas para o final do expediente e o meu coração batia cada vez mais forte. Enterrara minha cabeça na tela do computador, cada vez que o telefone de minha mesa tocava era um sobressalto. Na hora do almoço levantara de minha cadeira rapidamente, em poucos movimentos arrumara as coisas em cima da mesa e seguira em passo acelerado rumo ao elevador, permaneço cabisbaixo como se estivesse desenvolvendo um raciocínio, um cálculo que evita ser abordado no percurso. Só que, sempre há um quê em nossa vida para atrapalhar, no final do corredor, quase já chegando à recepção e aos elevadores, que me libertariam desta situação, encontro Mr. Haber saindo de sua sala. Levo um tremendo susto e ele, pareceme, também.
Aonde vai com tanta pressa? Perguntame com aquele indefectível sotaque. Vou almoçar. Respondo humildemente, sem quase levantar a cabeça, como um menino que fora pego com a mão no pote de doce.
Ótimo vou com você, estava precisando mesmo de compania para almoçar. Onde você almoça? Eu almoço quase todo dia naquele restaurante por quilo da rua de cima. -
Oh não! Aquele é muito ruim. Vamos a outro que conheço no Mall aqui perto. Almoço lá todo dia, é ótimo.
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Mas o Shopping é muito longe eu não tenho muito tempo e além do mais os restaurantes de lá são muito caros. Muito Obrigado, mas acho que não poderei ir.
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Don’t worry man. I’ll pay.
Fodeu. Além de ser perseguido pelas mulheres misteriosas do escritório tenho um chefe veado dando em cima de mim. Que merda! Quando consigo um emprego legal vem algo para atrapalhar.
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Está bem eu aceito.
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OK let’s go.
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Tá bom!!! Vamos que é tarde e tenho muito a fazer.
Passei olimpicamente pela recepção e estacionei no Hall dos elevadores. Tinha Mr. Haber como escudo. No trajeto entre a empresa e o restaurante o nosso diálogo foi monossilábico. Não passou da indicação do caminho até onde estava estacionado o carro, se a temperatura do ar condicionado estava bom e por fim até o restaurante de sua preferência. A tensão dentro de mim aumentava. Meu coração batia sobressaltado e parecia que iria sair pela boca. Minhas mãos estavam mais geladas que muitos defuntos. Não sabia onde isto ia dar, mas se estava aqui iria até o fim. Só não admitia viadagens para o meu lado, nem perder o emprego, nesta ordem de prioridade. O restaurante era típico Tailandês. Muito exótico. Mr Haber deveria ser um Habitué no local, pois cumprimentava a todos como se fossem velhos amigos. Fomos atendidos prontamente e sem que manifestássemos nenhuma intenção já trouxeram um farto couvert. O próprio Maitre nos trouxe o cardápio. Não tinha a menor idéia do significado daqueles pratos. Minha cara provavelmente transpassava a indecisão e
Mr Haber se ofereceu para sugerir um. Após uma breve descrição o aprovei, na verdade aprovaria qualquer coisa desde que me livrasse rápido daquela situação. Escolhido o prato, a bebida (escolhi coca cola, apesar de que naquela situação preferira uma dose de Vodca ou até mesmo uma boa pinga). Pronto o ritual inicial do restaurante estava acabado. Agora não havia como fugir do tema central da conversa. Deveria ser algo sério ou complicado, pois por instantes o papo miou e pairou na mesa um silêncio sepulcral.
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Listen I have a very important thing to talk with you.
Hummm!!!! Se ele começou a falar em inglês é porque o negócio vai feder. -
Tudo bem estou aqui para lhe ouvir. Acho que já sou maduro o suficiente para tomar várias decisões na minha vida.
Com isto deixei uma abertura. Se ele fosse veado, se abriria comigo e eu poderia falar não e desta forma ele estaria nas minhas mãos. Se fosse uma demissão, também estaria preparado para qualquer coisa e sairia por cima da situação.
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Come on o que eu vou lhe dizer não é uma coisa muito complicada. Não há a necessidade de tanta tensão.
Conversa dele. Está falando assim para me conquistar. É sempre aquela lengalenga de todo Veado. “Estas coisas são normais”, é tudo muito natural, não vai doer nada e etc.
Você desde que chegou em nosso banco vem sendo analisado...
Demissão é isto. Pode ser também aquele “rolo” no banheiro, alguém deve ter visto e fofocado.
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Seu desempenho tem sido muito bom...
Demissão não é. Mas também pode ser uma desculpa, um assopro antes de morder.
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A alta direção do banco está muito contente com o seu trabalho e resolvemos lhe dar uma espécie de prêmio.
Esquisito.
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Apesar de não ser a matriz o nosso escritório principal fica em New York City. Neste escritório mantemos um programa de estágio para os profissionais em início de carreira que melhor se destacaram em nossas filiais.
O negócio está melhorando, mas onde vai chegar?
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Este programa começa no próximo mês e a direção do banco realizou uma análise de desempenho entre os funcionários e resolveram indicar você. O que você acha?
Caralho! Isto é muito, muito bom.
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Sério? Não acredito, é verdade? Tem certeza?
Preciso dar uma de durão, não posso bobear. Não sei o preço que terei de pagar por este estágio. -
É verdade. Você aceita?
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Como é este estágio?
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Você vai passar três meses trabalhando no escritório. Primeiro você passará por todos os departamentos da empresa, conhecerá o seu funcionamento. No segundo mês se fixará em um e no terceiro poderá permanecer nele ou trocar por outro. Se gostarem do seu trabalho poderá ficar lá ou retornar para o Brasil ou até ser encaminhado à outra filial onde seu trabalho pode ser utilizado.
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Adorei esta idéia, mas eu vejo um porém.
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Qual?
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Meu conhecimento da língua inglesa não é muito grande, não sou fluente.
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Ora não se importe com isto...
Neste momento crucial somos interrompidos com a chegada de nossos pratos. -
Que belo prato, colorido. Deve estar maravilhoso Mr. Haber.
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Eu gosto muito deste tipo de culinária. Vamos comer senão esfria.
Maldita hora. A comida tinha um gosto meio exótico que no primeiro momento não sei se me agradou. Na verdade também não me desagradou, portanto continuei a comêla tentando identificar os seus sabores. Uma tarefa difícil naquele momento, pois estava mais interessado no assunto do estágio.
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Gostou?
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Muito, é um tanto exótica, mas interessante.
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A primeira vez que experimentei esta comida foi em um restaurante perto de nosso escritório em New York...
Não consegui prestar atenção na história que ele começara a contar. Meus pensamentos estavam fixos no estágio. Queria voltar logo para o assunto do estágio. Mas a minha fisionomia entregou meus pensamentos.
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Você parece distante. Não gostou da comida?
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Não muito pelo contrário, mas o senhor há de convir que a proposta que o senhor me fez é de chocar um pouco.
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Porque?
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Estou a pouco tempo no banco. Não conhecia este programa, mas deve ser algo concorridíssimo.
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And so?
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E sou escolhido. É uma honra muito grande.
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Com certeza é.
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E a minha responsabilidade aumenta.
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Muito.
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Espero não decepcionar
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Se continuar a trabalhar da forma que faz hoje não irá.
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Obrigado pela confiança. Pode apostar darei o meu máximo.
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É só o que esperamos.
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Faleme um pouco mais sobre o estágio.
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Já lhe falei. Durará três meses, no primeiro conhecerá todos os departamentos da empresa, no segundo se fixará em um e no terceiro poderá permanecer neste ou se mudar para um terceiro.
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Sim, mas quais serão os prazos? Quando começa? Quando termina?
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Primeiro você fará um teste de proficiência na língua inglesa. Não é um exame muito difícil acredito que você terá sucesso, de qualquer forma estude para não decepcionar. Em seguida...
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Mas como é este teste? Quando vai ser?
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Calma. O teste deve ser daqui uns quinze dias.
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Quinze dias? É pouco tempo.
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Não é não.
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Preciso me preparar
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Precisa, mas com certeza não irá falhar.
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E o exame como é?
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É simples. Tem uma parte escrita e outra oral. Nada complicado. Quando chegarmos no escritório lhe darei cópias dos exames anteriores.
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Ótimo. Vamos pela melhor hipótese: Se eu passar qual é o próximo passo.
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Se você atingir 60% de acerto será indicado para um curso de aperfeiçoamento por um mês antes do início do estágio. Se atingir 80% de acerto estará aprovado.
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Difícil?
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Não se tiver preparado.
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Espero não decepcionar
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Não decepcionará
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Obrigado pela confiança
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Você até agora mereceu.
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Obrigado.
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Vamos embora, está ficando tarde.
O caminho de volta para o escritório foi mais uma sucessão de monossílabos de parte a parte. Fui direto para a minha mesa. Sentei e fiquei pensando, um filme passava pela minha cabeça. Eu entrando no avião, o primeiro dia no escritório, o trabalho, etc, etc, etc, etc. Após uns segundos ”acordo”, levanto e vou ao banheiro escovar os dentes. No espelho não me reconheço. Vejo uma pessoa mais velha, bem diferente daquilo que pensava ser. Ao voltar a minha mesa encontro um pacote de aproximadamente 30 centímetros de altura amarrado com um barbante. Abro – o e vejo que são os testes de inglês que Mr Habber havia dito. Dou uma olhada e vejo que será um desafio, mas não será impossível. Fiquei folheando aqueles papéis por um bom tempo e tentava separar os muitos testes em uma lógica um pouco caótica e sem sentido. No fim desisto de tudo e junto os vários montes de papéis que havia feito. Colocoo em uma gaveta e parto para a segunda etapa de trabalho do dia. Não poderia baixar a minha produtividade, daqui para frente estarei na berlinda e qualquer deslize poderá ser amplificado e ter conseqüências terríveis. Olho em volta e percebo que praticamente não conheço ninguém, meus colegas são uns desconhecidos. O que eu devo representar para eles? Um ET? Uma cara legal, mas inacessível? Ou um cara tão desprezível que não
vale a pena se quer uma conversa? Não sei a resposta, talvez por que não tenho também uma opinião a respeito deles. Não os conheço e lamentavelmente não fiz nada para os conhecer. O Happy hour de hoje poderia ser uma bela oportunidade para quebrar esta barreira. Só ainda não sei como. Contratos, contratos e mais contratos de câmbio. Estou de volta ao trabalho. Concentração total para não decepcionar e perder a boquinha. Havia a Mara. Esta poderia ser uma ponte para conhecer o pessoal da minha sala e havia também a gostosa da recepcionista. Esquece, vou voltar para o trabalho.