Capitulo 1 - O começo

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Suor. O nervoso me fazia suar mais do que uma ensolarada tarde de quarta - feira em pleno mês de fevereiro poderia proporcionar. Aquilo era demais. Sentia as gotas escorrerem pelas costas, pela lateral, por tudo. E aquele terno? Aquela gravata? Será que vão perceber que é emprestado. Sinto-me ridículo. Um colarinho de palhaço. Uma gravata colorida e um monte de mentiras sobre mim guardadas na cabeça prontas para serem expelidas. Era um prédio majestoso o do International Exchange Bank – IEB. Impressiona. Uma pedra escura que não sei precisar o que é. Milhões de andares, olhando de baixo parece que ele toca o céu. Localizado na Chácara Santo Antonio, uma área nobre da cidade. Longe de tudo. Só tem empresa multinacional e metida. Chegar de ônibus foi um sufoco. Se eu entrar aqui terei que comprar um carro. Espero que o salário dê.

- Eu vim falar com a Sra. Marisa Salles no IEB. - Documento, por favor.

O atendimento daquela recepcionista foi tão mecânico que tive medo de entregar o meu documento. E se acaba a luz como vou te-lo de volta?

O prédio era grande, mas o banco só ocupava somente um andar. Estava iniciando suas atividades no país. Não sabia o que encontraria lá, o pessoal da agência de empregos me falara pouco.A vaga era para analista de câmbio. Tinha pouca experiência naquilo, nem sei como acreditaram nas minhas mentiras. A única coisa certa era o inglês, afinal ter morado aquele tempo em Londres ajudou e o diploma de Comércio Exterior seria o suficiente. Não sei o que eu encontraria naquele edifício. Poderiam ser americanos com cara de Michael Douglas, com seus ternos caríssimos e suspensórios ou poderiam ser burocratas tímidos com cara de Jerry Lewis. O contato era com uma Marisa, podia ser a secretária do Michael ou uma americana boazuda com um big decote e cara de lutadora de luta livre ou uma brasileirinha moreninha gostosinha subserviente ao imperialismo americano. Caramba! Isto é ser muito petista para uma entrevista de emprego em um banco americano.


O elevador pára no décimo quinto andar. Quando as portas abrem dou de cara com uma recepção maravilhosa. Com granito (ou mármore? Não sei a diferença...) e aço escovado, uma belezura!.

- Por favor, a Sra. Marisa. - Você era o rapaz que estava marcado para as 15:00 hs. ? - É, acredito que sou. - Por favor, aguarde na sala de reunião número 10. É aquela no final do corredor à esquerda. - Muito obrigado.

Poxa! Sala de reunião número 10. Isso quer dizer que existem pelo menos dez salas. O corredor é comprido e existem portas dos dois lados. Em cada uma há um nome. Uns são estrangeiros, outros em português. Há salas sem nomes. Uma delas vai ser a minha. Finalmente chego à sala de reunião número 10, ou como estava escrito na porta “meeting room 10”. Abro a porta e encontro uma sala relativamente pequena, no lado direito uma enorme janela com vista para o rio Pinheiros e a marginal. Contornando as paredes há uma espécie de armário que, se fosse em uma sala de jantar, o chamaria de aparador. No centro da sala há uma mesa quase quadrada para seis pessoas, comum, telefone ao centro, um bloco de anotação com o timbre do banco e três portas-canetas localizados estrategicamente para suprir as necessidades de todos os ocupantes da mesa. Em uma das paredes há um telão e no teto discretamente colocado um aparelho multimídia, um desses bem modernos e caros, projeta vídeo, DVD, o monitor do micro e etc, etc. Sentei-me à mesa, no lado oposto à entrada, mantive o corpo ereto, levemente afastado do encosto. Queria mostrar uma posição de liderança, destaque. Espero que dê certo. Enquanto esperava me entretia com a paisagem. O rio pinheiro, assim de longe, no ar condicionado, separado por um vidro é simplesmente maravilhoso. Não demorou muito e uma jovem, cabelo moreno, aparentando pouco mais de 30 anos e vestindo um bem comportado Tailleur entrou meteoricamente na sala.


-

Bom Dia! Meu nome é Marisa Salles. Sou a Country Manager do IEB. Nós estamos no Brasil há menos de dois anos. Nossa sede está localizada no Estado Norte Americano de Connecticut e temos filiais espalhadas em 30 países e nas principais cidades do mundo capitalista. Até seis meses atrás nossas operações aqui no Brasil se resumiam ao atendimento de um cliente específico. Hoje expandimos o nosso foco e estamos atuando com outros produtos. Este é o motivo da contratação de novos colaboradores e...Blá...Blá...Blá... Sua fala era rápida e precisa.

Ela entrou e começou a falar tão rápido que mal percebi que havia sentado no lado oposto da mesa e falava olhando diretamente para os meus olhos. Não podia deixar barato e olhei fixamente para seus olhos, como se fosse uma resposta a aquilo que falava. Não prestei atenção em quase nada do que falava. Só a olhava fixamente.

- Bla ... Bla ... Bla ... Nestas operações cambiais obtivemos bons lucros. Em resumo desenvolvemos algumas operações lucrativas, o que chamou atenção da matriz e do mercado. Você tem alguma dúvida? - Bom, tenho. Tenho muitas dúvidas, acredito que precisamos conversar muito mais. - Sem Dúvida, mas há interesse de sua parte em continuar o processo de seleção? - Claro vocês não vão se ver livre de mim. - Ótimo, aguarde que entraremos em contato. Obrigado - My pleasure

Ela mal ouviu o que eu falei. Levantou-se e foi embora. Ferrei-me. Era isto que pensava. Ela nem me deu atenção. SE tivesse gostado de mim teria esticado a conversa. Perguntado mais coisas, mas nada. Vomitou um monte de coisas e foi embora. É uma pena, gostaria de trabalhar naquele lugar. Enrolei um pouco para sair da sala. Fiquei olhando o rio e o movimento de carros na marginal. Ao passar na Recepção encontrei uma moça, deveria ter uns vinte e poucos anos. Bonitinha. Gostaria de trabalhar com ela. Dei adeus à recepcionista e fui embora, tinha certeza que esta seria a última vez que a veria, ou pelo menos naquela empresa.


Ao sair do prédio dou de cara com a realidade dos velhos mortais: O calor. Imediatamente senti o suor escorrer pelo corpo. Com aquele terno escuro sentia-me em uma sauna. Disfarçar é isto que vou fazer. A mente vai controlar meu corpo e vou ignorar estas sensações terceiro-mundistas. Afinal de contas preciso andar com elegância, quero ser membro do mundo internacional dos negócios. O que incomodava eram os três quarteirões para chegar no ponto de ônibus. No ponto tive que disfarçar para que ninguém me reconhecesse, muito embora não conhecesse ninguém nestas paragens queria eliminar qualquer possibilidade. O ônibus demorou uma eternidade e veio lotado. Detesto ser pobre. Esta vai ser a última vez que faço isto. Ao chegar em casa arranco toda a roupa. Parte delas vão ficando entre a porta de entrada e o meu quarto. De longe minha mãe reclama algo que não entendo, nem faço questão de saber. Desmaio na cama, fecho os olhos e as imagens daquela entrevista, daquela empresa permanecem em minha retina. São imagens passando ciclicamente sem fim. Eu ainda vou trabalhar lá, só não sei como. No dia seguinte esperei ansiosamente pelo telefonema e nada. No outro dia a mesma coisa, nada. E assim foi, passou uma semana, dez dias, um mês e nada. Nenhuma resposta. Já havia desistido e procurado algo diferente para fazer. Sei lá, no desespero poderia fazer qualquer coisa. Vender consórcio, ser corretor de imóvel, fazer alguma coisa enquanto não aparece a grande chance. Depois de uns dois meses, já havia esquecido definitivamente do banco quando recebi um telefonema. Era o pessoal da agência de emprego que havia me indicado. Pediam para comparecer na próxima Segunda-feira para uma segunda rodada no processo de seleção. No dia e na hora marcada estava lá. Eu e mais uns 10 caras. Fizemos uma série de testes, uma prova em inglês, uma dinâmica de grupo... Estes processos de seleção são estafantes, extremamente incômodos e ... Sinceramente? Pouco efetivos, fáceis de ludibriar. Não sei se fui bem, fiz o meu melhor. Ao sair dei adeus ao prédio, agora um conhecido meu. Novo período de espera. Disseram que ligariam pelo bem ou pelo mal. Passou um dia, passou uma semana, um mês e nada de resposta. Finalmente o telefone tocou. Era uma tal de Simone, se apresentara como assistente do Departamento de RH do Banco.


Fui aprovado!!!! Deveria me apresentar no banco na próxima segunda-feira, que por coincidência era o primeiro dia do mês, com os meus documentos e pronto para trabalhar. Não sabia como, mas tinha conseguido a vaga. Logo pensei, que maravilha. Mas como me escolheram, eu mal falei algo naquela entrevista. Deve ser algo High Tech. Analisaram-me pelo comportamento, minhas posturas. Verificaram minhas referências e... Pimba! Escolheram-me. Ou então não foi nada disso, foi um mero chute, o mais provável. De qualquer forma fui o escolhido e este era o primeiro passo para sair do mundo dos pobres e subir os degraus da fama, pelo menos já havia atingido o 15º andar.

No dia marcado estava lá. Desta vez fora pontual. Apresentei-me a recepcionista gostosa já com um sorriso no rosto e ela foi muito mais amigável. Pediu para seguir e agora ficar na sala 15. Ótimo já subi cinco salas.

A sala 15, ou melhor, a meeting room 15 era igual a anterior, a diferença estava na ausência da janela para a marginal. Esperei nesta sala por aproximadamente 10 minutos. Meus pensamentos voavam e já estava bem longe dali quando, de repente, a porta da sala se abre e entra uma moça de pouco mais de 20 anos vestindo uma calça jeans, ela era elegante, porém simples. Da mesma forma que a Marisa entrou na sala e iniciou a vomitar uma série de palavras.

Ela era do departamento de RH. Fez uma breve apresentação da empresa seus benefícios e quais seriam as minhas opções.Explicou-me o mecanismo de bônus da empresa e o melhor, meu salário. Receberia exatos R$ 3.198,00 por volta de US$ 1500.


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