A vida em Nova Iorque não era muito diferente da que levava em São Paulo apesar da língua. Trabalho, muito trabalho. Estava entrando em uma área que conhecera pouco. Além da língua que sempre foi uma barreira. Aluguei um pequeno apartamento em Manhattam mesmo. Pagava uma fábula e mal cabia a mim mesmo. Era uma sala que a noite virava o meu quarto ou podíamos chamar que era o meu quarto que invariavelmente virava uma sala, pois dificilmente arrumava a cama. Um banheiro e a cozinha. Tudo muito pequeno. Ficava pouco em casa. Desta forma a claustrofobia não me atacava. A minha rotina consistia em trabalho durante o dia e o curso a noite na New York University. Fui apresentado a um mundo totalmente novo. Era um aprendizado continuo. Mergulhei de cabeça nesta oportunidade. O departamento de fusões e aquisições era bem interessante, com uma série de oportunidades e detalhes. Fiquei em Nova Iorque por um ano sem sair da cidade, nem tirei férias. Concentrei todas as minhas energias no trabalho e no curso que fazia. O meu contato com família e amigos no Brasil se resumia a alguns telefonemas que no decorrer do tempo se tornavam cada vez mais escassos. No final do primeiro ano recebi uma espécie de promoção. Eu deixaria de ser auxiliar para ser assistente. Muito mais do que uma mudança semântica o novo cargo significaria maior responsabilidade e passaria á linha de frente O meu primeiro grande teste na nova posição seria uma viagem. Visitaria acompanhado do responsável pelo projeto, um diretor e mais dois assistentes. Um pequeno exército. Visitaríamos uma fazenda na África do Sul, ela fazia parte de uma empresa pertencente a um conglomerado. Este conglomerado queria se desfazer de algumas empresas e focar mais em suas atividades originais. Esta seria uma boa oportunidade para mostrar o meu trabalho. Antes da viagem li tudo o que estava ao meu alcance sobre o conglomerado e suas empresas. No dia da viagem estava afiado, sabia tudo sobre o que iríamos visitar, a ponto de ter a sensação já conhecer o local. A concentração foi tamanha que nem aproveitei o glamour da viagem. Fomos de primeira classe. No avião não escapei de olhar a janela do lado esquerdo do avião para ver se conseguia ver o Brasil, não consegui, nem se fosse o super-homem, nos hospedamos em um hotel de cinco estrelas, tínhamos uma diária de US$ 200 para alimentação e transporte, uma fortuna, precisava fazer um esforço para gastar metade deste valor. É óbvio que todo este desperdício era patrocinado pelo cliente.
Foram poucos dias de viagem. Dois na cidade do Cabo e três na fazenda. Conferimos as informações que tínhamos e fizemos uma série de reuniões com os administradores da propriedade. Tudo que era possível eu anotava, fiz um dossiê. No último dia tivemos uma reunião no hotel. Era fechada e só participava a equipe do Banco. Preparei-me para esta reunião com esmero. Fiquei a noite anterior inteira estudando os dados. Na reunião a minha tática foi ficar calado e ouvir mais..O diretor, Mr Wallace, monopolizou a palavra e fez uma apresentação do que vimos e a posição da nossa empresa cliente. A nossa função ali era determinar o valor da propriedade, suas possibilidades de ganho e a necessidade de ser vendida. Ouvi tudo com atenção. No final foi solicitada a opinião de cada um. Fui o último a falar, não se esperava muito de um novato. A minha idéia central seria vender não só a propriedade que visitamos, com vender toda a divisão agrícola. Minha sugestão se baseava no fato de a empresa ter um braço financeiro cuja especialidade era o crédito ao consumidor. Apesar das propriedades apresentarem um grande potencial, era um capital que iria ser imobilizado por um bom tempo. Este capital se investido na financeira poderia alcançar um retorno mais rápido, especialmente com a tendência das taxas de juros subirem nos próximos dois anos. A minha sugestão caiu como uma bomba. Todos os meus colegas estavam inclinados a sugerir pela manutenção da propriedade. Mr. Wallace pediu para explicar melhor. Eu fiz uma apresentação mais detalhada das minhas idéias. Fui ouvido com atenção, mas ao final o que ouvi foi um silêncio. Tinha sido muito corajoso em apresentar sta alternativa, teria sido muito mais fácil concordar com todos. O silêncio foi quebrado com uma solicitação do Mr. Wallace para preparar uma proposta com a minha idéia. A proposta teria que estar pronta em 3 dias. Ele disse isto, levantou-se e terminou a reunião. Esta seria a minha oportunidade. O pouco tempo fazia parte do teste. Não os decepcionarei, nem a Mr Wallace, nem a mim. A volta para Nova Iorque me pareceu uma eternidade. Havia muito para fazer e pouco tempo No dia e na hora combinada eu fiz a apresentação. Para aumentar a tensão, provavelmente me testando, estavam presente Mr Caldwell, Mr Watt, o grupo que fora para a África do Sul e outros gerentes e supervisores.
Respirei fundo e comecei a falar. Tinha me preparado para este momento, nada poderia dar errado. Gráficos, tabelas, cálculos, etc. Tudo apresentado. Na sala podia-se ouvir uma mosca voando. A atenção dos meus colegas se tornava assustadora. Eu tinha exatos 20 minutos para fazer a apresentação e foi neste tempo que falei. Quando acabei um silêncio mortal tomou conta da sala. Minha apreensão aumenta. Talvez não deveria ter apostado tão alto. Não deveria andar por um terreno tão desconhecido por mim. Se tudo acabasse eu voltaria para o Brasil e talvez conseguisse um outro emprego em um banco qualquer. .Será que algum calculo estava errado? Percorro o olho pela sala e vejo uma série de olhares de apreensão. O silêncio foi quebrado por uma pergunta de MR Caldwell. Ele fora terrível. Um grande teste e se referia a minha projeção dos juros. Esta era a única incerteza que tinha em todo o projeto. Ele fora direto no meu calcanhar de Aquiles. Respirei fundo e respondi. Após esta vieram uma sucessão de perguntas. Todas bem difíceis e querendo me testar. Apesar do ar condicionado eu sentia os filetes de suor escorrerem pelas costas. O suor nunca me abandonava. Quase quarenta minutos depois o massacre termina. Termina com um muito obrigado. Entreguei o projeto e agradeci pela atenção. Voltei para a minha mesa com um vazio enorme por dentro. Não sabia se tinha me dado bem ou fora um retumbante fracasso. Voltei aos meus afazeres e tentei esquecer este meu ato de loucura. No final da tarde recebo um telefonema, é Mr Caldwell me chamando para a sala de reunião. Talvez seja a minha demissão. Ao chegar na sala vejo o mesmo grupo que assistira a minha apresentação. Seria um novo interrogatório? Não sei. Vamos lá! Dito e feito. De pé mesmo comecei a responder uma nova saraivada de perguntas. Desta vez as questões eram mais incisivas e desciam a detalhes nunca esperados. A tortura durou mais uma hora. O suor escorria pelas costas e brotavam pela minha testa. De repente as perguntas cessaram e o silêncio se impôs. Percorri os olhos pela sala como se tivesse chamando os ocupantes para uma briga, quem é o próximo?Venham que eu estou preparado. O silêncio foi novamente quebrado por Mr Caldwell. Agradeceu pelo apresentado, levantou e novamente foi embora.
O suplício continuava. Aproveitei que já era final da tarde e fui para casa. Naquela noite não consegui dormir. No dia seguinte cheguei um pouco mais cedo, fui para a minha mesa e aguardei. As pessoas foram chegando, mas ninguém falava sobre o que eu queria saber. Venci a inércia e retomei o trabalho antigo. Tentava me concentrar em outras coisas para esquecer . Por volta das 11:00 da manhã recebo um correio eletrônico interno convocando para uma reunião com o cliente, dono da fazenda na África do Sul. Para a reunião fora reservado uma sala no centro de convenções em um hotel do outro lado da rua por volta das 16:00 Hs do dia seguinte. Fodeu. Se a reunião foi marcada é que o assunto está resolvido, se está resolvido e não fui comunicado é que a minha idéia não foi aceita. Paciência, mais sorte da próxima vez. O dia seguiu normalmente. Na hora do almoço, na verdade uma breve interrupção para um lanche desci e fui comer um cachorro quente na esquina do prédio. Comi com displicência olhei ao meu redor e voltei para o prédio. Quando cheguei novamente à minha mesa encontrei o texto da minha apresentação, com uma carta escrita em vermelho e uma série de anotações. Parecia mais a correção de uma prova. A carta era Mr. Caldwell parabenizando -me pela idéia, dizia que tinha uma série de correções a fazer na minha apresentação, mas que não influenciam o resultado final. A minha idéia havia sido aceita e seria apresentada ao cliente no dia seguinte na reunião que já havia sido marcada. Pedia que fizesse as alterações sugeridas e as entregasse no dia seguinte até às 9:00 Hs da manhã. Sentia-me no céu. A aposta tinha sido alta e eu ganhei. Só havia um detalhe: Seria um trabalho árduo corrigir tudo aquilo que fora sugerido, o tempo era escasso. Portanto só havia uma saída, começá-lo. Neste dia eu virei a noite trabalhando. Uma velha formula me mantinha acordado: Café e Coca-cola, não era muito gostoso, mas dava certo. Revisei cada informação, cada detalhe, refiz os cálculos várias vezes. Não haveria de ter nenhum erro. O dia amanheceu e eu ainda estava sobre o computador. Fui para casa somente às 7 da manhã. Fui somente para tomar banho, trocar de roupa e voltar para o banco. Uma reunião preliminar foi marcada . Acertaríamos os detalhes da apresentação da conclusão dos nossos trabalhos.
Na reunião ninguém me cumprimentou. Fui direto ao assunto. Refiz a apresentação, agora com os dado novos, a atenção era total, um silêncio tumular. Ao final nova saraivada de perguntas, cada vez mais contundentes. Por volta das 12:00 horas a reunião foi encerrada. Não conseguia abstrair pela fisionomia das outras pessoas se havia sido convincente ou não. Com certeza a minha proposta havia sido aceita, mas em qual condição era impossível saber. Mr. Watt levantou -se, fez uma série de elogios sobre o meu trabalho, disse que estava bem completo, mas era muito corajoso e ousado. Apesar disto a direção do banco a achou bem interessante e exeqüível e resolveu apresentá-la ao cliente. Fui ao paraíso. Este era um dia de glória para mim. Só havia um porém, sempre há algo para atrapalhar. Como eu era a pessoa que mais conhecia a proposta eles me escolheram para apresentá-la para o cliente. Que frio na barriga!!!! Era muita responsabilidade. Eu não iria fugir dela. Pedi um tempo para descansar, não mais que duas horas e aceitei o desafio. Às 3 da tarde estava eu lá no hotel verificando se estava tudo em ordem. Passei em casa e coloquei meu melhor terno, minha melhor gravata e uma super camisa. Tinham custado uma fortuna e estava guardado para datas especiais, como esta. Eu tinha me preparado tanto para a apresentação que ao fazê-la me senti bem tranqüilo e confiante. Inclusive as perguntas e questões levantadas pelo cliente foram muito mais brandas do que as de meus colegas A resposta do cliente só viria na próxima semana. Mesmo sendo afirmativa este caso saíra do meu departamento e ficaria a cargo de um outro com caráter mais operacional. A espera foi angustiante. Finalmente a resposta chegou e era afirmativa . O cliente aceitara a nossa proposta. A felicidade foi muito grande, mesmo que isto não tenha significado um aumento, nem um bônus. Fora algo importante para a minha carreira. Naquela noite dormi como uma pedra.