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No Circuito

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FIM HORROROSO OU HORROR SEM FIM?

PAULO LUDMER

Oracionamento de energia elétrica já começou no Brasil. Ele se processa via aumentos de preço final do insumo. Ainda assim, é incerta a necessidade latente de também racionar a energia por cortes no fornecimento. Na margem, estimula-se a redução voluntária incentivada. Porém, não tarda muito tempo, se configurará o aumento da desigualdade social de toda esta dinâmica, na qual as políticas públicas são responsáveis pela sua intensidade. Elas priorizam a continuidade do poder em detrimento do servir à Nação.

Em agosto de 2021, a comunicação oficial sem transparência e urgência foi de um cinismo acachapante na medida em

que a opção pelo corte no fornecimento não se disseminou como possibilidade real com data inicial e imprevisibilidade na profundidade. O motor é eleitoral: a imagem e os votos para 2022. Evita-se um desgaste do governo obrigando a economia e os cidadãos a arcar com um custo inimaginável pelo kWh consumido, seja por bandeiras coloridas e majoradas, seja por outros subterfúgios. Mais precisamente não se divulgam estudos do custo adicional do racionamento pelo preço (uma opção política) quando é alta a probabilidade do corte físico do fornecimento.

Indenizar os grandes consumidores de energia elétrica pela renúncia ao consumo requer uma fonte de recursos. A mais provável será o pagamento sobre a fatura de Encargos de Serviços de Sistema (ESS). Ou seja, senão cair nas costas do consumidor, de onde virá o dinheiro? Em outros termos, o consumidor não corta, mas paga a aventura de não cortar com seu dinheiro.

Impedir que as distribuidoras arquem com os riscos exógenos ao seu controle, ou seja blindar o equilíbrio econômico financeiro desses agentes, que atendem os consumidores cativos, é o axioma determinante. De onde virão os Reais? Em boa parte do encargo chamado “pau para toda obra”: a Contribuição ao Desenvolvimento Econômico (CDE), quarto de despejo de todos consumidores.

Haverá que jogar uma boia salva vida para demais agentes. Não sabe se basta. Os geradores hidráulicos que não conseguirão nem chegar perto do montante de

energia que contrataram e venderam ao Sistema Interligado Nacional (SIN) aumentarão o buraco de seus déficits pelo Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). São dezenas de bilhões de Reais que se somam a outras dezenas demandadas pelas distribuidoras, por sua vez a adicionar às indústrias que venderão kWh não utilizados e assim por diante. E quem protege o consumidor e o contribuinte?

Ao término do racionamento do Centro-Oeste, Sudeste, Norte e Nordeste, de 2001 e 2002, os consumidores continuaram pagando no preço final da energia indenizações a distribuidoras, entre outros, para não falar do aluguel das térmicas emergencialmente alugadas, quando o fim do racionamento já se anunciava.

Não é só. Hoje ainda pagamos os desmandos da Medida Provisória 571 de Dilma Rousseff, o tsunami que atingiu a todos no setor elétrico brasileiro, e que esqueceu, por exemplo, de indenizar as transmissoras cujos ativos remuneráveis haviam sido injustamente ignorados nas suas áreas de concessão. Revista a tosca barbaridade, vamos corrigindo com nossos bolsos, mês a mês, o repetido malfeito grotesco.

De Martim Afonso Penna, decano dirigente da Abiclor, que reúne o parque eletrointensivo de fabricantes de cloro e soda cáustica no Brasil, aprendi, no racionamento de energia elétrica do Sudeste/Nordeste, em 1987-88: “É melhor um fim horroroso do que um horror sem fim”.

A sangria dos cofres da economia brasileira e da população está ocorrendo e poderemos ver quadros agravados se as chuvas não nos abençoarem até dezembro. Em nome de quê? É mais do que hora de desnovelar. Repito: os ônus da sociedade estão ampliando em nome de explícitos interesses eleitoreiros pelo escrutínio de 2022. Dá-se indenização a quem economizar, e você mesmo paga os fundos que cobrirão a despesa. O PIB pode perder uns 2% de crescimento anual.

As lições dos racionamentos de 1987 e de 2001 precisam ser rapidamente aproveitadas. Em maio de 2001, o Copom do Banco Central ignorava o que estava por vir semanas depois. O governo Fernando Henrique Cardoso, com Pedro Parente à frente do problema, permitiu e facilitou que indústrias concentrassem suas respectivas produções no Sul do país, ou onde estivessem livres da escassez.

Em 1987, a Federação das Indústrias da Bahia solicitou que se cortasse, por exemplo, a produção do alumínio em São Luiz do Maranhão, quebrando uma regra estruturante do capitalismo, que é a isonomia e a igualdade entre os agentes. O Congresso Nacional, a partir do Senado, evitou. A democracia prevaleceu, os contratos continuaram a ser considerados sagrados, o governo tinha programas, metas, métricas e aferições de resultados no tempo. O direito público e o direito privado, com seus contornos e perímetros, mantiveram-se assegurados e a hecatombe passou. O presidente perdeu a eleição, mas governou.

“Evita-se um desgaste do governo obrigando a economia e os cidadãos a arcar com um custo inimaginável pelo kWh consumido”

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.

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