A história de coari através da literatura de cordel

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS CURSO DE LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA

A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS SIMEÃO

DANIEL DE ALMEIDA ALVES

Coari 2014


A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS SIMEÃO

Artigo apresentado à disciplina Prática de Ensino de Língua e Literatura Portuguesa: estágio supervisionado III do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas pelo acadêmico Daniel de Almeida Alves como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Letras-Habilitação em Língua e Literatura Portuguesa, sob a orientação da professora Núbia Litaiff Moriz Schwamborn.

Coari 2014


BANCA AVALIADORA

--------------------------------------------------------------------Núbia Litaiff Moriz Schwamborn Professora Orientadora

-------------------------------------------------------------------Monica Dias de Araújo Professora Avaliadora

------------------------------------------------------------------Atacildo Ferreira Fontes Professor Avaliador


A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS SIMEÃO

Daniel de Almeida Alves1 Núbia Litaiff Moriz Schwamborn2

RESUMO A presente pesquisa objetivou identificar e exemplificar, sobretudo, fatos históricos do Município de Coari explicitados pela Literatura de cordel, com acontecimentos narrados por Francisco Chagas Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História coariense, Assim, o trabalho objetivou estabelecer um diálogo entre a Literatura de cordel e os fatos históricos, políticos e socioculturais ilustrados através dos cordéis A tragédia do Botafogo (sem indicação de data), Recordando os esquecidos coarienses (1992), Os prefeitos de Coari (2002), As promessas de enrolar besta (2009) entre outros, de autoria de Chagas Simeão. Considerando que a História de um povo precisa ser registrada e que a cultura insere as tradições populares, manifestações religiosas, costumes de um povo, logo, as lendas, trovas populares e a Literatura de cordel, também são formas de expressão da realidade. Assim, os cordéis geram inúmeras possibilidades de expressão do mundo e através dos elementos lúdicos, da verossimilhança e da linguagem plurissignificativa, tornam-se um meio eficaz do qual se vale o homem para obter conhecimento acerca da realidade. No transcorrer do trabalho efetuou-se a leitura e análise das obras do cordelista Chagas Simeão e recorreuse ainda a Linhares, Marcuschi e Pontes para fundamentação geral do tema. PALAVRAS-CHAVE: Literatura de cordel – Chagas Simeão – fatos históricos.

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Graduando do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – NESCOA/UEA. Professora orientadora, Mestra do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – UEA


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A HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL, DE CHAGAS SIMEÃO

INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta dados históricos do município de Coari explicitados pela Literatura de cordel, com acontecimentos narrados por Francisco Chagas Simeão da Silva que expõe, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da cultura coariense. São objetivos deste trabalho, apresentar dados biográficos do cordelista coariense, Francisco Chagas Simeão da Silva, identificar fragmentos ilustrativos acerca da História de Coari, presentes na produção literária do autor referendado, sobretudo nas obras Recordando os esquecidos coarienses, A tragédia do Botafogo, Os prefeitos de Coari, e As promessas de enrolar besta; além de analisar a estrutura da métrica utilizada pelo poeta e possibilitar que o gênero Literatura de cordel seja conhecido pelo meio acadêmico e por toda população coariense, como um importante meio de formação e informação. O artigo está organizada em três tópicos. O tópico 1 refere-se à apresentação dos dados biográficos do poeta estudado. No tópico 2, optou-se por abordar os fatos da História de Coari presentes na Literatura de cordel, de Chagas Simeão. O último tópico consiste em uma análise sobre a temática e estrutura métrica utilizadas pelo cordelista coariense em sua bibliografia. A metodologia utilizada privilegiou a pesquisa bibliográfica, enriquecida com uma entrevista feita com Chagas Simeão para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor, uma vez que os livretos analisados não trazem informações biográficas acerca do poeta coariense de cordel. Para a fundamentação teórica sobre o tema, recorreu-se ainda a Linhares (2009), Marcuschi (2003) e Pontes (2013).


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1. CONHECENDO O CORDELISTA COARIENSE, FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO DA SILVA. Francisco Chagas Simeão da Silva nasceu em 04 de julho de 1948, no município de Tefé. Aos 12 anos mudou-se para a cidade de Coari, onde reside atualmente. Filho do Sr. Clodomiro Simeão da Silva e da Sra. Valdizia Rodrigues da Silva, ambos agricultores. É casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tem dois filhos, Heloneida Richer Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva. Chagas, como é chamado, faz parte de uma terceira geração de descendentes nordestinos, o mesmo só estudou até a sétima série do Ensino Fundamental, porque ainda jovem teve que abdicar de seus estudos para trabalhar. Mas, como sempre gostou de ler, costumava importar livros e revistas para vender à população, no box em que trabalhava, localizado no Mercado Municipal Clemente Vieira. Foi no Mercado Municipal Clemente Vieira, que entre uma leitura e outra, Chagas Simeão teve contato com a primeira obra de Literatura de cordel intitulada A luta do Zé do Caixão com o Diabo, de Manoel D’Almeida Filho. Nasceu aí a sua paixão pelo cordel. A aventura de Francisco Chagas Simeão da Silva, no mundo da Literatura de cordel começou no início da década de 90, com a obra intitulada A tragédia do Botafogo. A referida obra foi financiada pelo próprio cordelista, através do bazar que leva o seu próprio nome, o Bazar do Chagas, localizado na Travessa Mota, nº 115, Centro do município de Coari. Em A tragédia do Botafogo, impresso em Manaus pela Gráfica e Editora Líder Ltda, Francisco Chagas Simeão da Silva, narra o naufrágio do barco Dominik, na localidade denominada Botafogo, próximo à cidade de Codajás, também localizada no estado do Amazonas. Na época, o acontecimento gerou muita tristeza e comoção tanto nos familiares das vítimas quanto nas populações dos municípios vizinhos como podem ser observadas nos fragmentos transcritos a seguir, de A tragédia do Botafogo. Este motor meu amigo O seu nome ninguém esquece Dominik era o seu nome Muita gente ali fez prece Mas neste grande rio Se naufragou, desaparece Certo é que foi para o fundo Em um lugar de horror Uns chamam de Botafogo Outros de ponta do pavor Foi um naufrágio horrível Que causou tristeza e dor. (SILVA, s/d, p. 2 - 3).


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Após a publicação inicial de A tragédia do Botafogo, o poeta não parou mais de escrever, atingindo a marca atual de onze publicações e de vários inéditos.

2. FATOS DA HISTÓRIA DE COARI ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL DE FRANCISCO CHAGAS SIMEÃO DA SILVA O cordel é uma espécie de poesia popular que é produzido e divulgado em folhetins ilustrados com gravuras (xilogravuras). A Literatura de cordel constitui uma poesia de tradição oral, mas com influência notável na escrita. Embora o verbete "cordel", registrado no Dicionário Português Caldas Aulete, apareceu apenas em 1881 com o sentido de publicação de baixo valor, a Literatura de cordel, segundo o pesquisador americano, Mark J. Curran (2011), professor da Universidade do Estado do Arizona e autor da obra RETRATO DO BRASIL EM CORDEL, a chamada Literatura de cordel, que inclui os “folhetos” cumpriram “o papel de jornal e novela do povo sertanejo e exerceram a função de, ao mesmo tempo, informar e entreter”. A Literatura de cordel é concebida como sendo uma manifestação artístico-cultural da cultura popular que registra a História e a trajetória de um povo, assim como, caracteriza-se por uma ação poética que dá vida à sociedade. De acordo com Cascudo (2001), a chamada literatura popular “(...) tipicamente impressa, não exclui a passagem à oralidade. É veiculada por meio de folhetos que abordam os mais variados assuntos”. Na opinião de Linhares (2009), a literatura de cordel, representa um expressivo meio de comunicação neste século XXI. A autora enfatiza que a Literatura de cordel, enquanto expressão cultural: permanece adaptada, reinventada, no desempenho de suas funções sociais. Informar, formar, divertir, socializar ou poetizar, conforme os diferentes temas que retrata e o enfoque abordado. Da oralidade, lá em suas origens remotas, à era tecnológica, hoje, é real a transformação e adaptação, compatível à própria evolução da humanidade (LINHARES, 2009).

E pelo fato de cultivar características próprias, a Literatura de cordel é concebida como um gênero textual da literatura, firmando-se como uma das mais variadas manifestações da linguagem popular. Para Marcuschi (2003), os gêneros textuais “são fenômenos históricos, fortemente ligados à vida cultural e social”, constituem, deste modo, entidades sócio discursivas e formas de ação em qualquer situação comunicativa. As características da Literatura de cordel despertam no leitor a prática da leitura prazerosa por serem pequenos textos, com linguagem cotidiana, clara e rimada em tom


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humorístico. São textos cadenciados, com uso de rimas que prezam pela função poética, podendo ser falado, declamado ou cantado com o acompanhamento de instrumentos musicais, expondo com isso, o valor da mediação com o diferente, com a oralidade, à memorização, e a abordagem é geralmente de assuntos relacionados à realidade dos espectadores. Quanto à temática, de acordo com Ariano Suassuna apud GASPAR (2003): “a literatura popular em versos do Nordeste brasileiro pode ser classificada nos seguintes ciclos: o heroico, o maravilhoso, o religioso ou moral, o satírico e o histórico”. Partindo das considerações de Ariano Suassuna, este artigo aborda, sobretudo, o aspecto histórico e satírico da obra literária do cordelista Francisco Chagas Simeão da Silva, apresentando, por meio do gênero cordelista, fragmentos significativos da História de Coari. Dessa forma, pretende-se contribuir para que seja posto em prática o que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (2000) quando garantem que: “partilhar o conhecimento socialmente instituído, aquilo que foi herdado do passado, é apenas o começo do reconhecimento da parte que cabe a cada um no processo histórico, o dado”, nos quais as linguagens, em todas suas vertentes, alcançam seus fins de características formativas, informativas e educativas. Ainda, segundo o que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais, o exame do caráter histórico e contextual de determinada manifestação da linguagem, pode: permitir o entendimento das razões do uso, da valoração, da representatividade, dos interesses sociais colocados em jogo, das escolhas de atribuição de sentidos, ou seja, a consciência do poder constitutivo da linguagem (BRASIL/PCN, 2000).

No início, sabe-se que o cordel focava a divulgação de histórias clássicas, narrativas de épocas passadas que a tradição popular cultivou e transmitiu. Conforme Pontes (2013) “essas narrativas enquadram-se na categoria de romance de cavalaria, amor, guerras, viagem ou conquistas marítimas”. Posteriormente, surge nessa narrativa poética-literária a descrição de fatos sociais contemporâneos, e acontecimentos políticos e históricos que chamavam a atenção da população. Particularidade que o poeta Francisco Chagas Simeão da Silva cultiva desde o início de sua produção literária. Em A tragédia do Botafogo (sem registro de data), primeira obra do escritor coariense, além de narrar os detalhes do trágico naufrágio do barco Dominik, na localidade Botafogo, próximo à cidade de Codajás, onde dezenas de coarienses e tefeenses perderam à vida, explicitada na 27ª estrofe: “Foi como ali aconteceu / Se acabaram mães, filhos e pais / Certas pessoas amigas / Que os nomes não lembro mais / Foi uma grande tragédia / Que ainda não houve igual” (SILVA, s/d, p. 7), através do encaixe As belezas de Coari, a Rainha do Solimões, o


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autor também apresenta alguns aspectos das belezas da cidade de Coari, presentes em suas ruas, praças e demais espaços públicos. O que temos na cidade Não posso guardar segredo Depois que termina o morro Chega na Gonçalves Lêdo Com dica que estou dando Já pode andar sem medo Você seguindo tranquilo Vai logo em frente encontrar Uma praça muito bonita Que vale a pena parar E ficar observando Que vale a pena trabalhar (...) Mesmo dia 2 de agosto Eu vi uma amplidão Procurei ver o que era É a praça São Sebastião Que fica em frente uma quadra Onde acumula a multidão (SILVA, s/d, p. 18 - 20).

No mesmo encaixe, o autor, registra o crescimento da cidade através do surgimento de novos bairros, e os primeiros meios de comunicação de massa que se instalaram em Coari. A cidade está crescendo A cada dia sem parar Surgiu o bairro Santa Efigênia Com crianças pra estudar Foi ali construído um grupo Pra poder melhorar (...) Nos servindo de instrumento Para as necessidades daqui Temos uma rádio funcionando A RÁDIO RURAL DE COARI Com diversas programações Mostrando a beleza em si (...) O progresso aqui é bonito Garanto que não se acaba Temos a TV Amazonas E também a AJURICABA Para mostrarem ao povo Tudo que se necessitava (SILVA, s/d, p. 24 - 27).

Nos livros Recordando os esquecidos coarienses (1992) e A praça que tem de tudo (1992), Chagas Simeão descreve personalidades políticas e pessoas do povo que, de alguma forma, conseguiram notoriedade em Coari. Em Recordando os esquecidos coarienses, o poeta desafia o leitor a ver se ainda lembra das personalidades que fizeram sucesso na cidade, como o prefeito de Coari, Alexandre Montoril: “Você talvez não conheceu / ou seu nome nunca


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ouviu / foi um grande prefeito / que nesta cidade surgiu / seu nome era conhecido / por CORONEL MONTORIL” (SILVA, 1992, p. 3); Chico Enfermeiro, um dos primeiros profissionais dessa área a trabalhar na cidade: “Assim passou o tempo / o Coronel foi primeiro / mas para recordação / ficou o seu companheiro / chamado CHICO ENFERMEIRO” (SILVA, 1992, p. 4); e outras personagens, que por algum feito, profissão, ou mesmo por causa de seus pseudônimos engraçados, foram recordados na obra. Mas a vida é mesmo assim Cheia deste bafafá Creia que eu ia esquecendo Desta beleza buscar Será que já se esqueceu Da nossa amiga BIÁ Eu ainda não esqueci Gostava do jeito dela Mas agora lembrei outro Que parecia com ela Só o nome era diferente Pois chamavam ZÉ REMELA (...) Se formos mexer com todos Estes versos não resumo Não estou podendo esquecer Do meu amigo TIRA RUMO Que carrega o seu carro Tirando sempre no prumo (SILVA, 1992, p. 11 - 12).

A praça que tem de tudo conserva as mesmas características de Recordando os esquecidos coarienses, pois satiriza os codinomes e os traços dos motoqueiros coarienses, uma classe que, hoje, é formada por cerca de três mil profissionais, e que tiram dessa profissão o sustento para suas famílias: “Vou começar a mexer / pra ver dar o sururu / porque tocando pra frente / a gente conhece o angu / vou apresentar pra vocês / o famoso Cara de pacu” (SILVA, 1992, p. 3), mas ao mesmo tempo em que o poeta se diverte com os nomes engraçados dos mototaxistas, também faz uma crítica social em relação a “fama” desses profissionais serem mulherengos, mencionando, inclusive, que há em Coari, um número de filhos oriundos de relacionamentos extraconjugais: “Esta praça está sortida / com tudo que você quer / Tem peixe, ave e caça / da espécie que quiser / Não vá dar é muita corda / pois são sagazes por mulher” (SILVA, 1992, p. 3). Ainda acerca dessa crítica, o autor descreve nos cordéis. FULENGA nome famoso Tem gata por todo lado O povo anda espalhando A fama do desgraçado Tem pra mais de trinta filhos Por esse mundo espalhado


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FULENGA vou quietar Se não a conversa estira Pode cuidar dos meninos Que isto não é mentira Enquanto eu vou mexer Com a vida do MAMBIRA (SILVA, 1992, p. 12).

Além de narrar momentos históricos, políticos e fatos do cotidiano do município de Coari, observa-se que uma das características marcantes de Chagas Simeão, em toda sua biografia literária é a forma como desenvolve as narrativas, sempre satirizando e/ou moralizando, mas sem nunca perder a comicidade. Às vezes, o poeta se utiliza de acróstico, usa o próprio nome para finalizar os cordéis. Comecei a contar ao povo Histórias da nossa praça A esperança é ver todos Gritando e fazendo graça A felicidade é bonita Surgindo de qualquer raça (SILVA, 1992, p. 21)

Na obra Os prefeitos de Coari (2002) é feito um apanhado geral sobre a história e o legado dos prefeitos que administraram o município desde a época em que não havia nem eleição para a escolha dos gestores municipais, ou seja, nesse cordel há descrições dos mandatos dos superintendentes, dos majores e dos alcaides escolhidos pelo voto popular. Inclusive, há em muitas estrofes particularidades da História de Coari, que certamente a “história oficial” não registrou, pelo menos não se tem informação. Nesse cordel, encontra-se a descrição de qual prefeito que trabalhou ou que deixou de trabalhar durante sua gestão, no qual o autor fez questão de advertir que dependendo do feito de cada mandatário seria enaltecido ou depreciado: “Depois eu não quero choro / Dizendo que eu não avisei / Se você foi bom prefeito / Ao povo todo direi / Mas se você não prestou / Seus defeitos mostrarei” (SILVA, 2002, p. 01). Nesse contexto histórico, o poeta conta que os prefeitos coarienses que mais se destacaram foram: Alexandre Montoril, Clemente Vieira Soares e Enedino Monteiro da Silva. De acordo com uma relação existente na Câmara Municipal de Coari a qual lista os nomes dos prefeitos que administraram o município e os respectivos períodos que cada um passou à frente da prefeitura municipal, sem dar outros detalhes. Alexandre Montoril exerceu o cargo de prefeito de Coari por três mandatos, de 1932 a 1936, de 1937 a 1939 e de 1960 a 1963. Ele é apresentado, por Chagas, como “(...) um grande prefeito, que esta cidade já viu”,


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constituindo-se nessa conjuntura, o prefeito que iniciou o processo de urbanização da sede do município de Coari, que acabara de ser elevada à categoria de cidade. Um homem trabalhador Cheio de disposição As sete horas já estava Com um guarda-chuva na mão Verificando as obras Que estavam em construção Fez uma ponte de madeira Desta ainda me lembro Começava na Getúlio Vargas Até a rua 02 de dezembro Nesta feira do produtor Era um igarapé tremendo Em frente a Getúlio Vargas Feito com maior capricho Uma ponte de madeira A qual chamavam de trapiche Para embelezar a cidade E não deixar acumular lixo (SILVA, 2002, p. 04).

Clemente Vieira Soares, foi prefeito de Coari por dois mandatos, de 1964-1968 e de 1977 e 1982, ele, o autor o apresenta como o prefeito das grandes obras, “um prefeito que deixou, o nome na cidade inteira”, mas que não teve o reconhecimento da população, pois mesmo disputando outros pleitos, não ganhou mais nem para vereador. Por onde você passar Encontrará na sua frente Uma obra bem trabalhada Feita pelo prefeito Clemente Vou mostrar algumas delas Que ainda alegram a gente Vou começar pelo porto E subir pelo mercado Pela rua Independência Esta foi toda aterrada Tinha o Pavilhão Santana Pelo comércio foi tomada (...) Hoje cinquenta por cento Do que temos n cidade Foi feito pelo Clemente Que trabalhava de verdade Fazendo coisas bonitas Para embelezar a cidade (SILVA, 2002, p. 07-14).

“Foi candidato 7 vezes / Na oitava ele ganhou / Eu não sei porque razão / tanto tempo demorou / Mais estamos satisfeitos / Com o papel que praticou” (SILVA, 2002, p. 13), é deste modo que o poeta coariense, Chagas Simeão, refere-se a Enedino Monteiro da Silva, em seu


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cordel. Enedino Monteiro governou a cidade de Coari de 1973 a 1976, e ainda que não tenha feito grandes realizações em sua administração o autor lhe faz grandes elogios. O nosso amigo Enedino Este quase não fez nada Porque passou o seu mandato Pagando conta atrasada Deixada pelo tal Mussa Que não prestava pra nada (...) Foi o único prefeito Que por essa cidade passa Que quando o outro entrou Achou dinheiro em caixa Trabalhou pouco na cidade Mas deixou limpo na praça (SILVA, 2002, p. 12).

Ainda com relação à história dos prefeitos, o poeta popular coariense menciona os que, na sua opinião, foram os piores administradores de Coari. Nessa relação estão Mussa Abrahim Neto, Evandro Aquino de Oliveira e Jamil Morais. Mussa foi prefeito de Coari no período de 1969 a 1972, após o primeiro mandato de Clemente Vieira. Nas palavra do autor, “com Mussa, foram quatro anos de desgraça que Coari enfrentou”. Mussa chegou com pinta De quem bota pra quebrar É verdade ele entrou Só vendo pra acreditar Começou rasgando tudo Lá na Chagas Aguiar Só fez essa arrumação Para enganar a moçada Daquela data em diante Só foi fazendo cagada Deixou a cidade toda Por todo canto endividada (SILVA, 2002, p. 11).

Evandro Aquino administrou o município de Coari, de 1989 a 1992. Na época um jovem intelectual que se tornou a esperança dos coarienses, pois ele havia feito parte da primeira administração do prefeito Roberval Rodrigues da Silva (1983-1988), da qual ele era vice, num mandato que foi marcado pela valorização da zona rural, construindo escolas e levando educação para aproximadamente setenta por cento das comunidades. Mesmo com alguns outros feitos, a dupla chegou ao final do governo com a popularidade baixa, causada principalmente pela nomeação de parentes de Roberval para assumir o primeiro escalão da gestão municipal. Mesmo assim, Evandro Aquino se candidatou e saiu vitorioso. Contudo, na opinião de Chagas foi uma decepção.


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Começou até bonito A muita gente empregando Uma boa administração Todo povo admirando Quando dava o fim do mês Os empregados ia pagando (...) Foi se perdendo aos poucos Mexendo o que não era seu Começou comprando terreno Todo o povo percebeu Uns já querendo saber Como foi que enriqueceu (...) Até hoje ainda sente Os efeitos disso aí Nunca mais o quiseram Para prefeito de Coari Eu acredito que tão cedo O povo não lhe quer aqui (SILVA, 2002, p. 20-21).

Em Os prefeitos de Coari, Jamil Morais, figura-se também como um dos prefeitos digno de ser satirizado. Ele era vice de Odair Carlos Geraldo, e administrou o município de Coari por pouco mais de um ano. Com a morte do Odair O seu vice apareceu Meus amigos esse aí Só fez coisa que fedeu Foi um dos piores prefeitos Que em Coari apareceu (...) O sujeito era terrível Gostava de fazer besteira Vocês estão bem lembrados Daquela ponte do Pêra! Foi por onde começou Fazendo a bagaceira Botou o Cristo na praça Com o braço aberto indicando Onde mostrava para o povo O buraco que ia ficando Hoje quando você olha Disto aí vai se lembrando (SILVA, 2002, p. 25-26).

A história da política coariense, reserva dois fatos que são decorrentes da sempre ferrenha e brutal disputa política que se arraigou em Coari desde sua origem, levando dois prefeitos a serem assassinados, Herbert Lessa de Azevedo (1927) e Odair Carlos Geraldo (1995), assim descritos pelo cordel, do autor coariense. Vou continuar mexendo E descobrindo os segredos Agora veio a minha mente O prefeito Herbert de Azevedo


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Este pelo que me contaram Foi desta terra mais cedo Deste não posso dizer nada Pois poucas coisas restaram Com pouco espaço de tempo Com um tiro lhe mataram Não deixou nem lembrança Para os que nele votaram (SILVA, 2002, p. 03-04).

De acordo com a Coleção Amazoniana, de 1930, apud GÓES (2014), em transcrição de A “Vanguarda”, do Rio de Janeiro, de 17 de agosto de 1927, “o prefeito Herbert de Azevedo foi assassinado aos 25 anos de idade com um tiro no abdômen, no dia 23 de junho de 1927, dentro do prédio da Prefeitura Municipal, onde também funcionavam a Delegacia e a Promotoria”. O local fora invadido por vinte homens armados com rifles, vindos de canoa da comunidade Apaurá, localizada às margens do rio Solimões, entre as cidades amazonenses de Coari e Tefé. Herbert de Azevedo era filho do jornalista e escritor Raul de Azevedo, deputado amazonense e administrador dos Correios do Amazonas e Acre. Nasceu em Manaus, era solteiro, formado bacharel em Direito e funcionário postal dos Correios. Com relação ao também trágico homicídio do 14º prefeito de Coari – o 7º eleito pelo voto popular – o médico paulista Odair Carlos Geraldo, foi morto com um tiro no peito, no dia 14 de agosto 1995, em um tiroteio entre os seus seguranças e o então presidente da Câmara de Coari a época, Arnaldo Almeida Mitouso, condenado por unanimidade, em 22 de novembro de 2011, pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, como o autor do tiro que matou Odair. Esse acontecimento, assim foi registrado no cordel de Chagas Simeão. Odair Carlos Geraldo Também foi nosso prefeito Mas o destino não deixou Chegar ao fim do seu pleito Com um ano e seis meses Morreu com uma bala no peito Nos deixou muitas saudades Pois era um homem excedente Um que não tinha hora Para atender qualquer gente Morreu por viver cercado De muitos incompetentes (SILVA, 2002, p. 23-24).

Ademais, os livros Comendo o povo na conversa (2008), As promessas de enrolar besta (2009) e Coari agora é enxergado (2010) são o retrato do contexto histórico, político e social dos últimos treze anos do município de Coari. Nesse período o município passou a


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experimentar um novo momento em seu desenvolvimento com a exploração de petróleo e gás natural, extraídos da Província Petrolífera de Urucu. Contudo, as cifras milionárias que a Petrobras já pagou, em royalties ao município, pela exploração do “Ouro Negro” em seu solo, pouco colaborou para que a população alcançasse uma qualidade de vida significativa, pelo contrário, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2012) em duas décadas o número de habitantes de Coari dobrou, passando de 38 mil em 1991 pra 77 mil em 2012. Ainda de acordo com o IBG o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal registrado em Coari é de 0,586 o que é considerado baixo pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Entre os municípios do Amazonas, Coari ocupa a 21ª posição na questão do IDH. O que não é exagero afirmar que Coari se tornou um município rico, de um povo pobre. “É triste mais é verdade / Tudo o que acontece aqui / As frutas vem de fora / Nada mais produz aqui / Porque não tem incentivo / Dos governantes de Coari” (SILVA, 2008, p. 25). Por conseguinte, todos os fatos políticos que marcaram as últimas décadas da História de Coari estão relatados na produção literária do poeta coariense, Francisco Chagas Simeão da Silva, nas escolhas, nas decisões, nas promessas políticas e nos escândalos de corrupção e pedofilia envolvendo, principalmente, o atual grupo político que administra o município amazonense com a maior renda per capita do estado, pela terceira vez. Assim se expressa Chagas Simeão: “meu povo já estou cheio / De ver tanta enganação / Por isso leia este livro / Prestando muita atenção / As coisas que são feitas / Para enganar o cidadão” (SILVA, 2008, p. 01). E continua sua crítica satírica com os versos a seguir. É tanta promessa feita Que o povo até esqueceu Mas vou lembrar a Orla Que aqui não apareceu A famosa ponte do Pêra Esta desapareceu (SILVA, 2008, p. 26). Na cidade não tem um campo Porque ele mandou acabar Transformando em cemitério Pra os defuntos enterrar Dizendo vou fazer outro Antes do mandato findar (SILVA, 2009. p. 08). É um homem sem moral Metido na vaidade Dizia eu só quero menina De 15 anos de idade Se tiver mais do que isso Está fora de validade (SILVA, 2009. p. 21).


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Dia 20 de maio de 2008 Não devemos esquecer Que a Polícia Federal Fez muito negro tremer Levaram só um bocado Botam outros pra correr Assim ainda pegaram 7 malas de dinheiro Pra você ver como aqui O roubo é verdadeiro É por isso que em Coari Há um sumiço de dinheiro (SILVA, 2008, p. 28).

3. ANÁLISE SOBRE A TEMÁTICA E ESTRUTURA MÉTRICA UTILIZADAS PELO CORDELISTA COARIENSE EM SUA BIBLIOGRAFIA A Literatura de cordel por constituir uma manifestação popular no Brasil, originária do Nordeste, tem como precursor Leandro Gomes de Barros, paraibano nascido em 1865. A partir da atuação de Leandro Gomes de Barros (1865- 1918), surgiram outros poetas-editores que escreviam e imprimiam seus próprios “folhetos”, como eram denominados os poemas pelos portugueses. A principal característica da Literatura de cordel no nosso país está relacionada à riqueza de temáticas: a imensa diversidade dos temas abordados nas estrofes cordelistas. Francisco Chagas Simeão da Silva também conserva em sua bibliografia essa característica. Seus cordéis apresentam uma diversidade de temas: fatos históricos como o naufrágio do barco Dominik, fatos cotidianos como a descrição de pessoas e seus nomes engraçados em A Praça que tem de tudo e em Recordando os Esquecidos Coarienses, ambos de 1992. Os fatos políticos, que inclusive estão sendo denunciados pela imprensa regional e nacional estão claramente retratados em Coari agora é enxergado (2010): “Antes tivesse perdido / A segunda eleição / tinha saído daqui limpo / E com dinheiro na mão / Não saía como pedófilo / Nem também como ladrão” (SILVA, 2010, p. 28). É importante enfatizar que o próprio cordelista tinha consciência do que escrevia. Preocupado em mostrar a verdade e, assim “abrir os olhos do povo” escreveu em As promessas de enrolar besta (2009) para o leitor: “talvez não fosse este livro / que você estava esperando / leia com bem atenção/ e sempre observando / Você vai ver que é verdade / Tudo o que estou falando” (SILVA, p. 31). E o autor continua tentando chamar a atenção do leitor para a enganação: “eu não vou fazer livro / que não possua valor/ Quero chamar atenção / Do meu querido leitor / Pra me ajudar a divulgar / a podridão que passou” (p. 31).


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Ainda quanto à temática, o cordel literário do morador coariense, Chagas Simeão, tem uma relação muito semelhante à obra de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”. São bastante conhecidos os poemas de caráter crítico do autor barroco que, na época do Brasil colonial, satirizava o clero, os políticos, comerciantes, colonizadores e até mesmo o povo. Para isso, usava um vocabulário bem “baixo” em suas poesias. Assim, através das mesmas, podia-se conhecer melhor a sociedade do Brasil colonial, conforme exemplificam os fragmentos do poema intitulado “Epílogos” (Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república). No texto barroco, o escritor faz uma análise, válida para os dias atuais, dos problemas do país, cuja capital era então a Bahia. Sua crítica volta-se para a situação econômica, a corrupção das autoridades, a farsa dos políticos e o mercantilismo a que a justiça se submete. EPÍLOGOS (Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república) Que falta nesta cidade?...................................Verdade Que mais por sua desonra ..............................Honra Falta mais que se lhe ponha ...........................Vergonha. O demo a viver se exponha, por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha. Quem a pôs neste socrócio?.............................. Negócio Quem causa tal perdição? ................................ Ambição E o maior desta loucura?.................................. Usura. Notável desaventura de um povo néscio, e sandeu, que não sabe, que o perdeu Negócio, Ambição, Usura. (...) O açúcar já se acabou?..................................... Baixou E o dinheiro se extinguiu?................................. Subiu Logo já convalesceu? .......................................... Morreu. À Bahia aconteceu o que a um doente acontece, cai na cama, o mal lhe cresce, Baixou, Subiu, e Morreu. A Câmara não acode?........................................ Não pode Pois não tem todo o poder?.............................. Não quer É que o governo a convence? ........................... Não vence. Quem haverá que tal pense, que uma Câmara tão nobre por ver-se mísera, e pobre Não pode, não quer, não vence. (Gregório de Matos)


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Na mesma linha temática de Gregório de Matos, o cordelista Chagas Simeão critica satirizando, de forma bastante cômica, episódios da vida popular, cotidiana e política. A semelhança temática do cordel de Chagas Simeão com as poesias satíricas do poeta baiano se evidenciam em As promessas de enrolar besta. Na obra, constata-se que o autor faz duras críticas aos governantes coarienses e recrimina as pessoas que não sabem votar. O povo desta cidade Parece não ter cachola Vão rodando na conversa Como se rola uma bola Você prestou atenção No rabo do ônibus a Orla? É uma coisa incrível Que deixa a gente “nervoso” Em ver nas traseiras dos ônibus O Centro de Convivência do Idoso É mais uma falcatrua Deste bicho mentiroso. (SILVA, 2009, p. 03).

E o autor, na obra, continua com suas denúncias e críticas, através de suas sextilhas. A Orla que tanto falaram Só era fazendo chantagem Pois é tipo de gente Que quer virar visagem E deixar sua propaganda Ao menos para sacanagem. A estrada foi duplicada Até hoje pra nada presta Veja esta do Itapéua Que é só buraco que resta, Porque o dinheiro aqui Se acabava em festa... (SILVA, 2009, p. 09-10). Mas aqui, este povo Gosta de ser enganado, Chegou fazendo promessa, Logo confiam no safado Depois estão arrependidos Se maldizendo para todo lado. (...) Vai entrando e se acabando E o povo rodando na peia O asfalto que jogam na rua Pode ver que é só areia E a cidade de Coari Cada vez fica mais feia... (SILVA, 2009, p. 11-13).

Na mesma linha satírica, as sextilhas transcritas do cordel As promessas de enrolar besta (2009) fazem referência à omissão e participação das autoridades no desmando político coariense.


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E quanto mais aparece roubo O sujeito é mais elogiado Pois no meio da sem-vergonhice Tem Promotor, Juiz e Advogado E mais os Governadores Pra ficar tudo abafado. Ainda passa a mão por cima Elogiando o ladrão Dizendo eu não pensei Que tivesse aqui um irmão Vou mandar mais dinheiro Pra nós fazermos a divisão. (SILVA, 2009, p. 15).

Porém, o cordelista do município de Coari, não escreveu apenas poemas de caráter satírico, o poeta Chagas Simeão também faz relatos saudosistas, num vocabulário bem popular, de personalidades políticas e de acontecimentos do cotidiano coariense em Recordando os esquecidos coarienses (1992). Você talvez não conheceu Ou seu nome nunca ouviu Foi um grande prefeito Que nesta cidade surgiu Seu nome era conhecido Por CORONEL MONTORIL (SILVA, 1992, p. 4).

E louvando o trabalho dos antigos prefeitos Montoril e Clemente Vieira, as sextilhas transcritas de Os prefeitos de Coari (2002) continuam com os relatos saudosistas. Do Coronel Montoril Ainda trago na mente Uma frase muito linda Que dizia num repente Que o homem preguiçoso Não serve para semente Trabalhou muitos anos Não deixou rastro de besteira Para continuar o progresso Entrou o Clemente Vieira Um prefeito que deixou O nome na cidade inteira (SILVA, 2002, p. 07).

Com referência à estrutura formal, todos os cordéis são escritos através de estrofes regulares, utilizando-se de sextilhas. O primeiro cordel, A tragédia do botafogo, possui cento e oito estrofes, o segundo cordel, intitulado Recordando os esquecidos coarienses é constituído de quarenta e nove estrofes. O livro A praça que tem de tudo possui setenta e três agrupamentos de versos. O livro Os prefeitos de Coari é organizado com cento e trinta e uma estrofes. O quinto cordel, que tem como título Comendo o povo na conversa é o que tem o


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maior agrupamento de estrofes, composto cento e cinquenta. As promessas de enrolar besta é o segundo maior folheto, com cento e trinta e quatro estofes e o livro Coari agora é enxergado é formado por setenta e sete estrofes. Predominantemente, nos versos escritos, o autor utiliza versos que constituem a medida velha, versos curtos, de cinco sílabas, a redondilha maior e versos de oito sílabas, mas não há rigidez, quanto à quantidade de sílabas poéticas. Em Coari agora é enxergado (2010), impresso no próprio município, há uso dos versos de sete sílabas e versos de oito sílabas (medida velha), mas há versos também construídos com outras medidas. A / qui/ se / faz / a / qui/ se / pa / ga = oito sílabas poéticas É / um / di / ta /do /po /pu / lar /= oito sílabas poéticas Tem /gen / te / pa / gan / do/ ca / ro = sete sílabas poéticas O / que / fez / a / qui/ sem / pen/ sar/ = oito sílabas poéticas Ven/ do o/ sol / nas /cer/qua /dra / do = sete sílabas poéticas Que / ren /do a / té/ se en/ for / car/ = sete sílabas poéticas.

A preferência métrica do autor evidencia-se, inclusive, no encaixe intitulado: AS BELEZAS DE COARI – A RAINHA DO SOLIMÕES. Nesse cordel, o que se tem conhecimento até agora, é que o mesmo constitui o primeiro registro de exaltação à cidade de Coari, através do gênero Literatura de Cordel. Quem vem a esta cidade Volta sempre com frequência Por ver as maravilhas Da Avenida Independência Coari, uma cidade bonita Que encanta com a presença (...) Você seguindo tranquilo Vai logo em frente encontrar Uma praça muito bonita Que vale a pena parar E ficar observando Que é bonito trabalhar... (SILVA, s/d, p. 17 - 18).

Quanto ao esquema de rimas, o autor rima sempre os versos pares, geralmente o segundo rima com o quarto e com o sexto verso. Partindo desses pressupostos, conclui-se que, a Literatura de Cordel, produzida pelo morador coariense Francisco Chagas Simeão da Silva, apresenta uma linguagem cadenciada, simples, de fácil entendimento.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa foi bibliográfica de análise qualitativa, caracterizando-se como um estudo de caso. Primeiramente foi feito o levantamento da literatura de Chagas Simeão. Após a leitura sistemática e análise, privilegiou-se como temática a descrição dos fatos históricos e


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políticos do município de Coari, relatados nos cordéis do autor em estudo. Também foi feito o levantamento bibliográfico para teorização do tema selecionado. Como instrumento, utilizou-se também de uma entrevista feita com Chagas Simeão, para melhor conhecimento sobre a vida e a obra do autor, uma vez que os livretos analisados não trazem informações biográficas acerca do poeta coariense de cordel.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que a Literatura de cordel, produzida pelo morador coariense Francisco Chagas Simeão da Silva, desempenha um singular e relevante registro de aspectos históricos e políticos do município de Coari. Ao cumprir todos os objetivos propostos neste trabalho, percebeu-se que os cordéis do poeta são, de fato, uma fonte de informação histórica real que de uma maneira ou outra tem incansavelmente contribuído para ajudar no processo de educação e politização da população coariense, ou seja, formar cidadãos críticos e conscientes dos seus deveres e direitos políticos, por motivar o cidadão/eleitor a fazer melhores escolhas na hora de eleger o seu representante. Com este artigo, observou-se a nítida habilidade do poeta em transformar a notícia em história, e, que seus cordéis têm proporcionado à sociedade coariense uma alternativa diferenciada e legítima de fazer com que esta fique “por dentro” dos fatos do cotidiano. Entretanto, embora este trabalho tenha sido muito importante para conhecer a História de Coari, ficam as seguintes recomendações: que os leitores, sobretudo os discentes, tenham a curiosidade de pesquisar, entender e escrever sobre a História de Coari retratada através dos cordéis de Chagas Simeão. Recomenda-se também que as instituições de ensino, responsáveis por formar e informar, procurem a possibilidade de encontrar saídas para o desenvolvimento da pessoa humana, através dos mais diversos gêneros da linguagem, entre eles o cordel; que o cordelista coariense possa ter apoio de instituições para suas futuras publicações e, dessa forma produzir obras focando também o público escolar/universitário e que a população de Coari possa valorizar a Literatura de cordel do autor em estudo, pois a História de um povo precisa ser registrada, visto que “um povo sem memória é um povo sem cultura”. E se cultura insere as tradições populares, as manifestações religiosas, os costumes de um povo, as lendas, as trovas populares, insere também a Literatura de cordel, com fatos narrados por Francisco Chagas Simeão da Silva que apresenta, nesse gênero textual, uma riqueza de detalhes da História e da cultura coariense.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABLC - Academia Brasileira de Literatura de Cordel. História. Disponível em:<http://www.academiabrasileiradeliteraturadecordel.com.br>. Acesso em 04 de junho de 2013. BRASIL /PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. MEC/Ministério de Educação e Cultura, Brasília, 2000. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário de folclore brasileiro. 10. ed. rev. atual. e ilust. São Paulo: Global, 2001. CATARINO, Dilson. Poemas de Gregório de Matos Guerra. Disponível em: <http://dilsoncatarino.blogspot.com.br/2012/10/poemas-de-gregorio-de-matos-guerrao.html>. Acesso em 18 de dezembro de 2013. CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel. Ateliê Editorial, 2011. GASPAR, Fontes Lúcia. Literatura de Cordel. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em 02 de junho de 2013. GÓES, Archipo. Blog Guia Coari. O Dr Herbert Lessa de Azevedo foi um herói? Como morreu o Prefeito de Coari. Disponível em: <http://www.guiacoari.com/?p=569>. Acesso em 15 de maio de 2014. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Coari>. Acesso em 16 de maio de 2014. LINHARES, Thelma R. S. A história da Literatura de Cordel. Disponível em: <http://www.camarabrasileira.com/cordel101.htm>. Acesso em 11 de junho de 2013. MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. IN: DIONISIO, A. P. et al. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. PONTES, Marcos Antônio. A Literatura de Cordel como fonte de incentivo no ensino de literatura. Disponível em: <http://www.pedagogiaaopedaletra.com.br/.htm>. Acesso em 29 de maio de 2013. SILVA, Francisco Chagas Simeão da. A tragédia do Botafogo. Gráfica e Editora Líder Ltda. Manaus/AM, s/d. _______________ Recordando os esquecidos coarienses. Gráfica Industrial de Manaus/AM, 1992. _______________ A Praça que tem de tudo. Gráfica Industrial de Manaus/AM, 1992. _______________ Os Prefeitos de Coari. Multigraf. Manaus/AM, 2002. _______________ Comendo o povo na conversa. Gráfica MA. Coari/AM, 2008.


SILVA, Francisco Chagas Simeão da. As promessas de enrolar besta. Gráfica MA. Coari/AM, 2009. _______________ Coari agora é enxergado. Planet Copy. Coari/AM, 2010. VIANA, Arievaldo. Acorda cordel na sala de aula. O Mossoroense, Mossoró, RN, 2005. Disponível em:< http://www.queimabucha.com/index.php?pagina=Artigos&ida=2>. Acesso em: 18 de outubro de 2013.


ANEXOS / APÊNDICES Entrevista: Francisco Chagas Simeão da Silva – O Poeta Coariense de Literatura de Cordel Coari-AM, em 20 de novembro de 2013

Por: Daniel de Almeida Alves Acadêmico do Curso de Licenciatura em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/NESCOA

Francisco Chagas Simeão da Silva, nos recebeu para esta entrevista em seu bazar, localizado na Travessa Mota, centro de Coari (AM). Aos 65 anos, sempre bem humorado, o poeta cordelista não hesitou em responder uma só pergunta que lhe foi dirigida. Ele tem 14 escritos de cordel, entre obras publicadas e inéditas. É comerciante dedicado, e também um apaixonado por leitura. Quando não tem clientes para atender está sempre lendo jornais e/ou revistas, ou então rabiscando seus cordéis atrás de sua escrivaninha. Daniel Almeida – Fale um pouco de você: sua idade, sua profissão, formação, cidade onde nasceu, se é casado ou solteiro etc. Chagas Simeão – Eu tenho 65 anos, nasci no dia 04 de julho de 1948, na zona rural de Tefé. Quando eu tinha 02 anos, o meu pai saiu para pescar, sofreu um ataque de epilepsia e morreu afogado. Uns anos depois a minha mãe se juntou com um “cara”, só que ele bebia, e numa de suas bebedeiras o “sujeito” chegou em casa querendo bater na minha mãe, foi então que eu peguei uma enxada e botei para cacetar o “bicho” (risos). Foi! Só não aconteceu uma tragédia porque ele se defendeu e correu (risos)! Depois desse caso, eu já tinha 12 anos, a minha mãe me mandou aqui para Coari, para morar com o meu tio, Alfredo. Então, desde menino eu tive que aprender a me virar. Estudava em um horário e trabalhava em outro, até que chegou um momento que, por uma questão de sobrevivência, e também por me aparecer a mesma doença neurológica (epilepsia) que levou o pai à morte, não deu mais para estudar, e aí eu parei na 7ª série. Desde então, eu trabalho com comércio, antes lá no mercado, e agora aqui nesse “bazarzinho” (risos). Essa é a minha profissão! Ah, eu sou casado com a Sra. Fátima Carvalho da Silva, com quem tenho 2 filhos, Heloneida Richer Carvalho da Silva e Kleiton Richer Carvalho da Silva.


Daniel Almeida – Como surgiu o seu interesse pela literatura de cordel? Chagas Simeão – O meu envolvimento com o cordel aconteceu de uma certa forma até engraçada, porque como eu disse, eu trabalhava em um dos “box” do Mercado Municipal Clemente Vieira, onde eu comercializava diversos tipos de livros, que eu mandava pedir de São Paulo (SP), isso em meados da década de 80, no meio desses livros eu encontrei a obra A luta do Zé do Caixão com o Diabo, de Manoel D’Almeida Filho. Foi lendo as histórias de Manoel D´Almeida Filho, em diversos outros cordéis, que eu vi, que eu também poderia ser um escritor de literatura de cordel. Isso ficou na minha cabeça por vários anos. A inspiração para escrever o meu primeiro cordel só veio com o naufrágio do barco Dominik, lá perto de Codajás, uma tragédia que eu nunca tinha ouvido falar na minha vida. Assim, nasceu A tragédia do Botafogo na qual eu narro como tudo aconteceu e ainda alerto o povo para ter cuidado ao viajar por esses rios. Daniel Almeida – Quantos cordéis você já compôs e onde os divulga? Chagas Simeão – Já escrevi 14 livros, 11 já foram publicados: A tragédia do Botafogo, Recordando os esquecidos coarienses, A Praça que tem de tudo, As proezas de um preguiçoso, Os prefeitos de Coari, As quadro drogas que matam sem compaixão, A crueldade dos homens, As promessas de enrolar besta, Comendo o povo na conversa, Coari agora é enxergado, Lembrança da vovó Suzana, e por falta de patrocínio, 3 estão por serem publicados. E eu só vendo aqui mesmo, quem faz a divulgação é o povo. Daniel Almeida – Qual a temática principal de seus cordéis? Eles se diferenciam dos cordéis tradicionais? Chagas Simeão – A temática mais presente nos meus cordéis é a política, porque eu acredito que as decisões da política é que decidem os rumos da sociedade. Mas eu também gosto de escrever sobre as história do dia a dia do povo, porque o cordel é poesia popular, não da elite. É poesia do povo, feita em folhetos baratos, humildes. Essa poesia o povo transmite de geração para geração porque nela está a sua identidade cultural. O que diferencia o meu cordel do tradicional é que o tradicional valoriza mais as histórias dos bois brabos que ninguém pegava, dos cangaceiros. O meu não, o meu valoriza as histórias do povo.


Daniel Almeida – Os cordéis têm uma função didática, entre outras. Como tem sido a reação do público com a temática de seu cordel? Chagas Simeão – O povo tem sido muito receptivo com o meu trabalho. Tem muitos pais que não sabem nem ler, mas que compram os meus cordéis para ouvir os filhos lerem e se divertirem com o jeito que eu descrevo as histórias, e depois eles saem contando por aí (risos). Daniel Almeida – Você já sofreu algum tipo de retaliação por causa do cordel? Chagas Simeão – Não, porque por mais que eu faça um cordel que satiriza sem dor nem piedade as besteiras que esses políticos fazem, eu só falo a verdade, nada mais que isso. Daniel Almeida – De que forma os cordéis colaboram em prol da cidadania coariense? Chagas Simeão – Minha missão é através do cordel registrar os acontecimentos que giram em torno da política para ir alertando o povo a fazer escolhas inteligentes na hora de votar. Daniel Almeida – Chagas, se você pudesse deixar uma mensagem para os jovens, o que você diria? Chagas Simeão: Jovens de todo o Brasil É hora de despertar Procurando as coisas boas Que vocês possam aproveitar O estudo é uma delas Pode você acreditar

Estude com dedicação Não deixe o tempo passar Aproveite enquanto é jovem Porque a velhice vai chegar Leia com bem atenção Pra aprender e pra ensinar


Um jovem bem preparado Tem a vit贸ria pela frente Vive uma vida feliz Bem alegre e contente Desvie-se do mal Pra ser uma boa gente


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