Uma Literatura Coariense - Archipo

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Organização: Archipo Góes

Uma Literatura Coariense

Coari – 2013



Dedicado a Ir Marília Menezes (ASJ), por ter me estimulado e apresentado ao mundo da literatura e especialmente as poesias que tocam o coração.



Sumário A “FESTA” DA BANANA ......................................................................................................................................... 9 A Praça e a Matriz ............................................................................................................................................... 10 A Freguesia de Alvelos - Roberval Vieira ............................................................................................................ 11 COARI .................................................................................................................................................................. 12 Diários de Motocicleta – Um Caboclo Coariense em Roma ............................................................................... 13 HISTÓRIAS DE BOI-BUMBÁ ................................................................................................................................. 14 O Jardim dos Meus Desejos................................................................................................................................ 15 O LAGO MISTERIOSO .......................................................................................................................................... 16 A Floresta Chora e Grita a Sua Destruição.......................................................................................................... 17 Lago de Coari ...................................................................................................................................................... 18 LUAR DE AGOSTO SOBRE O RIO SOLIMÕES ....................................................................................................... 19 Trajetória ............................................................................................................................................................ 20 Soneto Feito Por Alexandre Montoril dedicado ao Pintor José Maciel.............................................................. 21 A Freguesia de Alvelos ........................................................................................................................................ 22 Rio dos Deuses.................................................................................................................................................... 23 O Ultimo dos Imigrantes..................................................................................................................................... 24 FLORES ESMAGADAS .......................................................................................................................................... 25 A morte do igarapé Espírito Santo em cinco atos .............................................................................................. 26 O Soldado da Borracha ....................................................................................................................................... 27 Filho de Boto – Contos ....................................................................................................................................... 29 Sugestão de leitura: “O regime das águas” de Francisco Vasconcelos .............................................................. 31 Saudade de Coari ................................................................................................................................................ 32 Os Colonheiros de Coari ..................................................................................................................................... 33 POEMA COARI..................................................................................................................................................... 34 CANTAREI COARI ................................................................................................................................................ 35 O AMOR ME SALVOU DE DIAS SOMBRIOS ......................................................................................................... 36 Poema em homenagem ao 6º ano do IFAM Coari ............................................................................................. 37 TRIBUTO A COARI ............................................................................................................................................... 38 ROSÁRIO DO “HOMO SAPIENS SAPIENS” ........................................................................................................... 39 E A VIDA ERA SIMPLES ........................................................................................................................................ 41 Eu Sou Boêmio Confesso .................................................................................................................................... 43 O Vinho e a Outra Face ....................................................................................................................................... 44 REALISMO FANTÁSTICO...................................................................................................................................... 45 COBRA GRANDE .................................................................................................................................................. 46 Estudo Sobre o Coariense Erasmo Linhares ....................................................................................................... 48 Sobre a Obra Simá, Romance Histórico de Lourenco Amazonas. ...................................................................... 49


Minha Máquina de Escrever ............................................................................................................................... 50 Sinopse O Tocador de Charamela - Erasmo Linhares ......................................................................................... 52 Amazônia, A Última Cruzada .............................................................................................................................. 54 RECORDANDO OS ESQUECIDOS COARIENSES .................................................................................................... 56 TRAGÉDIA DO BOTAFOGO .................................................................................................................................. 59 ANALISE LITERÁRIA DO CONTO “ZECA-DAMA” .................................................................................................. 62 Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz” ..................................................................................... 63


A “FESTA” DA BANANA Ir. Marília Menezes — Vamos chamar os Beatles, chamar a Perla, as ―Bananas split‖ para fazer a Festa da Banana. — Senhor Prefeito, faça sua propaganda ! Pague conjuntos caros de Manaus ou de Brasília para abafar a humilhação e a dor deste povo esmagado como a banana. Banana de mesa, banana de metro banana que cabe na palma da mão. Quantas espécies de banana? Jóia verde e amarela salvação das crianças, tu precisas morrer amassada no mingau antes de ser amassada aos pés dos compradores, ou jogada no rio, antes de virar lama, antes que os bananeiros dêem teu preço como teus senhores ao mísero agricultor que te plantou. Banana que serás bem embalada e revendida a preço de ouro, pelos exploradores, para os States ou a Europa... Vamos fazer a ―Festa de banana‖ ! Escolham uma mulher para Rainha ! Ela vai desfilar com folhas de banana e com bananas presas no fio dental. Ponham o som mais alto, meus senhores, para abafar o som dos caminhões que vêm trazendo os cansados produtores, e virão espiar a ―Festa‖ da banana ! Coari, 1992. 9


A Praça e a Matriz Archipo Góes

A velha senhora guarda seus filhos Sua arquitetura americana, moderna. Sua essência indígena, cabocla Seu coração, inclinado a Coari. Praça de minha infância, minha mocidade Praça de meus primeiros amores, dos fervores Praça das brincadeiras, do futebol, da inocência Em cada porta da matriz, uma lembrança, Um calor. Noite clara, a cidade às escuras A lua motiva os casais ao amor Noites inesquecíveis… A praça conduz os caminhos. A praça é arraial, é carnaval, é a marcha cívica. Lá acontece manifestação, Procissão, Evangelização A praça é do povo. A praça é dos desejos.

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A Freguesia de Alvelos - Roberval Vieira COARI-AM. Em 11 de outubro de 1973.

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos. Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles. ―Capararí‖ salmorado com bastante verdura, ―Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho‖. Sorri maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel Soares, que brincou com Vieira, enquanto oferecia-me uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças, ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento, mas a Freguesia de ―Alvelos‖, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma. Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela praia. Nossos companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para quando o dia amanhecesse. E todos nós fornos lá espiar três ―tambaquis‖ e o belo exemplar de ―pirarucu‖. Durante o verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda ―Alvelos‖, primeiro ponto da civilização que formou o povoado de Coari. ―Jacó Dantas‖, irmão de Raimundo Dantas o ―AlveIos" estava conosco e eu apreciava muitas anedotas. Principalmente depois de já ter tornado alguns goles. Manoel Soares era o vice-prefeito. E era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA, gostava de uma caçada ao mesmo tempo em criar estórias. E naqueles dias ele quase me convencia que o ―Curupira‖ existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que quase eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita seriedade: ―Se você assobiar de novo ele vem cantar bem pertinho do barco‖. Acreditem ou não, alguma coisa veio repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a turma rir da minha cara, meio sem jeito. Na manhã seguinte a festa Se fez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia, espantando as gaivotas. Eram tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas pacas e estava alegre. Contudo, não esquecia de me perguntar pelo ―Curupira‖. Bernardo, funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte, apesar dos "tambaquis‖ e o ―pirarucu", Ao levantar a malhadeira uma ―piranha‖ tirara-lhe um pedaço da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo pra cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente para deixálo alguns dias sem as suas pescarias. De repente, estávamos todos a bordo do ―Rio Coari‖, um daya-diesel dos Dantas e que Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente A calderada estava no ponto e todos nós comíamos animados. Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas. Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas, contrastando com as águas escuras do Coari Grande e onde um dia quase me fizeram crer que existe o ―Curupira‖. Na ―Freguesia de Alvelos‖. Na minha saudosa Coari. 11


COARI ELIANE VILAS BOAS VARGAS

Com ar de quem pouco se importa, segue em frente, Coari. Segue com tenacidade, vigor energia ... A natureza, sempre tão pródiga e rica na Amazônia, em Coari foi melhor: além de um povo forte e bom, da floresta amazônica, dos rios maravilhosos e dos animais diversos, deu a Coari um sangue especial, pois além de mover homens, move máquinas. O sangue que jorra do solo de Coari é mais forte: rico, viscoso, grosso, precioso, um sangue escuro, da cor do caboclo de Coari. O sangue coariense brotando da terra, faz bater mais rápido o coração do povo de Coari, o coração de Coari, o coração de todo o Brasil.

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Diários de Motocicleta – Um Caboclo Coariense em Roma Francisco José O filme ―diários de motocicleta‖ de Valter Salles concorrerá ao prêmio ‗Palma de Ouro‘ em Cannes. O cineasta relata no filme a mitológica viagem de motocicleta que Che Guevara fez pela América Latina. O título do filme de Walter Salles poderia ser o nome do diário de um caboclo coariense em Roma ou do diário de um romano em Coari. O certo é que tanto um como o outro convive no seu diaa-dia com esta realidade. Já fazia alguns dias que pensava em escrever um artigo tratando da relação entre Roma e Coari, pois, quem nasce em Coari e vai morar em Roma ou quem nasce em Roma e vai morar em Coari, encontrará uma coisa comum nessas duas cidades, as motocicletas. Tanto em Roma como em Coari, tivemos uma motocicleta símbolo. Coariense que tem mais de quarenta anos se lembra com saudades da Yamaha 100, elas entravam em Coari, via Tabatinga, quem tinha se orgulhava da sua motoca. A mesma coisa acontece em Roma. Romano que tem mais de quarenta anos se lembra com saudades da lambreta Vespa. Cantada aí no Brasil pelo nosso rei do brega, Reginaldo Rossi ... no fim do baile na minha lambreta... A polícia federal veio, levou as Yamaha 100. A Honda invadiu a cidade com os seus modelos, principalmente a 125. Na primeira vez que morei em Roma, nos anos de 1996 a 1998, a Honda praticamente não existia por aqui. Retornado fiquei surpreso com a quantidade de motocicletas Honda, e sem falar na infinidade de modelos. Os modelos existentes em Coari não existem aqui, estando aqui olhando para lá, percebe-se que somos pobres para consumir a diversidade de motocicletas que são colocadas no mercado romano e que às vezes na hora de comprar se chega a ter dúvidas qual é a que eu mais gostei, a mais bonita, a mais charmosa, a mais potente, a mais prática, nessa hora o bolso fala muito. Como é bom ter uma moto nova, ficamos orgulhosos dela, e com ela vamos cortando as ruas coarienses, sentindo no rosto o vento que vem do lago, pureza da natureza; algumas motos duram toda a vida do dono. Em Coari quanto mais a moto dura, mais ela prova sua resistência, mais é boa, como costumamos dizer. Em Roma já não é assim, o mundo do consumismo não permite que uma pessoa fique longos anos com a mesma moto e nem que um outro compre uma moto com a quilometragem alta, só restando um futuro para a moto, o ferro velho; porém, para coloca-la no ferro velho se paga e muitas são abandonadas pelas ruas. Andando pela cidade é muito comum ver motos sem donos. Roma cidade eterna, programada para cavalos e carruagens, por isso não tem garagens e são poucos os estacionamentos; ruas estreitas e becos estreitíssimos. A moto por ser pequena entra em qualquer espaço; deste modo se torna prática, fácil de ser usada. Nos grandes cruzamentos, na hora da volta do trabalho para casa, quando o semáforo troca o verde pelo vermelho, são dezenas e dezenas de motos a esperar a nova troca do vermelho pelo verde. Assistir este momento é ser transportado de Roma para Coari, tudo se transforma em saudades. Na mudança das idades da adolescência para a juventude, seja o coariense como o romano, o objeto de desejo mais sonhado é a moto. Acelerar, peito aberto ao vento, se sentir livre, num vôo, é que a vida está a se abrir diante de si. Afinal uma ragazza – uma cabocla na garupa de uma moto é sempre uma ragazza* – uma cabocla em Coari, em Roma ou em qualquer lugar do mundo. Acelera ragazzo** – acelera caboclo. * moça em italiano ** rapaz em italiano

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HISTÓRIAS DE BOI-BUMBÁ José Willace Cavalcante

I Vês, chegou a hora de meu povo balançar Já faz tempo, e agora nunca é tarde pra sonhar Canta galera azul e branco, solta forte essa emoção Boi Garantido, muita paz no coração II Vais, Boi-Bumbá Garantido, com tuas cores invade este chão Vens lá da Grécia, Já virou tradição Conta tuas estórias nativas e encantas esta multidão Mostrando tuas raízes, tua história paixão III Rei Minos, abriu a porta, sorriu No labirinto, Minotauro surgiu E ás sete moças, sacrifícios e dor E no Egito o boi se venerou, e aqui chegou Bumba-meu-boi, eu sou Garantido Eu sou bonito, eu sou povão Te segura contrário tua sorte esta em minhas mãos (levante as mãos) Levante a mão, Eu sou Garantido, Eu sou orgulho da região Garantido, Garantido, eterno campeão És campeão 14


O Jardim dos Meus Desejos Archipo Góes

Você sempre foi a lembrança de um desejo Sempre longe e tão perto O tempo, senhor de todos os encontros Trouxe o teu brilho para me iluminar Flor rara, impetuosa, fogosa e brilhante. Tu fragrância me inebria e traz A certeza de que em minha vida esse perfume É o primeiro que quero sentir ao acordar No meu quarto guardo recordações Dos momentos que mesmo sem te tocar Fizemos amor Eu era o teu sol e te aquecia, te protegia, te amava Você era a minha lua branca, que me iluminava e me encantava Cada noite eu te espero Mas o sol e a lua tem poucos momentos O amanhecer é breve com nosso amor Eu queria ter inspiração para escrever meus versos guiados pelo barulho de nossas respirações E do desejo que nossa pele sentem quando estão perto uma da outra Como eu queria poder sentir a textura e a maciez da tua pele Nenhum perfume seria tão extasiante quanto o nosso depois de nossa primeira noite Ele teria o aroma da mistura entre a paixão mais louca e os delírios insanos, mas tão esperados. 15


O LAGO MISTERIOSO Roberval Vieira

Olhei para a imensidão do lago e pensei: ―Como é belo e misterioso!‖ O sol procurava seu leito noturno, e a noite o esperava chegar tristonho... Os pescadores voltavam cansados. As águas serenas e tranquilas, como se fosse a alcova do mundo. Ao longe se ouvia um canto triste, trazendo as lembranças de alguém que se foi. Chegou a noite, berço dos sonhos e morada de Todas saudades Apenas as águas tremulavam, e a solidão dominava todo lago. Alguns passos serenos se ouve, (um vulto) ou talvez Mãe d‘água, que conta histórias para os encantados.

Coari-Am, 13 de março de 1973.

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A Floresta Chora e Grita a Sua Destruição Francisco José Chora a floresta, o choro dos inocentes traspassados pela lâmina das espadas dos soldados de Herodes; chora o choro dos indígenas latino-americanos há 500 anos explorados, trucidados; chora o choro das mães de Hiroshima ao ver seus filhos mortos pela bomba atômica; chora o choro do caboclo que da canoa assiste a sua destruição. As borboletas não voarão nas manhãs de domingo e em nenhuma outra manhã pois as borboletas deixarão de existir; os pássaros não mais cantarão nos galhos das árvores; formigas, besouros, peixes num aspiral de extermínio na loucura da morte serão varridos da floresta e assim a morte vencerá a vida. Ulisses por onde andarás? Helena te espera o cavalo de tróia americano a cavalgar na floresta soterrará as fontes beberá a água dos lagos, rios e igarapés na sua sede secará rio Negro e Solimões e as águas negras e amarelas se misturarão Ulisses por onde navegarás? Helena te espera! Grita a floresta pelo grito de liberdade de Ajuricaba que preferiu a liberdade eterna à vida escrava Ajuricaba onde estás? Grito pela luta de Chico Mendes pois o seu sangue derramado no corte das seringueiras torna-se esperança onde as novas sementes nascerão Chico Mendes onde estás? Grita pelos poetas cultivadores dos jardins da vida. Grita a floresta PAI AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE, PAI mas, por sua condição de ser floresta não pode fazer isso sozinha e vai bebendo a bebida amarga do sangue da destruição; grita pelo homem seu destruidor sua consciência, seus pés, suas mãos único animal capaz de afastar o cálice de sangue para que a floresta não beba dessa bebida amarga. 17


Lago de Coari Archipo Góes

Suas águas negras refletem seu mistério Espelho escuro, espelho da alma. Seu Esplendor extasia-nos e desperta desejo Nas suas águas a libido encontra o feromônio O solapar de suas águas nas praias Fragmenta o eco do silêncio e nos leva a viajar Vendo indígenas em ritual ao filho do sol Fazendo seu rito, seu mito, na praia de Jurupari Sua Vastidão assusta, seus ventos amedrontam Com tanta frequência, muitos já se perderam na travessia Perdem-se, sobretudo com tua beleza e grandiosidade Por isso sempre retornam, pois se encontram. Coari - Rio de Ouro, Lago de ouro. Águas provinda do amor, lagrimas de saudades. Eldorado tão procurado, ... Desesperançado. Tua riqueza não vem do ouro, mas do teu modo viver. 18


LUAR DE AGOSTO SOBRE O RIO SOLIMÕES Ir. Marília Menezes (A.S.C.) A memória de meu pai, Bruno de Menezes, "o poeta da lua".

A balsa da Petrobrás repleta de petróleo qual sucuri de prata, descendo o Solimões, fantástica, vai rente a margem, com os grandes olhos vermelhos a frente e atrás, bem devagar, temendo um desastre ecológico... Leva a Manaus o ouro negro do rio Urucu. Pergunto-me se Coari recebe os "royalties"?! Mas a lua me arranca do problema econômico. E preciso louvar e agradecer por este rio enorme, marulhante, pelos peixes que saltam para ver a lua, pela orquídea e o mururé, a andiroba e o cupuaçu que não sabem louvar. Por homens e mulheres que não querem louvar. A onça e os jacarés devem também estar prateados de lua. É preciso cantar por este barco vestido de luar. Ergo-me da rede... Este luar de agosto impressiona. E se batêssemos em um toro de madeira? Seríamos amortalhados em nossas próprias redes... Mas o luar espanta o sono e o medo. E hora de louvar e agradecer. E hora de se ouvir o que vai pelo mundo. Ouçamos o que diz esta Radio "Cabocla" de Manaus No radinho de pilha - resquício da Zona Franca. ... Será "cabocla" mesmo? *** Ouço a música e temo: "There's a river rolling to the sea..." Viagem para Manaus – 1991

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Trajetória Madalena Costa

De berço dos Jurimauas À Rainha do Solimões Com seus mitos, suas lendas, Seus costumes e tradições Vai crescendo em solo firme Nossa imponente Coari Com a proteção dos ―deuses‖ Que viveram por aqui Na correnteza dos rios O caboclo à navegar Na imensidão da floresta A passarada a cantar Sua beleza infinita Tem encanto sem igual Sua fauna, sua flora E o seu reino mineral O seu povo tão sereno! Tão alegre e tão gentil! Tem orgulho desta terra Cá no norte do Brasil.

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Soneto Feito Por Alexandre Montoril dedicado ao Pintor José Maciel Com a dedicatória: “Para o pintor José Coelho Maciel”

A tua arte sem favor é muito bela, Na parte da pintura mostras vocação; Também na poesia você se revela, Muita espontaneidade e imaginação. Deve-se julgar o pintor, diante da tela, Assim pedro américo é uma revelação, Entender diferente é fazer querela, Talvez co`a mania de causar sensação! Das artes belas a escultura é sublimada, Pela qual miguel ângelo se imortalizou; Mas foi na velha grécia onde o cinzel brilhou… Das artes belas a música também é sagrada, Entre os gregos, lino, orfeu e anfião, Depois: bethoven, carlos gomes… não sei não!

Alexandre Montoril (Manaus, 25 de maio de 1970) Descrição de Alexandre Montoril feita Por José Coelho Maciel, Pintor e Poeta Coariense (membro do Club da Madrugada): Alexandre Montoril, cearense de nascimento, era garoto ainda e o conheci na cidade de Coari; foi dentista, político e prefeito da cidade por várias legislaturas. Foi também deputado estadual e, como tal, criou o Bairro de Petrópolis, Era um homem culto e poeta; versava com facilidade; não negava que era primo de Patativa de Assaré-CE. Fazia questão de dizer isso! Na minha opinião, foi um grande homem, isto é, um grande político de Coari e, como indivíduo, um homem extraordinário!

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A Freguesia de Alvelos De: Roberval Vieira COARI-AM, em 11 de outubro de 1973.

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos. Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles. ―Capararí‖ salmourado com bastante verdura, ―Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho‖. Sorri maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel Soares, que brincou com Vieira, enquanto oferecia-me uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças, ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento, mas a Freguesia de ―Alvelos‖, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma. Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela praia. Nossos companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para quando o dia amanhecesse. E todos nós fornos lá espiar três ―tambaquis‖ e o belo exemplar de ―pirarucu‖. Durante o verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda ―Alvelos‖, primeiro ponto da civilização que formou o povoado de Coari. ―Jacó Dantas‖, irmão de Raimundo Dantas o ―AlveIos‖ estava conosco e eu apreciava muitas anedotas. Principalmente depois de já ter tornado alguns goles. Manoel Soares era o vice-prefeito. E era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA, gostava de uma caçada ao mesmo tempo em criar estórias. E naqueles dias ele quase me convencia que o ―Curupira‖ existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que quase eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita seriedade: ―Se você assobiar de novo ele vem cantar bem pertinho do barco‖. Acreditem ou não, alguma coisa veio repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a turma rir da minha cara, meio sem jeito. Na manhã seguinte a festa Se fez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia, espantando as gaivotas. Era tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas pacas e estava alegre. Contudo, não se esquecia de me perguntar pelo ―Curupira‖. Bernardo, funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte, apesar dos ―tambaquis‖ e o ―pirarucu‖, Ao levantar a malhadeira uma ―piranha‖ tirara-lhe um pedaço da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo pra cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente para deixá-lo alguns dias sem as suas pescarias. De repente, estávamos todos a bordo do ―Rio Coari‖, um daya-diesel dos Dantas e que Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente A caldeirada estava no ponto e todos nós comíamos animados. Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas. Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas, contrastando com as águas escuras do Coari Grande e onde um dia quase me fizeram crer que existe o ―Curupira‖. Na ―Freguesia de Alvelos‖. Na minha saudosa Coari.

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Rio dos Deuses Adrielly Granjeiro Encanta-me os sons desse rio negro como o baré; Donde surge o Jaraquí pra comer frito com açaí. Rio de ouro e de deuses, o rio de Coari, buraco pequeno, que serve de abrigo para a beleza infinita. Meu rio-estrada, das melhores que já andei, a única onde nadei. Rio que gera a vida, revitaliza a alma e me faz perder o pensamento em tanta beleza e inspiração. Mergulho em seus encantos de botos rosa e tucuxi, que metem medo no ribeirinho e nas ―caboquinhas‖, que atribuem o filho inexplicável ao danado do rapaz de roupas alvas e distinto da meia-noite. Porque o rio dos deuses indígenas é mansinho, farto, e nunca deixa faltar nada na vida do amazonense que escolheu a vida tranqüila, sem ―busão‖ e poluição. Quer mesmo é viver essa ―leseira baré‖ que o calor trás, o ventinho fresco e a rede atada entre as árvores. Quer viver dos casos, acasos e causos, sem a preocupação dessa gente de cidade grande, que vive pra ter dinheiro e comprar, comprar e comprar o luxo. Ô maninho, luxo aqui no mato é ter um ar puro pra respirar, uma rede pra embalar, uma canoa pra pescar. No lugar de piscina, um rio imenso pra mergulhar e esse sossego desmedido. Bossa a gente faz quando abre a janela e é contemplado pela imensidão verde. É conhecer os bichos de fato, pela experiência, e não pela internet. É viver quase num estado natural Rousseauniano, mas sem ser o lobo do outro homem que Hobbes falou. É ter sempre o que comer na cuia, não faltar peixe com farinha e uma macaxeira cozida de manhã, é ter orgulho de descendência indígena, ter os cabelos tal qual Iracema, negros como o Graúna. Orgulhoso da cultura e esperto com os sugadores que aparecem de 4 em 4 anos, porque caboclo não é leso não mano! Se faz. Prazer é ser desse chão, desse rio, desse povo. De ser um ―Coaya-Cori‖, fruto desse buraco pequeno quente que só, mas que tem o melhor açaí, a tapioca, o bejú e a banana fritinha com café. A Coari, princesinha do Solimões, do ouro negro, abençoada pelos deuses das tribos, pelos deuses gregos, latinos, católico apostólico romano, umbanda, e qualquer outro deus que exista. Afinal, todos sempre são brasileiros e vivem em Coari. 23


O Ultimo dos Imigrantes Manoel Francisco

Quantas lembranças, quantas saudades. Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro. Francisco Pereira Baptista, nasceu em Guimarães, Freguesia de São Sebastião em Portugal, em 05 de maio de 1892. Chegou em Manaus a 04 de agosto de 1929, onde residiu durante 10 anos, na Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas. Certo dia chegou a pequena cidade de Coari, um homem branco, alto, de olhos claros; não sei se perdido em nossos rincões, mas veio subindo o rio Solimões. Era o dia 12 de dezembro de 1939. Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso apelido de ―Chico Enfermeiro‖, dada a sua luta, coragem, abnegação, dedicação e o seu amor e zelo pela saúde do povo coariense, que vivia abalada pelas doenças tropicais, muito comuns na região. Era uma pessoa excepcional, incansável, sempre disposta a atender aos que necessitava de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos sem distinção, enviado por Deus, operava milagres por onde passava, com sol causticante, chuvas intermitentes, ou temporal arrasante. Preveu, amenizou e curou a dor deste povo tão sofrido e tão distante da grande metrópole. Aqui viveu durante 32 anos, casado com D. Francisca Albertina Alves Baptista, com a qual teve 11 filhos, criando-os com dedicação. Abrigou também no seio da família, várias crianças órfãs. Um dia, seu organismo sentiu os primeiros efeitos das horas exaustivas que levava. Primeiro de setembro de 1971. Manha chuvosa, 6:00h. Em um dos leitos do quarto sete, do Hospital da Unidade Mista de Coari, morria Chico Enfermeiro, rodeado de amigos e familiares. A ti, Chico, nossa homenagem. A ti, Portugal nossa gratidão. De Coari, onde uma vez, com lágrimas se fez. … a história deste Chico . . . tão linda! 24


FLORES ESMAGADAS Daniel Maciel

A tarde cai A alegria de dias como este Caem na monotonia do esquecimento, É como se tudo o que foi antes Não tivesse sido. Quantas vezes É preciso dirigir o olhar para trás E enxergar os jardins floridos que plantamos E ver que com os nossos próprios pés Esmagamos as flores que nasceram. O terreno machucado Por nossas pegadas É a prova maior da nossa própria dureza Sobre este terreno É que vamos caminhar para o resto da vida. A tarde cai A alegria de dias como este é como se nunca tivesse sido, A felicidade é saber Que nem todas as flores morreram.

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A morte do igarapé Espírito Santo em cinco atos Pe. Zezinho Sua água era negra, como negras eram as pupilas dos olhos das crianças que se nele se banhavam, negra como a noite sem luar e sem estrelas e bela como a negritude das rainhas da África. Sua água era cheia de vida, pois eram sem conta os tipos de peixes que nele habitavam e era uma fonte de alimento para os habitantes da cidade, que tinha nesse igarapé, água para lavar roupas, para lazer, para pescar e para matar a sede. O Igarapé foi morrendo lentamente, elenco aqui cinco atos de um drama que não tem volta: Primeiro ato A ponte que liga a rua independência ao bairro Chagas Aguiar foi transformada em aterro. Segundo ato A construção do aterro do contorno. Terceiro ato A matança do seu irmão maior o igarapé do Inambú, pois era sua principal reserva. Foi morrendo lentamente pela urbanização do bairro de Santa Efigênia. Quarto ato O crescimento da cidade de modo desestruturado pelo lado detrás do igarapé, onde foram soterradas pequenas fontes, que alimentavam o igarapé. Quinto ato A ―limpeza do Igarapé‖, melhor dizendo tiraram sua vegetação. O enterramento das fontes e a devastação da vegetação aquática, está provado que ―mata‖, ―eliminam‖ uma reserva de água, seja ela rio, lago, no nosso caso foi e está sendo o Igarapé Espírito Santo. Uma beleza natural que a cidade de Coari vai perdendo. Uma morte lenta, sofrida, sufocante, um drama em cinco atos. Como uma doença fatal que vai matando devagar, fazendo sofrer. Cada ato uma parte da história do município. Cada ato desse drama, uma dor, um sofrimento e hoje o igarapé é triste, já não tem lavadeiras que nele lavam suas roupas para ganhar um pouco de dinheiro e comprar o seu pão nosso de cada dia; não tem mais peixes para serem pescados pelos pais de famílias que com eles alimentavam seus filhos e o pior de tudo é saber que ninguém mais bebe de sua água. Sua tristeza, lentamente vai se transformando em solidão. O pior é saber que já não tem o mais sorriso das crianças que nele tomavam banho. É a vida se rendendo diante do desenvolvimento, fonte de abundância, transformada em deserto, sede e fome. Mar Vermelho, Poço de Jacó, Rio Jordão, fonte da água do nosso batismo, esvaziada, seca, bebida, tragada, engolida. Água, fonte da vida, nos diz a Campanha da Fraternidade desse ano. Ano próprio de ajoelharmos e rezando, fazer uma oração ao Espírito Santo pela morte do Igarapé Espírito Santo e pedir perdão, ―Senhor não sabemos o que fazemos‖. Enquanto isso o Igarapé Espírito Santo, em lágrimas, nos seus murmúrios, vai rezando, ―vem Espírito Santo, vem‖. 26


O Soldado da Borracha Francisco Vasconcelos (*) O grito do seringueiro Valdemar ecoou floresta adentro, fazendo calar os ruidosos sons da bicharada noturna. Cearense, acostumado à dureza dos sertões nordestinos, aquele homem era um dos que passaram a viver isolados na misteriosa e, para muitos, fantasmagórica hiléia, lá no ―centro‖, como era costume falar das regiões mais centrais e distantes daquele mundo sem fim da Amazônia Ocidental produtora de borracha. Para ali fora atraído pela colorida propaganda espalhada Brasil afora, o verde e o amarelo da bandeira nacional predominando na policromia de bem elaborados cartazes; as estradas de seringa, certinhas, limpas de quaisquer obstáculos; as seringueiras enfileiradas, uma pertinho da outra, em linha reta, era só cortar. Na verdade, riscar a madeira e logo ver o leite jorrar e seguir o sulco aberto na casca do ubertoso caule, até alcançar a tijelinha de flandres estrategicamente colocada a alguns centímetros abaixo. Que poderia haver de melhor e mais certo? Valdemar lembrava tudo aquilo com grande indignação e maior tristeza. Por que caíra na esparrela de acreditar em tamanha mentira? Fora enganado, sim. De qualquer modo, aquela escolha o livrara de bandear-se para o cangaço que, à época, embora já sem força, ainda constituía atração e alguma esperança para a moçada de seu tempo, ele, um quase adolescente ainda. Que outro futuro poderia ter no agreste sertão onde nascera e onde vivia? — Vou, mãe. Vou, sim, pro Norte, lembrava-se de como respondera às advertências maternas, feitas em razão de outras sentidas perdas que já tivera, os filhos, aos poucos, debandando para aquelas lonjuras do Sul, lugares tão distantes, de onde sequer notícias lhe chegavam. Isso era o pior de tudo. Por onde andariam os filhos? Viveriam ainda? Para Valdemar, todavia, nada de mal haveria de acontecer-lhe. Tornar-se-ia, como tantos que estavam partindo para a guerra, igualmente um soldado, ―soldado da borracha‖, como oficialmente eram chamados quantos demandavam os distantes seringais para a extração do precioso látex, indispensável ao fabrico de inúmeros artefatos de guerra. Que mais honrado lhe poderia acontecer? Até carteirinha de identidade receberia, documento que jamais conhecera, mas de cuja serventia, também, nunca necessitara. Ganharia fama e dinheiro, sem correr o risco de morrer atravessado por uma bala de fuzil ou estraçalhado por fragmentos de granada, sem falar no perigo das destruidoras bombas que haveriam de cair dos aviões inimigos. Sabia muito bem que outro não seria o fim de muitos que estavam partindo para a guerra. Então não eram essas as notícias que corriam de boca em boca, ouvidas diariamente no rádio da prefeitura? Era, assim, definitiva a decisão de Valdemar. Extremamente motivado pela campanha de aliciamento que então se fazia, chegava a orgulhar-se de ser mais um soldado a lutar, participando do grande esforço de guerra que então se fazia com o propósito de vencer as diabólicas forças que ameaçavam o mundo. Por tudo isso, iria. Sim, iria. Que risco haveria de correr? Mais tarde, na velhice, se necessário, teria até como provar sua condição de herói daquela guerra que tanto abalo causava à humanidade. Além do mais, se sorte não lhe faltasse, poderia ganhar dinheiro e voltar rico ou bem remediado aos pagos da infância, como sabia ter acontecido a muitos que, alguns anos antes, fugindo do rigor das secas, haviam escolhido a Amazônia como suporte maior de um promissor amanhã. Seus assentamentos constariam de sua emblemática carteira que, além de registrar seus dados pessoais, indicaria o ânimo de luta que tivera, para orgulho de seus 27


conterrâneos e de quantos filhos viesse a ter. Poderia, até mesmo, como a tantos nordestinos acontecera, chegar à condição tão desejada de patrão, dono de seringais, senhor de um mundão de terras, mais um coronel, enfim. Fora esse o sonho de Valdemar. Sua grande saída, não tinha a menor dúvida, era a borracha, produto, aliás, do qual pouco sabia e que jamais vira de perto, a não ser o que diziam ser a parte superior dos lápis com que, na infância, apagava no caderno os erros que a professora mandava corrigir. Ah! Quanta ilusão passeou pela cabeça de Valdemar a partir das informações constantes dos coloridos cartazes, enganosa estratégia que o atraíra, definitivamente, ao processo de produção do tão desejado látex. Como admitir fosse mentira o que tanto chegou a ser oficialmente apregoado? Igualmente, jamais chegara a imaginar que, passado o tempo e terminada a guerra, cessaria também a atividade a que se dera com tanto entusiasmo. Assim, de uma hora para outra, perdido e isolado naquele mundo verde e, sobretudo, hostil, nem chegara a se dar conta de que o tempo passara e que a pouco e pouco aquele estranho mal que o atingira fora se agravando, até prostrá-lo de vez, tornando-o um ser inútil, sem qualquer serventia. Isso, sem falar na estranha e incômoda fraqueza que lhe bambeava as pernas em constantes tremores, enfermidade que diziam ser beribéri ou coisa parecida. Nem sabia também quantas vezes a malária o deixara sem poder sair pro corte, o corpo moído, aquele frio de fazer tremer a própria alma. E que dizer da conta no barracão, o débito crescendo a cada dia, a ponto de lhe negarem até o de comer? Nada pior, porém, que aquela dor a arrancar lá de dentro, da alma e do corpo, o estranho e horripilante grito, após incontáveis e incômodos gemidos, um após outro, gemidos que, de algum modo, amorteciam um pouco a terrível impressão de que algo lhe destroçava as entranhas. — Sossega, homem! Toma este chá – muitas vezes lhe dissera a mulher, ao tempo em que lhe dava a beber morno cozimento de cascas de pau d´arco e de folhas de carajuru, além de raízes e outras folhas colhidas na floresta, receita que prescrevera o curador, único socorro que costumava acudir quem de socorro carecesse por aquelas brenhas. Nada, porém, nem reza nem promessa, fora capaz de, pelo menos, mitigar-lhe o sofrimento. Exatamente na noite em que fizera ecoar aquele pavoroso grito, fazendo calar a bicharada noturna da floresta, bem longe dali outros gritos também se fizeram ouvir mundo afora. Esses, entretanto, eram gritos de euforia, na tão esperada comemoração da vitória. A partir daquele dia, não mais haveria dor. Tampouco a morte amedrontaria os que tanto haviam lutado. Acabara-se a guerra. A paz, finalmente, fora alcançada, e o mal, por fim, vencido. Para tanto, quantas mortes foram necessárias? Mas, entre elas, ninguém cogitou de computar a morte de Valdemar, número simplesmente esquecido, que nem sequer chegou a constar do rol dos que lutaram, como lutou ele e quantos, iguais a ele, na condição de seringueiros, soldados da borracha, perderam a vida nos mais distantes e agrestes seringais. De que lhe valera a caderneta que guardara com tanto zelo? Valdemar, na verdade, nada mais fora além de um simples número. Número errado, que não chegara a expressar qualquer valor, por isso que apagado pela enorme borracha da indiferença e do esquecimento. Onde a vida se cumpria sem qualquer problema, sons de heróicos dobrados animavam os corações, num tributo aos heróis da guerra que, sob aplausos intermináveis, desfilavam garbosos. (*) o autor é advogado, nascido em Coari.

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Filho de Boto – Contos Pe. Zezinho O sol nascia e parecia que naquele dia nascia mais devagar, como uma criança saindo do útero da mãe. A ‗menina do interior‘ com a mão na água sentia toda frieza que a temperatura da manhã trazia. Era seu aniversário, 13 anos, havia uma dor no pé barriga, não sabia o que era, algo errado no seu corpo. Uma coisa tinha notado, desde que chegou à tábua de lavar, havia por ali por perto um grupo de botos, geralmente eles não vinham assim tão perto, mas hoje, estavam ali, estranho, pensou! Os botos brincavam, se exibiam, dava a impressão que queriam dizer alguma coisa a ela, acostumada àquela vida, não ligou muito para aquele espetáculo. De repente foi sentindo uma coisa quente no meio das pernas, se assustou, passou a mão, viu sangue, será que estava doente? Tinha se sentido tão bem esses dias, a dor tinha começado no começo da noite de ontem, um medo percorreu todo seu corpo. Os botos continuavam seu show cada vez mais animados. Segurando a cuia se inclinou para pegar água, quando sentiu um peso pelo lado do seu corpo, caiu na água e foi sendo levada, arrastada pelos botos, cada um mais animado do que o outro, com os seus focinhos tocavam seu sexo ensanguentado, era uma sensação diferente, tentava nadar, já começava se afogar, eles em cima dela, eram fortes, nadavam rápidos, rufavam excitados, ela também se sentia excitada, seus corpos no dela, tocando seu órgão genital, quando de repente tudo escureceu. Naquele ano o ‗coordenador da comunidade‘ tinha certeza, seria uma das melhores festas de São Pedro que a eles viveriam, estava quase tudo arrumado, o andor do santo, o barco que levaria o santo, as bandeirolas, o bar com muita bebida, as galinhas assadas, os bolos e o conjunto que ia animar a festa; e todos na vila estavam contentes, afinal de contas, o padroeiro da comunidade tinha mandado muitos peixes para eles, fazia tempos que eles não tinham pescaria tão boa. A hora já avançava, a gente das comunidades vizinhas já começavam a chegar, é hora de arrumar as últimas coisas. Pensava porque o padre não vinha, só aparecia ali atrás de dinheiro e olhar para a mulher de todo mundo! A ‗menina do interior‘ despertou, sentiu o corpo um pouco doloroso, viu que estava um pouco mais abaixo de onde se encontrava a tábua de lavar, foi para lá, tinha que lavar a louça, hoje havia muitas coisas a serem feitas, era dia de festa do padroeiro, sabia que seria animada, queria que tudo estivesse pronta e fazer dessa festa a melhor de todas, melhor do que a das outras comunidades. Hoje também sentia que seria o dia em que o ‗rapaz do interior‘ e ela iriam dar seu primeiro beijo, vinha esperando esse momento já faz tempo. O ‗coordenador da comunidade‘ não sabia bem o que fazer de tantas coisas a serem feitas, corria para cá, para lá e tudo ia fazendo, a procissão tinha saído quase tudo do jeito que planejavam, não foi melhor porque a cachorrada achou de fazer aquela briga toda, logo naquela hora, mesmo no meio de todo mundo. Estava alegre com o movimento de tanta gente. Um pouco longe, avistou o barco de um ‗homem da 29


cidade‘, gente importante que vinha chegando; a festa ia ficar melhor ainda, com autoridade presente, a festa é outra história. Com vestido novo e batom nos lábios, ela se sentia a rainha da festa, do outro lado do salão, o ‗rapaz do interior‘, era só pavulagem, o orgulho de saber que aquela cabrocha, era a sua, o fazia o maior de todos; com o seu olhar, Rosinha fazia questão de afirmar os sentimentos do amado. O barco do ‗homem da cidade‘ atracou no porto, arrumaram a prancha e todos desceram; foram saudados animadamente por toda a comunidade, soltaram os últimos fogos que tinham. O ‗presidente da comunidade‘, era só dentes, dizia a todos, vejam como a nossa comunidade é forte, até autoridade vem para nossa festa. A comitiva do ‗homem da cidade‘ se instalou num canto do salão, ocupando várias mesas e com todo seu poder, foi mandando servir cerveja à vontade para todos, arrematou galinhas, patos, tartarugas, tudo em homenagem a São Pedro, sabia que o padre ia ficar feliz com aquele dinheiro. Dando um giro com o olhar pelo salão, seus olhos encontraram uma belezura, linda cabocla, jovem, não podia resistir àquela beleza, menina nova era seu fraco. Pediu para um dos seus puxa-sacos que não medissem esforço, nem dinheiro para levar a menina ao camarote do barco e depois desse o sinal que ele ia descer para lá. Aí pela uma da manhã o sinal foi dado. A ‗menina do interior‘ amanheceu mais ensanguentada do que no dia anterior. Dias depois o pai da ‗menina do interior‘ cai doente, com muita insistência da mulher, rumaram para a cidade, mundo estranho esse, depois de muito esperar, foram atendidos pelo médico que disse, vai ter que ficar hospitalizado, antes que esqueça, essa é a receita dele e entregou na mão da mulher um papel com um monte de rabisco, que para quem não sabe ler não fazia nenhum sentido. Com o papel rabiscado na mão e acompanhada pela filha, saiu do hospital em direção a farmácia. Só veio, a saber, quanto custava o valor daqueles rabiscos quando o moço disse o preço dos remédios, meu Deus, uma fortuna, e agora? Teu pai não pode ficar assim, precisa desses remédios, não conhecia ninguém que podia ajudar. A única ideia que veio na cabeça, foi ir à casa do ‗homem da cidade‘, a filha não queria ir, mas foi convencida pela mãe, a vida do marido era a coisa mais importante para ela. Chegando a casa, foi bem atendida pelo ‗homem da cidade‘ que não tirava os olhos da filha, a mãe, colocou a situação e ele foi solícito, encaminhando a mulher para a farmácia mais próxima, calculando o tempo, teria meia hora com a pequena, seria uma eternidade de prazer. Saindo na direção indicada para comprar os remédios, aceitando a sugestão de que a filha podia ficar, estava tão pálida a pobrezinha, homem bom era esse. Devia se candidatar. No terceiro dia do segundo mês depois de terem chegado da cidade a ‗menina do interior‘ se sentiu mal, no desespero narrou aos pais o que tinha se sucedido com ela e os botos no dia da festa de São Pedro. Passado mais três dias, contou aos pais que estava grávida. No sétimo dia, todos na comunidade sabiam que ela está grávida do boto. Completados os nove meses, o filho do boto nasceu e tinha a cara do ‗homem da cidade‘. 30


Sugestão de leitura: “O regime das águas” de Francisco Vasconcelos Por Francisco José Cai sobre Coari um dilúvio em forma de novelas, quase todos os dias uma chuvada, um capítulo. Toda essa chuvada no Vale Amazônico está sendo um indicativo de enchente grande. Os relatórios dos especialistas ainda deixam dúvidas se as águas alcançarão ou não os níveis das grandes cheias. Já os amazonidas, na convivência com a floresta, aprendem observando as águas; as andanças dos peixes, a altura onde os pássaros fazem seus ninhos nas árvores e afirmam com quase absoluta certeza que as águas subirão muito esse ano. Uma enchente grande, causa imensos estragos na vida do povo. Os desafios gerados por ela são diversos. É dentro dessa lógica que o livro ―O rio comanda a vida‖ tem sentido, pois, a força das águas desestrutura as organizações básicas, tanto das famílias, como das comunidades rurais e muito mais das cidades amazônicas; quase todas localizadas na beira d‘água. A obra prima do escritor coariense Francisco Vasconcelos, ―O regime das águas‖, retrata a vida de uma família e de suas relações numa enchente; uma boa leitura para quem quer conhecer pela literatura a vida do povo amazônico. O povo é expulso pela invasão líquida, que invade casas e plantações. As pessoas munidas de esperanças resistem e deixar o tapiri é a última ideia; só quando as águas estiverem quase cobrindo o telhado da casa. Enquanto se puder levantar o ‗assoalho‘, ele vai subindo, subindo, no mesmo nível que as esperanças vão baixando, se apagando. Em cada enchente grande, nossa área rural se esvazia e as periferias das cidades vão se enchendo. As casas são feitas em qualquer lugar, sem estruturas de saneamentos básicos, esgotos, água encanada e energia elétrica. É viver de qualquer jeito. É recomeçar praticamente com um único patrimônio, a esperança. A enchente de 2009 foi a última grande enchente que tivemos na Amazônia, uma das maiores nesses últimos cem anos e deixou enormes prejuízos nos estados do norte. Muitas cidades foram inundadas totalmente. A terra do gás e do petróleo também soube o poder das forças das águas, com diversas ruas alagadas e com grande quantidade de pessoas da zona rural migrando em busca de um pedaço de terra, uma moradia enxuta. Foi um tempo de muita ‗pedição‘; parecíamos uma cidade de mendigos. São muitas as cidades da Amazônia que já estão sofrendo com a enchente atual. O governo começa a liberar ―ajudas‖ para tentar amenizar o sofrimento do povo. É uma ajuda muito bem vinda. Sendo esse um ano eleitoral, os riscos de aparecerem aproveitadores da situação para faturarem votos, serão grandes. Os compradores de votos de plantão, podem encontrar no sofrimento do povo, uma oportunidade de comprar um mandato. Como já dizia um filósofo: ―há os que vivem da desgraça dos outros‖. Agora, é esperar na esperança que a enchente não seja grande; só assim não iremos misturar águas com votos ou as esperanças irem por águas abaixo! 31


Saudade de Coari Archipo Góes

Cidade guardada no meio de uma saudade Oculta na selva, presente sempre na memória Apesar dos novos tempos aqui desfrutados Raízes ainda mexem com as lembranças Inconsciente de um tempo que se foi.

Ainda encanta quem visita suas águas Águas negras, águas vermelhas Água mãe, água que alimenta seu povo sofrido Três rios em um só guardam seus primitivos.

Ficou na pele a marca de uma branca areia Escadaria – Tardes inesquecíveis Tardes de Chuvas, corridas pelas ruas Beijos molhados, beijos guardados.

E a noite na pracinha, ou na rampa – um violão Músicas, Sonhos - sonhos conquistados O olhar para o passado e conceber: Que sempre fui feliz em minha Coari.

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Os Colonheiros de Coari Daniel Maciel

Quero hoje homenagear os colonheiros, Assim chamados àqueles nossos irmãos Que diariamente deixam suas casas aqui na cidade, E vão as estradas e vicinais de Coari Para do chão rico e abençoado de nossa terra tirar o sustento diário, O alimento que vai encher a barriga das crianças Alimentar as esperanças de dias melhores Sustentar o braço viril e corajoso Que na labuta diária e incessante Realiza a missão maior da vida Existir e ser feliz. Este povo tão nobre que vence Apesar do sol causticante que a todos aquece E que enrijece a terra Até que venha a chuva para torná-la a rejuvenescer. E como cheio de fé no coração Aguarda ansioso brotar novas sementes De fé e amor De um futuro melhor e promissor. Benditos homens e mulheres urbanos Que são agricultores da cidade Enfrentando agruras para chegar a seu terreno Mas quando ali chegam Chegam no céu Ao paraíso que é só seu E que de lá não querem mais voltar.

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POEMA COARI Aldísio Filgueiras (Ao jovem pintor e amigo J. Maciel)

Então o Solimões fêz uma pausa - uma pausa lago e se chamou Coari Coari princesa índia beira-rio Coari das manhãs coloridas de blim-blons da matriz de S. Sebastião Coari do Espirito Santo fugindo do Inferno para um longe muito longe quem sabe onde? Coari que tem cais e marias no cais, de curumins barrigudos soltos suados correndo nas ruas Coari do cura Coari de COARINA Coari de JOTA MACIEL de tanta gente importante que eu não conheço ainda Coari meu coari coari de coaris coari

Manaus, 24.09.1964.

* O autor é parceiro de Torrinho na música Porto de Lenha

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CANTAREI COARI Daniel Maciel Cantarei Coari Em prosa e verso Te cantarei aqui: Parte do universo. Com minhas rimas Quero te enaltecer E quando não compo-las Quererei morrer. Pois os teus rios e lagos Tua gente hospitaleira São meus,meus sonhos De uma vida inteira Cantarei o Solimões O mamiá, o Trocaris. Pois são muitos corações São muitos Coaris Cantarei o Laranjal Cantarei Lauro Sodré Um povo sensacional Um povo cheio de fé Cantarei o Lago O grande Lago de Coari A praia da Freguesia A do Jurupari Cantarei a Ilha do Ária Cantarei Ipixuna Louvarei o Copeá Em sua fartura contínua. Cantarei tua gente Teu povo sem igual Que acredita brandamente Em um futuro sensacional. Cantarei tua historia Teu passado glorioso E com a mesma alegria Teu futuro esplendoroso 35


O AMOR ME SALVOU DE DIAS SOMBRIOS Daniel Maciel - Coari.

Lindo é o amor Força que salva Que salva de dias sombrios... Uma luz Que sustenta o olhar vivo Nos dias tenebrosos... Uma chama Quem mantém O coração aquecido em dias frios... Um clarão que ilumina O horizonte da vida dos desesperados. No mar gélido De assombrosas ondas É a ilha firme forte No penhasco íngreme É a corda que sustem E livra da morte, Na caverna escura e triste É luz que guia Rumo ao norte. Lindo é o amor Força que salva Que salva de dias sombrios.

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Poema em homenagem ao 6º ano do IFAM Coari Turma SINF11N

Ó admirável Instituto, que outrora meu conhecimento despertara A cautela dos teus docentes aguerridos me educara Tu que o sol do conhecimento fizeste nascer em mim A luz do saber, meu tudo, meu início sem fim.

Vossa formosura sorri aos espaços azuis Da terra do Negro Ouro, Rainha do Solimões, alegria do meu povo.

Triunfante vens desde sua criação Como não ser triunfante, se és tu a porta de entrada para o conhecimento E a saída do caos que dantes me encontrara?

Hoje é o teu dia, data sublime de comemoração E em alta nuance cantar-te-ei com a voz do coração.

Parabéns IFAM pelos seis anos de existência Continue a formar cidadãos de caráter E de sabedoria em excelência.

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TRIBUTO A COARI ADALVA' SILVA LEANDRO Campina Grande Paraíba

Simples, pacata, singela Verde semente a florescer Rosa, alegria, quimera, Prelúdio do alvorecer. Caminhos galgados passados Vozes, cantos, histórias, vitórias Sonhos visados, cansados, amados Prazeres, amores, perigos... as glórias. Viajante sofrido aqui vens solitário A terra, a água, o ar conquistado Confias, espias, desfias o rosário. Chegaste, ficaste, sorriste outra vez A vida, o momento, o lugar abastado A brisa te prende, o povo te fez.

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ROSÁRIO DO “HOMO SAPIENS SAPIENS” José Maciel* (Uma visão amazônica sobre homem moderno no mundo)

Ave Maria, cheia de graça, nossa Senhora, Mãe de Cristo, Filho de Deus-Pai, Rogai por nós que recorremos a Vós! Pai nosso, que está no Céu, na Terra e em toda parte, Rogai por nós que recorremos a Vós! Senhor, o que é um país próspero? É o que tem um PIB nacional elevado, Um faturamento de bilhões, ou trilhões ou mais, Em exportações de seus produtos nacionais e manufaturados, Com carga tributária pesada, de mais de 40% Da renda (pessoa física), do lucro (pessoa jurídica), Daqueles que pagam impostos (Porque têm aqueles que não pagam!) Ou o que tem um povo educado, sadio, culto, espiritualizado, Não importa qual a religião, a crença, a filosofia, Ou mesmo guiado apenas pela intuição, pela fé, Pela necessidade de interação social, Ou por instinto gregário de proteção contra as intempéries, Os maus tempos, as pestes e pragas, os temporais, enchentes, As fortes correntezas, enxurradas, alagações, degelo, Geadas, nevoeiros, nevascas, avalanches, frio intenso, Chuvas de granizo, chuvas ácidas, incêndios que dizimam Florestas, temperaturas elevadas, calor intenso, Aquecimento global, secas, terras desérticas, ventanias, Tempestades de areia, tempestades de poeira, vendavais, Ciclones, tornados, furacões, erupções vulcânicas, Terremotos, desmoronamentos, deslizamentos de terra, Tempestades sísmicas, maremotos, ressacas, tsunamis. Hoje, as ameaças não são mais os animais da selva, Nem dos oceanos, que o homem enjaula, engaiola, Confina e mata desde os primórdios das priscas eras De sua história construída com guerras Sanguinárias de domínio e escravidão! As ameaças hoje são oriundas das tecnologias criadas pelo Próprio homem, e as que emergem das forças da Natureza, E as dos fungos que atacam o seu corpo, sua casa e O próprio ambiente de trabalho, e as virais: Os micro-organismos (alguns, resultado Da pesquisa científica em laboratórios), Os vírus, as bactérias, invisíveis a olho nu, que se espalham Com a velocidade do vento, da luz, do som, pelos quadrantes Do orbe e das urbes, levando pânico às populações Dos grandes centros urbanos e das periferias antes bucólicas Nas áreas rurais e campesinas do meu país e do mundo! Até quando, Senhor, veremos tudo isso acontecer? 39


Quando os governos do mundo, incluindo o do meu país, Tomarão medidas definitivas (não paliativas) contra O que está acontecendo por causa de suas ações Poluentes da Terra, destrutivas e catastróficas, Pela prática do capitalismo selvagem inconsequente? Por que o homem, Senhor, não cultiva apenas a ambição Como motivação para o seu crescimento pessoal? Por que ele alimenta sem medida a sua ambição, Incorrendo na ganância, Fruto da corrupção e da miséria humana? Com que finalidade o homem luta desesperadamente, Sendo capaz da prática da violência para chegar ao topo Do materialismo desenfreado, Cometendo as maiores atrocidades na vida, Para conquistar esse lugar e depois morrer, Deixando tudo ao pó aquilo que construiu com o pó? Senhor, não é uma incongruência agir dessa forma? Já não é bastante o hedonismo de grande parte da população Que se deleita dia e noite, diuturnamente, Como se o mundo fosse acabar! Até quando, Senhor, o homem vai continuar inconsequente? Porque ao que parece, Ele não está preocupado com o seu semelhante, Ou com os resultados e consequências de sua atitude egoísta, Individualista e irracional, Mas pura e simplesmente com o seu próprio bem-estar! ―Os outros que se lixem!‖ É o que diz quando se refere ao outro. Instinto primitivo ou não, Os mecanismos de defesa criados e desenvolvidos pelos estudiosos E tratadistas nas diversas áreas do comportamento humano, Que se ocupa (ra) m do assunto, não estão conseguindo frear O lado ―negro‖ da criatura Universalmente conhecida como ―homo sapiens sapiens‖! Por que? Por que o homem continua vivendo na barbárie em pleno século 21? Parece que nada aprendeu de seu passado atroz! O que está faltando para melhorar a sua condição humana Como um ser evolutivo a caminho da espiritualização? É este mesmo o destino que seguirá, ou outro que não sabemos? Onde finalmente que chegar? Enquanto a ficção científica nos leva para conflitos galáticos, O novo homem, fruto da evolução e das ações redentoras Direciona-se para um futuro de incertezas! Todavia, há sinais aqui e ali do despertar de uma nova civilização Nascendo sob o signo da fraternidade, Da espiritualidade e da solidariedade De uma ética cristã que reconhece no semelhante O seu próprio ―eu‖ de sobrevivência e salvação! Desperta humanidade, desperta! 40


E A VIDA ERA SIMPLES José Coelho Maciel* Eu sei... quantas vezes já pensei nisto, já disse que não adianta que o mundo é assim mesmo! Que não adianta chorar gemer, gritar e vociferar ninguém vai lhe ouvir, entender. O mundo é assim mesmo - pequeno e grande alto e baixo – e a vida uma merda! Quantos gritos sufocados ecoam no infinito sem resposta? Quantos apelos se faz diariamente quantos, quantos? Já não se conta mais nos dedos os dias, as noites, os anos pois o tempo agora é contado cronologicamente medido, computado pela lógica dos cérebros eletrônicos. O homem é programado igualmente para missões impossíveis e possíveis, para fazer coisas que fazíamos antes da robótica. Tudo era simples sem cibernética. Fazíamos tudo: íamos ao cinema passear no bosque brincar de esconde-esconde 41


jogávamos peteca brincávamos de ciranda rodávamos, rodávamos e nós rodávamos o mundo e com o mundo rodávamos dávamos volta ao mundo em oitenta dias, cento oitenta, trezentos e sessenta e cinco e nunca cansávamos e éramos felizes e simples era a vida! Não tínhamos medo medo de morrer medo de ir longe alcançar a lua falar com as estrelas dançar com os astros virar pirilampos navegar no espaço brincar de fantasma. De nada disso tínhamos medo! E agora, quem somos?

• José Maciel é artista plástico, ilustrador, xilogravurista e poeta alternativo bissexto, pertenceu ao Clube da Madrugada e a União Brasileira de Escritores do Amazonas (UBEAM), é membro da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR) e da Associação de Escritores do Amazonas (ASSEAM).

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Eu Sou Boêmio Confesso Abdon Sahdo

Eu amanheço Depois de uma noite dormida num bar Vejo a cidade se iluminar É gente passando prá lá e pra cá Alguém me olha. Pergunta à razão, eu não sei explicar Não se foi tudo produto de 10 ou 20 cervejas Quem sabe até mais ?

Só sei que é bom um pileque homérico A gente encontrar velhos amigos em busca de paz Bebendo alegria que a noite nos traz Eu sou boêmio confesso não nego a minha paixão. Pela mesa de bar, pelas noites de lua. E afogo a tristeza do meu coração

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O Vinho e a Outra Face Archipo Góes

O vinho estimula os desejos Os Olhos procuram os sentimentos O vinho entra pela boca O amor entra pelos olhos Devo está com o dobro de sua idade Isso significa que possivelmente irei sofrer. E mesmo assim Ao ver seu ar de desafio e timidez Reconheci que estava diante Da minha outra face Naquela noite de Encontros e Delírios Percebi que as vozes que cantam o amor Não conseguem expressar os meus sentimentos De receios, cuidados e desejos. Você é a síntese de tudo que quero para mim E assim, te desejo em silêncio. Quando dei por mim Você já tinha se tornado Minha mais ousada prioridade. Vou te conquistar Como quem sai pelo mundo Em busca de seus sonhos E assim construiremos A nossa lenda de amor. 44


REALISMO FANTÁSTICO Jose Coelho Maciel “Qualquer que seja o lugar onde nos encontremos, o universo estende-se a partir da ípor igual em todas as direções, sem limites”. Lucrécio

Eu me imaginava no centro do Universo Navegando anos-luz no espaço infinito Entre estrelas galácticas Como uma velha bruxa Nas noites escuras Do medievo mundo. Telescopicamente, e visível a olho nu Me via percorrendo o espaço sideral Qual nave em astronáutica rota A caminho de Júpiter. Passei por muitas galáxias Deslumbrado de tanta beleza E grandiosidade incomensurável Da Via Láctea de bilhões de estrelas. Deparei muitas vezes com satélites artificiais, Sondas e foguetes mandados da Terra Para explorar os planetas do Sistema Solar. Deparei outras tantas vezes Com destroços e corpos de astronautas Mortos na conquista do Espaço, Entre granitos e meteoros. Copérnico, Laplace, Galileu, Newton, Einstein e Von Braun Formavam constelações de primeira grandeza Para a compreensão do Cosmo. Astronaves cortavam velozmente a abóbada celeste Em meio à luz brilhante das estrelas E a poeira cósmica das galáxias Para se abastecerem depois de longas viagens Nas muitas estações de abastecimento e pernoite. Enquanto isso, trabalhavam na Lua Construindo pontes de contato com outros pontos Já conquistados pelo avanço do homem. (In Carderno Especial, Clube da Madrugada, jornal A Crítica, Anos 80, ilustração de Van Pereira, Manaus-AM) 45


COBRA GRANDE Pe. Francisco José* A cobra é um animal que sempre esteve presente no imaginário coletivo e mitológico de muitos povos, desde a antiguidade até os nossos tempos. As pinturas do Egito antigo estão recheadas deste animal. Para eles, ela era um animal sagrado. Lembrando que os escritores do Gênesis, por 400 anos, foram escravos no Egito e de lá, impregnados por essa divindade, o inseriram no livro sagrado, a cobra como personificação do demônio. Aí a cobra aparece como animal capaz de seduzir o ser humano, lhes propondo o saber e o poder de Deus. Desde criança escuto estórias de cobra grande. Estórias de meter medo, lembro-me de uma que dizia, embaixo da catedral tem uma cobra grande e no dia em que ela começar a se movimentar toda cidade será destruída e ainda uma outra, contada por muita gente até hoje, nos diz de uma verdadeira destruição feita pela tal fera, acontecida em determinado lugar, o estrago deixado pela bendita é sempre grande, depende do contador da estória. Há pouco tempo, ouvi esta, desde o dia da saída da cobra grande de um lago, o lago secou! Na Amazônia ela faz parte do zoológico mitológico do homem amazônico. Primeiro percebemos sua existência de forma ingênua, estórias para meter medo em crianças, mas para nossos ancestrais, a cobra grande era um animal sem tamanho, enorme, monstruosa e era um dos animais guardiões da floresta, que junto com outros animais e mitos guardavam a floresta. Este mundo dos guardiões da floresta, habitava o imaginário de fé, sagrados, estavam tanto no nosso mundo como também no mundo dos deuses. ―Cobra grande, cobra grande encolheu‖, este é um verso de uma toada de boi-bumbá. Retratando o quanto às pessoas de hoje desvalorizam este animal do espaço mitológico amazônico. Nós da geração Coca-Cola, filhos da técnica, representamos o Tomé do evangelho e repetimos sempre o chavão, é preciso ver para crer. Mas o homem não vive sem o mito e o mercado que é o novo Zeus, se encarregou de criar no mundo do consumo outros mitos (Nike, Nokia, Sony, Microsoft, McDonald‘s... ), a tal ponto que o grito do poeta de toadas, passa despercebido, ―Cobra grande, cobra grande encolheu‖. Porém, este mesmo mercado, o novo Zeus, personificado em objeto de consumo e de desejo, que destruiu os antigos mitos e deu vida a novos, para poder sobreviver, está construindo as novas cobras grandes. Na Amazônia, fez seu ninho na reserva do Arara, no município de Coari, centro do Estado do Amazonas. Desse ninho, já nasceu um cobra grande, mede mais ou menos 280 quilômetros de comprimento por 50 metros de largura e vai da reserva do Arara até a cidade de Coari. Está ali a dormir em berço esplêndido, depois de ter feito o seu estrago. A segunda cobra grande está quebrando a casca do ovo, tentando sair, mais ainda levará dois anos para ser feita, custará mais ou menos um bilhão de reais e terão aproximadamente uns 400 quilômetros de comprimento. Saindo de Coari, atravessará 46


os municípios de Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba até Manaus. A terceira cobra grande partirá da reserva do Arara e vai até Porto Velho. Será necessário exportar algumas tribos indígenas para que ela seja feita e nesse processo estão encontrando uma pedra no caminho. Tem uma pedra no caminho que se chama D. Jesus, bispo da Prelazia de Lábrea. Ele, convidando os índios, primeiros brasileiros; vai dizendo, Brasil, um filho teu não foge à luta. A cobra grande mitológica, só existia no imaginário coletivo do povo amazônida, mas a cobra grande que tem petróleo como seu sangue, é feita de aço, de ferro, de tecnologia, de dólares, tudo destrói, arrebenta e vai desvirginando a floresta, rasgando, arrancando, e se alimenta de vidas. Sua fome e sua sede nunca se saciam, sempre quer mais e mais, pois é movida pela ambição humana.

* Padre Francisco José, Diocesano da Prelazia de Coari – Am.

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Estudo Sobre o Coariense Erasmo Linhares Nascido no município de Coari, a 02 de junho de 1934, Erasmo do Amaral Linhares iniciou-se cedo no Jornalismo e trabalhou em alguns dos mais importantes jornais de Manaus. Foi autor de programas radiofônicos que ganharam notoriedade, quando o rádio se iniciava em Manaus. Foi radialista e ocupou o cargo de diretor comercial da Rádio Rio-Mar. Colaborou no suplemento literário ―O JORNAL‖, mantido pelo Clube da Madrugada. Erasmo Linhares foi professor do Curso de Formação de Monitores do Mobral e professor de Comunicação Social na Universidade Federal do Amazonas - UFAM. No campo literário, pertenceu ao Clube da Madrugada e a União Brasileira de Escritores do Amazonas. E autor dos livros de contos: O Tocador de Charamela (1979) e O Navio e outras estórias (1999). O coariense Erasmo Linhares faleceu em Manaus, no dia 16 de outubro de 1999. Sua obra O TOCADOR DE CHARAMELA, representa uma nova literatura, construída sob o signo da indignação, do inconformismo e da solidão. Segundo o escritor Tenório Telles, Erasmo Linhares ―sobreviveu ao absurdo, a mentira. A dignidade foi o porto que o salvou do naufrágio. E um daqueles homens de quem a vida muito exigiu‖ O mesmo autor afirma que em se tratando de Erasmo Linhares, ―as decepções não foram suficientes para fazer arrefecer sua ternura e humanidade‖. O TOCADOR DE CHARAMELA, publicado em 1979, ocupa um espaço significativo no cenário literário regional. Segundo o professor de Literatura e escritor Tenório Telles, ―a leitura da obra nos faz lembrar os contos de Murilo Rubião e J. J. Veiga com suas situações insólitas‖. A obra ―não e uma mera reunião de contos, possui uma arquitetura interior.‖ A primeira parte intitula-se ―Jogos de dados‖ e tem um forte componente autobiográfico. A segunda parte constitui-se de f1agrantes do quotidiano, são onze contos que revelam a diversidade do dia-adia que evidenciam o absurdo e os sentidos da existência. Em ―Os Pássaros de Gelo‖ há a descrição de um pesadelo em que o narrador tem o seu corpo atacado por aves feitas de gelo, e uma narrativa de caráter transcendental; e considerado o texto mais inquietante do livro. A última parte do livro: "Estórias da Terra" representa a simbologia do estagio primitivo de nosso processo histórico. Erasmo Linhares, segundo Tenório Telles ―é um observador atento dos dramas que envolvem o cotidiano dos indivíduos, de onde retira os temas e motivos que usa na urdidura de suas narrativas‖ obra e ―um testemunho vivido dos dramas, das angustias e esperanças do ser humano”. (Texto organizado por Nubia Litaiff Moriz, fundamentado em ENGRÁCIO, Arthur. [Org.] Antologia do Novo Conto Amazonense. 2. ed. Manaus/Governo do Estado do Amazonas, 2005 e em LINHARES, Erasmo. 0 Tocador de Charamela. [Org. de Tenório Telles] 3. ed. Manaus: Valer/ Governo do Estado do Amazonas/Edua/UniNorte, 2005).

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Sobre a Obra Simá, Romance Histórico de Lourenco Amazonas. Texto fundamentado em Tenório Telles. VALER CULTURAL, ano I, nº 01, abril/2012 (p. 16-17).

O romance SIMÁ - ROMANCE HISTÓRICO DO ALTO AMAZONAS e um romance contemporâneo do ciclo das narrativas indianistas do Romantismo brasileiro. De autoria de Lourenço Amazonas, foi publicado em 1857, no mesmo ano em que o GUARANI, de Jose de Alencar, veio a publico. Segundo Tenório Telles, professor de Literatura Brasileira, autor de A DERROTA DO MITO, o romance SIMÁ, do ponto de vista temático e histórico, tem mais relevância que Iracema, embora faltasse a Lourenço Amazonas, o talento literário de Jose de Alencar. Segundo Telles no artigo intitulado ―Simá, um romance amazônico", a percepção de Lourenço Amazonas em relação à presença europeia na Amazônia é crítica e pessimista, o que difere do autor de Iracema, visto que Jose de Alencar "e complacente e tenta justificar o processo civilizatório empreendido pelos europeus no Brasil e no continente americano" (TELLES, 2012, p.17). O romance inicia no município de Coari, no centro do Amazonas e apresenta como personagens, o português Régis, oportunista que e acolhido na casa do tuxaua Marcos, um manau destribalizado. Marcos é pai de Delfina. Regis, utilizando-se do artifício do embebedamento, violenta e engravida a filha do indígena. Para se aproveitar de Delfina, o português inescrupuloso, coloca opio na bebida (vinho) do tuxaua e da filha. Assim, o encontro de Regis (metáfora para o colonizador) e Delfina (o primitivo) foi violento e traumático, simbolizando ―O comportamento da civilização europeia em relação aos povos autóctones da Amazônia e da América" (TELLES, 20012, p.18). Após o fato, Marcos deixa a região do Solimões e volta para a região do Rio Negro, o que representa a tentativa de reconciliação do nativo com as suas origens. Na tentativa de livrarse do passado traumático, marcos muda de nome e passa a se chamar de Severo. Delfina, igualmente como a personagem Iracema, morre na narrativa. Após o nascimento de Simá, que em língua geral, significa "luz", a índia Delfina morre de tristeza. Simá, então e criada pelo avo nos costumes do povo Manau e torna-se uma jovem muito bonita. Regis chega ao Rio Negro e se encanta com a beleza de Simá. Utilizando o mesmo artifício usado com a mãe, violenta a jovem, porem reconhece em Simá, o colar que estava no pescoço de Delfina. Marcos afirma ser ―O Marcos lá de Coari‖ o que leva Regis ao desespero, porque descobre que a jovem Simá, na verdade, era sua própria filha. Segundo Tenório Telles, "O romance de Lourenço Amazonas é mais que uma denuncia, é uma metáfora da tragédia vivida, pelos povos nativos da Amazônia" (TELLES, 2012, p. 17). 49


Minha Máquina de Escrever Francisco Vasconcelos

Numa incerta busca de algo bem antigo, notei que me faltava alguma coisa além do que ansioso, procurava. Ah! A minha máquina de escrever! Que fizeram dela? Finalmente, que fim lhe haviam dado? perguntei a quem, por certo, podia responder. Sim... a minha máquina, onde está ela, se aqui, onde a guardava, não está mais? Chamava-se Olivette e era mui querida. Fiel companheira de noites bem vividas ao longo das quais, com inusitado amor e frenética compulsão gestamos nossos filhos, poemas e contos, e até mesmo um romance inconcluso ou ainda em fase de demorada gestação. E que dizer das cartas que escrevemos, em cada uma delas o testemunho de imorredoura amizade, depósitos que foram todas elas, das mais sentidas lembranças e inarredável saudade? Foi então que me deram a resposta que jamais esperava um dia ouvir: 50


— A máquina? Aquela bem velhinha, pequenina e sem jeito, que para nada mais servia, desprezada e sozinha? Aquela humilde máquina que deixaste de lado qual coisas imprestáveis e com defeito? Que proveito dela tirarias, se com outro amor agora de comprazes, noite após noite como amantes fogosos que pareciam ser a qualquer hora? E foi aí que me veio a resposta sobre o destino de minha máquina de escrever: ―Doei-a àquela casa amiga, cujo bazar vez por outra ajudamos desfazendo-nos de tudo que guardamos sem mais utilidade‖. Confesso que sofri. Oh pequenina e tagarela ajudante de meus sonhos! Que destino te deram, que fizeram de ti? A quem serves agora, velhinha e já cansada? E embora com saudade e inafastáveis lembranças contentei-me ao saber que mesmo tarde, sem nada saber do que antes acontecera, de algum modo fizera caridade... Bsb, julho/2013

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Sinopse O Tocador de Charamela - Erasmo Linhares Autor do Estudo: João Batista Gomes

Um dos mais expressivos escritores amazonense, Erasmo Linhares estreou na literatura em 1979, com ―O Tocador de Charamela‖. Seu texto nervoso surpreende pela agilidade e pelo forte traço de realismo fantástico, resultado talvez da influência do seu autor predileto, o peruano Manuel Scorza. O conto que dá título ao livro é um exemplo completo do seu estilo e dos seus temas recorrentes: os conflitos humanos, a aspereza da vida, os personagens do submundo urbano. No prefácio da primeira edição o escritor e padre Luís Ruas assim define o contista: ―alguém que se debruça sobre a realidade, e principalmente sobre a realidade humana – na sua grandeza e na sua miséria (...) para transfigurá-la como convém ao Artista‖. Erasmo Linhares nasceu em Coari, no Amazonas, em 1934. Participou de movimentos culturais patrocinados pelo Clube da Madrugada. Formou-se em Comunicação Social e exerceu o jornalismo dedicando-se ao rádio. Faleceu em Manaus em 1999. Histórias curtas Os contos de Erasmo combinam com o gosto do leitor moderno, sem tempo para histórias longas e complexas. O autor aplicava a técnica dos modernistas, escrevendo relatos curtos, porém completos, de duas, três páginas. Isso o coloca no rol dos contistas da preferência popular. Realismo Fantástico Seguindo uma tendência natural que começou com O Tocador de Charamela, Erasmo Linhares firmou-se como seguidor do Realismo Fantástico. São contos em que o autor solta a imaginação e arrasta o leitor para as veredas da fantasia, erigindo um mundo que se caracteriza pela inverossimilhança. DADOS TÉCNICOS DA OBRA GÊNERO HISTÓRIAS CURTAS – O Tocador de Charamela é um livro de contos. São quinze histórias curtas, porém completas, com poucas personagens em cada uma. DEFINIÇÃO DE CONTO – Caracteriza-se o conto pelo tamanho. É, normalmente, uma narrativa pouca extensa, concisa, mas com estrutura temática e dramática bem definida. Neste aspecto, parecese com uma miniatura de romance ou de novela. Naturalmente, tem poucas personagens, e o conflito não se prolonga por muitos capítulos, concentrando-se a ação num único ponto de interesse. TÍTULO O título da obra valoriza o conto O Tocador de Charamela, relato urbano que mostra a decadência de um ser humano. O próprio autor definiu ―charamela‖ como ―o mesmo que charanga (orquestra mais ou menos desafinada).‖

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AS VÁRIAS TEMÁTICAS O Tocador de Charamela tem várias temáticas. Podemos organizá-las assim: TEMÁTICA REGIONAL – São apenas três contos que fazem parte da terceira parte do livro: Três Histórias da Terra. Versam sobre a vida do caboclo do interior do Amazonas: ESTUDOS LITERÁRIOS 1. Tio Antunes 2. Zeca-Dama

3. João Carioca: mandão e famão – Juiz de Paz

TEMÁTICA SOCIAL – Contos que põem em destaque o homem citadino, revelando conflitos e desajustes próprios da vida urbana. 1. Jogo de Dados 2. O Tocador de Charamela 3. Tampinha 4. Um homem importante 5. A construção da montanha 6. O Comendador 7. A rede da solidão TEMÁTICA PSICOLÓGICA – Contos que exploram o interior das personagens, condizentes com a literatura introspectiva modernista. 1. Os pássaros de gelo 2. Doña Morales 3. A visita do primo Basílio TEMÁTICA FOLCLÓRICA E/OU INDÍGENA – Contos que valorizam, dentro do mundo amazônico, a realidade folclórica e indígena. 1. Arduene 2. A mura LINGUAGEM: LINGUAGEM COLOQUIAL – Em O Tocador de Charamela, não se pode negar que Erasmo faz uso de uma linguagem realista, em que economizar palavras é uma preocupação constante, haja vista o compromisso de produzir textos curtos e concisos. Não obstante, há espaço para o lirismo, para construções poéticas e para a linguagem simbólica, nas quais sobressai a sensibilidade do autor humano, admirador da vida, da natureza e do amor. DIVISÃO DO LIVRO Os contos estão agrupados em três partes. PRIMEIRA PARTE – Intitula-se ―Jogo de Dados‖. Compõe-se de 3 monólogos-diálogos de dois presos políticos. Tendo o dado como alegoria, o autor analisa a condição humana em si mesma, mostrando que ela é imprevisível, aleatória e com limitações existenciais. SEGUNDA PARTE – Contém 11 contos. O autor conta histórias citadinas, folclóricas e indígenas. As inúmeras personalidades que ele nos expõe combinam com a diversidade da vida, às vezes tão simples, às vezes muito complicada. Combina também com o plano de Erasmo Linhares de expor a realidade em suas múltiplas faces, exibindo personagens de aspectos e índoles variados. TERCEIRA PARTE – A terceira parte, intitulada Três Histórias da Terra, contém apenas 3 contos. Aqui, o autor abandona a linha filosófica da primeira parte para mostrar como vive o homem do interior amazônico, cerceado pela realidade socioeconômica, submetido à escravidão e às humilhações próprias do isolamento interiorano à época do extrativismo. TEMPO ÉPOCA DA BORRACHA – A última parte do livro – Três estórias da Terra – retrata o Amazonas em pleno extrativismo: época em que nordestinos, principalmente. 53


Amazônia, A Última Cruzada Francisco José - Padre Diocesano da Prelazia de Coari-AM em 11/02/2004. O município de Coari encontra-se no centro do Estado do Amazonas. Ele é banhado pelo Rio Solimões nas direções oeste e leste. O município tem 57.529 Km2 de extensão, maior que alguns Estados brasileiros. A cidade de Coari situa-se na margem sul do Rio Solimões, na foz do lago de Coari. Em 1986 foram descobertas pela Petrobras as primeiras jazidas comerciais de petróleo e gás natural na região do Urucu (Coari-Am.). Nos anos seguintes houve várias perfurações com sucesso: Leste do Urucu, em 1987; Sudoeste do Urucu, em 1988; Carapanaúba, Cupiúba, em 1998 e Igarapé Marta, em 1990. Em conjunto, elas formam a província de petróleo e gás natural do Urucu. O transporte de petróleo e gás é o principal problema a ser resolvido. Inicialmente, foi transportado em barcos petroleiros pelos rios Urucu e Solimões até a refinaria em Manaus. O próximo passo foi construir um poliduto e, paralelo a ele, um gasoduto, de 280 Km de comprimento, na área de produção de Urucu até o Terminal Solimões, ao lado da cidade de Coari. Para isso foi derrubado um corredor de cerca de 50 metros de largura de floresta tropical primária. O próximo passo começa com um acerto entre o governo estadual e o governo federal para a construção do gasoduto Coari-Manaus a partir do próximo mês de abril 2004. A obra se estenderá por uns 400 km; serão gastos US$ 393 milhões e o tempo previsto para a construção é de dois anos. O projeto Urucu faz parte da continuidade da abertura da Amazônia através de grandes projetos que ocorre desde as últimas décadas (Transamazônica, Carajás, Balbina, Calha-Norte, entre outros). Eles são expressão de um pensamento de desenvolvimento que se orienta pelos hábitos de produção e de consumo dos países industrializados. Este tipo de desenvolvimento traz consigo conseqüências sociais e ecológicas de peso para a Amazônia e opõe-se à idéia de desenvolvimento da população tradicional amazônida. É do conhecimento de todos o potencial econômico da Petrobras (em 2003, faturou mais do que a Coca-Cola) e da sua capacidade, pois tem pessoal capacitado e equipamentos de alta tecnologia, competência para implantar projetos ousados, admirados e respeitados. Porém, existirão prejuízos que a Petrobras não pode prever e nem conter, como, por exemplo, o prejuízo social: a cidade de Coari é um exemplo disso. Na época da construção do gasoduto Urucu-Coari o que mais cresceu foi o índice de prostituição; destaca-se também o desmatamento, com o extermínio de micro-organismos e pequenas fontes que alimentam os igarapés, lagos e rios; as fugas dos animais selvagens e dos peixes, principais fontes de alimentos dos ribeirinhos, a partir da destruição de seu habitat. Essas perdas não têm preço e só quem vive naquele ambiente as sentirá. Os donos do capital não moram lá. 54


Os ribeirinhos são os atingidos pelo projeto Urucu. Eles constituem a maioria da população em grandes partes da Amazônia, exceto nas cidades. No entanto, eles têm pouca presença na discussão política na Amazônia. Leonardo Boff, em um dos seus artigos publicados neste site da Adital, nos relata essa experiência: "Andando por minha rua, onde quase ninguém passa, contabilizei, em apenas 50 metros, 58 besouros mortos. Como não reparamos nesses nossos irmãos mais pequenos, pisamos neles e nossos carros os massacram. São Francisco se os visse mortos, choraria de compaixão". Pois, eu digo: se São Francisco choraria ao ver 58 besouros mortos, se ele soubesse desse projeto da Petrobras do gasoduto CoariManaus, e das plantas e dos animais que ali morrerão, morreria do coração! Primeiro foram os nossos índios devorados pelas caravelas que, movidas a sangue, singravam nossos rios, Marañón, Solimões, Amazonas e seus afluentes. Logo em seguida, nossas tartarugas e peixes-boi foram transformados em manteiga e óleo e vendidos a preços irrisórios. Depois, nossos peixes foram engolidos pelas empresas pesqueiras que nunca saciaram sua fome. E agora, o restante. Sem esquecer-se dos nossos irmãos nordestinos, que na Amazônia plantaram suas vidas no leite das seringueiras e delas brotou a ―obra monumental mais bela‖: nosso Teatro Amazonas. Amazonas, até quando serás fonte de cobiça daqueles que te exploram? Tudo está sendo feito em nome do desenvolvimento, pois, segundo os entendidos em petróleo, o lucro será de milhões. Mas, quem, de fato, gozará desse lucro? A população ribeirinha, por cujas terras passarão os tubos do gasoduto? Pela história que vimos até agora, parece que não. Porém, eles serão os mais afetados e os únicos que não gozarão desse lucro; mas, que, no final, pagarão a conta. E a natureza, frágil, indefesa, tombará diante da força destruidora do capital que numa fome insaciável, devora a selva, - "capitalismo selvagem" -, literalmente falando. É o império do consumismo com suas justificativas, que impera sobre a vida da floresta amazônica, exuberante, de uma beleza e grandeza de encantos mil. Podemos terminar com as palavras do cantor que canta poetizando, profetizando, "é a força da grana que destrói coisas belas".

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RECORDANDO OS ESQUECIDOS COARIENSES Francisco Chagas Simeão da Silva

QUERO AQUI DESPERTAR A SUA CURIOSIDADE PRA VER SE AINDA LEMBRA DESTA PERSONALIDADE FORAM GENTE QUE FIZERAM SUCESSO NESTA CIDADE Por isto preste atenção que não vou sair do tom Mostrando que sou entendido possuidor deste dom por isso é que lhe garanto recordar é sempre bom Comece agora mesmo Mas antes pare e pense me ajude a divulgar porque todos eles merecem Vamos juntos recordando os esquecidos COARIENSES. Você talvez não conheceu Ou seu nome nunca ouviu foi um grande prefeito que nesta terra surgiu seu nome era conhecido por CORONEL MONTORIL.

era uma galinha doida com pouco tempo sumiu.

chegou um que não acreditava chamado CHICO DUVIDOSO.

CHICO DOIDO é outra peça que não pode ser esquecida pois a primeira ponte por Chico foi construída então não vamos esquecer deste ente tão querido.

O tal Chico duvidoso é difícil que se esqueça pois tinha um mal danado que este era ruim a bessa Ele passava o dia todo Duvidando com a cabeça.

O Chico doido morava lá na Chagas Aguiar dono de uma serraria onde vivia a trabalhar com o tempo o Chico se foi não sabemos onde está.

Balançava pra todo lado E só fazendo besteira cada vez que balançava Era fazendo asneira Duvidoso foi embora ficou o ZÉ GAMELEIRA.

surgiram quatro irmãos antes do ralar do sol um era o SABÁ TARTARUGA o outro o RAIMUNDO ANZOL E o JOÃO CAVALARIA e MANOEL BOTIJA NO ROL

Com o tempo Gameleira se não me engano foi morto Mas logo em seguida pintou o seu Raimundo do Pau Torto carregando água no pau dês da beirada do porto

Deixemos os quatro irmãos para seguir mais seguro e lembrar deste personagem pra não ficar no escuro você ainda se lembra do VICENTE PÉ DE BURRO.

COM O PAU TORTO E AFIADO PARA NÃO ESCORREGAR CARREGAVA TODO DIA ÁGUA PARA SE LAVAR ENCONTROU O SEU AMIGO chamado ZÉ TACACÁ.

Vicente era boa gente só andava nos conformes mas para atanazar sua vida teve um azar enorme com poucos dias pintou na cidade o FAZ QUE DORME.

Assim passou o tempo o Coronel foi primeiro mas para recordação ficou o seu companheiro com o nome bem conhecido chamado CHICO ENFERMEIRO.

A presença do faz que dorme esta era divertida para acabar sua graça apareceu o EGILDO UM QUE se tornou famoso como comedor de VIDRO

Chico Enfermeiro se foi GALINHA DOIDA surgiu só querendo ser bonito mas beleza nunca viu

Comia de qualquer jeito parecia ser milagroso não importava o tipo comia só de manhoso

Zé tacacá era gago que apoquentava os vizinhos Bem perto dele morava nosso amigo ZÊ ROCHINHO se subisse mas um pouco encontrava o CACHIMBINHO. Todas estas três peças para mexer se escolhe Vou deixá-los aí mesmo enquanto as coisas melhorem para fazer você lembrar Do seu RAIMUNDO BOCA MOLE. Boca Mole eram um velho que tinha os lábios aleijado os beiços tipo molambo 56


correndo pra todo lado Quem não olhasse direito Dizia que foi cagado. CHICO PIMBA era pescador desse que não tinha medo morava logo aqui perto dentro da baixa São Pedro pra todo mundo prestou mas o apelido era o segredo. Para não esquentar a cabeça também não sair da linha agora que me lembrei desta coisa engraçadinha creio que vocês conhecem a nossa amiga tortinha. TORTINHA era boa gente apesar do balançado cada passo que dava o povo dava risada não era da sua cara mas era do rebolado. Vou deixar a tortinha para ver com quem se bole vou mexer com o seu modesto dizem que virava RODE o negócio é meio feio mas comigo ninguém pode.

BATUTA na sua casa só escutava os esturro pois os seus grandes amigos era um monte de cachorro que ajudavam o dono a nunca pedir socorro. Batuta aí vai ficando com a sua cachorrada para mexer com esta dupla que era uma parada cada noite tinha um no meio da bicharada Os dois quando estavam juntos só em pensar me arregalo Modesto virava BODE E Joaquim costa cavalo nisso quero que acredite sempre é verdade o que falo. Ainda restam alguém desta dupla sensacional mas vou deixar por aqui pra não mexer com animal porque lembrei um amigo que o seu nome era PASCOAL PASCOAL só trabalhava não procurava conforto o pobre além de feio ainda era todo torto não sabemos como foi que um dia apareceu morto.

Mas uma dupla surgiu para alegar o coração PLACO PLACO e BOLA SETE no meio da multidão Mais a vida é mesmo assim são mulheres que fizeram cheia deste bafafá homens chorar de paixão. creia que ia esquecendo desta beleza buscar será que já se esqueceu Quando a dupla chegava da nossa amiga BIÁ era de encher o palco os homens todos danados uns mais forte outros mais fraco Eu ainda não esqueci quando se via dizer gostava do jeito Dela chegou bola sete e placo placo. Mas agora lembrei outro que parecia com ela Só o nome era diferente Esta dupla vou deixar Pois chamavam ZÉ REMELA. com sucesso absoluto para mexer com este que está a nossa escuta ZÉ REMELA só gostava você talvez se esqueceu de andar sempre levado do nosso amigo batuta. o próprio nome já diz que o cara era relaxado

Pintou o seu grande amigo chamado DIMAS POLEGADA. Se formos mexer com todos estes versos não resumo não estou podendo esquecer do meu amigo TIRA RUMO que carrega o seu carro tirando sempre no prumo. TIRA RUMO na cidade Só pode andar vexado pois de longe a gente vê os seus olhos quase fechado E fica doido da vida quando é apelidado. Não vou mais com tira rumo porque se não ele se Zanga pois estou lembrando outra que é boa pra caramba não sei se você conheceu a famosa MARIA PORONGA. Esta Maria poronga é difícil de entender pois pelo nome da mesma era dura de roer com este seu apelido ela devia acender. Deixe a poronga acesa se não vai dar sururu para lembrar outro que a cara era um angu o povo só lhe conhece como ZÉ CURURU. Zé cururu era feio que só em olhar se espanta apareceu um outro que este só dava bronca não sei se você lembra do seu João BUNDA BRANCA. O seu João bunda branca vivia encabulado por todo canto que andava o nome era divulgado pois o povo só pensava que o Homem era pintado.

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Vou parar com o seu João pois pode refletir mágoa Eu não quero entrar nisto creia que o meu nome é chagas pra fazer você lembrar do famoso CORTA ÁGUA CORTA ÁGUA onde passava pelo povo era enxergado pois sofreu um acidente que quase mata o danado e para infelicidade sua ficou com um lado aleijado. De longe você enxergava o seu corpo a balançar parece que vinha cortando

todo tempo sem parar chamavam de corta água pelo jeito dele andar. Já mexi com muita gente mas agora vou parar se você ainda vive Eu não quis lhe maltratar é só para mostrar ao povo que é bonito recordar. Me comprando o livrinho creia que vais me ajudar porque sem a sua ajuda Eu não posso prosperar só vocês me deram forças para a vitória alcançar.

Comecei descobrir gente Houve até quem censurasse Assim mesmo fui fazendo Garanto que vai dá graça A profissão não é esta Se vier outro Eu faço. São gente que já se foram Importante é relembrar Moro na mesma cidade E conheço como está A esperança não morre Opera até se findar. Fim Coari Amazonas - 1992

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TRAGÉDIA DO BOTAFOGO Autor: Francisco Simeão da Silva É verdade minha gente Tudo isto ocorrido E não botando em conta O tão grande prejuízo E até a presente data O barco vive perdido

Com a caravana seguiu Para mostrar mais valor Juntamente com o chefe Diversos mergulhador Para ver se descobririam Onde estava o motor

Sendo eu um grande artista Ainda não pude parar Porque este acontecimento Quero ao povo contar A tragédia do Botafogo A um Barco a Naufragar

Este caso aconteceu Em uma alta madrugada Os viajantes do barco Não iam esperando nada Porque tudo ia tranquilo Antes daquela encontrada

Mas ao chegar no local Que viram o grande horror Pensaram: - como nós vamos Ajudar este senhor ? No meio de tanta aflição E no meio de tanta dor

O nosso belo Amazonas É um Rio grande e temente Temos que andar com cuidado Devido as grandes correntes Porque se nos descuidarmos Elas destrói com a gente

O motor se deparou De encontro com a correnteza O mesmo virou na hora Por não encontrar firmeza E dai foi que surgiu Para ó povo tanta tristeza

Mãe chorando por seus filhos Filhos chorando por seus pais

Para provar o que digo Vou agora confirmar Contando uma história Para todos acreditar História de um navio Que vi nas águas se acabar

Tristeza porque foram muitos Que ali se acabaram Uns choravam pelos mortos Outros pelos que escaparam Na certeza que foram muitos corações que se abalaram

E verdade meu amigo Este rio tudo consome Aqui desapareceram Tanto mulher como homem E o rio é uma imensidão Pode ver pelo seu nome,

Na tarde de um belo dia Chegando as dezoito horas O motor se despediu Da capital foi embora Viajando carregado Por este rio afora

Com esta aflição toda Sem esperar por cima Este naufrágio aconteceu Bem perto de Codajás E estamos pedindo a Deus Para não acontecer mais

Porque em água é o maior Não existe outro igual Tem que se andar prevendo Pois, tudo pode ser fatal Também morrer afogado Isto não é genial

Isto foi no dia quatorze De um janeiro passado Viajou a primeira noite E não lhe aconteceu nada Mas na segunda noite Veio a tristeza dobrada

Tomaram toda providência Logo ao amanhecer do dia O dono foi a Codajás Comunicar a capitania Para virem ajudá-lo Nesta tão grande agonia

Certo que com a morte Nunca se está conformado Uns dizem que o barco virou Por vim muito carregado E outros já se maldizem Que foi a falta de cuidado

Este motor meu amigo O seu nome ninguém esquece Dominik era o seu nome Muita gente ali fez prece Mas neste grande rio Se naufragou desaparece

A capitania sabendo Do que se tinha ocorrido Vieram trazer socorro Para os que ficaram feridos E também conformar ao dono Que nem tudo estava perdido

Certo é que foi para o fundo Em um lugar de horror Uns chamam de botafogo Outros de ponta do pavor Foi um naufrágio horrível Que causou tristeza e dor

Porque muitos que ali morreram

Seus corpos não viram mais Crendo que foram comidos Pelos grandes animais

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E já que este lugar E por todos mal visado Quando se aproxima Fica todo mundo assustado Depois que se passa dele O coração fica sossegadoSentindo já ter passado Por este horrível lugar Com o coração tranquilo O povo vai descansar Pedindo a proteção de Deus Para chegarem em seu lar Muitos foram neste barco Que em seus lares não chegaram

Porque antes do destino No barco se liquidaram Por ser tarde da noite Muitos ali se acabaram Uns saíram nadando Para alcançar outro lado Mas isto não realizaram Por estarem muito cansados Antes de alcançarem a terra Muitos morreram afogados Foi um grande desespero Naquela escuridão As mães procurando os filhos Mas sem haver solução Porque tudo estava escuro Pela aquela região Ali muitas mães morreram Querendo o filho salvar Porque a mãe só deixa o filho Quando vê-lo se acabar E se possível vai junto Para ser do filho o par Foi como ali aconteceu Se acabaram mãe filhos e pais Certas pessoas amigas Que os nomes não lembro mais Foi uma grande tragédia Que ainda não houve igual Porque eram duas cidades O povo que ali seguia A primeira era Coari Que sofreu grande agonia

Ao saber desta notícia Logo ao romper do dia Com a notícia chegada Houve um grande alvoroço Tanto mexeu com os velhos Como também com os moços Neste dia em muitas casas Não fizeram nem o almoço Porque muitos só pensavam A minha mãe se acabou Porque foi nesta semana Que para cá viajou Quem sabe se ela não veio Neste tão grande motor Foi grande esta aflição De boca em boca falada Uns esperavam a reação Pra ver o que tinha se dado Naquele grande naufrágio Ocorrido de madrugada Há uma outra cidade Enfiada nesta aflição Que é a cidade de Tefé A qual ficou de plantão Para prestar socorro A qualquer ocasião As que eram mais de perto Como Codajás e Coari Prestaram todo socorro Por serem perto dali Pra não deixar a aflição Tomarem conta daqui Diversos motores chegaram Para ali prestarem socorro Uns dizem se eu não for De vergonha sei que morro Porque um naufrágio desse Entro na parada e não corro Com esta definição Querendo alguém salvar Mas porém foram bem pouco Os que puderam escapar Daquela grande tragédia Onde, só Deus podia ajudar

Porque um rio como este Digo e não peço segredo Para onde nos dirigimos A correnteza faz medo Temos que nos prevenir Pra não entrar em atropelo Nós que somos conhecedor Deste rio sem outro igual Devemos nos prevenir Fugindo sempre do mal Porque deparar com a correnteza A morte pode ser fatal Então vamos meus irmãos Procurar nos defender Porque fazendo assim Mais vida podemos ter Porque quem escapa de uma Cem anos há de viver Vamos tomar conhecimento Enquanto a cabeça esfria Das providências tomadas Por nossa capitania Que chegou com urgência Antes do romper do dia Os que ali chegaram Para ajudar o cidadão Que o mesmo estava triste Por perder a embarcação Porque ali só não sentia Se não fosse um cristão A capitania ao chegar Tomou todo conhecimento Para ajudar ao dono A ter mais força e talento E também prestar socorro Naquele horrível momento Chegaram e foram saber O que ali aconteceu O dono já sem talento Contou o que ocorreu E como se tornou triste Tudo aquilo que se deu

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Foram muitos os prejuízo Assim o homem falou Além das mercadorias Que a correnteza levou Ainda por cima disto O barco não se encontrou A capitania dirigiu-se E ao homem interrogou Querendo assim saber A onde o motor se naufragou Para saírem a procura Diversos mergulhador Os mergulhadores estavam De tudo bem equipado Para ver se descobriam Aonde o barco tinha parado Naquela grande correnteza Aonde tudo é demasiado Porque aquele lugar Ele nunca está parado Enquanto menos se espera A correnteza é de todo o lado Pra se passar por ali Tem que andar com cuidado Atados de correntes Para poderem voltar Os mergulhadores pularam Com coragem pra mandar Porque lugar como aquele Nem todo cabra vai lá Foram a primeira vez Sem pensar o que encontrar Com pouco deram sinal Que já queriam voltar Porque a correnteza Não deixou no chão chegar A correnteza é demais Isto sem ter paradeiro Muitos ali morreram Pra salvar o companheiro Coisa que em certos casos Só se me desse dinheiro Mas os homens que chegaram Para em tudo ajudar Pediram pra ir mais embaixo Pra novamente pular

Para ver o que diziam Deste honroso lugar Foram a segunda vez Mas sem trazer resultado Disseram vamos a terceira Para dar por encerrado Porque se tentarmos mas Nós somos prejudicados. A última tentativa De diversos mergulhador Que ao voltarem do fundo Só tristeza e muita dor Fazendo este esforço todo Para encontrar o motor Foi sem futuro os esforços Que para ali seguiu Porque tudo se acabou Dentro deste grande rio Com a imensidão de água O motor logo sumiu Deixemos a capitania Voltando para o capitão Para falarmos do povo Que ficaram passando mal Por ter grande prejuízo De tudo seu afinal Os que não morreram afogados Acabaram de completar A grande lamentação Mostrando tudo sem parar Contando assim para o povo Como puderam escapar Uns dizem eu agradeço. A um pau que ia baixando Que outros não tiveram sorte Deste pau ia avistando Só eu me agarrei nele E foi a vida me salvando Foram diversas famílias Pelas águas destruídas Que não posso levar em conta a quantidade de vidas Que foram neste naufrágio Pelos os animais comidas

Não querendo acrescentar Mais do que ali aconteceu E que vou pedir sempre À proteção do bom Deus Que ele é conhecedor de todos os contos meus Fazendo assim o proveito De uma história real Você passa ser um homem Conhecedor de tudo afinal Do acontecimento ocorrido Em uma tragédia fatal Por isso peço aos amigos Para comprarem o primeiro Pois em breve comporei outro Conto fatos verdadeiros Porque não posso mentir Sou homem brasileiro Comprando este livro Vai logo lhe despertar Mostrando como é bonito A gente tranquilo andar Com especialidade nas águas Onde tudo pode se acabar Não menti nem exagerei Contei o que se passou Pois as noticias chegadas Foi o que mais me encabulou Em ver tanta tristeza Pertinho de tanta dor Vou encerrar o livrinho Pra não ser muito comprido Pedindo a Deus que abençoe Pra que seja bem vendido Que os amigos façam proveito De tudo que foi escrevido Sei que não acreditavam Isto ser fruto daqui Morando neste Amazonas Esta cidade é Coari A esperança não acaba O carinho que recebo aqui.

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ANALISE LITERÁRIA DO CONTO “ZECA-DAMA” DE AUTORIA DE ERASMO LINHARES (Texto de Núbia Litaiff - Professora de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira do CEST/ UEA) O conto regional intitulado "Zeca-Dama", que integra a obra ―O TOCADOR DE CHARAMELA”, de autoria de Erasmo Linhares, descreve os sonhos e as angustias vivenciadas pelos retirantes nordestinos, num mundo totalmente desconhecido, como as matas, as brenhas que envolvem os seringais amazônicos. "Zeca-Dama", penúltimo conto que integra a coletânea ―O Tocador de Charamela”, é narrado em primeira pessoa, na forma de um relato e tematiza as alegrias dos rudes homens, que vieram para as paragens amazônicas, ―na ilusão de enriquecer com a borracha‖ e que, devido a falta de mulheres nas festas de Mestre Felisberto, dançavam ente si, isto é, com os próprios homens. “Quando agente voltava do barracão do gerente, tratava logo de descarregar o rancho, tomar banho e num instante estava na canoa, vestido de limpo, chapéu, todo emperiquitado e toca a remar pra casa de Mestre Felisberto. Era a festa, a festa que a gente esperava toda semana, num desassossego‖. (LINHARES, O Tocador de Charamela - Conto ―Zeca-Dama‖. 2005, p. 120). A abordagem sobre a ausência das mulheres nos seringais no conto e feito de uma forma bem humorada: O seringueiro Zeca-Dama e seus companheiros amenizam a ausência de mulheres nas festas, dançando com outros seringueiros: ―Mas, como eu já lhe falei, mulher que e bom não havia. Por isso dançava homem com homem...‖ Zeca-Dama, o narrador e personagem central do conto, já inicia a narrativa argumentando com os maliciosos e esclarecendo aos leitores que ser dama ―não é coisa pra qualquer um‖. Zeca-Dama, faz questão de mostrar que é macho, e com uma faca na mão, torna-se o próprio capeta. O seringueiro relata que uma vez um sujeito quizilento chamado Procópio sugeriu que ―a gente tinha de pintar os beiços com urucu...‖ Ele disse que era pra dar mais sensação: ―Só não matei o filho duma égua na horinha, porque os outros não deixaram‖. O seringueiro relata que sua fama e renome começou apenas com o objetivo de mostrar gratidão ao companheiro Dorca: ―Experimentei a primeira vez só pra dá gosto ao Dorca, companheirão que me ensinou a cortar seringa, com paciência de santo‖. O narrador finaliza lamentando o fato do reumatismo não mais lhe permitir hoje, mostrar sua arte e seu molejo na cintura, e afirma que ―nas festas, as vezes, tem mesmo mais mulher do que homem. Mas nenhuma dança como eu, naqueles tempos." 62


Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz” Erasmo Linhares Não, senhor, não sou homem de potoca. Nesta minha velha e cansada vida, se menti alguma vez foi só pra pescar mulher. Minha mãe, quando pegava a gente em alguma trampa, dava de palmatória, uma dúzia em cada mão. Uma vez peguei duas, porque resolvi ser macho e não chorei. A velha queria lágrima, como toda mãe, pra ver o sentimento. Muita gente antiga, por aqui, ainda conhece a história. Era o homem mais rico de todas essas bandas. Em cada riozinho desses, ele tinha um seringal e em cada lugar por esse Juruá afora, onde morasse mais de três famílias, ele tinha uma mulher. Uma vaca braba com os homens, um vacal com as mulheres. Poderoso, meu senhor, muito poderoso. Podre de rico, mandão e famão, até com gente da capital. Nos tempos de eleição, depois que houve eleição, vinha muita gente por aqui atrás dele. Gente graúda, doutor de anel no dedo. Conversas, trampices, farronas, e ele dominando, mandando em tudo. Com essa gente de fora ele se abria, com a gente daqui era aquela carona enfezada. Mas era um homem bom, se a gente trabalhava feito doido e dava no fim do fábrico uns gordos quilos de borracha. Disso, lhe digo sem preconceito, ele cuidava. Cuidava de quem trabalhava e não amolengava com o diabo da cachaça, que isso é coisa que acaba com um homem e é até capaz de botar chifre na cabeça, se o cabra não for bom de peia. Peço que não duvide de mim. Trabalhei dez anos pra ele e com esse meu jeitão de cearense, ouvi e vi e anotei muita coisa aqui dentro da cabeça. Não pense que são historias de um velho atazanado pelo reumatismo. Já lhe disse, não sou homem de potoca. O homem que mente perde metade da sua macheza. João Carioca também não era homem de mentira. Pra quê, se ele tinha tudo? Se ele mandava, desmandava e tresmandava? Era um touro, um homem capaz de engolir um garrafão de boa pinga do Ceará e sair andando sem que ninguém dissesse. Só vermelhão, a barrigona empinada dentro do paletó de tubarão que ele nunca largava, mesmo quando o suor empapava a camisa e a banha do pescoço fazia uma lista preta no colarinho. Estou lembrando que ele deu de usar paletó, digo melhor, de não largar mais o paletó, depois que foi feito Juiz de Paz, mandando e desmandando desde Eirunepé ate quase Cruzeiro. Quase tudo, se me lembro bem. Eirunepé, Envira, Ipixuna e esses lugares todos que existem por ai. Casava e se não dava certo descasava e casava de novo. Tudo como ele queria pra que as coisas não desandassem nos seringais. Já lhe contei uma vez, mulher por aqui não havia, de começo. Coisa muito rara e por causa disso os homens endoidavam. João Carioca sabia disso e sabia cuidar muito bem do caso. Mulher era prêmio. Trabalhou, ele arranjava mulher, mas obrigava a casar e quando os filhos nasciam, ele trazia o padre de Rio Branco, espichando viagem de semanas, só pra batizar os moleques. E João Carioca era o padrinho. Ele 63


era compadre de todo mundo e ainda hoje existe muito safado por estas bandas que é afilhado dele. Já lhe disse duas vezes, mas repito agora, pro senhor entender bem este caso que lhe conto. Mulher era coisa rara. Era prêmio. E Carioca sabia premiar. Todo novembro ele viajava pro Ceará, Fortaleza, no conforme do que ele dizia. E lá arranjava as mulheres. Depois foi que eu fiquei sabendo. Ele arranjava as decaídas na zona mesmo. Contratava, levava no médico, dava remédio se elas tinham alguma engaliqueira. Comprava roupa, comprava batom, ruge, remédio pra engordar, se a vagabunda era magra. Enfeitava toda a mulherada e trazia de navio pra Manaus e de lá pra cá, no barco dele mesmo. Já perto do Natal ele saia de viagem para visitar os seringais, um a um. Um barco imenso, todo pintado de branco, limpo que era uma beleza. Um magote de marinheiros, um comandante de carta e tudo, vestido com farda de galões azuis e dourados - um sujeito muito do seu metido a merda - e mais, pode acreditar, três taifeiros vestidos de branco, engomadinhos e com cara meio pro cá meio pro lá, que serviam pinga, cerveja preta, que eu nunca mais vi na minha vida, gelada num depósito de gelo, pedronas daquelas da fábrica do Plano Inclinado, e chá. Esse seu riso é que me dá gastura. Já não lhe disse que não sou homem de mentiras? É a pura verdade. Carioca tinha uma frescura de tomar chá todo dia, às cinco horas da tarde, sempre às cinco horas da tarde, nunca antes nem depois. Era, pelo que me consta, a única fraqueza que ele tinha. O senhor me desviou. O caso era que ele botava todo o mulherio dentro do barco e parava em cada porto. Parava, mandava chamar o seringueiro da localidade e o diabo do escrivão do lado, na mesa um livrão de capa dura, cheia de desenhos imitando couro. E ai, meu senhor, era a agonia do pobre do seringueiro, porque não havia astúcia. Estava tudo ali anotado. Era a hora do prêmio pelo trabalho que o cabra tinha feito como escravo, o ano todo. O sujeito esticava o olho pra ver quem saia de dentro dos camarotes, mas o negocio era bem ensaiado, a modo de pastorinha. Cada uma a sua vez. João Carioca perguntava, olhando dentro do olho do sujeito, a cara séria que não dava pra gente saber o que ele estava pensando deveras: Natálio? O escrivão respondia - duzentos quilos. João Carioca: Marlene! E saií uma velha batida, com falhas nos dentes ou com uma dentadura dessas que tem mais gengiva do que dente. Não tinha do que reclamar. Pra dizer a verdade, ninguém podia reclamar. Porque antes era pior. Carioca levava mulher, feia ou bonita, velha ou moça, mas sempre mulher. Antes dele, o patrão levava, mas era o umbigo de peixe-boi. Depois eu vou lhe mostrar uma marca que eu tenho aqui nas costas. Desculpe, já vejo pelo fogo dos seus olhos que me desviei. Conto, conto pelo fio da historia. João Carioca mandava; desmandava e tresmandava. Chegava no segundo porto e na frente do seringueiro do lugar perguntava: Nepomuceno? O escrivão em cima da bucha - quinhentos quilos. João Carioca - Luzia! Saía do camarote uma tetéia, uma coisa de fazer gosto, meu senhor, coisa de botar um seringueiro doido, depois de tanto jejum. 64


Era assim, primeiro e depois, e quanto mais mulher, mais borracha. Mas não pense que ele deixava as mulheres sem socorro. Duvido. Ficou com mulher era pra tratar bem, fosse velha ou fosse nova, feia ou bonita. E depois, quem era que não queria fêmea? E depois, quem era que não queria ser compadre de João Carioca? Foi assim até que isto aqui se encheu de mulher e de filhos de toda essa gente que ele juntou e, depois, quando foi nomeado Juiz de Paz, acabou casando pelo sério, com papel, aliança e tudo. A aliança ele dava, como presente de casamento. Aliança de ouro, não duvide e não faça essa cara de malícia. Ele também era padrinho. Mas, ai, João Carioca já estava parado na sede dos seringais, já não andava no fim do ano pro Ceará, já não engolia um garrafão de pinga e deixou até de tomar chá às cinco horas da tarde. Bebia lá a sua pinguinha, fumava lá os seus charutos, passava tardes deitado na espreguiçadeira lendo os jornais de Manaus e os livros, que ele tinha alguns. Não pense que mudou muito. Não, era sempre o poderoso, mandando e desmandando, e mais ainda tresmandando. Não era mais o vacal, mas ainda era o vaca-braba. Conto uma desses tempos. Todo mundo tinha de casar com ele, que era o Juiz de Paz. Os casamentos eram no sábado, à tarde e de todo canto chegavam as canoas enfeitadas com bandeirinhas de papel de seda colorido, as noivas de vestido branco, grinaldas e luvas, tudo branco. Os noivos de calva e camisa de punho, também tudo branco, e reclamando dos sapatos que apertavam os dedões de mangarataia. Num sábado chegaram muitos casais e vinham entre eles Daniel que a gente chamava de Amarelinho, porque era um sujeito enfezado, mirrado, um merdinha de nada, e o Pedrão, um negro do tamanho não sei do quê. Um homem que além de alto era uma anta feito gente, de tanta força. Quando chegou na vez deles, porque o escrivão, o mesmo que trabalhava há anos nas contas dos seringais, chamava os casais dois a dois, pra não dar muito trabalho, João Carioca, sentado na cadeirona de palhinha, atrás de uma mesa comprida e cheia de papeis, olhou, olhou, olhou, fez uma carona de raiva, ficou uns dois minutos caladão e explodiu, como era do feitio dele. Seo Daniel, disse bufando, o senhor não esta vendo que o senhor não aguenta essa mulher? Num mês ela lhe mata, seo Daniel. Depois olhou pro Pedrão. O negrão, um macho como poucos eu vi, quase ficou branco de medo. Seo Pedrão, Carioca falou com mais raiva ainda, o senhor não vê que essa menina não é prato pro senhor? Na primeira chibatada o senhor abre essa menina no meio, Seo Pedrão. Isto já é uma grande sem-vergonhice, é contra a lei de Deus. Ficou vermelho, pediu um copo de pinga, bebeu, tossiu, acendeu um charuto, depois olhou pros quatro ali na frente dele, todo mundo espiando, abestalhado. Carioca deu uma chupada no charuto, soprou a fumaça pra cima do escrivão e olhou os quatro, um a um, bem dentro dos olhos. Troca, gritou. Ninguém entendeu. Troca, berrou. É como vai dar certo e é pro bem de todo mundo. Não quero ver ninguém morrendo nestas bandas. E trocaram e deu certo. Não pense que conto potoca. Já lhe disse que não sou homem disso. Saia por ai por essas beiras perguntando. Todo mundo sabe da história, mas ninguém como eu. Boa noite, passe bem!

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