Caderno TGI II

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ARIANE PAERÓ D’ANDREA TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTEGRADO II

INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO CARLOS, 2013


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à atitude questionadora, que estimula formulações outras, para além do habitual.

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Agradeço, aos amigos, por dar mais leveza ao cotidiano. Aos pais, pelo amor sempre em prontidão. Aos professores, pela nova forma de olhar. E ao Gabriel, simplesmente por existir.


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INQUIETAÇÕES

“Os praticantes ordinários das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo, através da prática, vivência ou experiência dos espaços urbanos.” Corpografias Urbanas, Paola Berenstein.


CIDADE.CORPO.MOVIMENTO.ENTRE

Esse trabalho surge de um interesse pela metrópole contemporânea, pelas relações entre o espaço urbano e as pessoas e pelas formas de percepção que ele dispara. Assumindo o caminhar enquanto forma elementar de praticar e perceber a cidade, me interessa pensar na escala e na realidade dos gestos, as possibilidades, condicionamentos, restrições e potencialidades aos quais a experiência do corpo se liga a realidade urbana contemporânea. A partir dessa perspectiva, busco ler a cidade a partir daquilo que se move, seus fluxos e ritmos. Encontro, então, nos espaços entre possibilidades de superar a separação entre os espaços de movimento [vazios] e os espaços sedentários [cheios]. Entendendo o entre como um intervalo, um espaço de intermediação, ao mesmo tempo presente e ausente, onde passam a prevalecer as interseções, constituindo-se um campo fértil as apropriações livres e inusuais do espaço. Assim, ao contrário de estratégias de negação baseadas em impedimentos, falsos embelezamentos, esvaziamentos e inibições, o que procuro é a potencialização de um espaço-suporte.

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A região do Largo Santa Cecília aponta para uma série de situações de ambiguidade e tensionamento do espaço urbano. Por estar imediatamente na borda do núcleo central da cidade de São Paulo, apresenta características tanto de centralidade quanto de um bairro residencial, o que permite dizer que seja ao mesmo tempo um lugar de passagem e de permânencia.

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Os fluxos impulsionados pelos sistemas de mobilidade, como o metrô e o Terminal Amaral Gurgel, são bastante intensos e de ordem metropolitana. Fica evidente na forma como se ditribui o comércio que os os principais vetores desse fluxo são as ruas Ana Cintra, Dna. Veridiana e Palmeiras. Diferentemente das regiões mais centrais de São Paulo, onde ocorre um forte esvaziamento fora do horário comercial, essa parte da cidade ainda conserva um fluxo local significativo que ocupa os espaços públicos garantindo uma certa vida nas ruas. Além disso, a área é um ponto de intersecção entre os bairros de Higienópolis, Campos Elísios, Vila Buarque e o Centro Novo, o que faz dele um lugar bastante heterôgeneo. Misturam-se ali características dos bairros de classe média às dos bairros bastante degradados do centro. Assim, circulam e vivem por ali todo tipo de gente, trabalhadores, senhorinhas que vão à missa todos os dias, médicos e pacientes da Santa Casa, moradores de cortiços, artistas, vendedores ambulantes, estudantes do Mackenzie, moradores de rua, prostitutas etc. A a presença do Elevado na área contribui na existência dessa diversidade e acrescenta ainda uma série de desequilíbrios.


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«O elevado é uma duplicação. Uma via sobre a outra multiplicando a capacidade viária. Encravado entre prédios, é um alargamento para cima, um túnel no ar.» Candido Malta Campos

O ELEVADO E SUAS AMBIGUIDADES O Elevado opera um corte radical na paisagem, no tecido urbano e na própria continuidade dos traçados locais, constrói uma multiplicidade de camadas, mergulhando e emergindo. Assim, costuma ser apreendido de maneira fragmentada. Por cima, por baixo, ou como segmento de algo do qual não se vislumbra começo nem fim. Ele é caracterizado por uma série de ambigüidades, na forma de coexistências ou sobreposições, possibilitando interpretações que podem ter seus sinais invertidos dependendo de como se olha. A mais evidente delas é a maneira como resolve uma ligação na escala do território, enquanto estabelece uma forte descontinuidade com a localidade. Além disso, ele cria uma zona de sombras, um mundo semi-enterrado, em que térreos e primeiros andares se perdem num longo subsolo. Mas cria também, quando se está em cima, um espaço de certa maneira privilegiado para se olhar a cidade, um percurso em semi-suspensão, que nos permite uma outra apreensão do ambiente urbano. Representa o grau máximo de tudo que é incômodo, ofensivo e barulhento na vida dos paulistanos. Mas que, aos finais de semana, se torna um espaço público, uma praia urbana, de uso e apropriações intensas. A drástica desvalorização do entorno imediato, de um modo geral vista de forma negativa, acabou operando uma espécie de «gentrificação às avessas» ao “expulsar” a população local majoritariamente de classe média possibilitando a uma população de menor renda morar numa região do centro da cidade amplamente servida de serviços públicos, configurando um novo perfil e outro dinamismo para a região.

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OLHAR Ao assumir as camadas temporais e fluxos presentes na área como pré-existências para o projeto, faz-se necessário um olhar mais atento, e assim, perceber a infinitude de trajetórias, narrativas, ritmos e imagens que são construídos cotidianamente naquele lugar.


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CARTOGRAFIAS


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Cartografias são sempre imprecisas. Mesmo ao sobrepor distintas formas de ver o lugar, mostra apenas fragmentos de um mosaico incompleto. Histórias que se entrelaçam contando dias e noites particulares ou genéricos, fatos e dados inúteis ou inusitados, casos e coisas viscerais ou desnecessárias. Procuro então, a partir da impossibilidade de mostrar num mapa tudo sobre um lugar, propor pontos-de-vista sobre esse território.


circulação de veículos no elevado

apropriações temporárias

samba filhos da santa

circulação de pedrestres no elevado

comércio

feira livre de sta cecícilia

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RITMOS


A primeira situação que chama atenção aos ritmos desse lugar é exatamente a alternância entre fluxos de pedestres e veículos no Elevado. Em seguida, vai fazendo-se perceber a presença de outros tempos. Esses ritmos mostram a capacidade do lugar de se reconfigurar cotidianamente. Além dos «eventos previsíveis», que acontecem com uma frequência determinada, nota-se a presença de situações mais pontuais, efêmeras e esporádicas que também vem ocupar o espaço e modificá-lo, mesmo que por um curto espaço de tempo.

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colagens e construção de narrativas como parte das leituras da årea


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PELA JANELA «A janela é mesmo pra ter o lazer, ter um ventinho...quando eu to aqui pensando na vida, eu vejo o pessoal conversando debaixo do ponto do ônibus , debaixo do viaduto...olho os ônibus, na hora que sai, na hora que chega, quem entra, quem desce...é um passatempo meu...»

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*cena do documentário Elevado 3.5


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ESTAÇÃO STA. CECÍLIA Capacidade: 20.000 passageiros/hora/pico Área Construída: 10.680 m² Inauguração: 10/12/1983


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SUBSOLO «Eu não fui nenhum santo não viu, eu tenho pecados aí que não acaba mais nunca, mas Deus sabe que eu fui gente, Deus sabe que eu num tenho nada a pagar e sabe que inclusive eu hoje em dia to preferindo ir pro inferno, essa história de ir pro céu não é o meu ramo, eu quero ir pro inferno! Lá tem maconha, tem cocaína, fogo, cachaça, mulher, bacanal...O inferno não é muito mais divertido?»

*cena do documentário Elevado 3.5


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FEIRA-LIVRE Aos domingos, na R. Sebastião Pereira, das 7h às 13h metragem linear: 639 metros número de feirantes: 160

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AV. SÃO JOÃO, 250 No dia 27 de setembro de 1969, Luiz Solazzi comprou a Ótica Regina após ter sido funcionário por 15 anos. No dia 15 de novembro do mesmo ano, o Prefeito Paulo Maluf lança a pedra fundamental da construção do elevado.


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A NOIVA DO VENTO Felipe Morozini, fot贸grafo, 36 anos, registra o que v锚 da janela de seu apartamento


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RODA DE SAMBA Alô São Paulo Dá licença que eu quero sambar Aqui na rua, a luz da lua A batucada não pode parar Santa Cecília, é alegria Nossa família azul e branco é harmonia A gente samba A cidade se encanta Por que nos somos os Filhos da Santa A gente samba A cidade se encanta Por que nos somos os Filhos da Santa


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DESVIOS «Para a opressão de viver em apartamentos minúsculos existe uma saída. Uma rota de fuga. Ilegal, como toda rota de fuga. Em clara desobediência às normas de planejamento urbano abremse minúsculas, irregulares e irresponsáveis janelas que permitem que alguns milagrosos raios de luz iluminem a escuridão em que vivemos.»

*transcrição de trecho do filme «Medianeiras»


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COM VISTA PARA O MAR Vista do quinto andar de um edifício na esquina da Av. São João com a R. Helvétia, em que o Elevado praticamente entra pela janela.

*cena do documentário Elevado 3.5


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ROLINHAS x POMBAS Desde que me aposentei venho dar comida pra elas todo dia, três vezes por dia, às 6h às 13h e às 18h... mas a comida é só para as rolinhas.


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“Na realidade, diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção do tipo totalmente diverso, qualificada como ‘consumo’, que tem como característica suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas ‘piratarias’, sua clandestinidade, seu murmúrio incansável, em suma, uma quase invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios (onde teria o seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos.” (CERTEAU, 2007) Certeau acredita que, por meio das práticas cotidianas, é possível que se reinvente o real, valendose de formas de apropriação e subversão do que é “oferecido”. Assim, nas maneiras de fazer, de consumir, de narrar, construir, dançar, entre outros, existe um potencial de subversão a ser explorado. Com essa perspectiva, os usuários do espaço urbano ganham força propositiva e suas operações táticas possibilitam uma resistência frente às estruturas.

AÇÕES PROJETUAIS ENQUANTO AÇÕES TÁTICAS O projeto não busca acrescentar nessa área repleta de construções fragmentárias e intensa circulação de pessoas e veículos um novo objeto arquitetônico que pretenda unidade e completude em oposição ao caos circundante. A estratégia do projeto não é amenizar o caos de seu entorno, mas extrair daí sua forma de expressão.

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1.CORTES Com a intensão de criar uma outra lógica de circulação pela cidade, que não aquela definida pelos cheios das quadras e vazios das ruas, são realizadas operações de subtração, como cortes, escavações e infiltrações, abrindo-se fendas entre e através alguns edifícios, de modo que por essas novas frestas e clareiras surjam passagens e intervalos para que outras possibilidades de apropriação do espaço possam emergir. Essas operações tensionam a relação entre dentro e fora, aberto e fechado, revelando e colocando em destaque relações entre o vazio e o edificado antes não vistas. A proposição desses fluxos vem também subverter o forte eixo imposto pelo Elevado, de forma a criar um número maior de pontos de contato e possibilidade de entrelaçamento entre as dinâmicas e camadas do lugar.


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imagem de referĂŞncia Building Cuts. Matta-Clark, G.


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perfurações.escavações.infiltrações

1. _demolição de estacionamento – criação de ligação entre a R. Frederico Steidel e a Av. São João; _abertura da rua sem saída – possibilitando um novo acesso ao terminal Amaral Gurgel; _abertura de área atualmente cercada junto à entrada do terminal; _escavação de passagem subterrânea para criação de nova saída da estação de metrô; 2. _demolição de mecânica de automóveis lcalizada na fenda entre duas empenas cegas; _abertura de terreno desocupado, atualmente murado, na esquina da R. Ana Cintra _demolição de pequeno galpão comercial - criação de acesso à R. das Palmeiras e Lgo. Sta. Cecília; 3. _demolição de estacionamento na esquina da Av. São João com a Rua Helvétia; _abertura de passagem através do térreo do edifício do antigo Hotel Lord, atualmente ocupado pela FLM.


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invasões Alguns edifícios tiveram seus primeiros pavimentos, antes desocupados, abertos, possibilitanto novas relações entre espaços e programas.


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2.EMBARALHAMENTOS As adições não vem com o intuito para preencher os vazios criados ou as brechas existentes, saturando-as de significados, mas sim se configurar como espaços-suporte.


imagem de referĂŞncia Bridge City. Tschumi, B.

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nível do elevado nível do solo nivél do metrô

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nível do elevado nível do solo nivél do metrô


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SUPERFÍCIES ESTÁTICAS superfícies ocupáveis que assumem a forma de extensões, coberturas, estares e passagens


painel LP OSB + placa cimentĂ­cia

piso grade eletrofundida

painel piso 2,5m x 1,25m

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CONECTORES dispositivos de movimento: escadas, rampas, elevadores e passarelas elevadas


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painel pivotante e deslizante 76

NÚCLEOS PROGRAMÁTICOS locais para programas de caráter mais contínuo, que ajudam a potencializar e dinamizar os espaços entre


chapa metรกlica

grade metรกlica eletrofundida

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PROGRAMAS 78

A idéia para o núcleos é explorar novos tipos de ocupação, como espaços de co-working para coletivos de arte, ateliers-loja, cafés, galerias, grupos de teatro, entre outros, de forma a promover a partilha de recursos e idéias, a gerar novas formas de cooperação. A escolha dos ocupantes temporários se daria através de um call for projects e os períodos de permanência poderia variar dependendo dos tipos de projetos. Esses espaços não pretendem ser espaços fechados em si, funcionariam mais como bases de apoio para atividades que poderiam se expandir para os espaços públicos.


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SUPERFÍCIES DINÂMICAS painéis móveis fixados nos pilares da própria estrutura que podem ser reorganizados para conformar diferentes espaços para diferentes usos, assumindo a forma de bancos, mesas, balcões, plataformas, etc...


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«Os fenômenos Post-It City conferem relevo à realidade do território urbano como lugar onde, de forma legítima, se sobrepõem distintos usos e situações, em oposição às crescentes pressões para homogeneizar o espaço público. Frente aos ideais da cidade como lugar de consenso e de consumo, as ocupações temporais do espaço resgatam o valor de uso, desvelam distintas necessidades e carências que afetam a determinados coletivos e, inclusive, potencializam a criatividade e o imaginário subjetivo.» PERÁN, Marti

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3.CONTAMINAÇÕES A intenção do projeto é promover a interação entre o definido e o não-definido, o desenho e o não-desenho, o permanente e o efêmero, e pelo estabelecimento de tensões entre ambiências urbanas e programas, entre vazios e fluxos, criar condições para eventos poderem surgir, ou intensificar-se.


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imagem de referência Calçada. Mano, R.


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Ao borrar os limites e romper com certas lógicas que compartimentam o espaço urbano, pode-se ocupar a cidade de uma forma mais fluída, com eventos ou programas que se cruzem, se extendam, percorram e invadam os espaços, situações que a forma urbana tradicional possibilita muito pouco.


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