Nยบ 01 - Dezembro de 2013
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Editorial
É com enorme satisfação que disponibilizamos aos pais e à toda a comunidade da escola esta publicação virtual, que há muito desejávamos concretizar. Trata-se de textos de alguns professores da equipe que relatam e refletem sobre algum trabalho ou assunto importante do seu cotidiano escolar. Nesta 1ª edição temos dois artigos que resumem trabalhos finais de Mestrado/UFRGS e de Especialização em Alfabetização/FAPA, respectivamente, das professoras Jaqueline Barbieri Pieretti (4º ano) - A relação entre adultos e crianças: o papel da autoridade e a construção da autonomia – e Jéssica M. Nogueira da Silva – Ludicidade nos anos iniciais -, além de relatos de trabalhos desenvolvidos em sala de aula das professoras Marina Uchôa Barcelos Carlos (Grupo 1) e Joice Silva da Silva (Grupo 5), sobre a escrita na educação infantil, Ana Carolina Rysdyk da Silva e Caliana Pauline Zellmann (1º ano), sobre o projeto de leitura e escrita de poemas, e Michele Hoeveler (5° ano), sobre o projeto de escrita de narrativas de horror. Os relatos ficaram centrados em trabalhos de escrita tendo em vista ter sido este um dos estudos do ano em nossas reuniões semanais, que tinha como objetivo retomar diretrizes e intervenções didáticas para essa área com toda a equipe, bem como preparar a reunião de pais de novembro, que já tinha esse assunto definido como foco. Acreditamos que a escrita do professor é uma atividade essencial para que ele reflita e se aproprie, cada vez mais, do trabalho que realiza no seu dia a dia com os alunos, aprimorando esse trabalho e avançando profissionalmente. Assim, estes textos que aqui apresentamos já cumpriram um papel importante na formação desses professores que se dispuseram e tiveram oportunidade de colaborar. Esperamos que, a partir de agora, eles passem a cumprir com seu objetivo de esclarecer nossa comunidade sobre o trabalho realizado com os alunos, contribuindo para que tenhamos uma parceria cada vez mais afinada.
Boa leitura! E até a próxima publicação no ano que vem! Beth Baldi – diretora pedagógica
P.S. – Manifestações sobre os textos e sobre os trabalhos relatados, trazendo perguntas, questionamentos e/ou sugestões serão sempre bem-vindas e podem ser enviadas para bethescolaprojeto@terra.com.br. FICHA TÉCNICA Capa: Desenho da aluna Maria Clara da turma 11 e foto do pátio - Unidade 1 Coordenação editorial e Editorial: Beth Baldi Projeto gráfico e arte: Elisa Moog Ilustrações: fotografias tiradas por professores, alunos, monitores e estagiárias sobre atividades da escola Endereços: escolaprojeto@terra.com.br Unidade 1: Rua Cel Paulino Teixeira, 394 Fone: (51) 3331-7384 www.escolaprojeto.com Unidade 2: Av. José Bonifácio, 581 Fone: (51) 3333-4154
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A relação entre adultos e crianças: o papel da autoridade e a construção da autonomia Jaqueline Barbieri Pieretti - 4º ano
Muitos de nós, pais e professores, já nos deparamos com dúvidas em relação às situações de disciplina, regras, negociações e limites com as crianças. Pesquisas na área da Educação Moral explicitam dificuldades nas relações familiares e escolares relacionadas ao papel de autoridade do adulto, às relações de respeito e aos limites na educação. Para os professores, o conhecimento de alguns estudos da Psicologia Moral pode qualificar as intervenções e as relações com os alunos, bem como com as famílias, através da escola. Neste artigo apresentarei reflexões realizadas no meu cotidiano docente sobre o tema, relacionadas à minha pesquisa de mestrado, concluída neste ano de 2013, pela UFRGS, e intitulada Respeito e docência: um estudo de Epistemologia Genética com professores do Ensino Fundamental. Paralelamente ao processo de desenvolvimento cognitivo há o desenvolvimento moral. Progressivamente, a criança aprende a se relacionar com outros, superando o egocentrismo infantil. O conhecimento cognitivo é condição prévia para o desenvolvimento moral das crianças, ou seja, para compreender as regras e relações sociais será necessário que a criança esteja em um estádio de desenvolvimento que possibilite tais relações. Portanto, não podemos esperar, muito menos exigir, atitudes extremamente altruístas e moralmente responsáveis de crianças pequenas. Por outro lado, somos nós, adultos, os responsáveis por incluir a criança no mundo social, e, para isso, devemos orientá-las em cada situação, já que o conhecimento cognitivo, apesar de ser necessário, não é suficiente para o desenvolvimento moral. Se o meio e os adultos com os quais a criança se relaciona não propiciam o processo de descentração, oposto ao egocentrismo infantil, a criança poderá estar em um estágio cognitivo avançado, porém, menos desenvolvida moralmente. Através de observações e da análise de jogos infantis, Piaget (1994) realizou um estudo sobre a construção da regra pela criança e constatou etapas que caracterizam o desenvolvimento moral infantil. Na primeira etapa do desenvolvimento moral a criança não reconhece a regra, sendo necessária a imposição do adulto para que a respeite. Ou seja, o sentimento de obrigatoriedade que leva a criança a cumprir a regra depende
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de imposição externa: ela não fará porque acha importante para o consenso coletivo, mas devido à relação com o adulto, ao medo ou à admiração que sente por ele. Neste caso, a regra é considerada, pela criança, como uma lei divina, que não pode ser questionada. Conforme se desenvolve moralmente, a concepção da criança sobre a regra muda: ela passa a considerar seu caráter coletivo, ou seja, constrói a noção de que para a convivência em grupo a existência das regras é fundamental. Nesta etapa, a criança poderá construir sua autonomia moral, pois o cumprimento da regra passa a depender, progressivamente, do seu compromisso moral com o outro, e não mais da imposição do adulto. Pensando na relação com o desenvolvimento cognitivo percebemos que a criança parte de um pensamento mais egocêntrico e, conforme se desenvolve, estabelece a relação com o outro através da simbolização, da linguagem, do sentimento de justiça, aprendendo cada vez mais a conviver em grupo, descentrando seu pensamento e se colocando no lugar dos outros. Apesar desta progressão comum no desenvolvimento moral infantil, a relação com os adultos e a convivência social são determinantes para que a criança se desenvolva de fato e atinja a meta do pensamento moral: a autonomia. Como a criança poderá reconhecer e respeitar a regra se nem ao menos a conhece, ou se em seu meio não há justiça social, se as regras não são respeitadas? Como adultos e autoridades, devemos contribuir com a construção da regra pelas crianças. Se quisermos que elas construam a autonomia moral, ou seja, que ajam moralmente sem depender da imposição do adulto, temos de saber que até a autonomia ser construída a nossa autoridade será necessária. Exercer a autoridade atualmente, tanto como professor quanto como familiar, é uma tarefa complexa, principalmente porque estamos vivendo um momento peculiar da educação moral, no qual a crítica ao modelo autoritário de educação, que é legítima, nos direciona a outro extremo: à permissividade sem limites, na qual, quem muitas vezes assume uma posição autoritária é a criança, que impõe egocentricamente suas vontades. Estamos certos ao negar o modelo autoritário de educação, pois pretendemos que as crianças construam a consciência moral, que tenham opinião, que não sejam governadas por outros. Para tanto, é importante oportunizar que reflitam e compreendam os princípios das regras, que saibam sobre a necessidade de cada uma para o convívio em grupo e para o bem-estar de todos. Não pretendemos que as crianças respeitem a regra apenas pela obediência que têm aos adultos, mas que a respeitem entendendo o sentido de cada uma. La Taille (2008) explica que os limites não devem apenas separar o permitido do proibido, mas devem ser uma fronteira a ser transposta, no sentido da excelência, da maturidade. Para o autor, o sujeito que respeita as regras consciente-
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mente, acima de tudo respeita a si mesmo, constrói sua auto-imagem positiva, sua dignidade. Implicar as crianças no processo de elaboração das regras é um caminho eficiente para a construção da autonomia. Porém, algumas regras e limites devem ser necessariamente definidos pelos pais e professores, pois são estes os responsáveis pela educação, saúde e segurança das crianças, que ainda não se desenvolveram, cognitiva e moralmente, para decidir seus limites sozinhos. Como afirma Outeiral (2011, p.76), educar é ocupar o lugar de adulto: “O adulto assume responsabilidades, cuida e protege, serve de exemplo e estabelece limites para que as crianças e adolescentes possam se desenvolver sadiamente”. Como podemos exercer nossa autoridade e contribuir com a construção da autonomia moral das crianças? Andrade (2008), ao dissertar sobre a autoridade docente, diferencia duas figuras de autoridade, a instituída através da imposição e a construída que advém de uma relação de reciprocidade em que o aluno legitima a autoridade do professor, reconhecendo-o como referência. Quando constroem uma relação de respeito recíproco, o professor e o aluno têm consciência do papel de cada um, seus direitos e responsabilidades. Para construir o papel de autoridade através do respeito recíproco devemos orientar nossas ações por princípios morais e éticos, agindo como modelo moral. A reciprocidade é construída quando agimos com respeito, mas também quando exigimos que as crianças ajam com respeito, sem nos omitirmos diante de atos desrespeitosos. E, acima de tudo, estabelecendo limites, para que as crianças aprendam a conviver em sociedade. Freire (2011, p.90) diferencia a posição autoritária e a posição licenciosa do democrata, que exerce sua autoridade com sabedoria “O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico”. Referências: ANDRADE, Jakeline Alencar. Ética docente: estudo sobre o juízo moral do professor. Porto Alegre: 2008. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 2008. OUTEIRAL, José. Afinal, o que é ser adulto? In: CEREZER, Cleon e OUTEIRAL, José. Autoridade e Mal-estar do Educador. São Paulo: Zagodoni, 2011. PIAGET, Jean. [1932]. O juízo moral na criança. 3. ed. São Paulo: Summus, 1994.
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A escrita das vivências infantis Marina Uchôa Barcelos Carlos - Grupo 1 e Joice Silva da Silva - Grupo 5
No presente artigo abordamos um dos eixos de trabalho desenvolvido na educação infantil da Escola Projeto em relação à escrita, com exemplos de propostas que acontecem nos Grupos 1 e 5 (1º e último dessa etapa da escolaridade). São os chamados registros, que acontecem em diferentes momentos do cotidiano escolar e envolvem muitas temáticas, conforme os projetos das diferentes áreas. Mas este trabalho não poderia acontecer sem uma proposta paralela e muito bem sustentada de leitura, já que esta apoia e auxilia o trabalho da escrita, uma significando e dando suporte à outra. “Escrita e leitura são duas capacidades ou habilidades que andam juntas, numa interface constante (mesmo quando a proposta é de escrita, ela implica a realização de muitas leituras, e vice-versa), uma apoiando e auxiliando a outra, tanto na construção como no desenvolvimento mútuo”. (BALDI, Elizabeth, pág. 12) A leitura, especialmente a literária, emociona e promove fruição, traz informações, amplia o repertório de gêneros conhecidos e auxilia na ampliação da linguagem, oportunizando a apropriação da linguagem escrita antes mesmo da criança estar alfabetizada, desenvolvendo a criatividade e o pensamento crítico. Assim, valorizamos muito a utilização de suportes escritos e principalmente a interação com os livros. Ao longo de cada ano da escolaridade, uma gama variada de títulos é lida, contada e recontada, para os grupos, através de diferentes modalidades de leitura (1). A partir dessa ideia de se trabalhar com os dois processos juntos, o contato com a leitura e com as propostas de escrita também é oportunizado desde o Grupo 1 (1 ano de idade), com a ideia de aproximar as crianças, gradativamente, do mundo letrado. Para isso a professora busca incentivar a atenção e motivar o interesse dos alunos para esse universo da escrita, tanto através da leitura de histórias e outros escritos que circulam pela sala, como também apresentando o livrão de registros do grupo e iniciando o trabalho com ele. A professora apresenta na roda um livro grande (papel A3), com número de páginas suficiente para o ano, que contemple as atividades a serem propostas, e diz para que o livro irá servir (para registrarmos fatos e atividades legais da nossa turma, os quais poderemos lembrar depois, até quando formos maiores, e mostrar aos pais). O trabalho é, então, iniciado com a escrita do nome de cada integrante do grupo pela professora e, depois, pelos alunos em um lugar próximo ao nome escrito pelo adulto.
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No Grupo 5 (crianças com 5 anos), após a preparação do livro, a professora pede ajuda das crianças para enfeitarem a capa, retoma com elas o porque de usar o livro, em quais momentos e como eles devem ocorrer. O trabalho, então, inicia com a professora registrando o que as crianças falam sobre suas expectativas para o ano e o que acreditam que irão aprender.
Escrita espontânea Grupo 1
“A criança é desde cedo capaz de construir conhecimento sobre tudo com que interage, especialmente com o que desafia. Desse modo, também a produção de textos pode começar ainda antes de ela ser alfabetizada, se a colocarmos numa posição de quem tem o que dizer e sabe como fazê-lo. Ela pode ditar textos a serem escritos por um adulto ou criança maior, como também pode escrevê-los, dependendo do objetivo da proposta”. (BALDI, Elizabeth, pág. 11, 2012).
Escrita espontânea Grupo 5
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No livrão, em qualquer dos grupos, fazemos registros com escritas e desenhos abordando diferentes temas, como momentos significativos e atividades especiais na escola, datas comemorativas, encontros com convidados ou com outras turmas, opiniões individuais e coletivas, canções, brincadeiras, histórias e personagens de que mais gostamos, situações matemáticas sobre as quais discutimos coletivamente, receitas culinárias, de tintas ou de massinhas, descobertas referentes a estudos realizados etc. Com isso buscamos que as crianças percebam gradativamente a função social da escrita e que vejam esse momento como importante e próprio do grupo, de suas ideias e aprendizagens.
“O desafio é promover a descoberta e a utilização da escrita como instrumento de reflexão sobre o próprio pensamento, como recurso insubstituível para organizar e reorganizar o próprio conhecimento, em vez de manter os alunos na crença de que a escrita é somente um meio para reproduzir passivamente, ou para resumir - mas sem interpretar - o pensamento de outros”. (LERNER,2005) Conforme o jeito de encaminhar a escrita e o tipo de intervenção que fazemos, podemos situar os seguintes tipos: 1. Escritas Espontâneas: escritas realizadas pelas crianças de forma mais livre, em que elas colocam em jogo suas concepções (não há certo ou errado), sem a interferência do adulto; 2. Escritas Dirigidas: escritas em que o professor intervém, questionando a criança, lembrando-a, auxiliando-a a estabelecer alguma relação, buscando que a criança pense mais sobre a escrita (relação sons e caracteres, letras iniciais, letras conhecidas);
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3. Escritas Coletivas: a professora é a escriba nesse momento e as crianças ditam a ela o que desejam escrever; todas têm oportunidade e são incentivadas a contribuir com o registro do grupo. Além das intervenções referentes ao conteúdo da escrita que está sendo realizada (retomando o que já escreveram para ver como devem continuar, por exemplo, ou propondo substituições de palavras para evitar repetições), a professora, em alguns momentos, questiona as crianças sobre a grafia mesmo, oportunizando que opinem e contribuam com seus conhecimentos sobre alguma palavra ou letra. Esses três diferentes tipos de escrita são utilizados sozinhos ou mesclados nos vários registros de atividades ou opiniões propostos, de modo que ora a professora escreve e as crianças participam elaborando as ideias, ora as próprias crianças escrevem, com ou sem intervenção direta da professora, e ainda, em algumas outras situações, ambas as formas se mesclam num mesmo registro. Nos registros de opiniões, por exemplo, costumam aparecer falas das crianças colocadas entre aspas pela professora, completadas ou ilustradas por desenhos dos alunos. Além dessa dimensão relativa à forma como se intervém na escrita, podemos situar diferentes tipos de textos que se trabalha através desse livrão de registros considerando seu gênero: as listas, os relatos propriamente ditos, que envolvem narrativas de acontecimentos, os textos instrucionais (receitas, brincadeiras e jogos), as canções, quadrinhas ou poemas, as legendas de fotos ou desenhos etc., cada um com uma estrutura ou formato próprios.
Reconto coletivo do Grupo 1B
Assim, desenvolvemos sistematicamente, ao longo do ano, diferentes escritas nesse livrão, acreditando que quanto mais diversificadas e desafiantes são as experiências, maior facilidade terão nossos alunos para se apropriar da ideia de escrita como parte importante da comunicação entre as pessoas e de seus variados usos, ampliando e validando suas concepções, bem como construindo novas e evoluindo (2). As rodas de escrita são um momento de convite a experimentações, à produção de falas que expressem sentimentos próprios, impressões e questionamentos, a partir do trabalho do educador como mediador e instigador para que os alunos adquiram, construam, transformem e afirmem seus variados conhecimentos. As crianças percebem que essa escrita é realizada com alguma finalidade (o registro da história e das vivências do grupo) e para alguém (um leitor real), que são eles próprios e seus pais. A ideia é que o registro auxilie, de fato, a que a turma possa guardar informações em sua memória sobre o que viveram e o que aprenderam, e que, através dele, possam lembrar o que esqueceram, retomar dúvidas e concepções, viver, afirmar, avaliar o que já foi realizado e ajudar a construir algo novo.
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Nesse sentido, os registros escritos com ou pelas crianças são de suma importância na construção de significados, já que são capazes de retomar o vivido, proporcionando outro olhar sobre ele, a partir de um envolvimento de todos - professor e alunos -, num diálogo que resignifica as experiências comuns. E é por causa dessa relação de parceria, trocas e intervenções que eles se tornam particularmente ricos para o trabalho com a escrita nessa etapa da escolaridade, possibilitando viver a escrita como prática de linguagem (nesse caso guardando as memórias do grupo de situações reais vividas no cotidiano escolar), resultante de um processo de observação, conversas e discussões, que validam os mesmos. Para esse trabalho acreditamos ser fundamental um olhar muito atento do educador, que seja capaz de ver seus alunos no grupo e também de maneira individual, de potencializar suas aprendizagens e de confrontar dúvidas e conceitos prévios, a fim de que eles próprios vão se tornando capazes de se desafiar, mostrando-se mais autônomos e críticos no processo de aprendizagem da linguagem escrita. Notas:
(1) As modalidades de leitura trabalhadas simultaneamente em todos os grupos da escola são: leitura na biblioteca, unidade de leitura (ou leitura mediada), leitura socializada e, nos grupos finais do infantil, também a leitura individualizada. Para conhecer melhor como se caracteriza cada uma ver o livro Leitura nas séries iniciais – uma proposta de formação de leitores de literatura, de Elizabeth Baldi, Ed. Projeto, 2012. (2) Além deste eixo de trabalho que descrevemos neste artigo, outros são paralelamente desenvolvidos através de projetos específicos para diferentes momentos da educação infantil, como: escrita do nome próprio, exploração e construção do alfabeto, tesouro das palavras, escrita de quadrinhas e de legendas de fotos, livro do nome próprio, livros de registros de estudos e listas de brinquedos e brincadeiras, entre outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALDI, Elizabeth. Escrita nas séries iniciais. Porto Alegre: Projeto, 2012. LERNER, Delia. Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2005. WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro - uma parceria entre professor, alunos e conhecimento. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
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Ludicidade nos anos iniciais:
um olhar diferenciado que visa o acolhimento e prioriza o respeito ao ser infantil no processo de aprendizagem da leitura e da escrita Jéssica M. Nogueira da Silva
“Em lugar de uma concepção de treinamento, propomos um ensino que permita aos alunos tratar as palavras como objetos com os quais se pode brincar e, de forma menos ritualística, aprender” (BRASIL, 2009, p. 16).
Introdução O presente artigo busca apresentar o início do ensino fundamental como um momento marcante, que deve ser motivador. Para que isso ocorra, sugerese o uso de atividades lúdicas, envolvendo o brincar, além de relacioná-las com a literatura e o processo de alfabetização, unido ao letramento. Dessa forma, buscando um olhar atento e mais específico à aprendizagem da leitura e da escrita nos anos iniciais, aliada à ludicidade, o presente artigo reflete sobre como professores e instituições podem promover um ambiente acolhedor aos seus alunos, respeitando-os cognitiva e socialmente em suas atividades escolares. Segundo Maciel, Baptista e Monteiro “o direito de ter acesso ao mundo da linguagem escrita e dele se apropriar não pode descuidar-se do direito de ser criança, e há muitas maneiras de se respeitarem ambos os direitos” (2009, p. 23). Sobre estas maneiras, poderemos observar e refletir ao longo deste texto. Além disso, apresenta como as estratégias que se utilizam do brincar podem ser uma importante possibilidade para que os alunos de seis anos permaneçam interessados na escola, tendo, assim, sua infância e fases de desenvolvimento respeitadas. Mostra também de que forma as estratégias pedagógicas e lúdicas favorecem no processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Por fim, apresentam-se algumas ideias significativas de atividades que podem ser utilizadas, visando o desenvolvimento socioafetivo e intelectual dos estudantes e também a relevância de um ambiente alfabetizador.
Acolhimento e entrada na escola: da recepção ao interesse (ou falta dele) Quando as crianças chegam à escola, em seu primeiro ano, percebem imediatamente o ambiente. Tudo é novidade: seu funcionamento, a organização, as regras estipuladas que devem ser mantidas e as pessoas envolvidas. Todo este novo precisa ser apresentado e trazido para o cotidiano dos alunos. Percebemos que além da aprendizagem de conteúdos escolares, é preciso trabalhar também as normas e o funcionamento da instituição que representa a sociedade.
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Com tanto a aprender e, ao mesmo tempo, tanta vontade de imaginar, criar e brincar, as crianças acabam envoltas em um excesso de informações e precisam organizá-las para que consigam avançar. Pensando nisso, propostas que trazem o cotidiano infantil, que envolvam o pessoal e o coletivo, que interessem e façam com que o aprender seja leve e construtivo, podem fazer toda a diferença entre o frequentar a escola e o desejo de fazer parte dela, sendo agente de seu próprio conhecimento.
Conforme Maciel, Baptista e Monteiro (2009, p. 22): “As contribuições de Vygotsky (2000) reforçam a importância da atividade lúdica para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Para este autor, essa atividade não é importante por ser uma atividade prazerosa, mas, sim, por preencher necessidades fundamentais da criança, tais como: permitir que resolva o impasse entre o seu desejo e a impossibilidade de satisfazê-lo imediatamente, exigir o cumprimento de regras, permitir certo distanciamento entre a percepção imediata dos objetos e a ação. Além dessas necessidades fundamentais, interessa-nos destacar que, segundo Vygostsky (2000), o jogo cria o que ele denomina de “zona de desenvolvimento próximo”. Ao brincar, a criança cria uma situação imaginária, experimenta um nível acima da sua idade cronológica, da sua conduta diária, extrapolando suas capacidades imediatas.”
Desta maneira, começamos a compreender a relevância dos momentos de jogos e sua necessidade dentro do espaço escolar como objeto que proporciona avanços importantes de desenvolvimento. Quando a escola, professores, ambiente e família estabelecem uma parceria produtiva, trabalhando para que o aluno possa ser respeitado, valorizado e estimulado, este guarda para si, em seu íntimo, sentimentos de conquista, determinação e interesse. Contudo, quando a criança não é valorizada, é deixada à parte de seu próprio processo, acaba por desinteressar-se, pois não vivencia de forma plena as possibilidades, pois estas não são disponibilizadas. Dessa forma, muitas crianças acabam por ir à escola sem motivação, frequentando apenas devido a obrigação de “estar”. Se os alunos tiverem a oportunidade de aproximar suas vivências com a instituição, envolvendo-se em atividades lúdicas e contextualizadas, poderão ressignificar seus conhecimentos e aplicá-los em suas vidas, ampliando, assim, seus horizontes e possibilidades de crescimento. O papel do professor torna-se essencial na receptividade, construindo um vínculo com as crianças. Além de o professor ser a referência adulta, ele também é o modelo daquilo que será feito e conduzido em sala de aula, tanto de maneira positiva, com respeito e igualdade, quanto de maneira negativa, através de autoritarismo e simples passagem de regras de conduta. Contudo, não podemos nos ater apenas na receptividade. É claro que ela é de grande importância e deve ser levada muito em conta, mas devemos
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também refletir sobre as propostas e modos de interação durante todo o ano letivo, sem esquecer que estes devem ser envolventes. O envolvimento começa no início do ano, na constituição do grupo, e deve permanecer durante todo o processo. Nada melhor do que atividades que consigam compreender e respeitar o desenvolvimento amplo da criança. As diferentes inteligências devem ser levadas em conta, tornando as experiências mais significativas e adequadas às demandas de turmas heterogêneas, com as quais trabalhamos atualmente. Essa diversidade de crianças e de propostas tende a enriquecer o repertório e aprimorar as aprendizagens construídas. Contudo, não se pode esquecer que os alunos são crianças pequenas, que precisam de espaço e principalmente de tempo para se desenvolver.
O lúdico e seu espaço nas instituições escolares
Mostra-se imprescindível a permanência da ludicidade no âmbito escolar, pois, dessa forma, as elaborações mentais infantis poderão ser estimuladas e aprimoradas, não apenas com conteúdos escolares, mas com uma base psicológica, mental, lógica e criativa. Todavia, a valorização desses momentos não ocorre na maioria das instituições. Se a brincadeira está diretamente ligada à aprendizagem, mostra-se mais do que necessário, ou seja, essencial, manter este espaço de livre criação dentro das escolas, visto como algo a ser valorizado e mantido, mesmo frente às crescentes demandas conteudistas que tendem a agregar superficialmente, hipóteses diversas, mas que não aprimoram o fazer social, o viver em coletivo, ampliando constantemente, dessa forma, o individualismo. Por isso, percebemos que: “... os jogos são práticas culturais que se inserem no cotidiano das sociedades em diferentes partes do mundo e em diferentes épocas da vida das pessoas. [...] Ao falarmos que os jogos estão presentes em diferentes épocas da vida das pessoas estamos evidenciando o quanto eles participam da construção das personalidades e interferem nos próprios modos de aprendizagem humanos.” (BRASIL, 2009, p. 9) Não devemos perder, com o passar dos anos, o brincar, pois ele apenas modifica-se com a maturação, mas é muito necessário para o crescimento individual, para que possamos nos tornar seres pensantes e sociais. Portanto, professores de qualquer área ou idade necessitam aprimorar-se e estarem conscientes do valor da ludicidade em qualquer idade ou área de conhecimento. Para isso, são necessárias práticas envolventes nas diversas salas de aula que possuímos, engajando os alunos nas atividades e proporcionando momentos ricos de aprendizagem significativa. Em vista disso, a seguir, citam-se algumas propostas que podem servir de referências para a elaboração de planejamentos diferenciados, interessantes e que promovem a troca de conhecimentos.
Algumas propostas envolventes Quando pensamos em envolvimento e interesse nas atividades escolares basta apenas observarmos a postura das crianças no momento de uma leitura
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de história. Não estamos falando apenas de uma história qualquer, daquelas que podemos encontrar em cartilhas ou livros didáticos, mas de histórias literárias. Nestas situações as crianças ficam estarrecidas e envolvidas profundamente naquilo que está sendo lido. Assim, vislumbramos a possibilidade de promover o interesse e o envolvimento dos alunos nos anos iniciais, mantendo seu desejo de aprender, além de aprimorar constantemente sua linguagem. Para atender às demandas apresentadas: “... o desafio é formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que possam “decifrar” o sistema de escrita. É formar leitores que saberão escolher o material escrito adequado para buscar a solução de problemas que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto selecionado por outro. É formar seres humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explícita ou implicitamente, pelos autores dos textos com os quais interagem, em vez de persistir em formar indivíduos dependentes da letra do texto e da autoridade de outros.” (LERNER, 2002, p. 27-28) Somente quando as instituições escolares conseguirem realizar esta tarefa de alfabetizar-letrando, é que poderemos nos considerar uma nação repleta de pessoas capacitadas para enfrentar todo o tipo de demanda, de maneira adequada. Sendo assim, o trabalho com as crianças, enfatizando o alfabetizarletrando, através de recursos e de estratégias atraentes e significativas, desde cedo, é de fundamental importância para o sucesso do processo. Não podemos esquecer do valor da infância e do brincar, “atropelando” processos e pensando apenas em um futuro distante. Queimar etapas para ir mais rápido no processo poderá deixar lacunas no desenvolvimento infantil, especialmente em uma fase de grande desenvolvimento. Para isso, é preciso permitir: “... que os alunos possam refletir sobre o sistema de escrita, sem, necessariamente, serem obrigados a realizar treinos enfadonhos e sem sentido. Nos momentos de jogo as crianças mobilizam saberes acerca da lógica de funcionamento da escrita, consolidando aprendizagens já realizadas ou se apropriando de novos conhecimentos nessa área. Brincando, elas podem compreender os princípios de funcionamento do sistema alfabético e podem socializar seus saberes com os colegas.” (BRASIL, 2009, p. 13) Com as trocas e interações, com a possibilidade de divertir-se pensando, o jogo será um grande aliado. “No entanto, é preciso estar atento para o fato de que nem tudo se aprende e se consolida durante a brincadeira. É preciso criar situações em que os alunos possam sistematizar aprendizagens” (BRASIL, 2009, p. 14). Fica claro, dessa forma, o importante papel do educador. Jogar por jogar é divertido, mas, na escola, quando o propósito é o alfabetizar, é preciso
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ir além, pensando sobre, jogando novamente, reinventando, discutindo, para que, assim, os avanços se tornem significativos. Pensando em atividades que possam ser realmente interessantes e envolventes para os alunos, é possível destacar um trabalho realizado citado por BALDI, 2012, p. 41, que envolve práticas comuns de todas as crianças, que são as brincadeiras, com propostas de leitura e escrita. As atividades consistem no projeto de construção de um manual de jogos e brincadeiras. “Este projeto está integrado ao projeto de socialização da série, que visa, no primeiro momento do ano, a integração entre os alunos da turma e com a escola [...]. Acreditamos que trocar conhecimentos sobre um universo tão familiar como o das brincadeiras favorece o conhecimento mútuo e a integração desejada, além de garantir que na rotina do 1º ano esteja contemplado o espaço dessa atividade tão fundamental para elas. [...] Junto com a integração, oportunizamos a ampliação do repertório de brincadeiras dos alunos e, com este projeto que passamos a descrever, a construção e o desenvolvimento da escrita, através de textos instrucionais.” A ideia proposta aproxima as crianças do contato com materiais escritos, como manuais de instrução de jogos, conhecendo esse tipo de texto através de situações desencadeadoras proporcionadas pelos educadores e que são muito familiares do grupo, pois se trata de jogos utilizados para diversão e também aprendizagem. Isso possibilita a compreensão das tarefas e proporciona que elas reflitam na forma de transcrever aquilo que é tão natural motora e corporalmente. O uso intelectual não precisa voltar-se para a criação, neste momento em que as crianças constroem sua base alfabética. Elas focam-se no transcrever. Dessa forma, os desafios são apresentados e superados um de cada vez. No momento em que a escrita mostra-se mais “segura”, podemos apresentar novos desafios, referentes à criação. Ler para poder divertir-se e jogar. Escrever para dividir com os outros a diversão. Neste caso percebemos o real interagir e aprender. Além do descrito acima, outras sugestões que favorecem a o estudo da linguagem são citadas a seguir: “Diferentes jogos com palavras são também aliados no aprendizado das correspondências entre letras e sons. A criança pode brincar e ler, simultaneamente: • respondendo caça-palavras. [...] • brincando de jogos de memória, nos quais busca pares de figurapalavra. [...] • brincando de jogos de trilha em que, após o lance dos dados e a contagem de “casas” para onde deve ir, só avança se conseguir ler a palavra que está na casa almejada. [...]” (MORAIS, 2012, p. 153-154) Essas são apenas simplificações de propostas que podem ramificar-se em muitas outras, adaptando-se a diversos projetos de estudos, independentemente do assunto em questão.
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O valor do ambiente Construir uma sala de aula parece simples. Erguem-se paredes, colocamse janelas, porta, algumas estantes, um quadro, mesas e cadeiras. Pensando na montagem, seria basicamente isso. Entretanto, construir uma sala de aula com a função de educar, vai muito mais além de mobiliário disponibilizado ou livros. A colocação das mesas necessita de reflexão. A escolha dos livros também. A prática pedagógica dentro de uma sala faz parte de um apanhado de propostas e situações. Estas precisam localizar-se dentro de um tempo e um espaço. O tempo é constante, pois os conhecimentos circulam incessantemente e diariamente. O espaço é a própria sala, o ambiente que acolhe estas interações. Percebemos que uma sala de aula restrita a classes enfileiradas constantemente, com estruturas rígidas e centradas na figura do professor não se mostra rica quando comparada com um ambiente em que os alunos podem trocar experiências com seus pares e com os adultos, e se envolverem nas propostas de maneira interessada devido à forma com que elas são apresentadas, abrangendo o contexto infantil. Com isso, não restringindo a disposição dos alunos durante os trabalhos, mas procurando variá-la conforme as necessidades é possível promover atividades mais específicas e porque não dizer individualizadas, de acordo com as necessidades de cada criança, utilizando-se de trabalhos diversificados, dentro de um mesmo espaço e tempo. Essas atividades chamadas de individualizadas seriam promovidas de acordo com as necessidades de cada um, mas poderiam ser efetuadas em grupos afins, de maneira que as crianças pudessem se ajudar e dividir conhecimentos. Também as propostas coletivas, feitas com um objetivo concreto, valorizadas e compreendidas por todos, podem fazer parte de um acervo visual e de pesquisa em sala, sendo referência a estudos em curso ou posteriores. Assim, reforçando as ideias apresentadas ao longo deste artigo, de um clima favorável dentro do ambiente alfabetizador, cabe esclarecer que este não se restringe apenas ao primeiro ano, devendo promover atividades diversificadas, tanto em conteúdo, como em forma, para além desse momento da escolaridade, para que aprendizagens significativas possam ser vivenciadas por todos os alunos, visto que cada pessoa é diferente e aprende de forma diferente. Desta maneira, propostas variadas, envolventes e empolgantes, instigam novos conhecimentos, deixando o processo interessante e educativo.
Conclusão Com um mundo cheio de informações e possibilidades de divertimento disponíveis a qualquer pessoa, a escola acaba por ter que disputar um espaço no interesse de seu aluno. Quando ela apenas se mostra um ambiente regulador, muito fácil ou difícil demais, conforme as possibilidades de suas crianças, descontextualizado, pensando apenas em conteúdos, os alunos acabarão por desejar apenas sair daquele ambiente, frequentando-o por obrigações legais.
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Contudo, quando a escola se preocupa com uma formação integral e deseja que a criança realize aprendizagens relevantes, traz propostas diferenciadas, nas diversas áreas do conhecimento, garantindo um ambiente acolhedor e instigante, onde seja possível aprender e ensinar, viver e experimentar, relacionar-se e ser bem recebido e valorizado, envolvendo a criança em seu próprio processo. Este espaço precisa ser construído e conquistado dentro das instituições e mantido por cada um de nós. Assim, os anos iniciais, que servem como alicerce a todos os conhecimentos posteriores da vida estudantil, aliados ao respeito ao ser infantil, poderão articular-se, fazendo com que as aprendizagens sejam bem estruturadas e deixando os alunos prontos para os constantes desafios que virão. Valorizar, brincar, acolher, respeitar, observar, estimular, construir, avaliar, reavaliar e refletir são alguns dos fatores-chave que fazem parte da grande e fundamental “arte de educar”. Referências BALDI, Elizabeth. Escrita nas séries iniciais. Porto Alegre: Projeto, 2012. BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Jogos de alfabetização: manual didático. Brasília: Ministério da Educação, 2009. LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. MACIEL, Francisca Izabel Pereira; BAPTISTA, Mônica Correia; MONTEIRO, Sara Mourão (Org.). A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove anos: orientações para o trabalho com a linguagem escrita em turmas de crianças de seis anos de idade. Belo Horizonte: UFMG/FaE/CEALE, 2009. MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012.
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Descobrindo poesia: uma vivência lúdica de leitura e escrita Ana Carolina Rysdyk da Silva e Caliana Pauline Zellmann – 1º ano
“Nenhum poema nasce do nada. Aliás, nenhuma palavra nasce do nada. Tudo o que escrevemos, de certa forma, já foi escrito antes. Por isso, quando o poema surge, ele vem marcado por todos os poemas passados.” Aguiar, Vera; Assumpção, Simone; Jacoby, Sissa, et al. A linguagem dos poemas atrai e interessa as crianças, por ser um texto curto, na maior parte das vezes, e que permite, pela sua sonoridade e ritmo, assim como pelo seu formato e conteúdo, no caso dos poemas infantis, uma leitura leve e divertida. Por isso escolhemos esse tipo de texto como foco de um dos projetos de leitura e de escrita do 1º ano, buscando estimular as crianças justamente a se aproximar e se vincular a ele, convivendo com as rimas e jogos de palavras, de modo a se familiarizarem com eles e chegarem a praticálos, escrevendo seus próprios poemas. O projeto compreende atividades de leitura, memorização, declamação e, paralelamente, a escrita de poemas. Normalmente é iniciado com a leitura de um poema que brinca com nomes de crianças e brincadeiras (neste ano optou-se pelo poema Infância, de Sônia Miranda), como um convite e ponto de partida para os alunos brincarem também com os seus próprios nomes. Esse e os demais poemas são selecionados pensando ainda no sentido e significado que podem ter para as crianças, procurando contribuir para o encantamento e a fruição na leitura e na escrita. Baldi (2012) afirma que:
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“[...] pode-se criar todo um contexto de imersão no universo de alguns poetas, lendo inúmeros poemas, desfrutando de uma linguagem lúdica e cheia de jogos de significado, tentando descobrir diferentes formas de preenchimento dos seus vazios, conhecendo diferentes poetas e formas de escrita de poemas, emocionando e brincando.” (p. 21) E é exatamente isso que conseguimos perceber: as crianças se envolvem e brincam com os poemas e tudo vira rima. E nós, como alfabetizadoras, percebemos grandes evoluções no processo de construção da escrita das crianças a partir deste projeto, uma vez que aquelas que escrevem silabicamente ou com uma hipótese silábico-alfabética começam a se dar conta de regularidades da escrita que antes não eram percebidas. Um exemplo disso acontece quando vão fazer rimas e, tendo de escolher palavras que tenham a mesma sonoridade, se dão conta de que o som da fala reflete na escrita, o que contribui para que avancem cada vez mais em suas hipóteses. Durante o projeto o que não faltam são jogos, brincadeiras e atividades que envolvem justamente o brincar com as palavras. Cada criança é desafiada a reconstruir em sua mente o sistema alfabético e a desenvolver ainda mais sua consciência fonológica, aspecto importantíssimo nesse processo de alfabetização, segundo Morais (2012), que afirma que desde muito pequenas as crianças podem desenvolvê-la, brincando com palavras e trabalhando cognitivamente com elas. Para o autor: “Hoje, existe um relativo consenso de que aquilo que chamamos de ‘consciência fonológica’ é, na realidade, um grande conjunto ou uma ‘grande constelação’ de habilidades de refletir sobre segmentos sonoros das palavras. A consciência fonológica não é uma coisa que se tem ou não, mas um conjunto de habilidades que varia consideravelmente.” (MORAIS, 2012, p. 84)
Essa reflexão sobre os segmentos sonoros de palavras é intensa no projeto de poesia. A linguagem poética tem o poder de fazer a criança brincar e refletir sobre a sonoridade de palavras, dando-se conta de “surpresas” que podem estar escondidas nos poemas e dentro das palavras que os compõem. Dar-se conta de que certa palavra que está no poema termina com a mesma sonoridade que o próprio nome ou que dentro de uma palavra há outra conhecida (ou outras) são exemplos claros dessas possibilidades. Assim, as crianças passam a construir um repertório mais amplo de vocabulário e, nos momentos de escrita, conseguem buscar nesse repertório uma escrita cada vez mais próxima ao convencional. O autor ainda traz outra questão pertinente em relação às habilidades de consciência fonológica. Ele afirma que elas podem variar entre a operação cognitiva que a criança faz em relação às partes das palavras e a variação dos segmentos sonoros, que, por sua vez, podem estar em diferentes posições dentro das palavras (início, meio e no final). Separar palavras em voz alta, contar e juntar partes, comparar tamanhos e identificar semelhanças de pedaços sonoros são exemplos de habilidades
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cognitivas importantes durante o processo de alfabetização e que devem estar presentes diariamente na sala de aula. O contato com a linguagem poética justamente favorece esse tipo de atividade, em que, de uma maneira lúdica, as crianças ampliam possibilidades e consolidam hipóteses de escrita que contribuem para seus avanços. Além disso, elas são convidadas a construir diferentes conhecimentos acerca dos assuntos trazidos pelos autores e a ampliarem seu repertório literário, sendo também desafiadas a avançar e aprimorar cada vez mais sua escrita, em termos de conteúdo e fluência, bem como a desenvolver fluência na leitura e, consequentemente, a aperfeiçoar sua oralidade, explorando recursos orais. Mas não só as crianças são desafiadas neste projeto. Nós, professoras, também! Somos desafiadas por termos as tarefas de conduzir e mediar essas aprendizagens todas. Como alfabetizadoras, além de fazer com que as crianças desenvolvam cada vez mais o prazer pela leitura, temos de fazê-las avançarem em suas aprendizagens relacionadas à construção da escrita alfabética. E, tanto num como noutro aspecto, deparamos-nos com diferentes saberes e experiências linguísticas, o que faz com que tenhamos de buscar por diferentes intervenções e mediações, respeitando sempre o ritmo de cada um e permitindo que se enriqueçam mutuamente a partir dessas diferenças. Mostramos aos alunos diferentes autores e livros, imprimindo na nossa prática e na nossa leitura o nosso gosto por poesia, demonstrando-lhes o quão bela, divertida e reflexiva ela pode ser. Gonçalvez (2009) faz o professor refletir sobre sua postura diante dos alunos, pois a maneira como ele se coloca frente à leitura e à interpretação dos poemas, e o sentimento que deposita nessa leitura se torna fundamental para o primeiro contato que os pequenos têm com esse gênero literário. “No caso, à sua frente, professora, professor, eles que estão com os olhinhos fixos em você neste exato momento, a espera de uma orientação, de uma palavra, de um olhar ou de uma expressão facial amiga: são seus alunos – e sabem muito bem ler emoções, pensamentos, e sentimentos impressos na transparência de seus gestos, de seu rosto e de seus olhos.” Algumas vezes somos questionadas, especialmente quanto ao processo de construção da escrita, se “damos conta” de desafiar as várias crianças da sala que têm diferentes hipóteses de escrita. Nossa resposta é sempre no sentido de que, dependendo da atividade, propomos diferentes intervenções a partir delas ou mesmo atividades diferenciadas, que vão ao encontro das necessidades das crianças (de cada grupo e/ou de uma ou outra em especial, quando é o caso). Um exemplo disso acontece quando é proposta uma atividade em que o aluno deve dar continuidade ao poema. Para os alunos que já estão no nível de escrita alfabético, tal atividade implica não só em conhecimentos e uso de valores sonoros de cada letra, mas também em automatismos e agilidades ao ato de ler e escrever, o que exige que compreendam cada vez mais o sistema de escrita, fazendo com que continuem a evoluir. Dependendo do caso, se já está
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consolidada essa escrita, se pode iniciar com esse aluno alguns questionamentos ortográficos, por exemplo. Já para os alunos que se encontram nos níveis silábico ou silábico-alfabético, essa atividade tem por objetivo encorajar sua aproximação à correspondência das letras com os segmentos orais que pronunciam, pensando sobre como as letras funcionam para criar sons (Morais, 2012, p. 66). Nesse caso, pode ser interessante ele receber a proposta de completar lacunas correspondentes a algumas palavras de uma nova estrofe, restringindo seu desafio a algumas palavras em especial, para que possa se concentrar nelas com mais afinco.
Podemos ver nas imagens, dois exemplos:
Consideramo-nos privilegiadas por contribuir no processo de alfabetização desses grupos de crianças e queremos, com este texto, compartilhar um pouco desse trabalho, estando sempre abertas e atentas para avaliar o crescimento das crianças e a nossa prática, buscando melhorar a cada ano. Referências: AGUIAR, Vera (coord.); ASSUMPÇÃO, Simone; JACOBY, Sissa et. al. Poesia fora da estante 2. Porto Alegre: Editora Projeto, 2002. BALDI, Elizabeth. Escrita nas séries iniciais. Porto Alegre: Editora Projeto, 2012. GONÇALVEZ, Jeosafá Fernandez. Poesia na escola: doze receitas do professor Jeosafá: Ensino Fundamental: Séries iniciais. São Paulo: Editora Biruta, 2009. MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012.
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Frankenstein e outras histórias: lendo para escrever narrativas de horror (*) Michele Hoeveler - 5° ano
Frankenstein é um clássico de horror. Escolhemos como texto base a versão da autora Mary Shelley, recontado por Ruy Castro, Ed. Cia das Letras. Essa definição foi feita em função da qualidade do texto e de este ser um importante representante do gênero, ao lado de outros como O médico e o monstro e Drácula. A edição apresentada foi escolhida pelo trabalho primoroso de tradução realizada por Ruy Castro. No 5º ano da Escola Projeto, os projetos de leitura e de escrita do 2º trimestre estão interligados. A leitura de boas histórias de horror serve para enriquecer as produções criadas pelos alunos. Essa prática é dividida em três modalidades: a leitura individual, em que o aluno lê partes do livro em casa; a leitura socializada, realizada pela professora aos alunos, em aula; e a leitura compartilhada, quando cada aluno participa lendo trechos e acompanhando a leitura dos colegas no seu exemplar. Além da leitura deste clássico, através das modalidades já citadas, os alunos também são estimulados a lerem outras narrativas de horror e suspense. Em momentos na sala e na biblioteca, ao longo do trimestre, em duplas ou individualmente, há um rodízio entre os alunos dos livros A casa das quatro luas (Josué Guimarães, Ed. L&PM), A filha das Sombras (Caio Riter, Ed. Edelbra), Minha querida assombração (Reginaldo Prandi, Ed. Cia das Letrinhas) e Rotas Fantásticas (Heloisa Prieto, Ed. FTD). Além de sessões que promovem o desfrute e a imersão dos alunos em histórias recheadas de mistérios, são propostas atividades variadas de observação e análise dos recursos de narração e de linguagem usados pelos autores para garantir sensações como medo e apreensão no leitor. Comparar trechos com frases longas e curtas, identificando que estas últimas geram suspense e expectativas em função das frequentes pausas, é outra forma de ler, que vai além da fruição. É fruto do que chamamos de “ler para escrever”: dar-se conta de que o conteúdo do texto e a intenção do autor estão diretamente vinculados à sua forma e às suas escolhas de como escrever.
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Exemplo de atividade de comparação e análise de trechos de histórias de horror conhecidas, identificando os efeitos causados no leitor, estabelecendo relações entre a forma e o conteúdo dos trechos, ou seja, o quê e como está escrito. Nas últimas aulas, temos conversado sobre vários aspectos relacionados às narrativas de horror. Numa dessas conversas, falamos sobre as situações de horror e, para enriquecer nossas possibilidades de escrita, vamos ampliar as reflexões sobre este aspecto. Seguem abaixo alguns trechos que foram retirados de diferentes narrativas de horror. Vamos ler e depois conversar sobre os efeitos que causam em nós essa leitura, avaliando-os.
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Assim, também faz diferença na escrita aprender que descrições detalhadas dos cenários assustadores e das feições de um personagem monstruoso colaboram para que o leitor mergulhe no enredo, viva na realidade do livro, vibre, torça, sofra, reflita sobre os fatos e ações abordados na narrativa. Durante essas leituras, os alunos são convidados a fazerem registros, planejando sua produção, anotando bons modelos de início e término de capítulos, listando expressões de modo e de tempo, bem como identificando adjetivos que contribuem para dar vida à narrativa ou simplesmente palavras e expressões interessantes. E também há propostas elaboradas especialmente para que os alunos consigam identificar as situações de horror, aqueles fatos que estão no centro de cada capítulo da história, que mantém o interesse de quem lê, que prendem a atenção do público e que o fazem ir até o fim. Em análises e discussões em duplas, em grupos ou coletivas, os alunos percebem que não há a necessidade de mortes explícitas ou cenas sangrentas para que o horror esteja instalado. É o conjunto entre forma e conteúdo que torna a história uma narrativa de sucesso.
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Ao final do projeto, depois de várias revisões que incluem também a ortografia e acontecem em diferentes modalidades ou dinâmicas, montamos um livro com as histórias de horror individuais e as criadas em pequenos grupos para divulgarmos as criações entre outras turmas, através da biblioteca da escola. Acreditamos que, com esse tipo de trabalho, em que vinculamos o projeto de escrita ao de leitura, conseguimos dar suporte a produções escritas cada vez mais ricas e aprimoradas, além de colaborarmos para a formação de leitores atentos e perspicazes.
1ª versão - 17/06/2013 - 1° parágrafo
Versão final 26/09/2013 - 1° parágrafo
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Nota: (*) Esse gênero trabalhado pode ser chamado assim, “narrativa de horror”, ou “narrativa de terror”. Optamos pela primeira considerando a abordagem de Rosa Gens (UFRJ), que explica que “horror” deriva do latim horrere: fazer o cabelo se arrepiar; considerando-o uma reação física às situações extremas de medo. De qualquer forma, as narrativas de horror (ou terror) parecem surgir com a tentativa de encontrar descrições para forças, medos relacionados à morte, à vida após a morte, à punição, ao mal, à violência e à destruição.
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