Nยบ 02 - Novembro de 2014
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Editorial
Chegamos à 2ª edição desta publicação dos professores da escola com muita alegria pela possibilidade de dividirmos com os pais um pouco do trabalho realizado com seus filhos na escola e também por garantir a continuidade deste espaço de troca e de formação dos professores. Temos a colaboração de duas professoras que já estiveram na 1ª edição – Jaqueline e Caliana – e de outros que se colocaram este desafio. Jaqueline Pieretti (turma 42) e suas colegas de 4º ano, Tânia Gonzalez (turma 43) e Raquel Oliveira (turma 41), juntamente com sua coordenadora Deborah Fischer, escrevem em parceria sobre um trabalho realizado na área de Artes, a partir de uma saída de campo ao Jabutipê, para apreciação de uma exposição. Caliana Zellmann (turma 22), desta vez, relata sua experiência com um aluno especial de sua classe de 2º ano, da qual se pode inferir alguns aspectos sobre a visão da escola a respeito do trabalho de inclusão. As professoras Nicole (hoje com Grupo 3) e Ana Júlia (hoje com Grupo 5), da educação infantil, escrevem sobre um trabalho de Ciências realizado em 2013, no Grupo 3, área que tem sido estudada de forma mais aprofundada nos últimos anos na escola, com cursos específicos, leituras e estudos em reuniões e revisões de projetos. Também a coordenadora Virgínia Verissimo conta sobre um projeto desenvolvido na escola no 3º trimestre do 1º ano, com leitura e escrita de narrativas que têm personagens crianças.
Boa leitura a todos!
FICHA TÉCNICA Capa: Foto da turma 22 - Prof. Caliana no passeio ao Morro do Osso - Porto Alegre Coordenação editorial e Editorial: Beth Baldi Projeto gráfico e arte: Elisa Moog Ilustrações: fotografias tiradas por professores, alunos, monitores e estagiárias sobre atividades da escola Endereços: escolaprojeto@terra.com.br Unidade 1: Rua Cel Paulino Teixeira, 394 Fone: (51) 3331-7384 www.escolaprojeto.com Unidade 2: Av. José Bonifácio, 581 Fone: (51) 3333-4154
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Experiências de conhecimento físico na educação infantil: uma prática significativa de ensino-aprendizagem Professoras Ana Julia Poersch Licenciada em Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Psicopedagogia pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA). e Nicole Sauthier Niche Licenciada em Pedagogia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialista em Motricidade Infantil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Para pensar sobre o currículo e sobre o ensino de Ciências Naturais o conhecimento científico é fundamental, mas não suficiente. É essencial considerar o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, relacionado a suas experiências, sua idade, sua identidade cultural e social, e os diferentes significados e valores que as Ciências Naturais podem ter para eles, para que a aprendizagem seja significativa.” (PCN. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais, 1996) A Escola Projeto, que atende crianças de educação infantil, a partir de 1 ano de idade, ao 5º ano do ensino fundamental, entende o trabalho de Ciências como parte de uma área ampla de conhecimentos, que inclui focos, muitas vezes integrados entre si, relacionados às Ciências Sociais, Naturais e à Educação Ambiental. Ao longo do ano de 2013, esta área foi foco de estudo da equipe de professores e coordenadores da escola. O trabalho da educação infantil, nessa área, está organizado atualmente assim: Nos níveis iniciais (crianças de 1 e 2 anos), visa desenvolver experiências relacionadas ao conceito
de transformação e abrange questões em torno do tema misturas. No Grupo 1, as crianças trabalham esse tema a partir dos projetos de brincadeiras com misturas (na caixa de areia, produzindo o barro, e para fazer bolhas de sabão) e, depois, de preparo do pão. No decorrer do Grupo 2, o tema é ampliado, trazendo outras misturas e transformações, bem como questões a serem observadas e pensadas pelas crianças sobre elas. Voltados para o enfoque mais social, há um trabalho no Grupo 2 sobre as relações cotidianas na família e, no Grupo 1, dentro do trabalho da panificação, uma abordagem relacionada ao trabalho do padeiro e ao comércio de pães no espaço da padaria. Nos níveis posteriores (crianças de 3, 4 e 5 anos), iniciamos o estudo com uma abordagem mais específica referente à área das Ciências Naturais. No Grupo 3, se desenvolve um trabalho dentro do conhecimento físico sobre força e movimento, o qual relatamos a seguir. No Grupo 4, o foco está na análise da produção de resíduos, trazendo também um enfoque ambiental. Por fim, no Grupo 5, o estudo é sobre um grupo ou uma espécie de animais, conhecendo
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seu modo de vida e aproximandose de forma bem inicial ao conceito de sistema. Em relação às Ciências Sociais, abordamos o tempo dos avós, através de seus brinquedos e brincadeiras, no Grupo 3, o cotidiano de crianças de um local e de uma cultura distantes, no Grupo 4, e as memórias da escola, resgatando a história das próprias crianças ao se despedirem da educação infantil, no Grupo 5. “Os temas devem ser flexíveis o suficiente para abrigar a curiosidade e as dúvidas dos estudantes, proporcionando a sistematização dos diferentes conteúdos e seu desenvolvimento histórico, conforme as características e necessidades das classes de alunos (...)” (PCN. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais, 1996) Passamos, então, a apresentar neste texto uma das sequências didáticas desenvolvida com crianças de 3 a 4 anos da educação infantil (Grupo 3), dentro do âmbito das Ciências Naturais. Este trabalho vinha sendo realizado há alguns anos, com foco nos conhecimentos físicos de força e movimento, pensado de forma mais ampla, tendo como objetivo propiciar experiências às crianças para que observassem o que acontecia quando movimentavam alguns objetos de diferentes formas em diferentes superfícies e com diferentes instrumentos. Pretendia também explorar o corpo descobrindo movimentos e transformações com o mesmo, comparando esses movimentos com o dos objetos. Além disso, observavam alguns fenômenos como o vento e as nuvens buscando semelhanças e diferenças. Todas as atividades visavam oferecer experiências para enriquecer o universo de imagens e ideias das crianças.
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Dentro das atividades previstas nesse antigo projeto, estavam experiências envolvendo magnetismo, roldanas, rampas, inércia de movimento, bem como brincadeiras de movimento com o corpo e construção de brinquedos como: pião, João-teimoso e paraquedas. A partir de um encontro de formação, realizado na escola em junho de 2013, com Adriana Serulnicoff, especialista argentina em Didática das Ciências na educação inicial, percebemos que era necessário repensar a abrangência do projeto em alguns de seus aspectos, reformulando e substituindo algumas propostas e buscando a realização de um trabalho mais significativo para as crianças. Ao revisitar o projeto nos propusemos, então, a fazer um recorte temático dentro do assunto, pois, segundo a especialista, estabelecer um recorte do ambiente implica selecionar da totalidade de um tema um setor que será o objeto de análise mais aprofundada. Esse recorte deveria contemplar algo significativo para os alunos, no sentido de enriquecer um conhecimento que eles já possuíssem de alguma forma e a sua brincadeira. Passamos a nos perguntar qual seria o enfoque a ser dado, qual tema ele iria abranger e qual aspecto dentro do tema força e movimento escolheríamos para trabalhar. Buscamos como referência bibliográfica o livro O ensino de física para crianças de 3 a 8 anos: uma abordagem construtivista, de Rheta DeVries e Christina Sales, que traz o relato de experimentações de conhecimento físico desenvolvidas pelas autoras. A partir da leitura da obra, vimos que boas atividades de conhecimento físico intrigam as crianças a descobrir como fazer algo acontecer. Para que a
criança tenha oportunidades de estabelecer novas relações mentais, precisamos oferecer-lhe uma experiência que seja, segundo as autoras citadas: “produzível: a criança deve ser capaz de produzir ‘o que acontece’ com suas próprias ações”; “imediata: ‘o que acontece’ deve ocorrer assim que a criança agir sobre o objeto”; “observável: a criança deve ser capaz de ver algo acontecer”; “variável: a criança deve ser capaz de variar suas ações para produzir e observar variações nas reações do objeto.” (Kamii e DeVries, 1978/1993) Pensando sobre esses aspectos, optamos pelo trabalho com caminhos e rampas, como sugerido nos estudos relatados no livro, e desenvolvemos uma nova sequência, enfatizando o importante papel do brincar no desenvolvimento intelectual e sociomoral das crianças. Partindo das ideias que estão inseridas nesse pressuposto, foram planejadas diferentes atividades relacionadas entre si para possibilitar o estabelecimento de relações e, gradativamente, a construção do conhecimento. A seguir apresentamos alguns objetivos e atividades desenvolvidas ao longo da sequência. A nova estrutura do projeto contempla os seguintes objetivos específicos: observar o que acontece quando movimentamos objetos de diferentes formas em uma superfície lisa, bem como experimentar esse processo em outros tipos de superfícies; reconhecer a relação de causa e consequência ao emprego da força no deslocamento de objetos e na velocidade que os mesmos desenvolvem. Supõe, para concretizar esses objetivos, propostas variadas
de exploração de diferentes materiais para as crianças vivenciarem desafios e oportunidades de aprendizado, criando um ambiente que as inspire a ter ideias e descobrir como fazer algo. Embasamos a estruturação do projeto em conceitos como: caminho é o trajeto formado por um ou mais segmentos de canaletas, pelos quais as bolinhas de gude e outros objetos transitam; rampa é um caminho inclinado; ângulo é a inclinação de um caminho; suporte é o material no qual a canaleta se apoia; objeto é o que transita pelos caminhos; conexão é o local em que um segmento de canaleta termina e outro começa; alvo é algo no final de um caminho, que o objeto visa atingir; projeto ou desenho de caminho é uma estrutura que a criança cria e constrói com mais de um segmento de rampa. Esses conceitos foram trabalhados dentro das atividades propostas, sem haver uma preocupação em que as crianças se apropriassem desses nomes, nem tampouco que pudessem explicitá-los verbalmente, mas com empenho para que construíssem as primeiras noções em relação a eles.
Primeiras ideias
Conversamos com as crianças sobre a ideia de movimento, questionando-as para descobrir o que pensavam sobre isso, através de perguntas como: o que faz o carro quando vai de lugar a outro? Como ele se movimenta (relação com a pista, como é a estrada)? O que faz o elevador? Como ele se movimenta? Como é a batedeira? Como ela se movimenta? E o relógio? Fomos registrando suas hipóteses e ideias no livro de registros coletivo.
Brincando com canaletas e objetos variáveis
Apresentamos os materiais que seriam utilizados nos experimentos para que as crianças pudessem explorá-los (canaletas de diferentes tamanhos e larguras e objetos variáveis como: bolinha de gude, carrinhos, trens, bolas de pano, entre outros). Em diferentes momentos, as crianças foram incentivadas a criar formas de brincar com o material, individual e coletivamente.
Retomamos o material sempre que alguma atividade era proposta: construção de caminhos, de caminhos com rampas, com conexões, com alvos, buscando que a exploração das crianças contemplasse os conceitos previamente citados, bem como as ideias de deslocamento, velocidade e força. Os experimentos foram fotografados para que o grupo pudesse rever suas construções em outros momentos, pensando sobre elas, mantendo alguns aspectos e reformulando outros. “En algunos casos será necesario repetir la misma actividad para que el alumno descubra, por ejemplo, nuevas possibilidades que ofrecen los materiales con los que está trabajando, o perfeccione su uso (...) En otras ocasiones se propondrán diferentes tipos de variaciones: de los materiales, de las consignas, de la organización de los grupos. Cada una de estas modificaciones será estabelecida en función de los aspectos que se quieran trabajar.” (Secretaria de Educación, Gobierno de la Ciudad Autônoma de Buenos Aires – Dirección de Currícula. 2000)
Brincando com canaletas
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Projetos dos caminhos
Após terem vivido essas experiências, considerando aspectos de inclinação, distância e conexões existentes entre os materiais, convidamos os alunos a fazerem um desenho individual de um caminho, representando os diferentes materiais explorados ao longo do projeto e transformando seus desenhos de caminhos em estruturas construídas pelo grupo com as canaletas, esperando que pudessem mostrar dessa forma as relações mentais construídas com o trabalho. “Em atividades físicas com rampas e caminhos é importante que as crianças testem suas ideias errôneas, (...) Se as ideias - corretas e incorretas - das crianças forem respeitadas, elas se sentirão confiantes sobre a sua habilidade de pensar e experimentar.” (DeVries, Rheta e Sales, Christina - 2013) Acreditamos que essas e outras atividades que temos desenvolvido vêm contribuindo para uma melhor compreensão das noções de força e de movimento. Ao mesmo tempo em que as crianças se divertiam, criando formas de explorar e brincar com o material, eram instigadas pelas professoras a observar o que acontecia, a verbalizar suas descobertas e fazer relações com as experiências e o mundo que as cercam.
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A saída de campo ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS foi também um importante momento do trabalho, uma vez que propiciou às crianças a observação de outros tipos de experimentos que estavam diretamente relacionados às suas descobertas. Observamos que, ao longo do estudo, as crianças se mostraram interessadas, engajadas intelectual e afetivamente, aprendendo a partir da possibilidade de experimentar e verificar suas hipóteses.
Referências bibliográficas:
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Secretaria de Educação Fundamental, 1996. Pre Diseño Curricular para la Educación Inicial – Niños de 2 y 3 años. Secretaria de Educación, Gobierno de la Ciudad Autônoma de Buenos Aires – Dirección de Currícula. 2000. DeVries, Rheta e Sales, Christina. O ensino de física para crianças de 3 a 8 anos: uma abordagem construtivista. Tradução técnica de Marta Rabioglio, Porto Alegre: Penso, 2013.
Uma experiência muito especial Professora Caliana Pauline Zellmann Licenciada em Pedagogia e Psicopedagogia pela PUCRS
Uma pequena apresentação Descrevo, neste texto, a experiência escolar inclusiva de um aluno com autismo, que faz parte do grupo de 2º ano com o qual venho trabalhando neste ano de 2014. Para preservar sua identidade, ele será referido como ALU. O grupo tem, atualmente, 16 alunos (9 meninas e 7 meninos), que vêm juntos desde a educação infantil, tendo ALU entrado no Grupo 5 (último grupo da educação infantil), em 2011. Depois de repetir esse grupo, em função de todo um processo de adaptação e preparação para as mudanças do ensino fundamental, ele ingressou no 1º ano em 2013 e com essa turma segue até hoje. Isso auxiliou a construção do vínculo que eles têm (este foi o 3º ano letivo juntos): a turma o conhece e o acolhe bem, compreendendo suas necessidades de maior de atenção e intervenções mais pontuais de minha parte. Têm sido de grande importância os encontros periódicos com a equipe de especialistas de ALU - uma psicopedagoga e uma fonoaudióloga, que contribuem muito em seus avanços, principalmente nas áreas da linguagem e comunicação -, bem como trocas com suas professoras anteriores e com a coordenação da escola, sem falar no apoio em sala de sua monitora, com quem já construiu um excelente vínculo, mesmo ela estando como sua acompanhante somente a partir do início deste ano. Certamente, todos e cada um têm sua parcela de contribuição na caminhada escolar do aluno e a possibilidade de eu poder relatar situações e compartilhar dúvi-
das e conhecimentos com toda essa equipe tornam o meu trabalho mais produtivo com ALU, para que ele siga avançando. Esta é uma oportunidade única de deixar registrada minha experiência com uma criança que é especial para tantas pessoas. Espero que eu consiga transmitir em palavras tudo o que ALU significa em minha vida como educadora. O processo de inclusão Quando falamos em inclusão escolar, uma das palavras que ainda se destaca é a palavra especial, obviamente por se tratar de alunos com características diferenciadas (restrições ou talentos), no que diz respeito a aprendizagens, e com necessidades educativas especiais (NEE). No caso do aluno sobre o qual falo neste texto mais ainda essa palavra especial se justifica, pois se trata de uma criança que demonstra constante carinho pelas pessoas ao seu redor e que vem, aos poucos, descobrindo a escrita. Um aluno e um processo muito especiais, portanto, com os quais tenho o privilégio de conviver diariamente. De todas as experiências vivenciadas por um professor, certamente a inclusão é a mais desafiante. Receber um aluno com limitações intelectuais e sociais tornou-se, para mim, uma inquietação diária. Precisei procurar por referenciais teóricos e caminhos pedagógicos alternativos para me aproximar, cada vez mais, desse mundo singular da criança com autismo.
O trabalho com ALU, neste ano, ocorre a partir do que chamamos de “Currículo Adaptado” (1). Trata-se da planilha curricular da série com adequações nas diferentes áreas do conhecimento, levando em conta suas necessidades e características, bem como os conhecimentos e habilidades construídos até então. A ideia é partir de onde ele está e conseguir promover os avanços possíveis em seus processos de aprendizagem, nas diferentes áreas. Esse currículo vem tendo um papel muito importante em sua caminhada escolar, pois, além de permitir que ele vivencie propostas pedagógicas coerentes com suas potencialidades e seu ritmo de aprendizagem, temos uma probabilidade maior de obter respostas educativas concretas. A partir daí, o dia a dia da sala de aula requer um planejamento cuidadoso e flexível, prevendo as diferentes demandas que podem surgir ao longo do turno, além das diferenças entre os alunos. A maior parte das atividades de ALU é diferente do restante da turma, sendo adaptadas de acordo com suas características e o currículo específico, principalmente as atividades de língua portuguesa e matemática. A monitora que o acompanha desempenha um papel muito importante e eficaz na aprendizagem de ALU, pois consegue dar a atenção de que ele necessita, em vários momentos em que eu encaminho atividades e atendo aos demais alunos. A turma é bem autônoma e isso facilita o andamento das propostas em geral, de modo que eu posso, frequentemente, circular e atender a todos. Mas, em alguns momentos, é claro, diferentes
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alunos precisam de intervenções mais direcionadas e, devido a isso, não consigo ficar durante toda uma atividade só com ALU. É aí, então, que encaminho a sua continuidade para a monitora e ela a realiza com ele. Em relação aos temas de casa, ALU também tem adaptações. Enquanto a turma leva tema de casa todos os dias, ALU leva três vezes por semana, por já ter diferentes atendimentos fora da escola. Em atividades coletivas, que são frequentes na escola, a monitora consegue ser, digamos assim, uma porta-voz, explicando de maneira mais direcionada as leituras, discussões e os registros coletivos para ele. Procuramos fazer com que ALU participe o quanto pode e isso faz uma grande diferença para com o olhar que a turma tem em relação a ele, aceitando as diferenças que vão aparecendo nesses momentos. Eles conseguem escutá-lo com respeito, têm a paciência de esperá-lo formular o que gostaria de falar e, em momento algum, aparecem falas desrespeitosas por parte da turma. Todos veem ALU como alguém que tem outra maneira de ver e perceber as coisas. Essa dinâmica da sala de aula foi moldando-se com o decorrer do tempo. Fui conhecendo a turma como um todo e pensando nas características de ALU. O tempo dele é diferente do tempo dos demais alunos. Em alguns momentos, ALU realiza atividades de forma mais rápida, havendo dias que tem menos facilidade em se concentrar e, portanto, demora mais para realizar o que é proposto. Enfim, é preciso sensibilidade para perceber o que é mais apropriado a cada momento e o que pode ser deixado para o dia seguinte. Mas é importante que se tenha sempre “cartas na manga” para que sua frequência à escola seja produtiva e do jeito mais adequado possível a suas características.
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Características do aluno e suas influências no trabalho ALU tem um ótimo convívio com todos os colegas, interage e faz questão de estar com eles o tempo todo. Demonstra constante afeto, explora os diferentes ambientes da escola e vem mostrando um constante avanço nas diferentes áreas do conhecimento. É uma criança que consegue comunicar-se verbalmente, mesmo fazendo algumas trocas na pronúncia e omitindo letras e sílabas (para CALI, meu apelido, por exemplo, ele fala CAIE; CADERNO – CADENO; NARIZ – ARIZ; REMÉDIO - IMÉDIO). Inicialmente, falava somente uma palavra em suas solicitações. Por exemplo, quando queria ir ao banheiro, dizia a palavra ”xixi”. Fomos incentivando-o a expressar-se com frases. Ao invés de falar somente a palavra “xixi”, ele passou a dizer “ir no banheiro fazer xixi”. Assim, com algumas intervenções, houve grandes avanços em sua comunicação. Certamente há muito que avançar ainda, porém temos de valorizar o que vem sendo conquistado diariamente. ALU ainda não está alfabetizado, por isso, neste ano, temos dado uma atenção especial ao seu processo de construção da escrita alfabética (2). No início do 2º ano, ele escrevia de maneira pré-silábica e não demonstrava muito interesse diante dessas atividades. Sabe-se que da hipótese pré-silábica para a silábica há um longo caminho a ser percorrido, de muito trabalho cognitivo por parte da criança, pois ela tem de descobrir que a escrita é o registro em sequência de partes sonoras das palavras que pronunciamos (MORAIS, 2012). Tal evidência fez com que eu procurasse compreender como seria para ALU fazer essa
relação, entre o som das letras e sua escrita, mesmo com suas dificuldades na linguagem oral. O investimento na construção da base alfabética, que veio desde a educação infantil, tem sido fundamental para que ALU se aproprie do sistema de escrita. Com o passar do tempo, ele conseguiu fazer reflexões muito importantes: começou a diferenciar o desenho da escrita, a conhecer e nomear as letras e, ao escrever palavras, passou a variar o número e o repertório de letras, bem como a ordem em que apareciam. Aos poucos, fomos intervindo para ampliar seu repertório de palavras, de modo que ele tivesse mais referências para entender notações e representações da escrita. A monitora e eu fizemos um trabalho bem direcionado com os nomes dos alunos da turma, utilizando fotos dos colegas como apoio e diferentes formas de escrita como estímulo inicial - palavra inteira, dividida em letras e sílabas, faltando a letra inicial e posteriormente outras letras – para propostas variadas de composição e organização desses nomes, com o recurso indispensável das letras móveis.
Além disso, criamos um repertório de substantivos dissílabos e trissílabos significativos para ele. Procuramos por palavras que fizessem parte de seu cotidiano ou de histórias conhecidas, de modo que tivessem algum sentido, contando sempre com o apoio das imagens. Para essas atividades que envolveram a inserção de imagens, assim como a organização da rotina, a monitora realizou com ALU uma seleção anterior, escolhendo aquelas que ele conseguia identificar. Essas palavras passaram, então, a ser trabalhadas diariamente com ele, através de escrita espontânea (usando letras móveis ou não) e de explorações da palavra inteira e de suas partes.
Essas e outras propostas foram pensadas a partir das necessidades que fomos percebendo no decorrer do trabalho, a fim de que ALU pudesse refletir cada vez mais sobre a escrita, contando com o apoio visual, que é fundamental para a criança com autismo. O uso das letras móveis, por sua vez, tem sido importante e bem aproveitado por ALU, que consegue brincar e jogar com as letras das palavras, colocando sua atenção mais nas regularidades, organização e sequência das letras do que no seu traçado e na tentativa de manter um tamanho constante e proporcional à linha e à folha, o que ainda é um grande desafio para ele. Ao longo do ano, propusemos diferentes maneiras de manuseá-las, organizando-as em forminhas plásticas de gelo para que ALU as localizasse mais facilmente. Um bom exemplo disso foi um trabalho realizado com o livro A casa sonolenta, de Audrey Wood. Depois de trabalharmos com a sequência dos fatos da história, com a identificação dos personagens e a exploração de seus nomes, ALU foi desafiado a escrever esses nomes, em diferentes momentos e a partir de propostas variadas: 1) de forma bem autônoma, utilizando as letras que considerava corretas; 2) organizando letras selecionadas e dispostas em sua mesa; 3) identificando letras que estavam faltando numa escrita dada. Esta última atividade, mais complexa, só foi possível de ser realizada com o apoio de uma ficha referência, com a palavra escrita inteira.
Outro trabalho interessante realizado durante o ano com ALU foi com palavras-chave. Procuramos explorar palavras que ele destacava, por exemplo, a partir das imagens de um livro lido para ele. No início do ano, o projeto de leitura da escola sobre um autor convidado abordou a obra do escritor Ernani Ssó, que é baseada em contos populares. Um dos personagens que mais chamou a atenção de ALU foi a bruxa. Conseguimos explorar, a partir daí, outras histórias de bruxa co-
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nhecidas dele, sem muito texto e com ilustrações, o que auxiliou ALU a compreendê-las com mais facilidade. Ele nomeava os elementos principais que via nas imagens e esses nomes passavam a ser as palavras-chave exploradas, pelo significado que adquiriam.
Com o passar do tempo, ALU foi mostrando avanços em seu processo de alfabetização. Agora, escreve silabicamente, oscilando em relação ao valor sonoro das letras. Da mesma forma, procura, na sua leitura, fazer essas correspondências entre letra e som, apontando com o dedo as partes ou sílabas da palavra e, se necessário, prolongando seus sons. Ao escrever, por exemplo, BALA, utilizou A O O A O e, após, leu da seguinte maneira: /baaa/ /l/ /laaa/. A certa altura do percurso evolutivo em direção à apropriação do sistema alfabético, muitas crianças, depois de terem colocado uma sequência de letras ou marcas gráficas para notar determinada palavra, ao ler o que escreveram, tendem a pronunciar a palavra dividindo-a em sílabas e buscando fazer corresponder as letras ou marcas colocadas (no papel ou sobre outra superfície) aos segmentos silábicos orais que pronunciam. (MORAIS, 2012, p. 57 e 58) Dessa maneira, percebe-se que ALU já descobriu que existe relação entre as partes orais (o que se fala) e os sinais gráficos (o que se escreve), o que mostra um grande avanço na
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compreensão da escrita como representação da linguagem. Além disso, há, por parte do aluno, uma resignificação, uma leitura de mundo antes não vista com tanta nitidez. Pensando nisso, é importante continuar garantindo vivências escritas e seguir procurando por alternativas pedagógicas que vão ao encontro de suas necessidades. Mas, além da escrita e da leitura, algo que vem desafiando ALU, constantemente, é a matemática. A cada dia propomos atividades diversificadas, trabalhando o sistema de numeração decimal a partir de quadros e portadores numéricos, e as operações de subtração e adição, com pequenos cálculos e problemas simples que, por sua vez, envolvem imagens de onde ele tira as informações solicitadas. Para realizar cálculos, ALU conta com o apoio de materiais de contagem, como sementes, tampinhas
e palitos de picolé. Demonstra estar evoluindo no entendimento das ideias de que para somar precisa contar todos os elementos ou símbolos (bolinhas, desenhos) e, para subtrair, precisa riscá-los ou retirá-los. Mesmo observando que ALU encontra mais restrições ou limitações nessa área, procuramos propor, ao longo do ano, caminhos e estratégias diferentes para que passe a se apropriar cada vez mais da ideia de número, acreditando ser imprescindível tentarmos desenvolver certas habilidades matemáticas básicas junto a ele. Uma paixão de ALU são as aulas de música ministradas pelo professor Ianes. Como ALU gosta muito de cantar e se movimentar, aproveita as aulas com muita alegria e entusiasmo. Em alguns momentos, que exigem maior tranquilidade, ele precisa de apoio. Contudo, na maioria das vezes,
Escrita da palavra Lápis
ele explora os instrumentos, canta e faz diferentes movimentos corporais de forma integrada às propostas. Assim, as aulas de músicas têm uma grande importância na caminhada escolar de ALU, pois proporcionam a ele momentos prazerosos de expressão e comunicação com professores e colegas.
Palavras finais Para os alunos com autismo, mais que para aqueles que não têm NEE, cada aprendizagem requer grandes conquistas, que vão além do conteúdo envolvido e exigem esforços extras. São vários os fatores que se caracterizam, digamos assim, como superações diárias, como a concentração, o permanecer sentado, o ficar na sala de aula e a relação espaço-temporal.
[...] não existe uma fórmula mágica no trato com alunos com autismo. Tudo requer tempo, persistência e muita dedicação. Mas não restam dúvidas de que, além dos pais, o desenvolvimento dos pequenos depende, e muito, das instituições de ensino. Esses fatores, em conjunto, podem garantir um futuro menos caótico e uma vida mais harmoniosa e produtiva. (SILVA, 2012, p. 127)
Como escola, é necessário valorizar cada avanço e procurar por estratégias didáticas que respeitem o aluno, não perdendo de vista seus limites e potencialidades. Tornar o aprendizado algo prazeroso e positivo é fundamental e é preciso ter claro que:
E digo mais: uma equipe multidisciplinar, os pais e a escola conversando entre si é essencial para o desenvolvimento de qualquer criança com demandas especiais como as do autismo. Da minha parte sigo assim, vendo ALU como um ser especial, que tem direito de aprender a ler e a escrever, como qualquer outra criança, interagindo cada vez mais com o mundo que o cerca.
Acima a escrita das palavras maçã e gelatina
Notas:
(1) No 1º ano não houve um currículo adaptado, pois tudo o que estava sendo oferecido para um grupo de crianças que estava com a mesma hipótese de escrita, foi oferecido para ele também. Ele encontrava-se em um nível de escrita pré-silábica. A partir do 2º trimestre daquele ano começaram a ser elaboradas atividades especiais de matemática para ele, sempre levando em conta o que havia sido orientado pela especialista de que, para ele, o apoio do desenho era muito importante. (2) O trabalho realizado ao longo do 1º ano oportunizou que o aluno entrasse em contato com as letras do alfabeto, chegando a conhecer a maioria delas. Porém a escrita permaneceu présilábica, tendo evoluído em relação ao uso das iniciais.
Referências bibliográficas: MORAIS, Arthur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. SILVA, Ana Beatriz B (et al). Mundo singular: entenda o autismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
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Leitura e escrita de histórias de crianças
Coordenadora Virgínia Haensel de Oliveira Veríssimo Licenciada em Pedagogia, com habilitação em Educação Infantil, pela UFRGS. Pós-graduada em Alfabetização, pela UniRitter Este projeto tem sido desenvolvido no 3º trimestre do 1º ano, na Escola Projeto, depois de, nos trimestres anteriores, o trabalho ser mais voltado à construção da escrita. No final do ano percebe-se que as crianças já têm mais autonomia para a escrita e, além disso, desejam escrever, estando com mais condições de organizar suas ideias no papel. Isso não quer dizer que, desde as primeiras propostas, a criança não seja convocada a produzir textos, pois segundo Artur Gomes de Morais, todos os dias as crianças precisam participar de atividades que as façam refletir sobre as palavras ou normas ortográficas, ler e produzir textos. Ainda, segundo o autor, é preciso planejar dois tipos de situações: de aprendizagem da escrita alfabética e de aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. Não existe prontidão para escrever ou ler, ou seja, um determinado momento em que a criança está “pronta” pra começar a escrever ou ler. Desde que possamos entender que ela escreve e lê, a seu modo, se desafiada para tal, podemos e devemos estimulá-la desde cedo, intervindo a partir do ponto em que ela está, mesmo que haja heterogeneidade no grupo. Assim, o objetivo mais importante neste projeto é que a criança se encoraje a praticar a escrita e não tenha receio em criar seus próprios textos, utilizando a hipótese que tem
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construída e desenvolvendo o prazer pela escrita. Por isso também o direcionamento em relação ao tema - histórias em que a personagem principal é uma criança -, que permite o relato de experiências próprias ou a criação de aventuras imaginadas, dando uma referência em termos de conteúdo para os alunos (o que escrever), de modo que eles possam se focar mais, enquanto escrevem, na forma (no como escrever). Desde o início do trimestre são oportunizadas muitas leituras, com ou sem o acompanhamento da professora, através das quais os alunos conhecem diferentes narrativas sobre crianças, de vários autores. A seleção desses textos é feita pela equipe pedagógica, junto com as professoras, buscando incluir alguns clássicos e temas da infância. Lemos, por exemplo: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, O Pote Vazio, de Demi, Tampinha, de Ângela Lago, e As aventuras do avião vermelho, de Erico Verissimo, entre outros, bem como exploramos o acervo da biblioteca relativo ao assunto. Quando essas leituras são socializadas (a professora lendo para todos) ou quando são propostas através da unidade de leitura (uma cópia para cada um de textos iguais para todos, com leitura individual e em conjunto), há todo um conjunto de
propostas – antes, durante e depois da leitura – através das quais a professora questiona, informa e desafia as crianças para que pensem sobre o significado de palavras ou expressões e sobre as relações entre os personagens e suas ações, construindo sentidos e ampliando suas possibilidades de compreensão. Explora com elas partes do texto que caracterizam os personagens e que explicitam ou trazem dicas sobre o ambiente e o tempo das histórias, permitindo que se deem conta também de informações implícitas no texto. Ainda provoca o estabelecimento de relações entre os textos lidos dentro desse mesmo foco e com a realidade próxima das crianças. Alfabetizar é mostrar que os livros nos permitem entender melhor o mundo que nos rodeia, nosso próprio mundo interior, e ingressar nos mundos possíveis. Alfabetizar é ensinar que a escrita ajuda a pensar, que nos aproxima do que está longe, que nos afasta de nós mesmos e nos permite ver-nos, refletidos no papel, e objetivar o que nos passa e o que sentimos... (LERNER, LORENTE e LOTITO, 1995) As intervenções da professora a partir da leitura das narrativas também propiciam o reconhecimento, pela criança, da linguagem utilizada nos textos, de modo que, aos poucos, vá se dando conta de como é utiliza-
da, tendo em vista determinados efeitos que se deseja obter, qual o universo vocabular, a estrutura do texto e as formas de iniciar e de terminar. A criança é encorajada a buscar os elementos característicos desse tipo de narrativa, inclusive imitando-a, para poder escrever com propriedade as de sua autoria. Em primeiro lugar, é escrevendo que se aprende a escrever (e confrontando o que faz com suas leituras e sistematizando suas descobertas). Concepção inversa em relação à que consiste em pensar que, para ser eficaz, é preciso primeiro inculcar saberes metalinguísticos (vocabulário, gramática, ortografia), para que no final do percurso a criança consiga escrever. (JOLIBERT, 1992) O projeto ganhou mais vida e teve um envolvimento maior das crianças quando convidamos os familiares a virem à escola contar ou ler alguma história, real ou da literatura, cujo personagem fosse uma criança. A participação dos pais e mães têm sido massiva e isso permite que as crianças tenham contato com outros modelos de leitura oral. Outro fato novo, que deu um colorido especial ao projeto, foi a presença de alunos estrangeiros do curso de letras da UFRGS, que têm vindo contar histórias de crianças de suas culturas (Congo, República Democrática do Congo, Benin, Togo, Bulgária, China e Itália), praticando a língua portuguesa.
À medida que as leituras vão acontecendo, são feitas também propostas de escrita às crianças, de modo que elas vão praticando e desenvolvendo essa capacidade e, ao final do projeto, tenham três histórias com personagens crianças, as quais farão parte de um livro. Esse livro de cada aluno vai para a biblioteca da escola, para poder ser lido pela comunidade escolar, e é entregue às famílias. E fazemos questão de explicitar isso com os alunos desde o começo do trabalho, para que saibam de antemão quem será seu leitor. A primeira proposta de escrita é individual e conta algo que ocorreu na vida de cada um. A criança é estimulada a listar suas ideias iniciais em um rascunho, passando a ser este uma importante ferramenta para que ela não se perca. A partir do rascunho, começa a primeira versão do texto, que a professora vai acompanhando e revisando junto, apontando sugestões ou alertando para dados que precisam estar mais explicitados ou desenvolvidos.
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O texto revisado é digitado e, após, lido aos colegas, com intervenções da professora para auxiliar as crianças a discutirem as ideias que nele aparecem, para verificar se foram entendidas por todos e para sugerirem possíveis alterações. Cada um, então, volta ao seu texto para desenvolvê-lo, aproveitando as sugestões. É imprescindível que se crie um clima em sala de aula em que ir e vir ao texto, não seja visto como algo negativo, mas, sim, como forma de aprimorá-lo para ter um resultado com mais qualidade. No decorrer dessa escrita, há revisões da professora e também dos colegas, assim como releitura pelas próprias crianças com esse foco. Ao longo das produções há a criação de um cartaz, que fica afixado na sala, com as palavras e expressões mais usadas, o qual é consultado, durante a produção textual, sempre que precisam. Outras duas produções são realizadas - uma coletiva e mais uma individual -, podendo as crianças, nessa etapa, escreverem histórias inventadas. A escrita coletiva possibilita que a criança se aproprie de aspectos mais avançados do que aqueles com os quais já consegue lidar sozinha, o que contribui para que avance em seus próprios textos, obtendo recursos para produzi-los com mais coerência e coesão. A professora costuma fazer a revisão coletiva das histórias, dividindo essa atividade em dois momentos pelo menos: o primeiro focado nos aspectos discursivos (organização e hierarquização de ideias, atentando para coesão, coerência e adequação da linguagem, evitando traços de oralidade ou repetição de palavras) e o segundo, nos aspectos notacionais (uso do ponto final, segmentação das palavras e ortografia). Apresenta tre-
chos escolhidos no quadro, datashow ou retroprojetor, e lança questões relacionadas com o que pretende que aprendam ou aperfeiçoem no texto. O importante é que todos consigam acompanhar o que está sendo lido pela professora e possam sugerir mudanças.
As atividades de fechamento envolvem a digitação das histórias pelas crianças, com o apoio da professora (e da monitora de informática), bem como a sua ilustração e a organização do livro em que constam as três histórias de cada criança (do fato vivido, a história coletiva e a história individual inventada).
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Não só é importante que as crianças dominem progressivamente a língua escrita, mas que possam relacionar-se com ela de um modo prazeroso; isto é o que garante que os sujeitos continuem seu processo de alfabetização, ainda quando tenham terminado a educação formal. (CASTEDO, 1995) Referências bibliográficas: JOLIBERT, Josette. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo: Melhoramentos, 2012. VÁZQUEZ, Alicia; MATTEODA, María Celia. Escribir en la escuela – dimensiones cognitiva y didática. Rio Cuarto: Editorial de La Fundación Universidad Nacional de Rio Cuarto, 1998. Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires. Secretaria de Educación – Dirección de Curriculum. Lengua. Documento de trabajo nº 1, 1995.
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Uma experiência vivida em parceria
Profª Jaqueline Barbieri Pieretti Graduada em Pedagogia e Mestra em Psicologia da Educação, pela UFRGS Profª Raquel Silveira de Oliveira Licenciada em Pedagogia/Educação infantil, pela UFRGS Cursando Pós-Graduação em Educação Infantil e Ensino Fundamental na Uniasselvi Profª Tânia Mára Cordeiro Gonzalez Licenciada em Pedagogia pela AEUDF (Brasília) Extensão em Orientação Vocacional, no Instituto de Psicologia da UFRGS e Coordenadora Deborah Vier Fischer Licenciada em Pedagogia, com habilitação em Educação Infantil, pela UFRGS Pós-graduada em Educação Psicomotora, pela FAPA Mestre em Educação, pela UFRGS
Mesa de desenho do artista Rafael Sica, exposta no Jabutipê
O relato a seguir faz parte de uma experiência vivida pelos alunos e professoras do 4º ano da Escola Projeto, juntamente com sua coordenadora pedagógica, em relação a uma saída de campo, para apreciação de uma exposição de arte visual, em um espaço expositivo da cidade de Porto Alegre, chamado Jabutipê. O Jabutipê está localizado no Centro Histórico da cidade, na Rua Fernando Machado, 195 e é de propriedade do artista plástico Antônio Augusto Bueno, que tem sido um importante apoiador e colaborador do trabalho de artes da escola. Antônio tem acompanhado o estudo sobre tridimensional desta série (estudo do 1º trimestre do ano letivo), desde 2012, atuando em oficinas de criação com os alunos e professoras. O último en-
contro com ele foi realizado em maio deste ano de 2014, em que, juntos, artista, alunos e professoras, criaram produções com gravetos e outros materiais que a natureza descarta e que tem sido foco de trabalho do Antônio neste momento. No 2º trimestre letivo, o 4º ano costuma realizar um projeto focado no desenho, com o objetivo de ampliar o repertório dos alunos nessa linguagem. Para isso os desafiamos a desenharem a partir da apreciação do trabalho de diferentes artistas visuais, que entendem o desenho como representação que se apresenta de maneiras diversas, com técnicas e materiais variados. Um dos artistas que proporcionou aos alunos e às professoras bons
momentos de reflexão e discussão sobre o desenho foi Rafael Sica, artista gaúcho, nascido em Pelotas e que tem um reconhecido trabalho como desenhista e quadrinista. A aproximação a esse artista se deu, primeiramente pelas professoras e coordenação, através do convite de Antônio Augusto Bueno para a visita à exposição O Ordinário Rafael Sica, realizada durante o mês de junho de 2014, em que o artista apresentou uma série de desenhos originais, em pequenos e médios formatos, compondo uma coletânea de trabalhos produzidos entre os anos de 2009 e 2014. Como a temática do desenho interessava à equipe do 4º ano, logo se deu o movimento de buscar informa-
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com sua mesa de trabalho, luminária, materiais de desenho, publicações, banqueta, painel com fotos, desenhos seus e de sua filha, lembranças, marcas de sua trajetória profissional, enfim, diversas fontes de inspiração. Os alunos pareciam estar “em casa” no espaço da exposição, à vontade, envolvidos em descobrir traços, expressões, personagens, temáticas, materiais e modos como o artista representa o que vê, percebe, pensa ou sente. Explorar de perto alguns materiais utilizados pelo artista em suas produções, descobrindo tipos de lápis, canetas e pontas para uso do nanquim foi algo muito instigante e contribuiu para que os alunos pudessem estabelecer relações entre o que estudaram na escola e o que viram na exposição, comparar os materiais que já conheciam e que costumavam usar em seus desenhos e aprender com o Antônio, sobre tipos de lápis mais adequados para cada traçado, tendo em vista que este artista tem também uma forte relação com o desenho.
Turma 43 no Jabutipê
ções sobre o artista e sua obra, especialmente através de sites da internet, e percebeu-se a riqueza do seu trabalho, que retrata o cotidiano de maneira quase surrealista, juntamente com situações absurdas, que envolvem sentimentos variados, como a solidão e o medo. Sua produção é marcada pela narração de histórias, vividas ou inventadas, com a presença do movimento, uso abundante de detalhes e contraste marcante do preto com o branco. Realiza desenhos em tiras de situações corriqueiras, como o atravessar a rua, subir escadas, andar de ônibus, próprias de quem vive na cena urbana, e também representa o contraste entre o cheio e o vazio, através de cenas como o vazio de brinquedos em uma praça pública e um shopping lotado de pessoas. Essas “marcas” do artista chamaram a atenção das docentes, que aceitaram o desafio de olhar mais de perto para esse trabalho, juntamente com seus alunos. Foi agendada, então, uma visita com os alunos ao Jabutipê, local da exposição, com um horário para cada uma das três turmas de 4º ano. A chegada ao espaço, após uma breve aproximação à obra do artista na es-
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Turma 41 no Jabutipê com Antônio Augusto Bueno
cola e planejamento da atividade, deu-se de forma muito interessante. Cada uma das turmas, ao entrar, rapidamente era absorvida pela forte presença das imagens nas paredes, através de desenhos (tiras) e, especialmente, de parte do atelier do artista Rafael Sica, que foi levado para dentro do espaço expositivo,
Turma 42 no Jabutipê
Aluna comparando seu desenho com o do Rafael Sica (acervo da escola)
Falas de admiração e de curiosidade em relação a essa linguagem artística ecoavam pelo espaço expositivo, algumas delas direcionadas ao Antônio Augusto Bueno, que acompanhava atentamente cada movimento dos alunos: “Uau! Como ele consegue desenhar tão bem?”, “Olha só como ele representa o movimento, a profundidade...”, “Como usa o preenchimento do espaço!”, “Eu sempre quis fazer expressão de bravo e não sabia como”, “Olha quantas maneiras de desenhar uma escada!”, “Algumas cenas são mais difíceis de serem entendidas”, “Como ele consegue desenhar a vista de cima?”, “O que será que ele faz primeiro: pinta a parte escura e depois apaga ou deixa o espaço em branco já separado?”, “Como ele consegue desenhar tantas coisas num espaço de papel tão pequeno?”, “Será que ele fica muito tempo desenhando?”, “Puxa, eu não tinha pensado que dá para pintar o fundo de preto e deixar as imagens em branco, fica muito legal”, “Olha, ele mistura pessoas e animais”, “Desenha de cabeça para baixo”, “Faz esfumaçado, eu também costumo fazer isso em meus desenhos”. Antônio, aos poucos, ia tecendo algum comentário, contando alguma história do Rafael Sica em relação aos seus trabalhos e comentando um pouco sobre seu processo de criação,
inclusive lendo algumas anotações feitas de próprio punho pelo artista em uma de suas publicações, em que ele deixou registrado o que o havia inspirado ou como tinha realizado algumas das produções ali expostas. E, diante disso, alunos, professoras e coordenadora, como que em sintonia, atuavam juntos, apreciando, registrando, imaginando e entrando no mun- Registro do esquema coletivo – turma 43 do nada linear do artista. Em determinado momento, a necessidade de desenhar dos alunos passou a ocupar o Jabutipê. Perfeitamente acomodados, sentados no chão diante dos trabalhos preferidos ou mais desafiadores, apoiados sobre as mesas, de pé, sobre o parapeito da janela ou sobre o corrimão da escada, com suas folhas de desenho, lápis e prancheta, transformaram o espaço do Antônio numa aula de artes, das mais produtivas. Desenharam suas escadas, janelas, figuras humanas, animais, árvores, formas geométricas. Pintaram com lápis, buscando o contraste, esfumaçaram e compararam suas produções com as do Rafael, aproximando-se delas e afastandose em seguida para olhá-las de outro ponto de vista. E Antônio, atento a tudo, comentava discretamente: “Que barato!”. Finda a visita, ao deixar o espaço expositivo e retornar à escola, uma profusão de ideias e desejos, alimentados pela experiência vivida, contribuiu para as produções que se seguiram. Num primeiro momento, foi realizado um grande esquema coletivo, representado por palavras que caracterizassem ou lembrassem o trabalho do artista, considerando o que foi
observado na visita e pesquisado em aula. Este esquema evidenciou o que os alunos conseguiram pontuar em relação à obra de Rafael Sica e que foi representado nos desenhos que sucederam essa atividade. No momento seguinte, os alunos foram instigados a levar um pouco das ideias do artista para casa, buscando explorar a produção em quadrinhos. A ideia era que registrassem um acontecimento, real ou fictício, através do desenho em 3 ou 4 quadrinhos. De volta à escola, cada aluno foi desafiado a criar uma pequena tira, procurando fazer uso do que perceberam na obra de Rafael Sica e para além dela, dando sua marca pessoal ao desenho. Foi muito interessante observar como representaram a ideia de movimento, de preenchimento (com pontos, linhas de diferentes espessuras para criar texturas e delimitar espaços), de perspectiva, de busca de contraste entre claro e escuro, utilizando o lápis grafite, borrando a imagem e clareando ou escurecendo a folha, entre outras percepções relacionadas ao desenho. Os exemplos a seguir, mostram um pouco dessa produção dos alunos das diferentes turmas:
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Exemplos da produção dos alunos das diferentes turmas.
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Foi interessante observar algumas colocações dos alunos durante os momentos de produção dessas tiras, que revelavam a sua apropriação sobre o que viram e ouviram na visita à exposição e durante a conversa com Antônio Bueno, especialmente em relação aos diferentes tipos de lápis de desenho e suas funções (lápis H, HB e 1B a 8B): “Preciso do lápis 8B, pois quero esfumaçar”. “Qual é mesmo o melhor lápis para preencher com pontinhos?” “Como tu consegues fazer o esfumaçado desse jeito? Qual lápis usar?” Como perspectiva de continuidade a este trabalho, seguiram-se novas apreciações e produções e, ao final desta etapa do projeto de artes do 4° ano, fica a certeza de que a experiência vivida, em companhia de Antônio Augusto Bueno e das obras de Rafael Sica, inspirou a todos, alunos, professoras e coordenadora. Fica também o desejo de que o trabalho com arte na escola seja tão potente quanto os esboços, rabiscos, registros e perguntas que aqueceram a gelada manhã de inverno em Porto Alegre e que sigam contribuindo para a ampliação da relação de cada um com a arte. E que venham mais e muitas ideias!
Sites/links consultados: wp.clicrbs.com.br/blogerlerina/2014/06/06/o-ordinario-rafael-sica/ www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=65018 jabutipe.com.br rafaelsica.zip.net
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[...] não existe uma fórmula mágica no trato com alunos com autismo. Tudo requer tempo, persistência e muita dedicação. Mas não restam dúvidas de que, além dos pais, o desenvolvimento dos pequenos depende, e muito, das instituições de ensino. Esses fatores, em conjunto, podem garantir um futuro menos caótico e uma vida mais harmoniosa e produtiva. (SILVA, 2012, p.127)
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