Nยบ 03 - Dezembro de 2015
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O desafio de escrever na escola
Editorial
Tomo emprestada a expressão usada pela coordenadora Deborah, em algum momento do texto que publica nesta edição, para dar título a este editorial, que apresenta o 3º exemplar da Revista Palavra Projeto, publicada neste site desde 2013, trazendo a palavra dos professores da escola. Aliás, seu texto, como um todo, expressa bem o que eu desejaria registrar neste editorial. Então, não vou me alongar aqui, esperando que leiam o texto dela a seguir. A escrita dos artigos, por cada professora da escola, desta vez, foi desencadeada a partir de alguns encontros com o professor e pai de ex-aluno da escola, Bernardo Bueno, que trabalha com escrita criativa na PUCRS. Quase todos aceitaram o desafio e se arriscaram, encorajandose a escrever e a se expressar, o que muito nos alegrou, na medida em que sabemos que a escrita é uma forma de apropriação pelo professor de sua prática e, portanto, ótimo instrumento de formação. Esperamos que, ao lerem os textos que seguem, as famílias e demais pessoas de nossa comunidade escolar, bem como professores de outras instituições, sintam-se informados sobre o trabalho da Projeto, mas, sobretudo, instigados a refletir sobre o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças, como nossos professores fizeram ao escrever. Os assuntos são variados, indo desde a adaptação das crianças à escola, até relatos de projetos de trabalho, passando por reflexões sobre a infância, o desenho, a brincadeira, o desenvolvimento moral, o papel da rotina na escola e dos aprendizados do professor. Mas todos os textos trazem ponderações e questões acerca do dia a dia que se vive na escola, o qual nos mobiliza e faz pensar. E seu conjunto mostra o alto nível desta equipe incansável, quando se trata de qualificar a prática pedagógica e o sentido de sua atuação junto à formação das crianças sob sua responsabilidade.
Aproveitem!
FICHA TÉCNICA Capa e contra-capa: Fotos Kelly Bernardo Martinez Colaboradores: professores da Escola Projeto educação infantil e ensino fundamental/2015
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Coordenação editorial e Editorial: Beth Baldi Projeto gráfico e arte: Elisa Moog Ilustrações: fotografias tiradas por professores, alunos, monitores e estagiárias e trabalhos dos alunos.
Beth Baldi
Endereços: Unidade 1: Rua Cel Paulino Teixeira, 394 Fone: (51) 3331-7384 Unidade 2: Av. José Bonifácio, 581 Fone: (51) 3333-4154 unidade1@escolaprojeto.g12.br unidade2@escolaprojeto.g12.br www.escolaprojeto.g12.br
Escrita na escola: palavra de professor Deborah Fischer Coordenadora do ensino fundamental, formada em Pedagogia/Educação Infantil pela UFRGS, especialista em Educação Psicomotora pela FAPA, mestre em Educação/UFRGS e doutoranda em Educação/UFRGS.
“A palavra quando escrita ela se firma. Quando dita ela se som. Quando pensada ela sem corpo.” (Mosé, 2006, p.39)
Começo com Viviane Mosé, psicanalista, filósofa e escritora que inspira esta escrita. Mosé, que aposta na palavra escrita para dar vazão aos pensamentos e que se interessa pela linguagem do cotidiano, colabora para que eu consiga estruturar este texto, juntando fragmentos de falas de professores da Escola Projeto, em relação à maior ou menor profundidade e aproximação com a palavra escrita. Falas como “tenho maior desenvoltura na escrita acadêmica, mas tenho dificuldades na escrita informal” alternadas com outras como “tenho dificuldade em ser autora, responsável por uma escrita formal”, extraídas de uma ata de reunião de professores, em que havia sido lançada a proposta de narrar, por escrito, alguma situação relacionada à docência, à vida na escola, a alguma aprendizagem ou vivência significativa, deixando-se levar pela possibilidade de enfrentar o desafio de firmar palavras, é o que interessa a este ensaio, que se dedica a refletir sobre escrita na escola. Escrita, pelas mãos de quem, na maioria das vezes, orienta, coordena e acompanha brilhantemente o processo de escrita dos alunos, mas se ressente de escrever, não se percebe autorizado para isso. Por que isso ocorre? “Porque não tivemos um trabalho de escrita consis-
tente no nosso tempo de escola, era muito pela redação, aquele jeito mais formatado”, diz uma professora; “porque há o peso da escrita acadêmica, com sua formalidade e obrigações”, retruca outra. Por que a escrita, enfim, afasta e não aproxima?, pergunto eu. Por que parece que precisamos sofrer para encontrar palavras e para transformá-las em marcas no papel? Talvez porque estejamos ainda muito presos a certezas, a convenções, a erros e acertos. Talvez tenhamos que nos arriscar mais, transitar pelo incerto, procurando caminhos e possibilidades sempre abertas. Talvez possamos, assim, ter uma relação mais segura, alongada e sedutora com a palavra escrita. Pensando nessa relação de entrega à escrita, trago novamente Mosé (2006, p. 64), quando diz que: “(...) se pudesse saber o certo não escreveria. Escrevo para descrever o que não cabe em lugar nenhum. O lugar do texto é o papel. Não é o sublime, o além, o ser. É o signo, o código, a linha, a tecla, a caneta.” E, então, por que tranca a escrita? O que nos falta para que a escrita ocupe o lugar a que a autora se refere? Por que o desconforto em relação a escrever o que, por vezes,
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nos é tão próximo? O que nos falta se temos as ideias, os materiais, os suportes, o domínio do signo? Por que o texto demora a fluir, por que as linhas custam a serem preenchidas? Como transformar a palavra pensada, dita, ensaiada, em escrita? Não há receitas, há processos, caminhos, possibilidades, mas há, acima de tudo, a coragem de enfrentar o desconhecido, o mito de preencher linhas, deixando traços, rastros, marcas, memórias. Mostrar o processo de feitura, como ensina Mosé (2006). Escrever como quem aprende, diz Lispector (1998). Escrita como um espaço que não se deixa apanhar por completo, fuga do instituído, que jamais se torna forma fixa, conforme Fischer (2005), ao se referir, neste caso, à escrita acadêmica.
que contam histórias. Registros de aprendizagens dos professores sobre conteúdos diversos que mudaram a sua relação com o modo de ser docente. Na matemática, por exemplo, através do estudo de algoritmos alternativos das diferentes operações; nas artes, através dos artistas de rua e de seu jeito irreverente de mostrar a realidade, fazendo uma crítica social; na leitura de clássicos da literatura infantil e juvenil, descobrindo a intensidade desses textos, muitos deles escritos em tempos tão diversos do nosso e ainda assim tão atuais; no registro da história da escola e na tentativa de tomá-la não de forma rígida ou linear, mas de maneira a se tornar tão leve, sem perder o rigor da narrativa, capaz de dar a sensação de estar sendo vivida pelo leitor atento.
Entendo que há muito a ser escrito na escola, há muito a ser compartilhado, guardado, referido na prática docente, há muita vida na escola e essa vida ganha mais força e potência se firmada pela palavra, como documento que permite a permanência, de algum modo, da experiência. Permite outros olhares, outras interpretações, outras significações. Histórias
Escrever, nos diz Jolibert (1994, p. 44): “(...) é uma atitude totalmente pessoal, num processo complexo que articula os aspectos eminentemente pessoais, que são a representação, a memória, a afetividade, o imaginário etc.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FISCHER, Rosa Maria. Escrita acadêmica: arte de assinar o que se lê. In: COSTA, Marisa Vorraber; BUJES, Maria Isabel Edelweiss (orgs.). Caminhos investigativos III: riscos e possibilidades de pesquisar nas fronteiras. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 117 – 140. JOLIBERT, Josette. Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. MOSÉ, Viviane. Desato. Rio de Janeiro: Record, 2006.
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Assim, cada texto que nasce pelas mãos do professor, vem carregado de uma alquimia própria, de sentido, de vontade, mas também de receios, de procura pelas melhores palavras, pelo desafio de se fazer entender, pois, de acordo com a autora, quando escrevemos corremos o risco de não utilizarmos de modo adequado as diversas possibilidades oferecidas pela gramática, ou seja, há que se ir além do domínio prático da gramática, considerando e percebendo o leitor não como um mero receptor, mas como colaborador e co-elaborador do texto. Então, arrisquemo-nos. Caso contrário, como provar e compartilhar nossa experiência?
Câmera na mão! Kelly B. Martinez Professora do 2º ano/ turma 23 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia pela UFRGS e graduanda de Artes Visuais na mesma instituição. Coordena o projeto Clube do Museu que promove estudos e ações em Educação e Arte.
O olhar estético do professor sobre a sala de aula Naturalização do olhar, diferença entre olhar e ver, compreensão estética do olhar, perpetuando o presente através da imagem capturada, são alguns dos elementos que tomei como temas neste texto. As imagens que passam pelos meus olhos – algumas das quais publico aqui - ilustram o cotidiano da sala de aula e, a partir destes textos que se complementam, pretendo compartilhar e reconhecer a experiência de quem esteve e vivenciou momentos únicos entre as crianças: o dente que cai, o primeiro equilíbrio com o bambolê, a brincadeira inventada, o momento de euforia, a admiração estampada no rosto, o espaço vazio e o espaço ocupado. RECÉM CHEGADA Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar! (Galeano, 2002:12)
Iniciei na Escola Projeto em fevereiro deste ano, logo após ter me graduado em Pedagogia, e atualmente estudo Artes Visuais. Mesmo tendo experiência em outras instituições de ensino, tenho aprendido muito neste espaço, compreendendo a filosofia e a proposta da instituição. Por ser este um momento de muitas novidades, fiquei pensando em como eternizá-las
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Penso que o exercício do olhar que faço, enquanto educadora, pretende algo, busca e tenta comunicar algo. Como diz Gimeno Sacristán (2005:12), a nossa atenção varia de acordo com as nossas “preferências intelectuais” e “estas preferências dizem muito de nós, de nossa sociedade e da cultura em um dado momento; delatam nossas sensibilidades”. De fato, estudo e me dedico a um olhar mais sensível e estético.
ou, ao menos, estendê-las num espaço e num tempo maiores do que o destino lhes prescrevia. Assim como as imagens de infância que guardamos na memória, pensei em registrar estes momentos junto à escola, aos alunos e ao cotidiano. E foi, a partir dessa intenção, que comecei a fotografar diferentes cenas do contexto escolar. O autor John Berger, em Modos de Ver, diz que selecionamos o que vemos, atentando para um foco em detrimento de outro, e acrescenta que essa seleção é baseada em nossas crenças e no conhecimento que possuímos. Para ele: “A maneira como vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos. [...] Só vemos aquilo que olhamos. Olhar é um ato de escolha. Como resultado dessa escolha, aquilo que vemos é trazido para o âmbito do nosso alcance ainda que não necessariamente ao alcance da mão.” (Berger, 1999:10)
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Como este ensaio escrito foi baseado nas imagens que eu capturei, é preciso deixar clara a minha intenção de compartilhar com o leitor o modo como eu vi o meu cotidiano, mas também como isso demandou esforço para que ele não passasse despercebido. Muitas vezes ficamos tão absorvidos pelos conteúdos que precisamos ensinar e pelas atividades e propostas que devemos planejar para que os alunos os aprendam, que acostumamos o olhar, passando a ver as situações que acontecem de forma natural, sem o mesmo brilho e vigor de quem os vê pela primeira vez. Para este exercício de olhar, o processo não é apenas orgânico e desenvolvido através da maturação do sentido da visão. É preciso aprender a ver. Para Armindo Trevisan: “É ilusão supor que se aprende a falar e a escrever, mas que não se aprende a ver! (...) nossos olhos são culturais. Nascem incompletos como o próprio organismo que necessita ser introduzido no mundo por outros seres humanos.” (Trevisan, 1990: 127) Na convivência com crianças, os dias são carregados de sutilezas e momentos únicos. Convivemos com a risada e a gargalhada espontânea, com o tombo e o choro, com a diver-
gência e o fazer as pazes, com a palavra lida e o cálculo feito. Ser professor é estar imerso nesse universo sutil, mas de grande valor afetivo e formador, bem como estético e criativo. Por isso, entendo que este olhar possa ser aprendido, aperfeiçoado, mediante um esforço de quem vê. A paisagem está lá, o aluno está lá, a sala de aula também. Se criamos uma perspectiva de olhar diferente, passamos a enxergar coisas que até então não víamos. Proponho este exercício: olhe à sua volta e escolha um objeto do cotidiano. Algo que você olhe diariamente. Agora desvie a sua atenção para aquilo por poucos segundos. Pronto! Você não está mais olhando. Agora você está vendo! Ainda para Trevisan, há uma grande diferença entre olhar e ver. Olhamos muitas formas, imagens, objetos e pessoas. O cérebro automatiza cada elemento visual e busca imagens após imagens, sem prestar tempo e esforço para lê-las, questioná-las, ressignificá-las. Precisamos despender mais atenção, para que consigamos de fato vê-las. A filosofia tem como um dos seus princípios a atitude da indignação e da dúvida. Diz que, ao questionarmos, problematizarmos, duvidarmos, estamos exercitando a nossa capacidade de mudar e ampliar o nosso ponto de vista. Assim, se naturalizamos a imagem, o pensamento, as ações, nunca haveria mudança. A sala de aula é um espaço rico para este exercício. E, se pensamos em alunos cidadãos e críticos, precisamos oferecer elementos para que eles consigam ver e não apenas olhar, para que eles consigam formular e não apenas receber conhecimento. Percebi nesse ambiente a possibilidade de criar um ensaio visual, registrando cenas, que traduzissem um
pouco do meu sentimento, enquanto docente, de participar daquele processo, bem como dos sentimentos daqueles sujeitos envolvidos. De quase setecentas fotos, escolhi pouco mais de quarenta para ilustrar o nosso dia a dia e demonstrar como ele pode ser rico também em termos de estética e criação. Como o cenário infantil, ainda é o meio mais colorido que podemos habitar. Para Ivone Rischer: “A estética do cotidiano subentende, além dos objetos ou atividades presentes na vida comum, considerados como possuindo valor estético por aquela cultura, também e principalmente a subjetividade dos sujeitos que a compõem e cuja estética se organiza a partir de múltiplas facetas do seu processo de vida e de transformação”. (2003:20-21). Convido o leitor, então, a entrar neste espaço virtual, imagético, significativo, que ilustra o meu cotidiano, o cotidiano dos alunos e da escola. A cultura visual está por toda parte, carregada de intenções, discursos e poluições. Ofereço neste relato, um aspecto mais contemplativo, mas não menos crítico. Que a sala de aula ainda seja um espaço mágico, que “encha os olhos” e que consigamos oferecer aos alunos, condições para que eles olhem, vejam, selecionem, mas nunca acomodem os seus olhares e a capacidade de se encantar. Clique aqui e aprecie o ensaio visual feito pela professora Kelly. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BERGER, John. Modos de Ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999:10. GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Trad. Eric Nepomuceno. - 9. ed. - Porto Alegre: L&PM, 2002:12. RICHTER. Ivone Mendes. Interculturalidade e Estética do Cotidiano no Ensino das Artes Visuais. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003: 20-21. SACRISTÁN, José Gimeno. O adulto constrói o menor e o aluno. Em: O aluno como invenção. Porto Alegre: ARTMED, 2005:11-12. TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Do saber ao sabor uma síntese impossível. Uniprom. 1990:127.
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Andréa Coelho Paim Coordenadora da educação infantil, formada em Magistério e Educação Física, no IPA (Instituto Porto Alegre), com especialização em Processos Inclusivos, na UFRGS.
A infância ontem e hoje: “No meu tempo...” Meu interesse pela infância não é de hoje. Pensando bem, recém tinha passado por ela e já iniciava minhas leituras a respeito. Isso faz bastante tempo, e nesse período pude acompanhar diversas descobertas e mudanças em relação a essa etapa do desenvolvimento humano. Algo que ultimamente tem me chamado a atenção é o fato dos adultos lembrarem com muito carinho dessa fase, mas normalmente comentarem que “No meu tempo... era muito melhor!”. Essa reflexão normalmente é seguida de uma lista de brincadeiras (algumas até peraltagens) que faziam quando eram crianças, como brincar livremente na calçada, jogar bola no meio da rua, pular muros, corda, amarelinha, explorar sucatas, brincar mais com a caixa do que com o presente... Eu mesma já me peguei caindo nessa armadilha do tempo. E foi aí que me dei conta sobre a nostalgia que em um determinado momento nos toca de uma maneira especial: normalmente quando nos tornamos mães, pais, avós ou tios e nos aproximamos novamente da infância, numa perspectiva totalmente diferente. Mas, enfim, o que aconteceu que aquela nossa infância não parece estar no presente? Seria a falta de tempo? A insegurança nas ruas? Os perigos que nos rondam e tentam nos paralisar? Para algumas crianças esse momento realmente pode ter ficado
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menos rico, mas as crianças que frequentam uma escola infantil de qualidade certamente serão adultos que lembrarão com bastante carinho dessa fase. A escola infantil de qualidade à qual me refiro é a que compreende o quanto é importante para a formação do sujeito. Que sabe que é nessa fase da vida que construímos as estruturas que servirão de base para o desenvolvimento futuro, e assume essa responsabilidade. Que identifica no ato de brincar inúmeras aprendizagens, que instiga o pensamento, que provoca a reflexão, que permite a cada um descobrir suas características próprias e ser respeitado por elas. O professor dessa escola tem conhecimento sobre as etapas do desenvolvimento infantil, compreendendo as atitudes das crianças de determinada faixa etária, auxiliando-as a avançar através de propostas lúdicas que provoquem a desestabilização de suas certezas, a construção de novas descobertas ou a confirmação de suas ideias. A infância é a fase do aprendizado através da ação, do corpo e de seus inúmeros sentidos. E, provavelmente, é por isso que nossa memória, quando adultos, nos traga as passagens mais significativas, recheadas de sentimentos. É especialmente nesse período que aprendemos a transferir a segurança estabelecida no âmbito familiar para a escola, em especial para
a professora. E quando esse vínculo é estabelecido, as vivências tornam-se cada vez mais marcantes. E também é essa professora quem resgata as brincadeiras que são características da infância, que parecem adormecer a cada adolescente que emerge, que ficam guardadas na expressão “No meu tempo...”. Aquelas brincadeiras de rua se deslocaram para dentro das escolas, para as sacadas dos apartamentos, para o chão do quarto, para o corredor do prédio; mas só sumirão da infância das nossas crianças se permitirmos. Quem já pulou elástico com seu filho? Ou jogou botão? Bolinha de gude? Na nossa escola temos um projeto de estudo sobre a infância de antigamente, em que crianças de 3 anos pesquisam com seus familiares brinquedos e brincadeiras que eram realizados na infância deles. Esse material é trazido para a escola, experimentado e compartilhado entre os alunos da turma. As infâncias de avós, pais, padrinhos, acabam transbordando de suas memórias, e chegam à escola repletas de significados. Alguns desses familiares visitam a escola para brincar, e acabam descobrindo que “No meu tempo...” pode ser agora, junto com as crianças. Além desse projeto, em nosso cotidiano, temos um olhar bastante provocador em relação às diferentes experiências, trazendo para os alunos brincadeiras de areia com água, criações livres com caixas, explorações com materiais de sucata, inúmeras possibilidades de representação; propostas pautadas na ação das crianças com os objetos e entre
elas mesmas, cerne da nossa concepção de educação.
intenção de descoberta do nosso olhar.”
“Para se aprender matemática, química ou gramática é necessário realizar experimentos e analisar textos. Para aprender a viver em grupo é necessário ter experiências de vida em comum.” (Piaget, 1967)
E complementa falando da importância de aprendermos a ler o outro, a compartilhar vivências, a construir de maneira cooperativa. Então, a infância é tempo de calma e de correria, é tempo de parar para ver uma formiga se deslocando, é tempo de acertar o passo para correr, é tempo de ensinar e aprender, é tempo de guardar recordações.
Além de o adulto ser responsável em significar muitas coisas do cotidiano para as crianças, é importante que permita que elas possam construir sua própria infância, respeitando o seu tempo, as suas descobertas, o seu mundo. Nesse aspecto, o professor age como um organizador do ambiente, trazendo materiais e atividades que auxiliem essas descobertas. Certos de que queremos, como adultos, acertar a qualquer preço, saibamos que todas as experiências fazem parte dessa construção de mundo: um joelho ralado, um brinquedo não ganho e um tombo da bicicleta são extremamente importantes. Permitir que as crianças vivam essas situações é proporcionar que construam suas próprias aprendizagens e que sejam narradoras de suas histórias. Mia Couto (2011), ao nos propor pensar sobre a construção da leitura para além das letras, diz algo que se encaixa muito bem nesta reflexão: “Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da
O ato de aprender a conviver, construindo vínculos, é conteúdo da infância, mas também fazem parte das aprendizagens as construções lógico-matemáticas, as representações gráficas (ilustrações, desenhos, letras), as explorações artísticas, o jogo simbólico, a percepção corporal, a construção de repertórios musicais etc. Garantir essas aprendizagens é permitir que as crianças adquiram estrutura para constituírem-se como sujeitos. “A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentimento do Tempo.” (Mia Couto, 2011) Olhos fechados... Sorriso no rosto... Memória ativada... Amigos. Familiares. Brincadeiras. Escola. O que dirão nossas crianças de hoje, quando se encontrarem adultos, e falarem sobre “No meu tempo...”?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: COUTO, Mia. E se Obama fosse africano? São Paulo: Companhia das letras, 2011. PIAGET, Jean. O Juízo Moral na Criança. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
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Ana Carolina Rysdyk da Silva Professora do 1º ano/ turma 12 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia, pela UFRGS, e cursando, na mesma instituição, na modalidade a distância, o curso de Psicopedagogia e TICs.
Da faculdade à Projeto: vivências e práticas pedagógicas sob o olhar de uma professora do 1º ano “Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço da aula de matemática, comprar um sapato novo que eu não aguento mais o meu. Vontade assim todo o mundo pode ver. Não tô ligando a mínima. Mas as outras – as três que de repente vão crescendo e engordando toda a vida – ah, essas eu não quero mais mostrar.” (A Bolsa Amarela, Lygia Bojunga) Eu também escondia uma vontade. Escondia, por um tempo, a vontade de ser professora de 1º ano. Por vergonha. Por desilusão.
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Muito antes de entrar na faculdade, ser professora era uma vontade guardada. De 1ª ano, então? Nem se fala. Era uma vontade reprimida, que desatava a crescer toda vez que eu via a minha mãe, que também é professora, contando de seus alunos, lendo histórias, criando personagens, montando atividades e sendo o melhor que ela poderia ser numa escola pública. Aquelas crianças que, em muitos casos, pisavam pela primeira vez na escola, estavam abrindo seus olhos para o mundo, com a ajuda de uma pessoa que era fundamental na minha vida e que passaria a ser também na vida delas. Além disso, de todas as professoras que tive, certamente a que mais
me marcou, foi a da 1ª série (que também foi a professora da 2ª série). Na época em que estava cursando o ensino fundamental, falava-se cada vez mais em construtivismo no Brasil. Quando, mais tarde, fui estudar sobre isso na faculdade, percebi que a minha professora e a minha mãe, já trabalhavam com alguns dos princípios dessa corrente e com muito esmero, dentro das possibilidades e das dificuldades do contexto em que se inseriam. Mas, ao mesmo tempo, essa vontade ficava escondida, por ver minha mãe passar um trabalho (que não tinha diretamente ligação com a profissão, mas sim com a vida que ela levara) que eu não gostaria de passar. Mesmo assim, em 2006, realizei o vestibular para Pedagogia, com a desculpa de ser um curso relativamente fácil de entrar numa universidade pública. Entrei para o curso e me formei, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2010. Durante esse período, eu me apaixonei pelo curso diversas vezes. Mas várias dúvidas surgiram. Trabalhei em algumas escolas que me fizeram repensar se eu realmente gostaria de ser professora. As aulas da faculdade eram intensas e os professores nos faziam crer que era possível realizar tudo aquilo que víamos na teoria. Mas eu não estava vendo nada daquilo por onde eu andava. Fui desacreditando a instituição escolar. Afastando-me aos poucos da sala de aula. Até que, em 2009, cheguei à Escola Projeto sem saber se ainda queria ser professora. A ideia inicial era fazer estágio na secretaria, para auxiliar nas atividades administrativas da escola. E deu muito certo, durante um ano. Porém, no final daquele ano, entraria um aluno na escola que mudaria a minha maneira de
ver até hoje. Não só por ele, mas por ter tido a oportunidade de estar dentro de uma sala de aula da Projeto. Isso foi em março de 2010, quando completei um ano na escola e precisei ser realocada para auxiliar esse menino com necessidades educativas especiais, pois ele precisava de uma monitora em tempo integral na sala de aula. A nova função seria somente até encontrarem outra pessoa para essa vaga. Acontece que nenhuma monitora apareceu. E eu fui ficando, acompanhando aquele menino, que foi me tocando de um jeito que eu jamais imaginei. Foi me ensinando que, se a vida tem sempre novas possibilidades, o ensinar e o aprender também podem ter. Durante dois anos, eu vivi aquela parceria intensamente. Ele tinha um tipo de paralisia que prejudicava todos os seus movimentos. Para comunicar-se, utilizava os olhos. Piscava, olhava para os lados, arregalava-os. Jamais pensei que fosse tão difícil e tão gratificante trabalhar com alunos de inclusão. Qualquer mínimo avanço, demonstração de afeto ou de entendimento dele, era comemorado. E só depois de acompanhá-lo eu percebi que ele deveria mesmo estar nesta escola. Mas esse menino fez por mim muito mais do que ele ou eu poderíamos imaginar. Colocou-me dentro da sala de aula da escola que me mostrava que tudo aquilo que eu havia estudado na faculdade era de fato possível. Foi, então, que eu me vi apaixonada por aquelas práticas, pelas professoras e pelo trabalho em equipe. A Escola Projeto é formada por uma equipe de trabalho muito bem estruturada e comprometida. Esse período, acompanhando 3º e 4º anos do menino, me deu a dimensão daquele
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trabalho, daqueles projetos e daquela vida que havia dentro da sala de aula. Eu, que estava me afastando da escola, comecei a enxergar “tudo novo, de novo”. E foi aí, que a minha vontade desatou a crescer novamente. Foi quando, em 2012, fui convidada a ser parte daquela equipe, não mais como monitora, mas como professora do 1º ano. Desde então, eu sigo meu caminho aqui, aprendendo e ensinando todos os dias. E, enquanto vejo meus pequenos crescendo e aprendendo, me dou conta do quanto eu aprendi e aprendo cada vez mais. Conhecendo o trabalho da escola eu descobri que as teorias construtivistas eram ainda mais lindas na Projeto, que tinha um jeito muito bacana de ensinar. Estava tudo ali, impregnado de significado. Mas por que a escola trabalhava com a metodologia construtivista? “(...) o enfoque construtivista (...) permite pôr em prática, no interior da escola, certos princípios de ordem filosófica. Que princípios seriam esses? Sem querer esgotar a lista, diríamos que uma perspectiva construtivista é necessária se a escola quer: a) formar pessoas não conformistas, críticas, que lutam por seus direitos; b) formar pessoas que não só repetem, mecânica ou ordeiramente, o que lhes é transmitido, mas criam ou recriam conhecimentos e formas de expressão; c) formar pessoas que se regem por princípios éticos de justiça social, de redução das desigualdades, socioeconômicas, de respeito à diversidade entre os indivíduos, grupos sociais e povos; d) formar pessoas respeitando suas singularidades, seus ritmos, de aprendizagem, e levando em
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conta em quê, especificamente, necessitam ser ajudados, para que possam avançar em suas aprendizagens.” (Morais, 2012: 114) Todos esses princípios são trabalhados diariamente: nos projetos desenvolvidos, nas práticas diárias de rodas de conversa, de criação de combinados e regras de convivência, e nas assembleias para discutir os problemas da turma e achar as melhores soluções. Eu tinha muito chão pela frente e muito para aprender com tanta novidade que me era apresentada. Mesmo com inúmeras aulas na faculdade, faltava prática, faltava experiência. Na faculdade se aprende sobre o que é ser professora, mas eu só me tornei uma, exatamente como eu queria ser, na Projeto. Sempre, antes de colocar alguma ideia em prática, se estuda a viabilidade e também se busca a coerência com a proposta da escola. Tudo o que acontece dentro da sala de aula é minuciosamente discutido. Tem grupos de estudos para as professoras retomarem e ampliarem seus conhecimentos em várias áreas. Já houve grupos sobre matemática, escrita, ciências, inclusão e muitos outros. E, neste ano de 2015, aprofundamos o tema do desenvolvimento moral da criança. As propostas de trabalho demonstram a preocupação da escola com os princípios construtivistas citados anteriormente. Uma delas é o trabalho em grupos, feito a partir das eleições dos grupos áulicos (1), por exemplo, que oportunizam que as crianças mantenham relação com as diferentes maneiras de aprender que há na sua turma. Além disso, estudando em grupos ou duplas, as crianças
aprendem a se expressar, questionar, fazer planos, tomar decisões, negociar e dividir tarefas com os colegas, considerando o bem estar de todos, o que favorece a autonomia e fortalece a sua relação com o saber e com o mundo. No 1º ano, as crianças estão aprendendo a ler e escrever. Essa é uma das primeiras preocupações de qualquer professora dessa faixa etária. Na faculdade se lê livros que falam sobre a alfabetização das crianças e sobre os níveis de escrita (2). Eu vi na prática em outros locais fora da faculdade. Mas eu só aprendi como trabalhar para desenvolver essas hipóteses de escrita, para auxiliar as crianças a avançarem, na Projeto. E também foi nessa escola que eu aprendi a desenvolver projetos de escrita que saíam do tradicional e do livro didático. Foi onde eu entendi que estar alfabetizado não é somente aprender a ler e a escrever. Mas, como fala Emília Ferreiro, é: “(...) poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita. Ou seja, tratase de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas, interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados, buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também, não se pode esquecer, apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição, de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária.” (Ferreiro, 2015) Na Projeto, a escrita de histórias começa cedo. E, desde o infantil,
mas sobretudo a partir do 1º ano, tem muita escrita, muita produção e muita criatividade sendo explorada. Até porque – e isso eu aprendi também - mesmo um aluno que não sabe escrever pode ser autor de uma história. Ele pode contar para alguém ser seu escriba, até que ele aprenda a registrar seu texto de forma independente. Ele pode escrever conforme seu nível de escrita e depois revisar junto com sua professora para que a história seja entendida pelo leitor. Sobre isso, reproduzo abaixo alguns comentários de crianças da escola, retirados do livro Escrita nas Séries Iniciais, de Elizabeth Baldi, falando sobre suas histórias (3): “Na escola, eu já escrevi outras histórias e, para escrever esta história, nós tivemos um processo muito longo: escrevemos um roteiro, depois a história e corrigimos, reescrevemos, corrigimos de novo... até a história ficar pronta e chegar nas suas mãos. A história que você vai ler é muito emocionante e eu gostei muito de escrever. Espero que você goste de ler!” (Lucas, 11 anos). “Agora vou falar da minha experiência com escrita: já escrevi muitas histórias porque estou na escola desde os 3 anos e a minha escola incentiva a leitura e a escrita desde cedo. Mesmo assim, sempre que vou escrever uma história, é um desafio, porque quero que seja bem melhor do que as outras. E no fim eu sempre acho que faltou uma coisinha ali e outra lá.” (Martina, 10 anos). E, ao longo dos anos, elas vão desenvolvendo sua escrita de forma
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cada vez mais independente e consistente. Nesses poucos anos em que estou na Projeto, aprendi mais sobre mim mesma, enquanto profissional, do que jamais aprendi antes. Foi a UFRGS que me deu a base, o diploma e a habilitação. Mas foi a Projeto que me mostrou que dá para realizar tudo o que se acredita. NOTAS: (1) Nomenclatura utilizada pelo Geempa (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação) e retirada do livro A interação social na sala de aula: grupos áulicos. (2) Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky, os níveis de escrita estão relacionados às concepções que as crianças têm ou às hipóteses que elas vão construindo, a cada momento do seu desenvolvimento, sobre como se escreve: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético, alfabético ou ortográfico. (3) Esses depoimentos foram publicados no livro de aventuras da turma 41, da professora Michele Hoeveler, 4º ano/2011, o qual se constituiu no produto final de um de seus projetos de escrita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BALDI, Elizabeth. Escrita nas séries iniciais. 1ª ed. Porto Alegre: Editora Projeto, 2012. BOJUNGA, LYGIA. A Bolsa Amarela. 33ª ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2003. CAON, José Luiz. Relatos de experiência. In: ROCHA, Ana Luíza Carvalho da (org.). A interação social na sala de aula: grupos áulicos. 2ª ed. Porto Alegre: GEEMPA, 2010, p. 97-100. ESCOLA PROJETO, Vivência também é assunto de aula. Disponível em <https://www.facebook.com/Escola-Projeto261708960632405/?fref=ts> Acesso em 4 de novembro de 2015. FERREIRO, Emília. Emilia Ferreiro: “O momento atual é interessante porque põe a escola em crise’’. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/momento-atual-423395.shtml>. Acesso em 4 de novembro de 2015. FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. 1ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 2012.
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Débora Pereira Monitora de Informática, formada em Pedagogia Anos Iniciais e Educação Infantil, pela PUCRS.
Tecnologia da Informação como ferramenta educacional no ensino fundamental
O letramento digital permite a aproximação dos alunos aos conteúdos de diferentes áreas do conhecimento através de ferramentas que fazem parte do seu cotidiano, facilitando e ampliando o aprendizado. Assim, a informática, cuja importância em nossas vidas já se tornou indiscutível, deve estar presente na escola e na sala de aula de forma cada vez mais ampla e cotidiana, inteligente e proveitosa. Na Escola Projeto, o letramento digital é proporcionado desde o 1° ano do ensino fundamental. Os alunos vivenciam essa prática de forma articulada com os projetos e propostas
das professoras regentes das turmas, a partir dos quais a monitora de informática pensa e articula as possibilidades e recursos tecnológicos de computadores ou notebooks, tendo em vista aprendizagens, o mais possível, variadas e ricas.
Segundo Gadotti (2000): “Na sociedade da informação, a escola deve servir de bússola para navegar nesse mar do conhecimento, superando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” para a competitividade, para obter resultados. Deve oferecer uma formação geral na direção de uma educa-
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ção integral. O que significa servir de bússola? Significa orientar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca de uma informação que os faça crescer e não embrutecer.” O trabalho com os alunos acontece através do laboratório móvel de informática, em que os aparelhos note/tablets vão até a sala de aula em horários específicos semanais de 1h com cada turma. As propostas são desenvolvidas pelos alunos organizados em duplas, com apoio e auxílio da monitora de informática e da professora regente, também presente à sessão. Além de aprendizados relacionados ao trabalho em duplas – divisão de tarefas, negociações e formulações conjuntas, por exemplo –, essas propostas são planejadas na perspectiva do que afirma Gadotti (2000): “Neste contexto de impregnação do conhecimento, cabe à escola: amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; selecionar e rever criticamente a informação; formular hipóteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadora de mensagens e não pura receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimento elaborado.” As turmas de 1º ano, logo que chegam à escola, são preparadas para
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vivenciar, gradativamente, uma nova rotina, que inclui as aulas de informática. Em um primeiro momento, mesmo com o contato intenso da maioria dos alunos com computadores, notebooks e note/tablets, faz-se necessário uma vivência mais educacional, trazendo recursos com os quais eles não têm tanta familiaridade, como as ferramentas do Microsoft Office, que incluem os programas Word, Power Point e Excel, e jogos de alfabetização e matemática que estejam articulados com os conteúdos trabalhados em aula. As demais séries vão, aos poucos, aperfeiçoando a utilização dos recursos e iniciam o uso da internet de forma direcionada. Primeiramente é usada como fonte de pesquisa sobre assuntos relacionados a projetos da série. Como exemplo disso, podemos citar o Projeto de Ciências Naturais do 2º ano – “As árvores à nossa volta” -, em que os alunos, paralelamente a outros trabalhos que realizam com a regente, pesquisam, em momentos de informática, sobre determinadas
árvores e suas características específicas e constroem um catálogo virtual. Além de pesquisas, os 3ºs e 4ºs anos, respectivamente, fazem trabalhos de Artes Visuais, utilizando programas que trazem o realismo da pintura e do desenho, além da exploração mais aprofundada do Power Point e dos mapas online articulados ao trabalho de localização geográfica e cartográfica (Projetos de Ciências Sociais). Os 5ºs anos, por sua vez, realizam um trabalho bem específico, criando e alimentando seu próprio blog para contar as experiências da escola e outras de seu interesse. Além disso, exploram programas que modificam fotos e aprendem a fazer seus próprios vídeos no Movie Maker. Ainda a fim de enriquecer o trabalho, temos nos preocupado em trazer aos alunos dessa série o conhecimento sobre a temática da Web arte, assunto atual em relação ao qual temos nos dedicado, para melhor compreender e poder oferecer propostas variadas, contando
com os recursos da mídia disponíveis na escola. Também temos utilizado o programa Muan, que possibilita que as crianças criem animações, utilizando desenhos, massinhas de modelar e pintura para dar vida a personagens e objetos. Esse trabalho se estende do 1º ao 5º ano, oportunizando que o conheçam bem e aperfeiçoem seu uso. Aqui mesmo no site da Escola, neste link - http://escolaprojeto.g12. br/links-informatica-2015/ - os leitores encontram produções completas das turmas, realizadas este ano, que podem ilustrar este texto, através dos quais podem visualizar alguns desses trabalhos, com os quais acreditamos estar possibilitando a inserção dos alunos no contexto tecnológico, social e cultural em que vivemos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre, Ed. Arte Médicas, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392000000200002&script=sci_arttext Acessado em 23/10/2015 às 9horas e 54 minutos.
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Adaptação não é um bicho de sete cabeças Marina Carlos Professora do Grupo 1 da educação infantil, cursando Pedagogia na PUCRS.
A educação infantil representa uma ampliação do ambiente social da criança, que antes desse momento era restrito à família. É nesse ambiente que ela irá começar a conviver com outras crianças de sua idade, a repartir os objetos e o espaço físico, a compartilhar brincadeiras e atividades, a ser orientada por outros adultos que não apenas os da família, a obedecer regras pré-estabelecidas, diferentes das que já conhece. É um momento em que as crianças encontram uma porta para a vida social mais ampla. É quando também criam novos vínculos - com professora, colegas e outros adultos -, que possibilitam a adaptação a esse “novo mundo” (para além das relações estáveis que a família representa) no qual estão sendo inseridas. Adaptação esta que é gradativa e segue ocorrendo ao longo de toda a vida, só que em diferentes dimensões e aspectos. No momento desse primeiro passo, pode acontecer com as crianças e/ou seus familiares uma maior
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ou menor resistência inicial para se separarem, fruto das ansiedades e medos que o desafio impõe. E é aqui que entra a confiança, sentimento fundamental que a escola tem de inspirar à família e à criança para que a adaptação seja possível. Confiança nas pessoas e no novo ambiente. Sensação de acolhimento e, ao mesmo tempo, desafios que mobilizem. É isso que, nesse período, a criança precisa para poder enfrentar seus próprios limites e desfrutar das vivências no coletivo. Normalmente, as primeiras semanas são as mais delicadas e importantes, quando a professora, em especial, tem um papel determinante, como uma referência adulta fundamental, que permanecerá. Sua tarefa inicial é conquistar a criança, entretendo-a e despertando sua atenção com brinquedos, outras crianças, objetos e situações variadas, para que ela consiga sair de perto ou do colo do familiar e comece a brincar e a se soltar.
É interessante pensarmos, no entanto, que, se esse é um momento difícil para a criança enfrentar, pois ela ainda está muito ligada à família - até então seu ambiente central de convívio -, ao mesmo tempo, há todo um universo de novidades diante dela na escola, que a desafia, instiga e excita. Nesse sentido, além do cuidado com a separação em si, temos de ter muita atenção às propostas, de modo que a criança e sua família se sintam por elas atraídas. Dr. Jacob, no livro Estimulando a mente do seu bebê, ressalta a importância da total atenção para a criança que está nesse processo, para que ela consiga efetivamente criar os vínculos necessários com a escola. Ele recomenda que se observe bem a sua reação e se busque, em conjunto, meios que tornem essa situação o menos estressante possível para todos - família, escola e criança. As reações são variadas entre as crianças: assim como algumas resistem mais ou com maior intensidade, há aquelas que conseguem ter uma adaptação mais breve, levando menos tempo para se deixar envolver: “[...] a ansiedade da separação pode ser um problema, mesmo que pais e filhos tenham desenvolvido fortes vínculos. As crianças nesta idade [13 a 24 meses] têm inteligência suficiente para entender que papai e mamãe estão indo embora, mas não o suficiente para entender que depois de algum tempo estarão de volta. O tempo é um mistério para as crianças dessa idade. Algumas se adaptam melhor que outras a uma separação.” (Jacob, 2004: 153) Os familiares também necessitam sentir-se amparados para, assim, poderem transmitir segurança
para seu filho. A professora deve estar atenta para isso, mantendo-se o mais próxima possível da criança, ao mesmo tempo em que disponível para a família. Aos poucos a criança vai, então, se afastando do familiar e começa a procurar a professora ou os colegas para brincar. O tempo de permanência na escola vai aumentando, conforme a confiança que ela vai adquirindo na professora. E, quando se percebe, o período mais delicado da adaptação termina e, para a felicidade dos pais, a criança está feliz, participando das atividades. Nessa altura, a reação pode se inverter e o choro acontecer porque ela não quer ir embora da escola... Mas outros processos virão, pois as crianças enfrentam, ao longo de sua escolaridade, muitos momentos importantes e, às vezes, igualmente delicados, como as aprendizagens relacionadas ao respeito às regras, os conflitos em torno das relações interpessoais, a entrada no 1º ano e a afirmação de sua individualidade, entre outros. Contudo, a primeira, e uma das principais etapas, já estará cumprida!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: JACOB, S. H. Estimulando a mente do seu bebê. São Paulo: Mandras, 2004. OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
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A brincadeira na educação infantil Deise Sabino Professora do Grupo 2 da educação infantil, graduada em Pedagogia pela UFRGS.
Larissa Richter Professora do Grupo 3 da educação infantil, graduada em Pedagogia pela UFRGS.
A educação infantil possui uma importância fundamental na formação do sujeito, pois é através dela que acontece, de modo institucionalizado, o início do processo de conhecimento de si e do mundo, quando a criança começa a se afastar do espaço familiar e experimentar um espaço próprio, estabelecendo as primeiras relações não estáveis. Nessa etapa as crianças têm como uma de suas atividades principais a brincadeira, na qual se articulam algumas mudanças importantes de seus traços psicológicos e começam a construir suas personalidades. Para Vygotsky (1989), o brincar impulsiona a criança para além do estágio de desenvolvimento que ela já atingiu e requer a presença do outro, que, segundo o autor, em sua perspectiva sociointeracionista, é essencial para a construção de si mesma e de suas aprendizagens. Ou seja, é por
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meio da brincadeira com colegas que as crianças vivem suas primeiras relações com o mundo exterior e entram em contato com a realidade extra-familiar, o que lhes abre um leque de várias possibilidades de expressão e criação. Mas a relação com o brincar inicia-se antes disso na vida das crianças, logo nos seus primeiros meses de vida, quando elas ainda são bebês e as brincadeiras são realizadas com o seu próprio corpo, através de reações espontâneas em resposta aos estímulos que os adultos lhes oferecem. À medida que vão crescendo, vão dando espaço para as brincadeiras com brinquedos e com o “faz de conta”, quando algo real como uma caixa de papelão pode se transformar em um objeto imaginário, como um carro, por exemplo.
Entretanto, como afirma Fortuna (2008), a brincadeira não se constitui como uma capacidade inata dos bebês, mas se constrói a partir do intercâmbio dos pequenos com o meio que os cerca, e, para tanto, é necessário que um adulto experiente interaja com eles numa mediação qualificada. É através do brincar, e nessa etapa, que inicia a apropriação de alguns comportamentos. É como se as crianças estivem ensaiando, ao brincar, diferentes papéis, começando a apreender implicações sociais e expectativas relativas a cada um deles por meio de experiências pessoais e culturais, que, a partir daí, vão se ampliando. Assim, em suas brincadeiras, as crianças aprendem a considerar o que os outros pensam, de tal forma que acabam buscando um comportamento parecido com seus pares e com os adultos com quem convivem. Com isso, muitas crianças, na nossa realidade, irão brincar de ser, além de mãe, pai e filhinho/a, professor/a, médico/a e dono/a de loja, entre tantos outros personagens. Nesse faz-de-conta infantil, as ações das crianças, se fazem “reais” e elas passam a explorar e a desenvolver (bem como a expressar) diferentes formas de comportamento, apropriando-se de experiências compartilhadas. Para Vygotsky:
“(...) a brincadeira é uma forma natural de trabalho da própria criança, uma forma de atividade e também uma preparação para a vida futura.” (1996) Nesse sentido, o brincar desempenha um importante papel na construção da identidade das crianças, sendo essencial, como nos diz Fortuna (2004), para dominar angústias e controlar impulsos, assimilando emoções e sensações, para estabelecer contatos sociais, compreender o meio, satisfazer desejos e desenvolver habilidades, conhecimentos e criatividade. Consequentemente, pode se constituir em um importante instrumento educativo. Buscamos, então, especialmente na educação infantil, ter sempre presentes essas ideias, lendo e debatendo sobre elas, bem como e, sobretudo, incrementando, cada vez mais, nossa prática e priorizando a brincadeira como forma de relação com o mundo, com o outro e com o conhecimento. Há os momentos de brincar com brinquedos e jogos da sala (pedagógicos e recreativos), em que as crianças se agrupam espontaneamente, ou mesmo brincam sozinhas. Há situações em que são propostos diferentes materiais, que os alunos exploram e transformam em brinquedos: desde caixas de papelão e bastões, garrafas plásticas e jornais, até bambolês, bolas de diversos tama-
nhos, colchonetes, lençóis, cordas, almofadas, baldes, pás, e figurinos. E, ainda, brincadeiras propostas a partir de projetos de estudo ou leituras, as quais têm um caráter mais dirigido em função de uma aprendizagem específica, mas, nem por isso, são menos divertidas: jogos envolvendo letras e números, experiências que exploram conceitos de ciências naturais etc. De qualquer forma, o brincar sempre vale à pena e é importante! Seja qual for o tipo de brincadeira – calma ou agitada, motora ou intelectual, realizada pela criança sozinha, em pequenos grupos ou coletivamente, com ou sem materiais, com ou sem brinquedos, com brinquedos prontos ou materiais diversos, conhecida ou inventada – e o local em que ela se realiza, as crianças sempre vivenciam, através dela, diferentes situações de conflito, com as quais aprendem a se resolver e se relacionar, desenvolvendo cooperação e autonomia, linguagem e habilidades motoras. E, é claro, igualmente experimentam o prazer dos desafios, da própria ludicidade e da proximidade com o outro, bem como aprendem a manifestar seus sentimentos de alegria, amizade, desprazer, medo e raiva, dentre outros. Nessas diversas brincadeiras, as crianças também vivenciam situações relacionadas às questões de gênero. E sobre isso Jane Felipe (2008) nos traz um alerta:
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“(...) os brinquedos e as brincadeiras são importantes instrumentos para se problematizar e desconstruir o sexismo, a heteronormatividade, pois, o brincar, nessa fase da vida, é o meio pelo qual a criança vivencia e apreende o mundo humano e tudo o que se relaciona com esse mundo, inclusive os papéis e funções sociais de homem e mulher. Ao brincar de faz de conta que é o pai, a mãe, o/a professor/a, o/a policial etc., a criança internaliza conhecimentos em relação a esses papéis e funções sociais.” No cotidiano da sala de aula, quando um menino resolve brincar com os brinquedos que seriam “de menina” (ou vice-versa), dependendo da idade, é comum acontecer alguma manifestação de algum colega, ou mesmo de algum adulto. É preciso permitir e incentivar que as crianças se alternem nos papéis das brincadeiras, sem depreciar nenhum deles, seja pela questão do gênero ou por qualquer outro aspecto, de modo que se sintam livres para brincar e vivenciar os momentos prazerosos e de aprendizagem que essa atividade lhes pode proporcionar, sem preconceitos. Da mesma forma, se acreditamos que a criança não deve ser limitada frente às suas curiosidades (a não ser, é claro, em situações que podem ameaçar sua segurança), é interessante que não haja brinquedos proibidos. E, finalmente, como afirma Louro, é necessário: “(...) que os sentidos estejam afiados para que sejamos capazes de ver, ouvir, sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos implicadas na concepção, na organização e no fazer do cotidiano escolar. Atentas aos pequenos indícios,
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veremos que até mesmo o tempo e o espaço da escola não são distribuídos e usados - portanto não são concebidos - do mesmo modo por todas as pessoas”. (1997: 59).
brincar – o que não implica, de nossa parte, considerar isso como algo isento de discussão acerca das relações de gênero e sexualidade.
A discussão sobre brincadeiras de “meninos e meninas” é longa e o modo como as crianças se relacionam e se manifestam culturalmente frente às questões relativas também às hierarquias de gênero (ou seja, àquilo que é valorizado para uns e não para outros) é contestado (ou, por outro lado, reafirmado) o tempo todo. Para tal, o ambiente coletivo da escola – centro de socialização e formação do pensamento das crianças por excelência - busca questionar fatos e comportamentos pré-determinados e naturalizados. Porque, antes de falarmos em meninos e meninas, estamos falando de crianças, que têm e assumem marcas de gênero e que brincam simplesmente porque querem e gostam de
Nesse sentido, e para garantir um ambiente realmente arejado em todos os aspectos, e não só em relação ao gênero, os professores têm de se empenhar, cada vez mais, em desconstruir a cultura conservadora (e sexista, no caso) da qual são fruto. Para tanto, antes de tudo, precisam fazer parte das discussões acerca dessas questões, pois, caso contrário, apenas reproduzirão os estereótipos e preconceitos e contribuirão para a manutenção das desigualdades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FELIPE, Jane. Proposta Pedagógica. In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação à distância. Salto para o futuro: educação para a igualdade de gênero. Rio de Janeiro: Ministério da Educação. Secretaria de Educação à distância, nov. 2008. ano 18, v. 26. pp.3-14. FORTUNA, Tânia. Vida e morte do brincar. In: ÁVILA, I.S. (org.) Escola e sala de aula: mitos e ritos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 47 - 59. FORTUNA, Tânia Ramos. Brincando com bebês: nascimento, evolução e mediação da brincadeira com crianças de 0 a 3 anos. Revista Aprendizagem, Pinhais (PR), v. 4, 2008, p. 52-53. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.
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A importância da rotina na educação infantil Loisy Cantú Professora do Grupo 2 da educação infantil, graduada em Pedagogia / Educação Infantil e Anos Iniciais, na PUCRS, e pós graduada em Psicopedagogia, no IERGS (Instituto Educacional do Rio Grande do Sul).
De início, ao pensarmos no conceito de rotina, podemos lembrar a expressão “caiu na rotina”, e, então, associá-la a algo negativo e engessado. Entretanto, no Referencial Curricular Nacional para a educação infantil, bem como para nós, da Projeto, a rotina é considerada um instrumento de dinamização da aprendizagem, facilitador das percepções infantis sobre o tempo e o espaço. Segundo Reis, Lima, Gascón e Dias (2011): “A organização da rotina escolar é (...) de grande necessidade por se tratar da melhor maneira de aproveitar o tempo e o conteúdo a ser trabalhado. Uma
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rotina clara e definida é um fator de segurança, porque serve para orientar as ações dos professores e crianças, favorecendo a previsão do que possa vir a acontecer.” Conforme esses autores, além da segurança, a rotina traz uma organização da aula que possibilita aos alunos construírem, gradativamente, a noção de tempo: inicialmente relacionada ao que foi feito antes ou depois, para evoluir quanto à compreensão de uma sequência de atividades planejadas e realizadas, ou da relação entre as durações de cada uma (o que levou mais ou menos tempo), dentre outros aspectos.
As atividades da rotina não são definidas pelos alunos, mas eles participam na organização das fichas que as representam (na confecção e na ordenação diária), o que permite que sejam autores e sintam-se responsáveis com a organização do tempo escolar, bem como seguros em relação aos momentos do dia que serão vivenciados. Assim, além de segurança e de conceitos relacionados ao tempo – ou até a partir desses aspectos -, oportunizamos, com uma rotina, que as crianças desenvolvam uma capacidade crescente de autonomia, exercitando sua maneira própria de pensar, sentir e ser. Valadares (2013) confirma essa visão quando afirma que: “Uma rotina estável, clara e compreensível permite que as crianças a incorporem, podendo antecipar o que irá acontecer em seguida. Isso oferece uma sensação de segurança a elas, o que, por sua vez, permitirá que elas atuem com maior autonomia e tranquilidade no ambiente escolar.” Inicialmente, essas atividades dependem de um planejamento da professora, o qual leva em consideração os projetos e os conteúdos previstos, as propostas das áreas específicas semanais, como Música e Educação Física, e uma organização escolar mais ampla, que envolve, por exemplo, espaços, materiais e funcionárias disponíveis nos diferentes horários. É de fundamental importância para o sucesso desse planejamento e da forma como as atividades serão encadeadas e desenvolvidas que a professora utilize conhecimentos aprofundados sobre a faixa etária dos alunos e sobre suas características específicas, individualmente e como grupo, os quais são frutos de formação continuada e observação constante.
A partir daí, e à medida que se apropriam das atividades e da rotina, os alunos podem opinar e rever sua sequência no dia ou na semana, junto com a professora, conforme as necessidades e interesses importantes de serem considerados. É isso que acontece, aqui na Projeto no início do turno, na roda de planejamento, quando as crianças utilizam fichas que representam os momentos da rotina, ordenando-as conforme as atividades que irão ocorrer. Essas fichas precisam ficar visíveis, e normalmente utilizamos varais para expô-las. Quanto menores as crianças, mais as representações nessas fichas devem estar próximas do real. Por essa razão, costumamos
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utilizar com os pequenos fotos das atividades. As turmas de crianças maiores dispõem de imagens relacionadas às situações da rotina, e, na medida em que vão ampliando sua capacidade de representação, são utilizados desenhos dos alunos. Todas essas fichas são acompanhadas por palavras ou expressões que nomeiam cada momento, possibilitando também o contato tão importante com a representação escrita. Dentre tantas atividades que podem estar nas fichas e fazer parte do dia a dia das rotinas das turmas aqui na escola encontramos: roda inicial, atividade coletiva, brinquedos ou jogos na sala, leitura na biblioteca, inglês (apenas nos Grupos 4 e 5), edu-
cação física, música, artes (que pode incluir pintura, desenho, modelagem, construção com sucata, recorte/rasgado e colagem etc.), atividade diversificada (três ou quatro propostas diferentes, a partir das quais os alunos optam e se organizam em pequenos grupos para realizarem), roda de história, momento do estudo (alguma leitura informativa específica de algum projeto de estudo, com exploração e registro, p.ex.), higiene, lanche, pátio, atividade na quadra ou no pátio coberto (em geral envolvendo jogos e brincadeiras que exploram a coordenação motora ampla, com ou sem materiais específicos, como bolas, cordas, colchonetes, lençóis, bambolês etc.), passeio ou visita e roda final. Nessa roda final é previsto um momento de avaliação do dia, quando todos, sentados em círculo, conversam sobre o que foi legal e por que, o que não deu certo e por que, o que aprendemos com determinado trabalho, brincadeira ou situação vivida, quais atividades gostariam de realizar novamente, o que poderiam ter feito diferente etc. Com os primeiros níveis da educação infantil esses questionamentos são mais relacionados a questões práticas e bastante apoiados na fala e nas retomadas da professora. Mas com as crianças maiores essa avaliação costuma ser um momento rico para refletir sobre as atividades realizadas e as ações que as tornam
mais ou menos atrativas e produtivas para todos, introduzindo-se, assim, a possibilidade inicial de um olhar retrospectivo e metacognitivo, super importante para começar a desenvolver ideias e valores como respeito, consideração pelo outro e construção coletiva. Na organização do tempo escolar, através da rotina, além de garantir propostas diversificadas e lúdicas, desafiantes e prazerosas, dando andamento aos diferentes projetos de trabalho, a professora precisa levar em conta a duração, o nível de exigência, o ritmo e a dinâmica de cada atividade, alternando-as conforme forem movimentadas ou calmas, individuais ou grupais, com maior ou menor exigência em termos de concentração e atenção. As atividades propostas, portanto, precisam ser bem articuladas entre si, para contribuir com o melhor aproveitamento possível das potencialidades das crianças e das competências envolvidas no seu desenvolvimento integral, na apropriação de conhecimentos e na sua formação como sujeitos. Tudo isso, sem deixar de lado nossa responsabilidade docente de manter o elo entre o cuidar e o educar, que garante o interesse e a vontade de alunos e famílias de frequentar o ambiente escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BRASIL, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília/ DF; Gráfica SENADO, 1999. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. MILLER, Karen. Educação Infantil: como lidar com situações difíceis. Porto Alegre: Artmed, 2008. Reis, M.C.; Lima, A.F.O.; Gascón, A.S.M.; Dias, V.L.C. A implantação da rotina didática no primeiro ano do ensino fundamental. Anais do XV Encontro Latino Americano De Iniciação Científica, XI Encontro Latino-Americano de Pós– Graduação, V Encontro de Iniciação Científica Júnior. Universidade do Vale da Paraíba, 2011. MORANGON, Cristiane. Um quadro de rotinas. Revista Nova Escola. Edição n°160. São Paulo: Editora Abril, março/2003. Valadares, A. C. Rotina do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental. Blog do Colégio A. Carlos Valadares. Indaroba (SE), 28 de fevereiro de 2013.
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O mergulho das crianças da educação infantil no mundo da leitura e da escrita: Ana Julia Poersch Professora do Grupo 4 da educação infantil, licenciada em Pedagogia na UFRGS e especialista em Psicopedagogia pela FAPA (Faculdade PortoAlegrense).
letramento e consciência fonológica nos grupos 4 e 5
Nicole Sauthier Niche Professora do Grupo 5 da educação infantil, licenciada em Pedagogia na PUCRS e especialista em Motricidade Infantil pela UFRGS.
A Escola Projeto caracteriza-se por ser um espaço repleto de diferentes estímulos, dentre eles os ligados ao mundo da leitura e da escrita. Desde muito cedo os alunos experimentam um cotidiano rico em histórias e livros, letras e palavras. Essa aproximação permite que as crianças ao longo da educação infantil mergulhem nesse universo letrado. As leituras diárias em sala de aula, o trabalho com o nome próprio, as visitas frequentes à biblioteca da
escola, a retirada de livros realizada pelos alunos e o estudo das obras de escritores convidados são pilares curriculares que sustentam a construção de novos saberes, entre eles os relacionados à alfabetização, compondo um amplo repertório cultural: “Sabemos que, se a leitura estiver presente na vida do aluno desde sempre, isso o auxiliará na aquisição da escrita (...). Familiarizada com o ato da leitura de diferentes tipos de texto e em
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diferentes suportes, a partir de um ambiente letrado, a criança começa, sozinha, a se perguntar sobre os caracteres usados na escrita, sobre seu formato, disposição e função, chegando a construir e testar hipóteses a respeito (...).” (Baldi, 2012: 10) O diagnóstico, feito pelo professor, sobre esses saberes mais ligados ao letramento vai possibilitar que ele continue a ampliá-lo, trazendo diferentes textos aos alunos e desafiando-os, cada vez mais, em sua compreensão e produção. Da mesma maneira pode estimulá-lo a eleger outros elementos a serem apresentados às crianças a fim de que elas confrontem o que já sabem sobre a escrita com aquilo que é novo e, assim, avancem nas suas hipóteses. Há um universo complementar de possibilidades a ser explorado junto às crianças, através de jogos e brincadeiras, com canções e poemas, para a construção de conhecimentos relacionados à consciência fonológica, por exemplo, desenvolvendo a habilidade de refletirem sobre os segmentos sonoros das palavras. Nessa perspectiva, a partir da leitura do livro Sistema de escrita alfabética, de Artur Gomes de Morais, em um grupo de estudos formado na escola em 2013, e de um curso que a escola promoveu com esse pesquisador e professor, no início de 2014, temos buscado oportunizar que os alunos reflitam também sobre a sonoridade das palavras, letras e sílabas, durante as diferentes propostas. Essa reflexão pode e deve se valer de atividades lúdicas. Dentre as diversas alternativas, é possível propor jogo da forca, memória entre figura e palavra, dominó sonoro, cruzadinhas, bingo e canções com rimas (A casa, de Vinícius de Moraes, O galo aluado, de Sérgio Capparelli, Assim, Assim,
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de Dilan Camargo, entre outras), para que as crianças observem o tamanho das palavras, tanto com relação à quantidade de letras como de sílabas, percebam que determinadas palavras começam parecidas, em termos da letra ou do fonema, se deem conta e explorem rimas e aliterações, dentre outras descobertas que se dão no decorrer das atividades. Temos visto como essas habilidades são importantes e auxiliam na construção da escrita alfabética, a qual faz parte do processo mais amplo de alfabetização. Assim, o trabalho com elas tem sido complementar e paralelo ao letramento, que designa mais do que a mera aquisição da técnica da leitura e da escrita, referindose à apropriação da linguagem escrita, ou seja, ao trabalho voltado para a compreensão de diferentes tipos de texto e para o seu uso, entendendo a leitura e a escrita como práticas sociais. Inclusive, ele antecede a aquisição do sistema alfabético e pode explicar como crianças que ainda não o construíram conseguem identificar a marca do suco preferido, ler seu nome escrito no mural e contar uma história que já ouviram muitas vezes como se a estivessem lendo. Por isso mesmo consideramos o letramento e as pesquisas relacionadas à psicogênese, que sempre embasaram nosso trabalho, essenciais para entender a caminhada das crianças rumo à aquisição da escrita e da leitu-
ra, o que não nos impede de concordar com Rego (2007), quando diz que é possível eles serem relacionados à exploração dos segmentos sonoros, “numa relação dialógica, onde a consciência fonológica pode ser inclusive considerada como um facilitador da evolução psicogenética na aprendizagem da leitura e da escrita.” Assim, permitir que as crianças brinquem com as palavras amplia o espaço de descoberta e aprendizado, enriquecendo-o. Essa oportunidade vivida na escola é fundamental para que os alunos desenvolvam o interesse em pensar sobre a escrita. Da mesma forma, as intervenções do professor durante as atividades – sejam elas relacionadas à consciência fonológica ou ao letramento - são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. De acordo com a maneira como são pensadas e propostas fazem (ou não) com que as crianças reflitam, construam e reformulem seus conhecimentos sobre leitura e escrita, resolvendo problemas e elaborando novas hipóteses e conceitos. Como nos ensina Jolibert: “É na medida em que se vive num meio sobre o qual é possível agir, no qual é possível, com os outros, discutir, decidir, realizar, avaliar... que são criadas as condições mais favoráveis ao aprendizado.” (1994: 12.)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BALDI, Elizabeth. Escrita nas séries iniciais. Porto Alegre: Editora Projeto, 2012. FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. JOLIBERT, Josette; Colaboradores. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. REGO, Lúcia Lins Browne. Alfabetização e letramento: Refletindo sobre as atuais controvérsias. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alfbsem.pdf.
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Adaptação no 1º ano do ensino fundamental Andréia A. Oliveira de Souza
Todo início de ano as escolas se preparam para receber alunos novos e antigos: é o período da adaptação.
Professora do 1º ano/ turma 13 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia, Licenciatura Plena, pela Faculdade de Educação da USP/SP, e Mestre em Educação pela mesma instituição.
Na educação infantil esse momento é motivo de grande mobilização por parte da escola, pois os pequenos muitas vezes resistem em ficar no ambiente escolar até que estreitem vínculos afetivos com o professor e sintam-se mais seguros para despedir-se do adulto que o acompanha. Nas crianças menores isso é compreensível e esperado, pois ainda não introjetaram suficientemente a figura familiar de referência, para que a elaboração psíquica desse afastamento ocorra com a tranquilidade de quem sabe que sua ausência não altera os vínculos afetivos existentes entre ambos. Acreditamos, no entanto, que não é apenas no início da educação infantil que existe a necessidade de cuidados e medidas específicas para receber as crianças. A entrada no ensino fundamental igualmente requer
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atenção, pois se configura numa outra etapa da vida escolar que exige da criança não apenas uma adaptação a um novo ambiente e a novas pessoas, mas também a um ritmo de trabalho diverso com um objetivo bem específico - a formalização da alfabetização -, o que, culturalmente, traz certo peso à vida das crianças, em termos das expectativas que lhe são depositadas. Elas já se consideram “grandes”, pois já fizeram, ou farão em breve, seis anos! Sim, elas compreendem que venceram uma etapa da escolaridade e que avançaram, estão ingressando no ensino fundamental e sentem-se orgulhosas por isso. Agora terão um caderno, um estojo, carregarão suas próprias mochilas e aprenderão a ler e escrever. Poderíamos afirmar que os sentimentos que imperam e se misturam no primeiro dia de aula do 1º ano são orgulho e ansiedade! Sim, porque por trás daqueles olhos curiosos e atentos às novidades, existem inseguranças e medos: quem será minha professora? Como
ela é? E minha sala? De quanto tempo será o recreio? Será que eu vou gostar de aprender a ler e a escrever? Tanto é assim que, após passar a primeira semana, das novidades, algumas crianças que até então ficaram bem na escola podem mostrar-se resistentes, querendo ficar em casa, demonstrando saudades da antiga turma e professora e falta de interesse pelas atividades. Parece que acontece uma regressão, mas, na verdade, é o processo de adaptação que está em pleno curso e que foi disfarçado pela euforia inicial.
docentes ao acolhimento dos alunos e ao estabelecimento do vínculo afetivo, tanto quanto na educação infantil. É um momento de transição e facilitaria essa passagem o fato da criança encontrar algo familiar em meio a tanta novidade: o olhar cuidadoso e individualizado que se costuma oferecer aos pequenos. Sim, aqui ainda cabe pensar em cuidado: para que coma todo o lanche, organize seus pertences, amarre o cadarço do tênis.
Trata-se de um pequeno sujeito buscando dar conta de várias situações ao mesmo tempo: a adaptação ao novo ambiente, às novas pessoas, a uma nova rotina, ao início de uma nova etapa - a construção da linguagem escrita - e à expectativa da família em relação a esse processo. Não é pouca coisa! E para que a criança tenha disponibilidade psíquica para lançar-se na aventura da construção da linguagem escrita e desenvolvimento da leitura, é imprescindível que os desafios iniciais, principalmente a construção de novos vínculos, tenham sido suficientemente superados.
Na Projeto consideramos essas necessidades, e as turmas de primeiros anos são recebidas de forma diferenciada: no primeiro dia de aula, são as professoras que vão até as crianças num espaço reservado, onde elas se encontram junto dos familiares. Então, são convidadas a se dirigirem às suas salas de aulas, sempre na companhia de um familiar, o qual participará da primeira atividade realizada (produção de escrita e/ou desenho), que irá compor um painel, expressando as expectativas em relação ao 1º ano. Somente após essa proposta as crianças começam a se despedir dos seus acompanhantes, agora já um pouco mais tranquilas e familiarizadas com o ambiente.
Por conta desses aspectos, se faz necessário no início do ensino fundamental - especialmente agora, com os 9 anos de duração, em que as crianças chegam com 6 anos - um investimento especial da escola e dos
O primeiro trimestre tem um plano de trabalho que favorece a apropriação da rotina e do novo ambiente, com enfoque para brincadeiras que possibilitem conhecer os novos colegas, explorar os espaços físicos da es-
cola, conhecer os professores, funcionários e suas funções. Para isso, além de uma rotina com propostas lúdicas, que visam à integração do grupo, desenvolve-se uma sequência didática que tem por objeto de estudo “O espaço e a história da escola”. Através de atividades variadas, as crianças exploram a planta baixa da escola, andam pelos espaços em pequenos grupos, esboçam mapas, entrevistam funcionários para saber sobre a história da escola, pesquisam documentos e livros na biblioteca e constróem jogos, como o de Memória das Funcionárias e o de Trilha. Mas o ponto alto é a Caça ao Tesouro, brincadeira a partir da qual as crianças percorrem os espaços atrás de pistas e testam seus conhecimentos. É um tempo de diversão e descobertas! Para os professores esse período serve para conhecer cada aluno em suas especificidades e construir uma relação de confiança com as famílias, com planejamento flexível e voltado à integração e construção do novo grupo. Para as crianças é o momento para se ambientarem ao novo espaço físico, se apropriarem da rotina, sentirem-se parte do grupo, reconhecerem em seu professor uma referência e um apoio e assim poderem voltar-se com segurança aos objetivos cognitivos da nova etapa escolar. Quanto aos pais, se na educação infantil a preocupação dominante
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era com os cuidados físicos, no início do 1º ano é a alfabetização que os inquieta. Quando existe mudança de escola e consequentemente de turma, aumenta a lista de dúvidas: meu filho vai se integrar com tranquilidade ao novo grupo? Será que fizemos a melhor opção de escola? Será necessário um período para que a passagem, tanto de ambiente quanto de nível, aconteça. O andamento adequado desse momento inclui uma comunicação clara e constante entre a família e a escola/professora para que a construção gradativa de um vínculo de confiança se torne possível. As inquietações existem e fazem parte da situação de mudança, mas podem ser compartilhadas e discutidas. A segurança da família auxilia, autorizando a criança a confiar e consequentemente se envolver com a escola, favorecendo a consolidação dessa etapa. Assim, além de um adequado e cuidadoso planejamento por parte da instituição, o esforço conjunto entre família e escola é essencial no início do ensino fundamental para os pequenos. Independente das necessidades individuais de cada criança e das particularidades do grupo familiar, a colaboração mútua entre os envolvidos é essencial para o desfecho favorável na construção dos vínculos afetivos, que por seu turno refletirão nas condições em que a alfabetização irá acontecer.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BALABAN, N. (1988). O início da vida escolar: da separação à independência. Porto Alegre: Artes Médicas. CARVALHO, M. T. V. (2001). A creche: um elemento a mais na constituição do sujeito. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo. SOUZA, A. A. O. (2014). A inserção de bebês na creche e a separação como operador simbólico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo.
Atividades diferenciadas em sala de aula Jéssica Mittmann Nogueira da Silva Professora do 3º ano/ turma 33 do ensino fundamental, licenciada em Pedagogia pela ULBRA e pós-graduada em Alfabetização pela FAPA.
Início de ano, turma nova, novas possibilidades e perspectivas. Sensação ainda da turma anterior e dos avanços obtidos decorrentes do trabalho. Recomeço. E como recomeçar? Para nós, é natural iniciar conhecendo um pouco sobre cada criança, seu jeito, suas respostas às intervenções, expectativas e receios, seus conhecimentos. Cada uma encontrase num ponto, ainda que todas componham um mesmo grupo delimitado pelo ano escolar. Conhecer as especificidades de cada aluno, aquilo que eles já sabem e em que precisam avançar requer um trabalho diário e atento de diagnóstico, através do qual reunimos dados que servem de suporte para novos olhares e novos planejamentos. Assim, logo é possível perceber que aquilo que trabalhamos com alguns pode não ser relevante para o momento de outros.
Refletindo sobre minhas experiências de sala de aula, me dou conta de que tive turmas sempre muito diferentes umas das outras, compostas de alunos com níveis diversos entre si de aproximação aos objetos de conhecimento. E, a cada ano, novos desafios colocaram-se, independente da série em que eu estava. Portanto, endosso totalmente o que explicitam Catarina Kim e Cláudia Tenório, em documento compartilhado no curso “A organização da rotina no Ensino Fundamental I”: “Outro aspecto relevante relacionado à questão da diversidade em sala de aula é a ideia de que a diversidade seja algo que precisa ser eliminado, superado. Isso não é possível. Não se supera diferenças, trabalha-se com elas e, preferencialmente, colocando-as a nosso favor. Se acreditarmos que a aprendizagem se dá a partir das inter-
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venções do meio, das relações que são estabelecidas entre os alunos, o professor e os objetos de conhecimento, e da negociação de significados, veremos que trabalhar com uma classe rica em diferenças é bom, não é ruim.” (Apostila do Centro de Estudos da Escola da Vila, julho/2008, p. 21) Numa sala de aula, a heterogeneidade aparece em muitos aspectos, como características, gostos ou preferências, conhecimentos e formas de aprender. Essa gama de pequenas riquezas compõe um cenário que tem de ser apreendido para ser aproveitado em seus desdobramentos. Aos poucos, nos diferentes momentos da rotina escolar, assim como descobrimos as brincadeiras e parcerias preferidas de cada aluno, percebemos também aqueles que têm mais envolvimento ou facilidade com a leitura, com a escrita, as artes ou a matemática. Incentivar e mostrar ao grupo as potencialidades de cada um é muito importante para que todos se sintam valorizados. Da mesma forma, quando percebemos as áreas ou conteúdos em que apresentam alguma dificuldade ou resistência, necessitando avançar, é importante adaptar as propostas (em termos de tempo, sequência de trabalho, tipo de consigna, qualidade
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e/ou quantidade de desafios), mesmo que não se trate de uma criança com necessidades educativas especiais (NEE). Isso faz com que não se desmotivem e prossigam construindo seus conhecimentos e ampliando-os, de maneira segura, sem se frustrar constantemente com tarefas muito além de suas capacidades momentâneas, nem tampouco se aborrecer com propostas fáceis demais, que não representem desafio algum. “Em cada caso, utilizamos uma forma de ensinar adequada às necessidades dos alunos. Segundo as características de cada um dos meninos e meninas, estabelecemos um tipo de atividade que constitui um desafio alcançável, mas um verdadeiro desafio, e depois lhe oferecemos a ajuda necessária para superá-lo. No final, fazemos uma avaliação que contribui para que cada um deles mantenha o interesse em seguir trabalhando.” (Zabala, citado por KIM e TENÓRIO, 2008: 21) É tarefa do professor conhecer seus alunos e propiciar momentos de trocas entre eles, tanto em grupos com crianças de diferentes níveis, para que uns possam auxiliar os outros, como em grupos afins ou com
alunos de níveis semelhantes, para que, juntos, elaborem novos conceitos e procedimentos para avançar, dependendo do objetivo do trabalho. Dois exemplos podem esclarecer esses encaminhamentos: pode-se propor um momento de revisão de escrita em que aqueles que têm mais domínio dos aspectos notacionais, como pontuação, paragrafação e letras maiúsculas, podem auxiliar os colegas que dominam menos esses aspectos, precisando exercitar mais e compreender seu uso adequado. Já num jogo matemático de sistematização, como o STOP das tabuadas, os grupos podem ser organizados conforme a agilidade das crianças, deixando aquelas mais rápidas com colegas também ágeis e aqueles que necessitam de mais tempo num outro grupo, juntos, para que possa haver alterações de papéis dentro do grupo, sem deixar marcado apenas um como aquele que sempre vence ou que sempre perde. Conforme Weisz (1999, p. 73): “(...) a interação entre os alunos não é necessária só porque o intercâmbio é condição para o convívio social na escola: ela é necessária porque informa a todos os envolvidos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem.” Em minha prática, são comuns situações em que, numa mesma tur-
ma e num mesmo momento, atividades matemáticas de cinco tipos diferentes, por exemplo, estejam sendo realizadas, conforme as demandas dos alunos. Essas atividades, em geral, buscam trabalhar com o mesmo conteúdo, só que em níveis de aprofundamento diferenciados, seguindo as necessidades e possibilidades individuais. Mas também pode acontecer dos alunos realizarem, numa mesma sessão, propostas relacionadas a conteúdos diferenciados, de uma área ou mais de uma, visando trabalhar questões específicas de cada criança. Esse tipo de atividade diferenciada costuma ser proposta na escola ou como tarefa de casa, de caráter extra ou simplesmente substituindo a tarefa que outros alunos levam, conforme o caso. Se forem de caráter extra, ou seja, além da tarefa de casa normal, elas são semanais e com um foco específico, para que a criança consiga executá-las, sem prejudicar a resolução das demais atividades rotineiras. Um contato com a família é importante, nesse caso, para garantir que o objetivo de apoiar o aluno em conteúdos pendentes e relevantes para seu momento atual seja concretizado, sem sobrecarregá-lo. Essas tarefas podem ser dos mais variados tipos, desde jogos enviados pela professora ou indicados em sites, cruzadinhas ou outras de caráter lúdico, até atividades mais convencionais, envolvendo leitura e escrita, observações, respostas a questões, pesquisas e exercícios.
Percebo que diferentes propostas - com diferentes dinâmicas, focos, tempos, intervenções e materiais -, proporcionadas a partir de uma avaliação constante, promovem conquistas coletivas e particulares. O avanço de um nem sempre é igual ao avanço de outro, mas tem igual valor porque cada um andou dentro de suas próprias possibilidades, enfrentando seus próprios desafios e superando-os. Acredito que, como educadores construtivistas, devemos observar e refletir sobre as atividades diárias, estando disponíveis e atentos para perceber quando nosso aluno tem a necessidade de algo mais ou dife-
rente, anterior ou além, quando está necessitando praticar ou sistematizar algum conteúdo específico para que acompanhe com maior tranquilidade as propostas do dia a dia ou quando é possível desafiá-lo mais. É justamente o que dizem Tolchinsky et alli (2004, p. 34), quando falam sobre as funções desse novo professor: “Nossas funções são muito mais complexas e requerem muito mais esforços e formação do que os necessários em uma escola meramente transmissora; somos responsáveis por criar boas condições para o desenvolvimento dos alunos: descobrir seus interesses e motivações, propor conteúdos que lhes sejam próximos, dar continuidade às tarefas, orientar a seleção de materiais para trabalhar, organizar os grupos de trabalho e decidir a duração e o ritmo das atividades; definitivamente, garantir que cada um chegue o mais longe possível, em função das suas características pessoais.” Assim, garantir avanços para todos é uma questão de opção e preparo em relação à elaboração de estratégias para atender às diferentes demandas dos alunos, ao desenvolvimento do olhar aguçado sobre as suas necessidades e possibilidades e às constantes reavaliações, ao longo de todo o ano letivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KIM, Catarina e TENÓRIO, Cláudia. Apostila do curso A organização da rotina no Ensino Fundamental I. Programação de julho/2008 do Centro de Estudos da Escola da Vila, São Paulo. TOLCHINSKY, Liliana et alli. Processos de aprendizagem e formação docente. Porto Alegre: Artmed, 2004. WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 1999.
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“Posso desenhar?” o ato de desenhar e a escola Carla Binfaré Professora do 1º ano/ turma 11 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia pela PUCRS, com Pós–graduação em Educação Psicomotora pela FAPA e Pós–graduação em Pedagogia da Arte na UFRGS.
Márcia Rolim Professora do 2º ano/ turma 21 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia pela UFRGS.
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As crianças que chegam ao ensino fundamental oriundas da educação infantil trazem consigo de forma muito presente a linguagem do desenho por fazerem uso do desenhar todos os dias, como forma de expressar e comunicar. Ao ingressarem na nova etapa de sua escolaridade se deparam com uma nova rotina, na qual o tempo é empregado em outras tantas atividades, de forma que o ato de desenhar já não é mais uma prioridade e acaba, gradativamente, sendo deixado de lado. Para que o desenho continue em desenvolvimento, tornando-se cada vez mais elaborado e expressivo, é necessário o professor garantir situações em que essa linguagem se comunique com o pensamento, dando continuidade e lugar a esse desejo tão comum das crianças de desenhar. O desenhar deve fazer parte das propostas de aula, deve encontrar espaço no planejamento, às vezes, falando por si mesmo e, outras vezes, servindo como complemento de uma proposta.
Na Projeto, procuramos contemplar o desenho através de diferentes abordagens: em projetos específicos, que acontecem no 1º e no 4º anos (*), durante um trimestre, nos quais essa linguagem é trazida de forma sistematizada, com objetivos de ampliação do repertório de traçados e estilos, de experimentação de materiais variados e de aprimoramento da técnica, tanto de traçados como de coloridos; em propostas de ilustração, presentes cotidianamente e em qualquer área, que convidam os alunos a se expressarem sobre textos literários ou informativos, problemas matemáticos ou experimentos de ciências, canções ou temas trabalhados; em registros de estudos, de passeios, de caminhos ou objetos observados etc. Isso para que o desenho não estacione ou fique estanque, com as crianças passando a utilizar estereótipos, às vezes sem proporções e qualidade, e para que a criação não vá dando espaço aos modelos pré-estabelecidos como casinhas, árvores, nuvens, montanhas, sol, estrelas e lua, entre outros, que permanecem os
mesmos até a idade adulta. Situação esta bastante comum, segundo Mirian Celeste Martins, que comenta que o abandono gradual do ato de desenhar acontece porque a escola passa a priorizar outras atividades quando a criança está em processo de alfabetização ou mesmo quando já o concluiu. O desenho, então, vai ficando sem espaço, cada vez mais restrito. É um ponto importante a ser repensado em defesa de nossos desenhistas, já que na nossa concepção, não é necessário abandonar o desenho quando a criança se alfabetiza. Ou seja, a capacidade de escrita que ela desenvolve não precisa passar a ocupar o lugar da linguagem do desenho. Elas podem conviver e se relacionar, uma com a outra, desde que os recursos para lidarem com ambas as linguagens continuem sendo construídos e aprimorados, e que o repertório continue sendo ampliado, para que a criança dê conta das novas exigências que passa a julgar necessárias para representar algo. E, então, surgem as perguntas: Como fazer para que esse desejo não se perca? Para que essa habilidade continue se desenvolvendo? Qual o nosso papel como professores para alimentar o percurso e não deixar morrer essa produção singular? Sabemos que são as nossas pro-
postas e intervenções, estimulando e dando espaço para o desenho também nos anos iniciais, que permitem ao sujeito ir se enriquecendo cada vez mais da cultura que o cerca e construindo recursos capazes de apreendê-la ou representá-la graficamente. Porém, não encontramos todas as respostas, ainda que esse desassossego nos faça pensar que se queremos que nossas crianças continuem desenhando e, mais do que isso, possam cada vez mais qualificar essa linguagem, precisamos pensar sobre essa ação. Pensar sobre os espaços que lhe são dados, sobre os significados que lhe atribuímos e sobre as propostas e situações que promovemos. É preciso haver intencionalidade nessa ação. Ou seja, é preciso que o professor, enquanto mediador desse processo, tenha clareza do que quer com as propostas, para que possa pensá-las adequadamente e concretizá-las sistematicamente, não deixando-as ao acaso, de forma a alcançar seus objetivos de fato. Essas propostas, como já vimos, devem ser diversificadas e progressivamente mais desafiadoras, bem como sistemáticas e com continuidade. Algumas das que costumamos realizar com nossos alunos, dentro dos diferentes projetos já citados ou em oficinas e aulas de artes, são:
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• Desenho de observação; • Oficinas de desenho com diferentes instrumentos e suportes, explorando o uso da linha e do plano e, ainda, formas diferenciadas de “colorir” sem pintar (preenchimento de espaço); • Apreciação de desenhos de artistas escolhidos, observando estilo, peso e intensidade de cada linha, formas, movimentos e tons, entre outros, e produzindo seus próprios desenhos inspirados nesses trabalhos, em sua temática ou estilo; • Observação, nos desenhos, de tramas ou conexões entre linhas, dando-se conta das problematizações e soluções encontradas pelos artistas e ampliando suas próprias possibilidades de expressão; • Experimentações, reflexões e descobertas de diferentes formas de representação e de formas de se conseguir determinados efeitos (sombras, perspectivas, luz etc.); • Socialização do produto desenho de cada aluno (na roda, mostrando-o aos colegas, ou em exposição especialmente organizada e visitada por pais e colegas de outras turmas), valorizando-o como qualquer outra produção intelectual ou linguagem
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legitimada pela escola; Exercício de crítica, apreciação e discussão sobre os desenhos realizados, descobrindo coisas legais feitas pelos colegas, buscando a troca entre os pares e o enriquecimento mútuo; Desenho em duplas, um mostrando ao outro o que sabe fazer melhor, um aprendendo com o outro; Convite para algum adulto vir desenhar na sala (familiar, professor ou funcionária da escola, ex-aluno, estudante de artes), ensinando algum desenho específico ou recurso interessante relativo a essa linguagem; Desenho a partir da escuta de músicas com ritmos diferentes, observando os efeitos variados que podem causar; Desenho continuado, em que alguém inicia e outros vão dando continuidade à composição; Desenho em movimento em algum meio de transporte, na saída para um passeio; Desenho de objetos em posição invertida (de cabeça para baixo); Desenho rápido, marcando no relógio um minuto.
Mas também o desenho deve acontecer de forma espontânea, como escolha da criança, sendo, mais que permitido, estimulado entre o intervalo de uma atividade e outra da rotina. Deve servir para expressar, brincar, representar, experimentar ou mesmo relaxar, auxiliando o educando na estruturação de seus processos cognitivos e emocionais. Aquele que desenha poderá estar ao mesmo tempo brincando, pensando, aprendendo, elaborando e comunicando. Vale pensar ainda em desafios que quebrem barreiras e rotinas para as crianças desenharem, por exemplo, em espaços diferentes e convidativos como o parque ou praça próximos e até o pátio da escola. Nos momentos de pátio as crianças podem ter disponíveis materiais que provoquem o desejo de desenhar, como rolos de papéis pendurados e lápis de desenho à vontade. Também no final do turno, em momentos de espera pelos familiares, podem ser disponibilizados materiais que suscitem esse desejo. São pequenas intervenções que podem significar muito
para as crianças no desenvolvimento da sua relação com o ato de desenhar. Isso pode ser individual ou coletivo. E, dentro do possível, os espaços da escola devem conversar com as linguagens e expressões da arte, servindo de suporte aos trabalhos dos alunos e contribuindo para sua valorização.
Muitas vezes serve de reflexão sobre o mundo e sobre a forma como observamos o entorno. Assim, as crianças pensam enquanto desenham. E é importante buscar um respaldo teórico para refletirmos sobre essas aprendizagens, pois, como diz Miriam Celeste Martins:
Entendemos que, qualquer que seja a proposta, o ato de desenhar passa pela forma de ver o mundo. Assim, o exercício de observar e olhar com atenção o que se desenha pode ser interessante e rico, ampliando o campo de percepção e auxiliando o sujeito a desenvolver e criar formas para representar, através do desenho, suas múltiplas interpretações.
“O desenho é uma forma de linguagem que tem seus próprios códigos. Para se aproximar do que ele expressa, é preciso fazer uma escuta atenta enquanto ele é produzido.”
O desenho tem que fruir e o ato de fruição está ligado ao prazer de desenhar e sentir-se desafiado a construir e desconstruir o desenho. Também ao aprender com o outro, dividir as suas habilidades e percorrer o olhar na observação para alimentar e recriar. O desenho também é linguagem, para contar ou comunicar algo.
A pesquisa de outra especialista e professora, Rosa Iavelberg, nos fala de alguns conceitos sobre o desenho infantil que podem enriquecer nossa compreensão e nosso olhar, contribuindo com uma visão mais capacitada na linguagem representativa do desenho. Ela comenta, por exemplo, em seu livro, O Desenho Cultivado da Criança, que “ver é crer”, ou seja, que o desenho se desenvolve com base nas observações que a criança realiza sobre sua própria ação gráfica. Esse aprendizado durante a ação é validado pela estudiosa Edith Derdyk:
“O desenho se torna mais expressivo quando existe uma conjunção afinada entre mão, gesto e instrumento, de maneira que, ao desenhar, o pensamento se faz.” Nesse sentido, algo bem interessante, que já vivenciamos na escola em alguns cursos há tempos atrás, mas que devemos talvez promover novamente, é a situação do professor se colocar na posição de quem também vive a experiência de desenhar (ou no caso de outras linguagens, de pintar, de modelar, de preparar massinhas, experimentar tintas e cores, compor colagens etc.). Com isso se pode, de uma forma muito significativa, provocar novas discussões e propostas, promover novos conhecimentos e despertar o desejo de expressão, o que, com certeza, ampliará o repertório de cada um e favorecerá sobremaneira as intervenções a serem feitas com seus alunos, a partir da questão de sempre: Quais estratégias e possibilidades estão imbricadas nesse continuar a rabiscar, desenhar, figurar?
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E aqui é importante discutirmos mais um aspecto, antes de encerrarmos, o qual diz respeito à relação do desenho com o universo de imagens em que as crianças estão inseridas. O acesso a imagens através de diferentes meios como os tecnológicos, da comunicação e de publicidades, provoca nas crianças o estabelecimento de relações entre o que elas figuram e o que elas veem como provocação. Assim, no momento em que comparam o que produzem com o que está exposto no mundo, surgem questões como: “Eu não sei desenhar”, “Eu não consigo me expressar” ou “Eu não sei fazer direito”... Entre os principais estudiosos, existe divergência quanto a esse aspecto e suas implicações: alguns defendem que o desenho é espontâneo e o contato com a cultura visual depaupera as produções, mostrando que a criança se satisfaz com a ideia de que não sabe desenhar e cristaliza. E há aqueles que depositam justamente no seu repertório visual o desenvolvimento do desenho. Nas discussões atuais, domina a segunda posição, a qual Iavelberg defende, dizendo: “A única coisa que sabemos ser universal no desenho infantil são algumas regularidades comuns ao desenvolvimento. Todo o resto depende do contexto cultural.”
Então, acreditamos que o professor precisa selecionar imagens suficientemente boas, com poéticas que tenham algum valor estético e artístico, para promover qualidade. Não ficar preso aos artistas e referenciais universais também é algo que deve ser considerado. Eles devem ser conhecidos, é claro. No entanto, apresentar também outras possibilidades, com artistas locais, de rua e pessoas cujos desenhos quebrem com alguns parâmetros estabelecidos, pode ser importante para o fundamento primordial da arte: o fazer pensar! Para o avanço do ato de desenhar, como de resto para qualquer nova aprendizagem, são necessárias propostas que instiguem as crianças e que provoquem a compreensão do que elas ainda não alcançaram ou ousaram. A busca para alimentar essa produção e compartilhar com o outro as dúvidas e a resolução dos problemas que surgem no ato de desenhar ajuda a expandir o repertório procedimental, sem que ninguém perca sua característica ou identidade. Compreender que as crianças podem desenhar com autenticidade e conversar com outras fontes e culturas é possibilitar o nutrir do imaginário e das imagens intersubjetivas.
ção, de construção, de conhecimento e de interação com o mundo. Devemos cuidar para seguir alimentando e não perder essa dimensão cultural e todas as contribuições que dela podem nascer. NOTA: (*) Nos demais trimestres e em diferentes anos do fundamental 1, procurando diversificar e, ao mesmo tempo, aprofundar as experiências para que os alunos possam progredir tecnicamente e em expressão, desenvolvemos projetos com focos em diferentes linguagens, uma de cada vez: o tridimensional –modelagem e construções -, a pintura, o recortecolagem, a fotografia e a arte de rua. Além disso, no 3º trimestre de cada ano escolar, as turmas trabalham em torno da obra de um(a) artista visual convidado(a) ou, em ano de bienal, de determinado(a) artista participante, conhecendo sua produção, seu processo criativo e suas referências, bem como produzindo seus próprios trabalhos inspirados nele(a).
Concluindo, o desenho é um processo de conquista, de apropria-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: IAVELBERG, Rosa. O Desenho Cultivado da Criança-Prática e Formação de Educadores. Ed. Zouk, 2006. LUQUET, G.H. Arte Infantil. Lisboa: Companhia Editora do Minho, 1969. MARTINS, Mirian, PICOSQUE, Gisa e GUERRA, Maria Terezinha Telles. Didatica do Ensino de Arte - Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo. Editora FTD, 1998. MEREDIEU, F. O desenho Infantil. São Paulo. Cultrix, 1974. PIAGET, J. A formação dos símbolos na Infância. PUF, 1948. READ, HEBERT. São Paulo: Martins Fontes, 1971. REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.
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O desenvolvimento moral como conteúdo escolar para alunos e professores Jaqueline Pieretti Professora 5º ano/turma 51 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia e mestre em Psicologia da Educação pela UFRGS.
Michele Hoeveler Professora 5º ano/turma 52 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia – Séries Iniciais, na UFRGS.
Vanessa Vidor Professora 5º ano/turma 53 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia, com Especialização em Alfabetização e Letramento nos Anos Iniciais do Ens. Fundamental, na UFRGS.
Pensando sobre o contexto escolar e nos sujeitos envolvidos na educação, observamos que cada professor tem uma concepção sobre o desenvolvimento moral, da mesma forma que encontramos diversas concepções de ensino e aprendizagem. Para muitas escolas ou docentes, a convivência em grupo e o desenvolvimento da autonomia não precisam ser aprendidos, ou pelo menos, não na escola, e, portanto, não são contemplados no currículo escolar. Acreditamos que a família tem um papel preponderante especialmente nesse aspecto da formação das crianças, uma vez que ele envolve valores e concepções de mundo, mas não nos dispensamos, como es-
cola, de atuar diretamente em relação à construção da autonomia moral no convívio com nossos alunos aqui na Projeto. Trata-se, para nós, de um objetivo mais amplo da área de socialização, que perpassa todas as outras, e, nesse sentido, tem sido objeto de atenção e reflexão constantes, como qualquer outro conteúdo curricular. Sabemos que a postura do professor no seu relacionamento com os alunos estabelece a dimensão de respeito entre ambos, a qual pode ser pautada tanto de forma mútua, quando acontece num ambiente cooperativo, como de forma unilateral, quando é consequência do medo ou da iminência de punição.
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O professor que estabelece uma relação de respeito unilateral com seus alunos acredita que sua posição de autoridade deve ser acatada, sem contestação. Os limites são impostos ao aluno visando à sua obediência imediata, sem a preocupação com as diferentes etapas do desenvolvimento da consciência moral infantil. Por outro lado, como autoridade, o professor precisa ter consciência da sua responsabilidade nesse trabalho e não se omitir diante de atos desrespeitosos com o outro ou com as regras estabelecidas. Ele deve planejar suas intervenções, com o objetivo de promover a reflexão e o avanço gradual para etapas de maior autonomia em relação aos comportamentos sociais. Andrade afirma que o respeito ao professor, imposto ou construído, é um princípio do processo educacional: “O professor é uma postura de autoridade. Seja pelas vias históricas de uma educação bancária pautada pelo autoritarismo docente inerente a um modelo pedagógico, seja por uma relação de reciprocidade em que o aluno o entende como referência ou exemplo de conduta.” (Andrade, 2008: 122) Parrat-Dayan (2009: 38) reafirma a necessidade e o aspecto positivo das ações de disciplina para a aprendizagem e para a organização escolar, definindo-a como um “sistema de regras que torna possível a existência de certa ordem de convivência entre os alunos e o professor no contexto da sala de aula.” Entretanto, ressalva que não é o professor que deve impor as regras. Sua função deverá ser a de um colaborador que oportuniza a explicação e a negociação das regras na sala de aula, auxiliando as crianças em diferentes momentos e proporcionando experiências que permitam o estabelecimento da disciplina.
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“Quando se constata a resistência das crianças em idade escolar ao método autoritário e a esperteza que essas mesmas crianças manifestam para escapar à disciplina, não temos mais remédio senão considerar defeituoso o sistema fundado na coação.” (Parrat-Dayan, 2009: 37) Um exemplo desse tipo de conduta, que é adotado pelos professores aqui na Escola Projeto, é elaborar em conjunto com os alunos as regras e combinações da turma e/ou de determinados trabalhos a serem desenvolvidos a cada etapa. De maneira geral, todos são convidados a pensar em formas de garantir uma convivência respeitosa e agradável, considerando os limites e as necessidades individuais, bem como os objetivos de cada situação e o próprio espaço e tempo das propostas. Assim, quando algum
aluno desrespeita alguma das regras elaboradas há um movimento dos próprios colegas, manifestando sua insatisfação, conversando e retomando o registro feito coletivamente, assim como estabelecendo novos combinados, se for o caso. Por outro lado, La Taille (2008) recomenda que o professor explicite o caráter indiscutível de alguns limites, oportunizando que seus alunos reflitam sobre a coerência dessa proibição para o bem coletivo. Se o professor não exige a participação dos alunos na elaboração, na reflexão ou no cumprimento das normas de convivências, estará correndo o risco de não cumprir seu dever para com a sua formação cognitiva e moral. Quando a autoridade/o professor considera a justiça um valor presente na sua sala de aula, está oportunizando que as regras de con-
vivência sejam objetos de reflexão e que os alunos desenvolvam sua consciência moral. La Taille (2008: 95-96) diferencia uma educação autoritária caracterizada pela “imposição de regras, acompanhadas da sua legitimação com frases como ‘Obedeça porque sou seu pai (ou sua mãe)’, ‘Faça isso porque eu mandei’” - de uma educação elucidativa, na qual “cada vez que uma ordem ou repreensão é dada, vem acompanhada da explicação de sua razão de ser, em geral baseada nas consequências da infração e no bem-estar do outro.” Na sociedade atual, dificilmente percebemos contextos educativos nos quais o autoritarismo seja defendido, mas sabemos também que essa posição não garante que ele não seja exercido em algumas salas de aula. Por outro lado, também temos clareza de que a outra ponta do autoritarismo (o “laisse faire” ou a ausência de autoridade) não contribui para a construção moral que desejamos, deixando a criança sem referências e insegura. Assim, nos perguntamos: Será que os professores conhecem o caminho mais adequado para a construção de um ambiente de respeito mútuo? Na Projeto, durante este ano de 2015, a partir de questões variadas trazidas pelos professores da educação infantil e do ensino fundamental,
relacionadas ao manejo com os alunos e às relações entre eles, realizamos um estudo sobre o desenvolvimento da autonomia moral nas crianças e de que forma isso faz parte do nosso trabalho com elas, diariamente (*). Ainda que sempre tivéssemos esse tema como importante conteúdo a ser desenvolvido em cada sala de aula e na escola como um todo, retomamos, através de leituras, elaborações e discussões envolvendo toda a equipe, essa reflexão sobre os encaminhamentos dos conflitos inerentes à convivência dos alunos na escola e pensamos diferentes formas de intervenção, incrementando a prática diária nesse sentido. Aqui na escola, desde os primeiros anos, na educação infantil e no 1º ano do fundamental, os alunos são convocados a participar da rotina e avaliar o trabalho e o desempenho da turma, em momentos de Rodas de Conversa. A partir do 2º ano, periodicamente, os professores promovem na sua turma as Assembleias. Nesses encontros, além de compartilharem e encaminharem sugestões para resolver algum problema coletivo, os alunos são estimulados a avaliarem o que tem dado certo e no que a turma já avançou. São momentos de 30 a 45 minutos, que têm a participação ativa dos alunos, inclusive na sua organização, inscrevendo os participantes,
controlando o tempo de exposição e fazendo ata de registro. Da mesma forma que se estuda os estágios de desenvolvimento cognitivo para compreender os processos de aprendizagem em leitura, escrita, matemática, ciências e artes, deve-se conhecer o processo de desenvolvimento moral das crianças, para que se contribua, de fato, e conscientemente, com o avanço de sua autonomia, no âmbito da cooperação e da responsabilidade. O professor, junto com a equipe pedagógica como um todo, poderá, com esses estudos e reflexões, perceber também como algumas escolhas didáticas limitam a construção de relações de respeito mútuo na sala de aula e como a socialização entre as crianças e o trabalho conjunto (em duplas e pequenos grupos) são necessários ao desenvolvimento moral. Mas é importante, sobretudo, que os professores se disponham a analisar suas intervenções, refletindo constantemente sobre como as suas posturas interferem no desenvolvimento moral das crianças e como atuar para a construção de um ambiente sociomoral cooperativo. Essa capacidade de analisar criticamente as suas ações e as dos alunos, relacionando com o seu conhecimento teórico,
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identifica os professores como pesquisadores. De acordo com Becker (2007: 20), esse profissional – o professorpesquisador - “transforma sua docência em atividade intelectual cuja empiria (aquilo que ele observa) é fornecida por sua atividade de ensino, pela atividade de aprendizagem dos alunos, pela sua própria aprendizagem.” É na formação dele que temos de investir! NOTA: (*) A cada ano, elegemos um tema, a partir do qual realizamos a atualização e a formação da equipe, através de leituras e discussões, palestras e cursos com convidados, análise das práticas e (re)formulações de propostas, em reuniões especialmente voltadas para esse fim. Organizamos, então, uma reunião geral de pais sobre o tema, informando-os sobre como a escola vê e trabalha com os alunos em relação a ele.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRADE, Jakeline Alencar. Ética docente: estudo sobre o juízo moral do professor. Porto Alegre: 2008. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul BECKER, Fernando. Ensino e Pesquisa: Qual a relação? In: BECKER, Fernando e MARQUES, Tania B. I. (org.) Ser Professor é Ser Pesquisador. Porto Alegre: Editora Mediação, 2007. p.11-20. LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 2008. PARRAT-DAYAN, Silvia. Como enfrentar a indisciplina na escola. São Paulo: Contexto, 2009.
Caliana Pauline Zellmann
O papel do livro de imagem na formação do leitor
Professora do 2º ano/ turma 22 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia pela PUCRS.
“Para que serve um livro sem figuras nem diálogos?”, perguntou Alice, antes de seguir o Coelho Branco até o País das Maravilhas. Não é novidade para ninguém a importância que as ilustrações têm para o livro tornar-se mais atrativo aos pequenos leitores. Nas livrarias, eles lançam olhares atentos à procura de cores e de traços que chamem sua atenção. Crianças consomem imagens muito antes de serem apresentadas às letras. Leem imagens desde cedo, seja através dos livros ou dos desenhos animados que configuram variados estilos visuais.
Por si só, a linguagem visual é rica em possibilidades e oportuniza uma bagagem imaginativa grande e eficaz ao desenvolvimento das crianças. Em especial, o texto visual ou livro de imagem, de que me ocupo neste artigo, vem ganhando cada vez mais espaço na vida do público leitor. Trata-se daquele livro que possui uma narrativa constituída unicamente por ilustrações. Esse tipo de leitura, além de, como as demais, expandir a capacidade da criança de reter informações, também dá a possibilidade de trabalhar a observação, bem como a educação do seu olhar para perce-
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ber a sequência narrativa através das imagens, de página em página, ou de quadro em quadro. A criança tornase uma articuladora, tendo que relacionar as imagens entre si, uma pensadora ao dar sentido às imagens e uma narradora em potencial, quando consegue colocar sua imaginação em ação. A narrativa visual traz consigo um conjunto de elementos, como um “alfabeto” próprio, que a transforma em uma linguagem muito específica. E, por isso, ler e trabalhar um livro de imagens é estar atento ao projeto gráfico, às cores, às técnicas e ao estilo das ilustrações, entre outras questões. Arte e literatura puras! Por acreditar nas inúmeras experiências positivas que o trabalho com o livro de imagens traz à vida dos pequenos (grandes) leitores é que o realizamos na Projeto. O acervo das duas bibliotecas (U1 e U2) garante que, desde sempre, todos os alunos tenham contato com esse tipo de texto. Nessa exploração livre, as crianças, ao se depararem com a falta da palavra escrita no livro, têm a possibilidade de desvendar ou criar narrativas com seus próprios recursos. Já vivenciei várias vezes o seu espanto ao abrirem os livros e não encontrarem o
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texto, como aconteceu com a Alice, de Lewis Caroll, quando não encontrou imagens. Mas esse espanto é inicial: logo depois, elas se deixam encantar e envolver por eles. Um trabalho mais sistemático com esse tipo de texto, e que engloba também o trabalho com a escrita, acontece no 2º ano do ensino fundamental. Durante todo um trimestre, passamos a trazer aos alunos um conjunto selecionado de livros desse tipo (*), junto com atividades desafiadoras, que os fazem ampliar as possibilidades de leitura do tipo de linguagem neles utilizada. Primeiramente, porque atribuir sentido a uma imagem é uma tarefa feita unicamente pelo leitor e narrar a partir do que se vê pode não ser uma tarefa tão fácil assim. Segundo, porque conseguimos, de maneira complementar, conciliar leitura e escrita, trabalhando também os possíveis textos que surgem dos livros em sua forma escrita. Apesar de ser grande o desafio, nesta etapa do ensino em que a criança está consolidando sua escrita alfabética, ela consegue, a partir desse tipo de trabalho, desenvolver uma autonomia crescente na direção do seu processo mais amplo de alfabetização, que implica em letramento e uso cada vez mais apropriado da escrita.
Essa proposta com livros de imagem engloba a formação de um leitor-intérprete, um formador de linguagem. Por tratar-se de uma abordagem interacionista, onde o espectador também é, juntamente com o autor, um sujeito de ação diante da narrativa, tem-se a possibilidade de desenvolver vocabulário e uso de discursos indiretos. A partir da leitura de um livro de imagem, a criança traz sua subjetividade ao colocar-se no papel de narradora, interpretando e estimulando sua imaginação. Ou seja, fazendo com que ela vá além daquilo que vê. Claro que isso precisa, muitas vezes, ser colocado como um desafio, não sendo realizado de modo espontâneo por todas as crianças. Muitas delas, diante da proposta de criar uma história para as imagens do livro, simplesmente relatam aquilo que está à sua frente, descrevendo-as com um olhar, digamos assim, mais limitado, e fazendo uma narrativa mais direta, às vezes sem articulação entre as diferentes imagens. Assim, procuramos sempre instigar, o aluno, fazendo-o ir além, pensar sobre o que vê ou lê, e também sobre o que não vê ou não está escrito, mas pode estar implícito, para que
leia e escreva um texto de forma cada vez mais enriquecida e criativa. Pensar o livro de imagens para além do que se vê é tarefa de “gente grande”, como costumo dizer, porque é um exercício que exige e possibilita um olhar cada vez mais atento. Ler o livro de imagem, decifrar fatos e descobrir o que está por traz daquelas imagens já é algo que gera uma movimentação cognitiva muito grande. Agora, imagine dar vida textual àquela narrativa, fazendo com que o aluno tenha vez e voz de transmitir suas próprias impressões acerca daquilo que, a princípio, já foi um produto final do autor-ilustrador! A partir desse espaço, em que a criança consegue interpretar, significar e reconstruir uma leitura, o resultado sempre será surpreendente e deve ser valorizado de maneira única, podendo-se, é claro, refletir sobre a forma que sua história tomou, contrastando sua produção com o que o autor propõe em sua narrativa de imagens, e discutindo sua possível intenção, que leva a um desfecho – ou não –, a uma crítica, a um significado. A propósito disso, trago as palavras de Hunt (2010), do livro Crítica, teoria e literatura infantil: “O que pode ser mais significativo do que aquilo de que trata a história talvez seja o modo como ela é construída. É uma obviedade dizer que, durante as primeiras fases de desenvolvimento, as crianças preferem histórias com um elemento
de ‘desfecho’ – isto é, naquelas que permitem a ‘sensação de um final’. Mais do que isso, elas preferem que algo seja resolvido, que a normalidade seja restabelecida, que a segurança seja enfatizada.” (p. 187) No entanto, no trabalho que venho desenvolvendo no 2º ano, tenho visto muitos livros que não trazem um desfecho, que deixam algo no ar e que, mesmo assim, encantam o leitor e o intrigam, talvez justamente por ele ficar sem saber o final da história. O livro Ida e Volta, de Juarez Machado, é um belo exemplo disso. Ele costuma ser o primeiro livro de nosso projeto por ter um personagem misterioso e que mostra, através de pegadas, atividades de sua rotina. As pegadas, por si só, já deixam as crianças curiosas e atentas aos próximos passos do personagem invisível. Porém, ao término do livro, xiste ainda certo mistério e a narrativa não chega a um final, dando a sensação de continuidade, de ininterrupção. Assim, a criança depara-se com uma incógnita, algo a ser ainda descoberto ou a seguir. Rico, muito rico para discussões e possíveis escritas a respeito. Mais uma vez enfatizamos, então, a importância da mediação do professor diante dessas e de outras inquietações que vão surgindo nos momentos de leitura dos livros de imagens. Temos a missão de aguçar e encorajar os alunos a “enfrentar” a narrativa à sua frente. Ao mesmo tempo, é fundamental que consigamos deixar a criança livre para imaginar e falar sobre o que está vendo, sem
pensar em certo e errado. Até porque são múltiplas as interpretações possíveis, e cabe a cada professor fazer desse trabalho uma influência positiva a todos os alunos, de um jeito prazeroso e divertido. Aguçar uma boa relação com a leitura – seja de imagem ou de texto escrito - ajuda a construir o gosto por ela e encoraja a criança em relação à escrita, dando mais sentido a esses atos de ler e escrever. Esse é nosso grande desafio, no final das contas, seja com que projeto for! NOTA: (*) Livros utilizados atualmente no projeto de livros de imagem: Ida e Volta, de Juarez Machado – Editora Agir A flor do lado de lá, de Roger Melo – Global Telefone sem fio, de Ilan Brenmann e Renato Moriconi – Companhia das Letras O Fim da fila, de Marcelo Pimentel – Editora Rovelle Um dia na praia, de Bernardo Carvalho – Cosac Naify Cena de rua, de Angela Lago – RHJ Casulos, de André Neves - Global O Menino Vazio, de Jean Claude R. Alphen – Jujuba A Árvore do Brasil, de Nelson Cruz – Petrópolis Bárbaro, de Renato Moriconi – Companhia das Letras A Onda, de Suzy Lee - Cosac Naify
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas; tradução de Jorge Furtado e Liziane Kugland. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. HUNT, Peter. Crítica, Teoria e Literatura Infantil. Tradução: Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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A escrita e a leitura com sentido na escola Ana Cláudia Corrêa Professora do 4º ano/ turma 41 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia/Orientação Educacional, Psicologia da Educação, Estrutura de Ensino e Didática/FAFIMC, pósgraduada em Psicopedagogia Institucional/Universidade Rio Branco.
Raquel Silveira de Oliveira Professora do 4º ano/ turma 42 do ensino fundamental, graduada em Pedagogia/Educação Infantil, pela UFRGS e cursando Especialização em Educação Infantil e Anos Iniciais, na Uniasselvi.
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“Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes”. (Rubem Alves) A criança, desde a mais tenra idade, já está imersa no mundo da escrita. Quando nasce ela ganha nome, sobrenome e carteira de vacinação. Ao crescer vai descobrindo que em tudo que a rodeia há letras ou números: nas caixas de brinquedos e, às vezes nos
próprios brinquedos, nas placas, nos cartazes, nos panfletos, nas legendas dos filmes, nos sinais de trânsito, nos livros e jornais. A partir daí, ela vai observando esses diferentes caracteres e começa a se perguntar sobre eles – sua função, seu significado e seu modo de funcionar -, passando a construir e testar suas primeiras hipóteses sobre a escrita, processo este longo e maravilhoso que podemos enxergar durante o seu desenvolvimento e com o qual podemos contribuir, especialmente na escola. Sabendo da importância desse conhecimento prévio e do papel da escola na sua ampliação e aprofundamento, para cumprir seu objetivo maior de formação de leitores e escritores competentes, procuramos garantir um lugar privilegiado para essas duas práticas no currículo escolar, da forma mais prazerosa e interligada possível, na medida em que a escrita
e a leitura possuem uma relação muito estreita: quanto mais lemos, mais ampliamos repertório para escrever e, quanto mais escrevemos, mais buscamos a leitura, atrás de referências e modelos. Ao proporcionarmos aos alunos experiências diversas com a leitura, em diferentes modalidades (individualizada, socializada e compartilhada), estamos contribuindo para aproximálos da ideia de um texto (nesses casos, o literário) e suas possibilidades. Mas, para além do livro e seus gêneros literários, se procura explorar também os diferentes portadores e tipos de texto com seus respectivos propósitos comunicacionais, nas situações mais diversas da rotina da sala de aula. Assim, ao perceberem as características da escrita de um bilhete, por exemplo, e para que ele serve, conseguem diferenciar esse tipo de texto de outros que já conhecem. Dessa mesma forma as particularidades dos tipos de textos vão se tornando mais claras e evidentes à medida que exploramos sua diversidade. Consideramos fundamental que os alunos possam ler e discutir os textos lidos (por eles, para eles ou com eles), em diferentes situações do cotidiano escolar e dos projetos especialmente propostos com esse fim, e a partir de aspectos diversos: além do conteúdo em si, é importante aprenderem a observar estrutura, linguagem e propósito, por exemplo. Através dessas experiências eles passam a considerar, cada vez mais, o leitor como objeto da escrita, referendando a sua função de comunicar algo a alguém. Em outras palavras, e como implicação disso, o aluno vai sendo instigado a pensar na sua própria produção de modo mais crítico, construtivo e criativo, percebendo que sempre há intencionalidade de comunicar quando escrevemos.
Ao propor que os alunos escrevam, tendo como embasamento diferentes leituras e explorações, oportunizamos que coloquem suas ideias, deixando o texto fluir. Nesse momento, eles estão focados em, suas escolhas, que sempre trazem interesses e vivências pessoais. Após essa escrita inicial e algum distanciamento, é necessário criar situações em que os alunos voltem ao seu texto, releiam, e avaliem se está compreensível para o leitor. Para muitos alunos, de início, é difícil tomar essa distância e se dar conta de aspectos a melhorar, pois estão envolvidos com sua produção. Eles argumentam que o texto está pronto, que as ideias estão claras e eles as entendem. Aí, então, temos de provocar outras situações de revisões: trocas em duplas ou grupos, revisões coletivas ou apontamentos diretos da professora ao aluno, para que, nessas idas e vindas ao texto, os autores possam levar em consideração o leitor. A professora, então, precisa acompanhar esse processo dos alunos, fazendo questionamentos para que eles percebam em que aspectos podem deixar seu texto mais claro ou
enriquecê-lo, auxiliando-os a incorporar ideias de diferentes textos do mesmo gênero, a detalhar acontecimentos, a descrever cenários e situações, e a caracterizar personagens. No entanto, não há um molde que devam seguir, e sim roteiros e dicas, sugestões coletadas de outras leituras, relativas a expressões e universo vocabular do tipo de texto em questão, com que se sintam apoiados a atentar para suas características. Por exemplo, se a proposta de escrita é de um texto de recomendação, precisam explorar e ler muitas recomendações, ao longo do trabalho, discutindo sobre a importância da argumentação para convencer o leitor e fazer a propaganda do que querem divulgar, bem como se dando conta de estruturas recomendáveis para esse tipo de texto. Assim, aprenderão a chamar o leitor, deixando-o curioso, com vontade de ler o livro, assistir ao programa ou participar de evento. Ao considerarem o leitor como um interlocutor em sua produção, os alunos ampliam de forma muito rica suas escritas. A leitura acontece com uma intencionalidade a mais, de en-
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tender para ter o que dizer ou de observar estruturas e linguagens para saber como melhor cumprir o propósito do que se escreve. A apropriação do que se lê ocorre para indicar algo ao outro ou para se comunicar com o leitor. Um aspecto pressupõe o outro, criando um circuito de estratégias de ensino que juntas dão base para ler e escrever cada vez melhor. Considerar o leitor também é motivo para se trabalhar com as revisões gramatical e ortográfica do texto, dando-lhes sentido. Trazer trechos selecionados para serem discutidos e revisados coletivamente, formular regras e retomá-las em diferentes situações de escrita, corrigir em duplas, um apontando questionamentos ou dúvidas no texto do outro, e registrar as aprendizagens, exercitando-as na revisão seguinte, são algumas das formas que utilizamos para fazer isso e, ao mesmo tempo, ensinar conteúdos de ortografia e gramática. Assim, são encaminhados na escola, ao longo das diferentes séries, os projetos de leitura e escrita de contos de fadas, de histórias de crianças, de narrativas fantásticas, de contos populares, de aventura ou de horror. Da mesma forma, com as referências correspondentes, são desenvolvidos os projetos de poesia, cartas, texto dramático etc., sempre na busca de oferecer às crianças uma ampla gama de possibilidades para registrar, comunicar e se expressar. Viajar nas
histórias lidas, imaginando cenários, fatos e personagens, é fundamental para quem escreve e para o leitor. Se o escritor faz isso, ele consegue prender a atenção do leitor e levá-lo aos mais variados contextos, construindo também repertório e possibilidade de novas vivências e entendimento do mundo. Acreditamos que, com esse trabalho, podemos garantir a concretização dos nossos objetivos relacionados à escrita e à leitura, num contexto de práticas de linguagem, em que o aluno exerce os comportamentos de leitores de escritores, e não apenas ouve falar sobre isso e faz exercícios isolados e repetitivos para supostamente aprender gramática ou ortografia e, aí, então, aprender a escrever. Na Projeto, se aprende a escrever, escrevendo, e a ler, lendo, sempre com muita provocação para ocorrerem transformações e avanços efetivos nessas competências. “Um texto não se resume a palavras em uma página. É algo vivo, capaz de transpor os limites do papel e entrar na vida de quem o lê. Assim se constrói o vínculo entre escritor e leitor, vínculo selado pela beleza, pelo mistério, pelo gratificante poder de revelação das palavras.” (Abrão Slavutzky)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. São Paulo, Ed. Papirus, 2000. BALDI, Elizabeth. Leitura nas séries iniciais: uma proposta de formação de leitores de literatura. POA, Ed. Projeto, 2009. ___________. Escrita nas séries iniciais. POA, Ed. Projeto, 2012. SLAVUTZKY, Abrão. In: GUTFREIND, Celso. A dança das palavras - Poesias e narrativas para pais e professores. POA, Ed. Artes e Ofícios, 2012.
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O lixo e as pequenas revoluções Virgínia Veríssimo Coordenadora do ensino fundamental, formada em Pedagogia/Ed. Infantil, pela UFRGS, Especialização em Alfabetização, pela UNIRITTER, cursando atualmente a Especialização em Intervenção Psicanalítica com crianças e adolescentes, na UFRGS. Quando recebi um convite para participar de uma visita guiada ao projeto Mãos Verdes, cujo título era Caminhos da Reciclagem - um novo olhar sobre o plástico, passei a me lembrar das experiências que tive com o assunto.
professoras da creche, as crianças e suas famílias. Mas também da minha mãe, que tinha uns setenta anos, e começou a selecionar os resíduos produzidos, mudando seus hábitos e que, até hoje, com seus noventa e um, continua com essa prática.
Eu sabia do processo do lixo comum por ter visitado, há um tempo, o Aterro Sanitário da Extrema e as usinas de reciclagem no bairro Cavalhada e Navegantes. Lembrei de, na época, ter ficado muito sensibilizada com tudo o que observei lá. Voltei ainda mais no tempo, numa palestra que promovi em minha própria creche, em meados dos anos 90, com o pessoal do DMLU, para ver se conseguia entender melhor sobre lixo seco e orgânico e também envolver as funcionárias e professoras na coleta seletiva do lixo. Esse encontro foi crucial para a mudança dos meus próprios hábitos e de muitas pessoas, desde a funcionária da limpeza e a cozinheira, até as
Voltando ainda mais no tempo, nos anos 70, lembro dela fazendo a composteira (na época nem sei como chamávamos), mas sabia que parte das cascas de frutas e restos de legumes e verduras ia para as galinhas e outra para aquele buraco no pátio, que em seguida era coberto de terra, no terreno em que plantávamos muitas coisas que consumíamos depois. Porém, é a plantação de milho que permanece na memória, porque gostava de andar por entre o milharal, imaginando estar num labirinto ou mesmo numa floresta. Era muito bom brincar entre as plantas daquele terreno! A minha mãe continua com a sua hortinha e a composteira, agora
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mais reduzidas e modernas, em caixas altas de cimento, forradas com cerâmica que imita madeira. Lembro que sacolinha de plástico era uma raridade, naqueles tempos. Nós juntávamos saquinhos de papel e levávamos para a vendinha do seu Jorge. Ele precisava de embalagens para entregar o arroz ou o feijão que vendia a granel e outros tipos de mercadorias que necessitavam de um embrulho. Em troca, recebíamos um pacotinho cheio de balas, mas quando levávamos muito, ele colocava uns chiclezinhos para alegrar a gurizada! Hoje trabalho em escola e este assunto do lixo tem sido muito estudado por nós, sempre questionando como a qualidade de nossa alimentação interfere na produção de resíduos. Tentamos fazer com que os alunos de cada série da escola, mesmo os bem pequenos da educação infantil, comecem a prestar atenção naquilo que descartam. Nas turmas que coordeno, sempre fazemos a análise das sobras do lanche, a criação da composteira e de uma horta orgânica, falamos sobre a importância das árvores para a cidade, o caminho da água e assuntos semelhantes.
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E é aí que quero chegar: apesar de ter muitas informações sobre os resíduos, ter tido muitas experiências anteriores, ainda assim aprendi muito, nos caminhos que trilhei propostos pelo projeto Mãos Verdes, que começou em uma indústria petroquímica (voltei aos anos 80 e lembrei que havia trabalhado em uma indústria de borracha). Conhecia bem aquele ambiente, os cheiros, as normas de segurança. Pensei que o plástico está aí: até roupas são feitas de garrafas pet. Entendi sobre o que chamam de plástico petróleo e de plástico verde. A diferença é de onde são extraídos:
o primeiro já se sabe que não é tão simples de extrair e o segundo vem de um recurso renovável, que é a cana de açúcar, de onde vem o etanol. E ele é biodegradável? Não, este já é outro tipo de material, que ainda está sendo pesquisado e desenvolvido. Não há ainda consenso sobre o plástico biodegradável. Uns acham que ele se desmancha e vira pó, que vai para a natureza, outros acham que não interfere. Nesse local, vi que há muitas pessoas trabalhando, pesquisando, preocupando-se com o impacto que o plástico causa, buscando soluções para o descarte.
Antes de chegarmos à Cooperativa de recicladores, em que veríamos como se dava a classificação dos materiais pelos trabalhadores e o processamento do plástico para poder voltar à indústria, eu tinha uma pergunta muito definida, prontinha na cabeça. O diretor da cooperativa (os trabalhadores fazem rodízio nas funções para que todos saibam como é trabalhar em cada setor) contou do funcionamento do local e do trabalho com detalhes e muita segurança. Entrando no local em que a esteira passava com o lixo da coleta seletiva da cidade e dos arredores, vi a rapidez e a presteza com que aquelas pessoas, jovens, concentradas no seu trabalho, selecionavam e jogavam dentro dos tonéis as coisas que passavam pelos seus olhos e mãos rápidas. Nesse momento, a pergunta que eu tinha, foi como que rolasse pela esteira, indo parar no rejeito, pois vi que naquela esteira passavam os mais diversos tipos materiais: papéis que poderiam ser aproveitados estavam misturados com alimentos ou com resíduos de banheiro. Até um gato morto! Eu queria saber o que as pessoas podiam fazer a mais, além de separar o lixo nas duas categorias que sabia, mas vi e senti com todos os sentidos
que foram possíveis: basta fazer algo muito simples, separá-lo em seco ou orgânico. Fiquei pensando nas pessoas, de novo nas pessoas, que trabalhavam lá, naquele local, imaginei a vida de alguns, com suas famílias, passeando com filhos, fazendo compras, em festas, imaginei-os com rostos lavados e com roupas limpas, porque ali, sim, eles se sujam, e achei que eram iguais a mim e a qualquer um que estava lá, entre trabalhadores e visitantes. Aprendi que os papéis que usamos para secar as mãos, por exemplo, não estão contaminados e são parte do lixo seco. Soube também que todo o tipo de plástico é reciclável, mas não são todas as cooperativas que possuem uma máquina (bem cara) que faz a extrusão do plástico, que consiste em processá-lo de maneira mecânica. Essa cooperativa se mobilizou e investiu na máquina, que mói e derrete o plástico, convertendoo em fios e, além de produzir um tipo de material já picado e limpo, também comercializa outro, pronto para ser reaproveitado na produção de parachoques de carros, de sacos de lixo, de vassouras e vasilhames. Por fim, conhecemos uma recicladora que transforma plástico em móveis, floreiras, composteiras, con-
tentores para barrancos, bicicletário, coisas impressionantes pela beleza e durabilidade. A minha surpresa foi saber que aquelas utilidades todas não eram vendidas e sim trocadas com escolas que coletavam uma determinada quantidade de saquinhos e sacolinhas plásticas. Fiquei curiosa para conhecer o dono daquela empresa! O título da proposta da visita guiada me fez pensar no caminho não só do plástico na minha própria vida, mas também em o que fazemos com o que produzimos, e qual é o meu papel, como educadora, neste ciclo. Não estou satisfeita em como as coisas estão, nesta relação homem e ambiente. Penso que os governantes deveriam garantir a coleta seletiva em todos os municípios e providenciar melhores condições de trabalho para quem trabalha com isso (materiais, direitos como qualquer outro trabalhador, segurança). Então, no final desse percurso estava convicta de que a educação é importante para uma grande mudança. Através da escola e daquelas pessoas interessadas numa vida melhor não só para si, mas para os outros, ela pode se concretizar, neste caso, com atitudes bem simples, rumo às pequenas revoluções no dia a dia.
As imagens que ilustram este artigo foram selecionadas do acervo da Escola dentre tantas que mostram o trabalho voltado aos conteúdos mencionados no texto.
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