Jamile Bergamaschine Mata Diz Beatriz Souza Costa José Antonio Moreno Molina (Organizadores)
Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise AUTORES Adriana Isabelle Barbosa Lima Sá Leitão Alice Rocha da Silva Anderson Vichinkeski Teixeira Carla Mariana Aires Oliveira Deilton Ribeiro Brasil Elizabeth Accioly Francisco Magno Mairink Gabriela Oliveira Silva Vasconcelos Gustavo Sarti Mozelli Jamile Bergamaschine Mata Diz
José Antonio Moreno Molina José Luiz Borges Horta Juliana Giovanetti Pereira da Silva Leonardo Achtschin Márcio Luís de Oliveira Nuno Cunha Rodrigues Solange Teles da Silva Tarin Mont’Alverne Wagner de Oliveira Rodrigues
Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise
JAMILE BERGAMASCHINE MATA DIZ BEATRIZ SOUZA COSTA JOSÉ ANTONIO MORENO MOLINA (Organizadores)
Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise
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Belo Horizonte 2021
CONSELHO EDITORIAL Álvaro Ricardo de Souza Cruz André Cordeiro Leal André Lipp Pinto Basto Lupi Antônio Márcio da Cunha Guimarães Antônio Rodrigues de Freitas Junior Bernardo G. B. Nogueira Carlos Augusto Canedo G. da Silva Carlos Bruno Ferreira da Silva Carlos Henrique Soares Claudia Rosane Roesler Clèmerson Merlin Clève David França Ribeiro de Carvalho Dhenis Cruz Madeira Dircêo Torrecillas Ramos Edson Ricardo Saleme Eliane M. Octaviano Martins Emerson Garcia Felipe Chiarello de Souza Pinto Florisbal de Souza Del’Olmo Frederico Barbosa Gomes Gilberto Bercovici Gregório Assagra de Almeida Gustavo Corgosinho Gustavo Silveira Siqueira Jamile Bergamaschine Mata Diz Janaína Rigo Santin Jean Carlos Fernandes
Jorge Bacelar Gouveia – Portugal Jorge M. Lasmar Jose Antonio Moreno Molina – Espanha José Luiz Quadros de Magalhães Kiwonghi Bizawu Leandro Eustáquio de Matos Monteiro Luciano Stoller de Faria Luiz Henrique Sormani Barbugiani Luiz Manoel Gomes Júnior Luiz Moreira Márcio Luís de Oliveira Maria de Fátima Freire Sá Mário Lúcio Quintão Soares Martonio Mont’Alverne Barreto Lima Nelson Rosenvald Renato Caram Roberto Correia da Silva Gomes Caldas Rodolfo Viana Pereira Rodrigo Almeida Magalhães Rogério Filippetto de Oliveira Rubens Beçak Sergio André Rocha Sidney Guerra Vladmir Oliveira da Silveira Wagner Menezes William Eduardo Freire
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora. Impresso no Brasil | Printed in Brazil
Arraes Editores Ltda., 2021. Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho Produção Editorial e Capa: Danilo Jorge da Silva Imagem de Capa: Bruno Henrique (Pixabay.com) Revisão: Responsabilidade do Autor 333.715 S964 2021
Sustentabilidade, governança e integração regional em tempos de crise /[organizado por] Jamile Bergamaschine Mata Diz, Beatriz Souza Costa [e] José Antonio Moreno Molina. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021. 339 p.
ISBN: 978-65-5929-028-4 ISBN: 978-65-5929-033-8 (E-book) Vários autores.
1. Sustentabilidade. 2. Governança. 3. Integração regional. 4. Pandemia – Covid-19. 5. Pandemia global – Crises. 6. Globalização. 7. Desenvolvimento sustentável. I. Diz, Jamile Bergamaschine Mata (Org.). II. Costa, Beatriz Souza (Org.). III. Molina, José Antonio Moreno (Org.). IV. Título.
CDD – 333.715 CDU – 502.13(81) Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700
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Autores
ADRIANA ISABELLE BARBOSA LIMA SÁ LEITÃO Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Advogada. E-mail: adrianasaleitaoadv@gmail.com ALICE ROCHA DA SILVA Professor of the Master and Doctorate Program in Law at the University Center of Brasília-UniCEUB. Post doctoral in international law at the Université de Paris with support from Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal – FAPDF. E-mail: rochaalice@yahoo.com.br ANDERSON VICHINKESKI TEIXEIRA Doutor em Direito pela Universidade de Florença/IT. Pós-Doutor em Direito Constitucional pela mesma Universidade. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Membro permanente do Colegiado de Docentes do Doutorado em Direito da Universidade de Florença/IT. Membro agregado internacional do Instituto Multidisciplinar Alimena da Universidade da Calabria/IT. Professor visitante do Instituto de Ciências Jurídicas e Filosóficas da Sorbonne. Membro Permanente da Association Française de Droit Constitutionnel. Professor visitante da Universidad de la Republica do Uruguay e do Mestrado em Direito das Relações Internacionais da Universidad de la Empresa/Uruguay. Advogado e consultor jurídico. CARLA MARIANA AIRES OLIVEIRA Doutoranda em Direito pela UFC; Bolsista CAPES/BRASIL; Mestre em Direito pela UFC; Integrante do Projeto de Pesquisa Observatório de Políticas Marítimas. E-mail: cmariaires@hotmail.com. DEILTON RIBEIRO BRASIL Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD Mestrado V
e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br ELIZABETH ACCIOLY Diplomada em Estudos Europeus pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa. Doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade Europeia de Lisboa. Professora visitante do Curso de Mestrado do Unicuritiba – Brasil. Advogada em Portugal e no Brasil. FRANCISCO MAGNO MAIRINK Bacharel em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Hélder Câmara. Advogado no Sacha Calmon Misabel Derzi – Consultores e Advogados. GABRIELA OLIVEIRA SILVA VASCONCELOS Mestranda do PPGD – Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna/MG. Especialista em Direito Notarial e Registral (Faculdade Damásio/IBMEC) e Direito Civil (Universidade Cândido Mendes - UCAM). Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna/MG. E-mail: gabrielaosv@gmail.com. GUSTAVO SARTI MOZELLI Professor convidado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG, 2013), com pós-doutorado em Direito pela Escola Superior Dom Hélder Câmara (2016). E-mail: gustavosarti@yahoo.com.br. HÉLIO EDUARDO DE PAIVA ARAÚJO Mestre em Direito Internacional pelo Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), Genebra, Suíça. Doutorando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Mestre em Administração de Empresas – MBA pelo Bernard M. Baruch College (CUNY), Nova Iorque, Estados Unidos. Pesquisador do Centro de Excelência Europeu Jean Monnet UFMG. E-mail: helioearaujo@ufmg.br. JAMILE BERGAMASCHINE MATA DIZ Coordenadora do Centro de Excelência Europeu Jean Monnet UFMG.Coordenadora da Cátedra Jean Monnet Direito UFMG. Professora Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Universidade de Itaúna. Professora da ESDHC e da FDMC/MG. Doutora VI
em Direito Público/Direito Comunitário pela Universidad Alcalá de Henares - Madrid. Mestre em Direito pela UAH, Madrid Master en Instituciones y Políticas de la UE - UCJC/Madrid. E-mail: jmatadiz@yahoo.com.br JOSÉ ANTONIO MORENO MOLINA Catedrático de Direito Administrativo da Universidad Castilla-La Mancha, Cuenca. Diretor da Revista Mensual “Contratación Administrativa Práctica” - Editora Wolters Kluwer La Ley. Coordenador do Máster en “Contratación Pública” da Universidad de Castilla-La Mancha. JOSÉ LUIZ BORGES HORTA Professor Associado de Teoria do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG, 2002), com pós-doutorado em Filosofia pela Universitat de Barcelona (2010-2011). Membro da Sociedade Hegel Brasileira e do Grupo de Trabalho (GT) Hegel da Anpof. Coordenador (desde 2005, ao lado de Joaquim Carlos Salgado) do Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos e (desde 2011, ao lado de Gonçal Mayos Solsona) do Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e Estado. E-mail: zeluiz@ufmg.br JULIANA GIOVANETTI PEREIRA DA SILVA Doutoranda em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Direitos Coletivos e Difusos pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD). Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos. Advogada. LEONARDO ACHTSCHIN PhD candidate in International Law – University Center of Brasilia (UniCEUB). Master in International Law (LL.M.) – University Center of Brasilia (UniCEUB). E-mail: leovarruda@gmail.com MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA Doutor e Mestre em Direito. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Escola Superior Dom Helder Câmara e da Faculdade Milton Campos. Professor-Visitante na Universidad Complutense de Madrid, Espanha (2019); Professor-Colaborador na The Hague University of Applied Sciences, Países Baixos (2018 e 2019). Consultor-Geral da Consultoria Técnico-Legislativa do Poder Executivo, Estado de Minas Gerais (Brasil). VII
NUNO CUNHA RODRIGUES Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Cátedra Jean Monnet. SOLANGE TELES DA SILVA Professora da Graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq. TARIN MONT’ALVERNE Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Doutora em Direito Internacional do Meio Ambiente - Universite de Paris e Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Internacional Público - Universite de Paris. Coordenadora do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI). Coordenadora do Projeto de Pesquisa em Direito do Mar. E-mail: tarinfmontalverne@yahoo.com.br WAGNER DE OLIVEIRA RODRIGUES Professor Adjunto em atuação no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz. Líder do Grupo CNPq de Pesquisa em Direitos Humanos e Fundamentais (GPDH-UESC) e Colíder do Grupo CNPq de Pesquisa “Democracia, Justiça, Alteridade e Vulnerabilidades” (DeJAVu). Advogado ativista de direitos humanos com ênfase na sociobiodiversidade, na diversidade sociossexual e na conjuntura política e institucional do Brasil na contemporaneidade. E-mail: worodrigues@uesc.br
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Sumário
APRESENTAÇÃO................................................................................................... XII Capítulo 1
THE NEED FOR INSTRUMENTS AND FLEXIBLE STRATEGIES TO FACE PANDEMIC CRISES IN THE CONTEXT OF REGIONAL BLOCS: ANALYSIS OF MERCOSUR RESOLUTION GMC 49/2019 Alice Rocha da Silva; Leonardo Achtschin................................................................ 1 Capítulo 2
GLOBALIZAÇÃO, (DES)GOVERNANÇA AMBIENTAL E INTEGRAÇÃO REGIONAL EM TEMPOS DE CRISE Anderson Vichinkeski Teixeira; Juliana Giovanetti Pereira da Silva...................... 26 Capítulo 3
OS IMPACTOS DA COVID-19 PARA OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS: COMO O FECHAMENTO DE FRONTEIRAS E AS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DO NOVO CORONAVÍRUS AFETAM A VIDA DOS REFUGIADOS Gabriela Oliveira Silva Vasconcelos; Deilton Ribeiro Brasil.................................... 41 Capítulo 4
O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU SOBREVIVE À CRISE PANDÉMICA? Elizabeth Accioly.......................................................................................................... 62 Capítulo 5
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E NEW GREEN DEAL: POR UMA EUROPA MAIS ECOLÓGICA E A BUSCA PELA NEUTRALIDADE CLIMÁTICA Jamile Bergamaschine Mata Diz................................................................................ 81 IX
Capítulo 6
SUSTENTABILIDADE E MERCADO FINANCEIRO NA UNIÃO EUROPEIA: PARÂMETROS E PERSPECTIVAS DE APLICAÇÃO Hélio Eduardo de Paiva Araújo................................................................................ 110 Capítulo 7
MECANISMOS DE PROTEÇÃO DO AMBIENTE MARINHO EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: A IMPLEMENTAÇÃO DO ODS 14 À LUZ DO PACTO VERDE EUROPEU Adriana Isabelle Barbosa Lima Sá Leitão; Tarin Cristino Frota Mont’Alverne........................................................................... 137 Capítulo 8
LA CRISIS DEL COVID-19 Y SU IMPACTO SOBRE LA CONTRATACIÓN PÚBLICA A NIVEL NACIONAL E INTERNACIONAL José Antonio Moreno Molina..................................................................................... 171 Capítulo 9
DO PROTOCOLO DE QUIOTO AO ACORDO DE PARIS: UMA PROPOSTA PARA O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Francisco Magno Mairink, Márcio Luís de Oliveira................................................ 190 Capítulo 10
A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS DE CONCORRÊNCIA DOS PALOP Nuno Cunha Rodrigues.............................................................................................. 218 Capítulo 11
PANDEMIA, COERÇÃO E RESPONSABILIDADE José Luiz Borges Horta; Gustavo Sarti Mozelli......................................................... 243 Capítulo 12
URBE AMAZÔNIDA E SUSTENTABILIDADE JUSURBANÍSTICA NO BRASIL: CONTEXTOS E PARADIGMAS SINGULARES FACE AO OESTE DO PARÁ Wagner de Oliveira Rodrigues.................................................................................... 258 X
Capítulo 13
POVOS INDÍGENAS E INTEGRAÇÃO REGIONAL NA REGIÃO AMAZÔNICA EM TEMPOS DE PANDEMIA Solange Teles da Silva................................................................................................. 276 Capítulo 14
PLANEJAMENTO ESPACIAL MARINHO E A ECONOMIA AZUL: A IMPORTÂNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DO PEM NA PESCA ARTESANAL Carla Mariana Aires Oliveira................................................................................... 300
XI
Apresentação
A sustentabilidade, compreendida em suas multifacetadas dimensões (econômica, social, política, jurídica e cultural), deve ser analisada a partir da interface e transversalidade dos fenômenos da vida e dos fatos cotidianos, bem como do contexto em que vivemos. Neste sentido, a presente obra como parte integrante das atividades realizadas pela Rede de Pesquisa “Integração, Estado e Governança”, bem como da Rede de Pesquisa Pan-Amazônia, sendo ainda vinculado às atividades do Centro de Excelência Europeu e da Cátedra Jean Monnet Direito UFMG, refletindo, portanto, as pesquisas realizadas pelos seus membros, bem como professores e especialistas convidados. A diversidade dos ensaios aqui reunidos reflete a própria diversidade da rede que congrega instituições de ensino e pesquisa nacionais e estrangeiras tais como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola Superior Dom Helder Campos (ESDHC), Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Tiradentes (UNIT) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) no Brasil, Universidad de Alcalá de Henares e Universidad Castilla-La Mancha na Espanha, Università degli Studi di Perugia na Itália, Universidade de Lisboa e Universidade Europeia de Lisboa em Portugal, entre outras. A concretização desta obra deu-se graças ao generoso financiamento tanto da Comissão Europeia no âmbito da Cátedra Jean Monnet da UFMG, Projeto (565401-EPP-1-2015-1-BREPPJMO-CHAIR) e do Centro de Excelência Jean Monnet, Projeto (611700-EPP-1-2019-1-BR-EPPJMO-CoE). Os artigos apresentados na presente obra tratam de aspectos relevantes vinculados à sustentabilidade, aos processos de integração regional que deveriam, num contexto de tamanha crise, conjugar os esforços, baseado na solidaridade, para tentar mitigar os efeitos devastadoras da mesma. Não cabe dúvida que estamos em tempos de profundas transformações trazidas não só pela pandemia, mas também pelo rearranjo global das relações entre os atores internacionais, sejam eles de natureza pública ou privada. O resultado de um processo de (de)construção das instituições, políticas e normativas XII
deve ser objeto central de estudos que tenham como objetivo compreender, sistematizar e apresentar soluções que possam, efetivamente, contribuir para a efetivação da sustentabilidade e do enforcement da integração, especialmente entre os Estados, mas também dos demais atores internacionais. Aspectos contemporâneos trazidos pelo cenário anteriormente mencionado, buscando imbricar desenvolvimento como parte inerente do componente quíntuplo já estabelecido pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no marco da Organização das Nações Unidas (ONU) com a integração regional calcada na solidariedade, estabelecida já como um dever e não mera faculdade, que deve prevalecer ante qualquer situação mas, em especial, naquela onde prevalece as transformações advindos de uma crise imprevisível, como a trazida pelo COVID-19. Abordando questões como a complexidade advinda da agenda internacional e sua correlação com a sustentabilidade, a necessidade de compreender a importância das relações econômicas mundiais e seus impactos diante da catastrófica calamidade, a partir da observância do mais alto nível de proteção fixado pelos instrumentos internacionais, mas notadamente a criação de instrumentos normativos, sejam internacionais, regionais ou locais que afetam, indubitavelmente, a conformação de uma nova ordem global que, espera-se, consiga cumprir os fundamentos estruturantes já previamente estabelecidos pelos tratados internacionais, notadamente a paz, segurança, democracia, prosperidade e a cooperação. Lado outro, o olhar que deve voltar-se também para a dinâmica nacional e internacional, concebida como uma política de Estado voltada para as relações entre os múltiplos atores internacionais, em sinergia com os condicionamentos estruturais derivados da pandemia. Notadamente, uma visão que se estende desde o campo das políticas de saúde e proteção dos direitos fundamentais, cujo cerne volta-se ademais para a criação de um substrato comum de valores que deveria ser efetivado por todos os Estados, em sinergia com o combate à crise instaurada pelo COVID-19. A sustentabilidade, a partir de uma ótica pragmática mas não excludente, deverá ser o alicerce de reconstrução deste novo mundo, com bem demonstram os artigos apresentados, em um caráter claramente transdisciplinar. Nesse contexto, os textos que fazem parte do presente livro instigam debates importantes para consolidar a aplicação da sustentabilidade nos sistemas internos e internacionais, ao apresentar as respectivas pesquisas dos professores e pesquisadores nacionais e estrangeiros relacionados com desenvolvimento sustentável e proteção internacional, entre outros, numa época onde, explicitamente, o meio ambiente vem sendo, paulatinamente, palco de constantes provas e obstáculos para sua devida proteção e salvaguarda. Espera-se que este livro possa contribuir para aprofundar os estudos sobre XIII
desenvolvimento sustentável alentando os acadêmicos, pesquisadores e profissionais que, como os autores, acreditam na sustentabilidade como elemento fundamental para alcançar o esperado equilíbrio entre a ordem ambiental, econômica, jurídica, política e social. Belo Horizonte/Brasil e Cuenca/Espanha, dezembro de 2020.
JAMILE BERGAMASCHINE MATA DIZ Coordenadora do Centro de Excelência Europeu Jean Monnet UFMG.Coordenadora da Cátedra Jean Monnet Direito UFMG. Professora Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Universidade de Itaúna. Professora da ESDHC e da FDMC/MG. Doutora em Direito Público/Direito Comunitário pela Universidad Alcalá de Henares - Madrid. Mestre em Direito pela UAH, Madrid Master en Instituciones y Políticas de la UE - UCJC/Madrid.
BEATRIZ SOUZA COSTA Pós-Doutora pela Universidade de Castilla-La Mancha/Espanha. Doutora e Mestre pela UFMG. Pró-Reitora de Pesquisa da Dom Helder Escola de Direito-ESDHC. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da ESDHC, professora de Direito Ambiental na Graduação da ESDHC. Editora da Revista Dom Helder de Direito. Membro da IUCN - Internacional Union for Conservation of Nature.
JOSÉ ANTÓNIO MORENO MOLINA Catedrático de Direito Administrativo da Universidad Castilla-La Mancha, Cuenca. Diretor da Revista Mensual “Contratación Administrativa Práctica” – Editora Wolters Kluwer La Ley. Coordenador do Máster en “Contratación Pública” da Universidad de Castilla-La Mancha.
XIV
Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise
CAPÍTULO 1 THE NEED FOR INSTRUMENTS AND FLEX IBLE STRATEGIES TO FACE PANDEMIC CRISES IN THE CONTEX T OF REGIONAL BLOCS: ANALY SIS OF MERCOSUR RESOLUTION GMC 49/20191 A lice Rocha da Silva2 Leonardo A chtschin3
RESUMO: Crises podem desencadear vários desafios comerciais a serem enfrentados dentro dos acordos comerciais reginais (A CRs). Em um mundo hiperconectado, acordos comerciais regionais (A CRs) bem elaborados podem permitir que os países superem as dificuldades sem prejudicar gravemente os fluxos comerciais. Este artigo examina a Resolução GMC 49/2019 do MERCOSUL, que estabelece novas regras para ações provisórias em caso de escassez. A norma traz disposições que, em um primeiro momento, permitiriam aos países do Me rcosul lutar contra o surto de COV ID, mas em condições mais rígidas do que as oferecidas por outras alternativas. A lém disso, a Resolução só entrou em vigor em 5 de julho de 2020, devido à demora dos Estados Membros do MERCOSUL em incorporá-la aos seus ordenamentos jurídicos. A pesquisa analisa de forma comparativa a antiga Resolução GMC 08/2008 e a nova Resolução GMC 49/2019, bem como o T ratado de Montevidéu. A pós essa análise, concluímos que a Resolução é a melhor maneira de lidar com as carências imposta s pelas crises de saúde do que a do T ratado de Montevidéu, uma vez que uma Resolução do GMC exige um processo de governança para autorizar o reclamante a tomar medidas para combater os surtos de carência. A lgumas sugestões para o desenvolvimento de RT A s mais 1
This is a paper presented by the authors to the "Policy Hackathon on Model Provisions for Trade in Times of Crisis and Pandemic in RTAs", an iniciative from the United Nations’ Economic and Social Commission for Asia and the Pacific (ESCAP), focused on investigating how regional trade agreements can contribute to free trade in the face of pandemic crises. 2 Professor of the Master and Doctorate Program in Law at the University Center of Brasília-UniCEUB. Post doctoral in international law at the Université de Paris with support from Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal – FAPDF. rochaalice@yahoo.com.br 3 PhD candidate in International Law - University Center of Brasilia (UniCEUB). Master in International Law (LL.M.) – University Center of Brasilia (UniCEUB) leovarruda@gmail.com
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eficazes podem ser apresentadas para lidar com surtos de escassez, permitindo que os países superem rapidamente as crises pandêmicas. PALAVRAS-CHAVE: Mercosul, Resolução GMC 08/2008, Resolução GMC 49/2019, T ratado de Montevidéu, pandemia, COV ID. A NECESSIDADE DE INSTRUMENTOS EFICAZES E FLEX ÍVEIS PARA O ENFRENTAMENTO DE CRISES PANDÊMICAS NO CONTEX TO DE BLOCOS REGIONAIS: ANÁLISE DA RESOLUÇÃO GMC 49/2019 DO MERCOSUL ABSTRACT: Crises pose several trade challenges w ithin trade agreements. In a hyper connected w orld, w ell designed regional trade agreements (RTA s) may allow countries to overcome difficulties w ithout severely harming trade flow s. T his report examines MERCOSUR´s GMC Resolution 49/2019, w hich sets new rules for temporary actions in the face of shortages. T he rule has provisions that at a first look w ould allow MERCOSUR´s countries to fight against the COV ID outbreak, but subject to stricter conditions than those offered by other alternatives. Moreover, the Resolution only came into force on 5 July 2020, due to the delay of MERCOSUR´s Member States to incorporate it to their juridical sy stems. T he research analy ses in a comparative basis both the former GMC Resolution 08/2008 and the new one, GMC Resolution 49/2019, as w ell as the Montevideo T reaty . A fter this analy sis, w e conclude that the Resolution is a better w ay to deal w ith shortages imposed by health crises than that of the Montevideo T reaty, since a GMC Resolution demands a governance process in order to authorize the claimant to take measures to fight shortage outbreaks. Some suggestions for the development of more effective RT A s can be proposed to deal w ith shortage outbreaks, enabling countries to quickly overcome pandemic crises. Keyw ords: Mercosur, Resolution GMC 08/2008, Resolution GMC 49/2019, T reaty of Montevideo, pandemic, COV ID.
1. Introduction Coronavirus has provoked a rupture in global supply chains, especially due to the danger of products shortage in many markets. Given that scenario, countries tried to face this pandemic crisis by prohibiting exports from its territories w hile, on the other hand, they increased their demands for imported products, mainly those related to the health sector.
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T his scenario disconcertedthe structure of the traditional international trade system, since countries that w ere highly demanders of imports w ere suddenly faced w ith the scarcity of goods necessary for their daily activities. On the other hand, those that w ere highly dependent on exports faced tw o particular dilemmas. T he first one refers to the fact that they had to implement more strict controls on their exports, in order to avoid shortage outbreaksposed by consumers inpanic; the second dilemma has to do w ith the reductionof their exports because not of the scarcity of products on its internal market, but due to the restriction imposed byimporter countries, w hich closed their borders aiming at guaranteeing the supply of products in their domestic market. In this sense, the COV ID-19 crisis ended up revealing several problems in international trade, w hich had not been identified, or properly addressed, in past times of normality. T hese flaw s in the international trading system involve, among others, the recognition of global supply chains´ fragility, w ith some particular characteristics: great dependency on some countries responsible for producing final goods; damage arising from arbitrary border closure; inability of national producers to meet an abrupt demand for products by the population (e.g. medical products); consequently, the inability of the international market, often w ith production highly dependent on few (or only one) countries, to be able to supply simultaneous demands from different nations; high technological and economic dependence on some (or only one) countries w ith know -how to produce instruments or to face a determined disease. T hese are challenges for w hich countries w ere not adequately prepared. Likew ise, international trade agreements commonly used to deal w ith international trade w ere also ineffective to fight such a global problem. A s a consequence, in some concrete situations, it w as clear the incapacity of international trade treaties to satisfactorily and timely respond to this COV ID-19 crisis, in a w ay that w ould allow countries to
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overcome the challenges of trade regulation guided by a global health crisis. Several regional trade blocs have in their treaties mechanisms that allow their Member States to adopt exceptional measures to face challenges imposed by crises that are impossible to predict. Some of them are follow stricter rules w hile in other there are broader fle xibility for Member States to adopt unilateral measures w hen facing emergencies. For example, w e can mention the article 28.3 of the European Union–Canada Free T rade A greement (FT A )4 and the article 105(1) of the China-Singapore FT A 5. W ithin the specific scope of MERCOSUR, the regional trade bloc has in its agreements some mechanisms oriented to allow its Member Statesto face crises and unforeseen situations, w ithout implying a violation of the treaty. On a more specific level, MERCOSUR adopted in 2019 a new resolution to face shortage crisis. T his new rule is theGMC Resolution 49/2019, w hich consists in an improvement from a previous rule aimed at regulating trade in situations of shortage. T he previous resolution w as GMC Resolution 08/2008, now revoked by this new diploma. GMC Resolution 49/09 presented significant advances in relation to the previous one, providing Member States w ith greater flexibility to face shortages in their markets. T here w as an increase in the scope of measures allow ed to be taken by countries, both in terms of situations that could fall under the aforementioned standard, as w ell as in the number of tariff lines and duration of measures.
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European Union. Official Journal of the European Union. Free Trade Agreement between the European Union and Canada. Available on: https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/EN/TXT/HTML/?uri=OJ:L:2017:011:FULL&from=EN. 5 World Trade Organization. Free Trade Agreement between China and Singapore. Available on: https://www.enterprisesg.gov.sg/non-financial-assistance/for-singapore-companies/free-tradeagreements/ftas/singapore-ftas/-/media/ESG/Files/Non-Financial-Assistance/For-Companies/Free-TradeAgreements/CSFTA/CSFTA.
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Notw ithstanding, this team report found that contrary to w hat w ould be supposed to happen during this COV ID-19 crisis, the shortage rule has not been fully applied to face the shortage of health products that is actually happening. Focused on the analysis of the Brazilian experience, w e conclude that the new MERCOSUR Resolution is not explored on its full potential, given the fact that the country is using other MERCOSUR´s legal mechanisms to address the current crisis. Having that in mind, Brazil is adopting an exceptional mechanism established by the Montevideo T reaty that allow s Member States to take unilateral actions w hen facing a sudden emergency that threat the country, like reducing or cutting its imports tariffs, w ithout violating the treaties´ rules. T he aforementioned mechanism is foreseen in article 50(d) of the Montevideo T reaty, w hich brings the possibility for MERCOSUR´s members to take any necessary action to protect human life and the health of its citizens w ithout having to negotiate of other bloc´s members. A lthough there is no illegality derived from the fact that Brazil is fighting COV ID-19 supply bottlenecks by recurring to the Montevideo T reaty, the authors believe that this is not the best mechanism to address such an emergency, mainly because there is another rule that enables countries to cut tariffs w ith a more established mechanism of governance, especially related to the requirement of consultations before other Members. Given that scenario, the report w ill seek to analyse the details of this regional legislation, w hich presents an underutilized intra-regional mechanism to allow countries to go through periods of product shortages in their domestic markets. T aking into account the severity of this crisis caused by COV ID-19, w hich produced the rupture of global supply chains and the consequent shortage of goods in several countries, as w ell as the revealed insufficiency of trade agreements mechanisms to
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face crises of this magnitude, w e can visualize the potential offered by Mercosur´s GMC Resolution 49/2009. T he research w as based on primary resources, mainly MERCOSUR´s resolutions on shortages (former and in force), the Montevideo T reaty and the Protocol of Ouro Preto. T here w as also the investigation of Brazilian normative acts, like Portaria CA MEX nº 17/2020. T hough, w e suggest some improvements for the Resolution to be more attractive toMember States, w hich encompass an easier approval process as w ell as the possibility of resorting preventively to the Resolution, in other w ords, before the shortage happens. A s a contribution, the report brings some critics to this Resolution´s underestimation, including the time taken betw een its signature and the incorporation by MERCOSUR´s Member States. W e also try to formulate some recommendations for a better application of rules already elaborated, as w ell as for the design of resolutions that can be at the same time easier to address health crisis and simpler on its application. 2. Comparison betw een MERCOSUR´S statutes to fight COVID-19 In this topic w e compare the improvements obtained from the new GMC Resolution 49/2019 and analyse the use of Montevideo T reaty´s exceptions, focused on the experience of Brazil, to address the new Coronavirus crisis. T he comparison w ill allow us to draw some conclusions and present a few recommendations on the topics ahead. T he new GMC Resolution n. 49/2009 adopted by Mercosur to face shortage of products intra and extra regional block is not actually a new rule. T his new Resolution arises as animprovement of another resolution that had the same objective, w hich w as to enable
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MERCOSUR´s State Members to face shortage crises through the reduction or cut of the block´s consolidated tariffs 6. T he mentioned revoked resolution is GMC Resolution08/2008, w hich brought in its text 5 hypothesis for the reduction of tariffs due to shortage difficulties. T he conditions necessary to enable a member to reduce its tariffs due to shortages w ere foreseen in article 2 of the A nnex ofGMC Resolution 08/2008, in the follow ing terms: A rt. 2 - T he measures provided for in this Resolution w ill be applied to imports of goods that are proven to fall into any of the follow ing situations: 1. Impossibility of normal and fluid supply in the region, resulting from imbalances in supply and demand. 2. Existence of regional production of the good, but the characteristics of the production process and / or the quantities requested do not economically justify the expansion of production. 3. Existence of regional production of the good, but the producing State Party does not have sufficient exportable surpluses to meet the demanded needs. 4. Existence of regional production of a similar good, but it does not have the characteristics required by the production process of the industry of the requesting country. 5. Shortage of regional production of a raw material for a giv en input, even if there is regional production of another raw material for a similar input through an alternative production line.
In addition, the revoked Resolution established that any member w ould not be able to reduce its external tariff to a baseline low er than 2%. In the case a country needed an even low er baseline, that demand should be analysed, case by case, and exceptionally, by the Common Market Council (CMC). 6
The consolidated tariff adopted by MERCOSUR´s countries is the Common External Tariff (CET), also known as TEC in Portuguese (Tarifa Externa Comum) and as AEC in Spanish (ArancelExternoComún).
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Moreover, the former rule had a very limited number of products subject to such measures. Its article 3 (of the A nnex) foresaw the possibility of having only 15 MERCOSUR Common Nomenclature (MCN) simultaneously in force for those cases related to the “impossibility of normal and fluid supply in the region” (A nnex - article 2, number 1) and 30 MCN for cases identified w ith hypothesis established byarticle 2, numbers 2, 3, 4 and 5 of its A nnex. Besides that, one last point regarding GMC Resolution 08/2008 that is w orth noticing refers to the period of application of the measures. A s in the case of the number of products subject to such measures, the validity period of them is divided in tw o possibilities. For those cases related toarticle 2, number 1 of the A nnex, the measures could be applied for the maximum period of 12 months, being able to extend them for a total period of 24 consecutive months. On the other hand, for situations related to hypothesis ofarticle 2, numbers 2, 3, 4 and 5 of its A nnex, the measures could be applied for an initial period of up to 24 months, renew ed for successively periods of up to 12 months. A fter a period of more than a decade of GMC Resolution 08/2008 application, Mercosur´s members decided that the rule w as not in accordance w ith the needs of his countries to face more effectively crisis related to shortages. T he Resolution had its limitations to effectively address challenges imposed by the scarcity of products in one Member State´s market and the consequent recognition of other Members to effectively be able to supply the country facing the shortage crisis. It w as though recognized that some improvements w ere needed to better enable countries to regularly supply their local mar kets, w ithout depending exclusively on other MERCOSUR´s partners. Due to this recognition, MERCOSUR´s members passed the new GMC Resolution 49/2019, w hich simplified the hypothesis to demand tariff reductions and also increased the number of products
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subject to tariff cuts. It also harmonized the period of efficacy of such measures adopted by all products subject to the Resolution´s provisions. A s a starting point of comparison betw een both Resolutions (the former and the new one), the current rule reduced the hypothesis for adopting shortage measures to a total of three. A rticle 2 of the Resolution´s A nnex is w ritten as follow ing: A rt. 2 - T he measures that the CCM approves, in accordance w ith the present mechanism, w ill be applied to imports of goods, in cases of impossibility of normal and fluid supply in the region, resulting from imbalances betw een supply and demand, due to: 1. T emporary absence of regional production of the good; 2. Existence of regional production of the good, but the producing State Party does not have enough supply to meet the quantities demanded; 3. Existence of regional production of a similar good, but it does not have the characteristics required by the production process of the industry of the requesting State Party .
Some outcomes may be deducted from this change. W hat w as then consideredarticle 2, number 1 of theprior Resolution´s A nnex is now part of the main article (itscaput), setting a general prescription of the adoption of measures to face shortage crisis. Due to that change, w hat in GMC Resolution 08/2008 w as one of the situations able to validate a shortage measure, turned out to be now the main hypothesis to give rise to the recognition of a shortage crisis and, consequently, the right to require measures based on the Resolution´s provisions. A s a result, the situations that, according to the main hypothesis – “in cases of impossibility of normal and fluid supply in the region, resulting from imbalances betw een supply and demand” -, are those, in general terms, (i) related to temporary absence of production in the region; (ii) although there is regional production, the producer is incapable of supplying it to other partners; and (iii) although there is
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regional production, this does not match the industry´s requireme nts of the importer. T hese new situations are simpler than those of the revoked Resolution, w hat makes it easier to claim and justify, as w ell as to put in practice, especially taking into account the general rules to govern a regional trade agreements, w hich demand the observation of the rules agreed betw een the Member States. Furthermore, there w ere a convergence regarding the number of products subject to those shortage measures made in article 5 of the Resolution´s A nnex. Within GMC Resolution 49/2019 the total MCN lines correspond now to a total of 100 codes, independently of the situation that gave reason to its adoption. A lso, article 10 of the new Resolution´s A nnex established a common period of durationof the adopted measure. It corresponds now to a total of 365 days, w ith the possibility of extension. In this point the new Resolution does not bring a precise extension time, being laconic. In our opinion this time lapse does not bring any prejudice for the adoption of the extension needed, as far as the country be able to concretely demonstrate the persistenceof the situation.In addition, in this very aspect it is possible that the National Coordination of the Mercosur T rade Commission (MT C) decides, at least on an initial decision, to adopt the same extension period from the former Resolution for situations of article 2, numbers 2, 3, 4 and 5, w hich is a 12 month extension. In that respect, the Commission could make an analogic interpretation of the new rule based on w hat the revoked Resolution prescribed. In order to better illustrate the changes betw een both Resolutions, the table below summarizes the main differences betw een them:
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Main provisions
GMC Resolution 08/08 GMC Resolution 49/19 1. Impossibility of normal and fluid • Impossibility of supply in the region normal and fluid due to imbalances in supply in the region supply and demand; due to imbalances in 2. Existence of regional supply and demand production of good, due to: but the characteristics of productive process a. T emporary absence and / or quantities of regional requested do not production of the economically justify good; b the expansion of b. Existence of production; production regional Requirements for 3. Existence of regional w ell, but the EP measure adoption production good, but producer does not the State Party have an offer enough producer does not have to meet quantities exportable surpluses demanded; enough to meet c. Existence of demanded needs; production of a 4. Existence of regional similar good, but this production similar one doesn't have the good, but this does not characteristics has the required required by industry characteristics by the production process of productive process of the requesting EP. requesting country; 5. Shortage of production of a raw
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Quantitative authorization limits
Reduction rates
A pproved deadlines
material for a given input, still that there is regional production of another raw material for input similar through a line of alternative production. T he tariff reductions in force ineach EP cannot overcome simultaneously: I. Due to imbalances betw een supply anddemand (A rt. 2nd inc. 1.): 15NCM code. II. For the remaining causes (A rt. 2Inc. 2,3, 4 and 5): 30 NCM code. Urgent measures:5 NCM codes per EP w ithin thegeneral limit of 45 NCM codes
T he tariff reductions in force ineach EP cannot be applied simultaneously to more than 100NCM codes. T he limit foreseen for the adoption of measures of character urgent: 10 NCM codes per EP w ithin thegeneral limit
T he same regulation is maintained. General: 2% and 0% For requests from Paraguay: 0% I. Due to imbalances Maximum term: 365 betw een supply days, counting from anddemand (A rt. 2 ° from the date of entry Inc. 1.): 12renew able into force of the months, w ithout Directive that exceeding 24 months. approves it.
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II. For the remaining causes (A rt. 2 °.Inc. 2,3,4, and 5): 24 months,extendable by timerenew able for up to 12 months.
• T he reduction in the rate w ill remain in force for the term approved independently of the quota has been exhausted enabled. • T he beneficiary P can apply the measured prior to simultaneous entry into force of the Directive, complying w ith its incorporation into planning internal legal system, and communicating fact to SM. Source: Prepared by the authors, based on: MERCOSUR. Relatório Semestral da Secretaria do MERCOSUL. 28 ed. A bril/2020. A fter analysing the table above, it is possible to affirm that the new Resolution removes the requirement made by the previous rule that the justification to adopt the measures be attached to other variables, such as the products level of production, exportable sufficient surpluses, and supply of raw materials to the production of inputs 7. A lso, the new GMC Resolution 49/2019 reduced the possibility of tariff cut to a 0% of the bloc consolidated duty, w hat express the intention of the Member States to actually permit countries facing shortages crises to really fight them. In that case, the possibility of
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MERCOSUR. Relatório Semestral da Secretaria do MERCOSUL. 28 ed. Abril/2020. Available on: https://www.mercosur.int/pt-br/documento/relatorio-semestral-da-secretaria-do-mercosul-sm/.
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reduction of the MERCOSUR CET to a zero percentage is a good mechanism to manage crises like the one imposed by COV ID -19, w hen the national industry face extremely atypical shortages and ne ed some incentives to rapidly supply its demands, w hat a reset on tariff percentage may be a stimulus. 3. Current panorama and some bottlenecks GMC Resolution 49/2019 entered into force on last 5 July 2020. A s an international normative diploma, it has its validity dependent on the incorporation by all Mercosur´s members, accordingly to the regional bloc’s rules. T his requirement is established by the Ouro Preto Protocol, signed in the Brazilian city of Ouro Preto, on 17 December 1994, a statute directly related to the A sunción T reaty. T he Protocol function as an “A dditional Protocol to the T reaty of A sunción on the Institutional Structure of MERCOSUR”. Its article 40 state the follow ing: A rticle 40 In order to ensure the simultaneous entry into force in the States Parties of the decisions adopted by the Mercosul organs provided for in A rticle 2 of this Protocol, the follow ing procedure must be follow ed: I. Once the decision has been adopted, the States Parties shall take the necessary measures to incorporate it in their domestic legal system and inform the Mercosul A dministrative Secretariat. II. When all the States Parties have reported incorporation in their respective domestic legal sy stems, the Mercosul A dministrative Secretariat shall inform each State Party accordingly. III. T he decisions shall enter into force simultaneously in the States Parties 30 days after the date of the communication made by the Mercosul A dministrative Secretariat, under the terms of the preceding subparagraph. T o this end, the States Parties shall,
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w ithin the time-limit mentioned, publish the entry into force of the decisions in question in their respective official journals 8.
A rgentina w as the first member to incorporate the rule, through Decree n. 415/1991. T he country w as follow ed by Brazil, w hich incorporated the rule to its legal system w ith the edition of the Decree n. 10.291, edited on 24 March 20209. Uruguay incorporated it by Decree PE n. 73/2020, and Paraguay remained the last to do so, incorporating the rule only on 26 May 2020, through Decree n. 3631/2020 10. It is important to notice that the text of GMC Resolution 49/2019 established on article 17 of its A nnex a period in w hich the Resolution should be approved by all Mercosur members. It settled that the rule should be incorporated no longer than 60 days after its approval, w hat means that by 7 January2020 all MERCOSUR members should have the text incorporated to their legal systems. How ever, MERCOSUR´s members took too long to incorporate the rule to its legal order, w hat, in the face of COV ID-19 pandemics, may have posed some difficulties to better address some problems generated by this pandemic. T hat is a probability because until it entered into force, actions to fight shortage crisis had to be made based on the rules of the previous regulation (GMC Resolution 08/2008), w hich, as said before, w as a more limited rule and w ith few er products subject to tariff reduction or cuts. A s an example, the Brazilian government took several measures regarding shortage problems, and from a total of 48 products, 25 of
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Organization of American States. Additional Protocol to the Treaty of Asunción on the Institutional Structure of MERCOSUR. Available on: http://www.sice.oas.org/trade/mrcsr/ourop/ourop_e.asp. 9 Brasil. Decreto nº 10.291, de 24 de março de 2020. Available on: http://www.in.gov.br/en/web/dou//decreto-n-10.291-de-24-de-marco-de-2020-249621689. 10 MERCOSUR. Ações pontuais no âmbito tarifário por razões de abastecimento (revogação da Resolução GMC nº 08/08 de acordo com a diretriz da CCM nº 04/11. Available on: https://www.mercosur.int/ptbr/documentos-e-normativa/normativa/.
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them w ere included on the shortage requirements established by the former GMC Resolution 08/2008 11. Given the scenario that until the beginning of last July GMC Resolution 49/2019 w as not in force, MERCOSU R´s countries had tw o options to try to address the current pandemic crisis due to shortages: (i)applying GMC Resolution 08/2008, w ith its restrictiveness; or (ii) applyinghe Montevideo T reaty, w hichestablishes some exceptionalities and due to that allow s the adoption of unilateral decisions w ithout the consultation of other State Members. T he application of GMC Resolution 08/2008 poses some limitations for countries toadequatelyfight a pandemic such as the one ofCOV ID-19. Besides the limitation of products subject to cut or tariff reduction, the previous Resolution established different periods for the duration of such measures, according to the hypothesis used to justify the tariff reduction. T his procedure poses some difficulties to fight against health crises, w hich demand timely measures, not subject to government bureaucracy. Given those difficulties posed by GMC Resolution 08/2008, MERCOSUR´s members are using other legal instrument to face COV ID-19. In the case of Brazil, the country is taking its measures based on the Montevideo T reaty, specifically article 50(d) of the T reaty. T he provision of the treaty above states that: A rticle 50 - No provision under the present T reaty shall be interpreted as precluding the adoption and observance of measures regarding: [omissis] d) Protection of human, animal and plant life and health 12.
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Câmara de Comércio Exterior. Lista de produtos brasileiros com medidas em vigor. Available on: http://www.camex.gov.br/tarifa-externa-comum-tec/alteracoes-tarifarias/98-assuntos/24-resolucao-gmc-n49-19-casos-de-desabastecimento. 12 Latin American Integration Association. Montevideo Treaty. Available on: http://www2.aladi.org/biblioteca/Publicaciones/ALADI/Secretaria_General/Documentos_Sin_Codigos/Caj a_062_001_en.pdf.
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A s can be interpreted, the provision of the Montevideo T reaty allow s Member States to quickly adopt measures to safeguard human life and health in general. T hat is very different from the procedure foreseen by GMC Resolution 08/2008 (and also by the new one, GMC Resolution 49/2019), w hich can be said to be slow and, maybe, not adequate to face a pandemic like the one posed by COV ID-19. In this sense, the resolutions, either the previous or the new one, demand that the measure be linked to an impossibility of normal and regular supply in the region, to be proven before the MERCOSUR´s T rade Commission. T his impossibility must be derived from imbalance betw een demand and supply 13. T aking into account the Brazilian preference to make use of the exceptionality from article 50(d) of the Montevideo T reaty, the country has issued the CA MEX Resolution 17/2020 (Resolução CA MEX ) establishing the temporary reduction of import duties. T his R esolution is being updated since then in order to include other health products. T hat is to say, Brazil, through its Foreign T rade Chamber, issued a Resolution to exempt from the MERCOSUR´s Common External T ariff several health products on the basis of the article 50 of the Montevideo T reaty. A lthough the government recognises the fact that it is a temporary measure, imposed by a severe health crisis, it is important to mention that it w as taken w ithout consulting other MERCOSUR´s members. T w o observations about the rule are important. First, it expressly mentions the article 50(d) of the Montevideo T reaty as its legal basis. T hat means that the Brazilian government option to not even trying to resorting to the resolutions related to shortage problems, eve n though w e have to recognize the probability that the CA MEX Resolution 17/2020 w as issued due to some kind of product scarcity. Second, it links its objective to the fight against the COV ID -19 13
MERCOSUR. Relatório Semestral da Secretaria do MERCOSUL. 28 ed. Abril/2020. Available on: https://www.mercosur.int/pt-br/documento/relatorio-semestral-da-secretaria-do-mercosul-sm/.
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pandemic w ithout explicitly mentioning medical products, w hat w ould leave space, although unlikely, to try to include other kinds of merchandises14. So, that is the current status of how the COV ID-19 crisis is been handled by Brazil, specifically, and probably at the same manner by other MERCOSUR members. T o our opinion, that is not the best w ay to address such a relevant issue inside an RT A , mainly w hen there are other options to be considered first. It is not too much to recognize the problems posed by measures w ithout the consultation of other RT A members, being possible to speculate even about a future dispute settlement betw een members of a regional trade bloc. 4. Recommendations for efficiently address shortage outbreaks based on MERCOSUR´s experience GMC Resolution 49/2019 has not yet been used to deal w ith the current Coronavirus outbreak. It is true that some of the Resolution´s specificities make it harder to quickly respond to crisis such this one of COV ID-19, but in our opinion the potential of the Resolution is underestimated. Initially, the rule that disciplines shortages hypothesis is a better instrument to preserve the regional bloc´s logic, since it demands for its operation the accomplishment of some pre-conditions, w hat, on the contrary, is not demanded by the Montevideo T reaty. Contrary to theGMC Resolution 49/2019 logic, the exceptions made available by the Montevideo T reaty do not demand more specific requirements, being enough for its implementation that the Member
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Câmara de Comércio Exterior. Resolução n° 17, de 20 de março de 2020. Available on: http://www.camex.gov.br/component/content/article/resolucoes-camex-e-outros-normativos/58resolucoes-da-camex/2670-resolucao-n-17-de-17-de-marco-de-2020.
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State claims that the pandemic imposes some threat to human life or public health. Having that in mind, w e can notice that GMC Resolutions (both the former and the new one) demand a more institutionalized procedure for a decision related to cuts or tariff reduction, w hich is in accordance w ith the objectives of any regional trade agreement. T he GMC Resolutions have the merit to allow a Member State to fight a specific crisis w ithout, on the other hand, incurring on the potential risk of harming other State Members and, lastly, probably incurring on a treaty breach. Nonetheless, even though there is a better governance established by GMC Resolution 49/2019, the dilemma rests on a supposedly rigidity of the consultation (confirmation) mechanism demanded from other members, since those kind of measures (to tackle shortage outbreaks) demand quick approval to adequately address the crisis. Having that in mind, some recommendations can be made in order to make thosetypes of resolutions more easily applicable, w hat reflexively might foster the adoption of measures based on them. Even those measures granted as more urgent could be managed by rules like those established by GCM Resolution 49/2019, but they w ould demand a more fast analysis procedure by other members. First, it is important to consider the time of incorporation of trade agreements by State Members. T hat observation is necessary because, in the case of GMC Resolution 49/2019 there w ere a difference of half a year to that rule come into force, w hat concurred w ith the COV ID-19 outbreak. A s previously described, the former GMC Resolution 08/2008 posed more limitations for the adoption of tariff reductions due to shortage crisis, and the slow ness to incorporate the rule made it impossible for MERCOSUR´s members to even speculate to use GMC Resolution 49/2019 provisions.
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In times of normality the delay on incorporating international rules may not cause seriouslosses. On the contrary, w hen the w orld is facing a crisis such the one of COV ID-19, characterized by a massive restraint in trade flow s, especially those used on health treatments, the delay at incorporating these kind of resolutions may pose harms to economies andto the regular trade flow betw een countries, especially considering the hypothesis that underlies the resolution, w hich is the scarcity of products. It is important to mention that the GMC Resolution 49/2019´s text settled a 60 day deadline to MERCOSUR´s members incorporate this international rule, w hat w as disregarded by all members. Second, it is w orthy also noticing the general hypothesis capable of permitting MERCOSUR´s State Members to take advantage of the GMC Resolution 49/2019 terms. In general the rule demands the finding of a concrete shortage to support the adoption of measures described by the Resolution. Nonetheless, w e are of the opinion that it w ould be more adequate to also establish a provision making it possible for countries to anticipate to a probable shortage. A lthough the resolution allow s countries to adopt measures w ithout consent of other members, such adoption demands the occurrence of the shortage crisis. So, it w ould be interesting if GMC Resolution 49/2019 brought a provision permitting State Members to claim the right to adopt an anticipated measure, even before the emergence of a shortage outbreak, w hat surely w ould be an incentive for members to take measures under the scope of this Resolution, w hich is, as said before, more in line w ith the aims of the regional trade agreements´ rules. T hat is to say, trade agreements are formulated taking into account the desire of its members to regulate the relations betw een them, making the provisions the more predictable as possible. Of course there are situations that demand a more flexible approach, and that is the reason w hy every RT A bring in its texts the possibility to adopt
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exceptional measures, usually w ithout demanding approval of its member states. Regardless of that, those are situations deemed as exceptional, normally w ith no provision to regulate a particular issue. T he case of the current COV ID crisis is different, since there are some rules that might be considered firts by State Members in order to fight the pandemic. Of course w e do not envisage the need to alw ays adopt such rules, but should MERCOSUR´s members at least resort to its provisions, show ing some deference to w hat w as previously established by the same countries that approved the rule and, moreover, to the rules that govern the regional bloc. Furthermore, it isimportant to call attention to article 17 of the GMC Resolution 49/2019 (Final Dispositions), that statute a 60 days deadline for the incorporation of the rule. It states the follow ing: A rt. 17 - T he term for incorporation into the legal system of the beneficiary State Party established in the G uideline that may be adopted under the protection of this mechanism may not exceed sixty (60) days from the date of its approval 15. Even though the fact that MERCOSUR members did not incorporate the rule at the time accorded, and the existence of some controversy about the applicability of such law w ithout formal incorporation by the doctrine, it is true that the delay generates juridical insecurity inside the regional trade bloc.
In addition, although the GMC Resolution 49/2019 has the merit to apparently authorize a broad scope for measures justifications, based on the general clause “shortage”, at least in the case of Brazil it has not demonstrated its importance. T he Brazilian Foreign T rade Chamber, a body responsible for analysing and approving claims for tariff reductions, has a list of only seven medical/health products 15
MERCOSUR. Resolutions from the Common Market Group. Available on: https://www.mercosur.int/ptbr/documentos-e-normativa/normativa/.
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approved so far 16. Moreover, all the approvals w ere made under the GMC Resolution 08/2008, due the fact that at the time of solicitations the new rule w ere not yet in force. Because of this finding, it is w orth asking w hat w ould be the benefit of such a resolution in the context of pandemics. W ould it be useful only on those cases that require shortages? W hat about the cases that the country does not face a lack of products to deal w ith a crisis, but need to increase the quantity of some product to face a health crisis, w ould that not be important to be addressed by a rule of that nature? A s an alternative to those limitations posed by GMC Resolution 49/2019, Brazil is using the exception provision from the Montevideo T reaty to address the COV ID crisis. Under the scope of that treaty, Brazil has issued, and updated, a so-called “Lista COV ID”, in w hich figures to date around 548 medical/health products 17. Notice must be made to the fact that the justification for resorting to article 50(d) of the Montevideo T reaty is vague, especially because it does not require the occurrence of a concrete problem to be alleged, being enough that the claimant only argues vaguely that there is an ongoing health crisis. A s said before, in our understanding the choice to resort to the article 50(d) of the Montevideo T reaty is not the best w ay to address this issue in the context of a regional trade agreement. T his kind of decision lacks the scrutiny of other trade members, w hat is the opposite of w hat is expected of trading partners, that is, to avoid taking unilateral measures that may pose harm to other economies. T his situation may be attributed to the easiness of eliminating tariffs w ithout the previous consent of other members. It constitutes 16
Câmara de Comércio Exterior do Brasil. Resolução GMC 49/2019 (Casos de desabastecimento). Available on: http://www.camex.gov.br/tarifa-externa-comum-tec/alteracoes-tarifarias/98-assuntos/24resolucao-gmc-n-49-19-casos-de-desabastecimento. 17 Câmara de Comércio Exterior do Brasil. Resolução GMC 49/2019 (Casos de desabastecimento). Available on: http://www.camex.gov.br/tarifa-externa-comum-tec/listacovid.
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then a kind of “fast track” for tariff elimination, even though in opposition to a more formal procedure established by shortage resolutions. Given that, it is important to improve some points regarding GMC Resolution 49/2019 in order to make it more appealing to MERCOSUR´s members and, even more important, to really be useful and capable of promptly addressing shortage outbreaks, w hat includes pandemics crisis. 5. Conclusion T he delay at incorporatingthe GMC Resolution 49/2019 makes it difficult to draw concrete conclusions about its efficacy, at least to this moment. How ever, the analysis of the application of the former Resolution and that of the Montevideo T reatycombined w ith a legal analysis of the new Resolutionallow us to draw some conclusions and, furthermore, present some recommendations for the improvement of regional trade rules to properly fight pandemics like the one of COV ID 19. In general, the text of the GMC Resolution 49/2019 is a w ell drafted one and has the intention to allow MERCOSUR´s Member States to overcome shortage outbreaks. Despite that, practice has revealed the temptation of member states to resort to more direct and broad texts to face health crisis, as it happens w ith the application of the Montevideo T reaty exceptions. In order to turn the GMC Resolution 49/2019 more appealing to MERCOSUR´s members, w e suggest that its text be reformulated to consider the possibility of adoption of temporary measures in the case a country foresees the high probability of occurrence of an imminent shortage outbreak, w hich is not yet occurring. Moreover, w e reinforce the importance of a quick incorporation of regional trade agreements´ texts, especially for the consolidation of
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the rule recently approved by member states. T he slow ness to incorporate rules like the one of GMC Resolution 49/2019 may signal a lack of compromise w ith w hat w as approved and, especially in the case of this health crisis, may turn the rule even more unappealing to application. References Brasil. Decreto nº 10.291, de 24 de março de 2020. A vailable on: http://w w w .in.gov.br/en/w eb/dou/-/decreto-n-10.291-de-24-de-marco-de-2020249621689. Câmara de Comércio Exterior. Lista de produtos brasileiros com medidas em vigor. A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/tarifa-externa-comum-tec/alteracoestarifarias/98-assuntos/24-resolucao-gmc-n-49-19-casos-de-desabastecimento. Câmara de Comércio Exterior. Lista COV ID. A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/component/content/article/resolucoes-camex-e-outrosnormativos/58-resolucoes-da-camex/2670-resolucao-n-17-de-17-de-marco-de-2020 Câmara de Comércio Exterior. Resolução n° 17, de 20 de março de 2020. A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/component/content/article/resolucoes-camex-eoutros-normativos/58-resolucoes-da-camex/2670-resolucao-n-17-de-17-de-marco-de2020. Câmara de Comércio Exterior. Resolução GMC Nº 49/19 (Casos de Desabastecimento). A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/tarifa-externacomum-tec/alteracoes-tarifarias/98-assuntos/24-resolucao-gmc-n-49-19-casos-dedesabastecimento. Câmara de Comércio Exterior. Resolução GMC 49/2019 (Casos de desabastecimento). A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/tarifa-externa-comumtec/alteracoes-tarifarias/98-assuntos/24-resolucao-gmc-n-49-19-casos-dedesabastecimento. Câmara de Comércio Exterior. Resolução GMC 49/2019 (Casos de desabastecimento). A vailable on: http://w w w .camex.gov.br/tarifa-externa-comumtec/listacovid. European Union. Official Journal of the European Union. Free T rade A greement betw een the European Union and Canada. A vailable on: https://eur-
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CAPÍTULO 2 GLOBALIZAÇÃO, (DES)GOVERNANÇA AMBIENTAL E INTEGRAÇÃO REGIONAL EM TEMPOS DE CRISE A nderson V ichinkeski Teix eira Juliana Giovanetti Pereira da Silva
RESUMO: A pandemia de Covid-19 desestabilizou, em diversas dimensões, as sociedades que por ela foram acometidas. Partindo desse contexto de múltiplas crises, o artigo objetiva analisar como o fenômeno da globalização e seus desafios transnacionais no âmbito da governança ambiental resultaram em uma nova compreensão da ideia de sustentabilidade. PA LAVRAS-CHAVE: integração regional, governança ambiental, Covid-19. A BSTRA CT: T he Covid-19 pandemic destabilized, in many dimensions, the societies that w ere affected by it. Starting from this context of multiple crises, the article aims to analyze how the phenomenon of globalization and its transnational challenges w ithin the scope of environmental governance resulted in a new understanding of the idea of sustainability . KEY WORDS: regional integration, environmental governance, Covid-19.
Doutor em Direito pela Universidade de Florença/IT. Pós-Doutor em Direito Constitucional pela mesma Universidade. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Membro permanente do Colegiado de Docentes do Doutorado em Direito da Universidade de Florença/IT. Membro agregado internacional do Instituto Multidisciplinar Alimena da Universidade da Calabria/IT. Professor visitante do Instituto de Ciências Jurídicas e Filosóficas da Sorbonne. Membro Permanente da Association Française de Droit Constitutionnel. Professor visitante da Universidad de la Republica do Uruguay e do Mestrado em Direito das Relações Internacionais da Universidad de la Empresa/Uruguay. Advogado e consultor jurídico. Doutoranda em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Direitos Coletivos e Difusos pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD). Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos. Advogada.
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INTRODUÇÃO O presente ensaio objetiva discorrer sobre o fenômeno da globalização e seus desafios transnacionais no âmbito da governança ambiental, sobretudo no que concerne a preocupação com a sustentabilidade. O aquecimento global e as incontáveis crises ambientais demonstram que este é um dos temas mais latente nas sociedades contemporâneas. A ssim, debate-se acerca da atuação das Nações Unidas quanto a essa governança transnacional e as estratégias adotadas para a proteção do meio ambiente. Nesse sentido, analisaremos como a cooperação internacional dos Estados frente a temática relaciona-se com a participação destes atores em instrumentos internacionais direcionados a questão ambiental. Nesse aspecto, identifica-se novos objetos de preocupação aos Estados nacionais diante da pandemia do Covid-19 que assolou o mundo em 2020, suscitando o empenho dos governantes em estabelecer novos marcos protetivos à saúde, bem como a necessidade de um aprimoramento de uma governança global democrática para o enfrentamento das dificuldades que marcam a contemporaneidade. 1. A globalização e a governança global O fenômeno da globalização redimensionou as noções de espaço e de tempo, em nossa sociedade contemporânea, tornando possível que pessoas, notícias, capitais, novos produtos, dentre outras coisas, circulem o mundo com extrema rapidez (V IEIRA , 2005, p. 13). Dessa forma, este processo retrata uma mudança de paradigma, com implicações muito além do âmbito econômico, atingindo a sociedade como um todo. Diante disso, Liszt V ieira (2005, p. 69-70) tece importantes considerações acerca da amplitude do termo globalização, ao considerar que este comporta diversas interpretações, podendo ser
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visto como um processo de homogeneização, ou seja, de estandardização de atitudes e comportamentos em um cenário global, de forma a se colocar em risco a diversidade cultural da humanidade. Sob outra perspectiva, o fenômeno é encarado como um processo fatal e inescapável ou uma mera ideologia, difundida por grandes potências e pelo Banco Mundial, com fito de servir aos interesses das empresas transnacionais, logo pode-se compreender globalização em sua dimensão econômica dominante de interligação mundial de mercados (V IEIRA , 2005, p. 69-70). A cerca da origem do processo, discorre Liszt V ieira (2005, p. 71): O processo de globalização é assimilado por alguns autores à ocidentalização do mundo efetuada pela era moderna, com a expansão do capitalismo sob as formas coloniais, neocoloniais e imperialistas de dominação econômica e política. Para outros, é fenômeno recente, pelo menos em sua fase atual. Caracteriza-se, entre outras coisas, pelo fim da guerra fria e da bipolaridade entre EUA e URSS, surgimento dos “novos movimentos sociais” (ecológicos, étnicos, de mulheres), descentralização da produção, desterritorialização das empresas multinacionais, tornadas agora transnacionais, fragmentação das grandes ideologias e visões de mundo na multiplicidade “pós-moderna”, surgimento das primeiras manifestações de uma sociedade civil mundial e de uma cidadania planetária.
Nessa esteira, A ndré-Jean A rnaud (2007, p. 9), leciona que “o que ocorreu com esse processo – chamado precisamente de ‘globalização’, não por um modismo mas para expressar uma especificidade – foi uma ruptura brutal e radical com um modo de pensar e de agir ligado à ‘modernidade’”. A ssim, o autor concebe o fenômeno como o início de uma nova era, ou, então, como o fim de uma “ordem” (A RNA UD, 2007, p. 8-9). A partir disso e concebendo a globalização como um fenômeno moderno e impulsionado pela propulsão tecnológica, podemos
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vislumbrar que esta também implica no enfraquecimento dos países, em seus moldes tradicionais, afetando os elementos constitutivos do Estado moderno pautado na soberania, povo e território. Neste cenário, identifica-se o surgimento de uma legalidade supra-estatal, que emana de empresas transnacionais, detentoras do poder econômico (MIA LHE, 2009, p. 23). Nesse sentido, o poder soberano estatal encontra-se mitigado frente ao surgimento de novos centros emanadores de ordens. Logo, os governantes estatais são diretamente afetados pelas alterações econômicas oriundas da globalização e perdem cada vez mais poder para as empresas transnacionais, que ditam as “regras do jogo” em nome do capital: [...] que os governantes estejam desorientados é algo facilmente explicável. Sua formação, repetimo-lo, não os preparou a tais convulsões e eles não dispõem, nem intelectualmente, nem tecnicamente, dos conhecimentos, da flexibilidade e dos instrumentos que lhes permitiriam enfrentar uma situação que se revela inédita (A RNA UD, 2007, p. 29).
Não obstante, estamos inseridos em uma sociedade permeada pela “mundialização dos problemas”, que rompem as fronteiras nacionais, abarcando todo o globo, como fatores que acarretam degradações ambientais e desigualdades sociais, dentre outros infortúnios causados pelo fenômeno da globalização. Frente a este problema, Jorge Luís Mialhe (2009, p. 23) salienta muito bem o cenário que vivenciamos, considerando que “a nova ordem mundial é paradoxal na medida em que as fronteiras físicas desapar ecem para os mais ricos, mas são reforçadas para os mais pobres, convidados a guardar para si mesmos sua pobreza”. A ssim, diante desta porosidade das fronteiras, os Estados, antes detentores de intensa soberania, já não mais a conservam como antes, identificando-se uma notória substituição das sociedades nacionais pelas globais, através da proliferação dos acordos geopolíticos entre os
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Estados, que abdicam de uma parcela de sua soberania em busca de seu fortalecimento nacional, internacional, comercial e político: [...] a relativização da soberania estatal, tacitamente iniciada no século X X , sobretudo com a criação da Liga das Nações e, em seguida, da Organização das Nações Unidas, agravou-se progressivamente nas últimas décadas do século passado, de modo que, atualmente, tem se constituído por uma série de processos que buscam remover determinadas prerrogativas que historicamente caracterizaram o Estado moderno, como a autonomia jurisdicional, o controle dos mercados nacionais e a auto-suficiência para estabelecer políticas públicas (T EIX EIRA , 2016, 39).
Nesse aspecto, observamos o fortalecimento de novos atores atuando na sociedade internacional em prol da sociedade civil interna dos país, mediante a ação cada vez mais efetiva das Organizações Não Governamentais (ONGs) e das Organizações Internacionais, que buscam soluções as diversas mazelas que assolam a sociedade contemporânea, primando pela construção de mecanismos de cooperação internacional. A ssim, subsiste uma latente ascensão das organizações, principalmente as direcionadas à defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e da democracia, áreas estas grandemente afetadas pelo avanço do global, fato este ligado a perda de confiança na capacidade dos Estados, em direcionar suas ações a preservação do me io ambiente e promoção do bem-estar social (V IEIRA , 1999, p. 163). Nessa esteira, desaguamos em um novo conceito contemporâneo, diretamente atrelado ao processo de globalização: governança global. A ssim, esta se torna uma ferramenta analítica para compreensão da ordem internacional, derivada de grandes conferências da Organização das Nações Unidas (MA UA D, 2014). Contudo, a concepção do termo “governança”, tal como compreendido hoje, remonta do ano 1937, no artigo The Nature of the Firm,
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escrito pelo economista inglês Ronald Harry Coase, no qual, através dos estudos das organizações, nasce a ideia de governança corporativa (MA T A DIZ; MOURA , 2016, p; 64). Mas, a expressão “governança global” apenas começa a se legitimar entre os estudiosos no final da década de 1980, para “designar atividades geradoras de instituições (regras do jogo) que garantem que um mundo formado por Estados-nação se governe sem que disponha de governo central” (V EIGA , 2013, p. 13). Dessa forma, em 1992, a Comission on global governance, composta por 28 pensadores, iniciou seu trabalho de pesquisa sobre as possibilidades de se estabelecer uma governança global e, três anos depois, os resultados dessa pesquisa foram publicados no relatório Our Global Neighborhood (MA UA D, 2014). O referido relatório conceituou governaça global da seguinte forma: Governance is the sum of the many w ays individuals and institutions, public and private, manage their common affairs. It is a continuing process through w hich conflicting or diverse interests may be accommodated and co- operative action may be taken. It includes formal institutions and regimes empow ered to enforce compliance, as w ell as informal arrangements that people and institutions either have agreed to or perceive to be in their interest. [...] A t the global level, governance has been view ed primarily as intergovernmental relationships, but it must now be understood as also involving non- governmental organizations (NG Os), citizens' movements, multinational corporations, and the global capital market. Interacting w ith these are global mass media of dramatically enlarged influence (COMISSION ON GLOBA L G OV ERNA NCE, 1995).
Nesse sentido, Our Global Neighborhood (COMISSION ON GLOBA L GOV ERNA NCE, 1995) reconhece que governantes não suportam todo o ônus da governança global, apesar de permanecerem
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sendo instituições públicas primárias para respostas construtivas acerca das questões que afetam a comunidade global. Diante disso, a governança pressupõe a capacidade de controlar e implantar os recursos necessários para atingir seus objetivos fundamentais, não implicando em um governo mundial ou federalismo mundial (COMISSION ON GLOBA L GOV ERNA NCE, 1995). A ssim, cabe a ONU continuar a desempenhar seu papel central na governança global, considerando que este é o único fórum em que os governantes mundiais se reúnem em pé de igualdade e regularmente com o intuito de solucionar os problemas mais prementes do mundo (COMISSION ON GLOBA L GOV ERNA NCE, 1995). Para tanto, indispensável que o conceito tradicional de soberania nacional seja flexibilizado para adaptar-se à essa perspectiva, de novos centros detentores de poder. A cerca dos objetivos da governança global, identificamos que esta não se restringe a adoção de regras, estando direcionada, também, ao comportamento dos atores a ela implicados, como: apoio a políticas fomentadoras de projetos sustentáveis e a promoção de conhecimento, através de discussões ocorridas em fóruns de governança, dentre outras (MA T A DIZ; MOURA , 2016, p. 68). Diante disso, consideramos que o fenômeno da globalização acarretou múltiplas implicações na sociedade contemporânea, afetando a humanidade em diversas aspectos, com a porosidade das fronteiras, a ameaça de um terrorismo global, mudanças climáticas e ambie ntais em decorrência da atuação humana, crises econômicas mundiais, ensejando, consequentemente, desafios complexos de governança que enfrentamos na atualidade, tornando necessária uma atuação cada vez mais precisa de organizações, como a ONU. A partir disso, importante discorrer sobre a (des)governança ambiental vivenciada na contemporaneidade.
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2.
(Des)governança ambiental e sustentabilidade
O fenômeno da globalização contribuiu para profundas mudanças na sociedade contemporânea, ensejando o surgimento de desafios transnacionais, assim uma das preocupações despertadas aos atores globais se refere a temática ambiental e seus impactos transnacionais, ascendendo a preocupação com a sustentabilidade. T ais questões como queimadas, emissão de gases poluentes, desmatamento e outras, desconhecem fronteiras e despertam preocupações de profunda complexidade, sendo necessária a implementação de uma estrutura adequada de governança global (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 60). Dessa forma, o meio ambiente equilibrado é um direito das presentes e futuras gerações, que reflete na saúde e bem-estar de toda a sociedade global. A ssim, a primeira manifestação concisa do Direito Internacional sobre esses impactos ambientais transnacionais deu-se em 1941, quando a Comissão de A rbitragem Internacional condenou a empresa canadense Fundição T rail pela poluição atmosférica causada, impondo-a o dever de compensar os prejuízos acarretados aos Estados Unidos, pois “nenhum Estado tem o direito de usar ou de permitir o uso de seu território de tal modo, que cause danos no território de outro Estado” (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 59). Na atualidade, podemos identificar diversos outros casos de degradação ambiental transnacional, em decorrência do avanço da industrialização e da tecnologia, sendo necessário que a celeuma ingressasse de forma contundente na agenda dos atores internacionais. Durante muito tempo, governos de países subdesenvolvidos não concederam o devido relevo a questão ambiental e aos seus impactos, que de forma direta e imediata poderia prejudicar o desempenho de suas economias (V EIGA , 2013, p. 48). Diante disso, a ONU apresenta uma atuação relevante, mediante a adoção de estratégias de desenvolvimento, com destaque as
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conferências direcionadas a abordar o desenvolvimento sustentável e social, e alterações climáticas. Nesse ínterim, desde 1972, com a Conferência de Estocolmo, as Nações Unidas demonstram-se preocupadas com a temática, realizando diversos encontros técnico-político, dos quais podemos destacar: a) Conferência Mundial sobre o Clima em Kyoto, em 1997; b) Conferência das Partes em Copenhague - COP-15, em 2009; c) Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável - Rio+ 20, realizada no Rio de Janeiro, no ano de 2012; d) Cúpula Pós-2015 realizada em Nova Iorque, em 2015; e) Conferência do Clima, que deu origem a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - COP 21 realizada em Paris, em 2015, dentre outras. A ssim, esses eventos em destaque firmaram compromissos internacionais e instituíram ações em busca de um desenvolvimento sustável e social a ser perseguido pelos Estados-Membros. Ressalta-se que, recentemente, na COP -25, no ano de 2019, em Madrid, os países foram pressionados a acelerar as condutas para evitar os impactos do aquecimento global. Já na mencionada Conferência Rio+ 20, de 2012, um dos principais temas debatidos foi a governança “com a finalidade de dar efetividade as políticas de proteção ambiental e de desenvolvimento sustentável” (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 62). No documento “O futuro que queremos”, decorrente da conferência, restou estabelecida a necessidade de fortalecimento da governança, mediante reforma do quadro institucional para o desenvolvimento sustentável, com a finalidade de promover uma integração equilibrada da situação econômica, social e ambiental, dimensões do desenvolvimento sustentável, bem como a coordenação dentro do sistema das Nações Unidas (ONU, 2012, p. 19). A cerca da sustentabilidade buscada pela declaração, importante destacar que esta se refere não apenas a proteção ao meio ambiente e ao crescimento econômico, mas, também, a necessidade de distribuição
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equitativa dos frutos do sistema produtivo, erradicando-se a pobreza e reduzindo-se, consequentemente, a desigualdade social, de forma a propiciar um nível de vida que satisfaça as necessidades básicas dos indivíduos, garantindo-se os direitos humanos fundamentais das presentes e futuras gerações (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 57). Em suma, a declaração abarca diretrizes estratégicas gerais que se voltam a estruturar a instância de governança e aproximar as lideranças políticas, com o fito de promover ações direcionadas a implementar os compromissos de proteção ao meio ambiente e de promoção do desenvolvimento sustentável, alinhando essa condução às expectativas da sociedade, com base em informações produzidas pela comunidade científica internacional (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 63). Contudo, o mundo permanece em um panorama sombrio, com a latente desigualdade global entre os Estados, perpetuando-se a situação de miserabilidade em alguns deles, ainda que tal tema tenha sido objeto de tanta ênfase pelas organizações internacionais, como no documento “O futuro que queremos”. A ssim, José Eli da V eiga (2013, p. 37-38) observa que a “Convenção sobre Governança Global” reconhece ser imperioso repensar certos mecanismos de ajuda aos Estados necessitados, identificando três razões para tal desgaste: a) muito países enfrentam mazelas internas, sendo preciso muita coragem política para auxiliar financeiramente outros países, quando internamente se enfrenta pobreza e desemprego; b) há grande ataque aos programas pelos Estados que se preocupam com o descaso ambiental, desperdício e corrupção nos países que recebem auxílio e c) muitos doadores se utilizam dos programas para promover exportações ou questões de segurança. Logo, tal questão ainda permanece pendente de solução na esfera internacional. A inda, muitos Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos, visando seus interesses econômicos, recusam-se a integrar acordo internacionais, direcionados a redução de poluentes e outras proteções
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ambientais, considerando que tais concessões afetariam sua produção industrial e, consequentemente, a economia do país. Não obstante, para que as previsões das Nações Unidas tenham efetividade faz-se necessário que o Programa das Nações Unidas para o Meio A mbiente - PNUMA detenha poder para direcionamento e controle das ações, como: autonomia administrativa, poder de negociação dos projetos com outras agências, possibilidade de penalização dos países inadimplentes as determinações do programa, possibilidade de exercício do controle externo das políticas ambientais e dos órgãos gestores do meio ambiente, responsáveis pela execução das metas definidas pelo PNUMA , dentre outras (PIFFER; PA ULA , 2018, p. 64): O PNUMA deixava a desejar em termos de gestão coerente e coordenada dos processos políticos da sustentabilidade. Não se firmara como centro de gravidade dos principais acordos ambientais multilaterais, fazendo com que sua atuação ficasse mais caótica que o esperado. Quatro características [...] acabaram por inibir seu desempenho: 1) sua autoridade foi seriamente restringida pelo status que lhe foi atribuído no complexo sistema das Nações Unidas como programa em vez de agência especializada; 2) mais atenção foi dada às necessidade e demandas dos Estados-membros do que à sua missão global; 3) sua estrutura financeira permitiu aos países perseguir seus próprios interesses, usando-a para fazer avançar suas próprias agendas, em detrimento de atividades internacionais ou globais; 4) a distância física dos centros de atividade política afetou negativamente sua capacidade de coordenar vários temas ambientais relacionados a outras instâncias, bem como capacidade de atrais pessoal de alto nível (V EIGA , 2013, p. 67).
A ssim, apesar do PNUMA apresentar uma atuação no monitoramento ambiental, sendo um fórum de articulação internacional, suas limitações estruturais o impedem de atingir os
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progressos indispensáveis para o desenvolvimento sustentável, sendo imprescindível algumas alterações no programa, para que este detenha a efetividade necessária. Dessa feita, José Eli da V eiga (2013, p. 77) identifica as três principais questões que afetam a governança ambiental global: desigualdades, tendência de mudanças e arquitetura organizacional. Nesta perspectiva, o autor considera que há uma desgovernança ambiental resultante de um descompasso histórico entre a ordem política e a atividade econômica (V EIGA , 2013, p. 131). Diante do discorrido, constata-se que subsiste a preocupação das Nações Unidas com estratégias para a proteção do meio ambiente, mediante a instituição de um sistema de governança transnacional direcionado ao gerenciamento dos recursos ambientais e das atividades de risco, contudo sua atuação ainda não se mostra suficiente frente aos efeitos da globalização e a ausência de cooperação internacional por parte de determinados Estados, que diante de perspectivas econômicas e sentimentos nacionalistas, se recusam a integrar instrumentos internacionais direcionados a questão ambiental. 3. Governança ambiental e integração regional em tempos de crise Em 2020, a pandemia de Covid-19 trouxe à tona a necessidade de novos marcos regulatórios transnacionais no âmbito da proteção à saúde. O protagonismo dos Estados nacionais nessa seara parece ceder espaço para a urgência de uma tutela global da saúde. Muitos sociólogos, como Bauman (2017) e Bordoni (2016) ressaltaram que o século X X I parece ser um século de crises infindáveis, desde crises humanitárias, de segurança, de representatividade política, chegando até mesmo a crises ambientais cada vez mais graves. A ssim, a crise sanitária de Covid-19 soma-se a um contexto geral de crises que demanda por um aprimoramento de uma governança
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global democrática em condições de enfrentar todas as dificuldades que tão profundamente marcam o presente século. A dimensão da crise sanitária experimentada pela sociedade internacional no ano de 2020 talvez tenha o condão de contribuir para um reposicionamento da relação Estado e ordem internacional, colocando ambos em uma relação de complementariedade e interdependência funcional. Crises globais, como a ambiental e do coronavírus no ano de 2020, demonstram que uma vasta rede de normatividade internacional está em pleno desenvolvimento, formando uma espécie de constitucionalismo transnacional. T orna-se cada vez mais importante normalizar, mediante o Estado de direito, as novas exceções, sejam elas nacionais ou internacionais, mediante um rule of law transnacional. Em artigo publicado muito antes da atual crise, Dominique Rousseau (2006, p. 19) já advertia que quando estamos em um estado de emergência todas as ações são em proveito da ordem pública. Embora seja medida excepcional, as constantes crises terminam levando a medidas cada vez mais excepcionais, normalizando o que de normal nada possui... Dominique Rousseau (2006, p. 26) ressalta, no mesmo texto, que o estado de urgência favorece práticas autoritárias em detrimento das liberdades públicas e do Estado democrático, pois “favorise un atmosphère sécuritaire et prépare les esprits à recevoir sans s’en apercevoir, sans impression de rupture toute proposition de la République autoritaire et policière.” Por fim, encerrando esse breve ensaio, verifica-se a necessária imposição de interesses humanos básicos em face dos próprios Estados nacionais é consequência da formação de uma ordem internacional que se encontra, no século atual, em progressiva complexização e especialização funcional. Não mais em uma era de Estados competindo entre si anarquicamente, como Leviatãs uns contra os outros, a ordem constitucional transnacional que assistimos se desenvolver demanda cooperação e solidariedade entre os Estados, entre as comunidades
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regionais, entre os organismos internacionais e, em última instância, entre as distintas concepções de mundo que norteiam os povos. REFERÊNCIAS A RNOUD, A ndré-Jean. Governar sem fronteiras: entre globalização e pósglobalização. Crítica da razão jurídica. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007. BA UMA N , Zigmunt. Retrotopia. Cambridge: Polity Press, 2017. BORDONI, Carlo. State of fear in a liquid w orld. London/New Y ork: Routledge, 2016. COMMISSION ON G LOBA L GOV ERNA NCE. Our global neighbourhood. Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 1995. Disponível em: < http://w eb.archive.org/w eb/20011222021819/http://w w w .cgg.ch/chap1.html#T he> . A cesso em: 28 jun. 2020. MA T A DIZ, Jamile Bergamaschine; MOURA , João Ricardo Fidalgo de. A pontamentos sobre o conceito de governança e sua adoção pela União Europeia. In. MA T A DIZ, Jamile Bergamaschine. Integração, Estado e Governança / Jamile Bergamaschine Mata Diz. A lice Rocha da Silva. A nderson V ichinkeski T eixeira – Pará de Minas, 2016. MA UA D, A na Carolina Evangelista. G overnança global: intersecções com paradiplomacia em meio à crise climática. In. BIB, São Paulo, n. 78, 2º semestre de 2014 (publicada em junho de 2016), p. 17-28. Disponível em: < https://anpocs.com/index.php/bib-pt/bib-78/9990-governanca-globalinterseccoes-com-paradiplomacia-em-meio-a-crise-climatica/file> . A cesso em: 26 jun. 2020. MIA LHE, Jorge Luís. Relações Internacionais e Direito Internacional numa sociedade globalizada: breves anotações. In: MIA LHE, J. L. (org.) Ensaios do Direito Internacional: fundamentos, novos atores e integração regional. Campinas: Millenium, 2009. p. 3-31. ONU. Declaração Final da Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+ 20). O Futuro que Queremos. 2012. Disponível em: http://w w w 2.mma.gov.br/port/conama/processos/61A A 3835/O Futuro-que-queremos1.pdf. A cesso em: 01 jul. 2020. PIFFER, Carla; PA ULA , Felipe Mottin Pereira de. A estruturação da governança ambiental global e a necessidade de criação de um órgão de controle externo do patrimônio ambiental transnacional: uma análise a partir da experiência do tribunal
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de contas europeu. In: Piffer, Carla. Transnacionalidade e sustentabilidade: dificuldades e possibilidade em um mundo em transformação/ Carla Piffer; Guilherme Ribeiro Baldan; Paulo Márcio Cruz (Orgs.). Porto V elho: Emeron, 2018. Disponível em: < https://emeron.tjro.jus.br/images/noticias/2018/04/Ebook_transnacionalidade Sustentabilidade.pdf> . A cesso em: 01 jul. 2020. ROUSSEA U, Dominique. L’état d’urgence, un état vide des droit(s). Revue Projet, V ol. 2, n. 291, 19-26, 2006. T EIX EIRA , A nderson V ichinkeski. Democracia transnacional e integração regional: as novas esferas transversais de decisão política. In. MA T A DIZ, Jamile Bergamaschine. Integração, Estado e Governança / Jamile Bergamaschine Mata Diz. A lice Rocha da Silva. A nderson V ichinkeski T eixeira – Pará de Minas, 2016. V EIGA , José Eli da. A desgovernança mundial da sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013. V IEIRA , Liszt. Cidadania e globalização. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
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CAPÍTULO 3 OS IMPACTOS DA COVID-19 PARA OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS: COMO O FECHAMENTO DE FRONTEIRAS E AS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DO NOVO CORONAVÍRUS AFETAM A VIDA DOS REFUGIADOS Gabriela Oliveira Silva V asconcelos 18 Deilton Ribeiro Brasil19
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos da COV ID19 para os movimentos migratórios, bem como as consequências do fechamento das fronteiras e de outras medidas de contenção do novo coronavírus na vida dos refugiados. A pesquisa é realizada em um contexto no qual o mundo está sendo assolado e busca soluções para combater um vírus de danos irreversíveis, que vem ocasionando diversos problemas econômicos e sociais, de efeitos ainda imensuráveis. A través de uma pesquisa de natureza teórico-bibliográfica, seguindose o método dedutivo, os resultados obtidos foram as percepções dos impactos de uma pandemia nos movimentos migratórios, que se veem limitados e impedidos com o fechamento de fronteiras, no qual os maiores prejudicados são os refugiados, grupo extremamente vulnerável da sociedade. Conclui-se que os países não podem estabelecer o controle dos movimentos migratórios, sob a alegação da proliferação
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Mestranda do PPGD – Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna/MG. Especialista em Direito Notarial e Registral (Faculdade Damásio/IBMEC) e Direito Civil (Universidade Cândido Mendes – UCAM). Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna/MG. E-mail: gabrielaosv@gmail.com. 19 Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br
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da COV ID-19, haja vista uma interpretação considerando-se o princípio pro homine, sendo vedado tratamento xenofóbico. PA LAVRAS-CHAVE: COV ID-19; Coronavírus; Fechamento de fronteiras; Movimentos migratórios; Refugiados. A BSTRA CT: T his article aims to analyze the impacts of COV ID -19 on migratory movements, as w ell as the consequences of the closure of borders and other measures to contain the new coronavirus in the lives of refugees. T he research is carried out in a context in w hich the w orld is being plagued and seeks solutions to combat a virus of irreversible damage, w hich has been causing several economic and social problems, w hose effects are still immeasurable. T hrough a theoreticalbibliographic research, follow ing the deductive method, the results obtained w ere the perceptions of the impacts of a pandemic on migratory movements, w hich are limited and prevented by the closing of borders, in w hich the most affected are refugees, an extremely vulnerable group of society . It is concluded that countries cannot establish the control of migratory movements, under the allegation of the proliferation of COV ID-19, given an interpretation considering the pro homine principle, w ith xenophobic treatments being prohibited. KEY WORDS: COV ID-19; Coronavirus; Closing borders; Migratory movements; Refugees.
1. INTRODUÇÃO A partir de 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a ser alertada acerca de vários casos de pneumonia na cidade de W uhan, província de Hubei, na República Popular da China. Casos semelhantes foram surgindo em outras localidades, principalmente em países vizinhos à China, e após diversos estudos, percebeu que se tratava de uma nova cepa de uma família comum de vírus, que foi nomeado de SA RS-CoV -2, responsável por causar a doença COV ID-19.
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Por se tratar de um vírus de fácil propagação e disseminação, sendo transmitido pelo contato direto ou indireto com pessoas ou objetos contaminados, não restavam dúvidas acerca da célere proliferação do novo coronavírus. Em 23 de janeiro de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a existência da transmissão do vírus entre humanos e, no dia 30 do mesmo mês, a Organização declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Diante da rápida proliferação do vírus pelo mundo e sua disseminação incontrolável, a OMS, em 11 de março de 2020, declarou se tratar de uma pandemia, e a partir desse momento os países passaram a adotar medidas de contenção do novo coronavírus. Entre as medidas adotadas para a contenção da proliferação do novo coronavírus, os países suspenderam certas atividades que envolviam aglomeração de pessoas, adiou eventos esportivos e culturais, determinou o uso obrigatório de máscaras, realizou a testagem em massa da população, entre outras. Entre essas medidas adotadas pelos Estados para evitar o ingresso e a disseminação do vírus, a grande maioria dos países determinou o fechamento de suas fronteiras, limitando o acesso de pessoas pelas vias terrestre, aérea e marítima. Com relação ao fechamento das fronteiras dos países, essa é uma medida que se mostra necessária diante de uma pandemia, pois trata-se de um cenário no qual uma doença infecciosa pode atingir milhares de pessoas ao redor do mundo simultaneamente, tendo em vista a célere proliferação. Dessa forma o fechamento de fronteiras tem como objetivo principal impedir o ingresso de pessoas e mercadorias contaminadas. Entretanto, essa medida, ao provocar restrição ao fluxo de pe ssoas, impede que os movimentos migratórios ocorram. A s migrações podem apresentar as mais variadas causas, entre as quais destacam-se critérios econômicos, financeiros, desastres ambientais, guerras e perseguições das mais diversas espécies (por motivos religiosos, políticos, de nacionalidade, entre outros).
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Com o fechamento de fronteiras os mais prejudicados são os refugiados, que buscam abrigo em outros países fugindo de perseguições por motivos religiosos, políticos, de raça, nacionalidade, entre outro s, pois se veem impossibilitados de ingressarem em outros territórios visando proteção. A demais, vale ressaltar que a maioria dos campos de refúgio encontrados pelo mundo apresentam situações deploráveis, não tendo condições necessárias e suficientes de higiene, saneamento básico e sequer água potável para todos que neles se encontram, haja vista a superlotação da maioria desses espaços. Com o fechamento das fronteiras, os governos mundiais não apenas buscam evitar a proliferação da COV ID-19 por seus territórios, como também objetivam evitar o colapso de seus sistemas de saúde. Entretanto, adotando essa medida de contenção do novo coronavírus, os Estados estão violando o dever de cooperação e solidariedade entre os povos e países, negando asilo às pessoas que solicitam, sob a alegação de que essas pessoas poderiam provocar a disseminação do vírus em seus territórios. O fechamento das fronteiras viola o “direito de migrar”, que é um direito humano relacionado à liberdade de locomoção. A demais, a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e o seu Protocolo de 1967, trazem uma série de direitos aos refugiados, os quais foram internalizados no Brasil pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que, claramente, proibiu que os Estados impedissem o ingresso de refugiados solicitantes de proteção. Dessa forma, a medida de fechamento de fronteiras, que no Brasil foi adotada por portarias interministeriais (a mais recente publicada em 30 de junho de 2020), deve ser analisada considerando-se o princípio pro homine, segundo o qual as normas devem ser interpretadas de forma mais favorável à dignidade da pessoa, considerando-se a força expansiva dos direitos humanos. Os refugiados estão entre o grupo mais afetado pela pandemia da COV ID-19, sendo considerados vulneráveis, haja vista a grande
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dificuldade de adotarem medidas básicas para evitar o contágio e a proliferação do novo coronavírus, como lavar as mãos, manter o distanciamento social, usar máscaras, entre outras. Dessa forma, os governos dos diversos países devem se preocupar com essas pessoas em situação de mobilidade pelo mundo, não promovendo retornos forçados daqueles que ingressam em seus territórios buscando proteção, garantindo o acesso à saúde aos refugiados e banindo tratamentos xenofóbicos. Com o presente artigo busca-se responder aos seguintes questionamentos: quais seriam os impactos das medidas de contenção da COV ID-19 para os refugiados? Comoo fechamento de fronteiras impede os movimentos migratórios? Objetiva-se expor uma breve introdução acerca do coronavírus, sua origem e propagação pelo mundo, destacando-se as medidas adotadas pelos diversos países, visando sua contenção, entre as quais se destaca o fechamento de suas fronteiras. Com relação a essa última medida, tem-se o propósito de apresentar os seus impactos para os movimentos migratórios, em especial para os refugiados, que têm reconhecida vulnerabilidade diante da pandemia da COV ID-19. Por fim, mostra-se a situação desses vulneráveis diante do atual cenário mundial. A pesquisa é feita em um contexto no qual o mundo vem sendo assolado pela pandemia de um vírus com efeitos ainda imensuráveis, diante de muitas incertezas nos aspectos social, econômico e científico. A mesma se justifica tendo em vista se tratar de um tema de extrema relevância para a concretização dos direitos humanos dos refugiados, que, ainda hoje, vivem em situações deploráveis ao redor do mundo e não têm muito reconhecimento. Para tanto, seguindo o método dedutivo, a pesquisa é de natureza teórico-bibliográfica, utilizando-se do posicionamento de diversos autores, de notícias de periódicos de renomada credibilidade, e dados estatísticos disponibilizados em sites oficiais.
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2. OS IMPACTOS DO FECHAMENTO DE FRONTEIRAS PARA OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS - EM ESPECIAL PARA OS REFUGIADOS - E UMA ANÁLISE DESSA MEDIDA Rogério Haesbaert, abordando o fechamento das fronteiras, afirma que O controle (e docilização) dos corpos, sabemos bem, é empreitada antiga, e Michel Foucault foi o autor que melhor trabalhou a relação entre corpo e disciplina no mundo moderno. Ele propôs um interessante modelo que opunha as iniciativas de controle da lepra e da peste – o primeiro criando o que sugeri denominar “territórios de reclusão”, com completo isolamento em relação ao restante da sociedade, e o segundo impondo o que chamei de “contenção territorial”, tipo muro-barragem, onde o fechamento não é completo, é relativo e temporário, e no qual sempre existe alguma forma de ultrapassar a barreira que foi construída e entrar – ou fugir, dependendo da perspectiva. É esse o caso dos muros fronteiriços, de efeito mais simbólico que concreto, e que o migrante sempre se encarrega, de alguma forma, de contornar, descobrindo outro caminho (HA ESBA ERT , 2020, p.1)
O fechamento de fronteiras ocasiona uma barreira aos movimentos migratórios, tendo em vista que o acesso aos países passa a ser controlado e, muitas vezes, limitado ou impedido. T razendo uma definição de migração, os autores Fernanda Campos Marciano e Deilton Ribeiro Brasil afirmam que A s migrações, em grande medida, se relacionam com a proteção dos direitos humanos. Migrações internacionais podem ser definidas como o movimento de pessoas entre países, nos quais se estabelecem, provisória ou permanentemente. Possuem as mais variadas causas, podem decorrer de critérios econômicos e financeiros, desastres ambientais, guerras, perseguições religiosas, políticas ou culturais, etc. Em regra, os indivíduos deixam seus
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lares por circunstâncias alheias à suas próprias vontades, sempre em busca de melhores condições de vida, sobretudo de uma vida digna (MA RCIA NO; BRA SIL, 2018, p. 492)
Logo, as migrações existem como forma de garantir e efetivar melhores condições a uma vida digna, a pessoas que passam por alguma dificuldade, perseguição ou circunstância deplorável no seu país de origem, e buscam abrigo e iniciar uma nova vida em países estrangeiros. Diante de uma pandemia, não restam dúvidas que, os maiores afetados são as camadas mais pobres e marginalizadas da população, que além de não poderem se submeter às medidas de contenção social, haja vista viverem sob condições precárias e dependerem do trabalho (a maioria deles em subemprego) para o sustento da família, muitas vezes sequer têm acesso a água canalizada e rede de esgoto, o que não os possibilita nem mesmo de tomar as medidas básicas de higiene para o combate aos vírus. Rogério Haesbaert, levanta a seguinte crítica Os pouco esclarecidos, entretanto, dizem que o vírus “é democrático”, que “atinge a todos por igual”. O vírus não tem nada de democrático – primeiro, porque afeta de modo mais brutal os já mais fragilizados: idosos, enfermos, incapacitados e, a partir de agora, os mais pobres; segundo, porque, ao exigir para seu combate a autocontenção (ou reclusão temporária), ela só é realmente possível e segura para os mais ricos, que dispõem de condições para o distanciamento social e o isolamento (HA ESBA ERT , 2020, p. 4)
Dessa forma, as camadas mais desfavorecidas da população são as mais atingidas negativamente pelas medidas adotadas pelos governos para a contenção do vírus e a redução da expansão da sua contaminação. No que se refere à medida de fechamento das fronteiras, essa, claramente, prejudica demasiadamente aqueles inseridos em movimentos migratórios e, entre esses, os maisafetados são os refugiados, que procuram abrigo em
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outros países fugindo de alguma perseguição política, religiosa, por motivos de raça, nacionalidade, entre outros. Daniele A parecida Gonçalves Diniz e Deilton Ribeiro Brasil, citando V alério de Oliveira Mazzuoli (2014), conceituam refugiado como sendo aquela pessoa (...) que, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (DINIZ; BRA SIL, 2019, p. 188-189)
Conforme dados do A lto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – A CNUR, datados de 18 de junho de 2020, até o final de 2019,79,5 milhões de pessoas se viram forçadas a se deslocar no mundo e deixar suas casas. Entre elas estão 26 milhões de refugiados (A CNUR, 2020). Com o fechamento das fronteiras, essas pessoas que saem de seus países de origem movidas pelo temor da perseguição (por motivos de raça, religião, opinião política, nacionalidade, catástrofes ambientais, entre outros), se veem impedidas de ingressar em outros países visando alcançar abrigo. Muitos países estão adotando como medida de contenção à proliferação do coronavírus a campanha “Fique em Casa”, como uma forma de tentar induzir as pessoas a saírem de suas residências apenas quando estritamente necessário, visando um isolamento social, reduzindo os riscos de contaminação. T odavia, ocorre que, os refugiados e os migrantes são pessoas que, na maioria das vezes, não tê m um lugar para se asilareme, quando tem, não pode sequer ser considerado um lugar. A maioria dos campos de refugiados, espalhados pelo mundo, se encontram em situações deploráveis e a falta de espaço para receber os
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refugiados é apenas um entre os diversos problemas neles presenciados: superlotação falta de saneamento básico ou água, carência de certos alimentos, entre outros. A demais, com o fechamento das fronteiras, muitas famílias se encontram divididas e isoladas em lugares de trânsito, sem meios para sobreviver e sem conhecer o idioma e a legislação local. Pessoas bloqueadas em aeroportos, sem acesso a informações básicas e o excesso de pessoas solicitando abrigo nos consulados e embaixadas, são alguns dos elementos que apresentam uma forte vulnerabilidade das pessoas asiladas pelo fechamento das fronteiras (MA T EOS, 2020). Roberto Rodolfo George Uebel, ao tratar das consequências do fechamento de fronteiras, como medida de contenção do novo coronavírus, afirma que Outro elemento que se destaca é o impacto direto nos fluxos migratórios globais, como aqueles que estavam em andamento, por exemplo, de sírios e venezuelanos, que foram afetados pelas políticas de fechamento de fronteiras e medidas de isolamento social dos países receptores, como T urquia e Brasil, respectivamente. Segundo relatos da Organização Internacional para as Migrações e do A lto-Comissariado das Nações Unidas, cerca de setenta milhões de imigrantes e refugiados em trânsito podem ser acometidos pela COV ID-19, caso os Estados-parte não tomem medidas necessárias (UEBEL, 2020, p. 6)
O fechamento da fronteira do Brasil com a V enezuela, por exemplo, trouxe uma série de impactos para os migrantes venezuelanos. T al medida visa, em primeiro lugar, proteger o Sistema Único de Saúde (SUS), quanto a sua capacidade de atendimento e tratamento dos brasileiros infectados e dos migrantes que se encontram nos territórios de Roraima e A mazonas, evitando um possível colapso do sistema de saúde. A demais, tal medida visa impedir a disseminação do vírus.
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Não restam dúvidas de que, se mais migrantes venezuelanos viessem para o território brasileiro, poderiam estar ingressando pessoas contaminadas e, isso, além de propagar a doença, geraria uma crise na infraestrutura dos Estados fronteiriços com a V enezuela e o governo brasileiro sequer teria condições de assegurar saúde àqueles que já se encontram em território nacional. O Instituto de Pesquisa Econômica A plicada – IPEA , analisando as consequências do fechamento das fronteiras do Brasil, afirma, a partir de estudos realizados que O fechamento da fronteira com a V enezuela ou o Peru intensificou os problemas dos refugiados, devendo-se, segundo a Organização Internacional de Migrações (OIM), inspecionar sistematicamente o movimento fronteiriço, as migrações, e ser consciente dos danos causados às pessoas em trânsito e dos riscos de que um fechamento rigoroso pode levar grupos a burlarem a proibição da mobilidade, buscando grupos criminosos que viabilizem seu deslocamento clandestino, entrando por pontos onde não poderão ser inspecionados. Em uma situação de emergência em saúde pública, essas pessoas não terão checagem de sua condição de saúde, de sua procedência, de sua documentação (OIM, 2020). (IPEA , 2020, p. 64)
Dessa forma, a análise que se faz a partir da medida de fechamento das fronteiras, tomando-se como exemplo o fechamento da fronteira Brasil-V enezuela, é que ela atinge claramente os movimentos migratórios e, principalmente, os refugiados, que são pessoas em situação de vulnerabilidade que, além de se verem impedidas de romper as fronteiras de seus países, diante das situações de risco, também são as mais afetadas pela pandemia causada por um vírus, tendo em vista que as condições que encontram quando saem de seus territórios são extremamente precárias.
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A demais, violando frontalmente o dever de cooperação e solidariedade entre os povos e países, a pandemia tem sido utilizada por muitos governos, como justificativa para recusarem asilo àqueles que solicitam, alegando que o abrigo a essas pessoas em movimento, poderia ocasionar uma proliferação do vírus. T ais pessoas, rejeitadas pelos países que negam asilo, na maioria das vezes, são transferidas de volta para os seus países de origem ou para outros que também violam os seus direitos à vida e à liberdade. V ale salientar que, não necessariamente apenas a negativa de asilo é capaz de violar os direitos humanos dos migrantes, como também, o simples fato de os países fecharem completamente as suas fronteiras, pois, fazendo isso, impedem a entrada daqueles que solicitam abrigo. Murilo Borsio Bataglia e outros autores, em artigo publicado recentemente, no qual analisam os reflexos da pandemia da COV ID -19 no Brasil e o tratamento dos refugiados, afirmam que [...] em virtude de as fronteiras estarem fechadas, o fluxo de migração se reduz drasticamente. Diante disso, é possível que assolicitações também diminuam neste ano de 2020 (o que incluiria osíndices de solicitações da V enezuela).Em seguida, tal perspectiva é corroborada pelo fechamento do atendimento presencial do CONA RE, nas cidades de São Paulo,C ampinas, Rio de Janeiro, e Brasília, conforme art. 1º daPortariaMJ/CONA REnº 02/2020.Da mesma forma, essa portaria também suspendeu os prazos de processos de refúgio a contar de 11 de março (art. 2º ). (BA T A G LIA et. al., 2020, p. 25)
O A lto-comissário da Organização das Nações Unidas para refugiados, Filippo Grandi, em um comunicado publicado no dia 19 de março de 2020, falou sobre os impactos da COV ID -19 para os movimentos migratórios e foi claro ao enfatizar a importância que os países devem dar àqueles mais vulneráveis, que fogem de guerras e perseguições. Eles não devem ser esquecidos e não podem deixar de ser
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acolhidos, sob a alegação de uma pandemia e uma possível disseminação do coronavírus. Segundo ele Com o mundo se mobilizando para combater a disseminação da COV ID-19, muitos países estão adotando, com razão, medidas excepcionais de limitação de viagens aéreas e dos movimentos transfronteiriços. Para muitas pessoas no mundo todo, a vida cotidiana parou ou está sendo transformada de maneiras que nunca havíamos imaginado. Mas guerras e perseguições não pararam – e hoje, em todo o mundo, as pessoas continuam fugindo de suas casas em busca de segurança. Estou cada vez mais preocupado com as medidas adotadas por alguns países que poderiam bloquear totalmente o direito de solicitar refúgio. T odos os Estados devem gerenciar suas fronteiras como bem entenderem no contexto desta crise única. Mas essas medidas não devem resultar no fechamento das vias para o refúgio ou forçar pessoas a voltarem para situações de perigo. Existem soluções. Se forem identificados riscos à saúde, medidas de triagem podem ser implementadas, juntamente com testes, quarentena e outras medidas. Isso irá permitir às autoridades que gerenciem a chegada de solicitantes de refúgio e refugiados de maneira segura, respeitando os padrões internacionais de proteção de refugiados que foram estabelecidos para salvar vidas. Nestes tempos difíceis, não devemos esquecer aqueles que fogem de guerras e perseguições. Eles precisam – todos nós precisamos – de solidariedade e compaixão agora mais do que nunca. (ONU BRA SIL, 2020)
A nalisando as consequências do fechamento de fronteiras e essa manifestação de Filippo Grandi Há preocupação com o possível bloqueio ao direito de solicitar refúgio em consequência das medidas adotadas por alguns Estados para o enfrentamento da COV ID-19. Para o A lto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, o controle das fronteiras deve ser feito sem que ocorra um bloqueio dos
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caminhos para o refúgio ou que force os solicitantes de refúgio em potencial a retornarem às situações de perseguição ou violência da qual estão fugindo (A CNUR, 2020b), de modo a atender o princípio da não devolução ou non-refoulement, pelo qual o indivíduo não pode ser devolvido ao local que sofre perseguição e que sua vida, integridade física ou segurança estejam ameaçadas, e a implementação de medidas sanitárias, de modo que ocorra o gerenciamento da chegada dos migrantes e não um impedimento de ingresso nos territórios de destino (JUBILUT et. al., 2020, p. 51)
Em recente entrevista ao jornal “O Globo” (2020), José Egas, representante do A CNUR no Brasil, seguiu a mesma linha de Filippo Grandi, e afirmou que é necessário o apoio internacional para ajudar os países que acolhem os refugiados. A demais, mesmo diante do fechamento das fronteiras pelos países como medida de contenção do coronavírus, José Egas chamou a atenção para a necessidade de que o acolhimento de estrangeiros em situação de risco, não seja interrompido. Segundo o representante do A CNUR – Brasil, a pandemia da COV ID19 é um desafio global que deve ser enfrentado com muita solidariedade e cooperação, não podendo os países fecharem as suas rotas para aquelas pessoas que fogem de guerras ou perseguição. T omando-se por base o exposto nessa seção, o fechamento de fronteiras ocasiona uma violação ao “direito de migrar”, que se insere como sendo, inclusive, um direito humano. Nos dizeres de Deilton Ribeiro Brasil e Bruno Martins T eixeira O direito de migrar é, antes de tudo, um direito humano. Na órbita internacional, tem seu mais importante registro jurídico na Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) de 1948, particularmente no seu artigo X III, ao afirmar-se que todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras nacionais, garantindo-se também o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. (BRA SIL; T EIX EIRA , 2020, p. 731)
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A demais, cumpre salientar que a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e o seu Protocolo de 1967, estabelecem padrões básicos para o tratamento dos refugiados, sem, contudo, esgotar esse tratamento, haja vista que os países internalizam esse tratamento e ampliam o rol dos direitos desses sujeitos. No Brasil, a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, prevê uma série de direitos aos refugiados e mecanismos de implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951. Mais especificamente, tratando do acesso desses sujeitos a outros países, solicitando refúgio, o A rtigo 7º , em seu parágrafo 1º , afirma que “em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.”(BRA SIL, 1997). Ou seja, os refugiados devem ter protegidos os seus direitos humanos da forma mais ampla possível, sendo vedada a recusa de seu ingresso em países estrangeiros, quando saem de seus países de origem por sofrerem perseguição ou por motivos de guerra. Nesse sentido, analisando-se as diversas portarias interministeriais publicadas pelo governo brasileiro (referidas na seção anterior), determinando o fechamento das fronteiras brasileiras, e a sua validade e legalidade diante da Lei nº 9.474/1997, na qual o Brasil internalizou o Estatuto dos Refugiados de 1951, deve-se fazer uma interpretação tomando-se como referência o princípio pro homine. Nos dizeres de V alério de Oliveira Mazzuoli, (...) Por meio dele, ao se interpretar uma norma concernente a direitos humanos, o intérprete/aplicador do direito deve ponderar pela aplicação da que seja mais favorável à dignidade da pessoa (...). O princípio prohomine, em outras palavras, garante ao ser humano a aplicação da norma que, no caso concreto, melhor o proteja, levando em conta a força expansiva dos direitos humanos, o respeito do conteúdo essencial desses direitos e a ponderação de
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bens, valores e interesses. Nessa ordem de ideias, faz -se necessário interpretar as normas domésticas de proteção com aquelas previstas em tratados e declarações internacionais de direitos humanos, bem assim com a jurisprudência dos organismos supraestatais de proteção desses direitos, em especial (no caso do Brasil e demais países do nosso continente) a da Corte Interamericana de Direitos Humanos (MA ZZUOLI, 2010, p. 106107)
Ou seja, a aplicação do princípio pro homine reforça a ideia de que a solução contemporânea para os desafios que permeiam a proteção dos direitos humanos deve ser plural, onde várias fontes convivem, sem que uma exclua a outra, trata-se, portanto de aplicar a norma que mais proteja os direitos da pessoa humana (BRA SIL; BA NDEIRA ; RESENDE, 2018, p.118). A o proibir o ingresso de refugiados, os países violam uma série de tratados e convenções internacionais por eles assinados, ratificados, e internalizados em seus ordenamentos jurídicos, como é o caso do Brasil com a Lei nº 9.474/1997. A ssim, deve a limitação à entrada de migrantes pelos países ser interpretada de forma a não violar os direitos humanos daqueles que necessitam de abrigo, em especial dos refugiados, que não bastassem ser os mais vulneráveis à contaminação pela COV ID-19 (haja vista encontrarem situações precárias nos países de acolhida), também o são com relação as medidas de contenção do novo coronavírus. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma série de casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China, fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) ficasse em alerta para uma possível existência de um novo coronavírus. A pós ter reconhecido como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, diante da rápida
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proliferação do vírus ao redor do mundo, finalmente em 11 de março de 2020, essa mesma Organização declarou que se tratava de uma pandemia. A célere disseminação do vírus responsável por causar a doença COV ID-19, chamou a atenção de diversos países que, reconhecendo a possibilidade de um possível colapso de seus sistemas de saúde, passaram a adotar diversas medidas de prevenção a contaminação pelo coronavírus, como fechamento de estabelecimentos comerciais, a suspensão de atividades que demandem aglomeração de pessoas, o uso de máscaras e o fechamento de suas fronteiras terrestres, aéreas e marítimas. Com relação à medida de fechamento de fronteiras, essas causam um impacto significativo aos movimentos migratórios, em especial aos refugiados, que, mesmo fugindo de guerras ou de perseguições por motivos políticos, culturais, religiosos, entre outros, se veem impedidos de conseguir abrigo em outros países, que fecharam as suas fronteiras ou, simplesmente, paralisaram seus procedimentos de concessão de refúgio. Dessa forma, não restam dúvidas acerca da vulnerabilidade dos refugiados perante a pandemia da COV ID-19. Esses, quando encontram abrigo em países que não sejam os de sua nacionalidade, muitas vezes, ficam em campos de refúgio superlotados, com condições precárias de higiene e saneamento básico, o que é propício à proliferação do novo coronavírus. A demais, os refugiados, com o fechamento de fronteiras, são impedidos de entrar nos países estrangeiros buscando abrigo, sob o argumento de que esse ingresso poderia disseminar o vírus. Quanto aos refugiados que já se encontram em países distintos do seu, onde foram abrigados, esses, muitas vezes são tratados de forma preconceituosa, não tendo amplo acesso ao sistema de saúde pública. Conforme apresentado no presente artigo, as portarias interministeriais assinadas pela Casa Civil e Ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Infraestrutura e Saúde, devem ser interpretadas considerando-se o princípio pro homine, segundo o qual deve-se sempre buscar a aplicação da norma mais favorável à dignidade da pessoa humana, não se esquecendo, com relação aos refugiados, de observar os
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preceitos basilares da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e o seu Protocolo de 1967. O A lto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – A CNUR, vem exercendo um papel importante para frear a disseminação entre os refugiados e as comunidades que os acolhem, assegurando o acesso a informação sobre a pandemia e como evitar a contaminação, distribuindo itens essenciais, monitorando o cumprimento de medidas de contenção ao novo coronavírus, auxiliando na construção e implementação de hospitais de campanha, entre outras medidas. A demais, deve salientar que não pode a COV ID-19 ser utilizada como justificativa para que os Estados, a partir do fechamento de fronteiras, exerça o controle de movimentos migratórios, impedido a entrada de refugiados em seus territórios. A lgumas medidas substitutivas poderiam ser, a realização de testes nos migrantes que ultrapassam as fronteiras e a colocação dessas pessoas em quarentena, caso manifestem sintomas. Devem os direitos humanos dos refugiados serem respeitados, sendo assegurado o acesso à saúde e cuidados necessários a todos. Não podem os países promoverem o retorno forçado das pessoas que solicitam asilo, sob o fundamento do temor de uma proliferação do coronavírus. Outras medidas podem ser adotadas, ev itando-se em qualquer circunstância o tratamento xenofóbico dos refugiados. REFERÊNCIAS A CNUR. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Disponível em: http://w w w .acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relati va_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf. A cesso em: 14 jul. 2020. A CNUR. Dados sobre o refúgio. Disponível em: http://w w w .acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/. A cesso em: 13 jul. 2020. A CNUR. Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: http://w w w .acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumento s_Internacionais/Protocolo_de_1967.pdf?file= fileadmin/Documentos/portugues/
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CAPÍTULO 4 O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU SOBREVIVE À CRIME PANDÉMICA? E lizabeth A ccioly20 “O pacto ecológico europeu não é um luxo que podemos deixar cair ao enfrentarmos esta nova crise. A creditamos que uma recuperação verde é possível.” Frans Timmermans, vice-presidente ex ecutivo da Comissão E uropeia
RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre o Pacto Ecológico Europeu, lançado antes da crise pandêmica e que nasceu com a pretensão de acertar o passo da Europa em busca de melhores condições de vida para os seus cidadãos, através do ambiente. Contudo, neste novo contexto, a sua eficácia terá de ser medida diante dos impactos da COV ID-19. PA LAVRAS-CHAVE: Pacto Ecológico Europeu; União Europeia; Crise Pandémica; Meio A mbiente; Sustentabilidade
A BSTRA CT: T his article proposes a reflection on the European Green Deal, launched before the pandemic crisis. T he EGD w as aimed at making Europe toe the line and giving better living conditions for its citizens through environment. How ever, in this new context, the EGD’s effectiveness w ill be measured against the impacts of the COV ID-19. 20
Diplomada em Estudos Europeus pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa. Doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade Europeia de Lisboa. Professora visitante do Curso de Mestrado do Unicuritiba – Brasil. Advogada em Portugal e no Brasil.
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KEY WORDS: European Green Deal; European Union; Pandemic crisis; Environment; Sustainability
1. INTRODUÇÃO A Covid19 deixou o mundo com a respiração em suspenso, gerando o caos em todos os Estados e, infelizmente, com quase um milhão de vidas perdidas. Mas, em contrapartida, o ambiente beneficiou de significativa redução dos índices de poluição. E agora, os Estados aproveitarão realmente esta oportunidade de salvar o planeta ou será que a economia de curto-prazo se imporá? O presente artigo pretende abordar o tema na perspetiva da União Europeia. Se é premente uma rápida recuperação das empresas e dos negócios no seio da Europa unida, não menos importante é que esta se adeque à nova realidade, com iniciativas que permitam uma reindustrialização verde, como o programa lançado pela Comissão Europeia no final do ano passado – o “Green Deal” –, uma das primeiras bandeiras da presidência da Comissão Europeia, sob a nova direção de Ursula van der Leyen (UvdL). Conciliar as prioridades dos 27 Estados-membros não tem sido tarefa fácil durante a crise pandêmica, mas desde há muito que a Europa enfrenta situações de desconcertos; porém, os tempos são de alerta máximo, pois a sobrevivência deste bloco regional depende, mais do que nunca, da solidariedade possível e expetável dos seus sócios. 2. O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU O Pacto Ecológico Europeu, ou “European Green Deal” (EGD), foi apresentado em 11 de dezembro de 2019 como parte integrante da estratégia da Comissão para implementar a A genda 2030 das Nações
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Unidas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Composto por nove pilares que servirão de alicerce para uma transição ecológica sustentável para as empresas e cidadãos, o “fio verde” conduzirá o caminho para uma economia circular e limpa na União Europeia, como declarou UvdL: O Pacto Ecológico Europeu é a nossa nova estratégia de crescimento; um crescimento que adiciona mais do que subtrai. Mostra como transformar o nosso modo de viver e trabalhar, de produzir e consumir, por forma a termos uma vida mais saudável e a tornar as nossas empresas inovadoras. T odos podemos participar na transição e todos podemos beneficiar das oportunidades geradas. Se tomarmos a dianteira e avançarmos rapidamente, contribuiremos para que a nossa economia seja líder mundial. Estamos determinados em ser bem-sucedidos, em prol do nosso planeta e da vida na T erra — em prol do património natural da Europa, da biodiversidade, das nossas florestas e dos nossos mares. A o mostrarmos ao resto do mundo como ser sustentável e competitivo, podemos convencer outros países a avançarmos juntos. 21
O vice-presidente executivo da Comissão Europeia e responsável pela pasta do EGD, Frans T immermans, acrescentou na mesma altura: V ivemos uma situação de emergência climática e ambiental. O Pacto Ecológico Europeu é uma oportunidade para melhorar a saúde e o bem-estar dos nossos cidadãos, transformando o nosso modelo económico. O nosso plano indica como reduzir as emissões, restabelecer a saúde do nosso ambiente natural, proteger a vida selvagem, criar novas oportunidades económicas e melhorar a qualidade de vida dos nossos cidadãos. T odos nós temos um papel importante a desempenhar e todos os setores e países participarão nesta transformação. A lém disso, é nossa 21
Comissão Europeia - Comunicado de imprensa. https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-20192024/european-green-deal_pt
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responsabilidade garantir que a transição será justa e que ninguém ficará para trás na implementação do Pacto Ecológico Europeu. 22
Os referidos pilares que sustentam esta ousada proposta da Comissão Europeia são: Biodiversidade; A gricultura; Do Prado ao Prato; Energia; Indústria; Construção; Mobilidade; Poluição e Metas para o Clima. Porém, para atingir os objetivos do EGD serão nece ssários ingentes investimentos. De acordo com os cálculos que foram apresentados no lançamento do projeto, para se cumprirem os atuais objetivos climáticos e energéticos para 2030, será necessário um investimento anual suplementar de 260 mil milhões de euros, o que corresponde a cerca de 1,5 % do PIB da UE em 2018 e exigirá a mobilização dos setores público e privado, com uma estratégia de financiamento verde para as empresas, sendo destinados pelo menos 25% do orçamento europeu para as ações em favor do clima. O Plano de Investimento do EGD contempla três dimensões 23: 1.
2.
22 23
Financiar: mobilizar pelo menos um bilião de EUR de investimentos sustentáveis na próxima década. Uma parte das despesas com a ação climática e ambiental do orçamento da UE maior do que nunca irá atrair financiamento privado, com o Banco Europeu de Investimento a desempenhar um papel fundamental; Facilitar: conceder incentivos para mobilizar e reorientar o investimento público e privado. A UE proporcionará aos investidores instrumentos que permitam colocar o financiamento sustentável no cerne do sistema financeiro, facilitando o investimento sustentável por parte das autoridades públicas, incentivando a orçamentação e a adjudicação de contratos públicos
Idem
https://ec.europa.eu/regional_policy/pt/newsroom/news/2020/01/14-01-2020-financing-the-greentransition-the-european-green-deal-investment-plan-and-just-transition-mechanism
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3.
ecológicos, e concebendo novas formas de facilitar os procedimentos de aprovação dos auxílios estatais para as regiões que beneficiam do apoio a uma transição justa; Apoiar na prática: a Comissão prestará apoio às autoridades públicas e aos promotores de projetos no planeamento, conceção e execução de projetos sustentáveis.
Resta saber se, com o terramoto pandémico que abalou as placas tectónicas do mundo, esse projeto conseguirá avançar no timing que estava a ser planeado. Passemos à análise dos pilares que sustentam o EGD. 2.1 Biodiversidade O primeiro pilar é o da biodiversidade, pois sem a sua proteção corre-se o risco da degradação ambiental para a geração atual e futura. Recuperar os ecossistemas degradados e estabelecer áreas protegidas são os principais objetivos deste pilar. Os compromissos propostos levarão em conta a diversidade de desafios nos vários setores em cada um dos Estados-membros. A recente pandemia torna ainda mais urgente a necessidade de proteger e restaurar a natureza e apostar na biodiversidade, até pelo interesse económico e sanitário que desperta, como por exemplo na prevenção da propagação de novas pandemias. T ambém centra as suas preocupações na proteção e restauração dos recursos marinhos e da natureza, para fins económicos diretos, fundamentais para uma panóplia de setores da economia. Segundo o pacote apresentado pela Comissão, o investimento em capital natural, nomeadamente na restauração de habitats ricos em carbono e numa agricultura compatível com o clima, é reconhecido como uma das cinco mais importantes políticas de recuperação orçamental, que proporciona
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multiplicadores económicos elevados e um impacto positivo no clima24.
Portanto, é de suma importância aproveitar a oportunidade extraordinária que ora se apresenta para corrigir velhas e prejudiciais práticas que eram seguidas sem que se vislumbrasse a possibilidade de um redirecionamento. A s cinco principais causas da crise que está a provocar o desaparecimento rápido da natureza estão bem elencadas: 1. alterações na utilização das terras e do mar; 2. sobre-exploração; 3. alterações climáticas; 4. poluição; 5. espécies exóticas invasoras. Segundo o relatório, “nas últimas quatro décadas, as populações mundiais de espécies selvagens diminuíram 60 % em resultado das atividades humanas. Quase três quartos da superfície da T erra foram alterados, reduzindo a natureza a espaços cada vez mais pequenos do planeta””25 26. A s iniciativa e propostas que abrangem a preservação da biodiversidade estarão apoiadas pelo “juramento ecológico” feito pelos Estados-membros de não prejudicarem a ação da União. Elencamos abaixo os prinicipais compromissos, até 2030, para o plano de restauração da natureza da UE, apresentados pela Comissão Europeia27: 1. 2. 3.
24
Restauração de zonas significativas de ecossistemas degradados; Reversão do declínio dos polinizadores; Redução da utilização e do risco dos pesticidas químicos em 50% e redução da utilização dos pesticidas mais perigosos em 50%;
Hepburn et al, Will COVID-19 fiscal recovery packages accelerate or retard progress on climate change?, Smith School Working Paper 20-02, 2020. 25 Summary for policymakers, IPBES, 2019, versão em texto simples, p. 4, A4. 26 Living Planet Report - 2018: Aiming Higher, Fundo Mundial para a Natureza (WWF), 2018. 27 Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, pp. 16/17: https://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2014_2019/plmrep/COMMITTEES/PECH/DV/2020/0611/COM_COM20200380_PT.pdf
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4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
11. 12. 13.
14.
Pelo menos 10% da superfície agrícola constituída por elementos paisagísticos de grande diversidade; Pelo menos 25% das terras agrícolas sob produção biológica e aumento significativo da adoção de práticas agroecológicas; Plantação de 3 mil milhões de novas árvores na UE, em pleno respeito dos princípios ecológicos; Progressos significativos na remediação de solos contaminados; Restabelecimento do curso natural de rios, numa extensão de, pelo menos, 25.000 km; Redução de 50% no número de espécies da Lista V ermelha ameaçadas por espécies exóticas invasoras; Redução de 50% das perdas de nutrientes provenientes dos fertilizantes, resultando na redução em, pelo menos, 20 % da utilização de fertilizantes; A mbiciosos planos de ecologização urbana nas cidades com, pelo menos, 20 000 habitantes. Fim da utilização de pesticidas químicos em zonas sensíveis, como as zonas verdes urbanas da UE; Redução substancial dos impactos negativos nas espécies e habitats sensíveis, nomeadamente no fundo marinho, em resultado de atividades de pesca e de extração, de modo a se alcançar um bom estado ambiental; Fim das capturas acessórias de espécies, ou redução para níveis que permitam a recuperação e a conservação das espécies.
A partir da estratégia acima mencionada, a UE pretende mais do que uma simples regulamentação, exigindo a participação das empresas, dos parceiros sociais, da comunidade de investigação e conhecimento, de parcerias a nível local, regional, nacional e europeu, sempre atenta ao respeito do princípio da subsidiariedade e da proporcionalidade, e almejando que em 2030 já sejam visíveis os avanços na área da biodiversidade.
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2.2. Agricultura A nalisaremos em conjunto o segundo e terceiro pilares estabelecidos no EGD, que pretende criar uma nova estratégia para a PA C (Política A grícola Comum), sob a denominação “Do Prado ao Prato” – versão portuguesa do “Farm-to-fork”. Pretende-se, com a criação desses pilares, incentivar e acompanhar os progressos da produção agrícola e segurança alimentar, da agricultura biológica, da agroecologia, da agrossivilcultura, do bem-estar animal, do uso dos pesticidas, entre tantas outras questões que visam estabelecer regras mais transparentes para a agricultura. Uma das questões importantes a tratar na Estratégia “Do Prado ao Prato” é a redução de utilização de pesticidas químicos em até 50%, bem como rever a iniciativa da Comissão relativa aos polinizadores, que são vitais para a segurança alimentar. A agroecologia tem como meta obter alimentos saudáveis e manter a produtividade, aumentando a fertilidade do solo e a biodiversidade e reduzir a pegada carbónica associada à produção alimentar. Já a agricultura biológica tem um grande potencial tanto para os agricultores como para os consumidores, com foco na criação de novos postos de trabalho e nos incentivos aos jovens agricultores. A agricultura biológica também proporciona entre 10 % e 20 % mais empregos por hectare do que as explorações convencionais e cria valor acrescentado para os produtos agrícolas. A intenção é destinar pelo menos 25 % das terras agrícolas da U E para o cultivo em modo de produção biológica até 2030. Para tanto, destaquemos algumas das metas propostas pela Comissão: criar um plano de ação para a agricultura biológica; ajudar os Estados-membros a estimular tanto a oferta como a procura de produt os biológicos; assegurar a confiança dos consumidores através de campanhas de promoção e de contratos públicos ecológicos e levar em conta as diferenças em termos de progressos já realizados nos Estados-membros.
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2.3. Energia Este pilar pretende descarbonizar o sistema energético da UE, com a promessa de ser a chave para alcancar a meta do A cordo de Paris até 2050: a neutralidade carbónica. A energia, gerada a partir de fontes renováveis, é a grande aposta para combater as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. Nesse sentido, a UE dará prioridade a soluções como a energia oceânica, a energia eólica marítima, que também favorece a regeneração de unidades populacionais de peixes, os parques solares, que proporcionam uma cobertura do solo favorável à biodiversidade, e a bioenergia sustentável. A Comissão reforçará os critérios de sustentabilidade a partir da revisão da Diretiva “Energias Renováveis” 28, com a transição para biocombustíveis avançados, baseados em resíduos, incluindo os resíduos não reutilizáveis e não recicláveis para atenuar os riscos climáticos e ambientais. T ambém a utilização de árvores inteiras e de culturas destinadas à alimentação humana ou animal, produzidas na UE ou importadas, para a produção de energia, deve ser minimizada, de acordo com a proposta apresentada. A crescente-se ainda que, conforme estabelecido no artigo 29.º daquela diretiva, a Comissão pretende desenvolver orientações operacionais sobre os novos critérios de sustentabilidade aplicáveis à biomassa florestal para fins energéticos e irá rever os dados sobre biocombustíveis com elevado risco de alteração indireta do uso do solo, definindo uma trajetória para a sua eliminação gradual até 2030. O objetivo principal é assegurar a consonância do quadro regulamentar da UE no domínio da bioenergia com a ambição acrescida estabelecida no EGD.
28
Diretiva (UE) 2018/2001, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis.
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2.4. Indústria Da neutralidade carbônica à economia circular rumo à industriaização verde é a proposta desse pilar, que pode ser uma oportunidade única para uma nova política industrial, nomeadamente em tempos pós-Covid. Criar novos mercados voltados para produtos neutros e circulares é uma das metas da Comissão Europeia na pretendida modernização do setor industrial, reforçando a meta do “carbono zero” no horizonte de 2030. A preocupação com a reciclagem também está nas prioridades da Comissão pois, de acordo com a Eurostat, apenas 12% das matérias utilizadas pela indústria da UE provêm da reciclagem. A ssim, a Comissão apresentará uma estratégia de fomento de produtos sustentáveis, com requisitos mínimos para evitar a colocação no mercado da UE de produtos prejudiciais ao ambiente 29. 2.5. Construção O EGD pretende trazer uma vaga de renovação de edifícios para um melhor desempenho energético, o que representará 40% da energia consumida. A Comissão Europeia também pretende lançar uma plataforma aberta com representantes do setor do imobiliário e da construção, arquitetos, engenheiros e autoridades locais com vista a desenvolver possibilidades de financiamento inovadoras, promover investimentos em eficiência energética dos edifícios e unir esforços de renovação em grandes agrupamentos a fim de realizar economias de escala30. Este pilar prevê ainda, sob o slogan “não deixar ninguém para trás”, o apoio aos cidadãos mais carenciados que poderão beneficiar de 29
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/api/files/attachment/859391/Sustainable_industry_pt.pdf.pdf 30 http://www.rederural.gov.pt/images/destaques/Building_and_Renovating_pt.pdf.pdf
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energia a preços mais baratos. Renovar as habitações sociais, escolas e hospitais também estão nas prioridades da proposta da Comissão Europeia. 2.6. Mobilidade sustentável e poluição A Europa pretende reduzir as emissões de gases com efeito estufa, geradas pelos transportes, que representam ¼ das emissões na UE. Com isso, pretende-se reduzir até 2050 a emissão de gases do transporte rodoviário, ferroviário, marítimo e aéreo em 90%. Segundo estatísticas de 2019, apresentada pela Comissão Europeia, a repartição das emissões de gases com efeito de estufa por modo de transporte são: rodoviário 71,7%; ferroviário 0,5%; marítimo 13,4%; e aéreo 13,9% 31. Por ser o transporte rodoviário o que mais necessita de atenção, diante dos números acima expostos, está previsto para 2025 o aumento para “cerca de um milhão de estações de reabastecimento e de recarga públicas para os 13 milhões de veículos sem emissões ou com baixo nível de emissões que se preveem em circulação nas estradas europeias” 32. T ambém haverá uma revisão da legislação derivada conhecida por “Céu Único Europeu”33, de modo a alcançar uma redução de até 10 % das emissões do transporte aéreo, tornando-o mais seguro e sustentável. A liás, neste pilar é intenção da Comissão Europeia alterar também o seu quadro normativo, tornando-o mais estrito quanto à poluição automóvel, a poluição nos portos e na qualidade do ar nas imediações dos aeroportos. A adoção de um plano de ação da Comissão Europeia para a “poluição zero” tem por objetivo prevenir a poluição na água, no ar e no
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Statistical Pocketbook, em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/fs_19_6726 https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/fs_19_6726 33 Pacote legislativo SES II - Regulamento (CE) n.º 1070/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009 32
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solo, pensando nos seus cidadãos e nos ecossistemas europeus, com as seguintes metas34: 1. Água limpa: Preservar a biodiversidade dos nossos lagos, rios e zonas húmidas. Reduzir a poluição especialmente nociva provocada pelos microplásticos e pelos produtos farmacêuticos. Reduzir a poluição causada por excesso de nutrientes, graças à estratégia «Do prado ao prato»; 2. Ar limpo: Rever as normas de qualidade do ar, em consonância com as orientações da Organização Mundial de Saúde. Proteger os cidadãos dos produtos químicos perigosos, por meio de uma nova estratégia de produtos químicos sustentáveis para um ambiente livre de substâncias tóxicas. Combinar uma melhor proteção da saúde com maior competitividade a nível mundial; 3. Setor industrial: Reduzir a poluição causada pelas grandes instalações industriais. A poiar as autoridades locais no esforço para proporcionar um ar mais limpo a todos os cidadãos. Desenvolver mais alternativas sustentáveis. Melhorar o quadro normativo que regula a avaliação das substâncias colocadas no mercado. Melhorar a prevenção dos acidentes industriais; 4. Produtos químicos: Proteger os cidadãos dos produtos químicos perigosos, por meio de uma nova estratégia de produtos químicos sustentáveis para um ambiente livre de substâncias tóxicas. Contudo, a Comissão Europeia publicou um relatório a alertar que a maior parte dos Estados-membros da UE não estava no bom caminho para reduzir até 2030 a poluição atmosférica e os impactos que
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“Eliminar a poluição”, em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/fs_19_6729
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provoca na saúde 35. V irginijus Sinkevičius, atual comissário responsável pelo ambiente, oceanos e pescas, faz o apelo: Em toda a Europa, demasiados cidadãos continuam em risco por causa do ar que respiram. Precisamos de medidas mais eficazes para reduzir a poluição em muitos estados-membros e para combater as emissões atmosféricas em todos os setores, incluindo a agricultura, os transportes e a energia. Nunca houve uma melhor ocasião para assegurar essas mudanças: investir num ar mais limpo equivale a investir na saúde dos cidadãos e na melhoria do clima e poderá constituir o novo impulso de que a nossa economia necessita para avançar. É essa a ideia subjacente ao Pacto Ecológico Europeu e a lógica exigida pela situação ambiental 36.
2.7. Clima A tingir neutralidade climática em 2050 é o grande objetivo da Europa e necessitará de um trabalho conjunto dos 27 Estados-membros, como estabelecido no “Compartilhamento de esforços 2021-2030: metas e flexibilidades” 37, com objetivos vinculativos de emissão de gases com efeito de estufa para 2021-2030, nos setores da economia que não se enquadram no âmbito do Sistema de Comércio de Emissões da UE. Estes setores, incluindo transportes, edifícios, agricultura, indústria e resíduos, são responsáveis por quase 60% das emissões domésticas totais da UE. Em tempos de pandemia, não será tarefa fácil manter o deadline do ambicioso pacote de medidas de ação climática, reforçado pelo EGD, 35
Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos efetuados na aplicação da Diretiva (UE) 2016/2284 relativa à redução das emissões nacionais de certos poluentes atmosféricos, de 26 de junho de 2020 36 https://visao.sapo.pt/atualidade/ambiente/2020-06-26-os-paises-nao-estao-a-cumprir-as-regras-dediminuicao-de-poluicao-diz-comissao-europeia/ 37 https://ec.europa.eu/clima/policies/effort/regulation_en
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que – para além dos esforços para alcançar as metas referentes às emissoões de gases de efeito estufa – prevê também o investimento em pesquisa e inovação de ponta na UE. T immermans alerta: a crise climática não perdeu a sua urgência, apesar de já não ser uma prioridade de topo para muitas pessoas. Mais do que nunca, as pessoas estão a focar-se no fim do mês e não no fim do mundo. Mas não podemos ignorar que a crise climática ainda é grande, maior até do que antes. Quando sairmos do confinamento físico, temos de evitar uma recuperação económica presa às velhas e poluentes tecnologias. O Green Deal não é um luxo demasiado caro, mas sim um investimento necessário 38.
3. EGD E COVID-19 A pós a análise dos pilares do EGD, que nasceu com pompa e circunstância em dezembro de 2019, como guião do recém-empossado executivo europeu, a questão que se impõe é a de saber se a pandemia ofuscará o “fio verde” da atuação de UvdL. Não há sombra de dúvida que cada um dos pilares foi pensado e construído para alterar a rota da União Europeia, na busca de um continente mais justo e sustentável. Dentre os pilares apresentados no capítulo anterior, constata-se a tónica no conceito da economia circular, que pretende ser o palco de uma transformação ecológica sem precedentes. O Plano de A ção para a Economia Circular visa os seguintes objetivos39: 1. Fazer com que os produtos sustentáveis passem a ser a norma na UE. A Comissão vai propor nova legislação em matéria de sustentabilidade 38
https://eco.sapo.pt/2020/04/28/nao-e-um-luxo-europa-mantem-aposta-no-green-deal/ https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_420?fbclid=IwAR306g8Eo9kkPGLiXtWIN uremU0U69Pt-pSTPhM6ODecHRlylG6-LtrdPug%2Fsmo 39
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dos produtos, a fim de garantir que os produtos colocados no mercado da UE sejam concebidos para durar mais tempo, sejam mais fáceis de reutilizar, reparar e reciclar e contenham, tanto quanto possível, materiais reciclados em substituição de matérias-primas primárias. Serão impostas restrições aos produtos de utilização única, a obsolescência prematura será combatida e a destruição dos bens duradouros não comercializados será proibida; 2. Capacitar os consumidores. Os consumidores terão acesso a informações fiáveis sobre questões como a reparabilidade e a durabilidade dos produtos, a fim de os ajudar a fazer escolhas sustentáveis do ponto de vista ambiental. Os consumidores beneficiarão também de um verdadeiro “direito à reparação”; 3. Concentrar a ação nos setores que utilizam a maior parte dos recursos e em que o potencial para a circularidade é elevado. A Comissão vai lançar medidas concretas nos seguintes setores:
eletrónica e TIC — uma “Iniciativa sobre a Eletrónica Circular” que permitirá prolongar a vida útil dos produtos e melhorar a recolha e o tratamento de resíduos; baterias e veículos — novo quadro regulamentar para as baterias a fim de reforçar a sustentabilidade e estimular o potencial de contribuição das baterias para a economia circular; embalagens — novos requisitos obrigatórios que definam os tipos de embalagens que podem ser colocadas no mercado da UE, incluindo a redução das práticas de sobre-embalagem; plásticos — novos requisitos obrigatórios no que toca ao teor de materiais reciclados e uma atenção especial aos microplásticos, bem como aos plásticos de base biológica e biodegradáveis;
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têxteis — uma nova estratégia da UE para os têxteis destinada a reforçar a competitividade e a inovação no setor e a impulsionar o mercado da UE para a reutilização dos têxteis; construção e edifícios — uma estratégia global para a sustentabilidade do ambiente construído que promova a aplicação de princípios de circularidade aos edifícios; alimentos — nova iniciativa legislativa em matéria de reutilização dos produtos, com vista a substituir as embalagens, artigos para serviço de mesa e talheres de utilização única utilizados no setor da restauração por produtos reutilizáveis;
Garantir a diminuição dos resíduos. Será dada prioridade à prevenção da produção de qualquer tipo de resíduos e à sua transformação em recursos secundários de elevada qualidade, que tirem partido do bom funcionamento do mercado das matériasprimas secundárias. A Comissão vai investigar a possibilidade de criar um modelo harmonizado, à escala da UE, para a recolha seletiva dos resíduos e a rotulagem dos produtos. O Plano de A ção propõe igualmente uma série de medidas destinadas a reduzir ao mínimo as exportações de resíduos da UE e a combater as transferências ilegais.
O novo conceito de economia circular foi explicado, com entusiasmo, pelo inefável T immermans40: Se pretendemos alcançar a neutralidade climática até 2050, preservar o nosso ambiente natural e reforçar a nossa competitividade económica, temos de criar uma economia 40
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_420?fbclid=IwAR306g8Eo9kkPGLiXtWIN uremU0U69Pt-pSTPhM6ODecHRlylG6-LtrdPug%2Fsmo
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totalmente circular. A tualmente, a nossa economia é, ainda, quase totalmente linear, e apenas 12 % dos materiais e dos recursos secundários são reintroduzidos na economia. Muitos são os produtos que se avariam de forma demasiada rápida, não podem ser reutilizados, reparados ou reciclados ou são concebidos para serem utilizados uma única vez. Existe um enorme potencial a explorar tanto no que se refere às empresas como aos consumidores. G raças ao plano hoje apresentado [11-12-2019], lançamos ações com vista a transformar a forma como os produtos são fabricados e a dar aos consumidores os meios que lhes permitam fazer escolhas sustentáveis em seu próprio benefício e em benefício do ambiente.
O já citado comissário Sinkevičius acrescentou: Só há um planeta T erra. No entanto, em 2050, o mundo vai consumir como se houvesse três. O novo plano permitirá integrar a circularidade nas nossas vidas e acelerar a transição ecológica da nossa economia. Propomos medidas decisivas para alterar o processo que está no topo da cadeia de sustentabilidade — a conceção dos produtos. A ções orientadas para o futuro permitirão criar oportunidades a nível das empresas e da criação de emprego, conceder novos direitos aos consumidores europeus, tirar partido da inovação e da digitalização e, tal como acontece na natureza, garantir que nada seja desperdiçado.
Na esteira desses pronunciamentos, 12 Estados-membros da UE 41 decidiram prestar solidariedade à Comissão Europeia, assinando em 09.04.2020 uma petição em favor do EGD, sob o título "Fazer da Recuperação da UE um Green Deal", sob o argumento de que esta crise é a grande oportunidade para uma recuperação, sem repetir os erros do passado. Os subscritores realçaram ainda que 41
Alemanha, França, Itália, Portugal, Espanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Letónia, Suécia, Países Baixos e Luxemburgo
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em poucas semanas, a pandemia arrasou o mundo, provocando uma tremenda tragédia humana e um retrocesso histórico cujo impacto completo ainda se desconhece, e insistiram que a prioridade é a luta contra a doença (covid-19) e as suas consequências imediatas. Deveríamos começar a preparar -nos para reconstruir a nossa economia e introduzir os planos de recuperação necessários para trazer progresso e prosperidade renovados e sustentáveis para a Europa e os seus cidadãos". Foi ainda expresso o desejo de enviar um sinal político ao mundo de que a União Europeia vai liderar o caminho para a neutralidade climática em 2050 e o cumprimento do A cordo de Paris, contra as "tentações de soluções a curto prazo 42.
Os Estados-membros signatários comprometem-se a trabalhar em conjunto, exortando a Comissão a aumentar os investimentos na mobilidade sustentável, em energias renováveis, na reabilitação de edifícios, na investigação e inovação, na economia circular e na diversidade biológica – justamente pilares do EGD. No entanto, algumas vozes dentro do Parlamento Europeu já se levantaram contra a aplicação do EGD, pelo menos para já, requerendo a suspensão das leis climáticas em prol da recuperação das empresas e das famílias. V ários grupos empresariais, na esteira do pleito do Parlamento Europeu, também advogaram no mesmo sentido, pedindo que “todos os elementos ‘não essenciais’ do Green Deal sejam adiados, ao qual associou-se a European Plastics Converters pedindo à Comissão Europeia para que os plásticos de uso único não fossem banidos” 43. Porém, apesar do “torbelino” que assolou o mundo e trouxe danos irreparáveis, afetando de forma avassaladora muitos Estadosmembros da UE, os dirigentes europeus permanecem convictos de que o EGD faz ainda mais sentido e a sua implementação será o novo destino 42
https://expresso.pt/coronavirus/2020-04-10-Covid-19-Recuperacao-economica-na-UE-deve-ser-verde.Alemanha-Franca-e-Italia-concordam-com-paises-como-Portugal 43 https://eco.sapo.pt/2020/04/28/nao-e-um-luxo-europa-mantem-aposta-no-green-deal/
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da União Europeia, mesmo que alguns dos pilares ali estabelecidos não tenham condições de avançar conforme planeado. 4. CONCLUSÃO A Europa poderá tirar o máximo partido da pandemia – que trouxe o caos, o pânico, a perda de tantas vidas, mas que abriu uma janela para redirecionar a bússola deste bloco regional, permitindo corrigir os erros do passado, com a possibilidade de proporcionar um mundo mais limpo, mais saudável e mais justo. A expectativa é a de que o EGD sobreviva à pandemia, até porque este foi projetado para o centro do plano de recuperação económica apresentado pela chefe do executivo da UE, em 27 de maio de 2020. A trelar os fundos e empréstimos que virão dos cofres europeus para os Estados, a gastos que cumpram regras constantes no Green Deal foi a jogada de mestre de UvdL. Portanto, este ousado Pacto está longe de ser considerado um luxo; é, sim, a viragem para um novo capítulo da história da Europa. E a geração atual e as futuras agradecem!
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CAPÍTULO 5 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E NEW GREEN DEAL: POR UMA EUROPA MAIS ECOLÓGICA E A BUSCA PELA NEUTRALIDADE CLIMÁTICA Jamile Bergamaschine Mata Diz 44
RESUMO: o presente artigo tem por objetivo correlacionar o desenvolvimento sustentável, como premissa e valor fixados pela União Europeia a partir de seus tratados fundacionais e demais normas comuns, com a proposta estabelecida pela Comissão Europeia, em dezembro de 2020 intitulada New G reen Deal, especialmente a partir das considerações relativas à neutralidade climática. T em -se como elemento essencial a evolução da normativa europeia aplicável aos câmbios climáticos, bem como a proposta de Regulamento da chamada Lei Europeia do Clima. Utilizaram-se os métodos histórico e dedutivo para que se pudesse compreender a crescente expansão do “esverdeamento” das políticas europeias. Conclui-se que, apesar das incertezas geradas pela crise atual, há passos relevantes para que a política ambiental europeia possa seguir avançando em direção à maior proteção ambiental. PA LAVRAS-CHAVES: New Green Deal; União Europeia; Desenvolvimento sustentável; neutralidade climática A BSTRA CT: T his article aims to correlate sustainable development, as a premise and value set by the European Union based on its foundational treaties and other common standards, w ith the proposal established by the European Commission in 44
Cátedra Jean Monnet Direito UFMG. Coordenadora do Centro de Excelência Europeu Jean Monnet UFMG. Doutora em Direito Público/Direito Comunitário pela Universidad Alcalá de Henares - Madrid. Mestre em Direito pela UAH, Madrid Master en Instituciones y Políticas de la UE - UCJC/Madrid. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da ESDHC e da FDMC. Professora do PPGD da Universidade de Itaúna. Coordenadora da Rede de Pesquisa “Integração, Estado e Governança”. E-mail: jmatadiz@yahoo.com.br.
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December 2020 entitled New G reen Deal, especially from considerations regarding climate neutrality . A n essential element is the evolution of European regulations applicable to climate change, as w ell as the proposal for a Regulation of the so called European Climate Law . Historical and deductive methods w ere used to understand the grow ing expansion of the " greening" of European policies. It is concluded that, despite the uncertainties generated by the current crisis, there are relevant steps so that European environmental policy can c ontinue to move tow ards greater environmental protection. KEY WORDS: New Green Deal; European Union; Sustainable development; climate neutrality
1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento sustentável, como premissa, objetivo e valor da União Europeia foi, pouco a pouco, ganhando espaço no contexto da formulação das políticas públicas europeias, estabelecendo-se como marco paradigmático para a atuação da própria União, bem como seus Estados-membros, na medida em que foi sendo desenvolvida uma política ambiental comum, a partir da adoção de medidas destinadas ao meio ambiente a partir de uma concepção comum de proteção e garantia ambiental. A discussão sobre tais políticas, também chamadas setoriais, vincula-se diretamente com a questão das competências da UE para decidir e aplicar normas relativas à proteção ambiental, considerando o rol competencial estipulado pelo T ratado de Funcionamento da União Europeia (LISBOA , 2009). Conforme mencionado (MA T A DIZ; FONT ES; CA LDA S, 2020), tanto a União como os Estados-Membros possuem competência decisória em matéria ambiental, sendo essa de natureza compartilhada devendo-se, portanto, neste caso, comprovar a devida aplicação do
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princípio da subsidiariedade, conforme Protocolo n. 2 do T ratado de Lisboa. No atual instrumento normativo fundacional – T ratado de Lisboa – o princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se explicitamente delimitado no A rt. 11 do T ratado de Funcionamento da União Europeia (T FUE) ao estabelecer que “A s ex igências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e ex ecução das políticas e ações da União, em especial com o objetivo de promover um desenvolvimento sustentável.” T ambém o A rt. 191 T FUE prevê – de forma similar à disposição do A rt. 174 do T ratado da União Europeia (TUE) – os objetivos e princípios aplicados pela UE em matéria ambiental, destacando-se como elemento mais inovador a inclusão da mudança climática como tema prioritário na agenda ambiental comum. O enfoque do presente trabalho será analisar a concepção e evolução do desenvolvimento sustentável na União Europeia e a busca pela chamada neutralidade climática – que abarca, entre outros aspectos, a redução dos gases de efeito estufa e a alteração da matriz energética para uma composição renovável – a partir dos documentos estabelecidos pela própria União no marco dos programas de ação e da normatividade comum que vendo sendo adotada e que deve ser observada pelos Estadosmembros. A metodologia de trabalho deverá centrar-se nos aspectos principais estabelecidos para uma pesquisa interdisciplinar que envolve temas de direito ambiental e seu tratamento pelo Direito Europeu, devido especialmente ao caráter específico e singular que deve estar presente em toda análise de um sistema jurídico cujo foco se baseia em alcançar o crescimento econômico com a devida proteção ambiental. Neste sentido, devem-se utilizar métodos que permitam analisar a concepção e evolução do desenvolvimento sustentável no marco do novo Pacto Ecológico, em especial sob a perspectiva da neutralidade climática, adotado pela União Europeia em 2019. Os métodos histórico e indutivo permitirão estabelecer a influência dos programas de ação na
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criação de uma política ambiental comum que se fundamenta no desenvolvimento sustentável e no já citado princípio da integração, em um sistema voltado efetivamente para a proteção do meio ambiente. 2. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO ELEMENTO PROPULSOR PARA A PROTEÇÃO AMBIENTAL 45 É cediço afirmar que a Conferência das Nações Unidas para o Meio A mbiente Humano, ocorrida em Estocolmo, em 1972, serviu como um marco do desenvolvimento do Direito A mbiental Internacional, em grande parte devido à criação do conceito de desenvolvimento sustentável, ao possibilitar a conjugação do crescimento econômico com a proteção ambiental, além de inserir a temática da proteção no âmbito da chamada “Nova A genda Internacional”. O princípio do desenvolvimento sustentável se baseia em dois tipos de solidariedade que se complementam, bem elucidado nas palavras de Sachs (2009, p. 28) “a solidariedade sincrônica com as gerações presentes e a solidariedade diacrônica com as gerações futuras.” Para Silva, o “princípio do desenvolvimento sustentável conduz, portanto, os Estados a adotarem uma visão holística, da interdependência da biosfera, das relações entre os seres humanos e destes com o meio ambiente, quer dizer, integrar as políticas de desenvolvimento e meio ambiente.” (2009, p. 105) A inda, no caso específico da União Europeia a previsão expressa do princípio da integração ambiental propiciou um avanço significativo para a promoção da variável ou pilar ambiental ao imbricá-la na elaboração, aplicação e controle de todas as ações, programas e projetos adotados pela UE. Como metaprincípio do direito ambiental, o desenvolvimento 45
Parte das ideias aqui contidas foram anteriormente desenvolvidas em Mata Diz e Soares Almeida (2014), com acréscimos e modificações.
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sustentável perpassa toda e qualquer iniciativa, de natureza governamental ou não, pública ou privada, além de servir como fundamento mandamental para a criação de novos princípios, normas e atos que promovem a devida proteção ambiental, sempre com foco em incrementar tal nível de proteção. A inda, apesar de críticas vinculadas ao seu caráter não vinculante sua consideração/categorização como princípio do direito internacional, conforme Low e (1999), é inegável que o desenvolvimento sustentável foi alçado à condição de metaprincípio ao estabelecer a busca “por equilíbrio dos interesses conflitantes de crescimento econômico, proteção ambiental e justiça social, seja em decisões judiciais, seja na elaboração de normas e políticas a nível nacional e internacional” (2013, p. 15). Para Fitzmaurice (2002, p. 47), “[… ] the concept of sustainable development has become a buzzw ord of the present area. It is the most used (or perhaps even over-used) term w hich exists in the field of environmental protection”. A compreensão do desenvolvimento sustentável, conforme a doutrina, incia-se com a teoria estipulada por Elkington (2004) a partir dos chamados três pilares (triple bottom line – profit, people and planet), sendo posteriormente agregado novos elementos a partir da A genda 2030 da Organização das Nações Unidas e dos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS, ONU, 2012), ato internacional que atua como uma espécie de “farol” para que os Estados e demais atores possam estabelecer políticas, ações e programas voltados para a concretização dos pilares e elementos nele inseridos. No aspecto prático, a partir da supracitada definição, resta saber o conteúdo, alcance e destinatários do princípio de forma que sua aplicação possa ser efetivamente comprovada, resguardando-se, assim, a devida execução das políticas com a consequente inclusão do desenvolvimento sustentável, com o controle que poderá ser exercido pelas instituições competentes (Comissão Europeia e T ribunal de J ustiça da União Europeia).
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O binômio desenvolvimento sustentável / integração ambiental incorpora-se, paulatinamente, na conformação de um sistema ambiental europeu que se inicia na década de 1970, culminando em 2019 com a adoção do Pacto Ecológico que deverá guiar toda atuação da União até o ano de 2050. Conforme será analisado, trata-se de um planejamento estratégico voltado para distintos setores e políticas que podem colocar em xeque o grau de proteção ambiental determinado pelo referido sistema ambiental baseado, justamente, nas políticas e programas que foram anteriormente adotados pela UE. Note-se que a efetivação do Pacto deverá resultar num completo “greening” das políticas europeias, cuja alcance poderá, inclusive, afetar os parceiros comerciais que com a União mantém acordos e/ou negociações. A ssim manifesta a doutrina sobre uma possível ação externa da UE para a manutenção do grau de proteção elevado, ainda que em sua composição, com atores extrazona: A lthough the free trade agreements containing the sustainable development principles date back to the 1990’s, the search for a more systematic and coherent approach to sustainable development in EU trade agreements w as started much later, in the late 2000‟s. T he inclusion of the common trade policy into the goals and principles of the EU external action under the Lisbon T reaty has led to changes in this area by transition to a more value-oriented approach tow ards the trade policy (Bahar, 2018). T he European Parliament takes a proactive stance t o inclusion of sustainable development provisions in the EU common trade policy, including the trade agreements. (MA LOLIT NEV A ; DZHA BRA ILOV , 2018, p. 168)
Especificamente, no que tange ao conteúdo do referido princípio, considerado como elemento essencial para sua efetividade, conforme assinalado por García; Mata Diz e T homé (2020, p. 126) determinar os preceitos que devem definir o conteúdo, atualmente, envolve também a adoção de mecanismos,
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instrumentos e estudos de prospecção e avaliação ambiental, alé m dos dispositivos relacionados a estudos e avaliações de impacto ambiental, além de categorizar o desenvolvimento por elementos de natureza mais efetiva, concretizando seu valor jurídico como subjacente à noção de sustentabilidade.
Ultrapassando a questão da discussão teórica sobre o mencionado princípio, deve-se verificar em que medida as instituições (no caso em tela da UE), efetivamente, conseguiram consolidar a aplicação do desenvolvimento a partir não só do aspecto regulador (fixação de normas destinadas a assegurar sua efetividade), mas também de controle e observância do referido aspecto regulador, poder esse realizado pelo T ribunal de Justiça da União Europeia. 3. O DESENVOLVIMENTO EUROPEIA 46
SUSTENTÁVEL
NA
UNIÃO
É preciso ressaltar, inicialmente, a natureza extremamente geral e abstrata do princípio. Ele não fornece soluções de aplicabilidade prática, mas se constitui num valor a ser seguido, como um ideal na formulação de políticas públicas e no desenvolvimento da legislação e da jurisprudência, tanto nacional quanto internacional. A sua figuração no preâmbulo de um tratado internacional dá alguma ideia dos objetivos que os seus dispositivos mais práticos perseguem. Em relação à sua previsão normativa pelo sistema europeu, devese mencionar, conforme será analisado posteriormente que o desenvolvimento sustentável elenca-se como objetivo da União Europeia (UE), conforme dispõe o artigo 3º , numerais 3 e 5 do T ratado de Lisboa, buscando, justamente, conferir-lhe um tratamento diferenciado que irá perpassar todo o sistema jurídico, político, social e econômico da UE. 46
Capítulo anteriormente desenvolvido e aqui inserido, com acréscimos e modificações, do texto de Mata Diz, 2019.
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Os debates logrados pela Conferência de Estocolmo com a consequente adoção de uma Declaração sobre o meio ambiente, fez com que a então Comunidade Europeia convocasse uma reunião de Chefes de Estado e Governo, denominada Cúpula de Paris (1972), na qual se reconheceu a importância da problemática meio ambiental e onde se determinou às instituições competentes a elaboração de um plano de ação em matéria ambiental. Não obstante, ainda que se considere a Cúpula de Paris como ponto de partida da política comunitária, a Comissão Europeia antes mesmo desta data já havia demonstrado interesse em discutir o tema ambiental, segundo se depreende do memorando dirigido ao Conselho em julho de 1971. Neste documento foram propostos os objetivos que a política europeia do meio ambiente deveria adotar, assim como os meios jurídicos e financeiros para colocá-los em prática, e as ações prioritárias que deveriam ser empreendidas naquele momento. (MOLINA DEL POZO, 2002). Segundo Perales (2000, p. 65) foi somente com a adoção de políticas mais profundas de integração, que normas comunitárias passaram a ser ditadas sobre a matéria: La política ambiental es una cuestión relativamente nueva en el ámbito de la UE. El T ratado de Roma de 1957 por el que se creó la Comunidad Económica Europea no se refería de modo expreso al medio ambiente; sería con posterioridad, cuando la cuestión ambiental surge con fuerza a nivel internacional, que la CEE empezaría actuar en este ámbito.
Nesse mesmo sentido, afirma Kramer (1999, p. 13-14) que Conceptos como ‘ambiente’, ‘protección ambiental’ o ‘política ambiental’ estaban ausentes en la versión original del T ratado de 1957. A pesar de ello, la Comunidad adoptó, incluso antes de 1987, numerosas medidas de protección ambiental, que pueden
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agruparse bajo la rúbrica general de ‘política ambiental comunitaria’. De hecho, poco después de la entrada en vigor de los T ratados de Roma se puso de manifiesto que la creación de una Comunidad Económica Europea con un mercado común, en el que las fronteras nacionales y a no representarían fronteras económicas, hacía surgir la necesidad correlativa de mecanismos comunitarios de salvaguardia del hombre y del medio ambiente. De ahí que, desde la finalización del período transitorio para la construcción del mercado común, la CE se haya ido comprometiendo cada vez más en actividades de protección del medio ambiente.
Segundo a doutrina (L EIT E, 2004), a primeira norma ambiental adotada pela então Comunidade Europeia foi a Diretiva 67/548 da CEE, de 1967 relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas vinculadas à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas. Essa lacuna não foi motivo para impedir que uma série de padrões a serem seguidos sobre a matéria fossem criados e as discussões fossem colocadas em pauta dentro da eurocomunidade, especialmente com o advento da Diretiva 70/157, de 6 de fevereiro, sobre níveis de ruídos e da Diretiva 70/220, de 20 de março, sobre emissões de gases contaminantes por veículos a motor (García, 1993), abrindo espaço para que, a partir deste momento, fossem adotadas mais de 300 diretivas e regulamentos que abarcavam todas as searas do meio ambiente. Somente a partir da década de 70, quando os impactos do descaso com o meio ambiente começaram a ser notados através do aumento da poluição em dimensões globais, iniciaram-se as discussões para a criação de uma agenda ambiental em um nível global, tendo como marco principal a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio A mbiente, em 1972, conforme já analisamos. E foi também nesse ano que o Conselho Europeu adotou, em 22 de novembro, seu primeiro programa de ação relativo ao meio ambiente,
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frisando a necessidade de avançar na construção de uma política ambiental que se integrasse no esquema comunitário, ao estabelecer que [...] conforme el artículo 2 del T ratado, es tarea de la CEE promover en la Comunidad un desarrollo armonioso de actividades económicas y una expansión continua y equilibrada, que ahora no puede imaginarse con ausencia de una campaña efectiva para combatir la polución y de una mejora en la calidad de vida y la protección del medio ambiente. (PERA LES, 2000, p. 65)
Sobre esse período, escreve ainda Perales (2000, p. 67) que “a partir de 1972 la cuestión ambiental formará parte del cuerpo legal de la CEE, primero de modo indirecto (como medio para garantizar el mercado común), y después de modo directo, como política que ‘per se’ deba formar parte de los objetivos de la UE”. Porém, controvérsias surgiram acerca dos fundamentos jurídicos necessários para determinar a competência comunitária sobre o meio ambiente na Comunidade, já que o artigo 2º do T ratado CEE não atribuía potestades à Comunidade, ou seja, poder para legislar sobre a matéria no marco das competências atribuídas pelos Estados à então Comunidade. Nesse sentido conforme Ruiz (1999, p. 429) En los T ratados constitutivos, no existía base jurídica precisa que postulara la implantación de una política comunitaria del medio ambiente. Este silencio de los T ratados se comprende fácilmente si se considera que, en los años cincuenta, los conceptos de “política del medio ambiente” o de “protección del medio ambiente”, en el sentido que tienen hoy , no se conocían; por ello no es de extrañar que, durante los primeros años de su andadura, la Comunidad funcionara sin tomarlos en consideración.
Foi através do A to Único Europeu (A UE 1986-1987), em seu artigo 130, que foi introduzida a pauta do meio ambiente nos instrumentos fundacionais da Comunidade. Neste instrumento, foi
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determinada a necessidade de harmonização das normas ambientais com as políticas econômicas no recém-formado mercado comum. Mateo (1991, p. 450) ao comentar a importância do A UE para a formação de um direito ambiental comunitário, especifica que tal instrumento “supone el respaldo jurídico al más alto nivel de las preocupaciones comunitarias en este campo, superando-se así su relativa orfandad legal, que había obligado a arroparle, un tanto forzadamente, bajo la cobertura de otros apoderamientos conexos suscitando-se con ello sensibles inconvenientes (...)”. A inda, o caráter jurídico que justificava a competência da União Europeia para legislar sobre assuntos do meio ambiente foi confirmado, naquele momento, por sentença do então T ribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Este julgado determinou que o meio ambiente é interesse ou valor atendível juridicamente, e que se encontrava especificamente vinculado ao comércio intracomunitário (GA RCÍA , 1993). Conforme a doutrina, deve-se ressaltar que, o período posterior a 1986 foi o mais profícuo para o tratamento das questões ambientais, uma vez que a inclusão no instrumento jurídico fundacional da UE especificava um lugar de destaque para a matéria ambiental, além de determinar um grau maior de aprofundamento destinado à conformação de uma política comum, de natureza não-econômica, ainda que por esta altamente influenciada. Segundo Fernandez (2003, p. 56), tal período foi um momento de expansão, “cuando la política medioambiental experimenta su máximo desarrollo legislativo y es ‘legitimada’ políticamente a través del A cta Única Europea (A UE).” Já o T ratado de Maastricht de 1992 alçou a União Europeia à categoria de união econômica e monetária, modificando o conteúdo ambiental existente no A UE ao inseri-lo no T ítulo X V I. Este instrumento foi consolidado ao ser incorporado - juntamente com todos os outros T ratados já existentes - ao T ratado de A msterdam de 1997, em vigor a partir de 1º de maio de 1999. Os artigos 174, 175 e 176 do
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T ratado de Maastricht, foram os responsáveis por finalmente dar tratamento específico à matéria do meio ambiente nas políticas comunitárias (KRA MER, 1999). Por meio destes artigos, determinou-se que as exigências em matéria de proteção do meio ambiente passariam a integrar-se na definição, adoção e aplicação das demais políticas comunitárias, codificando o princípio da integração que foi também incorporado ao artigo 11 do T ratado de Lisboa. Esse T ratado, por sua vez, ao estabelecer o desenvolvimento sustentável como objetivo da União criou mandamento obrigatório de que todas as ações, políticas, programas e medidas comunitárias tenham como foco concretizar os pilares do desenvolvimento sustentável, conforme comentamos anteriormente. T al objetivo impregna, ainda, toda atuação exterior da União e todos os âmbitos e competências dadas a esta organização supranacional, conforme assinalam Llombart e Peris (2003, p. 40) Respecto al desarrollo sostenible, el T ratado de Lisboa consolida este principio y aporta precisión a su definición. Señala que el desarrollo sostenible es uno de los objetivos fundamentales de la Unión en sus relaciones con el resto del mundo. El medio ambiente es un ámbito en el que la Unión y los Estados Miembros tienen competencias compartidas. La intervención de la Unión consiste en obtener una serie de objetivos, como son preservar, proteger y mejorar la calidad del medio ambiente, proteger la salud de las personas, promover una utilización racional y prudente de los recursos naturales, y fomentar medidas a escala internacional para hacer frente a los problemas regionales o mundiales del medio ambiente.
Uma questão interessante é que ao aderir aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a União também se compromete a adotar as medidas necessárias para o cumprimento efetivo dos mesmos. Recorde-se que os ODS são considerados como metas a serem alcançadas
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pelos Estados visando, justamente, equacionar os pilares tradicionais do desenvolvimento sustentável, com novos parâmetros como a paz, prosperidade e solidariedade. Nesse sentido, a UE dentro das chamadas “Prioridades da Comissão para 2015-2019” estabeleceu 10 componentes que encontram, em maior ou menor medida, consonância com os 17 objetivos globais elencados na A genda 2030, a partir de graus de aproximação consideradas como altos, médios e baixos. T al classificação se refere à uma aproximação maior ou menor entre os ODS e as Prioridades. A inda, como a UE é uma organização com propósitos e objetivos próprios, destinados à observância dos seus membros, há prioridades muito específicas, como é o caso daquelas diretamente vinculadas com o mercado comum e com a união econômica e monetária (MA T A DIZ, 2019). A inda, deve-se atentar que existem outros instrumentos da União Europeia47 que se coadunam com as metas e objetivos da A genda 2030 como ferramenta dos ODS, contudo, a principal finalidade foi trazer um esquema exemplificativo que demonstre a consonância entre a inserção do princípio do desenvolvimento sustentável como objetivo da UE pelos T ratado de Lisboa e os esforços empreendidos para concretizá-lo no marco dos ODS. Finalmente, ainda que não seja o objeto principal deste trabalho mencionar a importância do T ribunal de Justiça da União Europeia para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável, em especial no que tange à proteção ambiental.
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Como exemplo cite-se: Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones. Próximas etapas para un futuro europeo sostenible Acción europea para la sostenibilidad - COM/2016/0739 final, disponível em https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/communication-next-steps-sustainable-europe20161122_en.pdf, acesso em 13 jul 2018.
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4. O PACTO ECOLÓGICO EUROPEU E O “ESVERDEAMENTO” INTEGRAL DA UNIÃO EUROPEIA A PARTIR DA NEUTRALIDADE CLIMÁTICA O Pacto Ecológico Europeu – conhecido como Green Deal – representa, sem dúvida, resultado direto das iniciativas anteriores já consolidadas no âmbito da UE sempre levando-se em consideração uma trajetória pautada no desenvolvimento sustentável e fundamentada na integração ambiental, conforme analisado anteriormente. A discussão sobre uma “Europa mais V erde”, portanto, não é recente e encontra-se cada vez mais consolidada não só no planejamento, execução e controle das políticas setoriais, como também na atuação das instituições comunitárias e dos próprios Estados-membros. T rata-se de estabelecer, de forma cada vez mais profunda e continuada, os pilares do desenvolvimento sustentável a partir de ações concretas, delimitadas por um corpus normativo capaz de lograr tal objetivo. Na Comunicação da Comissão intitulada T he European Green 48 Deal , encontra-se a síntese de todos os aspectos que foram analisados para que o Pacto possa realmente conjugar-se com as ações realizadas e aquelas em andamento, buscando criar um espaço único para a tomada de decisões sempre ancorada na premissa da sustentabilidade. Uma das questões mais importantes que surgem do referido documento é a menção expressa que o Pacto será o instrumento essencial para que a UE possa, efetivamente, cumprir os compromissos estabelecidos na A genda 2030 e nos ODS’s. Conforme assinalado no referido documento (COMISSÃ O, 2019, p. 3) O Pacto Ecológico é parte integrante da estratégia desta Comissão para executar a A genda 2030 e concretizar os Objetivos de 48
Comunicação da Comissão – Pacto Ecológico Europeu. Bruxelas, 11.12.2019. COM(2019) 640 final, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52019DC0640&from=EN, acesso em 02.03.20.
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Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, bem como as outras prioridades anunciadas nas orientações políticas da presidente Ursula von der Leyen. No âmbito do Pacto Ecológico, a Comissão irá reorientar o processo de coordenação macroeconómica do Semestre Europeu para integrar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, a fim de os colocar no âmago do processo de elaboração de políticas e de adoção de medidas, e de centrar a política económica em torno da sustentabilidade e do bem-estar dos cidadãos.
Dessa forma, nota-se que há preocupação em cumprir não só os programas e políticas fixados no âmbito das competências da União, mas também de servir como ponte para que os compromissos internacionais, cuja impulso também se deve à atuação da UE, possam concretizar -se. Como documento inicial que propiciou a elaboração do Pacto, a Comunicação anteriormente citada menciona aspectos importantes que foram cruciais no momento de estabelecer as principais matérias que constam do Green Deal, com especial menção para a neutralidade climática, inserindo-se aí as questões relativas às mudanças climáticas. T rata-se de um tema de especial importância para a UE que pode ser demonstrado, inclusive, com sua precisa e clara atuação para a entrada em vigor do Protocolo de Quioto e para o desenrolar do A cordo de Paris e das Conferências das Partes (COP’s). No âmbito das discussões de Quioto, a UE adoptou diferentes estratégias que culminaram, em maior ou menor grau, na adoção de um marco regulatório comum a ser aplicado pelos países membros. Uma das principais estratégias foi consagrada na então Comunicação da Comissão49, de 9 de fevereiro de 2005, cujo título "V encer a batalha contra as alterações climáticas globais" já prenunciava a vontade de cumprir os compromissos assumidos em Quioto que, por sua vez, haviam sido aprovados pela Decisão do Conselho 2002/358/CE, de 25 49
Comunicación de la Comisión, de 9 de febrero de 2005. “Ganar la batalla contra el cambio climático mundial”. COM (2005) 35 - Diario Oficial C 125 de 21.5.2005.
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de abril de 200250. Destaca-se também a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 3 de junho de 1998, que estabeleceu os critérios para uma estratégia comunitária pós-Kyoto. Na Comunicação de 2005, a Comissão indicou quais seriam os pilares para que a luta contra as mudanças climáticas pudesse gerar os efeitos necessários para atingir este objetivo, nomeadamente: o risco climático e a vontade política necessária para enfrentá-lo; participação internacional na concretização dos instrumentos contra as mudanças climáticas; a inovação necessária para uma mudança nos métodos de produção e uso da energia; e a adaptação dos países aos efeitos inevitáveis de tais mudanças. Em outras palavras, a Comissão pretendia estabelecer os principais aspectos que deveriam conduzir a uma agenda específica no marco da política ambiental comum, determinando os elementos decisivos para a incorporação de Quioto e a adoção de regulamentos vinculantes para os Estados membros. Posteriormente, a Comunicação adotou a Comunicação sobre política energética51 (10 de janeiro de 2007), considerada como eixo central para a construção de um “pacote energético” o qual que enumera ações vinculadas ao mercado interno de energia, segurança do abastecimento, eficiência energética, fontes de energia renováveis, tecnologias energéticas ou mesmo política energética internacional. Nesta Comunicação, a Comissão sublinhou que a eficiência energética resultaria numa consequente redução dos gases de feito de estufa, tendo assim um impacto direto na luta contra as mudanças climáticas.
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2002/358/CE: Decisão do Conselho, de 25 de Abril de 2002, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo de Quioto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao cumprimento conjunto dos respectivos compromissos 51 Comunicación de la Comisión al Consejo, al Parlamento Europeo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones - Limitar el calentamiento mundial a 2 ºC - Medidas necesarias hasta 2020 y después {SEC(2007) 7- SEC(2007) 8} COM/2007/0002 final, disponível em https://eurlex.europa.eu/legal-content/ES/TXT/HTML/?uri=CELEX:52007DC0002&from=EL, acesso em 12.05 2010.
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A o realizar a análise dos resultados das ações então propostas na Comunicação de 2005, a Comissão propôs uma revisão dos objetivos por ela atribuídos aos Estados (relativos às ações e não aos limiares em si) e traçou uma nova estratégia de “longo prazo”, estabelecendo um período que se prolongaria para além de 2020. T al estratégia desenvolvida no âmbito da Comunicação da Comissão, de 10 de janeiro de 2007, intitulada "Limitar o aquecimento global a 2 º C - Medidas necessárias até 2020 e mais além", considerada um fator essencial para fortalecer o regime comunitário de Comércio de Direitos de Emissão de Gases de Efeito Estufa (ET SC) e, também, para reafirmar o compromisso de reduzir suas emissões domésticas em, pelo menos, 20% (vinte por cento) até 2020 (em relação aos níveis de 1990), independentemente dos resultados das negociações internacionais. T ambém se pode observar na Comunicação que a UE considerou importante melhorar as ações globais relacionadas com as mudanças climáticas e propôs as seguintes medidas: i) expandir e racionalizar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto pelo Protocolo de Quioto em setores nacionais; ii) melhorar o acesso ao financiamento por meio de uma combinação dos diferentes instrumentos disponíveis, especialmente relacionados à produção de energia limpa; iii) estabelecer regimes de comércio de direitos de emissão nos setores industriais que possuem recursos adequados de controle de emissões; iv) adotar compromissos quantificados apropriados por parte dos países que alcançaram um nível de desenvolvimento comparável ao dos países desenvolvidos; v) reavaliar a ausência de compromisso para os países menos desenvolvidos. Em relação aos gases de efeito de estufa, a UE adotou um sistema de emissões diferenciado em função dos custos de mitigação enfrentados pelos diferentes Estados-Membros e das assimetrias no desenvolvimento econômico e industrial destes Estados, criando assim diferentes limiares
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que devem ser cumpridos internamente a partir de forma de garantir a redução de 20% (vinte por cento) pela UE fixada unilateralmente. T ais limites foram devidamente regulamentados pela Decisão n. 406/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de abril de 2009. Especificamente, “la Unión Europea ha querido ir más allá en la asunción de sus compromisos de reducción, llevando a la Conferencia de Copenhague la limitación de hasta el 30% de las emisiones (… ).” (GA RCÍA , 2013, p. 660). A tal efeito, a UE gerou diversas estratégias e regulamentos que, embora não diretamente relacionados com os limites de emissão de gases de efeito de estufa, influenciam, claramente, a questão das alterações climáticas, podendo citar a política energética e utilização de energias renováveis, visto que a UE estabeleceu um aumento da eficiência energética de 20% (vinte por cento) e um incremento de energias renováveis de 20% (vinte por cento) na matriz energética da União. Juntamente com a proposta de redução das emissões de gases com efeito de estufa em 20% (vinte por cento), a UE adotou o chamado objetivo 20/20/20. Outro documento importante adotado pela UE relacionado com as mudanças climáticas é o Relatório denominado “2030 Framew ork for climate and energy policies 52” que deu origem à comunicação intitulada "Um quadro estratégico sobre clima e energia para o período 2020-2030", onde a Comissão elaborou uma estratégia prospectiva que deve ser aplicada até 2050, levando-se em consideração o “Roadmap” elaborado para projetar-se até 2050, procurando conciliar o crescimento económico com os objetivos relacionados com o combate às mudanças climáticas. Como Hidalgo García (201, p. 3) assinala, os objetivos da nova estratégia da UE em matéria de clima e energia podem ser resumidos da seguinte forma: 52
Disponível em http://ec.europa.eu/clima/policies/2030/index_en.htm, acesso em 12.04.2016.
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a) Redução das emissões internas de gases de efeito estufa em 40% em relação aos níveis de 1990; b) Fixação de 27% para as energias renováveis em toda a União, mas sem fixação de metas nacionais; c) Eliminação do apoio público a partir de 2020 para biocombustíveis à base de culturas alimentares; d) A matriz energética deve atingir 45% de utilização de energias renováveis em relação ao total produzido; e) Estabelecer um mercado integrado de energia que represente poupanças entre 40.000 e 70.000 euros até 2030. Para tal, é necessário promover um maior dinamismo e concorrência nos mercados retalhistas de gás e energia. f) Estabelecer uma reserva de créditos de carbono a ser utilizada se o crescimento económico da UE o exigir no futuro; e g) Promover a segurança no abastecimento de energia. Do mesmo modo, na citada Comunicação de 2014 53, a Comissão apresenta dados relevantes onde se podem verificar os avanços registados nesta matéria, sendo um dos principais o índice alcançado para os gases com efeito de estufa e a utilização de energias renováveis. V ale destacar conforme García (2013, p. 661) que además de las emisiones de los gases previstos en el Protocolo de Kyoto, la Unión Europea ha adoptado el Reglamento CE 842/2006, del Parlamento y del Consejo de 17 de mayo de 2006, que regula los Gases Fluorados de Efecto Invernadero (contenidos fundamentalmente en aparatos de refrigeración, aire acondicionado, bombas de calor y sistemas de protección contra incendio), y que tiene como objetivo principal contener, prevenir y reducir las emisiones de los mismos, estableciendo para ello un conjunto importante de acciones. 53
Comunicación de la Comisión al Parlamento europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones - Un marco estratégico en materia de clima y energía para el periodo 2020-2030. Bruselas, 22.1.2014 COM (2014)15 final
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A inda, como parte integrante da trajetória da UE destinada a alcançar a neutralidade climática deve-se mencionar a Comunicação da Comissão54 adotada em 2018 intitulada “Um Planeta Limpo para T odos – Estratégia a longo prazo da UE para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima”, documento que assinala distintos aspectos que devem ser adotados para a transição de uma economia circular, sustentável e cujo objetivo assenta-se na reafirmação dos compromissos assumidos pela Europa em relação às metas de Quioto e dos ODS’s. Nota-se neste documento a conjugação de esforços visando combinar tanto a agenda internacional quanto as metas já previamente fixadas pela União e anteriormente analisadas. A transição para uma economia cuja vertente figura-se na neutralidade climática deverá englobar desde o setor agrícola, da construção civil, industrial e comercial até o papel da sociedade civil para o devido desempenho de atividades que possam adequar-se à nova realidade proposta pelas instituições comunitárias. É, justamente, nesse contexto que adotou-se o Pacto Ecológico Europeu que, conforme já assinalado, engloba distintas temáticas voltadas para a sustentabilidade em sua ampla concepção. Entre elas, obviamente, inclui-se os aspectos relativos à neutralidade climática como ponto central do Pacto. No dia 11 de dezembro de 2020, a Comissão apresentou o “T he European Green Deal” – Pacto Ecológico Europeu destinado a criar um roteiro para promover a transição para uma economia circular baseada na neutralidade climática. Na Comunicação da Comissão, assim como em sua apresentação feita pela Presidente desta instituição Ursula V on Der Leyen, se assinala 54
Comunicação da Comissão ao Parlamento europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comitê Econômico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento - Um Planeta Limpo para Todos Estratégia a longo prazo da UE para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima - COM/2018/773 final, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=CELEX:52018DC0773, acesso em 22.11.19.
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a necessidade de criar um cenário propício para que as medidas propostas no Pacto possam, efetivamente, se concretizar. Neste sentido, no documento da Comissão se evidencia o seguinte aspecto O pacto pretende igualmente proteger, conservar e reforçar o capital natural da UE e proteger a saúde e o bem-estar dos cidadãos contra riscos e impactos relacionados com o ambiente. A o mesmo tempo, esta transição deve ser equitativa e inclusiva. Deve dar prioridade às pessoas e prestar atenção às regiões, às indústrias e aos trabalhadores que enfrentarão os maiores desafios. T endo em conta as mudanças substanciais que acarretará, esta transição deve contar com a participação ativa e a confiança do público, fatores fundamentais para o êxito e a aceitação das políticas. É necessário um novo pacto que reúna os cidadãos, em toda a sua diversidade, com as autoridades nacionais, regionais e locais, a sociedade civil e a indústria, trabalhando em estreita colaboração com as instituições e os órgãos consultivos da UE. (COMISSÃ O, 2019, p. 6)
Conforme se observa, a proposta do Pacto é estabelecer uma conexão direta com a sociedade civil, buscando planejar, executar e controlar as ações da UE e dos Estados-membros a partir de uma matriz essencialmente sustentável. No Pacto se estabelecem os eixos principais a saber: i) incrementar o grau de cumprimento da União em matéria de clima para 2030 e 2050; ii) fornecer energia limpa, mantendo a acessibilidade mediante a aplicação de preços justos; iii) realizar a transição industrial para uma economia circular; iv) renovar a matriz energética no que se refere aos recursos e sua utilização; v) fortalecer a mobilidade sustentável; v) segurança alimentar mediante um sistema de rastreabilidade e acessibilidade dos alimentos traduzido na expressão do “prado ao prato”; vi) conservação dos ecossistemas e biodiversidade. Em cada um desses eixos a União estabelece as metas, bem como o cronograma para que as mesmas possam ser alcançadas.
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Especificamente no que se refere às questões climáticas, o Pacto faz menção tanto às medidas que foram adotadas com os consequentes resultados, bem como propõe alteração do marco regulatório relativo ao clima que (...) adotará uma nova estratégia da UE de adaptação às alterações climáticas, mais ambiciosa do que a atual. Esta é uma medida essencial, visto que, não obstante os esforços de atenuação, as alterações climáticas continuarão a criar uma pressão significativa na Europa. É fundamental redobrar os esforços em matéria de capacidade de enfrentamento, resistência, prevenção e preparação face às alterações climáticas. O trabalho em prol da adaptação às alterações climáticas deve continuar a influenciar os investimentos públicos e privados, incluindo em soluções baseadas na natureza. Será importante assegurar que, em toda a UE, os investidores, as seguradoras, as empresas, as cidades e os cidadãos são capazes de aceder aos dados e criar instrumentos para integrar as alterações climáticas nas suas práticas de gestão de riscos. (COMISSÃ O, 2019, p. 10)
Nesse sentido, surge a proposta de revisão do Regulamento (UE) 2018/1999 – Lei Europeia do Clima, em março de 2020 55, um plano ambicioso que busca zerar até 2050 a emissão de gases de efeito estufa no espaço integrado. A lém disso a proposta de Regulamento reforça os parâmetros para se alcançar tal meta, incluindo, em várias disposições a participação da sociedade civil (governança verde), assim como as ações que devem ser tomadas pela Comissão e demais instituições para que a neutralidade possa se tornar uma realidade.
55
COMISSÃO EUROPEIA. Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima). Bruxelas, 4.3.2020 - COM(2020) 80 final - 2020/0036(COD), disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52020PC0080&from=EN, acesso em 12.06.2020.
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Há um ponto importante que deve ser mencionado, a partir da análise da proposta de Regulamento, que menciona a correlação com o A cordo de Paris e o objetivo final da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre A lterações Climáticas, ou seja, a atuação tridimensional adotada pela UE no plano nacional; regional e internacional, coadunando-se, assim os esforços para que a neutralidade não seja somente um objetivo europeu, mas também mundial. Claro está que todas essas medidas deverão amparar-se também na gestão de recursos financeiros destinados a concretizá-las de modo eficiente e participativo. A tal efeito, na proposta regulamentar a Comissão enfatiza a necessidade de contar com instrumentos financeiros, estipulando, inclusive, na ficha financeira que acompanha a tal proposta (que esclarece a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, conforme determinado no Protocolo n. 2 do T ratado de Lisboa) os impactos orçamentários tanto da perspectiva de recursos humanos como dos investimentos que devem ser realizados pela União em relação aos fundos utilizados pelos Estados-membros. Finalmente, diante do cenário de pandemia atual, a proposta de Regulamento foi textualmente citada no pacote orçamentário do Quadro Financeiro Plurianual (QPF) 56 como parte integrante das rubricas voltadas para a reconstrução da economia europeia pós-pandemia, onde se destaca que a União promoverá os esforços necessários para que sustentabilidade seja considerada como vetor para tal reconstrução. T odos os instrumentos, propostas, programas, planos, etc. surgidos a partir da crise gerada pela pandemia trazem, em maior ou menor medida, disposições (expressas ou implícitas) sobre a plena observância 56
O QFP representa o programa de planejamento da União Europeia relativo aos recursos (despesas e receitas) que devem ser aplicados durante o período de 5 (cinco) anos, estando previsto no artigo 312 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), além de ser regulado por numerosos atos normativos que dispõem sobre as regras de funcionamento, execução, controle, etc. Sobre o Marco Plurianual recomenda-se consultar a https://ec.europa.eu/info/strategy/eu-budget/spending_pt e também https://www.consilium.europa.eu/es/policies/eu-budgetary-system/multiannual-financial-framework/, acesso em 01 abr. 2020.
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do princípio da integração ambiental. Resta verificar, na prática, se todas as metas construídas pela UE, especialmente aquelas integrantes de seu marco regulatório, serão realmente efetivadas sob um olhar mais equilibrado, equitativo, ecológico e, principalmente, no que se refere ao clima, de maneira neutral. 5. CONCLUSÃO A compreensão do desenvolvimento sustentável, conforme verificado neste trabalho, iniciou-se com a adoção dos três pilares (crescimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental), sendo, posteriormente, estabelecidas novas premissas que foram incorporados aos ODS, instrumento internacional que serve como fonte subsidiária para atuação dos Estados, nas esferas públicas e privadas. T al compreensão foi objeto de estudo por parte da doutrina que alavancou o sentido e alcance do princípio, alçando-o à condição de elemento fundante de todo sistema jurídico (internacional, regional e nacional), estabelecendo, ainda, novos parâmetros que a tal princípio devem ser também incluídos. No caso específico da União Europeia, nota-se a consonância entre a concretização do princípio em conjunto com as demais disposições normativas comuns, notadamente o princípio da integração ambiental, conforme analisado. T anto o desenvolvimento sustentável como a integração ambiental podem ser considerados como princípios estruturantes e fundantes do sistema europeu para a proteção do meio ambiente e, é a partir deste binômio principiológico que o marco regulatório adotado deve assentar-se, de forma a concretizar o objetivo estampado no T ratado de Lisboa, assim como seus valores. Como se pode verificar, a União Europeia adotou diferentes estratégias – juntamente com um acervo normativo específico – para tratar as questões relacionadas com a neutralidade climática e que estão,
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intrinsecamente, vinculados com o “desenrolar” da política ambiental, numa perspectiva micro, e com a sustentabilidade, numa perspectiva macro. Entre retrocessos e avanços, o que se busca é adotar uma economia circular neutral sob o aspecto da emissão de gases de efeito estufa, garantindo, ainda, a renovação, acesso e utilização de recursos para todos os atores envolvidos (instituições públicas e privadas, sociedade civil, Estado, etc), e, ao mesmo tempo, promovendo crescimento econômico sem que haja impactos graves ao meio ambiente, em um equilíbrio delicado e, cada vez mais, difícil de alcançar. No cenário atual de pandemia, os questionamentos sobre a reconstrução econômica resultam em relevante redimensionamento das ambiciosas estratégias e metas forjadas pela União ao longo de sua própria construção, contudo, espera-se que tal reconstruir possibilite, efetivamente, um processo dinâmico incorporando-se as dimensões sociais, ambientais, participativas e dialógicas, numa crescente interlocução entre instituições comunitárias, Estados e cidadãos e que, principalmente, logre reerguer os pilares sobre os quais se assenta a UE. Finalmente, ante a crise atual espera-se que, na verdade, apresente-se uma oportunidade ímpar de criar um cenário internacional, regional e local para que desenvolvimento sustentável possa ser a principal ferramenta de integração global de todas as políticas adotadas pela União. AGRADECIMENTO: a autora agradece à Coordenação de A perfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CA PES) Código de Financiamento 001, apoio para a realização da presente pesquisa no marco do Programa CA PES/PRINT (Edital 2018), modalidade Professor visitante sênior exterior/Instituto Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A autora agradece ainda o suporte financeiro dado pela Comissão Europeia – A ction Jean Monnet – Centre of European Excellence UFMG no marco do projeto W orld´s impact of sustainability: the
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domain of the model of European Union and the relation w ith Mercosur - W ISDOM Observação: T he European Commission support for the production of this publication does not constitute an endorsement of the contents w hich reflects the view s only of the authors, and the Commission cannot be held responsible for any use w hich may be made of the information contained therein. REFERÊNCIAS COMISSÃ O EUROPEIA . Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima). Bruxelas, 4.3.2020 – COM (2020) 80 final - 2020/0036(COD), disponível em https://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT /T X T /HT ML/?uri= CELEX :52020PC0080& from= EN, acesso em 12.06.2020. COMUNICA ÇÃ O DA COMISSÃ O – Pacto Ecológico Europeu. Bruxelas, 11.12.2019. COM(2019) 640 final, disponível em https://eur -lex.europa.eu/legalcontent/PT /T X T /HT ML/?uri= CELEX :52019DC0640& from= EN, acesso em 02.03.20. COMUNICA ÇÃ O DA COMISSÃ O ao Parlamento europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comitê Econômico e Social Europeu, ao Comité das Regiões e ao Banco Europeu de Investimento - Um Planeta Limpo para Todos Estratégia a longo prazo da UE para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima - COM/2018/773 final, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT /T X T /?uri= CELEX :52018DC0773, acesso em 22.11.19. COMUNICA CIÓN DE LA COMISIÓN al Consejo, al Parlamento Europeo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones - Limitar el calentamiento mundial a 2 º C - Medidas necesarias hasta 2020 y después {SEC(2007) 7- SEC(2007) 8} COM/2007/0002 final, disponível em https://eurlex.europa.eu/legalcontent/ES/T X T /HT ML/?uri= CELEX :52007DC0002& from= EL, acesso em 12.05 2010.
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COMUNICA CIÓN DE LA COMISIÓN al Parlamento Europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones. Próximas etapas para un futuro europeo sostenible Acción europea para la sostenibilidad COM/2016/0739 final, disponível em https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/communication-next-stepssustainable-europe-20161122_en.pdf, acesso em 13 jul 2018. COMUNICA CIÓN DE LA COMISIÓN al Parlamento Europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones. Próximas etapas para un futuro europeo sostenible Acción europea para la sostenibilidad COM/2016/0739 final, disponível em https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/communication-next-stepssustainable-europe-20161122_en.pdf, acesso em 13 jul 2018. COMUNICA CIÓN DE LA COMISIÓN al Parlamento europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones - Un marco estratégico en materia de clima y energía para el periodo 2020-2030. Bruselas, 22.1.2014 COM (2014)15 final COMUNICA CIÓN DE LA COMISIÓN, de 9 de febrero de 2005. Ganar la batalla contra el cambio climático mundial. COM (2005) 35 - Diario Oficial C 125 de 21.5.2005. CORREA , Fabiano de A ndrade. Marcos jurídicos para o desenvolvimento sustentável: oportunidades e desafios da via regional. Revista Pontes - Informações e Análises sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável, vol. 09, n. 09. Genebra: ICT SD, novembro de 2013. Decisão/2002/358/CE, de 25 de A bril de 2002, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo de Quioto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao cumprimento conjunto dos respectivos compromissos. ELKINGT ON, John. Enter the Triple Bottom Line. In: HENRIQUES, A drian; RICHA RDSON, Julie. The Triple Bottom Line, Does It A ll Add Up?: A ssessing the Sustainability of Business and CSR. London: Earthscan Publications Ltd., 2004, p. 1-16. Disponível em: < http://kmhassociates.ca/resources/1/T riple%20Bottom%20 Line%20a%20history %201961-2001.pdf> , acesso em 09 abr 2016. FERNA NDEZ, Susana A guilar. Hacia el Desarrollo Sostenible - Evolución y tendencias de la política europea de medio ambiente. Revista Internacional de Sociología. T ercera Época, n° 35, mayo/agosto 2003, pp. 53-80.
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CAPÍTULO 6 SUSTENTABILIDADE E MERCADO FINANCEIRO NA UNIÃO EUROPEIA: PARÂMETROS E PERSPECTIVAS DE APLICAÇÃO Hélio E duardo de Paiva A raújo57
RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre alguns dos mecanismos adotados pela União Europeia para mobilizar capital necessário para cumprir com os aldaciosos objetivos do Green Deal. Para tal fim, a UE cunhou o termo “finanças sustentáveis”, onde devem ser levados em consideração os aspectos ESG dos produtos e veículos de investimento, possibilitando que os investidores possam canalizar seus recursos em atividades que estejam em confomidade com o modelo proposto pelo Green Deal. Nesse sentido, a EU vem construindo um novo arcabouço normativo composto por várias e díspares medidas que estabelecem um conjunto de regras prudenciais, societárias e requisitos para o desenvolvimento e manutenção de benchmarks climáticos, bem como propostas para rotular investimentos como sendo ambientalmente sustentáveis. Esse arcabouço é composto por um sem número de documentos legais e esse artigo tenta, de forma preliminar, apresentar uma primeira sistematização e hamornização do tema para o público brasileiro. PA LAVRAS-CHAVE: Pacto Ecológico Europeu; ESG , União Europeia; Meio A mbiente; Finanças Sustentáveis
A BSTRA CT: T his article proposes a reflection on some of the mechanisms adopted by the European Union to mobilize the necessary capital to comply w ith 57
Doutorando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito Internacional pelo Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), Genebra, Suíça. Conselheiro do Conselho Administrativo de Re- cursos Fiscais – CARF. Mestre em Administração de Empresas – MBA pelo Bernard M. Baruch College (CUNY), Nova Iorque, Estados Unidos. Pesquisador do Centro de Excelência Jean Monnet UFMG.
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the aldacious objectives of the Green Deal. T o this end, the EU coined the term “sustainable finance”, w here ESG aspects of investment products and vehicles must be considered, enabling investors to channel funds into activities that are in accordance w ith the model set under the Green Deal. In this sense, the EU has been developing a new regulatory framew ork composed of several and disparate measures that establish a set of prudential and corporate rules and requirements for the development and maintenance of climate benchmarks, as w ell as proposals to label investments as being environmentally sustainable. T his framew ork is made up of countless legal documents and this article tries to present a preliminary systematization and hamornization of the topic to the Brazilian audience. KEY WORDS: European G reen Deal; ESG , European Union; Environment; Sustainable Finance
1.
INTRODUÇÃO
A reformulação dos critérios para a criação de um ambiente de negócios ambientalmente sustentável demanda, por parte dos Estados e organizações, a adoção de um marco regulatório específico. Neste sentido, através de uma atitude ambiciosa, a União Europeia (UE) propôs o Pacto Ecológico Europeu (E uropean Green Deal)58. A través do referido pacto, a EU apresenta seu plano para tornar a sua economia sustentável, tornando-se neutra em termos climáticos até 2050 e se posiciona no sentido de mobilizar o capital necessário para cumprir os objetivos políticos do Green Deal, bem como os outros compromissos internacionais assumidos em matéria de clima e objetivos de sustentabilidade. Para os fins da realocação dos recursos financeiros que se farão necessários para viabilizar o Green Deal, a UE também cunhou o termo “Finanças Sustentáveis”. 58
A COM/2020/80 final que traz uma proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o quadro para alcançar a neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima) ainda permanece sendo um compromisso político até que seja aprovada pelo Parlamento Europeu.
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Finanças sustentáveis é o processo de se levar em consideração os aspectos ambientais, sociais e de governança (environment, social and governance no seu correspondente em língua inglesa, ou simplesmente ESG) ao tomar decisões de investimento no mercado financeiro. No contexto das políticas adotadas pela UE, este processo é entendido como necessário para se financiar o modelo de crescimento econômico proposto através do Green Deal, canalizando o investimento privado para a transição para uma economia neutra e resiliente em termos de clima, eficiente em termos dos recursos naturais e mais justa. A tingir tais objetivos está além da capacidade do setor público em mobilizar os recursos que se farão necessários 59. Nesse diapasão, o mercado financeiro tem papel fundamental, pois pode realocar os investimentos, financiando o crescimento a longo prazo em bases ambientalmente saudáveis, contribuindo, assim, para a criação de uma economia circular e com baixo teor de carbono e neutra em relação ao clima. A fim de tornar possível essa realocação dos fluxos de capital, a Comissão Europeia propôs um Plano de A ção para Financiar o Crescimento Sustentável (o Plano de A ção). A ação mais prioritária do referido Plano de A ção determinava a criação de um sistema de classificação, ou seja, uma taxonomia. A pós um longo caminho, o Parlamento Europeu aprov ou em 18 junho de 2020, o Regulamento (UE) 2020/852, conhecido como Regulamento da T axonomia60, o qual estabelecia os critérios para determinar se uma atividade econômica se enquadra como sendo ambientalmente sustentável. Com essa harmonização, as atividades econômicas e os produtos financeiros comercializados como sendo sustentáveis poderão ser comparados segundo critérios uniformes. 59
Se consideramos apenas os objetivos internacionais assumidos pela UE por força do Agenda 2030 e do Acordo de Paris por si só já seriam necessários investimentos adicionais da ordem de aproximadamente € 260 bilhões por ano até 2030. 60 Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de junho de 2020 relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável, e que altera o Regulamento (UE) 2019/2088; OJ L 198, 22.6.2020, p. 13–43. Disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2020/852/oj
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A tal efeito, sabe-se que a UE, no marco do “esverdeamento” integral das políticas setoriais comuns (e mesmo daquelas que, ainda, estão sob a égide dos Estados Membros) pode afetar o mercado financeiro não só da própria União, bem como tornar -se o regulador global de última instância a inspirar outras jurisdições na adoção do mesmo caminho. O “Efeito Bruxelas” 61 não se trata de prática nova, sendo objeto de inúmeros trabalhos acadêmicos. Contudo, de forma a apresentar um recorte delimitado, neste artigo o foco central será apresentar a nova regulação trazida pela UE, de forma a compreender seu alcance, destinatários e efeitos para que, posteriormente, em uma pesquisa ainda mais avançada se possa debruçar sobre os efeitos e impactos para além das fronteiras do espaço integrado. A ssim, o presente capítulo buscará examinar a atuação da UE, com foco na tentativa de padronizar a regulamentação de regência dos ESG, posto que a sustentabilidade ocupa, há muito tempo, uma posição central no projeto do bloco, estando as suas vertentes social e ambiental refletidas no próprio T ratado da União Europeia (T EU) e no T ratado sobre o Funcionamento da União Europeia (T FUE). Esse (novo) arcabouço normativo forma o conjunto mais avançado e abundante de medidas regulatórias ESG existentes globalmente, de tal forma que o objetivo será o de discorrer, de forma resumida e superficial, sobre tal arcabouço, mais precisamente o já citado Regulamento da T axonomia, o Regulamento de Divulgação de Informações acerca da Sustentabilidade no Setor de Serviços Financeiros 62 (o Sustainability-Related Disclosures in the
61
O termo “Efeito Bruxelas” foi cunhado por Anu Bradford, professora da Columbia Law School, e se refere ao de facto processo unilateral de globalização regulatória promovido pela UE de facto (mas não necessariamente de jure) quando suas leis exercem influência fora do seu território por meio de mecanismos típicos de mercado. 62 Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro de 2019 relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros, OJ L 317, 09 dez 2019, p. 1–16. Disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2019/2088/oj.
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Financial Services Sector – SDR) e a Diretiva de Relatórios Não Financeiros 63 (Non-Financing Reporting Directive – NFRD). Esses regulamentos e diretiva serão analisadas como elementos qualitativos e instrumentos para projetar o eventual sucesso ou fracasso das respostas que vem sendo adotadas, bem como se examinará, ainda que superficialmente, a possibilidade de eventuais aperfeiçoamentos, incluindo o apontamento quanto à eventuais incompatibilidades existentes entre os textos aprovados mais recentemente e os que já se encontravam em vigor. O objetivo é ressaltar que o fomento e valorização de uma economia ambientalmente sustentável e circular é um instrumento hábil para concretizar o bem-estar, a dignidade humana e a preservação da vida das futuras gerações. Para isso, torna-se urgente avaliar as respostas concretas adotadas, a fim de avaliar a sua efetividade e adequação. A proposta da UE, para além de estabelecer critérios específicos e que devem ser analisados de forma aprofundada, também possuem como pano de fundo o incremento de ações voltadas para uma perspectiva integral e integrada da sustentabilidade, tomando-se como fundamento o desenvolvimento sustentável enquanto valor e objetivo da União estampado textualmente no T ratado de Lisboa (2009). Para a realização do presente trabalho, foram utilizados os métodos histórico e dedutivo de modo a compreender as legislações adotadas a partir de uma organização supranacional, cujo rol de competências encontra-se intrinsecamente vinculado com a atuação conjunta com os Estados Membros. A lém disso, tais métodos levam em consideração a natureza singular da UE e os instrumentos jurídicos que a amparam. A demais, fora utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica, a partir da doutrina especializada e com base nos dados coletados e disponibilizados pelos órgãos oficiais da UE. 63
Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, que altera a Diretiva 2013/34/UE no que se refere à divulgação de informações não financeiras e de informações sobre a diversidade por parte de certas grandes empresas e grupos, OJ L 330, 15 nov. 2014, p. 1–9. Disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2014/95/oj.
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2. A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E A ATUAÇÃO DA UE: DO PLANO DE AÇÃO ATÉ A TAX ONOMIA A pesar dos objetivos claros de redução de emissões pactuados globalmente por força do A cordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, assinado em de 2015, (A cordo de Paris) os desafios ambientais que enfrentamos vem aumentando. Existe um consenso científico 64 de que as emissões globais devem cair 50% na próxima década para que o mundo tenha uma chance de manter o aquecimento global em “apenas” 1,5 grau celsius e, assim, evitar as consequências mais catastróficas das mudanças climáticas, 65 que teriam (têm) implicações claras e imediatas sobre a vida e os negócios. A destruição ecológica nesta escala ameaça o homem e a sua própria existência. Porém, não foram apenas os atores públicos, em especial os Estados, que atentaram para a necessidade de dar efetividade aos ESG. Nos últimos anos, investidores também vêm se envolvendo cada vez mais com o conceito de “investimento responsável”, impulsionados pela crescente conscientização de questões como mudanças climáticas, diversidade de gênero e impacto do uso de plásticos no meio ambiente (UNGA RET T I, 2020). Somente a título de exemplo, no início deste ano, a terceira maior gestora de ativos do mundo em ativos sob gestão (A ssets under Management – A uM) e a segunda maior firma de contabilidade em receita previram, respectivamente, que ativos sustentáveis (que já estavam
64
Ponto C1 do Resumo para Formuladores de Políticas do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre Aquecimento Global de 1,5ºC, https://www.ipcc.ch/sr15/. 65 Seção B, Resumo para formuladores de políticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) Relatório Especial sobre Aquecimento Global de 1,5ºC.
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avaliados em mais de US$ 30 trilhões), cresceriam ainda mais em relação aos A uM, ultrapassando os US$ 100 trilhões 66 antes do final do ano. No entanto, uma das duas maiores agências de classificação de riscos observou simultaneamente que “a falta de padronização de definições e processos” estava impedindo a efetiva adoção dos ESG e, consequentemente, o seu crescimento. A lógica por trás dessa afirmação é que a profusão de padrões e regras sobrepostos produz uma paisagem fragmentada, que inibe a comparação significativa entre os diversos produtos de investimentos, desencorajando aportes de recursos adicionais nesse tipo de produto financeiro. Como resposta a essa demanda por harmonização e como forma de tratar a referida fragmentação, a UE vem adotando um marco regulatório com o objetivo de estabelecer conceitos, de finições e processos padronizados. A lgumas dessas regras, já foram citadas na introdução deste trabalho, quais sejam o Regulamento da T axonomia, o SDR e a NFRD e serão objeto de estudo pormenorizado nos tópicos que se seguem. 3. A CORRELAÇÃO SUSTENTABILIDADE E STANDARDS DE APLICAÇÃO NO ÂMBITO FINANCEIRO NO MARCO DA UE T odas as medidas supracitadas formam um conjunto mais amplo de iniciativas destinadas a canalizar fundos para investimentos genuinamente sustentáveis, em vez de apenas “verdes”, facilitando assim o cumprimento das metas climáticas do A cordo de Paris e o compromisso da UE em adotar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU), conforme estabelecido na A genda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável (A genda 66
A representatividade das diferentes regiões do mundo não é homogênea, dado os diferentes estágios de maturidade em relação à percepção da importância dos fatores ESG e consequente incorporação de estratégias sustentáveis na gestão de ativos (UNGARETTI, 2020).
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2030). Dessa forma, a sustentabilidade e a transição para uma economia segura, com neutralidade climática 67, resiliente às alterações do clima, mais eficiente na utilização de recursos e circular passam a ser essenciais para garantir a competitividade a longo prazo da economia do bloco e são valores a nortear as políticas e ações da UE. Como já dito, a UE já tinha ciência dos vultuosos recursos para cumprir com as suas obrigações sob a A genda 2030. Porém a UE quer ir além dos marcos traçados para 2030. Com o Green Deal e o compromisso de se tornar ambientalmente neutra até 2050, fica absolutamente evidente que todas essas metas não poderão ser alcançadas somente com investimentos públicos. O Plano de A ção foi o mecanismo estabelecida para realocar os fluxos de capital que se farão necessários, sendo o Regulamento da T axonomia, que se junta aos já existentes NFRD e SRD, parte do marco regulatório criado para implementar e executar tal Plano de A ção. O estabelecimento desse arcabouço único para as atividades ambientalmente sustentáveis permitirá que investidores reorientem suas políticas e estratégias de investimento para tecnologias e empresas mais sustentáveis, além de funcionar como um instrumento essencial para atingir a ambiciosa meta de se alcançar a neutralidade climática da UE até 2050. A demais, todas essas medidas, terão um impacto muito além das fronteiras geográficas da UE, moldando o fluxo de investimentos, a regulamentação financeira e as práticas comerciais e de trabalho de vários operadores financeiros para além da zona do euro. 3.1.
Dos Primeiros Relatórios ESG até a Reação Europeia
Relatórios de ESG voluntários, intersetoriais e não governamentais existem desde a publicação dos primeiros padrões da
67
Vide nota de rodapé n.º 58.
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Global Reporting Initiative68 (GRI) em 1997. Desde então, eles foram acompanhados pelos padrões do Sustainable A ccounting Standards Board (SA SB)69, pela estrutura do Climate Disclosure Standards Board CDSB)70, e uma série de outros modelos concorrentes 71. Porém, até o ano de 2015, com a adoção da A genda 2030, não havia uma atuação que estivesse diretamente vinculada às organizações internacionais ou outros sujeitos de direito internacional público. A adoção da A genda 2030, e a assinatura do A cordo de Paris na sequência, enviou uma forte mensagem global quanto a necessidade de se lutar contra as mudanças climáticas através do estabelecimento de ações e compromissos coletivos e vinculantes no sentido de uma economia “hipocarbônica”, eficiente em termos de recursos e resiliente ao clima. Porém essa mudança de paradigma na produção de bens e serviços custará caro, sendo estimados gastos anuais da ordem bilhões de euros. 72
68
A GRI é uma organização internacional que ajuda empresas, governos e outras instituições a compreender e comunicar o impacto dos negócios em questões críticas de sustentabilidade. Mudanças climáticas, direitos humanos e problemas de corrupção são algumas dessas questões. Para saber mais, acesse https://www.globalreporting.org/Pages/default.aspx. 69 A SASB é uma organização independente sem fins lucrativos. Sua missão é desenvolver e disseminar padrões de contabilidade de sustentabilidade que ajudem as empresas listadas a divulgar informações relevantes e úteis para a tomada de decisões dos investidores. Essa missão é cumprida por meio de um processo rigoroso que inclui pesquisa baseada em evidências e participação ampla e equilibrada das partes interessadas. Para saber mais, acesse https://www.sasb.org. 70 O CDSB é um consórcio internacional de ONGs empresariais e ambientais, comprometido com o avanço e o alinhamento do modelo global de relatórios corporativos. Isso é feito através de uma estrutura para declarar informações ambientais com o mesmo rigor que as informações financeiras. Por sua vez, isso os ajuda a fornecer aos investidores informações ambientais úteis para a decisão por meio do relatório corporativo convencional, aumentando a alocação eficiente de capital. Os reguladores também se beneficiam de materiais prontos para conformidade. Para saber mais, acesse https://www.cdsb.net/ourstory. 71 Existem outras iniciativas relatórios ESG, incluindo o International Integrated Reporting Council (IIRC) e o Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (Task Force for Climate-Related Financial Disclosures – TCFD) do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) 72 A PwC estimava em outubro de 2018 que a UE necessitaria de 180 bilhões de Euros anualmente até 2030 para cumprir integralmente a Agenda 2030. Disponível em https://www.pwc.ch/en/publications/2018/Sustainability_EN_web.pdf.
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E o setor financeiro terá um papel fundamental a desempenhar para alavancar os recursos que serão necessários para alcançar tais objetivos. Ciente do papel dos mercados financeiro e de crédito, o Conselho de Estabilidade Financeira do G20 adotou, em 2017, recomendações voluntárias para as declarações financeiras relacionadas ao clima. No mesmo ritmo e, provavelmente, de forma acompanhar tal iniciativa, o Comitê de Basiléia para Supervisão Bancária 73 (Basel Committee on Banking Supervision – BCBS) anunciou sua própria força-tarefa no início de 2020, mas com foco em riscos financeiros relacionados ao clima, ao invés de meras declarações ou divulgações de informações relevantes. Esta proliferação de medidas – públicas e privadas – levou a uma fragmentação significativa do mercado e uma dissonância aguda nas metodologias, ocasionando situações esdrúxulas, onde uma empresa teria pontuações quanto a sua “sustentabilidade” absolutamente discordantes e contraditórias entre si, uma vez que não havia uma padronização a ser seguida. Essa paisagem que mais se parece com uma “colcha de retalhos” poderia, eventualmente, minar os compromissos políticos relacionados aos ESG (greenwashing74 ou “lavagem verde”) e, especialmente, enfraquecer o objetivo de canalizar o investimento privado para atividades econômicas genuinamente sustentáveis (INGMA N, 2020a). A ssim, a UE considerou essa fragmentação e consequente ameaça de greenwashing como riscos suficientes a ensejar a necessária propositura de um arcabouço regulatório harmônico, coeso e único para tratar dos ESGs. A demais, também se faz necessário uma regulação que seja capaz de mitigar os crescentes riscos que os fatores ESG representam para os investimentos e para a própria solvência das empresas financeiras e a 73
O BCBS é o principal criador de padrões globais para a regulamentação prudencial dos bancos e fornece um fórum para cooperação regular em questões de supervisão bancária. Seus 45 membros incluem bancos centrais e reguladores bancários de 28 jurisdições. 74 O greenwashing pode ser praticado tanto por empresas e indústrias, quanto por ONGs, governos ou políticos. Essa prática ocorre quando algum desses órgãos promovem discursos, propagandas e/ou campanhas colocando-se como sustentável, mas, na verdade, o discurso não compactua com o que é de fato feito.
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ameaça que os investimentos representam para os fatores ESG (a chamada “perspectiva de dupla materialidade”). Em suma, esses são os principais objetivos para a criação de um marco regulatório abrangente, porém efetivo, dos fatores ESG. 3.2. O T EG e a C riação de uma Estratégia para os ESG na UE A fim de levar harmonizar os conceitos e práticas comerciais existentes quanto aos ESG, aplacar a fragmentação e conter o greenwashing, incentivando o mercado financeiro a contribuir e participar na obtenção de uma econômica mais sustentável, nos termos do Plano de A ção, a Comissão Europeia estabeleceu um Grupo de Especialistas T écnicos (Technical E x pert Group – T EG) para desenvolver uma ampla estratégia de financiamento sustentável que fosse aplicada em toda Europa. Dessa forma, como resultado do trabalho do referido grupo, foram estabelecidas duas estratégias para o mercado financeiro da UE: (i) melhorar a realocação dos recursos financeiros de forma a incentivar um crescimento inclusivo e sustentável e, (ii) fortalecer a estabilidade financeira ao incorporar fatores ambientais, sociais e de governança – os ESG – na tomada de decisões de investimento. Em outras palavras, recorreu-se ao já fortemente regulado mercado financeiro, ao invés de estabelecer medidas diretamente aplicáveis a eventuais empresas ou instituições poluidoras. A o definir o que é uma atividade sustentável, os incentivos para se tornar ecologicamente correto serão estabelecidos através da ação do mercado financeiro e, assim, promover a realocação de recursos para estas atividades. Fazia-se necessário e urgente o desenvolvimento de um sistema de classificação, ou “taxonomia”, que possibilitasse um entendimento comum das características de uma atividade tida como sustentável. O Regulamento da T axonomia é a espinha dorsal do arcabouço jurídico para o financiamento do Green Deal sendo que todos
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os produtos financeiros à venda na UE terão de fazer referência expressa ao mesmo. A ssim, divulgação de informações pelos agentes participantes do mercado que estejam relacionados com o clima passam a ser obrigatórios a partir de dezembro de 2021, enquanto os critérios para outros aspectos da economia verde, como água, resíduos, proteção da biodiversidade e economia circular, devem ser aplicados no final do ano seguinte, ou seja, em 2022. A demais, ao comercializarem produtos financeiros classificados como sendo ambientais ou sustentáveis, os agentes deverão divulgar: (i) em que medida e de que modo usaram a T axonomia para avaliar a sustentabilidade dos produtos financeiros e dos seus respectivos ativos subjacentes; (ii) para quais objetivos ambientais os investimentos estão contribuindo; e (iii) a proporção dos ativos subjacentes que estão incluídos no Regulamento de T axonomia. Para os produtos que não adotarem a taxonomia, os agentes do mercado deverão acrescentar nos materiais e informações disponibilizados aos investidores a seguinte declaração: “Os investimentos subjacentes a este produto financeiro não levam em conta os critérios da UE aplicáveis às atividades econômicas sustentáveis do ponto de vista ambiental.” 75 Por força da sua aplicação, o Regulamento da T axonomia visa possibilitar que os investidores e outros participantes do mercado entendam mais facilmente até que ponto os produtos de investimento são ambientalmente sustentáveis e, assim, decidirem de forma consciente onde canalizar seus recursos.
75
Art. 7 do Regulamento (UE) 2020/852.
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4. ESG
UMA VISÃO GERAL DO ARCABOUÇO JURÍDICOS DOS
4.1.
Premissas
Na UE, as bases que lançaram os ESG encontram-se, em grande parte, no compromisso com a A genda 2030 e, mais precisamente, nos ODS nela contidos, os quais abrangem as três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. A Comissão associa os ODS ao quadro político da UE de tal forma que todas as ações e iniciativas políticas os levem em conta desde o início da formulação de propostas legislativas 76. A mparado na A genda 2030, o Plano de A ção elaborada tem de se assentar num entendimento comum e holístico da sustentabilidade e dos investimentos. Numa primeira fase, a definição de orientações busca aclarar e informar os investidores sobre produtos e atividade econômicas sustentáveis (E). Numa fase posterior, poderão ser elaboradas orientações adicionais sobre as atividades que contribuem para outros objetivos de sustentabilidade, nomeadamente os objetivos sociais (S) e de governança (G). A UE vem fazendo apelos contínuos no sentido de um aumento do financiamento do setor privado para as despesas relacionadas com o meio ambiente e o clima, através da criação de incentivos e metodologias que encorajem as empresas a avaliar os custos ambientais das suas atividades e os seus respectivos lucros, também conhecidos como 76
Essa necessidade encontra fundamento no próprio TFEU, em seu artigo 11, que prevê que a políticas e ações da União devem promover o desenvolvimento sustentável. Ademais, a Diretiva sobre Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), adotada em 2001, assegura que as decisões mais estratégicas sobre os planos e programas da UE sejam avaliados antes de serem adotados, impondo o exame dos efeitos no ambiente natural e antrópico e a consulta da sociedade civil antes de tomada de decisões. Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente; OJ L 197, 21.7.2001, p. 30–37. Disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2001/42/oj.
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instrumentos de valoração ambiental. T endo em conta a dimensão deste desafio e os custos associados à inação ou à ação tardia, espera-se que o mercado financeiro se adapte, progressivamente, no sentido de apoiar uma matriz de investimentos mais sustentável. A avaliação dos impactos ambientais dos produtos financeiros ofertados, espera-se, seja a regra geral. A ssim, fez-se necessário estabelecer regras quanto à promoção e classificação dos produtos financeiros rotulados e comercializados como sustentáveis. Não será mais producente permitir que os Estados Membros utilizassem seus próprios sistemas para aferir a sustentabilidade dos investimentos, pois, isso só promoveria mais fragmentação com o consequente aumento dos desincentivos. Evita-se, assim, a obtenção de uma vantagem concorrencial desleal ao comercializar um produto financeiro como sendo ecológico, quando, na realidade, os padrões ambientais básicos não são cumpridos ou mesmo observados (o já mencionado greenwashing77). Como se sabe, a comparabilidade é elemento informador do mercado financeiro. Para determinar a sustentabilidade ambiental de uma atividade econômica, é necessário estabelecer uma lista exaustiva de objetivos ambientais que se pretende promover. Os seis objetivos ambientais eleitos como essenciais e de observância obrigatória são: a mitigação das alterações climáticas; a adaptação às alterações climáticas; a utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; a transição para uma economia circular; a prevenção e o controle da poluição; e a proteção e a restauração da biodiversidade e dos ecossistemas 78. 77
Vide nota de rodapé n.º 74. Vale lembrar que há regulação específica da União para cada um destes objetivos, a título de exemplo: (i) quanto as recursos hídricos temos a Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água; OJ L 327, 22.12.2000, p. 1-73; disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2000/60/oj; e (ii) quanto à economia circular Diretiva (UE) 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos; JO L 150 de 14.6.2018, p. 109-140. Disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2018/851/oj. 78
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No sentido de promover tais objetivos a EU vem estabelecendo, dentro do Plano de A ção, um arcabouço normativo para os ESG. Este arcabouço é composto por várias e díspares medidas que, dentre outras ações, estabelecem um conjunto de regras prudenciais, propostas para rotular investimentos sustentáveis 79, regras de direito societário 80 e requisitos para o desenvolvimento e manutenção de benchmarks climáticos81. Contudo, as disposições mais relevantes quanto aos fatores ESG para os agentes do mercado financeiro são aquelas estabelecidas na NFRD, no SDR e no Regulamento da T axonomia. Discorreremos, de forma breve, sobre tais disposições nos subtópicos a seguir. 4.2.
Diretiv a de Relatórios N ão F inanceiros
A s medidas da UE podem ser divididas em dois tipos: prudenciais82 e obrigações de fazer. A s medidas prudenciais cobrem instituições de crédito e empresas de investimento e envolvem a integração do risco ESG no quadro mais amplo da gestão do risco prudencial, juntamente com riscos de crédito, mercado, liquidez, operacionais e outros. A maior parte dessas obrigações passarão a ser gradativamente obrigatórias a partir de 2021. Quanto às obrigações de fazer, o primeiro texto legislativo relacionado aos ESG a ser promulgado foi a NFRD, a qual exige que empresas com grande interesse público divulguem, de maneira 79
Como a consulta pública atualmente aberta sobre a criação de Padrões Europeus para Títulos de Dívida Verdes (green bonds) – Green Bond Standard. 80 Diretiva (UE) 2017/828 – 2º Diretiva sobre Direitos dos Acionistas 81 Regulamento (UE) 2019/2089 - O Regulamento de Benchmarks do Clima 82 A regulamentação prudencial ordena às instituições financeiras que cumpram os requisitos para fazer face aos riscos associados às suas atividades e têm como objetivo o fortalecimento de suas capacidades para absorverem choques provenientes do próprio sistema financeiro ou dos demais setores da economia, reduzindo o risco de propagação de crises financeiras para a economia real, bem como eventual efeito dominó no sistema financeiro em virtude de seu agravamento.
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consistente e comparável, certas informações não financeiras. O objetivo é aumentar a transparência e o desempenho corporativo, além de incentivar as empresas a adotarem uma abordagem mais sustentável. Como já dito, a NFRD se aplica a entidades de interesse público de grande porte, consideradas como aquelas que possuem mais de 500 funcionários. Na prática, inclui as empresas listadas além de bancos e seguradoras (listados ou não) – desde que tenham mais de 500 funcionários. A NFRD identifica quatro questões de sustentabilidade (meio ambiente, questões sociais e dos empregados, direitos humanos e suborno e corrupção) e, com relação a essas questões, exige que as empresas divulguem informações quanto ao seu modelo de negócios, políticas (incluindo procedimentos de auditoria interna que tenham sido implementados), resultados, riscos e gestão de riscos e indicadores-chave de desempenho (KPIs) que sejam relevantes para o negócio. Não introduz ou exige o uso de uma estrutura ou relatório padrão para a divulgação destas informações “não financeiras, nem tampouco impõe requisitos detalhados para esta divulgação, determinando apenas que as empresas divulguem informações “na medida necessária para uma compreensão do desenvolvimento, desempenho, posição e impacto das atividades [da empresa].” Esse conjunto de requisitos e demandas demonstra que as empresas devem divulgar não apenas como as questões de sustentabilidade podem afetá-las, mas também como a empresa afeta a sociedade e o meio ambiente. Essa é a chamada perspectiva da dupla materialidade. Os dados divulgados pelas empresas por força da NFRD, juntamente com outras bases de dados disponíveis, são usados para avaliar se um determinado investimento atende aos critérios de “sustentabilidade ambiental” ou dos ESG, auxiliando investidores, consumidores, formuladores de políticas públicas e outros interessados a avaliar o desempenho não financeiro de grandes empresas.
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4.3.
Regulamento de Div ulgação de Sustentabilidade
A lém da citada NFRD, outra das obrigações de fazer consiste na divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade para os participantes do setor de serviços financeiros. O SDR foi adotado em 2019, estando em vigor, porém sua aplicação dar-se-á em apenas em 10/03/2021. Esse regulamento estabelece obrigações de divulgação quanto aos fatores de sustentabilidade que devem ser observadas pelos estruturadores e consultores de produtos financeiros em relação aos investidores finais. T ais obrigações dizem respeito à integração dos riscos de sustentabilidade pelos agentes do mercado financeiro (ou seja, gestores de ativos, investidores institucionais, entidades que oferecem produtos financeiros à terceiros, dentre outros) e por consultores financeiros em todos os processos de investimento e para produtos financeiros que tenham como objetivo um investimento sustentável. A lém disso, há também a obrigação de divulgação dos aspectos da sustentabilidade no nível dos próprios agentes do mercado e consultores financeiros, bem como dos produtos que estes estruturam, ou comercializam. Colocado de outra forma, o SDR exige que os agentes do mercado e consultores financeiros considerem as externalidades ambiental e socialmente negativas duas suas próprias decisões internas e dos aconselhamentos propostos e como e se tais externalidades se encontram refletidas nos próprios produtos criados, comercializados ou aconselhados. A razão é que decisões de investimento e assessoria financeira podem causar, contribuir ou estar diretamente ligadas a efeitos negativos relevantes sobre o meio ambiente e a sociedade, independentemente de a estratégia de investimento buscar um objetivo sustentável ou não. T al medida visa garantir a completa e transparente sustentabilidade dos produtos estruturados e dos aconselhamentos e, consequentemente, nos investimentos realizados pelos investidores finais.
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Consiste na introdução de requisitos de divulgação adicionais àqueles existentes nas legislações setoriais relevantes (A IFMD 83, OICV M84, UCIT S, MiFID 85), visando reduzir as assimetrias quanto às informações nas relações entre mandantes e mandatários. Dessa forma, o SRD obriga os operadores e agentes atuantes no mercado financeiro e os agentes autônomos (consultores financeiros) a divulgarem certas informações aos investidores finais, sempre que agirem na qualidade de mandatários ou por conta e ordem destes. 4.4.
Regulamento da T axonomia
Como já dito, o Plano de A ção determinou a criação de um sistema de classificação para atividades sustentáveis – a T axonomia. Em 18 de junho de 2020, o Parlamento Europeu adotou o Regulamento da T axonomia, o qual define os requisitos para que uma atividade econômica seja considerada como ambientalmente sustentável. Mais especificamente, este estabelece um quadro geral com os critérios técnicos que devem ser utilizados para considerar uma atividade econômica como sendo ambientalmente sustentável. Desta maneira, a definição do que torna uma atividade econômica sustentável estará no centro dos debates que estão por vir, à medida que o novo regulamento seja aplicado de forma uniforme em toda UE. De toda sorte, a elaboração de uma taxonomia das atividades sustentáveis foi uma atitude pioneira e arrojada no sentido de criar, efetivamente, uma estrutura jurídica capaz de dar suporte à desejável realocação dos fluxos de capital, 83
A Diretiva para Gestores de Fundos de Investimento Alternativos (Alternative Investment Fund Managers Directive – AIFMD) é uma regulamentação que se aplica a hedge funds, fundos de private equity e fundos imobiliários. 84 A diretiva sobre organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) é uma regulamentação que regulamenta os sistemas de investimento coletivo. 85 A Diretiva de Mercados de Instrumentos Financeiros (Markets in Financial Instruments Directive – MiFID) é uma regulamentação que aumenta a transparência nos mercados financeiros da UE e padroniza as divulgações regulamentares exigidas para tais empresas.
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deixando claro para os investidores quais atividades são consideradas "verdes" ou "sustentáveis”. Para ser ambientalmente sustentável, uma atividade econômica deve (i) contribuir substancialmente para um ou mais dos objetivos ambientais (ii) sem prejudicar significativamente qualquer um dos demais objetivos ambientais, enquanto (iii) sendo realizada em conformidade com as salvaguardas mínimas estabelecidas nas Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais 86 e nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos 87. Os objetivos ambientais referenciados no R egulamento são seis: mitigação das mudanças climáticas; adaptação às mudanças climáticas; uso sustentável e proteção da água; transição para uma economia circular e prevenção e reciclagem de resíduos; redução da poluição; e biodiversidade; e consiste em atividades econômicas que contribuem substancialmente para uma dessas seis metas ambientais, não causam danos significativos às outras cinco e atendem a salvaguardas sociais mínimas (MIRCHA NDA NI, 2019). Em outras palavras, a taxonomia, conforme adotada, tem como foco as mudanças climáticas e outros desafios ambientais, em oposição a fatores sociais e de governança. Não é que os eixos sociais e de governança não figurem no novo Regulamento da T axonomia, mas o fazem apenas como um elemento indireto (e não como um foco principal) do regime, que é dedicado a considerações ambientais. A razão para isso é que a UE queria colocar o sistema de classificação ambiental em funcionamento a tempo de cumprir os prazos do A cordo de Paris. Como tal, foi decidido que uma taxonomia ESG mais ampla seria elaborada após o sistema ambiental 86
As Diretrizes visam assegurar que as operações dessas empresas estejam em harmonia com as políticas governamentais, fortalecer a base da confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde operam, ajudar a melhorar o clima do investimento estrangeiro e aumentar a contribuição das empresas multinacionais para o desenvolvimento sustentável. 87 Consiste em 31 princípios que implementam a estrutura “Proteger, Respeitar e Reparar” da ONU que formam um conjunto de diretrizes para estados e empresas visando prevenir e abordar abusos de direitos humanos cometidos em nas operações comerciais.
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entrar em operação. De acordo com o calendário atual, conforme estabelecido no A rtigo 26 (2) do Regulamento da T axonomia, a Comissão Europeia apresentará um relatório sobre propostas para uma taxonomia ESG mais ampla até 31 de dezembro de 2021. Por fim, o novo Regulamento também deixa intacta a qualificação de todas as demais atividades, por mais nocivas que sejam. Na prática, no entanto, o elemento “não causar danos significativos” da definição de ambientalmente sustentável poderia servir como um padrão mínimo na avaliação da natureza particularmente insustentável de certas atividades. De acordo com a regulamentação da taxonomia proposta, os investidores institucionais que comercializam produtos de investimento ambientalmente sustentáveis seriam obrigados a explicar em que medida e de que modo eles usaram os critérios da taxonomia. A lternativamente, os investidores podem divulgar sua própria abordagem para determinar se seu investimento é ambientalmente sustentável. Essas regras propostas se aplicariam a uma gama de produtos, desde fundos europeus até fundos de investimento alternativos, perpassando também pelos fundos de securitização e fundos de índices. 4.5.
C omo esses Regulamentos Interagem na P rática
Em termos da estrutura geral do regime ESG adotado pela UE, o Regulamento da T axonomia e a NFRD podem ser vistos como tendo uma posição estratégica dentro da estrutura, com a NFRD fornecendo os dados essenciais (pelo menos, de grandes empresas) e a taxonomia fornecendo os conceitos e classificações oficiais e os critérios técnicos a eles associados. Gravitando em torno desses dois textos centrais estão várias medidas ESG específicas. De toda sorte, a maioria delas encontram-se dependentes ou estão de alguma forma ligadas ao Regulamento de T axonomia e/ou à NFRD.
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Em linhas gerais, o Regulamento da T axonomia introduz um sistema de classificação de sustentabilidade por meio do qual as instituições financeiras devem classificar os investimentos com base nos dados divulgados através, principalmente, da NFRD. O SD R (conforme complementado pela T axonomia) exige que as empresas de investimento divulguem: (i) a sustentabilidade ambiental de um investimento e a pertinência e adequação de quaisquer declarações ESG feitas ao mercado; (ii) os riscos que os investimentos apresentam aos fatores ESG; e (iii) os riscos que os fatores ESG apresentam aos investimentos. Dependendo da regra em questão, a divulgação do SDR ficará disponível em um ou mais dos seguintes locais: no site da empresa de investimento, em relatórios periódicos, em material promocional e/ou na documentação que rege a relação contratual ou as próprias transações. T anto o Regulamento de T axonomia quanto o SDR têm enorme escopo de aplicação, cobrindo praticamente toda a indústria de gestão de ativos financeiros e gestão de recursos de terceiros. A lém disso, a taxonomia aplica-se diretamente aos Estados Membros, que estão proibidos de introduzir regras nacionais que possam comprometer a integridade do regime de taxonomia, preservando, assim, o mercado interno europeu. A tualmente, há uma lacuna entre os dados divulgados segundo o padrão NFRD, aqueles estabelecidos pelo SDR e os fixados no Regulamento de T axonomia. No entanto, a própria UE parece consciente dos limites da regulamentação atual e, por isso, lanç ou uma consulta pública em fevereiro de 2020 como elemento inicial para uma proposta de nova regulamentação visando expandir a aplicação da NFRD e reconciliar os seus requisitos de divulgação com os requisitos do SDR e do Regulamento de T axonomia. Do ponto de vista negocial, é tentador ver uma progressão linear para a aplicação dessas medidas na prática, começando com análises de risco de portfólio (e prudenciais) com base nos dados do NFRD, seguido por divulgações (SDR) e avaliação de portfólio e medição de desempenho
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em comparação com benchmarks climáticos, que retroalimentam a parte final do processo. Embora superficialmente útil, este modelo esconde a complexidade das medidas, que se sobrepõem umas às outras. Como tal, pode ser mais preciso descrever a paisagem como uma série de regimes. No entanto, na prática, são considerados como parte de uma iniciativa abrangente mais ampla para inserir a sustentabilidade na estrutura econômica e financeira da UE. De toda sorte, os próximos meses e anos serão cruciais no sentido de uma melhor acomodação e harmonização das várias regulamentações e diretivas, no sentido de um arcabouço para os ESG que seja coesa, efetivo e dinâmico. 5. MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO EFETIVA DO ARCABOUÇO DOS ESG Depois que uma instituição financeira obtém os dados necessários, realiza a análise relevante e, finalmente, classifica a natureza “ambientalmente sustentável” de um investimento, valendo-se dos critérios estabelecidos no Regulamento de T axonomia, esta deverá divulgar tais informações através do SDR. Como cunhado por Ingman (2020), o Regulamento de T axonomia pode ser considerado como um conjunto muito bem elaborado contendo regras de marketing e publicidade para os agentes e operadores no mercado financeiro. Conforme discutido acima, o SDR tem três tipos principais de divulgações: aquelas relacionadas aos riscos apresentados por um investimento para fatores ESG e vice-versa (a chamada perspectiva de “dupla materialidade”) e aquelas relacionadas à forma como um determinado produto financeiro é comercializado. Em termos deste último, o SDR distingue entre “investimentos genuinamente
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sustentáveis”88 e investimentos que apenas promovem, ainda que de forma indireta, as características ESG de um investimento 89. Ocorre que o Regulamento de T axonomia se comunica com o SDR, ao complementar seus requisitos de divulgação com novos critérios e requisitos relacionados à taxonomia, os quais serão aplicados a partir de 1º de janeiro de 2022. Essas complementações, dentre outras, alteram o SDR na parte em que este seja aplicável aos "participantes do mercado financeiro", sendo fundos de investimento coletivo, empresas de seguros que disponibilizam produtos de investimento baseados em seguros, instituições de crédito e empresas de investimento que fornecem gestão de carteiras e fabricantes e fornecedores de certos produtos de pensão. Quando esses participantes do mercado financeiro oferecem um produto financeiro que esteja lastreado em um investimento sustentável, tais participantes ficam, inter alia, obrigados pelo SDR a fornecer uma descrição dos objetivos de sustentabilidade de tais investimentos e a metodologia ou índice usado para medir referido objetivo. Com a referida alteração do SDR, os participantes do mercado financeiro terão de informar aos investidores finais sobre o alinhamento destes produtos financeiros com o Regulamento da T axonomia. Seus materiais de divulgação e promoção (pré-contratuais, tais como lâminas e planilhas) e relatórios periódicos devem incluir uma descrição esclarecendo a maneira e em que medida os investimentos subjacentes do produto financeiro se qualificam como ambientalmente sustentáveis nos termos do Regulamento da T axonomia e para quais objetivos ambientais eles efetivamente contribuem. A s mesmas informações quanto aos materiais de marketing e relatórios periódicos devem ser fornecidas para produtos financeiros que promovam características ambientais, mas que não atendem aos requisitos para serem classificados como “investimento sustentável”. Para esta muito genérica e bastante ampla categoria de produtos financeiros, 88 89
Art. 9 do Regulamento (UE) 2019/2088. Art. 8 do Regulamento (UE) 2019/2088.
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com características menos ambiciosas quanto a sustentabilidade, as informações acima mencionadas devem ser complementadas com o seguinte aviso: “O princípio de “não prejudicar significativamente” aplica-se apenas aos investimentos subjacentes ao produto financeiro que tenham em conta os critérios da UE aplicáveis às atividades econômicas sustentáveis do ponto de vista ambiental. Os investimentos subjacentes à parte remanescente deste produto financeiro não têm em conta os critérios da UE aplicáveis às atividades econômicas sustentáveis do ponto de vista ambiental.”90 Como já dito acima, todos os outros produtos financeiros, que não sejam classificados como ambientalmente sustentável ou promotores de características ambientais, devem adicionar a seguinte isenção de responsabilidade às suas divulgações aos investidores: “os investimentos subjacentes a este produto financeiro não levam em conta os critérios da UE para atividades económicas sustentáveis do ponto de vista ambiental.”91 A segunda categoria de usuários obrigatórios da taxonomia são as empresas que são obrigadas a publicar demonstrações não financeiras (consolidadas) – e aqui esta se entrelaça coma NFRD. Essas declarações deverão conter informações sobre em que medida as atividades do empreendimento estão associadas a atividades econômicas que se qualifiquem como ambientalmente sustentáveis nos termos do próprio Regulamento da T axonomia. A o fazer isso, elas devem identificar a proporção do respectivo volume de negócios oriundos de produtos ou serviços associados a atividades ambientalmente sustentáveis, bem como a proporção de suas despesas de capital (CA PEX ) e a proporção de suas despesas operacionais (OPEX ) relacionadas a ativos ou processos associados a atividades econômicas que se qualifiquem como ambientalmente sustentável. 92 90
Art. 6 do Regulamento (UE) 2020/852. Art. 10 do Regulamento (UE) 2020/852. 92 Arts. 3 e 9 do Regulamento (UE) 2020/852 91
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Por último, os Estados Membros e a UE devem utilizar a definição do Regulamento da T axonomia ao estabelecer os requisitos para os participantes ou emitentes do mercado financeiro no que diz respeito aos produtos financeiros ou dívidas de empresas que são ofertados disponibilizados como sendo ambientalmente sustentáveis. 93 6.
CONCLUSÃO
A falta de celeridade na adoção do Regulamento da T axonomia parecia colocar em xeque ou macular a existência de um arcabouço jurídico capaz de disciplinar o regime de dos ESG. Consoante Ingman (2020b) parecia que os ESG murchariam mesmo antes de virem a florescerem. Isso se dava, muito particularmente, em razão dos Estados Membros constantemente desafiarem uns aos outros quanto a questões pertinentes aos ESG. No entanto, com a publicação do referido Regulamento, a grande nuvem carregada que pairava sobre as partes interessadas se dissipou, restando cristalizadas obrigações com prazos bem determinados e rígidos para os seus cumprimentos. A s empresas financeiras e de investimento, principalmente os gestores e estruturadores de produtos financeiros, deverão se debruçar sobre uma imensa gama de dados, a fim de determinar como esses serão classificados e avaliados para, ao fim e a cabo, determinar quais deverão ser efetivamente reportados e publicados. Eles também precisam considerar como os novos requisitos afetarão seus produtos e ações de marketing, bem como suas estratégias de investimento mais amplas e específicas – incluindo, provavelmente, uma redefinição das carteiras de investimento e portfólios. Uma vez que essas etapas tenham sido implementadas, essas mesmas empresas deverão identificar se possuem os recursos, dados, sistemas, pessoal e experiência necessários para atender aos novos 93
Art. 4 do Regulamento (UE) 2020/852
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requisitos estabelecidos pelo Regulamento da T axonomia e seus impactos secundários nas outras regulações que versam sobre requisitos, principalmente o SDR e a NFRD. Pode se dizer que os agentes do mercado ainda não se encontram em “estado de pânico”, mas em “estado de vigilância e ação”, uma vez que os primeiros prazos importantes sob o novo regime (especificamente o SDR) ficaram definidos para 10 de março de 2021. Dado o tamanho do desafio, tais obrigações podem representar uma tarefa inevitavelment e inglória, caso não se atentem para os requisitos e demais medidas aqui analisadas. Por fim, para os acadêmicos também terá muito trabalho a ser feito no sentido de sistematizar e harmonizar páginas e páginas de normativas que, no mais das vezes, mais parecem um imenso quebracabeças. BIBLIOGRAFIA ESMA . Joint Consultation Paper: ESG disclosures. Draft regulatory technical standards w ith regard to the content, methodologies and presentation of disclosures pursuant to A rticle 2a, Article 4(6) and (7), Article 8(3), Article 9(5), A rticle 10(2) and Article 11(4) of Regulation (EU) 2019/2088. [s.l: s.n.]. Disponível em: < https://w w w .esma.europa.eu/sites/default/files/jc_2020_16__joint_consultation_paper_on_esg_disclosures.pdf> . A cesso em: 8 set. 2020. INGMA N, B. E.U. Environmental Social Governance (ESG) Regulations Guide. [s.l.] Factset, 2020a. Disponível em: < https://w w w .factset.com/hubfs/Resources%20Section/White%20Papers/E.U.% 20Environmental%20Social%20Governance%20(ESG )%20Regulations%20G uide_F INA L.pdf?hsCtaT racking= 100e95cb-98fe-4bcc-9a9c-a086c89174be%7C53458ee7c5f6-40e3-bf60-c0a2d52c5b38> . A cesso em: 8 set. 2020. INGMA N, B. ESG Regulation - Where to Start? Disponível em: < https://insight.factset.com/esg-regulation-w here-to-start> . A cesso em: 7 set. 2020b. INGMA N, B. The EU Taxonomy Regulation: An Overview . Disponível em: < https://insight.factset.com/eu-taxonomy -regulation> . A cesso em: 7 set. 2020.
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IPCC. Global Warming of 1.5°C. An IPCC Special Report on the impacts of global w arming of 1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathw ays, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty . Geneva: W orld Meteorological Organization, 2018. Disponível em: < https://w w w .ipcc.ch/sr15/> . A cesso em: 7 set. 2020. MIRCHA NDA NI, B. How To Read The European Union’s New Guidelines On Sustainable Investing. Disponível em: < https://w w w .forbes.com/sites/bhaktimirchandani/2019/06/20/how -to-read-theeuropean-unions-new -guidelines-on-sustainable-investing/> . A cesso em: 7 set. 2020. OECD. 2017, Investing in Climate, Investing in Grow th, OECD Publishing, Paris, http://dx.doi.org/10.1787/9789264273528-en. Taxonomy: Final report of the Technical Expert Group on Sustainable Finance. [s.l.] European Union, mar. 2020. Disponível em: < https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/business_economy _euro/banking_and _finance/documents/200309-sustainable-finance-teg-final-reporttaxonomy _en.pdf> . A cesso em: 7 set. 2020. UNGA RET T I, M. ESG de A a Z: Tudo o que você precisa saber sobre o tema: EX PERT X P. São Paulo: X P Investimentos, 8 set. 2020. Disponível em: < https://conteudos.xpi.com.br/esg/esg-de-a-a-z-tudo-o-que-voce-precisa-sabersobre-o-tema/> . A cesso em: 11 set. 2020. WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Risks Report 2020: Insight Report. [s.l: s.n.]. Disponível em: < http://w w w 3.w eforum.org/docs/WEF_Global_Risk_Report_2020.pdf> . A cesso em: 7 set. 2020.
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CAPÍTULO 7 MECANISMOS DE PROTEÇÃO DO AMBIENTE MARINHO EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: A IMPLEMENTAÇÃO DO ODS 14 À LUZ DO PACTO VERDE EUROPEU A driana Isabelle Barbosa Lima Sá Leitão94 Tarin Cristino Frota Mont’A lverne95
RESUMO: A eclosão da pandemia da Covid-19 trouxe uma série de alterações no cotidiano das sociedades em todo o mundo. Eleições foram adiadas, Jogos Olímpicos e até mesmo conferências no âmbito da Organização das Nações Unidas. A questão principal que se revela neste cenário é a conexão entre a crise sanitária insurgente e a crise ambiental que se prolonga já há muitos anos: o coronavírus pode ter sua origem em uma zoonose e estudiosos assinalam que esta pode ser a primeira de outras pandemias ainda neste século. O presente estudo, portanto, revela a relação entre ambas as crises e busca traçar um panorama relacionando a efetivação da proteção ambiental como uma condição essencial para a superação desse cenário de adversidades. Neste ponto, apresenta-se o Pacto V erde Europeu como mecanismo para a proteção ambiental e instrumento imprescindível para a implementação do ODS 14, o que permitirá a efetiva tutela dos oceanos como objetivo fundamental a fim de que seja possível manter e perpetuar as condições de vida digna na T erra.
A presente pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 94 Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Advogada. E-mail: adrianasaleitaoadv@gmail.com . 95 Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Doutora em Direito Internacional do Meio Ambiente - Universite de Paris e Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Internacional Público - Universite de Paris. Coordenadora do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI). Coordenadora do Projeto de Pesquisa em Direito do Mar. E-mail: tarinfmontalverne@yahoo.com.br .
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PA LAVRAS-CHAVE: Crise Sanitária; Crise A mbiental; Desenvolvimento Sustentável; ODS 14; Pacto V erde Europeu.
Objetivos
de
A BSTRA CT: T he outbreak of the Covid-19 pandemic brought a series of changes to the daily lives of societies around the w orld. Elections w ere postponed, Olympic Games and even conferences w ithin the United Nations. T he main issue that emerges in this scenario is the connection betw een the insurgent health crisis and the environmental crisis that has been going on for many years: the coronavirus may have its origin in a zoonosis and scholars point out that this may be the first of other pandemics yet in this century . T he present study, therefore, reveals the relationship betw een both crises and seeks to outline a panorama relat ing the effectiveness of environmental protection as an essential condition for overcoming this adversity scenario. A t this point, the European G reen Deal is presented as a mechanism for environmental protection and an essential instrument for the implementation of SDG 14, w hich w ill allow effective protection of the oceans as a fundamental objective so that it is possible to maintain and perpetuate w orthy living conditions on Earth. KEY WORDS: Sanitary Crisis; Environmental Crisis; Sustainable Development Goals; SDG 14; European G reen Deal.
INTRODUÇÃO A figura-se no presente momento uma conjuntura de profunda crise − seja social ou econômica−, mas igualmente de grande reflexão. Para o ano de 2020 havia muita expectativa já há algum tempo, por inúmeros motivos: eleições em alguns países democráticos 96, negociações pertinentes à A genda Internacional A mbiental e até mesmo Jogos Olímpicos no Japão. O que não se esperava era que a maior crise 96
Pode-se citar, como exemplos, a Bolívia e os Estados Unidos da América. Muitos países já tiveram suas eleições adiadas, conforme levantamento realizado pelo IDEA- Institute for Democracy and Electoral Assistance. Disponível em: <https://www.idea.int/news-media/multimedia-reports/global-overview-covid19-impact-elections>.
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sanitária global deste século irromperia no mesmo período em que estavam designadas também grandes conferências destinadas às causas ambientais97. Em uma circunstância excepcional como esta, presume -se que os esforços de todos os Estados afetados serão direcionados ao combate à pandemia e à recuperação dos indivíduos acometidos em todas as camadas sociais, embora esta não seja a realidade de muitos países. Este estudo não se propõe, no entanto, a analisar as questões políticas que envolvem a problemática que impulsionou a reflexão acima, mas busca demonstrar que a questão ambiental está muito mais relacionada com a crise sanitária do que se poderia imaginar em um primeiro momento. Pretende-se explicitar, nesse sentido, o quanto se faz cada vez mais imprescindível manter uma agenda ambiental global e incentivar os Estados a efetivamente implementá-la, no intuito também de prevenir uma nova pandemia. A pesar de parecerem noções distantes, a verdade é que a promoção da saúde humana e a conservação do meio ambiente podem ser considerados dois vieses de um mesmo direito humano consagrado: a vida e, mais do que isso, a vida digna, seja para esta geração ou para as vindouras. Não se pode olvidar que um dos reclamos prioritários do atual contexto é a ascensão de políticas públicas e marcos regulatórios atinentes à preocupação de preservação dos recursos naturais, dentre os quais avulta a gestão sustentável dos mares e dos oceanos em importância para a existência do ser humano no planeta T erra. T rata-se de questão fundamental para a realidade do século X X I. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico −OCDE, os oceanos já podem ser considerados como a nova fronteira econômica. Esses espaços marítimos apresentam um grande potencial de crescimento, emprego e inovação. Por consequência, já são 97
Entre as Conferências adiadas estão a Conferência Intergovernamental sobre Biodiversidade Marinha nas Áreas além da Jurisdição dos Estados e a Conferência das Nações Unidas para o Oceano 2020. Disponível em <https://www.un.org/bbnj/>; <https://oceanconference.un.org/%20%20>.
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considerados de importância crucial para enfrentar muitos dos desafios que o mundo enfrentará nas próximas décadas, sobretudo pós-Covid-19, tais como: segurança alimentar, mudanças climáticas, produção de energia, fornecimento de recursos naturais, sem contar o progresso da medicina98. A lcançar todo o seu potencial exigirá, portanto, a adoção de estratégias para garantir o desenvolvimento de uma economia azul responsável e sustentável. V ale ressaltar que há muito se tem a consciência de que as atividades humanas impactam diretamente na natureza e no desenvolvimento ou na degradação dela. Desde as origens da Conferência de Estocolmo, em 1972, se revelou uma preocupação com o impacto das atividades humanas sobre a biosfera, incluindo os efeitos da poluição do ar e da água, bem como do desmatamento99. Consequentemente, passou-se a buscar um modelo de governança ambiental internacional e, a partir de então, houve uma profusão de conferências internacionais para tratar das temáticas ecológicas, o que contribuiu para a formação de um Direito Internacional do Meio A mbiente fragmentado. Isto é, há diversas normas, tratados e convenções abordando a proteção ambiental em diferentes esferas, no entanto, isso não impede que haja pontos lacunosos que carecem da devida atenção e regulação normativa 100, como a necessidade de adoção de um A cordo Internacional para a gestão sustentável de resíduos de plásticos nos mares e nos oceanos 101. 98
OCDE (2017). L’économie de la mer en 2030. Éditions OCDE, Paris. https://dx.doi.org/10.1787/9789264275928-fr. ISBN 978-92-27592-8. Disponível em: <https://www.oecd.org/fr/publications/l-economie-de-la-mer-en-2030-9789264275928-fr.htm>. 99 FABRA, Adriana; MACKENZIE, Ruth; PEEL, Jacqueline; SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 3ª Edição. Cambridge University Press: Nova Iorque, 2012. p. 30. 100 PLATIAU, A. F. B. (Org.); VARELLA, M. D. (Org.). A efetividade do direito internacional ambiental. 1. ed. Brasilia: UniCEUB, Unitar e UnB, 2009. 316 p. ISBN 978-85-61990-01-5. Disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11333/1/Efetividade.pdf >. 101 UNITED NATIONS. UN convention on wastes makes breakthrough recommendations to address global marine litter and other types of wastes. Environment Programme. Basel Convention. Controlling transboundary movements of hazardous wastes and their disposal. Press Release. Disponível em:
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O impacto das atividades humanas nos ecossistemas terrestre e marinho tem sido o foco de profícuas pesquisas, as quais têm demonstrado que a profunda interação humana com os ecossistemas pode gerar inesperadas consequências em larga escala. A pesar de esse conhecimento ser difundido, parece não ter ainda produzido os efeitos esperados, uma vez que, somente na última década, a humanidade queimou mais carvão do que em todos os outros anos 102 e que, para 2025, espera-se que os oceanos do mundo contenham uma tonelada de plástico para cada três toneladas de peixe, além de que até 2050 conjectura-se a existência de mais quilogramas de plásticos do que de peixes 103. Mesmo diante desse cenário aterrador, tem-se observado que, quando se trata de questões ambientais, há por assim dizer uma negligência motivada das autoridades governantes e da coletividade como um todo, apesar de se ter discernimento sobre os impactos e riscos ambientais de determinadas atividades. Esse fenômeno é compreensível em razão da complexidade da questão ambiental, sobretudo quando se verifica que, em geral, embora os impactos e danos ecossistêmicos ocorram incessantemente, a percepção das consequências possui um lapso temporal extenso entre a ação danosa e o desencadeamento dos efeitos negativos. A ssim, nem sempre se pode mensurar o prejuízo ou até mesmo identificá-lo imediatamente. Essa delonga sensorial incide diretamente na própria
<http://www.basel.int/Implementation/PublicAwareness/PressReleases/OEWG11Pressrelease/tabid/7655/ Default.aspx#_ftn1>. 102 GRUMBACH, Stéphane; HAMANT, Olivier. How humans may co-exist with Earth? The case for suboptimal systems. Anthropocene 30 (2020) 100245, Elsevier Ltd. p. 2. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2213305420300114?via%3Dihub>; <http://dx.doi.org/10.1016/j.ancene.2020.100245>; <http://dx.doi.org/10.1016/j.ancene.2020.100245>. 103 DIXON, Sean; LEES, Zachary; LESHAK, Andrea. The Big Apple's Tiny Problem: A Legal Analysis of the Microplastic Problem in the N.Y./N.J. Harbor, Roger Williams University Law Review: vol. 22, nº 2, article 5. pp. 385-430 (2017), p. 390. Disponível em: <https://docs.rwu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1629&context=rwu_LR>.
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percepção do risco, o que não significa que as consequências não estejam já produzindo seus drásticos resultados 104. Não é plausível, todavia, aguardar pelo momento em que o caos ecológico estiver instaurado e, em verdade, nada mais se possa fazer. Inclusive, agora, é possível considerar que já se está diante de uma situação ambiental catastrófica105. Como resultado de todas as variáveis pertinentes à proteção ambiental, o Direito Internacional do Meio A mbiente tem apresentado algumas fragilidades, sobretudo quanto à sua abordagem reativa, mesmo diante da complexidade que envolve a temática. Isto é, a proteção se torna dificultada em razão de os ecossistemas serem imprevisíveis e sujeitos a mudanças potencialmente catastróficas, tanto em escala local quanto global. Embora sejam aplicados com frequência os princípios da prevenção e da precaução 106, o direito ambiental tem operado predominantemente somente após a ocorrência de um desastre, ao contrário de tentar antevê-lo com antecedência107. Há cerca de três décadas a Comunidade Internacional tem destacado o desenvolvimento sustentável como um de seus objetivos, o qual tem por finalidade a integração de políticas econômicas, ambientais, sociais e sanitárias para assegurar que os benefícios do desenvolvimento econômico possam ser desfrutados tanto pela presente geração quanto 104
MORAES, Gabriela Bueno de Almeida. O princípio da precaução no direito internacional do meio ambiente. São Paulo: G.B. de A. Moraes, 2011. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Direito da USP. Orientadora: Professora Elizabeth de Almeida Meirelles. p. 39. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-03092012111415/publico/MORAES_Gabriela_Bueno_de_Almeida_Dissertacao_de_mestrao_integral.pdf>. 105 PRIEUR, Michel; LAVIEILLE, Jean-Marc; BÉTAILLE, Julien. Les Catastrophes écologiques et le droit: échecs du droit, appels au droit. Bruylant: Bruxelles, 2012. ISBN 978-2-8027-3045-3. Disponível em <https://www.researchgate.net/publication/316433039_Les_catastrophes_ecologiques_et_le_droit>. 106 VARELLA, M. D.; PLATIAU, Ana Flavia Barros (Org.). O princípio da precaução. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey e Escola Superior do Ministério Público da União, 2004. 415 p. (Coleção Direito Ambiental em debate). 107 CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. ISBN: 978-852036-362-1.
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pelas seguintes, o que implica compreender o desenvolvimento econômico lato sensu como parte de um sistema global e intergeracional. O desenvolvimento sustentável como conceito ou princípio dentro do Direito Internacional tem sido consolidado pouco a pouco, desde a Comissão Brundtland em 1987, até a mais recente A genda 2030108. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável −ODS ilustram a evolução conhecida dos últimos anos quanto à importância reconhecida, no contexto internacional, dos mares e dos oceanos. Os objetivos do milênio para o desenvolvimento, adotados em 2000, não contemplavam a conservação e o uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos no objetivo 7, concernente à proteção do meio ambiente 109. Em um quadro de uma abordagem diferente, os ODS – aprovados pela A ssembleia Geral das Nações Unidas− A GNU, em 25 de setembro de 2015110 – dedicam um objetivo específico aos mares e oceanos. T rata-se do objetivo 14: “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Embora ainda falte exatidão e não seja possível, por essa razão, uma sistematização, a evolução observada nos novos Objetivos se direciona a uma melhor consideração da questão dos oceanos e dos mares no âmbito do Direito Internacional, sobretudo quando a A GNU adotou a Resolução 71/312 de 6 de julho de 2017 intitulada “Nosso
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MESSENGER, Gregory. Desarrollo sostenible y Agenda 2030: El rol de Derecho Internacional dentro del Desarrollo Sostenible y la Agenda 2030. Revista Española de Derecho Internacional. Sección FORO, vol. 69/1, enero-junio 2017, Madrid, p. 272. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/315112818_El_Rol_de_Derecho_Internacional_dentro_del_De sarrollo_Sostenible_y_la_Agenda_2030>. 109 UNITED NATIONS. Millennium Development Goals and Beyond 2015. Goal 7: Ensure Environmental Sustainability. Disponível em: <https://www.un.org/millenniumgoals/environ.shtml>. 110 ______. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. A/RES/70/1. Disponível em: <https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>.
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Oceano, Nosso Futuro: Chamada para A ção”111, cuja finalidade principal é apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14. A questão central para a qual se busca resposta é como a humanidade poderá reverter ou deter os efeitos prejudiciais de suas próprias condutas e, mais do que isso, o porquê empenhar esforços nesse sentido. Pretende-se, portanto, conjecturar e apontar como, após a insurgência da crise sanitária que ora se alastra pelo planeta, poder -se-á estabelecer uma forma de o ODS 14 ser implementado pelos Estados e como será possível sedimentar a noção de imprescindibilidade da sua consecução como elemento essencial para o desenvolvimento sustentável112. A esse respeito, a União Europeia − UE pode ser a pioneira na superação da crise decorrente da pandemia. A inda no momento em que a Comissão Europeia estava em processo de eleição para o cargo de presidente − antes mesmo de se cogitar a insurgência da Covid-19−, a agora eleita presidente Ursula von der Leyen apresentou em suas propostas políticas para o quinquênio 2019-2024 a elaboração do E uropean Green Deal, ou Pacto V erde Europeu. Em suas diretrizes, ela afirmou categoricamente que é necessário mudar a maneira como se produz, se consome e se comercializa. Preservar e restaurar o ecossistema deve orientar todos os trabalhos realizados no âmbito da UE 113. Diante disso, o Pacto V erde Europeu se mostra como um mecanismo promissor nesta guinada rumo à implementação dos ODS. A 111
______. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 6 July 2017. 71/312. Our ocean, our future: call for action. A/RES/71/312. Disponível em: <https://digitallibrary.un.org/record/1291421>. 112 CLAUDET, Joachim et al. A Roadmap for Using the UN Decade of Ocean Science for Sustainable Development in Support of Science, Policy, and Action. Volume 2, Issue 1, 24 January 2020, Pages 34-42. Published by Elsevier Inc. https://doi.org/10.1016/j.oneear.2019.10.012. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2590332219300934>. 113 LEYEN, Ursula von der. POLITICAL GUIDELINES FOR THE NEXT EUROPEAN COMMISSION 2019-2024. A Union that strives for more- My agenda for Europe. p. 7. Disponível em: <https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/political-guidelines-next-commission_en.pdf>.
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União Europeia deverá, nos próximos anos, incentivar e até mesmo pressionar terceiros Estados a adotarem condutas mais sustentáveis, atrelando cada vez mais o desenvolvimento econômico à conservação e à preservação ambientais. É importante citar o Relatório de 2020 sobre a Economia A zul da UE, publicado em junho de 2020, pela Comissão Europeia. Este documento deve ser visto como uma ferramenta para apoiar iniciativas e políticas relevantes no âmbito do Pacto V erde Europeu, que visa implementar a A genda 2030, colocando o desenvolvimento sustentável no centro da formulação de políticas e de ações da UE. O Relatório, assim, apresenta o impacto socioeconômico da Economia A zul no contexto pós-pandemia, sem desconsiderar as suas implicações ambientais114. O grande desafio que se afigura nesta nova fase do A ntropoceno 115 desencadeada pela Covid-19 é manter a atenção e os esforços voltados para a proteção ambiental, colocando em prática ou dando seguimento às negociações em matéria ecológica para que não haja retrocesso nesta matéria. A final, como visto, embora no momento a maior preocupação se volte ao direito sanitário, o meio ambiente está intimamente associado à situação ora experienciada. O exame ora proposto, portanto, traça a relação entre a pandemia da Covid-19 e a degradação ambiental, apresentando em seguida os mecanismos de articulação internacional aptos à recuperação dos Estados em um contexto de crise e, por fim, destaca que a proteção 114
EUROPEAN UNION. The EU Blue Economy Report. 2020. Publications Office of the European Union. Luxemburgo, 180 p. ISBN 978-92-76-19726-3. Disponível em: <https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/2020_06_blueeconomy-2020ld_final.pdf>. 115 BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; BARROS, Jorge Gomes do Cravo; MAZZEGA, Pierre; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Correndo para o mar no antropoceno: a complexidade da governança dos oceanos e a estratégia brasileira de gestão dos recursos marinhos. Revista de Direito Internacional- UniCEUB. Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito, volume 12, nº 01, 2015, p.150-168. Direito do Mar e Direito Marítimo: aspectos internacionais e nacionais. ISSN 2237-1036. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/download/3556/pdf>.
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especificamente voltada aos oceanos é imprescindível em virtude da relevância dos mares na manutenção das condições da vida − especialmente a vida humana− na T erra. T rata-se de pesquisa teórica, bibliográfica, descritiva, exploratória e qualitativa de bibliografia nacional e internacional, com prioridade para artigos científicos recentemente publicados − uma vez que o exame trata de tema atual e ainda em progresso−, além de legislação e de documentos internacionais pertinentes ao objeto em análise, sobretudo relatórios, resoluções e convenções internacionais. 1. INSURGÊNCIA E ORIGENS AMBIENTAL COMO IMPULSOR
DA
PANDEMIA:
CRISE
A atual crise sanitária originada pelo aparecimento de um novo coronavírus tem mostrado, tanto em sua origem quanto em seus impactos, os riscos e as vulnerabilidades diversas e interconectadas a que as pessoas estão sujeitas, sejam em termos humanitários ou sociais, econômicos ou ambientais 116. T amanha adversidade tem conduzido especialistas e cientistas em todo o mundo a averiguar o surgimento do vírus ou de qual animal se trata quando se cogita em um hospedeiro intermediário, a fim de, sobretudo, lograr êxito na obtenção da cura e, principalmente, evitar que pandemias futuras v oltem a ameaçar a existência humana. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde− OMS relatou que a provável fonte de transmissão do novo coronavírus, que infectou e segue infectando milhares de pessoas em todos os continentes, é
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BARCHICHE, Damien. Réaliser l’Agenda 2030 pour le dévelippement durable : indispensable horizon pour la sortie de crise, mais comment faire ? In: Billet de Blog, Institut du développement durable et des relations internationales, 12 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.iddri.org/fr/publications-etevenements/billet-de-blog/realiser-lagenda-2030-pour-le-developpement-durable>.
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ecológica. Pode tratar-se de um morcego ou de outro animal selvagem ou doméstico 117. A s enfermidades transmitidas de animais para seres humanos estão em expansão 118 e se agravam à medida em que os habitats naturais desses seres vivos são degradados em razão das atividades humanas. Estudiosos têm alertado que os ambientes deteriorados podem estimular processos evolutivos acelerados e, assim, diversificar as doenças, uma vez que os patógenos se propagam com facilidade de rebanhos animais para seres humanos119. Por outro lado, novos estudos que analisaram amostras de esgoto congeladas de diversos países detectaram a existência do novo coronavírus em momento anterior aos primeiros relatos de casos de pessoas acometidas da doença120. Em virtude da nova descoberta, especialistas conjecturam que o vírus poderia já achar-se inativo na
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Segundo pesquisadores e de acordo com a Organização Mundial da Saúde− OMS, o coronavírus de 2020 tem uma origem ecológica em populações de morcegos. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation Report – 94. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200423-sitrep-94-covid19.pdf> 118 KNIGHT, Tim; MADDOX, Tom; WILLIAMS, Nathan. The environmental implications of the Covid-19 pandemic. In: FAUNA & FLORA INTERNATIONAL. Maio, 2020, p. 4. Disponível em: <https://cms.fauna-flora.org/wp-content/uploads/2020/06/FFI_2020-The-Environmental-Implications-ofthe-Covid-19-Pandemic.pdf>. 119 Doreen Robinson, chefe para a Vida Selvagem no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) In: UNITED NATIONS. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. In: Environment Programme. Reportagem. Ecosystems and Biodiversity, 03 de março de 2020. Disponível em: <https://www.unenvironment.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/surto-decoronavirus-e-reflexo-da-degradacao-ambiental-afirma>. 120 BARCELO, Damia; ORIVE, Gorka; LERTXUNDI, Unax. Early SARS-CoV-2 outbreak detection by sewage-based epidemiology. In: Science of The Total Environment. Volume 732, 25 August 2020, 139298. Elsevier B.V. Disponível em: <https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S0048969720328151?token=A1B28889329278A4FDBA881BF 3EF6847956C294746BD7C761731B7B4E305B1335CAE53E5961CAED4F11E54AA91892369>; <https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.139298>.
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sociedade e, em razão de condições ambientais favoráveis, emergiu disseminando seus efeitos na população 121. A s pesquisas sobre o novo coronavírus seguem avançando diante de todos os cenários que se afiguram possíveis quanto ao surgimento do patógeno. Independentemente da origem que se atribua ao vírus em caráter definitivo, é certo que a maioria dos exames até então realizados têm assinalado quanto ao fato de que as questões ambientais têm interferência direta nesse fenômeno. O Programa das Nações Unidas para o Meio A mbiente −PNUMA , neste viés, assinala que os seres humanos e a natureza integram o mesmo sistema interconectado. O meio ambiente fornece comida, remédios, água, ar e muitos outros benefícios que possibilitam a existência e a permanência da humanidade, permitindo que os seres humanos prosperem. É necessário, contudo, que se compreenda como esse sistema ultra conectado funciona para que, então, seja possível contornar e até mesmo evitar consequências cada vez mais negativas oriundas das ações humanas danosas 122, muitas vezes empreendidas em razão de que as pessoas, no decorrer da evolução social, têm se distanciado cada vez mais do meio ambiente buscando se destacar do todo e visualizando os ecossistemas como um meio para a consecução de seus fins123. Compreende-se essa conduta porque incialmente, ao se deparar com a natureza, não havia o conhecimento necessário acerca da finitude dos recursos naturais e, de conseguinte, não era possível mensurar os níveis de exploração suportados pelo planeta, atingindo então o estado de caos ecológico vivenciado desde o início deste século. Esse estado de 121
KNAPTON; Sarah. Exclusive: Covid-19 may not have originated in China, Oxford University expert believes. In: The Telegraph. Disponível em: <https://www.telegraph.co.uk/news/2020/07/05/covid-19may-not-have-originated-china-elsewhere-emerged-asia/>. 122 UNITED NATIONS. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. In: Environment Programme. Reportagem. Ob. cit. 123 SLOTERDIJK, Peter. You must change your life: on anthropotechnics. Tradução de Wieland Hoban. Polity Press: Cambridge, UK, 2013. pp. 404-406; 448-452.
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distanciamento entre o homem e a natureza ainda não foi abandonado pela humanidade, ao contrário, em virtude de sua permanência é que ainda se tenta, mediante o esforço de parte da sociedade, embutir nas pessoas uma consciência sobre a relação entre as ações antrópicas e a obliteração dos ecossistemas. À medida em que as pessoas se alienam do funcionamento da natureza e do funcionamento dos sistemas naturais, a coletiv idade não reconhece a necessidade de pressionar os agentes políticos para que ajam em prol da conservação do meio ambiente e para que adotem medidas e políticas sustentáveis, que garantam a possibilidade de vida para esta e para as próximas gerações. V ê-se, portanto, que a sociedade resta, em grande parte, anestesiada e alienada em relação às suas próprias condições de vida124. Ocorre que, em 2020, não se pode persistir no estado de obscurantismo quanto às questões ambientais. A lcançou-se tamanho grau de informação e de tecnologia que é suficiente para, ao menos, prevenir a ocorrência de desastres ambientais – em que não se pode ignorar a contribuição humana 125− que, como visto, impactam diretamente na saúde das pessoas. Desde 2016 o PNUMA aponta em seus relatórios que as zoonoses126 ameaçam o desenvolvimento econômico, o bem-estar dos
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REVOLIXONÁRIOS− Mundo de Plástico. Direção e produção: Thiago Eduardo. Roteiro: Andrea Marranquiel. Realização: Secretaria Especial da Cultura, Ministério da Cidadania e “Sou Filmes”. Itajaí, São Paulo, 01 de junho de 2020. Duração: 45’21’’. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HvJVlYqlj2o&feature=youtu.be>. 125 CAVEDON, Fernanda de Salles. As ecological disasters and human rights: constructing resilience by an environmental and ethical approach. In: OLIVEIRA, Carina Costa de; SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha (Org.). Instrumentos jurídicos para a implementação do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: FGV, Direito, 2012. ISBN: 978-85-63265-21-0. p. 388. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10355/Instrumentos%20Jur%C3%ADdicos %20para%20Implementa%C3%A7%C3%A3o%20do%20Desenvolvimento%20Sustent%C3%A1vel.pdf>. 126 UNEP (2016). UNEP FRONTIERS 2016 REPORT: Emerging Issues of Environmental Concern. United Nations Environment Programme, Nairobi. ISBN: 978-92-807-3553-6. Job Number: DEW/1973/NA. Disponível em:
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seres vivos e a integridade do ecossistema. Não se pode desconsiderar que nos últimos anos diversas enfermidades zoonóticas emergentes foram noticiadas ao redor do mundo, até a deflagração da Covid-19 e, por certo, a próxima pandemia pode até estar próxima se não forem empenhados esforços para evita-la127. Há alguns anos já se tem conhecimento por meio de relatos 128 que os vírus do tipo SA RS129 poderiam se espalhar facilmente em hospitais e causar surtos em toda a comunidade ali presente, desencadeando assim o alastramento de uma doença respiratória viral que poderia resultar em uma pandemia, fosse pela transmissão de pessoa para pessoa, pelo ar, ou de um agente causador externo que tivesse como reservatório morcegos ou diversos outros animais. Nesse contexto, e diante de todos os fatores que podem ter contribuído para o desencadeamento da pandemia, a solução imediata que se afigura é que a preservação ambiental deve constar como prioridade nas pastas governamentais e, por meio da cooperação da Comunidade Internacional, será possível evitar futuras pandemias e consequentemente os vultosos gastos públicos que delas decorrem 130. A s medidas que têm sido adotadas durante a pandemia da Covid19 modificaram a rotina da maioria das pessoas, como regras de isolamento social e o uso obrigatório de máscaras faciais que protegem o trato respiratório. Poder-se-ia considerar que, com esses novos comportamentos, surgiria a oportunidade de introduzir na sociedade <https://environmentlive.unep.org/media/docs/assessments/UNEP_Frontiers_2016_report_emerging_issue s_of_environmental_concern.pdf >. 127 KHAN, Ali S. with PATRICK, William. The next pandemic: on the front lines against humankind’s gravest dangers. New York: Public Affairs, 2016. ISBN 9781610395922., p. 254. 128 Ibidem., p. 254. 129 SARS-COV-2 é o nome oficial do vírus que atinge o mundo em 2020. Foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). SARS é a sigla para Severe Acute Respiratory Syndrome (síndrome respiratória aguda grave). 130 Tem-se que as grandes doenças emergentes nas duas últimas décadas custaram mais de cem bilhões de dólares. In: UNITED NATIONS. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. Ob. cit.
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conceitos e condutas de sustentabilidade, esperando-se que a experiência ora imposta sobre a população se transforme em uma verdadeira conscientização em favor de formas de vida mais atentas ao meio ambiente. Essa expectativa, entretanto, deve ser relativizada. O modo de vida de grande parte das pessoas é determinado por inúmeros fatores, sobretudo pelas condições econômicas, sociais e materiais (normas sociais, regras e infraestrutura). Esses fatores coletivos condicionam fortemente os comportamentos humanos. A possiblidade de esta pandemia transformar de maneira sustentável os modos de vida dos indivíduos depende da maneira como ela afetará as representações coletivas sobre o bem-comum 131. A situação pode ser considerada como favorável para que se reflita sobre modos de viver, de produzir, de consumir e de conviver distintos dos que se tem cultivado e perpetuado nas últimas décadas. Na ausência de alternativas, como já ressaltado, outras pandemias podem vir a ocorrer. Somente com uma nova articulação entre os processos políticos e civilizatórios poder-se-á cogitar sobre uma sociedade na qual a humanidade assuma um lugar mais respeitoso perante o planeta em que habita, afinal, a defesa da natureza em seu conjunto é, em si mesma, a condição para a perpetuação da vida humana 132. A integração entre preservação ambiental, progresso econômico e desenvolvimento social se mostra como uma possiblidade viável de restruturação diante do colapso que se conjectura para um porvir iminente. O que se espera do mundo após a pandemia da Covid-19 é que o contexto em que a humanidade se inseriu por suas próprias ações dê
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BRIMONT, Laura; SAUJOT, Mathieu. À quelles conditions la pandémie de Covid-19 peut-elle être un catalyseur vers des modes de vie plus durables? In: Billet de Blog, Institut du développement durable et des relations internationales, 22 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.iddri.org/fr/publicationset-evenements/billet-de-blog/quelles-conditions-la-pandemie-de-covid-19-peut-elle-etre>. 132 SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Edições Almedina: Coimbra, 2020. pp. 29-32.
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margem justamente à mudança necessária para a prevenção de novas ameaças à vida humana. 2. PILAR PARA A REESTRUTURAÇÃO: SUSTENTABILIDADE COMO ALTERNATIVA A ntes mesmo de se cogitar a eclosão da pandemia da Covid-19 em 2020, a Comunidade Internacional já se mobilizava frente aos desafios que a sociedade tem enfrentado neste século. A implementação da A genda de Desenvolvimento Sustentável para 2030 é mencionada como um meio indispensável para o egresso das adversidades e crises que se intensificaram no decorrer dos últimos anos nas diferentes partes do globo e, principalmente agora, com a insurgência do novo coronavírus133. A A genda 2030 busca fortalecer a paz mundial por meio de seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável − ODS, acompanhados por um conjunto de metas e indicadores para avaliar o seu cumprimento 134. É evidente que se tem buscado por uma mudança de atitude real nas relações entre os atores da Comunidade Internacional, os quais, através da adoção de uma postura distinta em relação à natureza, poderão chegar a um consenso na governança global do meio ambiente, inclusive dos mares, direcionada a uma gestão sustentável e à partilha de benefícios. A sustentabilidade somente será atingida quando os problemas sociais forem verdadeiramente enfrentados e quando houver o compartilhamento de riquezas. Na UE a integração é considerada como um dos princípios ambientais mais significativos. Sua finalidade é alcançar o desenvolvimento sustentável determinando que as ações de proteção ao meio ambiente sejam promovidas pelos Estados-Membros de maneira integrada com os demais campos, para que políticas setoriais sejam 133
BARCHICHE, Damien. Ob. cit. MESSENGER, Gregory. Ob. cit., p. 272.
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harmonizadas (administrativa e legislativamente) com os parâmetros protecionistas ambientais, tendo-se em consideração que a possível degradação não respeita as fronteiras nacionais ou regionais 135, isto é, pode se alastrar de forma difusa e transfronteiriça. No epicentro das respostas aos desafios climáticos, ambientais e sociais que ora se enfrenta, está o Pacto V erde Europeu, como já reportado, um ambicioso conjunto de propostas que elenca medidas para a redução da emissão de gases do efeito estufa, preservação do meio ambiente natural, entre outros tantos objetivos condizentes com o desenvolvimento sustentável 136. Com a crise deflagrada pela pandemia, o Pacto V erde se exprime como uma proposta de transição necessária para a recuperação da União Europeia137, questionando e apresentando alternativas para o modelo econômico predatório preponderantemente ainda adotado no Ocidente. V islumbra-se no E uropean Green Deal, portanto, um mecanismo hábil para guiar os Estados-Membro Europeus − e a sociedade como um todo, em virtude de sua expressividade e influência− em direção à preservação ambiental e, de conseguinte, à auto perpetuação da espécie humana. Não se pode ignorar, porém, que há países que ainda caminham em rumos diametralmente opostos, sem qualquer responsabilidade perante os ecossistemas (até mesmo no próprio âmbito da UE) 138. O que é preciso, de toda forma, é impulsionar essa transição e refletir sobre 135
DIZ, Jamile Bergamaschine Mata; LOPEZ, Tania García. Ob. cit., p. 11. EUROPEAN UNION. The EU Blue Economy Report. 2020. Ob. cit. (Mariya Gabriel, Commissioner for Innovation, Research, Culture, Education and Youth, responsible for the Joint Research Centre (JRC), p. II). 137 ______. Conselho Europeu. Conselho da União Europeia. Políticas: Um plano de recuperação para a Europa. Disponível em: <https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-recovery-plan/>. 138 Como exemplo, cita-se a Polônia, que tem a maior capacidade estimada de armazenamento em campos de carvão, que ascende a 1.254 milhões de toneladas de CO² (dióxido de carbono). In: ALVES DIAS, P. et al. EU coal regions: opportunities and challenges ahead. EUR 29292 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2018, p. 86. ISBN 978-92-79-89884-6, doi:10.2760/064809, JRC112593. Disponível em: <https://setis.ec.europa.eu/publications/relevant-reports/eu-coal-regions-opportunities-andchallenges-ahead>. 136
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ações globais de sustentabilidade, sejam multilaterais, regionais ou bilaterais. O desenvolvimento sustentável e a integração de suas três dimensões − ambiental, social e econômica−139, não deve ser tido somente como uma concepção vaga e abstrata, mas como uma noção concreta a ser efetivamente implementada pelos Estados em suas ações políticas internas e externas. O desenvolvimento deve ser compreendido como um processo que, além de aumentar os recursos de um país ou de uma região, satisfaz os objetivos de crescimento econômico, elevação da qualidade de vida da população e respeito ao equilíbrio dos ecossistemas, contribuindo para reparar os danos já causados, na medida do possível 140. O Fórum Político de A lto Nível, ou High Level Political Forum141, empreendido desde 2013 sob os auspícios do Conselho Econômico e Social− ECOSOC da Organização das Nações Unidas− ONU, é um encontro anual de acompanhamento e revisão da A genda 2030. Esse Fórum tem caráter intergovernamental universal e deve fornecer liderança política, orientação e recomendações para o desenvolvimento sustentável, examinando o progresso na implementação dos compromissos de sustentabilidade, realçando a integração de suas três dimensões de maneira holística e intersetorial em todos os níveis, adotando uma agenda focada, dinâmica e orientada para a ação, garantindo que sejam considerados novos e emergentes desafios do desenvolvimento sustentável 142.
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NAÇÕES UNIDAS BRASIL. 17 Objetivos para transformar nosso mundo. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. 140 DIZ, Jamile Bergamaschine Mata; LOPEZ, Tania García. Ob. cit., p. 7. 141 UNITED NATIONS. Sustainable Development Goals- Knowledge Platform. High-Level Political Forum 2020 Under the Auspices of ECOSOC. Disponível em: <https://sustainabledevelopment.un.org/hlpf/2020>. 142 ______. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 9 July 2013 [without reference to a Main Committee (A/67/L.72)] 67/290. Format and organizational aspects of the high-level political forum on sustainable development. Disponível em: <https://undocs.org/A/RES/67/290>.
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Em 2020 os participantes debateram sobre o os rumos que trilham em relação à implementação dos ODS, sobretudo à luz do impacto suportado pela pandemia da Covid-19. O objetivo foi discutir e refletir como a Comunidade Internacional pode responder à pandemia de forma que seja possível manter a consecução e a implementação dos ODS, acelerando o progresso na década de ação pelo desenvolvimento sustentável que ainda se acha pela frente. No cerne dessa conjuntura verifica-se que, tanto na A genda 143 2030 quanto no Pacto V erde Europeu 144, há menção à evidente urgência de se dedicar maior relevância à conservação dos mares. Dentro dos ODS, a efetiva proteção dos oceanos deve ser tida como um alvo fundamental dos Estados para se alcançar a implementação dos demais objetivos e, consequentemente, perpetuar o desenvolvimento humano em todas as suas direções e dimensões. O E uropean Green Deal reconhece que os oceanos estão sendo poluídos e degradados e, nesse sentido, se apresenta como uma resposta aos desafios climáticos e ambientais das próximas décadas. Para solucionar a problemática ecologicamente instaurada, o documento é enfático em assinalar que a sua ambição não será concretizada por uma União Europeia isolada, mas deverá mobilizar vizinhos e demais países a agir em conjunto, afinal, a crise ambiental não está limitada por fronteiras nacionais, sobretudo quando se trata dos oceanos. Estes, a sua vez, suportam a exploração direta de recursos naturais, pelo que se rev ela uma significativa diminuição de biodiversidade a nível mundial. 143
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods14/>. 144 O Pacto menciona expressamente que “soluções duradouras para as mudanças climáticas requerem maior atenção às soluções baseadas na natureza, incluindo mares e oceanos saudáveis e resilientes” (tradução autoral). In: EUROPEAN UNION. The European Green Deal. COMMUNICATION FROM THE COMMISSION TO THE EUROPEAN PARLIAMENT, THE EUROPEAN COUNCIL, THE COUNCIL, THE EUROPEAN ECONOMIC AND SOCIAL COMMITTEE AND THE COMMITTEE OF THE REGIONS. Brussels, 11.12.2019 COM (2019) 640 final, p. 14. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/european-green-deal-communication_en.pdf>.
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Na subdivisão “2.1.7- Preservar e recuperar ecossistemas e a biodiversidade”, o documento determina a continuidade de trabalhos no âmbito da política comum das pescas, com o fim de reduzir os impactos negativos desta prática nos ecossistemas, especialmente em zonas marinhas sensíveis, adotando uma posição de tolerância zero acerca da pesca ilegal. É elencado ainda que será apoiada uma melhor gestão e conectividade de áreas marinhas protegidas, propondo medidas que incluam formas mais sustentáveis de gerir o espaço marítimo de forma a aproveitar o seu crescente potencial de energia renovável. V ale pontuar que a UE, dentro do plano de ação para a economia circular, ao mencionar os produtos sustentáveis, destaca a necessidade de seguimento às estratégias com relação ao adequado manejo do plástico, com foco no combate aos microplásticos intencionalmente adicionados em produtos ou desprendidos de maneira não intencional. Igualmente determina o estabelecimento de um quadro para regulamentar plásticos de base biológica e biodegradáveis, administrando medidas sobre plásticos de única utilização, além de identificar a imprescindibilidade de elaboração de nova legislação que estabeleça objetivos e medidas para minimizar embalagens e a produção de resíduos 145. O Pacto V erde, então, ostenta o potencial de ser um instrumento para a implementação da A genda 2030 e, sobretudo, para a implementação do ODS 14 146.
145
EUROPEAN UNION. The European Green Deal. Ob. cit., pp. 2-16. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/european-green-deal-communication_en.pdf>. 146 Nesse sentido, o EU Blue Economy Report 2020 assinala que o relatório deve ser visto como uma ferramenta para apoiar iniciativas relevantes e políticas sob a égide do Pacto Verde Europeu, o qual busca implementar a Agenda 2030 da ONU ao colocar a sustentabilidade e o bem-estar dos cidadãos no centro da política econômica e o desenvolvimento sustentável no coração dos agentes políticos da União Europeia (tradução autoral). In: EUROPEAN UNION. The EU Blue Economy Report. 2020. Ob. cit., p. 2.
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3. A PROTEÇÃO E A CONSERVAÇÃO DOS OCEANOS COMO OBJETIVO FUNDAMENTAL A s principais características do oceano estão mudando significativamente como resultado das mudanças climáticas e de mudanças relacionadas à atmosfera 147. A interferência desordenada nos mares, bipolarizada na poluição dos oceanos e na utilização excessiva dos recursos vivos marinhos gera o desequilíbrio ecológico e a degradação das condições ambientais marinhas, atingindo um número indeterminado de pessoas, que são afetadas difusamente em seus interesses legítimos de uso dos mares 148. A lém disso, os oceanos suportam a descarga e a emissão indevidas de substâncias perigosas, como metais pesados e poluentes orgânicos persistentes, bem como a eliminação de resíduos sólidos nesses espaços e as descargas de óleo 149, tanto enquanto descargas operacionais como em decorrência de desastres marítimos, que ocorrem quando navios estão embarcados150.
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CAMPOS, Edmo J. D. O papel do oceano nas mudanças climáticas globais. REVISTA USP, São Paulo. Nº 103, pp. 55-66, 2014. p. 57. Disponível em: <http://www.io.usp.br/images/noticias/papel_oceanos_clima.pdf>. 148 MONT’ALVERNE, T.C.F.; SÁ LEITÃO, A.I.B.L. A proteção da Biodiversidade Marinha nas áreas além da jurisdição dos Estados: negociações e estratégias. Capítulo 11 (pp. 172-203), p. 209. In: Globalização, Desenvolvimento Sustentável e Efetividade da Justiça. Jamile Bergamaschine Mata Diz, Roberto Correia da Silva Gomes Caldas, Sérgio Pereira Braga (organizadores). Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. 217 p. ISBN: 987-85-8238-639-2. Disponível em: <http://dev2.domhelder.edu.br/uploads/735_GLOBALIZACAODESENVSUSTEFETIVIDADEJUSTICA _EBOOKPDF.pdf#page=187>. 149 Recentemente, em agosto de 2020, foi noticiado o derramamento de toneladas de óleo no Oceano Índico, nas Ilhas Maurício. In: BBC NEWS. MV Wakashio: Mauritius declares emergency as stranded ship leaks oil. 08 de agosto de 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-53702877>. 150 UNITED NATIONS. The conservation and sustainable use of Marine Biological Diversity of Areas Beyond National Jurisdiction- A technical abstract of the first global integrated marine assessment. Nova Iorque, 2017. eISBN978-92-1-361370-2 (44 p.), p. 41. Disponível em: <http://www.un.org/depts/los/global_reporting/8th_adhoc_2017/Technical_Abstract_on_the_Conservation _and_Sustainable_Use_of_marine_Biological_Diversity_of_Areas_Beyond_National_Jurisdiction.pdf>.
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Embora haja esforços dedicados à proteção dos ecossistemas marinhos, a verdade é que, de um lado se constata o interesse diminuto de empresas multinacionais expressivas em resguardar os oceanos, ou até mesmo em implementar o ODS 14 151 e, de outro, há negligência por parte da própria população no que diz respeito à saúde dos oceanos. Há ainda uma noção equivocada de que os recursos marinhos seriam inesgotáveis, como se fossem receptáculos de uma infinita quantidade de resíduos e de poluição, sem consequências. A inda em 2014 a A gência Europeia do A mbiente já alertava para a enorme quantidade de lixo nos mares. Os resíduos despejados nas águas oceânicas, sobretudo os plásticos, ameaçam não só a saúde dos mares e das costas, mas igualmente a economia e as comunidades de diversas localidades, inclusive na Europa 152. Sobre o plástico, ele jamais desaparece da natureza − ao contrário do que já se acreditou com relação à sua decomposição153−, em verdade, se acumula no ambiente, principalmente nos oceanos 154. A preocupação sobre o plástico visível a olho nu é crescente, enquanto pesquisas recentes têm demonstrado a presença abundante de microplásticos nos ambientes marinhos 155 e, nessas análises, ainda se tenta mensurar o nível de danos que a presença desses micro ou nanoplásticos nas cadeias alimentares podem gerar nos organismos dos animais, sobretudo nos dos seres humanos 156.
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PWC (PRICE WATERHOUSE COOPERS). SDG Reporting Challenge 2017. p.17. Disponível em: <https://www.pwc.com/gx/en/sustainability/SDG/pwc-sdg-reporting-challenge-2017-final.pdf>. 152 AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE. O lixo nos nossos mares. Publicado em 21 de julho de 2014. Disponível em: <https://www.eea.europa.eu/pt/sinais-da-aea/sinais-2014/em-analise/o-lixo-nos-nossosmares>. 153 Nesse sentido, vale esclarecer que mesmo os plásticos rotulados como biodegradáveis – incluindo sacolas plásticas descartáveis e recipientes de comida “para viagem” – só se decompõem completamente quando submetidos a temperaturas prolongadas acima de 50 °C. Tais condições raramente são encontradas nos oceanos. (tradução autoral) In: UNEP (2016). Ob. cit., p. 34. 154 AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE., Ob. cit. 155 UNEP (2016). Ob. cit., p. 32. 156 Ibidem., p. 38.
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No cenário instaurado pela pandemia da Covid-19 existe ainda um agravante na geração de resíduos plásticos que é o aumento do descarte de materiais de proteção contra a contaminação pelo novo coronavírus, como máscaras e luvas de látex. O uso e a má administração desses resíduos pelo público, avolumado pela Covid-19, contribuem para o aumento da contaminação plástica, de modo que constituir-se-ão como detritos comuns que serão encontrados no ambiente marinho por décadas, afetando potencialmente os recursos marinhos 157. O fato é que, apesar de haver empenhos e ações no sentido de gerir o despejo desses materiais, observa-se que essas luvas e máscaras descartáveis têm inevitavelmente encontrado os oceanos como seu reservatório final. Em razão da constatação desse fenômeno na França, o Ministério da T ransição Ecológica Francês realizou campanha para alertar a população sobre o fato de que, com a crise sanitária, muitas máscaras e luvas descartáveis têm sido descartadas incorretamente 158. Foi lançada então uma campanha radiodifundida para relembrar a coletividade acerca das consequências do despejo inadequado e inconsequente desses resíduos, uma vez que esse lixo pode poluir o meio ambiente marinho, fragmentando-se em microplásticos159. Essa imprescindibilidade de se efetivar a proteção marinha decorre do fato de que a conservação dos oceanos e, por consequência, a implementação do ODS 14, é fundamental para a consecução de todos os 157
PRATA, Joana C.; SILVA, Ana L.P.; WALKER, Tony R.; DUARTE, Armando C.; SANTOS, Teresa Rocha. COVID-19 Pandemic Repercussions on the Use and Management of Plastics. In: Environmental Science & Technology. 2020, 54, 13, 7760–7765. Publicado em 12 de junho de 2020, p. 7760. https://doi.org/10.1021/acs.est.0c02178. Disponível em: <https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs.est.0c02178>. 158 MINISTÈRE DE LA TRANSITION ÉCOLOGIQUE. Une campagne d’information contre les masques et les gants jetés à terre. 26 de junho de 2020. Disponível em: <https://www.ecologiquesolidaire.gouv.fr/campagne-dinformation-contre-masques-et-gants-jetes-terre>. 159 FRANCE INFO. Effet déconfinement: sur la Côte d'Azur, masques et gants jetables polluent déjà les fonds marins. Publicado em 24/05/2020. Disponível em: <https://france3-regions.francetvinfo.fr/provencealpes-cote-d-azur/alpes-maritimes/antibes/effet-deconfinement-cote-azur-masques-gants-jetables-polluentdeja-fonds-marins-1832828.html>.
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demais objetivos160 e, por certo, para a manutenção das condições de vida na T erra, incluindo-se aí o bem-estar e a saúde humana161. A implementação do ODS 14 busca eliminar a sobrepesca e as práticas de pesca ilegais e destrutivas, pré-condições necessárias para atender a um grande número de ODS como a ausência de pobreza (ODS 1), a fome a patamar zero (ODS 2), a boa saúde e o bem-estar (ODS 3) e a redução das desigualdades sociais (ODS 10). No entanto, as pessoas afetam cada vez mais os ecossistemas oceânicos e os recursos naturais utilizando -os como alimento e para a produção de energia, para o turismo e o transporte e, ainda, através de atividades terrestres, como emissões atmosféricas e a descarga de resíduos. T udo isso afeta na regulação do clima pelos oceanos162. Os acontecimentos ocorridos nas últimas décadas, em termos de fenômenos naturais, têm demonstrado a vitalidade dos oceanos para a manutenção de uma vida humana minimamente estável 163. A elevação da temperatura dos mares, consequência direta do aquecimento global 164 – que, por sua vez, decorre diretamente da ação antrópica−, pode interferir na intensificação de fenômenos como ciclones tropicais de magnitude cada vez maior. Os fatores que influenciam a sua ocorrência são conhecidos, entretanto, estudos apontam que o aquecimento da temperatura da superfície do mar é um fenômeno presente e que deve continuar intensificando os ciclones tropicais 165.
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CLAUDET, Joachim et al. Ob. cit., p. 34-42. UNITED NATIONS. The Ocean and the Sustainable Development Goals Under the 2030 Agenda for Sustainable Development. Ob. cit., p. 29. 162 CLAUDET, Joachim et al. Ob. cit., p. 34-35. 163 “O oceano é um dos principais sumidouros desse gás (CO²) e contribui decisivamente na remoção da maior parte do carbono lançado pelo homem na atmosfera”. In: CAMPOS, Edmo J. D. Ob. cit., p. 59. 164 “(...) resultados de observações mostram que a capacidade de absorção de gás carbônico pelo oceano vem se reduzindo em consequência do aquecimento global. Um dos efeitos do aumento da temperatura no oceano é sua acidificação, reduzindo sua capacidade de absorver e reter o carbono”. In: Ibidem, p. 59. 165 PATRICOLA, Christina M.; WEHNER, Michael F. Anthropogenic influences on major tropical cyclone events. 15 november, 2018, vol. 563, Nature, pp. 339–346. Disponível em: 161
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Não se pode conceber, tampouco aceitar, que o ODS 14 seja tido como um objetivo inferiorizado em relação aos demais quando, em verdade, trata-se exatamente do contrário. Qualquer empresa que utiliza produtos de plástico, por exemplo, tem participação ativa na poluição dos oceanos, uma vez que a maior parte desses materiais é dispersada nos mares em suas diversas formas, seja em tamanho macro ou micro. Em consequência disso já há estatísticas que preveem mais plástico do que peixes nos oceanos até o ano de 2050166. É de se destacar que, apesar da magnitude do problema instaurado, há a possibilidade de reverter tais circunstâncias desastrosas. A A genda 2030 e o Pacto V erde não são meros documentos internacionais, mas um exemplo de vontade política, financiamento e ação específica voltada para os oceanos, constituindo-se, em verdade, como um guia para a humanidade se empenhar pela sua própria sobrevivência em condições dignas. À medida em que a UE embarca no Pacto V erde, a necessidade de garantir que todos os ângulos sejam considerados se torna cada vez mais evidente para que o crescimento econômico e a empregabilidade caminhem em conjunto com a proteção e a restauração da natureza, o combate às mudanças climáticas e, ainda, a recuperação perante a crise oriunda da pandemia da Covid-19. O Green Deal visa implementar a A genda 2030, colocando a sustentabilidade e o bem-estar dos cidadãos no centro da política econômica e o desenvolvimento sustentável como essencial na elaboração de políticas e ações da UE 167. A ONU, de igual modo, se empenha em fazer com que a coletividade se conscientize sobre o aterrador estado do oceano, tendo assim proclamado a Década da Ciência dos Oceanos para o <https://www.nature.com/articles/s41586-018-0673-2#citeas>; <https://doi.org/10.1038/s41586-018-06732>. 166 PWC (PRICE WATERHOUSE COOPERS). Ob. cit., p. 13. 167 EUROPEAN UNION. The EU Blue Economy Report. 2020. Publications Office of the European Union. Luxemburgo, p. 2. ISBN 978-92-76-19726-3. Disponível em: <https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/2020_06_blueeconomy-2020-ld_final.pdf>
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Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). A Década pretende incentivar a comunidade científica, os formuladores de políticas, o setor privado e a sociedade civil a pensar para além do que se concebe como habitual em termos de negócios e empresas, aspirando a mudanças reais168. A Década dos Oceanos ressalta o local de destaque que se destina à proteção marinha em todos os seus níveis. O oceano é tão central para se alcançar o desenvolvimento sustentável no futuro (desde o presente) que é este o momento de traçar uma nova narrativa para os mares, situando os oceanos como o centro da vida humana 169. A pandemia do novo coronavírus não pode se servir como escusa aos Estados para se furtarem de implementar ações concretas de desenvolvimento sustentável, sobretudo quanto à proteção dos oceanos. A o contrário, a pandemia revela a imprescindibilidade de se conceder o merecido local de destaque ao meio ambiente, em especial aos mares. A lém de indispensáveis à manutenção da vida, podem ser a fonte de recuperação econômica de muitos países 170. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A consciência de que pandemias virais podem eclodir com certa frequência nos anos vindouros faz emergir a reflexão acerca das origens da problemática com o intuito de prevenir novas crises. Em havendo fortes indícios de que o coronavírus se originou de uma zoonose ou foi ativado por condições ambientais propícias, a questão da proteção ambiental e da relação do ser humano com a natureza se torna essencialmente importante para a comunidade acadêmica e para a sociedade civil. Os vínculos destacados entre uma pandemia que atinge a saúde humana e a biodiversidade terrestre ou marinha devem contribuir para 168
CLAUDET, Joachim et al. Ob. cit., p. 34-42. Ibidem., p. 40. 170 EUROPEAN UNION. The EU Blue Economy Report. 2020. Ob. cit., pp. 22-23. 169
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ressaltar a importância desse processo e, assim, o discurso global sobre a saúde do planeta deverá ser posto em evidência no mais alto grau, sempre atrelado às condições ecossistêmicas. O presente estudo demonstra que há uma estreita e direta relação entre a conservação ambiental, sobretudo dos mares, e a preservação das condições adequadas para a vida humana. A postura do ser humano frente à natureza deve ser cada vez mais de respeito e conscientização de que este é o habitat natural de toda a humanidade. O período pós-pandemia é uma oportunidade de acelerar as transformações estruturais para o desenvolvimento sustentável. O sucesso da A genda 2030 depende da cooperação dos governos, das instituições, dos investidores e do setor empresarial privado. A sua implementação constitui um imenso desafio de governança para todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento econômico e tecnológico e, nesse sentido, o Pacto V erde Europeu se afigura como o principal instrumento para a implementação dos O DS, por meio da concretização do desenvolvimento sustentável e da integração como pilares para a superação das crises sanitária e ambiental. Espera-se que, após a pandemia, os esforços antes já empenhados em favor da conservação ambiental sejam mantidos e, mais do que isso, aprofundados, especialmente quanto aos oceanos. Há de se apregoar que uma consciência sobre a proteção da natureza é fator indispensável para a manutenção da vida na T erra em todas as suas formas. A humanidade põe em risco a sua própria perenidade caso não logre êxito na consecução dos ODS, sobretudo do ODS 14, imprescindível à manutenção e desenvolvimento dos seres humanos. Em sendo de forma diferente, por certo se violará o direito intergeracional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A o revés, caso alcançada a implementação dos ODS e firmado o verdadeiro compromisso, pelos Estados, empresas e sociedade civil, de respeito e empenho na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os seres
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humanos terão a oportunidade de perpetuar a sua própria existência em condições dignas. REFERÊNCIAS - A GÊNCIA EUROPEIA DO A MBIENT E. O lixo nos nossos mares. Publicado em 21 de julho de 2014. Disponível em: < https://w w w .eea.europa.eu/pt/sinais-daaea/sinais-2014/em-analise/o-lixo-nos-nossos-mares> . A cesso em 25 jul 2020. - A LV ES DIA S, P. et al. E U coal regions: opportunities and challenges ahead. EUR 29292 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2018, 182 p. ISBN 978-92-79-89884-6, doi:10.2760/064809, JRC112593. Disponível em: < https://setis.ec.europa.eu/publications/relevant-reports/eu-coal-regionsopportunities-and-challenges-ahead> . A cesso em 25 jul 2020. - BA RCELO, Damia; ORIV E, G orka; LERT X UNDI, Unax. E arly SA RS-CoV -2 outbreak detection by sewage-based epidemiology. In: Science of The Total Environment. V olume 732, 25 A ugust 2020, 139298. Elsevier B.V . Disponível em: < https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S0048969720328151?token= A 1B2888 9329278A 4FDBA 881BF3EF6847956C294746BD7C761731B7B4E305B1335CA E53 E5961CA ED4F11E54A A 91892369> ; < https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.139298> . A cesso em 23 jul 2020. - BA RCHICHE, Damien. Réaliser l’A genda 2030 pour le développement durable : indispensable horizon pour la sortie de crise, mais comment faire ? In: Billet de Blog, Institut du développement durable et des relations internationales, 12 de maio de 2020. Disponível em: < https://w w w .iddri.org/fr/publications-et-evenements/billet-deblog/realiser-lagenda-2030-pour-le-developpement-durable> . A cesso em 18 jun 2020. - BBC NEWS. MV Wakashio: Mauritius declares emergency as stranded ship leaks oil. 08 de agosto de 2020. Disponível em: < https://w w w .bbc.com/new s/w orld-africa53702877> . A cesso em 12 ago 2020. -BA RROS-PLA T IA U, A na Flávia; BA RROS, Jorge Gomes do Cravo; MA ZZEGA , Pierre; OLIV EIRA , Liziane Paixão Silva. Correndo para o mar no antropoceno: a complexidade da governança dos oceanos e a estratégia brasileira de gestão dos recursos marinhos. Revista de Direito Internacional-UniCEUB. Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito, volume 12, nº 01, 2015, p.150-168. Direito do Mar e Direito Marítimo: aspectos internacionais e nacionais. ISSN 2237-1036. Disponível em:
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Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise
CAPÍTULO 8 LA CRISIS DEL CONVI-19 Y SU IMPACTO SOBRE LA CONTATACIÓN PÚBLICA A NIVEL NACIONAL E INTERNACIONAL José A ntonio Moreno Molina171
RESUMEN: La contratación pública ha sido uno de los sectores del Derecho público más afectados por la pandemia del COV ID -19, y a que sido necesario adquirir muchos bienes y servicios por parte de los gobiernos y administraciones nacionales, regionales y locales y contratar obras para hacer frente a la gravísima situación provocada y atender los derechos y servicios esenciales para los ciudadanos, especialmente relacionados con la protección de su vida y salud. Esto ha dado lugar a compras públicas tramitadas en muchos casos por procedimientos excepcionales y de emergencia, que han ocasionado graves problemas PA LA BRAS CLAVES: Contratación pública; COV ID-19; Gobiernos nacionales, regionales y locales; procedimientos de emergencia A BSTRA CT: Public procurement has been one of the sectors of public law most affected by COV ID-19, making it necessary to acquire national, regional and local governments and administrations many goods and services and contract w orks to face the very serious situation caused and attend the rights and essential services for citizens, especially related to the protection of their life and health. T his has given rise to public purchases processed in many cases by exceptional and emergency procedures, w hich have given rise to serious problems KEY WORDS: Public procurement; COV ID-19; National, regional and local governments; emergency procedures
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Catedrático de Derecho Administrativo de la Universidad de Castilla-la Mancha (España)
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Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise
1 LA CRISIS DEL COVID-19 Y CONTRATACIÓN PÚBLICA
SUS EFECTOS EN LA
El impacto de la pandemia del COV ID-19 ha sido enorme en todos los ámbitos de la vida social, política, económica y jurídica 172. La contratación pública ha sido uno de los sectores del Derecho público más afectados por el COV ID-19, al hacer necesitado adquirir los Gobiernos y A dministraciones nacionales, regionales y locales muchos bienes y servicios y contratar obras para hacer frente a la gravísima situación ocasionada y atender los derechos y servicios esenciales para los ciudadanos, especialmente relacionados con la protección de su vida y salud. Ello ha dado lugar a compras públicas tramitadas en muchos casos por procedimientos excepcionales y de emergencia, que han dado lugar a graves problemas de adquisiciones con sobreprecios, en las que no se ha controlado la necesaria calidad de los bienes y servicios adquiridos. Ha habido una competencia desenfrenada y sin sentido entre los Gobiernos nacionales y en ocasiones entre los propias A dministraciones regionales y locales de los países. Como ha destacado el profesor BERNA L BLA Y , el principio de competencia no ha operado sobre los operadores económicos sino sobre las propias entidades contratantes173. Entre los aspectos más criticables a nivel global, se puede señalar la falta de publicidad y transparencia de muchos de estos contratos para
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El monográfico contenido en El Cronista del Estado Social y Democrático de Derecho, núm. 86-87, 2020, bajo el título “Coronavirus y otros problemas” contiene excelentes análisis desde distintas disciplinas de la normativa generada en este contexto. El especial está disponible en http://www.elcronista.es/El-Cronista-número-86-87-Coronavirus.pdf (Última fecha de consulta: 31/03/2020). 173 BERNAL BLAY, en sus conclusiones como Relator en el Seminario Permanente Virtual Contratación pública global: perspectiva y retos futuro organizado por la Red Iberoamericana de Contratación Pública, 7 de julio de 2020, https://www.redicop.com/primera-sesion-del-secopi/, consultada el 15 de julio de 2020.
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hacer frente al COV ID-19174; las graves carencias de planificación y programación de las compras públicas 175; la ausencia de compras conjuntas por parte de distintas A dministraciones, tanto a nivel nacional como internacional176; así como la paralización de los contratos públicos en ejecución o de los procedimientos de licitación pública en curso no relacionados con la COV ID-19 pero que afectaban a servicios públicos de los ciudadanos y que no deberían haberse suspendido. Ha fallado es este sentido la utilización efectiva de la contratación pública electrónica, como en general de la A dministración electrónica, que podían/deberían haber permitido que se siguieran desarrollando la mayoría de las funciones y servicios públicos. 2 PRINCIPALES MEDIDAS Y REFORMAS DE LA LEGISLACIÓN SOBRE COMPRAS PÚBLICAS ADOPTADAS EN ESPAÑA En el Derecho español, la normativa adoptada durante la vigencia del estado de alarma ha afectado muy directamente a los contratos públicos, sobre todo por lo establecido por los Reales Decretos leyes 7, 8, 9, 10, 11, 15, 16 y 17/2020 177; así como por el Real Decreto 463/2020. 174
La Oficina Independiente de Regulación y Supervisión de la Contratación de España ha publicado durante el Estado de alarma el “Informe especial de supervisión: principio de publicidad en los contratos tramitados por emergencia durante la vigencia de la declaración del estado de alarma como consecuencia del COVID-19”. El informe, que se fue actualizando semanalmente hasta la finalización del estado de alarma, supervisó el cumplimiento del requisito de publicidad que establecen los artículos 151 y 154 de la LCSP 2017, en relación a los contratos adjudicados por trámite de emergencia como consecuencia de las actuaciones derivadas de la crisis sanitaria provocada por el COVID19 (puede consultarse la última actualización del informe en https://www.hacienda.gob.es/es-ES/RSC/Paginas/OIReSuC/INFORMEESPECIAL-(PUBLICIDAD-EMEREGENCIAS-COVID-19).aspx, visto el 23 de julio de 2020). 175 PEIRÓ BAQUEDANO, JARAMILLO VILLACÍS, BUESO GUILLÉN y DE GUERRERO MANSO, “Oportunidades para afrontar el COVID-19 y crisis similares a través de la Compra Pública de Innovación -una perspectiva legal y económica-“, www.obcp.es, consultado el 20 de julio de 2020. 176 BERNAL BLAY, conclusiones, cit. y GARCÍA JIMÉNEZ, A., “La contratación pública en los tiempos del coronavirus”, www.obcp.es, consultado el 3 de julio de 2020. 177 Pueden verse en general sobre estas normas los trabajos del profesor GIMENO FELIÚ, J. M.: “La crisis sanitaria COVID 19 y su incidencia en la contratación pública”, El Cronista del Estado Social y
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El Real Decreto-ley 7/2020, de 12 de marzo, por el que se adoptan medidas urgentes para responder al impacto económico del COV ID-19, determina la tramitación de emergencia para la contratación de todo tipo de bienes o servicios que precise la A dministración General del Estado para la ejecución de cualesquiera medidas para hacer frente al COV ID-19178. Hay que recordar que el artículo 120 de la LCSP 2017, establece la tramitación de emergencia como mecanismo para actuar de manera inmediata a causa de acontecimientos catastróficos, de situaciones que supongan grave peligro o de necesidades que afecten a la defensa nacional. En este sentido, el artículo 16 del RDLey 7/2020 prevé que la adopción de cualquier tipo de medida directa o indirecta por parte de los órganos de la A dministración General del Estado (y de todo el sector público, tras la modificación del citado precepto del RDLey 7/2020 por medio del Real Decreto-Ley 9/2020) para hacer frente al COV ID-19 justificará la necesidad de actuar de manera inmediata y aplicando la tramitación de emergencia, al amparo de lo previsto en el citado artículo 120 LCSP 2017. Si fuera necesario realizar abonos a cuenta por actuaciones preparatorias a realizar por el contratista, se excepciona por la norma lo dispuesto respecto a las garantías en el artículo 198.3 LCSP 2017, siendo el órgano de contratación quien determinará tal
Democrático de Derecho, nº 86-87 (Ejemplar dedicado a: Coronavirus y otros problemas), 2020, págs. 4253 y “La crisis sanitaria COVID-19. Reflexiones sobre su incidencia en la contratación pública y las soluciones adoptadas”, disponible en http://www.obcp.es/sites/default/files/2020-04/LACRISIS%20SANITARIA%20COVID19.%20REFL%20EXIONES%20SOBRE%20SU%20INCIDENCIA %20EN%20LA%20CONTRATACIOi%CC%80N%20PUi%CC%80BLICA%20Y%20LAS%20SOLUCI ONES%20ADOPTADASv2.pdf, consultado el 7 de julio de 2020. 178 Puede verse GONZALEZ GARCÍA, J., “COVID-19 y contratación pública”, https://www.globalpoliticsandlaw.com, consultado el 21 de julio de 2020.
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circunstancia en función de la naturaleza de la prestación a contratar y la posibilidad de satisfacer la necesidad por otras vías179. Hay que destacar también la Comunicación de la Comisión “Orientaciones de la Comisión Europea sobre el uso del marco de contratación pública en la situación de emergencia relacionada con la crisis del COV ID-19”, de 1 de abril de 2020 (2020/C 108 I/01) 180. Como han puesto de manifiesto GA MERO CA SA DO y MIRA NZO DÍA Z 181, el uso generalizado de tramitaciones de emergencia, necesario en esta situación de emergencia sanitaria, no debe suponer que no se respeten los principios de publicidad y transparencia182 y en este sentido juega un papel decisivo la contratación administrativa electrónica. La JCCPE en su informe 17/2020, de 25 de mayo, se pronuncia sobre la licitación de contratos durante el estado de alarma y recuerda que la LCSP 2017 contiene diversas especialidades procedimentales que simplifican y agilizan la tramitación de los contratos públicos. Las mismas podrán aplicarse siempre que se cumplan los requisitos que cada una de ellas establece: la tramitación de urgencia del artículo 119 y de emergencia del artículo 120; el procedimiento abierto simplificado del 179
LAZO VITORIA, X. “Contratación pública de emergencia COVID-19”, http://www.obcp.es/opiniones/contratacion-publica-de-emergencia-covid-19, consultado el 16 de mayo de 2020. 180 GALLEGO CÓRCOLES, I., “De las orientaciones de la Comisión europea sobre contratación pública en la crisis del covid-19 y de sus implicaciones en el caso español”, http://www.obcp.es/, consultado el 8 de abril de 2020. 181 GAMERO CASADO, E. “Transparencia y contratación de emergencia ante el Covid-19” http://obcp.es/print/pdf/node/6885 y MIRANZO DÍAZ, J., “Reflexiones sobre la transparencia y la integridad contrataciones relacionadas con el Covid-19”, publicado en Observatorio de Contratación Pública, artículo disponible en http://www.obcp.es/opiniones/reflexiones-sobre-la-transparencia-y-laintegridad-en-contrataciones-relacionadas-con-el, consultados el 6 de junio de 2020. 182 En relación con los principios generales puede verse la Recomendación del Consejo de la OCDE sobre contratación pública (disponible en http://www.oecd.org/gov/public-procurement/recommendation/, consultada el 3 de agosto de 2020), que comentan ROMERO MOLINA y GÓMEZ MONTERROZA (“El principio de balance en la contratación pública”, Gabilex, nº 22 (2020), págs. 265 y ss.).
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artículo 159; y el procedimiento negociado sin publicidad por imperiosa urgencia, descrito en el artículo 168 b) 1º ). Si no fuera posible finalizar la tramitación en plazo y existiera un riesgo cierto de dejar de prestar a los ciudadanos servicios públicos de carácter necesario cabrá utilizar este tipo de especialidades procedimentales por el periodo de tiempo estrictamente imprescindible para que entre en vigor el nuevo contrato. Por otra parte, el Real Decreto 463/2020, de 14 de marzo, por el que se declara el estado de alarma para la gestión de la situación de crisis sanitaria ocasionada por el COV ID-19 (modificado por el Real Decreto 465/2020, de 17 de marzo), con el fin de concentrar los recursos del Sector Público en aquellas actividades esenciales para el funcionamiento del Estado, al tiempo que se preserva la integridad y salud de los empleados públicos, suspende los términos e interrumpe los plazos de los procedimientos administrativos en curso, regulados de forma directa o indirectamente por la Ley 39/2015 del Procedimiento A dministrativo Común de las A dministraciones Públicas, hasta que cese la vigencia del Real Decreto 463/2020. El Real Decreto 537/2020, de 22 de mayo, por el que se prorroga el estado de alarma declarado por el Real Decreto 463/2020, de 14 de marzo, levanta la suspensión de plazos administrativos y procesales: en concreto, desde el 1 de junio de 2020, reanuda el cómputo de los plazos administrativos; y, desde el 4 de junio de 2020, alza la suspensión de los plazos procesales y de los plazos de prescripción y caducidad de derechos y acciones. Por su parte, el Real Decreto-ley 8/2020, de 17 de marzo, de medidas urgentes extraordinarias para hacer frente al impacto económico y social del COV ID-19, con la finalidad de evitar que el COV ID-19 y las medidas adoptadas por el Estado, las CCA A o la A dministración local para combatirlo puedan dar lugar a la resolución de contratos del sector público, prevé en su artículo 34 un régimen específico de suspensión de los contratos públicos de servicios y de suministros de prestación
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sucesiva; de los contratos públicos de obras; de concesión de obras y de concesión de servicios; y de los contratos celebrados por entidades del sector público con sujeción a la normativa sobre procedimientos de contratación en los sectores del agua, la energía, los transportes y los servicios postales. La norma establece medidas para evitar los efectos negativos sobre el empleo y la viabilidad empresarial derivados de la suspensión de contratos públicos, impidiendo la resolución de contratos públicos por parte de todas las entidades que integran el sector público y evitar que el COV ID-19 y las medidas adoptadas por el Estado, las Comunidades autónomas o las entidades que integran la A dministración local y todos sus organismos públicos y entidades de derecho público tengan un impacto estructural negativo sobre esta parte del tejido productivo. En cuanto al Real Decreto-Ley 9/2020, de 27 de marzo, por el que se adoptan medidas complementarias en el ámbito laboral, para paliar los efectos derivados del COV ID-19, cabe destacar que modifica el artículo 16 del al artículo 16 del Real Decreto-ley 7/2020, para añadir un apartado 4 relativo a la contratación en el exterior para la atención de estas necesidades. Prevé la norma que la formalización de los contratos corresponderá al Jefe de la Misión o Representación Permanente, con sujeción a las “condiciones libremente pactadas por la A dministración con el contratista extranjero, cuando la intervención de éste sea absolutamente indispensable para la ejecución del contrato, por requerirlo así la atención de las necesidades derivadas de la protección de las personas y otras medidas adoptadas por el Consejo de Ministros para hacer frente al COV ID-19, y así se acredite en el expediente”. Los contratos deberán formalizarse por escrito y se sujetarán a las condiciones pactadas por la A dministración con el contratista extranjero. Se contempla también que cuando fuera imprescindible de acuerdo con la situación del mercado y el tráfico comercial del Estado en el que la contratación se lleve a cabo, podrán realizarse la totalidad o parte de los pagos con anterioridad a la realización de la prestación por el contratista;
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y que el riesgo de quebranto que pudiera derivarse de estas operaciones será asumido por el presupuesto del Estado. T ambién recoge medidas sobre contratación pública el Real Decreto Ley 10/2020, de 29 de marzo por el que se regula un permiso recuperable para las personas trabajadoras que no presten servicios esenciales, con el fin de reducir la movilidad de la población en el contexto de la lucha contra el COV ID-19, que establece en su Disposición adicional 4 que podrán continuar las actividades que hayan sido objeto de contratación a través de la tramitación de emergencia; y en su adicional 5 que el permiso retribuido recuperable que regula no resultará de aplicación a las personas trabajadoras de las empresas adjudicatarias de contratos de obras, servicios y suministros del sector público “que sean indispensables para el mantenimiento y seguridad de los edificios y la adecuada prestación de los servicios públicos, incluida la prestación de los mismos de forma no presencial”, todo ello sin perjuicio de lo establecido en el artículo 34 del Real Decreto-ley 8/2020. Por su parte, el Real Decreto-ley 11/2020, de 31 de marzo, por el que se adoptan medidas urgentes complementarias en el ámbito social y económico para hacer frente al COV ID-19, modifica el artículo 34 del RDLey 8/2020 y regula la suspensión parcial en contratos de servicios de seguridad y limpieza, y aclara que en la indemnización se incluyen los costes derivados de la cotización de la Seguridad Social. El Real Decreto-ley 15/2020, de 21 de abril, de medidas urgentes complementarias para apoyar la economía y el empleo, por una parte, modifica la letra d) del art. 159.4 LCSP 2017 para permitir la publicidad electrónica del acto de apertura de ofertas, tal y como se prevé en el artículo 157.4 LCSP 2017 para los procedimientos abiertos (modificación sobre la que realizó un ajuste técnico el Real Decreto-ley 16/2020, de 28 de abril, de medidas procesales y organizativas para hacer frente al COV ID-19 en el ámbito de la A dministración de Justicia); y, por otra parte, añade un nuevo apartado 3 a la disposición adicional octava del Real Decreto-Ley 11/2020, de 31 de marzo, con la finalidad de habilitar
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la interposición y tramitación, dentro de aquellos procedimientos de contratación cuya continuación hubiese sido acordada por las entidades del sector público de conformidad con lo prev isto en el apartado 4 de la disposición adicional tercera del Real Decreto 463/2020, de recurso especial en los términos establecidos en la propia LCSP 2017, sin que el procedimiento de recurso pueda considerarse suspendido (al amparo de lo dispuesto en el apartado primero de la citada disposición adicional tercera). El Real Decreto-ley 17/2020, de 5 de mayo, por el que se aprueban medidas de apoyo al sector cultural y de carácter tributario para hacer frente al impacto económico y social del COV ID -2019, acuerda el levantamiento de la suspensión de los términos e interrupción de los plazos de los procedimientos de contratación promovidos por entidades pertenecientes al Sector Público, aun cuando se prorrogue el estado de alarma. Esta reanudación será posible siempre y cuando su tramitación se realice por medios electrónicos. Igualmente, permite el inicio de nuevos procedimientos de contratación cuya tramitación se lleve a cabo también por medios electrónicos. La Disposición final octava del Real Decreto-ley 17/2020, de 5 de mayo, modifica la LCSP 2017 dando una nueva redacción a los apartados 2 y 3 del artículo 33, para concretar las condiciones para la calificación jurídica de medio propio personificado cuando la entidad perteneciente al sector público que realiza el encargo no tiene la condición de poder adjudicador. A su vez, el artículo 4 del Real Decreto-ley 17/2020 se refiere a la indemnización que corresponde al contratista por la modificación, suspensión y/o resolución de contratos de interpretación artística y de espectáculos de cuantía no superior a 50.000 euros como consecuencia del COV ID-19 o de las medidas sanitarias o de contención adoptadas al respecto, que hayan sido celebrados por las entidades pertenecientes al sector público. Respecto de la modificación o suspensión de estos contratos se prevé que el órgano de contratación pueda acordar que se
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abone al contratista hasta un 30 por ciento del precio del contrato, como anticipo a cuenta de dicho precio. En el supuesto de resolución del contrato, el órgano de contratación podrá acordar una indemnización a favor del contratista que no podrá ser inferior al 3, ni superior al 6 por ciento del precio del contrato. El Real Decreto-ley 17/2020 también modifica el artículo 34 del Real Decreto-ley 8/2020 para contemplar que el órgano de contratación pueda conceder a instancia del contratista un anticipo a cuenta del importe estimado de la indemnización que corresponda. Este abono del anticipo podrá realizarse en un solo pago o mediante pagos periódicos, descontándose posteriormente de la liquidación del contrato. El Real Decreto 537/2020, de 22 de mayo, por el que se prorroga el estado de alarma declarado por el Real Decreto 463/2020, de 14 de marzo, por el que se declara el estado de alarma para la ge stión de la situación de crisis sanitaria ocasionada por el COV ID -191, procede al levantamiento de la suspensión de los plazos procesales suspendidos, al levantamiento de la suspensión de los plazos administrativos suspendidos y a al levantamiento de la suspensión de los plazos de prescripción y caducidad de derechos y acciones suspendidos. 3 HACIA UNA NUEVA CONTRATACIÓN PÚBLICA Y LA NECESSIDAD DE DESARROLLO DE UN DERECHO GLOBAL DE LOS CONTRATOS PÚBLICOS La convocatoria de licitaciones públicas en un escenario post COV ID-19183 de fuerte crisis económica va a ser decisiva para la reactivación económica, social y laboral 184, en especial para las pequeñas y medianas empresas185. 183
RAZQUÍN LIZÁRRAGA, M.M., “La contratación pública post-alarma”, www.obcp.es, consultado el 28 de mayo de 2020. 184 La contratación pública va a ser clave para impulsar una reactivación de las economías nacionales y el empleo, que la Unión Europea está imulsando que sea digital, sostenible, inclusiva e integrada
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Como acertadamente plantea GIMENO FELIÚ, resulta imprescindible una nueva cultura de contratación pública “responsable, abierta, innovadora186, cooperativa, profesionalizada, tecnológica y transformadora. Una contratación pública estratégica y proactiva y no meramente reactiva, que ponga en valor la calidad de la prestación. La postcrisis es la oportunidad para impulsar este modelo” 187. La programación y planificación resultan fundamentales en el nuevo sistema de compras públicas que consagra la LCSP para el cumplimiento de sus grandes objetivos, como son el impulso de la contratación estratégica188, la simplificación procedimental y la plena efectividad de la contratación pública electrónica.
globalmente. Puede verse la Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo, al Consejo, al Comité Económico y Social Europeo y al Comité de las Regiones: “Plan de Inversiones para una Europa Sostenible. Plan de Inversiones del Pacto Verde Europeo” (COM (2020) 21 final, de 14 de enero de 2020) y el histórico fondo de reactivación económica para paliar los daños de la COVID-19 aprobado por los 27 Estados de la Unión por unanimidad y dotado con 750.000 millones de euros y un marco financiero para 2021-2027 de más de un billón de euros (https://elpais.com/economia/2020-07-21/las-diez-claves-delhistorico-acuerdo-de-la-ue.html, consultado el 21 de julio de 2020) 185 MARTÍNEZ FERNANDEZ, J.M., “La necesaria reactivación de la actividad contractual del sector público durante el estado de alarma", http://obcp.es/opiniones/la-necesaria-reactivacion-de-la-actividadcontractual-del-sector-publico-durante-el, consultado el 6 de junio de 2020. 186 DE GUERRERO MANSO, C. “¿Compra pública de innovación en tiempo de COVID-19? La utilización de las consultas preliminares del mercado”, www.obcp.es, consultado el 13 de junio de 2020; y PEIRÓ BAQUEDANO, JARAMILLO VILLACÍS, BUESO GUILLÉN y DE GUERRERO MANSO, “Oportunidades para afrontar el COVID-19 y crisis similares a través de la Compra Pública de Innovación -una perspectiva legal y económica-“, www.obcp.es, consultado el 20 de julio de 2020. 187 GIMENO FELIÚ, J.M., “La crisis sanitaria COVID-19. Reflexiones sobre su incidencia en la contratación pública y las soluciones adoptadas”, disponible en http://www.obcp.es/sites/default/files/2020-04/LACRISIS%20SANITARIA%20COVID19.%20REFL%20EXIONES%20SOBRE%20SU%20INCIDENCIA %20EN%20LA%20CONTRATACIOi%CC%80N%20PUi%CC%80BLICA%20Y%20LAS%20SOLUCI ONES%20ADOPTADASv2.pdf, consultado el 18 de junio de 2020. 188 Véase GIMENO FELIÚ, J.M., "Novedades en la nueva Normativa Comunitaria sobre contratación pública", Revista de estudios locales, nº 161 (2013), págs. 15 a 44 y "Las nuevas directivas -cuarta generación- en materia de contratación pública. Hacia una estrategia eficiente en compra pública", Revista Española de Derecho Administrativo, nº 159 (2013), págs. 39 a 106.
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De la pandemia resulta la necesidad de impulsar la transparencia, la publicidad189 y la contratación abierta a todos los ciudadanos 190; así como de desarrollar una contratación pública conjunta transfronteriza en el ámbito de la investigación y el desarrollo 191. Como ha puesto de manifiesto el profesor RODRÍGUEZ A RA NA 192, uno de los ámbitos que mejor reflejan en la actualidad el proceso de formación, desarrollo y consolidación de un Derecho administrativo global193 es el de la contratación pública 194, sector que ha
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La Oficina Independiente de Regulación y Supervisión de la Contratación ha publicado durante el Estado de alarma el “Informe especial de supervisión: principio de publicidad en los contratos tramitados por emergencia durante la vigencia de la declaración del estado de alarma como consecuencia del COVID19”. El informe, que se fue actualizando semanalmente hasta la finalización del estado de alarma, supervisó el cumplimiento del requisito de publicidad que establecen los artículos 151 y 154 de la LCSP 2017, en relación a los contratos adjudicados por trámite de emergencia como consecuencia de las actuaciones derivadas de la crisis sanitaria provocada por el COVID19 (puede verse la última actualización del informe en https://www.hacienda.gob.es/es-ES/RSC/Paginas/OIReSuC/INFORME-ESPECIAL(PUBLICIDAD-EMEREGENCIAS-COVID-19).aspx, consultada el 23 de julio de 2020). 190 SANMARTIN MORA, M.A., “Contratación Abierta, ¿qué es?”, www.obcp.es, consultada el 20 de julio de 2020. Las principales características de un sistema de contratación abierta las define la Guía sobre Gobierno Abierto de la Open Contracting Partnership (https://www.opengovpartnership.org/wpcontent/uploads/2019/06/open-gov-guide_summary_cross-cutting-topics_ES.pdf, consultada el 21 de julio de 2020) 191 GARCÍA JIMÉNEZ, A., “La contratación pública en los tiempos del coronavirus”, www.obcp.es, consultado el 3 de abril de 2020. 192 Véase RODRÍGUEZ ARANA, J., Los principios del derecho global de la contratación pública”, Revista Jurídica de Canarias, nº. 22 (2011), págs. 59-78; (2010), "El Derecho Administrativo global: un derecho principal", Revista Andaluza de Administración Pública, nº 76, págs. 15-68 y RODRÍGUEZ ARANA, J. (2011), Derecho internacional de las contrataciones administrativas (junto a JINESTA LOBO, E., NAVARRO MEDAL, K. y MORENO MOLINA, J.A.), Konrad Adenauer Stiftung, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, eds. Guayacan, San José (Costa Rica). 193 AAVV (2006), Las transformaciones del procedimiento administrativo (BARNÉS, J., coord.), Global Law, Sevilla; ALLI, J. (2004), Derecho administrativo y globalización, Civitas, Madrid; BALLBÉ, M. (2007), “El futuro del derecho administrativo en la globalización: entre la americanización y la europeización, RAP nº 174; AAVV (2010), Derecho administrativo global. Organización, procedimiento, control judicial (PONCE, J., coord.), Marcial Pons-INAP, Madrid; MIR PUIGPELAT, O. (2004), Globalización Estado y Derecho (Las transformaciones recientes del Derecho administrativo), Civitas, Madrid.
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sido objeto en los últimos años tanto de importante legislación y acuerdos internacionales, como de jurisprudencia de órganos con jurisdicción internacional que han fijado principios generales, y de actuaciones administrativas, entre otras, de solución de controversias entre Estados u otras partes en disputa 195. En este sentido, debe destacarse el A cuerdo sobre Contratación Pública de la Organización Mundial del Comercio 196, la Ley Modelo de Naciones Unidas sobre Compras Públicas de Bienes, Servicios y Obras 197 y las normas en la materia aprobadas por la OCDE 198 y por el Banco 194
Derecho internacional de las contrataciones administrativas (RODRIGUEZ ARANA, J.; MORENO MOLINA, J.A.: JINESTA LOBO, E. Y NAVARRO MEDAL, K., 2011), Konrad Adenauer Stiftung, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, eds. Guayacan, San José (Costa Rica); y ROMERO MOLINA, “Los principios de eficiencia en la contratación pública global”, en AAVV (dir. MORENO MOLINA, PUERTA SEGUIDO y PUNZÓN MORALEDA), Buenas prácticas en la contratación pública (transparencia, responsabilidad social y lucha contra la corrupción. Ed. Ledoria, Toledo, 2019. 195 Todos ellos elementos caracterizadores de la “gobernanza global”, véase Stewart, R. B. (2005), “U.S. Administrative Law: A Model for Global Administrative Law?”, 68 Law and Contemporary Problems, 15. KINGSBURY recoge como fuentes primarias de este Derecho global los principios extraídos de los Derechos administrativos nacionales, los principios de sistema de la OMC y los principios de los tratados internacionales de contenido ambiental, además de las agencias intergubernamentales (Banco Mundial, ACNUR, Bancos de desarrollo) y agencias internacionales no gubernamentales (COI, Agencia Mundial Antidopaje, etc.), cuya actividad tiene eficacia frente a los particulares (KINGSBURY, B., 2005, “The Administrative Law Frontier In Global Governance”, ASIL proceedings, págs. 4 y ss.). 196 El Acuerdo sobre Contratación Pública se firmó en Marrakech el 15 de abril de 1994 y entró en vigor el 1 de enero de 1996. Véase ARROWSMITH, S. (2003), Government Procurement in the WTO, La Haya (Holanda), Kluwer Law International, Studies in Transnational Economic Law, volumen 16 y acerca de la renovación del acuerdo ANDERSON, R. D. (2007), “Renewing the WTO Agreement on Government Procurement: Progress to Date and Ongoing Negotiations”, Public Procurement Law Review, Issue 4. 197 El texto de la “Ley Modelo" fue aprobado por la CNUDMI en su 26 periodo de sesiones, celebrado en Viena en 1993. 198 En relación con la contratación pública, la OCDE se ha preocupado sobre todo de desarrollar instrumentos para combatir la corrupción y fomentar la integridad en el sector público. El sitio Web de la Unidad de Lucha contra la corrupción de la OCDE es: www.oecd.org/daf/nocorruption/ (fecha de consulta 16 de abril de 2018). Para una visión general del desarrollo de este derecho internacional de la contratación pública puede acudirse a AAVV (2006), "Overview of the Current Work of Key International Institutions in the Field of Public Procurement", Public Procurement Law Review, nº 6, páginas NA 161 a 204.
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Mundial199 y otras instituciones financieras internacionales; así como la Convención de las Naciones Unidas contra la Corrupción 200. Pero también se podrían señalar las disposiciones sobre contratación pública del A cuerdo Global Económico y de Comercio entre la Unión Europea y Canadá (“Comprehensive Economic and T rade A greement”, CET A ) o de otros muchos tratados de libre comercio firmados entre distintos países en todo el mundo. Junto a todas estas normas, se encuentra el Derecho de la Unión Europea sobre contratos públicos, que por su avanzado desarrollo y estadio actual constituye sin duda alguna el referente de las reglas internacionales en la materia. La contratación pública constituye uno de los sectores en que el desarrollo del Derecho administrativo de la Unión Europea 201 ha llegado más lejos y, consiguientemente, donde la armonización de los ordenamientos de los Estados miembros se está produciendo con mayor intensidad202. En efecto, la Unión cuenta con unas muy desarrolladas 199
Las Normas de Procedimiento del Banco Mundial BP 11.00, se pueden encontrar en http://siteresources.worldbank.org/INTPROCURINSPA/Resources/bp1100Spanish.pdf, fecha de consulta 18 de julio de 2017. 200 La Convención establece en su artículo 9 que cada Estado Parte, de conformidad con los principios fundamentales de su ordenamiento jurídico, adoptará las medidas necesarias para establecer sistemas apropiados de contratación pública, basados en la transparencia, la competencia y criterios objetivos de adopción de decisiones, que sean eficaces, entre otras cosas, para prevenir la corrupción.Véase al respecto MEDINA ARNAIZ T. (2009), “EU Directives as Anticorruption Measures: Excluding CorruptionConvicted Tenderes from Public Procurement Contracts”, International Handbook of Public Procurement, Florida, pp. 105 a 130. 201 Acerca del desarrollo del Derecho administrativo europeo puede verse SCHWARZE, J. (1988), Europäisches Verwaltungsrecht, 2 vols., Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden; y NIETO GARRIDO, E. y MARTÍN DELGADO, I. (2010), Derecho administrativo europeo en el Tratado de Lisboa, Marcial Pons, Madrid y European Administrative Law in the Constitutional Treaty (2007), Hart Publishing, Oxford. 202 Un análisis en general del Derecho europeo de la contratación pública y su influencia sobre el ordenamiento jurídico español puede encontrarse en GIMENO FELIÚ J.M. (2006), La nueva contratación pública europea y su incidencia en la legislación española, Civitas, Madrid; RAZQUIN LIZARRAGA, M. M. (2010), “La Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas sobre contratación pública”, Justicia Administrativa, nº 6 y Contratos públicos y derecho comunitario (1996), Aranzadi, Pamplona y MORENO MOLINA, J.A. (1996), Contratos públicos: Derecho
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reglas sobre los procedimientos de preparación, selección, adjudicación y ejecución de los contratos públicos de obras, suministros y servicios 203. El completo “corpus iuris” europeo sobre contratación pública está integrado tanto por normas de Derecho originario y de Derecho derivado como por la decisiva jurisprudencia del T ribunal de Justicia de la Unión Europea que las ha interpretado y cuya doctrina han ido incorporando las sucesivas directivas europeas en la materia. Pues bien, para hacer frente a muchos de los problemas en la contratación pública puestos de manifiesto por la lucha frente al COV ID-19, habría que potenciar y desarrollar en todo lo posible este Derecho internacional y global de las compras públicas. Hay que destacar que entre los “Objetivos de Desarrollo Sostenible” de la A genda 2030 de Naciones Unidas 204, el Objetivo nº 12, de carácter transversal, plantea garantizar modalidades de consumo y producción sostenibles. En este sentido, quiere fomentar el uso eficiente de los recursos y la energía, la construcción de infraestructuras que no dañen el medio ambiente, la mejora del acceso a los servicios básicos y la creación de empleos ecológicos, justamente remunerados y con buenas condiciones laborales. Una de las metas a alcanzar en este sentido es “promover prácticas de adquisición pública que sean sostenibles, de conformidad con las políticas y prioridades nacionales” (meta 12.7).
comunitario y Derecho español, Mc-Graw Hill, Madrid y La reforma de la Ley de Contratos del Sector Público en materia de recursos (2010), Wolters Kluwer La Ley, Madrid. 203 GIMENO FELIÚ, J.M., El nuevo paquete legislativo comunitario sobre contratación pública: de la burocracia a la estrategia (el contrato público como herramienta del liderazgo institucional de los poderes públicos), Aranzadi, Cizur Menor, 2014, págs. 39 y ss. 204 Resolución de Naciones Unidas “Transformar nuestro mundo: la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible” aprobada por la Asamblea General el 25 de septiembre de 2015 (A/70/L.1).
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CAPÍTULO 9 DO PROTOCOLO DE QUIOTO AO ACORDO DE PARIS: UMA PROPOSTA PARA O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Francisco Magno Mairink 205 Márcio Luís de Oliveira206
RESUMO: Em 2015, foi firmado o A cordo de Paris, que visa a suceder o Protocolo de Quioto por meio da fixação de novas metas de redução de emissões de gases estufa e do aperfeiçoamento dos mecanismos de desenvolvimento. O tema do presente trabalho é o aperfeiçoamento do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL – criado pelo Protocolo de Quioto), com base no qual se elaborará o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS – criado pelo A cordo de Paris), conforme estratégias fixadas até 2020. T em-se como objetivo investigar se a eventual extinção das auditorias atuantes na implementação de projetos de Mecanismo Desenvolvimento Limpo (Entidades Operacionais Designadas), acompanhada do exercício de suas atribuições pelo Instituto Brasileiro do Meio A mbiente e dos Recursos Naturais Renováveis, potencialmente otimizará o alcance das metas do novo tratado, com amparo na natureza nocional da principiologia administrativa. Os resultados alcançados foram os seguintes: (a) sob a vigência do Protocolo de Quioto, uma das dificuldades encontradas na implementação de projetos Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi a ineficiência e os altos custos dos serviços prestados pelas Entidades Operacionais Designadas; (b) a assunção da 205
Bacharel em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Hélder Câmara. Advogado no Sacha Calmon Misabel Derzi – Consultores e Advogados. 206 Doutor e Mestre em Direito. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Escola Superior Dom Helder Câmara e da Faculdade Milton Campos. Professor-Visitante na Universidad Complutense de Madrid, Espanha (2019); Professor-Colaborador na The Hague University of Applied Sciences, Países Baixos (2018 e 2019). Consultor-Geral da Consultoria Técnico-Legislativa do Poder Executivo, Estado de Minas Gerais (Brasil).
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atribuição de auditagem pelo IBA MA é legal e factível; e (c) a transferência da atribuição das auditorias ao IBA MA potencialmente otimizará o alcance das metas do A cordo de Paris, pois submeterá a prestação do serviço de auditagem aos princípios da eficiência administrativa e da modicidade dos serviços públicos (sob a perspectiva nocional dessas normas). Para tanto, foram utilizados os métodos jurídico-diagnóstico e jurídico-propositivo, por meio das técnicas bibliográficas e jurídico-dogmáticas. PA LAVRAS-CHAVE: A cordo de Paris; Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável; Entidades Operacionais Designadas; Instituto Brasileiro do Meio A mbiente e dos Recursos Naturais Renováveis. A BSTRA CT: In 2015, the Paris A greement w as signed aiming to substitute the Kyoto Protocol and to improve its development mechanisms. T he theme of this paper is the refinement of the Clean Development Mechanism (CDM – created by the Kyoto Protocol), based on w hich the Sustainable Development Mechanism (SMD – created by the Paris A greement) w ill be elaborated, according to strategies defined until 2020. T he aim of the research is to investigate if the extinct of the audits that w ork on the implementation of Clean Development Mechanism projects (Designated Operational Entities), added to the assumption of these auditing duties by the Brazilian Institute of Environmental and Renew able Natural Resources (IBA MA ) w ould optimize the achievement of the obligations of the new treaty, based on the notional nature of the legal administration principles. T he results w ere the follow ing: (a) under the Ky oto Protocol, one of the difficulties of the implementation of Clean Development Mechanism projects w as the inefficiency and the expensiveness of the auditing services; (b) the transference of the auditing duties to IBA MA is legal and feasible; (c) the transference of the auditing duties to IBA MA w ould potentially increase the efficiency on the accomplishment of Paris A greement obligations and also w ould make the auditing services affordable, due to the legal principles of affordability and efficiency, interpreted on its notional nature. T he methods adopted w ere the juridical diagnostic and the juridical-propositional through bibliographic and juridicaldogmatic technics. KEY WORDS: Paris A greement; Sustainable Development Mechanism; Designated Operational Entities; Brazilian Institute of Environmental and Renew able Natural Resources.
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1 INTRODUÇÃO Em dezembro de 2015, foi firmado o novo tratado internacional sobre mudanças climáticas. T rata-se do A cordo de Paris 207, que busca suceder o Protocolo de Quioto 208. Este trabalho tematiza a transição do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Quioto, para o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), instituído pelo A cordo de Paris. A metodologia do novo mecanismo terá como base as lições aprendidas pelo mecanismo pregresso (MA RCU, 2016). Nesse contexto, identifica-se como tema-problema da presente pesquisa a seguinte indagação: na transição de MDL para MDS, a transferência das atribuições das Entidades Operacionais Designadas (EOD’s ou auditorias) para o Instituto Brasileiro do Meio A mbiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBA MA ) seria uma alteração que potencialmente otimizaria o alcance das metas do A cordo de Paris, dada a natureza nocional da principiologia administrativa aplicável? Em termos gerais, o presente trabalho objetiva investigar se a transferência das atribuições das EOD’s ao IBA MA potencialmente otimizaria o alcance das metas do A cordo de Paris, dada a natureza nocional da principiologia administrativa aplicável. De modo específico, busca-se: (a) descrever, historicamente, a firmação dos acordos supramencionados; (b) examinar as dificuldades enfrentadas na implementação do MDL sob a vigência do Protocolo de Quioto; e (c) caracterizar a natureza nocional dos princípios jurídicos, bem como as consequências dessa compreensão sobre o assunto em comento. Com base em investigações preliminares sobre o tema, notou-se que uma das dificuldades enfrentadas na implementação de projetos de 207
No Direito brasileiro, o Acordo de Paris foi oficialmente ratificado pela edição do Decreto nº 9.073, de 5 de junho de 2017. 208 No Direito brasileiro, o Protocolo de Quioto foi oficialmente ratificado pela edição do Decreto nº 5.445, de 12 de maio de 2005.
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MDL é a relação da pessoa jurídica interessada com as EOD’s (A BREU, A LBUQUERQUE e FREIT A S, 2013). Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar, hipoteticamente, que, na transição de MDL para MDS, uma modificação que otimizaria o cumprimento das metas do A cordo de Paris seria o exercício das atribuições de auditagem pelo IBA MA , vez que a relação com autarquias federais tenderia a ser facilitada. No entanto, cumpre verificar se tal hipótese é, de fato, correta. Ou seja, deve-se investigar se a transferência das atribuições das EOD’s ao IBA MA otimizaria, ou não, a implementação de projetos de MDS. Para tanto, utilizar-se-á a principiologia administrativista aplicável ao IBA MA , com fulcro na natureza nocional dos princípios jurídicos postulada por Márcio Luís de Oliveira (2016). Este tema é particularmente relevante, na medida em que o Direito Internacional do Meio A mbiente se encontra, na atualidade, no processo de transição do Protocolo de Quioto para o A cordo de Paris. Como dito, decidiu-se que o MDS será formulado em conformidade com as lições aprendidas com o MDL. E essa fase de elaboração se prolongará até 2020. Nesse sentido, é essencial que se reflita, no presente, sobre os problemas enfrentados na implementação do Protocolo de Quioto, de modo a evitar sua repetição na concretização do A cordo de Paris. Na realização desta pesquisa, adotar-se-á, consoante classificação de Dias e Gustin (2010), os métodos jurídico-diagnóstico e jurídicopropositivo. A s técnicas, por seu turno, serão bibliográficas e jurídico dogmáticas. Inicialmente, far-se-á uma contextualização do Protocolo de Quioto e do A cordo de Paris. Para tanto, será realizada uma breve abordagem da formação de ambos os tratados, bem como das normas que se correlacionam ao objeto deste trabalho. Pretende-se, neste momento, distingui-los de maneira objetiva. Em sequência, problematizar-se-á a eficiência das EOD’s no exercício de suas atribuições. Nesse item, será demonstrado, a título de
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hipótese parcial ao tema-problema, que as auditorias foram um fator de ineficiência e de encarecimento do Ciclo de Projetos de MDL. No tópico seguinte, será pautada a possibilidade jurídica e a viabilidade fática da transferência das atribuições das EOD’s para o IBA MA . A possibilidade jurídica será investigada sob a ótica do Direito Interno (regimento interno da autarquia) e do Direito Internacional (disposições legais do A cordo de Paris). A viabilidade fática, por seu turno, será aferida por intermédio da análise da experiência do IBA MA na implementação do Protocolo de Montreal. Por fim, explorar-se-á a aplicação da principiologia administrativa num eventual exercício das atribuições das EOD’s pelo IBA MA , especificamente sob o enfoque dos princípios da eficiência administrativa e da modicidade dos serviços públicos. Esse estudo será feito tendo-se por referência natureza nocional dos princípios jurídicos, que constitui o referencial teórico desta investigação. 2 O PROTOCOLO DE QUIOTO, O ACORDO DE PARIS E SEUS MECANISMOS DE DESENVOLVIMENTO A tualmente, as mudanças climáticas pelas quais o planeta tem passado são objeto de frequentes discussões nas searas científica e política. Dentre as várias questões correlacionadas às mudanças climáticas, o problema do aquecimento global tem-se tornado relevante, uma vez que, no período de 1880 a 2012, a média global de temperatura da T erra aumentou em 0,85 graus Celsius (MA RT INS JURA S, 2013). Esse fenômeno decorre da exacerbação do efeito estufa, resultante da exagerada concentração de gases estufa na atmosfera, que, por sua vez, é gerada por atividades majoritariamente promovidas pelos seres humanos, como a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento, o uso de fertilizantes nitrogenados e o cultivo de arroz (SA BBA G, 2013). Em tal conjuntura, coube ao Direito Internacional apresentar medidas para evitar ou para minimizar os efeitos do aquecimento global.
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Nesse intuito, a Organização das Nações Unidas promoveu em 1992 a Conferência sobre o Meio A mbiente e o Desenvolvimento (Eco-92), oportunidade em que foi celebrada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 209. E, conforme consta em seu art. 2º , o objetivo da Convenção é alcançar uma redução da concentração de gases estufa na atmosfera a uma quantidade que não enseje mudanças climáticas perigosas (BRA SIL, 1998). Para tanto, os signatários periodicamente se reúnem para debater sobre o problema na Conferência das Partes (COP). 2.1 O Protocolo de Quioto e o MDL Na T erceira Sessão da Conferência das Partes (COP.3), ocorrida no Japão, em 1997, foi firmado o Protocolo de Quioto. Neste tratado, foram fixadas estratégias de ação e metas para a redução de emissões de gases estufa. Há de se ressaltar que as metas do Protocolo se destinam exclusivamente a países desenvolvidos. Isso se deve ao fato de que o Protocolo de Quioto é regido pelo critério da responsabilidade comum, mas diferenciada. Isto é: a responsabilidade pela atual conjuntura climática deve ser atribuída em maior peso aos países desenvolvidos, pois esses países, durante a história, emitiram mais gases estufa que o restante da comunidade internacional, especialmente durante a Revolução Industrial. Por essa razão, as metas do Protocolo se aplicam apenas a países desenvolvidos, arrolados em anexo ao tratado (T HOMÉ, 2014). Dentre as estratégias de ação do Protocolo de Quioto, destaca-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que é uma forma encontrada pelas partes signatárias para flexibilizar o cumprimento de suas metas. Previsto no art. 12 do Protocolo, o MDL possibilita que os países desenvolvidos concretizem seus projetos de redução de emissões ou de 209
No Direito brasileiro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas foi oficialmente ratificada pela edição do Decreto nº 2.652, de 1º de julho de 1998.
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remoção de gases estufa no território de países subdesenvolvidos (SA BBA G, 2013). Desse modo, permite-se que as metas do Protocolo de Quioto sejam alcançadas por intermédio do desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento. O MDL possui um intricado processo de implementação, intitulado Ciclo de Projetos. Sumariamente, o Ciclo de Projetos se dá em seis fases, nesta ordem: (a) elaboração do Documento de Concepção dos Projetos (DCP) – que descreve o projeto de MDL elaborado pela pessoa jurídica interessada em implementá-lo; (b) validação e aprovação do DCP; (c) registro; (d) monitoramento; (e) verificação; e (f) expedição de Reduções Certificadas de Emissão. A presente pesquisa trata da segunda fase do Ciclo. Nesta fase, o DCP é submetido à verificação do cumprimento dos requisitos do §5º , do art. 12, do Protocolo de Quioto (BRA SIL, 2005), a ser realizada pela Entidade Operacional Designada, que funciona como uma auditoria (GODOY , 2010). Bruno Kerlakian Sabbag (2013), numa interpretação taxativa da referida norma, explica que incumbe à EOD avaliar a presença dos seguintes requisitos: (a) voluntariedade da participação dos interessados envolvidos, pois o MDL tem natureza facultativa e, portanto, um Estado não pode impor um projeto a outro; (b) previsão de benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo gerados pela mitigação da mudança climática; e (c) a adicionalidade, que mede o quantum de redução de emissões que, com a implementação do projeto de MDL, excederá à redução que ocorreria na ausência do projeto de MDL. A o contrário de Sabbag (2013), T homé (2014) entende que o rol de requisitos constante no §5º , do art. 12, do Protocolo de Quioto (BRA SIL, 2005) é exemplificativo. Para este autor, os seguintes requisitos também são exigíveis: (a) atendimento aos critérios de elegibilidade; (b) consideração dos atores; (c) análise de impactos ambientais; (d) cálculo de fugas, que determina a quantidade de emissões de gases estufa que estão fora dos limites da atividade e a ela podem ser atribuídas; (e) metodologia
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válida; (f) período de obtenção de créditos e, finalmente, (g) indicação da A utoridade Nacional Designada (T HOMÉ, 2014). Feita a avaliação do Documento de Concepção dos Projetos, a auditoria emitirá um relatório de validação, concluindo pela aprovação ou pela desaprovação do projeto. 2.2 O Acordo de Paris e o MDS A pesar das grandes expectativas e da complexidade das estratégias de ação criadas na COP.3, o Protocolo de Quioto, em função de vários fatores, não obteve os resultados esperados. Por essa razão, a partir da COP.17 (ocorrida em Durban, em 2011), a sociedade internacional começou a empreender significativos esforços para a elaboração de um novo tratado internacional. Na ocasião, ficou acordado que as metas do novo acordo climático se estenderão aos países subdesenvolvidos, havendo, portanto, uma flexibilização do critério da responsabilidade comum, mas diferenciada. O motivo para a mudança residiu no fato de que alguns países desenvolvidos se recusaram a ratificar o Protocolo de Quioto, por entenderem que a ausência de metas para países subdesenvolvidos seria uma violação à isonomia. Enfim, na COP.21, realizada em Paris, em 2015, foi firmado um novo tratado para combater o aquecimento global: o A cordo de Paris. Nele, foram estabelecidas novas metas de redução de emissões de gases estufa, agora estendidas aos países subdesenvolvidos. A lém disso, foi decidido que o MDL, bem como os demais mecanismos adicionais do Protocolo de Quioto, serão substituídos e aprimorados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, cujos detalhes serão acordados até 2020 (MA RCU, 2016). A previsão legal do MDS se encontra no §4º , do art. 6º , do A cordo de Paris, segundo o qual:
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A rt. 6º , § 4º . Fica estabelecido um mecanismo para contribuir para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa e apoiar o desenvolvimento sustentável, que funcionará sob a autoridade e orientação da Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste A cordo, que poderá ser utilizado pelas Partes a título voluntário. O mecanismo será supervisionado por um órgão designado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste A cordo e terá como objetivos: (a) Promover a mitigação de emissões de gases de efeito estufa, fomentando ao mesmo tempo o desenvolvimento sustentável; (b) Incentivar e facilitar a participação na mitigação de emissões de gases de efeito de estufa de entidades públicas e privadas autorizadas por uma Parte; (c) Contribuir para a redução dos níveis de emissões na Parte anfitriã, que se beneficiará das atividades de mitigação pelas quais se atingirão resultados de reduções de emissões que poderão também ser utilizadas por outra Parte para cumprir sua contribuição nacionalmente determinada; e (d) A lcançar uma mitigação geral das emissões globais (BRA SIL, 2017, grifo nosso).
Pela leitura do dispositivo, nota-se que o MDS tem, de fato, a pretensão de suceder ao MDL, embora isto não conste nas palavras literais do A cordo. Isso se torna perceptível se considerados os quatro trechos grifados na passagem citada. Primeiramente, a implementação de projetos de MDS requer a voluntariedade das Partes envolvidas, requisito também exigível para os projetos de MDL (art. 12, §5º , (a), do Protocolo de Quioto). Em segundo lugar, o MDS tem a potencialidade de conciliar a redução das emissões de gases estufa com o desenvolvimento sustentável, à semelhança do MDL (art. 12, §2º , do Protocolo de Quioto). Outrossim, ao se falar expressamente em “Parte anfitriã” e “outra Parte” o A cordo de Paris sugere que o MDS envolverá uma parceria entre duas Partes signatárias, a exemplo do que é feito no MDL (art. 12, §3º , do Protocolo de Quioto). A demais, ambos os mecanismos se submetem à Conferência das Partes, que, nesse escopo, assume a
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qualidade de autoridade diretiva do MDS (MA RCU, 2016). T ais trechos denotam certa semelhança entre os mecanismos, o que permite concluir que o MDS será o sucessor da experiência do MDL. Portanto, caberá ao novo mecanismo incorporar as experiências e as lições aprendidas pelo antigo, para que o A cordo de Paris não incorra nos erros de seu precursor. Isso perpassa a identificação de alternativas às dificuldades as quais o MDL se submeteu. E é esse um dos objetivos do presente trabalho. Sob tal perspectiva, problematiza-se a atuação das EOD’s no âmbito do Protocolo de Quito. Contextualizado o processo de transição do Protocolo de Quioto para o A cordo de Paris, o próximo tópico terá como objeto a questão da eficiência das auditorias no cumprimento de suas atribuições. 3 A (IN)EFICIÊNCIA DAS EOD’S Nas linhas anteriores, foi realizada uma breve referência às EOD’s, com o objetivo de possibilitar a compreensão sistêmica do Ciclo de Projetos do MDL. Este tópico, por seu turno, versa sobre a experiência brasileira com as auditorias, sob a vigência do Protocolo de Quioto. A análise dessa matéria possibilitará a aferição da eficiência das EOD’s no exercício das suas atribuições de auditagem. Sendo constatada a ineficiência das EOD’s, poderá se propor uma alteração ao Ciclo de Projetos do MDL, a ser adotada a partir da vigência do MDS. Em pesquisa publicada pela revista Sistemas & Gestão, da Universidade Federal Fluminense, ficou demonstrado que a principal dificuldade do processo de implementação de projetos de MDL, no Brasil, é o relacionamento entre a pessoa jurídica interessada e a auditoria (A BREU, A LBUQUERQUE e FREIT A S, 2013). Com fundamento nessa pesquisa, o presente trabalho parte da seguinte hipótese parcial: na transição de MDL para MDS, a atuação das EOD’s deve ser modificada, na medida em que o relacionamento com as auditorias dificultou a
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implementação de projetos de MDL e, consequentemente, constituiu um óbice ao cumprimento das metas do Protocolo de Quioto. Contudo, para que de fato se possa responder à pergunta que orienta este trabalho, deve-se verificar se a dificuldade de relacionamento da pessoa jurídica interessada na implementação do MDL e a EOD se deu em virtude da ineficiência estrutural ou funcional da própria EOD. Sobre isso, será utilizada a tese de doutorado de Sara Gurfinkel de Godoy (2010). Nesse trabalho, a autora avalia a aplicação do MDL no Brasil e analisa, principalmente, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas jurídicas interessadas em implementar projetos de MDL. Registre-se que Godoy (2010) conceitua a eficiência segundo as reflexões de Pareto, para quem a eficiência pode ser identificada quando: “(...) estiver maximizada e não gerar qualquer externalidade negativa aos outros” (PA RET O, 1984; apud GONÇA LV ES, ST ELZER, BONMA NN, 2015). Contudo, há de se salientar que o presente trabalho não sugere uma abordagem conceitual da eficiência. Como se verá, entende-se que a eficiência é um princípio jurídico administrativista e que, nessa qualidade, deve ser analisado sob a perspectiva nocional dos princípios jurídicos. Paralelamente, a autora (2010), com fundamento na Nova Economia Institucional, caracteriza a atividade econômica pela incerteza, motivo pelo qual, em seu entender, os arranjos institucionais são necessários para alicerçarem o mercado e tornarem eficientes as transações comerciais. Nesse sentido, cabe às instituições sociais reduzir os custos de transação do mercado, para tornar a atividade econômica mais eficiente. E, como explica a Godoy (2005), os custos de transação podem ser identificados em vários momentos do Ciclo de Projetos do MDL, inclusive em sua segunda fase (validação e aprovação do DCP). A mparada nessa premissa teórica, Godoy (2010) constata, como primeiro resultado de sua pesquisa, que, no âmbito do MDL, há uma discrepância entre as reduções de emissões planejadas nos DCP’s e as reduções posteriormente observadas nos resultados do monitoramento.
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Isso significa que os projetos de MDL realizados na vigência do Protocolo de Quioto foram, conforme a Nova Economia Institucional e teoria de Pareto, ineficazes. Na investigação dos motivos para tanto, a autora verifica que 30% dos entrevistados indicam a ineficiência das EOD’s como o motivo gerador dessa dificuldade. Embora seja uma quantidade considerável, deve-se reconhecer que, neste quesito, outros motivos se demonstraram mais relevantes na opinião dos entrevistados. Destacaram-se, nesta pergunta, as variáveis da “tecnologia aplicada no projeto” e da “eficiência da empresa de engenharia que implantou o projeto”. Em sequência, Godoy (2010) problematiza quais as fases do Ciclo de Projetos em que as pessoas jurídicas envolvidas encontram maiores dificuldades. Conforme os resultados obtidos, os empecilhos se concentram na segunda fase do Ciclo de Projetos (validação e aprovação do DCP), visto que 62% dos entrevistados a indicaram como uma fase dificultosa. Quando indagados se tais dificuldades foram em função de problemas com a auditoria, 51% dos entrevistados responderam afirmativamente. Saliente-se que as dificuldades enfrentadas desde a elaboração do DCP até o seu registro geram consequências monet árias significativas na implementação do projeto de MDL. Nessa linha, a autora declara que: Problemas que surgem nestas etapas geram custos de transação decorrentes de falhas de informações e esclarecimentos adequados, o que dificulta o bom andamento da implantação do MDL, além dos custos de elaborar adequadamente os contratos para que não causem falhas de processo (G ODOY , 2010, p. 131).
A lém disso, Godoy (2010) também indaga os entrevistados sobre quais modificações deveriam ser feitas para que haja mais pessoas jurídicas interessadas em implementar projetos de MDL. Dentre as respostas trazidas, destacam-se as críticas feitas à atuação das EOD’s. No entender dos entrevistados, falta efetiva qualificação das auditorias para
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certificarem os DCP’s satisfatoriamente. Em complemento a essa crítica, a autora explica que: Os entrevistados colocam que tanto a A ND [A utoridade Nacional Designada], quanto as auditorias e o Comitê Executivo deveriam aprofundar mais seus conhecimentos sobre as particularidades locais onde os projetos serão desenvolvidos, atentando mais para as especificidades brasileiras, compreendendo melhor os projetos locais, evitando questionamentos constantes que, ao entender dos entrevistados, não seriam tão relevantes, e acabam atrasando a aprovação do projeto (G ODOY , 2010, p. 136, grifo nosso).
Outro indicativo da ineficiência das EOD’s mencionado pela autora (2010) é a constatação de que as auditorias, frequentemente, atrasam na realização da certificação dos DCP’s. A demais, Godoy (2010) ainda interroga os entrevistados sobre quais fatores são impedimentos para que um interessado implemente um projeto de MDL. Dentre as nove possíveis respostas, a terceira mais indicada foi o alto custo do Ciclo de Projetos e, principalmente, dos valores cobrados pelas EOD’s para a prestação de seus serviços. “Muitas vezes, estes custos até mesmo superam o ganho com a venda dos certificados o que inviabiliza a implantação de um MDL” (GODOY , 2010, p. 139). Logo, além de serem ineficientes, as EOD’s também têm cobrado altas quantias para a prestação de seus serviços. Por todos esses motivos, nota-se que as EOD’s têm sido um fator de ineficiência e de encarecimento do Ciclo de Projetos de MDL. Sendo assim, é essencial que, na transição de MDL para MDS, haja uma alteração na segunda fase do Ciclo de Projetos (validação e aprovação do DCP), para que esse expediente seja executado de forma mais eficiente e menos custosa. Esta pesquisa se propõe a atuar neste âmbito. Por isso, o próximo item se destinará a discorrer sobre a modificação ora sugerida.
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4 O IBAMA COMO AUDITOR DE PROJETOS DE MDS Percebe-se, a partir das considerações já feitas, que a execução da segunda fase do Ciclo de Projetos de MDL é problemática. Isso se deve, entre outros motivos, à ineficiência da atuação das auditorias, conforme verificado pelos estudos de Godoy . A ssim, na transição entre MDL e MDS, é recomendável que essa fase seja alterada. A alteração que se sugere na presente pesquisa é esta: a extinção das EOD’s e a transferência de suas atribuições para o IBA MA . Há vários aspectos a serem considerados em tal transferência, conforme se abordará em seguida. 4.1 Possibilidade jurídica e viabilidade fática da proposta O IBA MA foi criado pela Lei da Política Nacional do Meio A mbiente (Lei nº 6.938, de agosto de 1981). Nesse diploma legal, instituiu-se o Sistema Nacional do Meio A mbiente, com a finalidade de estabelecer, nos diversos níveis da federação, uma rede de agências governamentais que assegurem mecanismos capazes de implementar a política nacional do meio ambiente (T HOMÉ, 2014). Para tanto, foi constituído o IBA MA , que, na qualidade de autarquia federal, tem a função de atuar como órgão executivo da política nacional do meio ambiente (art. 6º , inc. IV , Lei nº 6.938, de agosto de 1981). T rata-se, como se vê, de uma pessoa jurídica de Direito Público Interno que integra a A dministração Pública indireta da União. Por isso, deve -se indagar: cabe ao IBA MA atuar em matéria concernente ao Direito Internacional Público? Para se responder a esse questionamento, há que se perquirir acerca da competência jurídica dessa autarquia para a execução interna de tratados internacionais e acerca do histórico de suas atividades funcionais em questões regidas pelo Direito Internacional Público e ratificadas pelo Brasil. A o se responder essas duas indagações
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poder-se-á concluir se há, ou não, possibilidade jurídica e viabilidade fática na proposta feita neste trabalho. O rol de atribuições do IBA MA está previsto em seu Regimento Interno (Portaria nº 341, de 2011, do Ministério do Meio A mbiente). Consta no art. 2º , inc. X V , que competirá à autarquia o desenvolvimento de ações federais para a “aplicação, no âmbito de sua competência, dos dispositivos e acordos internacionais relativos à gestão ambiental” (BRA SIL, 2011, p. 81). Portanto, percebe-se que a atuação do IBA MA na implementação de tratados internacionais é legal sob a perspectiva do Direito Interno, uma vez que ela está em conformidade com a atribuição de suas competências administrativas. Ressalte -se, ainda, que a atuação da autarquia nessa matéria também é válida no âmbito do Direito Internacional. A justificativa para tanto reside no fato de que o A cordo de Paris (art. 6º , §4º ) permite expressamente a atuação de instituições públicas na mitigação de emissões de gases estufa (BRA SIL, 2017). Por essas duas razões, nota-se que a transferência das competências das auditorias ao IBA MA é, em termos jurídicos, possível. Para se demonstrar a viabilidade fática desta proposta, deve -se tratar das experiências pregressas do IBA MA com a execução de tratados internacionais. A autarquia exerce função relevante no cumprimento das normas do Protocolo de Montreal 210. O Protocolo obriga pessoas naturais e jurídicas que utilizem substâncias nocivas à Camada de Ozônio a se cadastrarem e a emitirem relatórios periodicamente. Esse procedimento é executado, no Brasil, com o acompanhamento do IBA MA . Isso significa que transferir a competência das auditorias de MDL para a autarquia também é, em termos fáticos, viável. Dito isso, constata-se que a extinção das EOD’s e a assunção de suas atribuições pelo IBA MA é uma mudança dotada de possibilidade jurídica (por estar em consonância com suas competências regimentais) e de viabilidade fática (visto que a autarquia possui experiência na 210
No Direito brasileiro, o Protocolo de Montreal foi oficialmente ratificado pela edição do Decreto nº 99.280, de 6 de junho de 1990.
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implementação de medidas previstas em tratados inte rnacionais ratificados pelo Brasil em matéria ambiental). 4.2 Principiologia administrativista aplicável Outra questão que deve ser tratada no contexto da transferência das atribuições das EOD’s para o IBA MA é a principiologia do Direito A dministrativo. Essa abordagem é pertinente visto que a autarquia (integrante da A dministração Pública indireta da União) observará os princípios administrativistas num eventual exercício das atribuições das auditorias. Com base nisso, pretende-se aferir se a proposta aqui apresentada teria a potencialidade de otimizar o MDS, sob a incidência dos princípios da eficiência administrativa e da modicidade dos serviços públicos. 4.2.1 Da natureza nocional dos princípios jurídicos O referencial teórico do presente trabalho é a compreensão de princípio jurídico formulada por Márcio Luís de Oliveira, com base na qual se abordará a incidência da principiologia do Direito A dministrativo sobre a temática em epígrafe. Oliveira (2016) estratifica a compreensão da noção de princípio jurídico em seis aspectos fundamentais, a saber: (a) princípios são normas jurídicas; (b) princípios decorrem da lógica comunicante do Direito (cientificidade jurídica); (c) há plúrimos processos de positivação dos princípios jurídicos; (d) há a possibilidade de positivação expressa ou implícita dos princípios jurídicos; (e) os princípios jurídicos podem ter incidência geral ou específica; e, por fim, (f) os princípios jurídicos têm natureza nocional. Para sustentar que (a) princípio é norma jurídica, o autor (2016) se embasa, sobretudo, nos fatos histórico-teóricos dos Séculos X IX e X X . Em seu entender, tanto as ideologias que precederam a Segunda Guerra
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Mundial como os fatos nela ocorridos ensejaram a formação de uma concepção teórica pós-positivista do Direito. E, conforme esta teoria, princípios não são uma mera fonte de colmatação de lacunas legislativas nem “substratos de natureza axiológica-racional-liberal de inspiração para o ‘ordenamento jurídico’” (OLIV EIRA , 2016, p. 288/289). A o contrário, no pós-positivismo, princípios têm normatividade e juridicidade, motivo pelo qual são eles dotados de vigência, de validade, de legitimidade, de cognição pública, de eficácia, de aplicabilidade, de exigibilidade heterônoma, de dever de observância e de dever de execução. A ssim sendo, princípios jurídicos, no Direito Contemporâneo, podem ser compreendidos como verdadeiras normas jurídicas (OLIV EIRA , 2016). Na outra ponta, ao dizer que (b) princípios decorrem da lógica comunicante do Direito (cientificidade jurídica), Oliveira (2016) apresenta dois ensinamentos. Primeiramente, o autor declara que à doutrina incumbe identificar os princípios jurídicos positivados, por meio de um raciocínio que se conforma no próprio Direito. Em segundo lugar, cada princípio jurídico só pode ser aferido no contexto históricocultural do Direito, tendo-se em conta a historicidade e a intersubjetividade do senso comunicante de juridicidade. O autor, assim, conclui que: (...) todos os princípios jurídicos são logicamente deduzidos pelos doutrinadores do Direito por meio dos paradigmas e das técnicas da Ciência Jurídica; mas tanto o raciocínio dos doutrinadores quanto os paradigmas e as técnicas da Ciência do Direito só podem ser aferidos no contexto histórico, pois o fenômeno jurídico é essencialmente sócio-cultural-axiológico. (OLIV EIRA , 2016, p. 302/303).
Em sequência, o professor (2016) declara que positivar princípios significa conferir a eles o status de norma jurídica em sentido formal. Para tanto, há, segundo Oliveira (2016), uma (c) pluralidade de processos
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de positivação de princípios jurídicos, a saber: (c.1) o processo legislativo; (c.2) a decretação; (c.3) a hermenêutica e os demais processos de aplicação do Direito; (c.4) o costume jurídico; e (c.5) a negociação. Essas cinco formas de positivação de princípios jurídicos podem ser agrupadas em (d.1) positivação expressa e (d.2) positivação implícita. Na (d.1) positivação expressa, tem-se, unicamente, os princípios positivados pela via do processo legal. A s demais espécies de positivação de princípios constituem, por sua vez, formas de (d.2) positivação implícita. “Em síntese, não é preciso que um princípio jurídico conste formalmente da legislação para que ele possa estar vigente no sistema jurídico” (OLIV EIRA , 2016, p. 323). A lém disso, (e) os princípios podem ter incidência geral ou incidência específica no sistema jurídico. “Os princípios jurídicos de incidência geral são aqueles que regulam temas em todas as áreas do conhecimento jurídico e do Direito positivo, sendo, por isso, designados princípios gerais do Direito” (OLIV EIRA , 2016, p. 324). Lado outro, há princípios de incidência específica “(...) que regulam matérias específicas do Direito positivo e que são, portanto, estudados e aplicados em setores especializados da doutrina e da dogmática jurídica” (OLIV EIRA , 2016, p. 326). Por derradeiro, Márcio Luís de Oliveira (2016) leciona que (f) os princípios jurídicos têm natureza nocional. Isso significa que o núcleo semântico-normativo de cada princípio é composto por premissas e/ou diretrizes lógicas, que direcionam o raciocínio jurídico, na contextualidade da cultura jurídica. Da natureza nocional da norma principiológica, se permite inferir uma norma quadro, cujo conteúdo se desvela, como dito, em premissas e/ou diretrizes indutoras de raciocínio jurídico (OLIV EIRA , 2016). neste trabalho, premissas e diretrizes serão tidas como sinônimos, por motivos didáticos. Entretanto, com o fito de distinguir os dois componentes do núcleo semântico-normativo dos princípios, Oliveira declara que:
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Premissa é uma proposição lógica (ex.: teoria) que serve de base para a elaboração de um juízo com o qual guarde conexão/correspondência (raciocínio lógico e conclusivo); dire triz é instrução ou indicação lógica de sistematização e de procedimentalização de um plano (pensamento abstrato) e do seu modus operandi (OLIV EIRA , 2016, p. 329-330).
Consequentemente, o caráter lógico-cultural dos componentes dessa espécie normativa (senso comunicante de juridicidade/antijuridicidade) enseja uma dificuldade em se delimitar, com precisão terminológica, a conceituação de um dado princípio jurídico. Por essa razão, não se pretende, nesta pesquisa, buscar as definições de eficiência administrativa e de modicidade dos serviços públicos como princípios jurídicos. Objetiva-se, em verdade, identificar as premissas/diretrizes que compõem tais princípios e, em sequência, aplicá-las no contexto da transferência das atribuições das EOD’s para o IBA MA . Essa identificação é imprescindível, uma vez que, como leciona o autor (2016), ao se estudar os princípios jurídicos, deve -se, previamente, identificar suas diretrizes/premissas constitutivas, para que não se incorra em relativismo doutrinário. 4.2.2 Do princípio da eficiência administrativa O princípio jurídico da eficiência 211 administrativa tem origem no desenvolvimento do Modelo Gerencial de A dministração. Segundo os 211
É comum que a doutrina se esforce para distinguir eficiência, eficácia e efetividade. Segundo Amaral (2011), a eficiência se relaciona aos meios usados; a eficácia se atrela ao alcance do objetivo; e, por fim, a efetividade se volta para a amplitude dos benefícios obtidos por uma política pública. Noutro sentido, Carvalho Filho (2017, p. 54) diferencia os três léxicos da seguinte forma: eficiência se relaciona ao modo de processamento da atividade administrativa; eficácia se atrela aos meios e instrumentos empregados; e efetividade se volta para os resultados da ação administrativa. Como já mencionado, parte-se do pressuposto de que os princípios jurídicos têm natureza nocional e, logo, eles são compostos por premissas de caráter lógico localizadas no contexto de uma norma-quadro, gerando uma conceituação dificultosa. Por esse motivo, a distinção semântica de eficiência, eficácia e efetividade não é objeto do presente trabalho.
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ensinamentos de V irgílio Oliveira (2013), a A dministração Pública Gerencial preza, em suma, por dois postulados: (a) revisão das atribuições estatais; e (b) eficiência no setor público. Deve -se reconhecer que a proposta aqui apresentada, ao recomendar a atuação estatal numa atribuição hoje realizada pela iniciativa privada, poderá gerar uma aparente contradição com o primeiro postulado do Modelo Gerencial de A dministração (revisão das atribuições do Estado). Noutra perspectiva, há, nesta sugestão, uma reafirmação do segundo postulado da A dministração Pública Gerencial (princípio da eficiência). Portanto, não há que se falar em total incompatibilidade desta proposição com o Modelo Gerencial de A dministração. Para alguns, a introdução do princípio da eficiência no Direito brasileiro foi promovida pela Emenda Constitucional nº 19 (EC nº 19), de 4 de junho de 1998, que inseriu, no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), expressa menção à eficiência administrativa (BRA SIL, 1998). Contudo, sustenta-se que o princípio já se encontrava implicitamente previsto no art. 74, inc. II, da CRFB (BRA SIL, 1988), conforme entendimento de Humberto Á vila (2003; apud, Ferreira, 2006). A lém disso, vale salientar que a eficiência administrativa já estava positivada, antes de 1998, em diplomas legais infraconstitucionais, como o Código de Defesa do Consumidor, de 11 de setembro de 1990, em seu artigo 22 (BRA SIL, 1990). Portanto, a inclusão da eficiência administrativa no sistema jurídico brasileiro remete, constitucionalmente, ao poder constituinte originário (ainda que de maneira implícita) e, infraconstitucionalmente, à legislação anterior à EC nº 19. Em verdade, a Emenda apenas alterou a classificação doutrinária do princípio da eficiência. Na tipologia de Carvalho Filho (2017), tratava-se, antes de 1998, de um princípio reconhecido. Com a promulgação da EC nº 19, ele se tornou um princípio expresso. Para se identificar o núcleo semântico-normativo do princípio da eficiência administrativa, fez-se uma concatenação da obra de Custódio e de Oliveira (2015) com a de Fernando Guimarães Ferreira (2006), que se
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ampara em Britto e Souza (1999). Esses autores identificam os cinco “vetores implícitos” do princípio jurídico da eficiência, quais sejam: (a) economicidade; (b) celeridade; (c) neutralidade; (d) qualidade; e (e) operacionalidade. Nesse esteio, deduz-se as cinco premissas do princípio da eficiência administrativa: (a) A gente público e A dministração Pública devem atuar/se estruturar de maneira econômica. Isto é: a conduta administrativa deve buscar seus objetivos sem que haja desperdício de recursos públicos. (b) A gente público e A dministração Pública devem atuar/se estruturar de maneira célere. Ou seja: deve-se empregar meios adequados para que a conduta administrativa seja rápida. (c) A gente público e A dministração Pública devem atuar/se estruturar de maneira neutra. Em outras palavras: os administrados devem ser tratados de forma isonômica. (d) A gente público e A dministração Pública devem atuar/se estruturar de maneira qualificada. Isso significa que o agente público deve ser profissionalizado e que a A dministração deve utilizar mecanismos tecnológicos adequados. (e) A gente público e A dministração Pública devem atuar/se estruturar de maneira operacional. Quer dizer, devem ser oferecidos aos agentes os instrumentos necessários para a consecução otimizada dos fins do seu labor. Portanto, se, eventualmente, o IBA MA receber as atribuições das EOD’s, ele as executará, a priori, em consonância com as premissas da economicidade, da celeridade, da neutralidade, da qualidade e da operacionalidade, ou seja, de modo a observar o núcleo semânticonormativo do princípio da eficiência administrativa. Importante registrar que o caráter apriorístico dessa imposição é benéfico para a consolidação da eficiência na conduta administrativa, pois ele permite que o controle de eficiência seja feito já na motivação do ato. Nesse sentido, Fernando Ferreira argumenta:
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Como temos alertado neste trabalho, a eficiência não se constitui tão-somente em um a posteriori (em concreto), mas – no que consideramos muito mais importante – em um a priori (em abstrato), de forma que o controle da eficiência se inicia obrigatoriamente antes da efetivação do ato administrativo, sendo elemento essencial do processo mental de determinação de alternativas pelo administrador público (FERREIRA , 2006, p. 249).
O autor ainda explica que: [...] os administradores públicos em geral entendem a eficiência apenas como um controle do realizado, quando, em verdade, sua esfera de abrangência é muito mais ampla, constituindo, igualmente, um a priori do ato administrativo, tendo em vista não ser razoável ao agente público, em sua motivação, especialmente nos atos discricionários, deixar de fundamentar que a atuação escolhida é aquela que detém, onticamente, as características que, com maior certeza – ou probabilidade – possam atender, da melhor forma, a necessidade pública observada (FERREIRA , 2006, p. 249-250).
4.2.3 Do princípio da modicidade dos serviços públicos Feitas as considerações acerca do princípio da eficiência administrativa, passa-se, agora, ao princípio jurídico da modicidade dos serviços públicos. Sua positivação é expressa e consta no artigo 6º , §1º , da Lei de Concessões e Permissões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), como um requisito de adequação do serviço público. A s premissas do princípio da modicidade dos serviços públicos podem ser aferidas por meio do trabalho de A ndré Luiz de Souza (2016). O autor constata que a modicidade é composta por três “elementos”. O primeiro elemento determina uma redução nos valores do preço cobrado pelos serviços públicos, a um ponto que os torne acessíveis a todos os
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interessados. O segundo elemento prescreve que a redução do valor deve ser sopesada com os demais requisitos de adequação dos serviços públicos (generalidade, continuidade e eficiência), para que eles também sejam observados. Por fim, o terceiro elemento estabelece que a redução da quantia deverá garantir a remuneração da prestadora, sem que haja lucros exacerbados (SOUZA , 2016). Dessas informações, extrai-se as duas diretrizes constitutivas do núcleo semântico-normativo do princípio da modicidade. São elas: (a) A s prestadoras de serviços públicos devem cobrar tarifas reduzidas, a ponto de os serviços serem financeiramente acessíveis aos interessados em usufruí-los; (b) A redução dos valores das tarifas não poderá impedir a observância dos demais requisitos de adequação dos serviços públicos nem inviabilizar o equilíbrio econômico-financeiro da prestadora. Logo, se, eventualmente, o IBA MA receber as atribuições das EOD’s, a taxa cobrada pelo serviço de auditagem será reduzida, para que a certificação dos DCP’s seja acessível às pessoas jurídicas interessadas, sem que isso impeça a observância dos demais requisitos de adequação e sem que isso obstaculize o equilíbrio econômico-financeiro da autarquia. T endo em vista os aspectos abordados, nota-se que o IBA MA é uma instituição adequada para exercer as atribuições das EOD’s. Como verificado no capítulo anterior, as auditorias são um fator de ineficiência e de encarecimento do Ciclo de Projetos de MDL. Essas imperfeições constituíram verdadeiros óbices à consolidação de projetos de MDL no Brasil, sob a vigência do Protocolo de Quioto. Perante tal conjuntura, sugere-se que, na transição de MDL para MDS, as atribuições das EOD’s sejam delegadas ao IBA MA . A autarquia é recomendável para tanto por dois motivos. Primeiramente, a conduta do IBA MA será regida por um a priori de economicidade, celeridade, neutralidade, qualidade e operacionalidade (princípio da eficiência). Em segundo lugar, as taxas cobradas pelo o IBA MA para a certificação de DCP’s serão, em tese, reduzidas, para que a certificação dos DCP’s seja acessível às pessoas
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jurídicas interessadas em implementar projetos de MDS, sem que isso impeça a observância dos demais requisitos de adequação e sem que isso obstaculize o equilíbrio econômico-financeiro da prestadora (princípio da modicidade dos serviços públicos). Logo, nota-se que, na transição de MDL para MDS, uma alteração que potencialmente otimizará o novo mecanismo é a transferência das competências das EOD’s para o IBA MA . 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora seja uma ferramenta inteligente do Protocolo de Quioto, o MDL passou por dificuldades em obter os resultados planejados. Isso se deve, entre outras razões, às imperfeições do Ciclo de Projetos do mecanismo. É necessário que o novo MDS, instituído pelo A cordo de Paris, não repita tais incorreções. A investigação mostrou que a atuação das EOD’s na certificação dos DCP’s foi um fator de ineficiência e de encarecimento do Ciclo de Projetos de MDL. Rememore-se que a hipótese deste trabalho foi, parcialmente, a necessidade de se modificar, na transição de MDL para MDS, a segunda fase do Ciclo de Projetos (validação e aprovação do DCP). Logo, constata-se que a hipótese apresentada na introdução foi confirmada. Na discussão sobre a instituição que deverá exercer a verificação de validade dos DCP’s, sugere-se, neste trabalho, o IBA MA , em substituição à EOD. Restou demonstrado que a autarquia federal possui competência administrativa para assumir a atribuição e experiência no exercício dessa espécie de atividade. Para fundamentar essa recomendação, discutiu-se a aplicação das diretrizes/premissas dos princípios da eficiência administrativa e da modicidade dos serviços públicos, com base na natureza nocional dos princípios jurídicos. Em vista dos argumentos apresentados, percebeu-se que o IBA MA é uma instituição adequada para exercer as atribuições das EOD’s. Reitere -se
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que o restante da hipótese desta pesquisa foi que o exercício das atribuições de auditagem pelo IBA MA otimizaria o cumprimento das metas do A cordo de Paris. Portanto, vê-se que a hipótese desta pesquisa foi, inteiramente, confirmada. Esse conjunto de ideias apresentadas permite responder à questão norteadora desta pesquisa. Na transição de MDL para MDS, a transferência das competências das EOD’s para o IBA MA é, de fato, uma alteração que potencialmente otimizará o alcance das metas do A cordo de Paris. Sugere-se que pesquisas futuras busquem, na linha do Direito Comparado, verificar se as EOD’s também foram ineficientes em outros países. Em caso afirmativo, recomenda-se que essas pesquisas objetivem definir quais instituições dos demais Estados signatários do A cordo de Paris seriam adequadas para receber as competências das EOD’s, tal como se pretendeu fazer no presente trabalho. REFERÊNCIAS A LBUQUERQUE, A line Mota; DE FREIT A S, A na Rita Pinheiro; DE A BREU, Mônica Cavalcanti Sá. Implicações Estratégicas de Projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo em Empresas de Energia Renovável. Sistemas & Gestão. Rio de Janeiro. n. 8. p. 334-345. 2013. A MA RA L, Márcio A lmeida. Analysis of the principle of administrative efficiency applied to public procurement in Brazil (Monografia de Pós-graduação lato sensu) – T he Institute of Brazilian Business & Public Management Issues (IBI). T he George Washington University. W ashington, DC. 2011. Á V ILA , Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004 apud FERREIRA , Fernando G uimarães. O mito da eficiência ôntica das organizações não-governamentais parceiras do poder público: uma análise da discricionariedade administrativa, em face dos princípios da motivação e da eficiência (Dissertação de Mestrado) – Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto A legre, 2006. BRA SIL. Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078, de 11 de setembro de 1990). Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível
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CAPÍTULO 10 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS DE CONCORRÊNCIA DOS PALOP Nuno Cunha Rodrigues 212
RESUMO: O presente artigo parte da distinção entre política de concorrência e direito da concorrência. São analisadas as diferentes finalidades, perspectivas e impacto que a política de concorrência pode ter em Estados a nível mundial considerando, em particular, o desenvolvimento económico de cada um. A diante é estudada a política de concorrência acolhida em Países A fricanos de Língua Oficial Portuguesa, em particular no caso de A ngola e Moçambique, e a evolução que o direito da concorrência tem sofrido nesses Estados. Por fim são descritos múltiplos instrumentos de cooperação internacional, no domínio da política e do direito da concorrência, criados e estimulados por organismos internacionais e por organizações não-governamentais. Estes mecanismos podem potenciar o desenvolvimento do direito da concorrência em países de língua oficial Portuguesa – como o Brasil – ou em Estados com diferentes graus de desenvolvimento económico. PA LAVRAS-CHAVE: Política de concorrência; Direito da Concorrência; PA LOP; Cooperação internacional; Direito da União Europeia A BSTRA CT: T he paper starts from the distinction betw een competition policy and competition law . T he different purposes, perspectives, and impact that competition policy can have in States w orldw ide are analyzed, considering, in 212
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Cátedra Jean Monnet.
The European Commission support for the production of this publication does not constitute an endorsement of the contents which reflects the views only of the authors, and the Commission cannot be held responsible for any use which may be made of the information contained therein.
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particular, the economic development of each one. A head it is studied the competition policy that has been follow ed in A frican Portuguese Speaking Countries (PA LOP), particularly in the case of A ngola and Mozambique, and the evolution that competition law has undergone in these States. Finally , multiple instruments for international cooperation, in the field of competition policy and law , created by international organizations and non-governmental organizations, are described. T hese mechanisms can enhance the development of competition law in Portuguese-speaking countries - such as Brazil - or in states w ith different degrees of economic development. KEY WORDS: Competition policy ; Competition law ; PA LOP; International cooperation; European Union law
1. ENQUADRAMENTO GERAL O direito da concorrência tem vindo a expandir-se ao longo dos últimos vinte anos. Se, em 1950, apenas dez países tinham regimes codificados de direito da concorrência213 esse número subiu, atualmente, para mais de cento e trinta. 214 Representando uma novidade para muitos países, este ramo do direito constitui uma peça fundamental da política de concorrência que é, por sua vez, estruturante de economias que procurem assegurar o funcionamento eficiente e equilibrado dos mercados; a afectação óptima dos recursos e a protecção dos interesses dos consumidores. A existência de mercados concorrenciais estimula a atratividade de um país como local de negócios, promovendo eficiência económica, 213
Assim, cfr. SHAFFER, Gregory C. / NESBITT, Nathaniel H., Criminalizing Cartels: A Global Trend?, in Sedona Conference Journal, volume 12, p. 2 disponível em http://ssrn.com/abstract=1865971 214 Assim, v. BRADFORD, Anu / CHILTON, Adam S. / MEGAW, Chris / SOKOL, Nathaniel, Competition Law Gone Global: Introducing the Comparative Competition Law and Enforcement Datasets, Journal Of Empirical Legal Studies, Vol. 16, p. 411, 2019, p. 3, disponível em https://scholarship.law.columbia.edu/faculty_scholarship/2514
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produtividade, inovação e crescimento, permitindo, a final, gerar melhores bens e serviços, a preços mais baixos, ampliando, desta forma, o bem-estar dos consumidores. A política de concorrência constitui, por tudo isto, um dos quatro pilares da política económica de um governo, juntamente com as políticas monetária; orçamental e de comércio. Pode até suceder que um Estado desenhe e implante uma política de concorrência sem a existência concomitante de legislação da concorrência. Na verdade, o direito da concorrência tem, tipicamente, um campo de aplicação ex post215 não servindo, per se, para garantir um funcionamento eficiente dos mercados. Exerce um papel necessário, ainda que complementar, à política de concorrência. No caso dos países em vias de desenvolvimento, a política de concorrência deve ter em consideração objetivos específicos que não são totalmente coincidentes com os prosseguidos em países desenvolvidos. 216 Estão em causa finalidades previstas no acordo sobre princípios e regras equitativos para o controle de práticas comerciais restritivas, aprovado pela A ssembleia Geral das Nações Unidas em 1980 ("UN Set on Competition Policy"). 217 De harmonia com ponto A , n.º s 2 e 3 do A cordo, a política de concorrência visa, entre outros aspectos, obte r maior eficiência no comércio e desenvolvimento internacional, particularmente dos países em vias de desenvolvimento, de acordo com os objetivos nacionais de economia e desenvolvimento social e estruturas económicas existentes tais como: (a) a criação, incentivo e proteção da concorrência; (b) o controlo da concentração de capital e / ou poder económico; (c) incentivo à inovação para, dessa forma, proteger e 215
Não se ignora, naturalmente, o regime de controlo prévio de concentrações que, na União Europeia, apenas surgiu no final do século passado com a aprovação do Regulamento 4.064/89. 216 Neste sentido v. o documento da UNCTAD sobre concorrência em Moçambique, Competition issues in the economy of Mozambique, 2013, p. 5, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2011d6_en.pdf 217 Disponível em https://ec.europa.eu/competition/international/legislation/unctad.pdf
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promover o bem-estar social em geral e, em particular, os interesses dos consumidores, maximizando o comércio e desenvolvimento. Não há um modelo “one size fits all” de política de concorrência. 218 A sua arquitectura deve atender à realidade e contexto dos específicos países em que se insere sendo, por isso, crucial definir de forma clara os objectivos que, nesses Estados, se pretende alcançar. A tente-se na estrutura das economias de países em vias de desenvolvimento. A s economias destes países, bem como as economias em transição, em particular dos países africanos 219, encontram-se, frequentemente, numa fase de mudança de modelos predominantemente 218
Como observa ELEANOR FOX, “developing countries must develop their own brand of competition law, resisting pressures to copy ‘international standards’ without regard to fit.” Assim, v. FOX, Eleanor M., Competition, Development and Regional Integration: In Search of a Competition Law Fit for Developing Countries, NYU Center for Law, Economics and Organization, Law & economics Research Paper, working paper no. 11-04, October 2012, p. 2 que propõe seis modelos teóricos para a criação de regras de direito da concorrência. V., ainda, UNCTAD, The role of competition policy in promoting economic development: The appropriate design and effectiveness of competition law and policy, 2010, TD/RBP/CONF.7/3, disponível em https://unctad.org/en/Docs/tdrbpconf7d3_en.pdf : “To be effective in supporting the development process, competition law and policy (CLP) need to be supported and compatible with other complementary prodevelopment policies that can bear on economic development. A spectrum of factors – including social, economic and political environment – dictate the choices for competition provisions and enforcement design.” 219 Problemas idênticos podem ser encontrados nas economias dos países da América Latina. A este propósito, v. ODIO, Edgar, Competition Law in Central America and the Years to Come in PEÑA, Julián / CALLIARI, Marcelo (eds.), Competition Law in Latin America - A Practical Guide, Wolters Kluwer, 2016, pp. 141-160 (rectius p. 143): “There are structural reasons in these countries that tend to limit competition even in the presence of international trade liberalization, particularly: (a) competition culture is very limited, (b) economic power concentration, (c) limited financial and human resources, (d) small local markets, (e) entry barriers. Besides, State intervention in key sectors of the economy and the heavy protectionist barriers levied during the Import Substitution Model were still very much in place when the competition laws were enacted”. Sobre as políticas de concorrência seguidas nos países da América Latina, v. SOKOL, Daniel, The Second Wave of Latin American Competition Law and Policy in PEÑA, Julián / CALLIARI, Marcelo (eds.), Competition Law in Latin America - A Practical Guide, Wolters Kluwer, 2016, pp. 1-6 e GRECO, Esteban / PETRECOLLA, Diego / ROMERO, Carlos A. / MARTÍNEZ, Juan P. Vila, Competition Policy and Growth: Evidence from Latin America in PEÑA, Julián / CALLIARI, Marcelo (eds.), Competition Law in Latin America - A Practical Guide, Wolters Kluwer, 2016, pp. 51-66.
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dirigistas ou intervencionistas por parte do Estado para economias mais liberalizadas. Esta alteração decorre da substituição gradual de formas de intervenção económica direta do Estado – suportadas, no passado, pela atuação de empresas públicas – por outras, de intervenção indirecta, em consequência de processos de privatização. Porém, o encerramento destes processos não impede, em muitos casos, a subsistência de monopólios, em diversos sectores de atividade económica, decorrente da manutenção de operadores incumbentes em inúmeros setores, agora em mãos privadas. A tudo isto acresce a circunstância de, nestas economias, o capital privado se encontrar, frequentemente, concentrado, sendo detido por um escasso número de entidades, o que representa um outro obstáculo à disseminação de uma política de concorrência. 220 Essas circunstâncias terão de ser compreendidas e refletidas nas políticas de concorrência em países em vias de desenvolvimento. Essas políticas devem, entre outros aspectos, dar especial atenção a monopólios ou monopsónios uma vez que estes podem acarretar um sobrecusto para os consumidores e incentivar o particular escrutínio sobre eventuais práticas de abuso de posição dominante 221 e de dependência económica, atendendo às características das economias em causa. T udo isto sem esquecer, naturalmente, o papel essencial que a
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A este propósito, v. o comentário à Lei-modelo da UNCTAD, p. 57: “From the particular perspective of developing countries, it should be stressed that market structure often raises serious concerns about enhancing efficiency through regulatory reform and opening regulated industries to competition. For instance, it has been recently and repeatedly observed that the process of reform utilities in South America has not considered market evaluation prior to privatization of public assets in infrastructure industries. The regulated and unregulated activities constituting the market structure were generally undifferentiated, owing to earlier government intervention.” V. ainda WAKED, Dina I., Antitrust Goals in Developing Countries: Policy Alternatives and Normative Choices, (2015) 38 Seattle University Law Review 945, p. 960. 221 De forma exemplificativa, na África do Sul verificou-se, no passado, um elevado número de casos de abuso de posição dominante depois de ter sido concluído um ambicioso programa de privatizações de operadores incumbentes.
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regulação económica setorial desempenha na transição entre setores monopolizados e setores liberalizados. 222 No caso específico de A ngola e Moçambique, alguns setores económicos estão concessionados – como sucede com a exploração de petróleo; gás natural e outros recursos naturais ou transportes - o que, não sendo um impedimento à concretização de uma política de concorrência pode, ainda assim, suscitar questões concorrenciais que devem ser antecipadas pelas políticas de concorrência que se pretendem implantar. 223 Há ainda outros factos que devem ser ponderados na execução de políticas de concorrência, em países em vias de desenvolvimento, como os que decorrem da existência de economias informais 224 ou, até, de factores culturais endógenos que podem representar um obstáculo (por exemplo, em alguns países, a população considera a existência de preços fixos como um benefício económico). No passado, verificou-se ainda, em alguns países, a subsistência de cartéis que permaneceram enraizados e
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Analisando este problema em países da América Latina, v. OLIVEIRA, Gesner / ORJUELA, Germán, Competition in Regulated Markets in Latin America: Overview and Challenges in PEÑA, Julián / CALLIARI, Marcelo (eds.), Competition Law in Latin America - A Practical Guide, Wolters Kluwer, 2016, pp. 101-116. 223 Neste sentido, v. UNCTAD, Competition issues in the economy of Mozambique, 2013, p. 41, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2011d6_en.pdf : “While the concessions granted so far by the Mozambican Government may not have materially restricted competition in the relevant markets, because they have mostly been granted to foreign companies which had not previously been players in the economy, and have involved large infrastructure projects (…)the situation is most likely to change. An increasing number of local companies are likely going to be involved in the concession projects as their financial positions improve. The perceived competition concerns over abuse of dominance and vertical restraints would then become a reality.”A este propósito v. ainda RODRIGUES, Nuno Cunha, A adjudicação de concessões na nova lei da concorrência, in Revista de Contratos Públicos, n.º 5, 2012, pp. 47-68. 224
Sobre a economia informal em Moçambique, v. UNCTAD, Competition issues in the economy of Mozambique, 2013, pp. 43-45, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2011d6_en.pdf
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beneficiaram da complacência de diferentes estruturas da sociedade. 225 A tudo isto acresce a dificuldade de implantação, em países em vias de desenvolvimento, de programas de clemência – essenciais para a investigação de práticas anti-concorrenciais – cuja utilização é vista, pelas empresas, como moralmente reprovável. É nesse caldo de cultura que a política de concorrência pode considerar, em todos os países, a realização de objectivos tão diversos como a eficiência, o bem-estar dos consumidores, o desenvolvimento económico, a proteção do meio ambiente, de pequenas e médias empresas, de grupos sociais minoritários ou da indústria nacional / campeões nacionais. 226
225
Em alguns casos podem verifica-se problemas adicionais de corrupção ou nepotismo que permitem a subsistência prolongada no tempo de cartéis. Assim, v. LEVENSTEIN, Margaret / SUSLOW, Valerie Y., Contemporary International Cartels and Developing Countries: Economic Effects and Implications For Competition Policy, (2003) 71 Antitrust Law Journal 801 e UNCTAD, Impact of Cartels on the Poor (TD/B/C.I/CLP/24/Rev. 1 / July 2013), disponível em http://unctad.org/meetings/en/SessionalDocuments/ciclpd24rev1_en.pdf ). 226 A este propósito v. WARDHAUGH, Bruce, Buying Competition: Developing Competition Regimes Through a WTO-Compliant Generalised System of Preferences (January 10, 2016). 13(1) Manchester Journal of International Economic Law, pp. 22-49, disponível em https://ssrn.com/abstract=2713826 V., ainda, os dois quadros seguintes, que apresentam dados sobre os objectivos preconizados por autoridades da concorrência a nível mundial. Os quadros são apresentados no estudo de BRADFORD, Anu / CHILTON, Adam S. / MEGAW, Chris / SOKOL, Nathaniel, Competition Law Gone Global: Introducing the Comparative Competition Law and Enforcement Datasets, Journal Of Empirical Legal Studies, Vol. 16, p. 411, 2019 (2018), p. 31:
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No caso específico dos países em vias de desenvolvimento, as políticas a prosseguir devem, para além de procurar alcançar algum (ou alguns) dos desideratos anteriormente descritos, cumprir o objectivo nuclear de serem um instrumento para a redução da pobreza e da desigualdade. 227 Esse último objectivo é, aliás, o tema mais relevante no contexto das considerações relativas a políticas de concorrência em economias emergentes ou em vias de desenvolvimento. 228
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Enumerando as seguintes oito áreas através das quais pode alcançar-se a redução da pobreza por via do direito da concorrência, v. FOX, Eleanor, Imagine: pro-poor(er) competition law, in OCDE, Global Forum on Competition, Competition and poverty reduction, DAF/COMP/GF(2013)12 disponível em https://www.oecd.org/daf/competition/competition-and-poverty-reduction2013.pdf , p. 332: “(a) Discounting; (b) Market definition choices; (c) Leveraging, foreclosure and access violations; (d) “Efficient” foreclosures”; (e) Excessive pricing; (f) Buyer power; (g) Intellectual property; (h) Simpler rules.” 228 A este propósito v. ANDERSON, Robert D. / MULLER, Anna Carolina, Competition Policy and Poverty Reduction: A Holistic Approach (February 20, 2013), disponível em
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Por tudo isto, o desenho e adopção de políticas de concorrência claras e adequadas à realidade nacional constitui pressuposto essencial da política económica a seguir por países em vias de desenvolvimento 229. 2. A GRADUAL IMPLANTAÇÃO CONCORRÊNCIA NOS PALOP’s
DE
POLÍTICAS
DE
Pode afirmar-se que não há, nos Países A fricanos de Língua Oficial Portuguesa (PA LOP), um historial de aplicação do direito da concorrência. No caso da Guiné-Bissau e de São T omé e Príncipe não é conhecida legislação da concorrência, pese embora a participação do
https://ssrn.com/abstract=2223977; LIANOS, Ioannis, The Poverty of Competition Law – The Long Story, CLES Research Paper Series 2/2018, April 2018; FOX, Elanor, Economic Development, Poverty, and Antitrust: The Other Path, (2007) 13 Southwestern Journal of Law and Trade in the Americas 211; STIGLITZ, Joseph, Towards a Broader View of Competition Policy, in T. Bonakele, E. Fox & L. McNube (eds.), Competition Policy for the New Era – Insights from the BRICS Countries (OUP, 2017), p. 4 e segs.; HOVENKAMP, H., Antitrust Policy and Inequality of Wealth, (2017). Faculty Scholarship. 1769. http://scholarship.law.upenn.edu/faculty_scholarship/1769 ; GAL, Michel, The Social Contract at the Basis of Competition Law (August 6, 2017). disponível em https://ssrn.com/abstract=3014354 e SCHAPIRO, C., Antitrust in a Time of Populism (October 24, 2017), disponível em https://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/antitrustpopulism.pdf . 229 Todos estes aspectos tem impacto no que a UNCTAD designa por desenho apropriado da política e legislação de concorrência e o respectivo enquadramento institucional em países em desenvolvimento e economias em transição que, de forma telegráfica, deve ponderar (a) a independência das ANC; (b) o escrutínio judicial das decisões das ANC; (c) a afectação de recursos financeiros e humanos adequados às ANC; (d) políticas de advocacy adequadas; (e) articulação entre as ANC e os reguladores setoriais; (f) adequação entre os programas de privatização, de concessões e a política de concorrência; (g) adequação entre a política de concorrência e o interesse público; (h) ponderação da economia informal; (i) consideração dos blocos económicos regionais em que se inserem. Assim, v. UNCTAD, The role of competition policy in promoting economic development: The appropriate design and effectiveness of competition law and policy, 2010, TD/RBP/CONF.7/3, disponível em https://unctad.org/en/Docs/tdrbpconf7d3_en.pdf
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primeiro país na Comunidade Económica dos Estados da Á frica Ocidental (CEDEOA ). 230 Em Cabo V erde, – que também faz parte da CEDEOA - não foi criada, até hoje, uma lei ou uma autoridade da concorrência, sem prejuízo de se prever no Regime jurídico das agências reguladoras nos sectores económico e financeiro – aprovado pela Lei n.º 20/V I/2003, de 21 de A bril – a eventual criação de uma entidade desta natureza. 231 Os casos de A ngola e Moçambique merecem uma atenção especial, uma vez que estes países aprovaram, no passado, políticas e legislação da concorrência. 232- 233 A s duas leis da concorrência – de A ngola e de Moçambique – são, em larga medida, semelhantes e inspiradas na legislação vigente noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente o Português. 234 230
A CEDEOA (ECOWAS) dispõe, desde 2019, de uma Autoridade Regional da Concorrência (Regional Competition Authority). Sobre esta entidade cfr. https://www.ecowas.int/ecowas-launches-regionalcompetition-authority/. 231 O artigo 15.º desta lei prevê que as agências reguladoras articulam-se de modo especial com autoridades nacionais encarregadas da defesa da concorrência. A Constituição de Cabo Verde prevê ainda, no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) (Princípios gerais da organização económica), que o Estado garante as condições de realização da democracia económica, assegurando, designadamente a igualdade de condições de estabelecimento, actividade e concorrência dos agentes económicos. Sobre os esforços desenvolvidos por Cabo Verde para a criação de uma política e legislação de concorrência, v. MONTEIRO, Aristides, A Situação em Cabo Verde, disponível em http://www.concorrencia.pt/lisbonconference2015/assets/PAINEL%205_23.10_11h0012h30/Am%C3%ADlcar%20Aristides%20Monteiro.pdf 232 Em Angola, o Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022 determinou a institucionalização da Defesa da Concorrência. Mais recentemente a Lei da Concorrência foi aprovada pela Lei 5/18, de 10 de maio. 233 Moçambique aprovou, em 2007, uma política nacional de concorrência (aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2007, de 12 de novembro) que previa a necessidade de ser estabelecida uma lei da concorrência e uma autoridade reguladora da concorrência. O texto tem seis páginas e encontra-se disponível em http://www.acismoz.com/wp-content/uploads/2017/06/000033.pdf A Lei da Concorrência de Moçambique foi aprovada pela Lei n.º 10/2013, de 11 de abril. De harmonia com o preâmbulo, a lei enquadra-se no âmbito da Política de Concorrência aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2007. Mais tarde foi aprovado o Regulamento da Lei da Concorrência pelo Decreto n.º 97/2014, de 31 de janeiro. 234 Exemplificativamente, ambas as leis punem práticas colectivas anti-concorrenciais e práticas individuais incluindo o abuso de posição dominante e o abuso de dependência económica e, em ambos os
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Há, ainda assim, subtis diferenças. No caso da legislação de Moçambique, o valor máximo das coimas aplicáveis a práticas anticoncorrenciais pode ir até ao máximo de 5% do volume de negócios das empresas envolvidas235 e não de 10% como tipicamente ocorre na maior parte dos Estados a nível mundial. Há ainda a admissibilidade de práticas anti-concorrenciais, incluindo abusos de posição dominante, se justificadas por, entre outras hipóteses, contribuírem para “a consolidação do empresariado nacional”.236 Essa admissibilidade corresponde a uma típica cláusula de interesse nacional ou de interesse público, frequentemente prevista em legislação da concorrência em países em vias de desenvolvimento, que permite, num caso concreto, proceder à ponderação entre a necessidade de salvaguarda da concorrência ou, diversamente, à protecção de um específico interesse público. Compreendendo-se a inscrição de cláusulas desta natureza na lei – que visam salvaguardar a especificidade de economias mais frágeis -, certo é que, frequentemente, as A utoridades Nacionais da Concorrência (A NC) não estão preparadas para fazer essa ponderação de forma adequada – atendendo até a ratio subjacente à existência de A NC’s – favorecendo a tentação, por parte do poder político, de pressionar as A NC’s na ponderação que devem realizar (tipicamente no sentido de, em casos concretos, aplicar cláusulas de interesse público em detrimento da defesa da concorrência). 237 casos, prevê-se um regime de controlo prévio de concentrações cujos critérios de notificabilidade são idênticos aos previstos na Lei da Concorrência em Portugal. Cfr. artigos 17.º, n.º 1 (Angola) e 24.º, n.º 1 (Moçambique) (quota de mercado / volume de negócios ou facturação anual). Note-se que a densificação destes critérios é remetida, em Angola e em Moçambique, para legislação. No caso de Angola trata-se do Regulamento da Lei da Concorrência aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 240/18, de 12 Outubro. 235 Cfr. artigo 29.º, n.º 1 (Moçambique). 236 Cfr. artigo 21.º, n.º 1, alínea i) (Moçambique). 237 A este propósito, v. a Lei-modelo da UNCTAC, p. 15, disponível em https://unctad.org/en/Pages/DITC/CompetitionLaw/The-Model-Law-on-Competition.aspx : “where the focus of the law is on considerations of “national interest”, restrictions are examined primarily in the context of whether they have or are likely to have, on balance, adverse effects on overall economic
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Certo é que a definição de uma política de concorrência e de legislação adequada representou um passo significativo para a disseminação da concorrência e das vantagens que lhe são inerentes, em A ngola e Moçambique. Nesses dois países a aplicação das leis seria fiscalizada por A utoridades Reguladoras da Concorrência (A RC). 238 Porém, a A RC de Moçambique acabou por nunca surgir, apesar de prevista na legislação, ao contrário da homóloga, em A ngola, que está em funcionamento desde a aprovação do estatuto orgânico, pelo Decreto Presidencial n.º 313/18, de 21 Dezembro, e da subsequente nomeação, em 30 de janeiro de 2019, dos membros do Conselho de A dministração. Pode, por isso, afirma-se que, em Moçambique, o ciclo apenas ficará completo com a criação da A RC. A definição de prioridades de uma A NC em países em vias de desenvolvimento – à semelhança do previsto no artigo 6.º da Lei da Concorrência de A ngola e no artigo 14.º da Lei da Concorrência de development. This concept, albeit with varying nuances and emphasis, has found expression in existing restrictive business practices legislation in both developed and developing countries. (…) In the United States the jurisprudence takes a hard line against inclusion of non-competition issues as part of an antitrust analysis. For example, the United States Supreme Court stated that the purpose of antitrust analysis “is to form a judgment about the competitive significance of the restraint; it is not to decide whether a policy favoring competition is in the public interest, or in the interest of the members of an industry”. V., ainda, a nota de rodapé 28 desta lei: “It should be noted that a competition authority, particularly if it is an independent administrative body, will not have the political mandate to determine how certain restrictions would affect the “national interest”, or influence a country’s overall economic development”. Because of this, authorizations should be based, in principle, on competition concerns. As an alternative, Governments might consider the possibility that their national authorities could assist the Government in the preparation, amending or reviewing of legislation that might affect competition, such as mentioned in article 8 (1) (f) of the Model Law, and give its advisory opinion on any proposed measure that might have an impact on competition.” Sobre a articulação entre o interesse público e a defesa da concorrência em países em vias de desenvolvimento, v. LEWIS, David, Competition and poverty reduction in OCDE, Global Forum on Competition, Competition and poverty reduction, DAF/COMP/GF(2013)12 disponível em https://www.oecd.org/daf/competition/competition-and-poverty-reduction2013.pdf , pp. 360-364. 238 Cfr. artigo 4.º a 6.º da Lei 5/18, de 10 de maio (Angola) e artigo 5.º a 14.º da Lei n.º 10/2013, de 11 de abril (Moçambique).
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Moçambique – terá de considerar a realidade doméstica acolhendo, naturalmente, o objectivo de redução da pobreza e das desigualdades. A concretização de políticas de concorrência não pode naturalmente ser realizada sem o firme apoio do poder político 239 e dos reguladores setoriais. A ssim sendo, o poder político não deve permitir que a criação de A NC’s fique no papel, como, aparentemente, sucedeu em Moçambique. Na verdade, as A NC´s não servem apenas para assegurar o respeito pelo direito da concorrência (enforcement). Procuram, também, incentivar a formulação de políticas públicas de concorrência adequadas (advocacy) que possibilitem, entre outros aspectos, o desmantelamento de monopólios e a liberalização da economia, constituindo, por isso, um elo essencial para a afirmação de políticas de concorrência. Sabe-se que um dos problemas essenciais que uma A NC jovem enfrenta, nos países em vias de desenvolvimento, diz respeito à obtenção de recursos financeiros adequados e recursos humanos qualificados. 240 No primeiro caso, – obtenção de recursos financeiros adequados – será necessário dotar as A NC’s de autonomia orçamental, permitindolhes elaborar e aprovar os respectivos orçamentos anuais. A qui, são conhecidas as dificuldades que se colocam à obtenção de receitas pelas A NC’s, pois, ao contrário de entidades reguladoras setoriais, não podem basear o modelo de financiamento na cobrança de taxas a entes regulados. Deve, por isso, ser equacionada a criação de um sistema legalmente estruturado, suportado por contribuições por parte de outras entidades reguladoras e/ou por transferências do orçamento do Estado. 241 239
V. KOVACIC, William, Institutional Foundations for Economic Legal Reform in Transition Economies: The case of competition policy and antitrust enforcement, 77 Chi.-Kent L. Rev., 2006, p. 265. 240 Assim v. GHOSAL, Vivek, Resource Constraints and Competition Law Enforcement: Theoretical Considerations and Observatins from Selected Cross-Country Data in D. Daniel Sokol / Thomas C. Cheng / Ioannis Lianos (eds.) Competition Law and Development (Stanford CA: Stanford University Press, 2013), pp. 90–114. 241 Cfr., nas leis da concorrência, artigo 4.º, n.º 4 (Angola) e artigo 10.º (Moçambique).
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No segundo caso, – recursos humanos qualificados – são também conhecidas as dificuldades que se suscitam no recrutamento de pessoal especializado em países em vias de desenvolvimento. 242 A atenuação deste obstáculo passa pela criação, dentro das A NC’s, de sistemas de retribuição e de planos de carreira atrativos que garantam estabilidade profissional aos que pretendam ingressar nestas entidades, gerando, por esta via, um sentimento de pertença e integração; incentivando a especialização e diluindo a possibilidade de emergência de problemas típicos de portas giratórias (revolving doors) entre reguladores e regulados. Pretende-se, finalmente, que as A NC’s atuem sem receio e de forma decidida e justa (fearless; firm and fair). Paralelamente, o poder judicial deve ser associado ao esforço de disseminação de uma política de concorrência. O que pressupõe, a montante, a necessidade de dar formação em direito da concorrência a magistrados e, a jusante, garantir uma jurisprudência sólida e constante. Esta última circunstância pode exigir a criação de tribunais especializados. 243 O contributo do poder judicial para assegurar a efectividade de uma política de concorrência é essencial para garantir o êxito de uma política de concorrência e a eficácia do direito da concorrência, simbolizando a garantia de funcionamento de um Estado de Direito (rule of law). 242
Referindo-se a um processo gradual e flexível de implementação de uma política e autoridades de concorrência em países em vias de desenvolvimento, v. WINTERS, L. Alan, OCDE, Global Forum on Competition, Competition and poverty reduction, DAF/COMP/GF(2013)12 disponível em https://www.oecd.org/daf/competition/competition-and-poverty-reduction2013.pdf , p. 387: “Desirable though competition polices are, the process of creating them must be adapted to the developing countries’ priorities, being both flexible and gradual. The development of competition policy takes time and is only one of many steps in the process of development. Attempting to implement overly sophisticated institutions in developing countries would very probably be costly and ineffective because of the countries’ inability to staff and manage them effectively. Enforcing competition requires rare technical and political skills, and poor competition authorities can be part of the problem not part of the solution. In addition, policy-makers need to ask whether competition authorities represent an appropriate use of available labour in economies with skills shortages.” 243 Assim, v. os exemplos da Dinamarca; Singapura, África do Sul, Reino Unido e Portugal.
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Por fim, o envolvimento da sociedade civil, através da perceção dos benefícios que a concorrência pode trazer ao funcionamento da economia é igualmente essencial para o sucesso da implantação de políticas de concorrência e, por consequência, para a tarefa prosseguida pelas A NC’s. A existência de concorrência, por meio de mercados abertos, permitirá que mais empresas possam fornecer bens e serviços e, reciprocamente, que todos possam beneficiar, enquanto consumidores, de melhores produtos e serviços. Devem ser associadas à realização desta política, em particular, as pequenas e médias empresas – que têm um enorme peso nas economias de A ngola e Moçambique 244 -, explicandolhes antecipadamente as oportunidades de que podem beneficiar na eliminação de barreiras à entrada nos mercados e no consequente aumento da concorrência. 245 T udo isto possibilitará, a final, disseminar e garantir o sucesso de uma política nacional de defesa da concorrência. 3. MECANISMOS DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A REALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE CONCORRÊNCIA NOS PALOP’s A emergência de políticas de concorrência em países em vias de desenvolvimento pressupõe, necessariamente, que seja percorrida uma curva de aprendizagem que pode ser acelerada através da cooperação das A NC’s com entidades congéneres e organizações internacionais. 246 244
Assim, v. UNCTAD, Competition issues in the economy of Mozambique, 2013, p. 42, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2011d6_en.pdf 245
Referindo-se à necessidade de construir uma “coligação” entre consumidores e pequenas e médias empresas para apoiar a política de concorrência, v. LEWIS, David, Competition and poverty reduction in OCDE, Global Forum on Competition, Competition and poverty reduction, DAF/COMP/GF(2013)12 disponível em https://www.oecd.org/daf/competition/competition-and-poverty-reduction2013.pdf , p. 387. 246 V. MOTTA, Eduardo Perez / FERNANDEZ, Mateo Diego, International Cooperation between Competition Agencies in PEÑA, Julián / CALLIARI, Marcelo (eds.), Competition Law in Latin America A Practical Guide, Wolters Kluwer, 2016, pp. 67-74.
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A cooperação, que pode ser organizada de forma voluntária ou ser construída no contexto do labor quotidiano de qualquer A NC, permitirá dotá-las de maior capacidade para garantirem a eficácia da política e do direito da concorrência. A criação de laços com entidades homólogas ocorre a nível regional – no âmbito de blocos económicos regionais em que o Estado se insere – mas também no contexto global, nomeadamente em consequência do que vulgarmente se designa como a extraterritorialidade do direito da concorrência. 247 Esta última dimensão surge, por exemplo, como resposta à necessidade de compreender a dinâmica de uma fusão transnacional no contexto da apreciação de uma operação de concentração de empresas ou, de forma diversa, como resposta à necessidade de investigação a um cartel transnacional. 248 247
A este propósito v. GAL, Michal S., Extra-territorial Application of Antitrust – The Case of a Small Economy in Andrew Guzman (Ed.), Cooperation, Comity, and Competition Policy, Oxford University Press, 2009 que destaca os recursos limitados que pequenas economias tem para combater prárticas anticoncorrenciais transfronteiriças que afetem negativamente sua jurisdição que leva à seguinte conclusão: “Extraterritoriality is an efficient tool for large jurisdictions that possess sufficient power over foreign firm to command obedience. Small ones often lack the requisite power to discipline foreign entities that harm them. It is thus not surprising that most do not have developed doctrines of extraterritoriality and of comity. Rather, small jurisdictions often act as "free riders" on the prohibitive efforts of other jurisdictions in the international arena.” V. ainda WAISBERG, Ivo, International Antitrust Approaches and Developing Countries (July 22, 2019), disponível em https://ssrn.com/abstract=3424274 e KIGWIRU, Vellah Kedogo, Cross-Border Competition Enforcement in Africa: Developments, Opportunities, Challenges and the Way Forward (2017), disponível em https://ssrn.com/abstract=3534982 248 A este propósito v. o documento da ICN disponível em https://www.internationalcompetitionnetwork.org/wp-content/uploads/2018/09/Factsheet2009.pdf “Economic globalisation has resulted in an increasing number of investigations and reviews of mergers, cartels and unilateral conduct that transcend jurisdictional boundaries. Agencies need to cooperate with each other on cross-border cases in order to reduce the risk of: (i) sub-optimal enforcement if an agency only has a partial picture of the situation; and (ii) inconsistent outcomes if different jurisdictions reach different conclusions about the same practice.” Sobre aspectos práticos desta cooperação entre países africanos, v. UNCTAD, International Cooperation of Competition Authorities in the Fight Against Cross-Border Anti-Competitive Practices and Mergers – The Case of Kenya, 2019, disponível em https://unctad.org/meetings/en/Contribution/ciclp18th_cont_Kenya%20Comp%20Auth1.pdf
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Existem múltiplos instrumentos de cooperação internacional, criados e estimulados por organismos internacionais e por organizações não-governamentais. Com relevância para os PA LOP, assinalam-se as seguintes entidades que disponibilizam instrumentos de cooperação: a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k)
UNCT A D; OCDE; Organização Mundial do Comércio (OMC); ICN; CUT S; Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia; A uda-NEPA D; A frica Competition Forum (A CF); SA DC / COMESA / CEDEA O; Rede Lusófona da Concorrência; A utoridade da Concorrência de Portugal;
A nalisemos algumas destas entidades, pela ordem descrita. A UNCT A D 249 propõe uma lei-modelo em direito da concorrência que apresenta diversas alternativas susceptíveis de serem utilizadas pelas jurisdições que as queiram acolher atendendo, V. ainda ANDERSON, Robert D. / MULLER, Anna Carolina, Competition Policy and Poverty Reduction: A Holistic Approach (February 20, 2013), disponível em https://ssrn.com/abstract=2223977, pp. 22-24. 249 A UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) foi criada em 1964, em Genebra, Suíça, no âmbito das negociações do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), sendo um órgão da Assembleia Geral das Nações Unidas que procura promover a integração de países em desenvolvimento na economia mundial. Em 1980, a Conferência das Nações Unidas sobre Práticas Comerciais Restritivas aprovou o Conjunto de Princípios e Regras Equitativos Acordados Multilateralmente para o Controle de Práticas Comerciais Restritivas ("UN Set on Competition Policy"), um acordo multilateral que fornece um conjunto de regras equitativas, relativas ao controle de práticas anticoncorrenciais, reconhece a dimensão de desenvolvimento das leis e políticas da concorrência e fornece uma estrutura para a operação internacional e o intercâmbio de melhores práticas. O acordo encontra-se disponível em https://ec.europa.eu/competition/international/legislation/unctad.pdf
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nomeadamente, aos diferentes graus de maturidade das economias. 250 A UNCT A D presta assistência técnica, aconselhamento e formação a países em vias de desenvolvimento, 251 destacando-se atualmente a assistência prestada em virtude dos novos desafios concorrenciais suscitados pela economia digital. Outra área de intervenção da UNCT A D, com impacto nos países em vias de desenvolvimento, aparece no contexto do processo de revisões voluntárias (peer-review) de leis e políticas de concorrência nacionais que realiza desde 2005. 252 Em cada processo, visa-se melhorar as leis e políticas de concorrência locais, promovendo a competitividade em conformidade com as específicas necessidades dos países apreciados. 253 A OCDE, pelo Comité da Concorrência (Competition Committee), cumpre uma função essencial na promoção da concorrência a nível mundial. A tente-se, em particular, o papel desempenhado na assistência técnica a economias emergentes. 254
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A lei-modelo é composta por duas partes: a parte I, com elementos que devem constar de uma lei da concorrência, e a parte II, contendo comentários e alternativas possíveis para a aplicação da lei nos Estados. A lei encontra-se disponível em https://unctad.org/en/Pages/DITC/CompetitionLaw/The-ModelLaw-on-Competition.aspx 251 V. a estratégia definida pela UNCTAD a este propósito, disponível em https://unctad.org/meetings/en/Presentation/ciclp18_PPTs_Cap_Build_Unctad.pdf : “Strengthening of institutional capacities in competition laws and policies, the formulation and enforcement of competition rules, and the fostering of national and regional competition policies in Africa, Asia and the Pacific, the Balkans, Latin America and the Caribbean, and the Middle East and North Africa. The strategy focuses on the following aspects and issues: a) Technical assistance for consumer protection policy and regulation; b) An enabling environment for the private sector; d) Expanded regional focus; e) Follow-up and impact assessment of activities.” 252 Sobre o processo de revisões voluntárias (peer-review) realizado pela UNCTAD v. https://unctad.org/en/PublicationChapters/tc2015d1rev1_S03_P02.pdf 253 V. de forma exemplificativa, o processo de peer-review realizado no Botswana, em 2018, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2018d1_en.pdf 254 A OCDE disponibiliza ainda uma base de dados contendo os acordos de cooperação (MoU) entre ANC’s e uma lista de acordos de cooperação em diferentes domínios no direito da concorrência. Contendo inúmeras informações, v. https://www.oecd.org/competition/internationalcooperationandcompetition.htm
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A ssinale-se ainda, a nível global, a função relevante prosseguida pela rede ICN (International Competition Network) que procura complementar o trabalho prosseguido por organizações internacionais como a OCDE ou a UNCT A D na promoção da concorrência em países em vias de desenvolvimento. Com interesse para os PA LOP, são também de registar os documentos sobre a criação de A NC’s em países em vias de desenvolvimento e em economias de transição, de 2003255, e a formação sobre concorrência em países em vias de desenvolvimento, em que são analisados problemas específicos de A NC’s. 256 A OMC procurou, no passado, estudar a interacção entre o comércio e a concorrência tendo, para o efeito, criado um grupo de trabalho (Working Group on the Interaction between Trade and Competition Policy (W GT CP)) que, porém, acabou por ser dissolvido, em 2004, em consequência do fracasso da Ronda de Doha. O Grupo de T rabalho deixou muitos trabalhos e documentos sobre política de concorrência em países em vias de desenvolvimento que são, ainda, bastante atuais. A OMC disponibiliza, nos nossos dias, assistência técnica no domínio do comércio internacional e concorrência. 257 Por outro lado, organizações não-governamentais, como a CUT S International (Competition, Investment & Economic Regulation (CCIER)), têm desenvolvido importantes projectos de cooperação com
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Cfr. ICN, Building credible competition authorities in developing and transition economies, Report prepared by the ICN Working Group on Capacity Building and Competition Policy Implementation, ICN 2nd Annual Conference, Mérida, Mexico, 2003, disponível em https://www.internationalcompetitionnetwork.org/wpcontent/uploads/2018/09/CPI_CapacityBuilding2003.pdf 256 Disponível em https://www.internationalcompetitionnetwork.org/training/developing-countries-andcompetition/ 257 A informação pode ser consultada em https://www.wto.org/english/tratop_e/comp_e/ta_e.htm A este propósito v. WARDHAUGH, Bruce, Buying Competition: Developing Competition Regimes Through a WTO-Compliant Generalised System of Preferences (January 10, 2016). 13(1) Manchester Journal of International Economic Law, pp. 22-49, disponível em https://ssrn.com/abstract=2713826
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diversas A NC’s, que devem ser conhecidos e aproveitados pelos PA LOP. 258 Na União Europeia, a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia procura promover a cooperação com países em vias de desenvolvimento, estando disponível informação pública sobre acordos bilaterais celebrados e em vigor em dezenas de países. 259 Em Á frica, destaca-se o papel da A gência para o Desenvolvimento da União A fricana (A UDA -NEPA D) e do Fórum da Concorrência em Á frica (A frican Competition Forum - A CF) na promoção da concorrência neste continente. Este Fórum, constituído em 2010, sob a influência da A frica do Sul, e composto por trinta e cinco A NC’s, visa incentivar a adoção, pelos Estados A fricanos, de leis de concorrência, apoiando-os nessa tarefa e criando mecanismos de cooperação quer ao nível da partilha de conhecimento quer na cooperação em casos concretos, nomeadamente em sede de controlo prévio de concentrações transfronteiriças. 260 A nível regional, registe-se ainda a integração de Moçambique na SA DC (Comunidade de Desenvolvimento da Á frica A ustral (SA DC)). 261 258
Os trabalhos realizados podem ser acedidos em https://cuts-ccier.org/competition-policy-law/ Assinale-se, em particular, a relevante obra colectiva promovida pela CUTS sobre concorrência e desenvolvimento económico Pursuing Competition and Regulatory Reforms for Achieving Sustainable Development Goals, Jaipur, 2016, disponível em https://cutsccier.org/pdf/Pursuing_Competition_and_Regulatory_Reforms_for_achieving_SDGs.pdf 259 A informação encontra-se disponível em https://ec.europa.eu/competition/international/bilateral/ 260 As informações sobre o ACF podem ser consultadas em http://www.compcom.co.za/africancompetition-forum/ 261 São conhecidos os efeitos positivos que a integração em blocos económicos regionais pode trazer para o desenvolvimento de políticas de concorrência nos Estados participantes. Assim, v. FOX, Eleanor M. Fox, Competition, Development and Regional Integration: In Search of a Competition Law Fit for Developing Countries, NYU Center for Law, Economics and Organization, Law & economics Research Paper, working paper no. 11-04, October 2012, pp. 18-23 e GAL, Michel (2010), Regional Competition Law Agreements: An Important Step for Antitrust Enforcement, 60 U. Toronto L.J. 239. A maioria dos países da SADC adotou políticas e leis da concorrência a nível nacional e criou autoridades da concorrência. Estão em causa os seguintes países: Botsuana (2009), Madagáscar (2005) Malawi (1995), Maurício (2007), Namíbia (2003), Seychelles (2010), África do Sul (1979), Suazilândia (2007), Tanzânia (2007), Zâmbia (1994) e Zimbábue (1996). Sobre a política de concorrência da SADC v. CHAPEYAMA, Salome,
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No âmbito desta organização Moçambique assinou a Declaração da SA DC sobre Cooperação Regional e Política de Concorrência e Defesa dos Consumidores, sendo membro do Comitê de Direito e Política de Concorrência e Consumidores (CCOPOLC) criado para incrementar o sistema de cooperação sob essa Declaração. 262 No entanto, a aparente paralisia da SA DC tem impedido o aprofundamento da cooperação entre Estados-membros. Há outros países de língua oficial portuguesa que podem beneficiar da integração em blocos económicos regionais para melhorar a política nacional de concorrência. T emos presente o caso de A ngola, por meio da COMESA , em particular o trabalho desenvolvido pela Comesa Competition Commision263, ou a Guiné-Bissau e Cabo V erde, pela CEDEA O. 264 A note-se igualmente a criação, em 2004, da Rede Lusófona da Concorrência, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que tem como membros as entidades responsáveis pelas questões de concorrência dos países de língua portuguesa. Esta Rede tem por finalidade promover a cooperação técnica entre os seus membros, com vista à criação e consolidação dos fundamentos de sistemas de concorrência nos moldes das boas práticas internacionais. 265 Developing a regional competition regulatory framework in the Southern African Development Community (SADC), University of West Cape, 2015, disponível em http://etd.uwc.ac.za/xmlui/handle/11394/4765 262 A este propósito, v. UNCTAD, Competition issues in the economy of Mozambique, 2012, p. 49, disponível em https://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditcclp2011d6_en.pdf 263 Cfr. a informação apresentada em https://www.comesacompetition.org/ 264 Sobre os processos de integração regional em África, v. HERDEGEN, Matthias, Principles of International Economic Law, Oxford, 2013, pp. 293 e segs. Registe-se ainda a existência de um outro bloco económico regional – a East Africa Community Competition Authority (EACCA) - da qual não faz parte nenhum país PALOP. Sobre esta organização, cfr. https://www.eac.int/ 265 A criação da Rede foi acompanhada da aprovação da Declaração do Rio de Janeiro que procura incentivar os Estados a criarem quadros de política económica amigáveis da concorrência e a introduzirem leis da concorrência. A Declaração encontra-se acessível em http://www.concorrencia.pt/SiteCollectionDocuments/AdC/declaracao_rio.pdf
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T ambém a A utoridade da Concorrência de Portugal (A dC) tem promovido a cooperação com os PA LOP – tarefa que é, aliás, considerada como uma prioridade na actividade internacional da A dC – tendo, entre outras actividades, celebrado, em 2012, um protocolo de cooperação técnica com a Direção Nacional de Comércio de Moçambique. 266 4. CONCLUSÃO A política de concorrência constitui um dos quatro pilares da política económica de um governo. No caso dos países em vias de desenvolvimento, deve, entre outros, ter em consideração objetivos específicos relacionados, em particular, com a redução da pobreza e das desigualdades. Se, até um passado recente, era visível um atraso, por parte dos PA LOP’s, no desenvolvimento de políticas de concorrência, os exemplos de Moçambique e, sobretudo, de A ngola, dão a entender que aquele atraso poderá ser ultrapassado se for compreendida a importância que a concorrência tem para o desenvolvimento económico. Para o efeito, os PA LOP’s dispõem, atualmente, de um número considerável de instrumentos de cooperação que permitem potenciar o desenvolvimento de políticas e legislação de concorrência adequadas à realidade doméstica. É desejável que tal aconteça em ordem a contribuir para a afirmação de políticas de good governance, cartão-de-visita de qualquer Estado, determinantes para atrair investimento internacional.
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O protocolo encontra-se disponível em http://www.concorrencia.pt/vPT/Sistemas_da_Concorrencia/Sistema_Internacional_da_Concorrencia/Coo peracao_Institucional_Bilateral/Protocolos-de-Cooperacao-Tecnica/Documents/ProtocoloCooperacaoMocambique.pdf Sobre o papel da Autoridade da Concorrência na cooperação com PALOP’s e a Rede Lusófona de Concorrência v. GOMES, António Ferreira, Discursos de abertura e de encerramento, in Revista de Concorrência & Regulação, ano VI, números 23-24, julho–dezembro 2015, pp. 22-23.
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Não há, no mundo atual, alternativas para países que se queiram desenvolver. A ssim haja vontade política. REFERÊNCIAS A NDERSON, Robert D. / MULLER, A nna Carolina, Competition Policy and Poverty Reduction: A Holistic A pproach (February 20, 2013), disponível em https://ssrn.com/A bstract= 2223977 BRA DFORD, A nu / CHILT ON, A dam S. / MEG A W, Chris / SOKOL, Nathaniel, Competition Law Gone Global: Introducing the Comparative Competition Law and E nforcement Datasets, Journal Of Empirical Legal Studies, V ol. 16, p. 411, 2019 (2018), disponível em https://scholarship.law .columbia.edu/faculty_scholarship/2514 CHA PEY A MA , Salome, Developing a regional competition regulatory framework in the Southern A frican Development Community (SA DC), University of West Cape, 2015, disponível em http://etd.uw c.ac.za/xmlui/handle/11394/4765 FOX , Eleanor M., Competition, Development and Regional Integration: In Search of a Competition Law Fit for Developing Countries, NY U Center for Law , Economics and Organization, Law & economics Research Paper, w orking paper no. 11-04, October 2012 FOX , Elanor, E conomic Development, Poverty, and A ntitrust: The Other Path, (2007) 13 Southw estern Journal of Law and T rade in the A mericas, p. 211 e segs. GA L, Michel, The Social Contract at the Basis of Competition Law (A ugust 6, 2017). disponível em https://ssrn.com/A bstract= 3014354 GA L, Michal S., E x tra-territorial A pplication of A ntitrust – The Case of a Small E conomy in A ndrew Guzman (Ed.), Cooperation, Comity , and Competition Policy, Oxford University Press, 2009 GA L, Michel (2010), Regional Competition Law A greements: A n Important Step for A ntitrust E nforcement, 60 U. T oronto L.J., p. 239. GHOSA L, V ivek, Resource Constraints and Competition Law E nforcement: Theoretical Considerations and Observatins from Selected Cross-Country Data in D. Daniel Sokol / T homas C. Cheng / Ioannis Lianos (eds.) Competition Law and Development (Stanford CA : Stanford University Press, 2013), pp. 90–114 GOMES, A ntónio Ferreira, Discursos de abertura e de encerramento, in Revista de Concorrência & Regulação, ano V I, números 23-24, julho–dezembro 2015, pp. 2223. HERDEGEN, Matthias, Principles of International E conomic Law, Oxford, 2013
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CAPÍTULO 11 PANDEMIA, COERÇÃO E RESPONSABILIDADE 267 José Luiz Borges Horta268 Gustavo Sarti Mozelli269
Para os juristas Edgar de Godói da Matta-Machado (in memoriam) e João Baptista V illela.
RESUMO: O irromper, em 2020, da Pandemia do Coronavirus 2019 (COV ID -19), em escala mundial e mortandade inédita para as décadas recentes, colocou em xeque nossas convicções e certezas. A globalização, por exemplo, parece ter se desfeito no ar. Neste contexto, a atuação dos países europeus no combate ao coronavírus revela a contradição intrínseca entre discurso universalista e solução soberanista, que parece colocar em xeque aspectos fundamentais da identidade cultural ocidental. Seria possível sustentar, no âmbito da necessidade de reafirmação da identidade cultural ocidental, por exemplo, a inviabilidade de se prestar proteção constitucional à privacidade, segurança de dados e garantias individuais, sem trair 267
O presente texto foi preparado a convite da Profa. Dra. Jamile Bergamaschine da Mata Diz, Coordenadora do Centro de Excelência Jean Monnet em Estudos Europeus da UFMG, a quem homenageamos e agradecemos. 268 Professor Associado de Teoria do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG, 2002), com pós-doutorado em Filosofia pela Universitat de Barcelona (20102011). Membro da Sociedade Hegel Brasileira e do Grupo de Trabalho (GT) Hegel da Anpof. Coordenador (desde 2005, ao lado de Joaquim Carlos Salgado) do Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos e (desde 2011, ao lado de Gonçal Mayos Solsona) do Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e Estado. E-mail: zeluiz@ufmg.br. 269 Professor convidado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Filosofia do Direito (UFMG, 2013), com pós-doutorado em Direito pela Escola Superior Dom Hélder Câmara (2016). E-mail: gustavosarti@yahoo.com.br.
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nossa própria matriz histórico-cultural? Poderia o Estado de Direito se valer da mesma vigilância digital e controle de dados utilizados pelos Estados orientais como mecanismo de resposta eficiente a crises tais como a Pandemia vigente? Como rearticular uma nova T eoria do Estado, que leve em consideração a proteção de direitos fundamentais (coração da identidade cultural ocidental) e as transformações nos seus elementos tradicionalmente constitutivos (território, povo e poder)? Estas são algumas questões que o presente artigo pretende levantar, no contexto deste que é hoje o grande desafio do nosso tempo: repensar criticamente nossa cultura. PA LAVRAS-CHAVE: Estado; A utonomia; Pandemia; Hiperculturalidade; Globalização A BSTRA CT: T he outbreak, in 2020, of the Coronavirus Pandemic (COV ID -19), on a w orldw ide scale and unprecedented mortality for the recent decades, put into question our convictions and certainties. Globalization, for instance, seems to fade aw ay . In this context, the action of European countries in the fight against the coronavirus reveals the intrinsic contradiction betw een universalist discourse and sovereignistic solution, w hich seems to call into question fundamental aspects of Western cultural identity . Would it be possible to sustain, in the context of the need to reaffirm Western cultural identity, for example, the infeasibility of providing constitutional protection to privacy , data security and individual guarantees, w ithout betraying our ow n historical-cultural matrix? Could the State, under the rule of law , use the same digital surveillance and data control used by eastern States as an efficient response mechanism to crises such as the current Pandemic? How to re-articulate a new T heory of the State, w hich takes into account the protection of fundamental rights (the heart of W estern cultural identity) and the changes in its traditionally constitutive elements (territory , people and pow er)? T hese are some questions that this article intends to raise, in the context of w hat the great challenge of our time is today : to critically rethink our culture. KEY -WORDS: State; A utonomy ; Pandemy; Hiperculturality; Globalization
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1. A REVANCHE DA COERÇÃO? Se, nos anos 1950, o tema da coerção do poder público sobre a vida social era tão central a ponto de um catedrático da V elha Casa de A fonso Pena galgar a cátedra precisamente debatendo os aspectos filosóficos e sociológicos da relação entre juridicidade e coercibilidade — o que fez de Direito e Coerção (MA T T A -MA CHA DO, 1999) um clássico do pensamento jusfilosófico mineiro e de Edgar da Matta-Machado um campeão das liberdades civis — o avanço das décadas, no mundo como no Brasil, revelaria um progressivo avanço da consciência da liberdade e bem assim um gradual consolidar da ideia de que, como anotava João Baptista V illela em seu premiado Direito, Coerção e Responsabilidade; por uma ordem social não violenta (V ILLELA , 1982), a cada um compete assumir suas responsabilidades perante o todo social, autolimitando-se, diligentemente, de modo a evitar a necessidade de um Estado ostensivamente coativo ou, mesmo, a usar termos mais leves, coercível. Entre coatividade, tomada como o uso efetivo da força pública, e coercibilidade, compreendida como o uso meramente potencial desta mesma força, as sociedades de fins do século X X , algo traumatizadas com os excessos autocráticos cometidos pelos Estados da primeira metade daquele século (HORT A , 2011: 169 et seq.), operaram transformações graduais, em parte desmilitarizando suas polícias urbanas, em parte reconstituindo o tecido social a partir de novas perspectivas cada vez menos punitivas e cada vez mais atentas ao que o evolver da consciência europeia passou a defender como coesão social270. Uma sociedade coesa inibe de per si a criminalidade, tornando desnecessária a coação, a vigilância e mesmo a mera possibilidade de coerção por parte do aparato estatal. Quanto mais ordem, espontaneamente cumprida pelos cidadãos, tanto menos ostensividade no aparato policial. 270
A ideia de coesão social ingressa na pauta central da União Europeia a partir do Ato Único Europeu, de 1986, que introduziu no Tratado de Roma, de 1957 (que instituiu a Comunidade Econômica Europeia), um apartado específico sobre a coesão econômica e social (artigos 130-A a 130-E).
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No pensar de V illela, quanto mais responsabilidade assumida pela cidadania, tanto menos teria o Estado de policiar a população. Uma população ordeira, pacífica, responsável, não necessitaria de um policiamento opressivo, visível e intimidatório. V illela refere -se, inquestionavelmente, ao modelo de vida europeu, com ruas e ambientes extremamente seguros e impressionantemente livres da presente de oficiais do Estado — como em um aeroporto alemão, no qual se pode caminhar por horas sem sequer ver algum servidor público uniformizado: alemães assumem responsabilidades, descobrem seus caminhos, compram seus tickets de trem, informam a si mesmos, descem à plataforma, embarcam, e não raro são os próprios conferentes de suas passagens. Como quer V illela: são totalmente responsáveis por suas condutas. T amanha é a eficiência do modelo alemão que a cidadania não precisa ser lembrada da imensa força do Estado e de seu Direito. Em ordens jurídicas ditas periféricas, no entanto, onde o Direito e o Estado não têm a força simbólica de coesão social que possuem na Europa, mas ao contrário, seguem sob intensas e permanentes críticas, a força simbólica do Estado é necessariamente muito maior. 2. PANDEMIA: MAIS UM MAL DA GLOBALIZAÇÃO O irromper, em 2020, da Pandemia do Coronavirus 2019 (COV ID19), em escala mundial e mortandade inédita para as décadas recentes, colocou em xeque todas as convicções de que, até então, se dispunha. O fato histórico da “benfazeja” Globalização, por exemplo, desfezse no ar, em nanossegundos: O ameaçante vírus é global, globalizado e viaja nas asas da turboglobalização271, mas só há como combate-lo com eficácia combatendo, na mesma medida, a imperiosa globalização.
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O termo é de Gonçal Mayos: MAYOS, 2019.
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A ssim, a primeira vítima da COV ID19 foi, precisamente, a globalização, revelada a olhos nus como o veículo e a causa central da contaminação e disseminação da doença e de seus males. Em seu ensaio Sociedade do Cansaço, Byung Chul Han sustenta que vivemos em uma época em que o paradigma imunológico perdeu sua vigência, baseada na negatividade do inimigo (HA N, 2017: 7-21). Como nos tempos da Guerra Fria, a sociedade organizada imunologicamente se caracteriza por viver cercada de fronteiras e de cercas, que impedem a circulação acelerada de mercadorias e de capital. A globalização suprimiu todos esses limites imunitários para dar caminho livre ao capital. A té mesmo a permissividade generalizada, que hoje se propaga por todos os âmbitos vitais, elimina a negatividade do desconhecido e do inimigo. Os perigos não espreitam hoje a negatividade do inimigo, e sim o excesso de positividade, que se expressa como excesso de rendimento, excesso de produção e excesso de comunicação. A negatividade do inimigo não tem lugar em nossa sociedade ilimitadamente permissiva. O discurso dos últimos tempos é, flagrantemente, incapaz de fazer frente a qualquer ameaça. A identidade dos sujeitos da era digital é cada vez mais forjada por elementos desvinculados da territorialidade; é o que Han diagnosticará, entre o protesto e a dura crítica, em ensaios diversos, onde aponta a hipertrofia do igual, o enfraquecimento dos lastros de tradição que, por meio da cultura, conectam o Espírito do povo ao território, constituindo-o Nação, e o paradoxo do turista em camisas havaianas: Se o lugar constitui fundamento de uma cultura, então a hiperculturalidade significa uma desfundamentalização da cultura (HA N, 2018: 22). 272 272
Em uma das epígrafes inaugurais de sua obra, Han lança o paradoxo do “turista em camisa havaiana”, sob o mote do slogan da Microsoft (Where do you want to go today?) nos seguintes termos: “El etnólogo británico Nigel Barley sostuvo alguna vez que la verdadeira llave del futuro radica em que conceptos fundamentales como cultura dejan de existir. De acordo com Barley, nosostros somos entonces prácticamente turistas en camisas hawaianas. ¿Se llama turista al nuevo hombre despúes del fin de la cultura? ¿O vivimos finalmente em uma cultura que nos da la liberdad de dispersarnos como alegres turistas a lo ancho del mundo. ¿Como se deja descrebir esta nueva cultura?” Por outro lado, citando Martin
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Ora, uma das características fundamentais do contexto global de desterritorialização social e política da sociedade, é justamente a substituição (ou o risco de substituição) da Política pelo mercado na condução dos processos sociais, o que, reflexamente, funcionaliza as relações sociais e faz da globalização questão política. Globalização significa um tipo tacanho de (des)politização (HORT A ; FREIRE; SIQUEIRA , 2012) na medida em que seu aparecimento permite aos empresários e suas associações a reconquista e a disponibilidade do poder de negociação que havia sido politicamente e socialmente domesticado pelo Estado capitalista democraticamente organizado. Isto porque, segundo Ulrich Beck (1997: 16-7), a globalização viabilizou algo que talvez já fosse latente no capitalismo, mas ainda permanecia oculto no seu estágio de submissão ao Estado social de Direito, a saber: que pertence às empresas, especialmente àquelas que atuam globalme nte, não apenas um papel central na condução da economia, mas da própria sociedade como um todo, ainda que seja apenas pelo fato de que podem privar a sociedade de seus recursos materiais (capital, impostos, trabalho). 3. PANDEMIA: FRAQUEZA E FORTALEZA DO ESTADO Conquanto se possa buscar, pollyannicamente, diferenciar a conduta dos Estados, nas muitas civilizações (HORT A ; RA MOS, 2009), perante a necessidade de reagir à Pandemia, é fato que todos, sem exceções à Heidegger, Han enuncia a epígrafe do capítulo “Cultura como pátria” de sua obra nos seguintes termos: “Nuestro Dasein histórico experimenta com aflicción espiritual y claridade que su futuro equivale a la desnuda disyuncion exclusiva entre la salvacón de Europa o su destrucción. La possibilidade de la slavación exige, sin embargo, dos cosas: I. La preservación de los pueblos europeos ante el asiático; II. La superacion de su próprio desarraigo y fragmentación.” (HAN, 2018: 11-13). Segundo Han, o turista hipercultural não precisa mover-se fisicamente para ser turista. Ele já está, em si mesmo, em qualquer (outro) lugar. Não é que se abandona a casa como turista para voltar depois como nativo. O turista hipercultural já é, consigo em casa, um turista. Já está ali, ao estar aqui. Não chega de modo definitivo a nenhum lugar (HAN, 2018: 27).
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vista, cuidaram de imediatamente reassumirem o comando soberano de seus territórios, fecharem suas fronteiras e engendrarem controles coercitivos um tanto inéditos para boa parte de seus cidadãos. T odo o poder estatal, discretamente recolhido por desnecessário em versão exuberante nas culturas jurídicas mais sofisticadas, emergiu de golpe em todos os quartéis do planeta, causando assombro e admiração. A s tecnologias digitais — há muito disponíveis, mas somente utilizadas em larga escala pelo mercado, cujos algoritmos vinham sendo denunciados como constritores das liberdades econômicas, induzindo cidadãos a consumidores inconscientes — agora surgiram como substratos sanitários de ordem pública, tornando a vigilância sanitária em imperativo público. Culturas orientais, por certo menos imersas na longa tradição de construção das liberdades civis e políticas constitutiva da história das culturas ocidentais, foram mais facilmente submetidas ao padrão da vigilância sanitária — o que não surpreendeu, apenas demarcou diferenças. A nota a propósito Byung-Chul Han: A consciência crítica diante da vigilância digital é praticamente inexistente na Á sia. Já quase não se fala de proteção de dados, incluindo Estados liberais como o Japão e a Coreia. Ninguém se irrita pelo frenesi das autoridades em recopilar dados. Enquanto isso a China introduziu um sistema de crédito social inimaginável aos europeus, que permitem uma valorização e avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em consequência de sua conduta social. Na China não há nenhum momento da vida cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada clique, cada compra, cada contato, cada atividade nas redes sociais são controlados. Quem atravessa no sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime e quem coloca comentários críticos nas redes sociais perde pontos. A vida, então, pode chegar a se tornar muito perigosa. Pelo contrário, quem compra pela Internet alimentos saudáveis e lê jornais que apoiam o regime
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ganha pontos. Quem tem pontuação suficiente obtém um visto de viagem e créditos baratos. Pelo contrário, quem cai abaixo de um determinado número de pontos pode perder seu trabalho. Na China essa vigilância social é possível porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os fornecedores da Internet e de telefonia celular e as autoridades. Praticamente não existe a proteção de dados. No vocabulário dos chineses não há o termo ‘esfera privada’. (HA N, 2020)273
A percepção de que a ostensividade da vigilância e da coerção estatal é mais plenamente assimilável alhures que na tradição europeia é igualmente destacada. Byung Chul Han anota que o coronavírus está colocando nosso sistema à prova. Isto porque, em tese, as medidas tomadas pelos Estados Orientais se mostraram bem mais eficientes na resposta à crise sanitária provocadas pelo vírus. Mas a que preço? Segundo argumenta o filósofo, Estados asiáticos como o Japão, Coreia, China, Hong Kong, T aiw an e Singapura têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (confucionismo). A s pessoas são menos relutantes e mais obedientes do que na Europa. T ambém confiam mais no Estado. E não somente na China, como também [...] no Japão a vida cotidiana está organizada muito mais rigidamente do que na Europa. Principalmente para enfrentar o vírus os asiáticos apostam fortemente na vigilância digital. Suspeitam que o big data pode ter um enorme potencial para se defender da pandemia. Poderíamos dizer que na Á sia as epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e sim principalmente pelos especialistas em informática e macrodados. Uma mudança de paradigma da qual a Europa ainda não se inteirou. (HA N, 2020)
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Sobre as diferentes concepções culturais entre a civilização ocidental e a civilização confuciana, v. RAMOS, 2012.
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O gesto desesperador da Itália, primeiro país ocidental a ter de lidar com o vírus, ao pedir o socorro da União Européia, o qual tanto demorou quanto gerou desculpas públicas da Comissária Úrsula V an Der Leyden, prova a difícil equação que se coloca ao pensamento jurídico, jurídico-político e jusfilosófico ocidental. 4. ESTADO DE DIREITO: PILARES OU RUÍNAS? Byung Chul Han, comentando a atuação dos países europeus no combate ao coronavírus, revela a contradição intrínseca entre discurso universalista e solução soberanista: Os fechamentos de fronteiras são evidentemente uma expressão desesperada de soberania. Nós nos sentimos de volta à época da soberania. O soberano é quem decide sobre o estado de exceção. É o soberano que fecha fronteiras. Mas isso é uma vã tentativa de soberania que não serve para nada. Seria muito mais útil cooperar intensamente dentro da Eurozona do que fechar fronteiras alucinadamente. A o mesmo tempo a Europa também decretou a proibição da entrada a estrangeiros: um ato totalmente absurdo levando em consideração o fato de que a Europa é justamente o local ao qual ninguém quer ir. No máximo, seria mais sensato decretar a proibição de saídas de europeus, para proteger o mundo da Europa. Depois de tudo, a Europa é nesse momento o epicentro da pandemia. (HA N, 2020)
É visível a agonia de Han. T radicionalmente o Estado nacional é um Estado territorial, ou seja, baseia o seu poder na vinculação a um determinado lugar (no controle das associações, na aprovação de leis vinculativas, na defesa das fronteiras, etc.). Por sua vez, a aldeia global, que em decorrência da globalização busca se ramificar em muitas dimensões, e não apenas econômicas, complexifica — e ao mesmo tempo parece relativizar — o Estado nacional, pois há uma multiplicidade, desvinculada a um lugar, de círculos sociais, redes de comunicação,
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relações de mercado e modos de vida que ameaçam em todas as direções as fronteiras do Estado nacional. Para Ulrich Beck, isso aparece em todos os pilares da autoridade nacional-Estatal: a tributação, os poderes de polícia, a política externa ou de defesa (BECK, 1997: 20). A ssim, problemas ínsitos ao paradigma transnacional e global — como a fome e a miséria que conduz à morte de um número cada vem maior de pessoas, a contínua violação da dignidade humana, sobretudo nos Estados (ainda não) de direito, o terrorismo internacional, o desafio político das migrações por fatores políticos e ambientais, o crescente desemprego e disparidade na distribuição de renda e riquezas a nível global, a ameaça à viabilidade futura da humanidade pelo desequilíbrio ecológico e em razão do risco de uma guerra nuclear — , não têm como contornos geopolíticos aspectos econômicos, políticos, sociais e ambientais locais, circunscritos a certo e determinado espaço territorial ou Estado nacional. Eles refletem importante questão político-filosófica de fundo, expressa na estranha ideia de desterritorialização dos espaços político e social (BECK, 1998: 12-3). Nesta perspectiva, proximidade geográfica e social não mais coincidem, isto porque o espaço da sociedade, sobretudo nos aspectos político e econômico, não é mais limitado pela presença num lugar — a sociedade estaria tão líquida quanto o tempo, para acompanhar Baumann (2001). A comunidade nacional concreta, na experiência da globalização, perde suas fronteiras na direção de algo tão abstrato como uma comunidade universal de ausentes (BECK, 1998: 12-3). O contexto de ataque ao Estado se expressa de modo especial no elemento soberania. Em detrimento de uma soberania meramente formal, os Estados europeus, ainda que se mantendo sob a égide formal de suas constituições, abriram mão de parte de sua soberania em prol da instituição de uma vindoura União Europeia — e de sua constituição 274. A o priorizarem a articulação de seus Estados em uma Comunidade 274
Sobre o devir da União Europeia, o excepcional MIDDELAAR, 2017.
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Estatal-Internacional, com princípios, regras e políticas comuns, tais Estados priorizaram a soberania europeia, por meio da reunião de esforços comuns no enfrentamento dos problemas de uma geopolítica global cujos vetores e forças transcendem a capacidade de ação de pequenos Estados isolados, em detrimento da tradicional soberania conquistada a duras penas (SIMMS, 2015). A ssim, soberania formal já não significa soberania real na medida em que os problemas se mundializaram e para enfrenta-los o Estado precisa se articular, em comunidades soberanas, com outros. A demais, o poder econômico e de mercado se virtualizou, tornando-se impessoal, não mantendo lastros identitários e de comprometimento político com Estados nacionais, e não respeita fronteiras, regras ou valores. Por fim, é na articulação dos problemas no entorno da relativização dos elementos do Estado que emerge, como corolário, o paradoxo político dos chamados direitos humanos. Zizek identifica, no contexto atual, o paradoxo dos direitos humanos universais, e denuncia seu caráter de dominação política “no momento em que tentamos conceber o direito político dos cidadãos sem fazer referência aos direitos humanos universais e meta-políticos o que se perde é a política em si mesma.” (ZIZEK, 2005:131) Esse paradoxo opõe de um lado a dignidade da pessoa humana, como corolário do itinerário filosófico ocidental 275, e de outro o uso político 275
Outra faceta político-filosófica do mesmo paradoxo é a que opõe autodeterminação moral e autorrealização ética. Nesse sentido, tanto as tradições liberais quanto as democráticas (muitas vezes autointituladas “republicanas”) interpretam os direitos humanos como expressão de uma autodeterminação moral e a soberania do povo como expressão da autorrealização ética, razão pela qual compreendem por vezes que os conceitos não guardam, entre si, uma relação de complementaridade, e, sim, de concorrência. Daí, porque, ambas as tradições procuram resolver a tensão entre as ideias, dando primazia a uma delas. É a leitura de Jürgen Habermas: Os liberais evocariam o perigo de uma “tirania da maioria”, postulariam o primado de direitos humanos que garantem as liberdades pré-políticas do indivíduo e colocariam barreiras à vontade soberana do legislador político. Ao passo que os representantes de um humanismo “republicano” destacariam ao valor próprio, não instrumentalizável, da auto-organização dos cidadãos, de tal modo que, aos olhos de uma comunidade naturalmente política, os direitos humanos só se tornariam obrigatórios
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que se faz desta ideia, como meio de dominação e despotencialização das diferenças. Ele se perpetua e se irradia, na medida em que o movimento contemporâneo de mundialização da questão humana reforça perfidamente a questão da universalização. Os avanços nos campos do desenvolvimentismo tecnológico, científico e, consequentemente, econômico, forjaram terreno fértil e indispensável para a atual projeção da questão humana a níveis globais, naquilo que, intuitivamente, se convencionou chamar globalização. Paradoxalmente 276, os movimentos que levaram à crise dos valores, da Metafísica e da validade de seus juízos filosóficos universais têm como um de seus mais expressivos resultados a atual hiperculturalidade, expressa na interdependência global dos fatores de produção e de mercado e naquilo que Ulrich Beck denominou mundialização dos problemas (BECK, 1998: 12-3). Isto faz com que os povos das diferentes culturas e nações se sintam interpelados, diante do horizonte compartilhado de desafios e perigos, a assumirem uma responsabilidade política comum frente às questões de coexistência e sustentabilidade, na articulação de um projeto de futuro que tenha por base os grandes desafios e objetivos humanos. Nesse sentido, seria possível sustentar, no âmbito da necessidade de reafirmação da identidade cultural ocidental, a inviabilidade de se enquanto elementos de sua própria tradição, assumida conscientemente. Na visão liberal, os direitos humanos se imporiam como algo dado, ancorado num estado natural fictício; ao passo que na interpretação democrática (“republicana”) a vontade ético-política de uma coletividade que esteja se auto-realizando não poderia reconhecer nada que não corresponda ao próprio projeto de vida autêntico. (MOZELLI, 2017: 189-90; HABERMAS, 1994: 130). Sobre o tema da dignidade da pessoa humana, SALGADO (2009) e SALGADO (2011). 276 Este mesmo paradoxo é apontado por Karl Otto-Apel, em outros termos, ao analisar o problema da fundamentação racional da ética na era da ciência. Isto porque, segundo ele, de um lado, a carência de uma ética universal, vinculadora para toda a sociedade humana, nunca foi tão premente como em nossa era, que para Apel se constitui numa civilização unitária, em função das consequências tecnológicas promovidas pela ciência. De outro lado, a tarefa filosófica de uma fundamentação racional de uma ética universal jamais parece ter sido tão complexa, e mesmo sem perspectiva, do que na idade da ciência. Isto porque a ideia de validez intersubjetiva é, nesta era, igualmente prejudicada pela ciência: a saber, pela ideia científica da “objetividade” normativamente neutra ou isenta de valoração (APEL, 1988: 358-359).
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prestar proteção constitucional à privacidade, segurança de dados e garantias individuais, sem trair nossa própria matriz histórico-cultural? Poderia o Estado de Direito se valer da mesma vigilância digital e controle de dados utilizados pelos Estados orientais como mecanismo de resposta eficiente a crises tais como a Pandemia vigente? Seria, por exemplo, a chamada lei geral de proteção de dados 277, corolário de sua despotencialização ou expressão da pujança e maturidade crítica do Estado? O Estado, como expressão histórica e filosófica da cultura ocidental, precisa ser repensado em face das implicações trazidas pela globalização para a sua compreensão como conceito e locus estruturante da vida política ocidental. Nesse sentido, todas as dimensões da cultura ocidental (e de seu percurso até aqui) se constituíram no esteio de seu desenvolvimento histórico, desde as embrionárias organizações de politeia gregas, passando pela constituição dos Estados nacionais até a construção do Estado de Direito. A ssim, a liberdade constitui a ideia estruturante da cultura ocidental278, em diálogo com a qual a economia, a antropologia, a religião, o Direito e a Política ocidentais se desenvolveram. Quer na afirmação de sua positividade, manifesta na pujança dos momentos históricos em que floresceu como expressão do ethos ocidental, quer na expressão de sua negatividade, manifesta na luta pela construção da subjetividade do sujeito ocidental, o Estado de Direito se faz expressão histórica da identidade ocidental (HORT A , 2011). Como rearticular uma nova Teoria do E stado, que leve em consideração a proteção de direitos fundamentais (coração da identidade
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Lei Federal n° 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Por todos, SALGADO (1996), e muito especialmente HEGEL (1999). Para uma reflexão sobre a cultura da liberdade, ouçamos, ainda, Byung-Chul Han: “Na Europa impera um individualismo que traz atrelado o costume de andar com o rosto descoberto. Os únicos que estão mascarados são os criminosos. Mas agora, vendo imagens da Coreia, me acostumei tanto a ver pessoas mascaradas que o rosto descoberto de meus concidadãos europeus me parece quase obsceno.” (HAN, 2020) 278
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cultural ocidental) e as transformações nos seus tradicionalmente constitutivos (território, povo e poder)?
elementos
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CAPÍTULO 12 URBE AMAZÔNIDA E SUSTENTABILIDADE JUSURBANÍSTICA NO BRASIL: CONTEX TOS E PARADIGMAS SINGULARES FACE AO OESTE DO PARÁ Wagner de Oliveira Rodrigues 279
RESUMO: abordar a realidade de uma sustentabilidade urbana por meio de planos diretores é um desafio que toma, na contemporaneidade, uma forma própria onde populações não urbanas se levantam para reclamar a sua invisibilidade estratégica havida num dogma de que o desenvolvimento humano se passa, unicamente, nas cidades. O presente trabalho, com base em um trabalho doutoral havido em campo num município da Calha Norte do Estado do Pará, demonstra que povos autóctones e tradicionais podem e devem reclamar cidadania nos territórios de origem dando a ordenamentos estratégicos locais uma dimensão pluriétnica e multiterritorial necessárias em cenários não só amazônicos, mas, também, em todo o Brasil em condições análogas. PA LAVRAS-CHAVE: Sociobiodiversidade; A cesso à cidade; Políticas Públicas; A mazônia. A BSTRA CT: addressing the reality of urban sustainability through municipal master plans is a challenge that takes on a contemporary form in w hich non-urban populations rise up to claim their strategic invisibility in a dogma that human development takes place only in cities. T he present w ork, based on a doctoral w ork carried out in the fields studies in a city on the Northw est Region of the State of Pará, demonstrates that indigenous and traditional peoples can and should claim 279
Professor Adjunto em atuação no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz. Líder do Grupo CNPq de Pesquisa em Direitos Humanos e Fundamentais (GPDH-UESC) e Colíder do Grupo CNPq de Pesquisa "Democracia, Justiça, Alteridade e Vulnerabilidades" (DeJAVu). Advogado ativista de direitos humanos com ênfase na sociobiodiversidade, na diversidade sociossexual e na conjuntura política e institucional do Brasil na contemporaneidade. E-mail: worodrigues@uesc.br
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citizenship in the territories of origin, giving local strategic orders a multi-ethnic and multi-territorial dimension necessary in scenarios not only A mazonian, but also throughout Brazil in similar conditions. KEY WORDS: Sociobiodiversity; Rights to City ; Public policy; Brazilian A mazon.
1. INTRODUÇÃO Uma das maiores inquietações que sustentaram uma abordagem teórica sobre a pluriterritorialidade estratégica (ou, em miúdos, uma visão a partir não apenas de um único espaço – mas da confluência de espaços geopolíticos que se confluem entre si num, aparente, único território de natureza política) em planos estratégicos de nível local (como os Planos Diretores, v.g.) foi dada quando tivemos a oportunidade de compreender a morfologia ambiental e urbana de municípios amazônicos no Brasil. Para estudantes do Direito este tipo de esforço é ainda mais hercúleo – tendo em vista o exercício de se “sair da caixa” quando o assunto é a adequação (ou subsunção) normativa de uma única resposta jurídica a realidades plurais e, naturalmente, pluriepistêmicas. Não que isto não se pudesse ocorrer em qualquer canto deste país tropical – marcado, profundamente, pela confluência de culturas, credos e visões de mundo – mas, indubitavelmente, o caso em particular da A mazônia nos revelou inúmeros apontamentos que, aqui, compartilhamos apenas alguns fragmentos fáticos e teóricos. 280 A pretensão, portanto, deste escrito está ligado à apresentação de uma realidade que, segundo nossa visão, se não vistos já na gênese normativa dos regulamentos urbanísticos, estará fadada à invisibilidade 280
RODRIGUES, Wagner de Oliveira. Ordenamentos territoriais sob a ótica da sociobiodiversidade: o caso da revisão do Plano Diretor de Oriximiná, no Pará. Tese (doutorado), Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal Fluminense, 2018.
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completa diante de um modelo de produção legal do espaço citadino que, habitualmente, pouco conversa com espaços tradicionalmente marginalizados no Brasil. No caso do Oeste do Pará – região dentre tantas na A mazônia Legal onde as assimetrias logísticas e espaciais gritam aos olhos sob o raso das águas orientados pelo rio A mazonas e seus afluentes e as “comunidades” se expressam, muitas vezes, como áreas urbanas em rincões invisíveis sob a copa das árvores na floresta tropical, então, tal questão é ainda mais gritante e exige, dos profissionais e acadêmicos ligados à área do planejamento estratégico de nível local, uma sensibilidade antes nunca vista para quem não é nativo desta riquíssima região. O trabalho, portanto, se estrutura nessa linha de raciocínio buscando-se pensar na inclusão citadina destes povos – autóctones e/ou tradicionais – em planos estratégicos como forma institucional de promoção da cidadania de nível local e, assim, de visibilidade de processos socioambientais que se refletem, de pronto, em realidades urbanísticas e, igualmente, jurídicas. 2. PARÂMETROS SOCIONORMATIVOS AMAZÔNIA “URBANA”
PARA
UMA
Quais seriam, portanto, os paradigmas institucionais lançados por políticas públicas de sustentabilidade urbana nos últimos anos, quando o assunto é a A mazônia? Se isto é lançado sob um olhar conservacionista, ou seja, voltado a manter a “floresta de pé a qualquer custo”, isto significa, num primeiro momento, a invisibilidade de quem nela se estabelece como sociedade e, nela, se expressa como cultura urbana na floresta. O contrário, inclusive, conversa com certa doxa civilizatória levada “do sul para o norte”, como se o tipo de integração (assimilacionista, principalmente) do cidadão nortista estivesse associada, diretamente, ao modus estabelecido pelos brasileiros a partir de Brasília
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para o sudeste nacional. Contudo o fenômeno inicial para se pensar a sustentabilidade jusurbanística na A mazônia passa por um outro contexto, como já alertara Castro a respeito. O desafio novo é de não repetir os esquemas teóricos que optaram pela análise segmentada do urbano, mas entendê -lo como parte inseparável da dinâmica territorial, composta também por estruturas rurais. Daí a relevância da análise combinada, adotando noções de território e atores sociais na interpretação do fenômeno urbano, portanto resgatando o universo de relações sociais que ultrapassa, na realidade, essa segmentação rural-urbano. 281 Regionalizando o debate, portanto, tal desafio nos exige observar que a complexidade da produção urbanística amazônica está associada, de um lado, a um modus hegemônico de planejamento estratégico (tal qual introduzido no diálogo de fontes exógenas) combinado com uma leitura singular das “muitas A mazônias” que interferem, indubitavelmente, na própria urbanização regional – como já fizera o mesmo alerta Carlos W alter Porto Gonçalves. 282 Na gênese da colonização do Norte que resultara na atual conformação territorial amazônica no Brasil, A ntônio Risério nos informa que o modo produtivo das urbes amazônicas teve origem na tecnologia edilícia portuguesa empregada através da política de isolamento estratégico – e buscou conciliar este isolamento no período colonial, após conquistar o território antes ocupado por franceses, ingleses, espanhóis (em consórcio colonial) e holandeses, até o início do Século X V II, sob os interesses exploratórios dos portugueses nas cidades criadas ao longo do rio A mazonas e seus afluentes 283. A ssim, houve interesses de povoamento sem, contudo, promover algum grau de produção socioeconômica que fosse além da exportação 281
CASTRO, Edna. Introdução. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008, p. 06 282 GONÇALVES. Carlos Walter Porto. Amazônia, Amazônias. 1ª Ed. São Paulo: Contexto, 2001, p. 18 283 RISÉRIO, Antônio. A cidade no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 119.
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das “drogas do sertão” para a metrópole e, desta, para o restante do mundo. Este mesmo cenário pode ser “desenhado” através da gravura feita por Caio Prado Junior, ainda nos anos 1940, conforme abaixo se destaca. O Brasil em 1800 (destaque para as cidades da Província do Grão-Pará)
Fonte: gravura da obra “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Junior, 1942. 284 Do ponto de vista daqueles que construíram (e ainda constroem) as urbes “amazônidas”, ou seja, as que se situam sob o raio da chamada “A mazônia Legal” (segmento estratégico que engloba, além dos Estados do Norte, os do Mato Grosso e do Maranhão), as apropriações dos espaços urbanos por populações étnicas nas sedes locais também são reflexas de uma urbanização construída na urgência de políticas sociais que supre, em bens e serviços, a carestia das mesmas havidas nos seus territórios de origem – e que irão terminar, por conseguinte, nas ditas “comunidades” sitas em distâncias de léguas náuticas no interior dos rios, paranás e igarapés desta região. 284
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, apêndice.
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A ssim, a confluência entre interior e urbe na A mazônia – excetuadas as grandes e médias cidades da região, em algum grau – é demasiada complexa e guarda uma interconexão social que precisa ser lido, localmente, através dos interfluxos que alargam e elastecem, ainda mais, as ditas funções urbanísticas adotadas classicamente como o de se morar, se locomover, de trabalhar e de se entreter nas city towns do Século XX. A associação da industrialização e da urbanização, própria do modelo de urbanização na Europa, mostrado por Castells (1977) em seus estudos sobre o fenômeno urbano, é também um padrão ocorrido no Brasil em regiões que se industrializaram nos anos 1950 em diante, mas não pode servir de fundamento de esquemas analíticos aplicáveis às cidades da A mazônia. Isso em função de várias características relativas às dinâmicas socioeconômicas, demográfica e étnicas da região e à informalidade dos processos de trabalho, levando a população a ter um padrão de espacialidade menos concentrado” (grifos nossos). 285
Obviamente isto não impediu (não impede até hoje) que os processos de produção capitalista do espaço urbano também se chegassem à A mazônia sob diversas ingerências endógenas e exógenas – como na criação de parques industriais em Belém e Manaus, de obras de adequação urbanística nas cidades de médio e grande porte ou, até mesmo, nas compensações urbanas movidos sob os megaprojetos voltados para a exploração da biodiversidade. Em tempos recentes, registre-se a intensa urbanização regional desencadeada pela geopolítica do governo militar visando um novo projeto para a região: o Plano de Integração Nacional, concebido na década de 1960 e implantado como Programa de Integração Nacional em 1970 pelo decreto-lei n. 1.106. V isando ocupar definitivamente a A mazônia, o governo favoreceu a expansão da fronteira agropecuária 285
CASTRO, Edna. Urbanização, pluralidade e singularidades das cidades amazônicas. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008, p. 13-14.
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iniciada no Sudeste, e teve na implantação de núcleos urbanos uma estratégia implícita. 286 Os núcleos urbanos – antigos e novos – foram (e ainda são) a base logística da expansão da fronteira (amazônica), entendendo-se esta acepção como um avanço demográfico estratégico de ocupação do território nacional em rincões onde, antes, não havia comunidades tampouco cidades expressivas. Ignorar este fato representa, assim, pôr na berlinda institucional milhares (senão, milhões) de pessoas que já vivem práticas precárias dos direitos de “acesso à cidade” entendida, atualmente, como um corolário dos direitos humanos e fundamentais da pessoa humana voltadas ao espaço citadino e, portanto, reflexos da própria condição do exercício da cidadania. O trânsito pluriepistêmico, portanto, deste trabalho passará – agora – por uma rápida análise de um campo singular pouco estudado na literatura interdisciplinar e que serve de suporte para uma reflexão mutável em outras espacialidades. T rataremos, aqui, do caso do Oeste do Estado do Pará e de suas nuances no todo da A mazônia brasileira. 3. A LIDA DA SUSTENTABILIDADE JUSURBANÍSTICA NO OESTE DO PARÁ Esta região singular do país que já se lançou, diversas vezes, à banca política de unidade federativa regional (o pretenso “Estado do T apajós” – rejeitado no último referendo de 2015) apresenta um típico caso de expressão urbanística de médio alcance em paralelo ao desenvolvimento limitado das cidades da região. Marcada pela presença da cidade de Santarém e da foz do rio T apajós com o A mazonas – além de afluentes de grande importância como os rios Nhamundá e
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BECKER, Bertha. A urbe amazônida. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2013, p. 33.
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T rombetas – essa cidade representa uma referência geopolítica inexorável neste rincão amazônico paraense. 287 Marcada por um tipo de ocupação – que ainda deriva do Século X V III – ligado ao “aviamento” (ou seja, como um ponto de escoamento de “drogas do sertão” para Belém e, desta, para o resto do mundo), Santarém vai assistir a um povoamento que vai se sucedendo conforme práticas geopolíticas e estratégicas adotadas de tempos em tempos para a região. A última, e ainda marcante, prática neste segmento é a ocupação governamental que remonta os tempos da Ditadura Militar caracterizado pelo mote de se afirmar presença como expressão de soberania via desenvolvimento governamental – abrindo alas para a expansão da fronteira agrícola e industrial-extrativista nos limites que a floresta (e os sujeitos na floresta) se estabeleceria para este desiderato. Mesmo assim as distâncias hercúleas e a fraca logística interrregional ainda são elementos de dificuldades que condicionam os processos de urbanização das cidades-satélites da região – como Óbidos, Oriximiná, A lenquer, Juruti, T erra Santa e Faro – e que estabelece uma ideia de “cidades na floresta” 288 como um grande óbice, para os atores hegemônicos da prática geopolítica atual, para sustentar planejamentos estratégicos conforme a doxa urbanística adotada, até recentemente, pelo Ministério das Cidades – hoje extinto pela atual gestão do Governo federal. 289
287
“Da pequena missão religiosa criada no terceiro quartel do século XVII à condição de cidade mais importante da mesorregião do Baixo Amazonas, foi um longo percurso. Hoje Santarém figura na hierarquia urbana como uma cidade de porte médio, entre as 15 existentes na Amazônia, conforme proposição de Ribeiro (1998). Essa posição de relevância foi construída ao longo dos séculos e pode ser explicada pelo papel econômico e político dessa cidade no contexto regional” (PEREIRA, José Carlos Matos. O papel de Santarém como cidade média na Amazônia Oriental. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008, p. 330). 288 CASTRO, Edna. Urbanização, pluralidade e singularidades das cidades amazônicas. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008, p. 24. 289 Cabe aqui lembrar que a atual gestão federal desconsidera o planejamento estratégico como instrumento de sustentabilidade urbano-ambiental justamente porque o principal agente indutor, dentro de um governo
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Santarém (pelo certo isolamento geográfico) também possui grande relevância militar, religiosa e governamental na contemporaneidade geográfica brasileira – o que faz dela, até hoje, um forte reduto político mesmo não sendo capital de nenhuma unidade federativa e não possuindo a relevância política que os santarenos tanto buscam na contemporaneidade face aos paraenses em Belém. 290 291 A ideia de uma caracterização pluriterritorialista, em planos estratégicos, passa no caso vivido por nós, entre os anos de 2015 a 2018, pela observação das condições macroespaciais que situam o centro de suas bordas geopolíticas. Santarém e, por ela, as cidades-satélites acima mencionadas, sempre nos provocaram uma inquietação sobre o modo de produção urbana e as leituras do urbano em áreas marcadas, profundamente, não só pelo aspecto rural 292 (porque a produção
central como é o da União no Brasil, no raio federativo está extinto e não apresenta quaisquer instrumentos de monitoramento político sobre o desenvolvimento local e regional para os próximos anos. 290 “Ainda hoje a cidade se ressente da dependência a Belém. Santarém cresceu com o plano de asfaltamento da estrada Cuiabá-Santarém, decorrente da chegada da frente agropecuária, que deu novo impulso ao porto e ao comércio. Mas procura gerar novos elementos de desenvolvimento, tal como a mineração da bauxita pela Alcoa em Juriti, em bases mais sustentáveis, e a inovação constituída pela criação da UFOPA, tirando partido de sua posição que favorece a articulação das porções oriental e ocidental da Amazônia” (BECKER, Bertha. A urbe amazônida. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2013, p. 54). 291 “Finalmente a cidade tem uma situação geográfica favorável (disponibilidade de recursos naturais e terras, rios navegáveis e estradas). Na divisão territorial do trabalho, Santarém é um dos mais novos polos produtores de soja da Amazônia, principalmente ao longo da BR-163. Desempenha, também, o papel de corredor do escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste, especialmente da soja, que do porto local parte em direção aos Estados Unidos e à Europa, graças à localização estratégica dessa cidade em relação aos grandes centros consumidores de grãos exportados pelo Brasil. A farta disponibilidade de recursos naturais constitui outro fator de atração do grande capital. As grandes reservas florestais também já são alvo da ação de madeireiros, devido ao alto valor comercial e à variedade de espécies existentes, como já acontece em outros estados da Amazônia. Nesse caso, Santarém constitui, como afirmou Becker (2001) a nova fronteira econômica para a ação do capital, sendo, como tal, geradora de novas realidades, palco de novos conflitos por conta dos interesses envolvidos” (PEREIRA, José Carlos Matos. O papel de Santarém como cidade média na Amazônia Oriental. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008, p. 348). 292 VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Editora Autores Associados, 2002, p. 58.
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econômica, ali, é de marca rural), mas, para além, de naturezas singulares no extrativismo animal e vegetal em conexão com grandes projetos logísticos, minerários e ambientais – tudo isto conectado aos povos originários e tradicionais que ainda possuem espacialidades próprias em toda a região. T al constatação é reforçada no Norte brasileiro através de uma gigantesca complexidade etnoterritorial que se conjura, positivamente, com a própria lógica da urbanização amazônida – tão assente e, ao mesmo tempo divergente, às formas habituais de produção capitalista do espaço urbano no restante do país. 293 Embora boa parte das mazelas sociais esteja marcada com o modo de produção das cidades no todo nacional, as urbes amazônidas da Calha Norte do Pará exigem uma leitura própria – como em qualquer região deste país – que note as vicissitudes sociais que condicionam o próprio devir desta pluriterritorialidade como uma intervenção fatal do socioambientalismo nas práticas urbanísticas regionais e locais. Este caso, inclusive, não se passou despercebido por nós e nos impôs uma volta aos conceitos que limitam os ordenamentos territoriais a um conceito ampliado de sustentabilidade urbanística que ainda não era percebida na legislação onde vivemos o campo das experiências e práticas naquela região. Nosso maior temor, igualmente, era – reféns da técnica subsuntiva da legislação neste segmento jurídico – reproduzir os paradigmas normativos que já existiam em outras partes do país e que, decertam, invisibilizam ao seu modo as periferias não contempladas na letra da lei. Para isto, inclusive, foi feito um denso trabalho de campo até 293
Portanto, se partíssemos para análises objetivas a respeito dos graus e níveis de urbanização – segundo nos informa Cleide Lima de Souza – o Brasil, segundo parâmetros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, seria essencialmente rural. Adequado a um padrão mínimo de densidade demográfica em 150 habitantes por quilômetro quadrado, de acordo com a OCDE, pouquíssimas cidades e mesorregiões em nosso país – ainda com o Censo de 2010 – alcançariam este escore. Neste sentido, vide SOUZA, Cleide Lima. Amazônia, para além da discussão entre campo e cidade: o Município de Tapauá/AM. Dissertação de Mestrado no Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano (Universidade da Amazônia), 2009, p. 56.
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se chegar a respostas práticas (porque envolveu produto final legislativo) bastante interessantes do ponto de vista do que aqui se apresenta. 294 5. SINGULARIDADES AMAZÔNIDAS
JUSURBANÍSTICAS
EM
URBES
Como técnica e forma o que se verifica, infortunamente, é a prática da redução cultural regional a visões de mundo ce ntrais a partir da observação de atores hegemônicos – como é o caso que percebemos na Calha Norte do Pará. Modelos de planos diretores, de estratégias e metodologias de abordagem puramente “urbanoides” (ou seja, com características das cidades industriais sem um olhar técnico sensível aos modos de produção capitalista da região) e o próprio trato arrogante de técnicos ligados, governamentalmente, a este assunto enfraquecem o produto jurídico final ao mesmo tempo em que tornam ilegítimos os seus resultados nas políticas públicas dessa natureza quando implementados no orçamento público. Observar – regra simples em matéria de campo de análise sobre o território – as partes antes do todo se torna essencial para se compreender as tessituras urbanísticas invisíveis aos olhos – mas sensíveis à cultura regional que forja a unidade urbana local (ainda mais se levando em consideração a complexidade de se aglutinar tudo isto numa unidade federativa chamada de “município” que, no Brasil, tem conotação política) se o foco é um planejamento estratégico com marca na sustentabilidade jusurbanística em urbes amazônidas. Núcleos comunitários pequenos – às vezes com demografia resumida a dezenas de pessoas estruturadas sob duas ou três famílias – representam na sua posição estratégica um impacto vezes muito maior do que uma 294
RODRIGUES, Wagner de Oliveira. Ordenamentos territoriais sob a ótica da sociobiodiversidade: o caso da revisão do Plano Diretor de Oriximiná, no Pará. Tese (doutorado), Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal Fluminense, 2018.
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aglomeração urbana sem causa local (como, por exemplo, em cidadesdormitório) sem diminuir a importância desta num cenário espacial citadino. É que a complexidade de laços socioeconômicos, sociourbanos e socioambientais exige uma confluência que, para elas – muitas sob dificuldades estruturais de logística e comunicação remota com o resto do planeta – são ímpares diante da lida e do conforto estabelecido pela vida cotidiana em locais onde a urbanização de mote capitalista já se encontra consolidada. Castro, neste aspecto, vai deixar clara que a ideia de que a teoria da urbanização extensiva introduzida por Lefebvre 295 (ou seja, o fenômeno de produção do espaço cuja urbanidade presente nas cidades sufoca e anula outras realidades antrópicas em espaços não urbanos) não pode ser entendido como um dogma universal – nem ser compreendido em análise subjetiva útil a respeito de que espaços estamos abordando na A mazônia – já que as conexões sociais preservam, em boa parte e essência, as etnicidades e as autodeterminações territoriais presentes nos povos que (re)existem no interior das cidades amazônicas. 296 Para não incorrermos, sobretudo, num risco de vivermos numa espécie de “analfabetismo urbanístico” 297 é preciso ficar atento ao fato de que a omissão de demandas sociais e coletivas e, sobretudo, a invisibilidade do todo territorial em cenários de adversidade ambiental – como a questão enfrentada aqui - fere frontalmente direitos sociais estabelecidos tanto no ordenamento jurídico pátrio como, também, em 295
“EI tejido urbano prolifera, se extiende, consumiendo los residuos de Ia vida agraria. Por tejido urbano no se entiende, de manera estrecha, Ia parte construida de Ias ciudades, sino el conjunto de manifestaciones dei predominio de Ia ciudad sobre el campo. Desde esta perspectiva, una residencia secundaria, una autopista, un supermercado en pleno campo forman parte dei tejido urbano. Más o menos denso, más o menos compacto y activo, solamente escapan a su influencia Ias regiones estancadas o decandentes, limitadas a Ia 'naturaleza” (LEFEBVRE, Henri. La Revolución Urbana. Madrid: Alianza. 1972, p. 10). 296 CASTRO, Edna. Introdução. In CASTRO, Edna (org.). Cidades na Floresta. São Paulo: Annablume, 2008. 297 MARICATO, Ermínia. Para entender a crise urbana. São Paulo: Expressão Popular, 2015: 21
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declarações socioambientais internacionais – e, em especial aos povos tradicionais, a Convenção 169 da Organização Internacional do T rabalho (OIT ) e a Declaração A mericana sobre os Direitos dos Povos Indígenas aprovado em 2016 pela Organização dos Estados A mericanos (Resolução 2888/2016) – e do qual o Brasil é um dos seus maiores signatários. 298 299 Por razão aditiva às manifestas acima ainda podemos inferir que os processos de planejamento estratégico voltados à urbanização de nível local (e à observação do direito ao desenvolvimento humano, com justiça social, ambiental e urbana) devem ter este olhar especial sobre as demandas socioambientais e sociourbanas das populações não-urbanas nas diversas territorialidades amazônicas tanto quanto àquelas que vivem no etéreo conflito socioespacial situado na lógica entre as cidades “real” e “legal” – consagradas nos estudos de Maricato ao abordar a dualidade estratégica das políticas territoriais e sociais no espaço urbano do município de São Paulo. 300 Portanto, o elemento negativo dos processos de segregação socioespacial não é um privilégio das periferias das cidades brasileiras consistindo-se, de forma cinicamente invisibilizada, no isolamento social, etnoambiental e político das populações que também vivem nas áreas do interior municipal – desconhecendo-se, inclusive, os seus modos tradicionais de vida e a sua comunicação cultural inexorável com a urbe 298
Neste aspecto, BRASIL. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004: Promulga a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5051.htm, acesso em 12 de outubro de 2017. 299 Dentre os direitos arrolados, além dos etnoculturais, estão os de educação, saúde, meio ambiente sadio, direitos sociais, econômicos e de propriedade – respeitadas as decisões internas das comunidades. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. AG/RES 2888 (XLVI-O/16): declaración americana sobre los derechos de los pueblos indígenas. Disponível no sítio http://www.oas.org/es/sadye/documentos/res-2888-16-es.pdf, acesso em 07 de fevereiro de 2018. 300 Onde, neste caso, a cidade real é aquela marginal aos direitos urbanísticos e a legal a que concentra, em fração territorial privilegiada, toda a infraestrutura e os acessos aos direitos compreendidos, no seu conjunto, como o acesso à cidade. Neste sentido, MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: FAU/USP, 1995, p. 09.
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local. Se associarmos a ideia de “dimensões de cidadania” em confronto com os reais espaços políticos do município então é possível dizer que a cidadania – e suas políticas expressas nos planos diretores locais – são tão universais que devem abranger, por fim, a todas as territorialidades compreendidas no município. 301 A ssim é preciso entender que as territorialidades que ficam foram das cidades – ou, dos chamados “perímetros urbanos” – e que possuem marcas urbanísticas dadas as características ambientais – precisam ser consideradas em todos os instrumentos de ordenamento territorial pela conexão inexorável que se estabelece, in caso, nas ditas cidades sob nossa análise. O “campo” 302 e, no nosso caso, as comunidades tradicionais e autóctones são tentáculos do urbano que se comunicam no campo das políticas públicas e se fazem merecer a visibilidade necessárias para os seus direitos diante de “campos diferenciados” na conformidade socioespacial das urbes amazônidas. Indo um pouco além na insistência da ideia aqui presente o que leva instrumentos normativos – como Planos Diretores Municipais Estratégicos, planos de ações governamentais e outros sobre a realidade local – a reduzir o seu raio de ação à sede urbana é a segmentação estratégica, característica da relação cidade legal versus cidade real que se irradia, também, em áreas remotas do município tidas com o não urbanas. Numa perspectiva transepistêmica (que envolve, portanto, saberes e práticas de populações tradicionais e autóctones como parâmetros iniciais de inclusão jusurbanística via sustentabilidade ambiental de nível local), portanto, pode-se inicialmente aduzir que, para a realidade amazônica, tudo é rural e, ao mesmo tempo, tudo é urbano onde há atividade humana e relações espaciais de quaisquer naturezas – justificando-se, aí, a
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BRANDÃO, Rita Corrêa e AMARAL, Manuela de Almeida Castor do. Indicadores de cidadania do IBASE: instrumentos à participação cidadã. In Ciência e Trópico. Vol. 40, n. 01, 2016, disponível no sítio https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/1584/1288, acesso em 07 de fevereiro de 2018. 302 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: EDUSP, 2013, p. 56-57.
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inclusão jusurbanística da sustentabilidade ambiental como ponto de tempero nas práticas de cidadania das urbes amazônidas. 4. CONCLUSÕES PARA O MOMENTO E PERSPECTIVAS FUTURAS. A o defendermos uma visão pluriterritorialista do planejamento estratégico de nível local, via Planos Diretores municipais, diante dos standards exógenos trazidos a realidades amazônicas, v.g., logramos aduzir que o modelo pautado, historicamente, na ideia “metropolizante” de cidadania e bem-estar social invisibiliza, alija e oculta – quando não etiniciza – o devir real do que o sentimento de “cidade inclusiva” assim se pauta diante dos diversos discursos feitos, institucionalmente, a tais municípios. Deste modo o mencionado “acesso à cidade” como direito humano fundamental se torna, nestas variáveis socioambientais e etnossociais, um velado e institucional “inacesso” aos seus próprios modos de vida onde a lógica da organização social destas populações não se coadunam, em princípio, aos estereótipos geopolíticos da produção do espaço nos moldes acima apontados. A firmamos, portanto, que as complexidades socioculturais e etnoespaciais específicas que deveriam estar inclusas na metodologia de indução/implementação de tais planos acabam por serem invisibilizadas diante de um mister interfederativo que obriga o poder público local a dar conta de uma obrigação, por um lado, política (via convênios e relações administrativas previamente hierarquizadas) e, de outro, pelo próprio cumprimento de uma legislação federal que possui uma limitação e sentido de ser que foge, flagrantemente e sob o contexto de nosso estudo, das realidades amazônidas. Marcado pelo viés positivista-legalista, a Ciência Jurídica tem dificuldades próprias de encontrar o “direito na rua”, restando-o, in casu, “achá-lo fora do urbano”. E, o encontrando, terá que afirmar tais direitos para além da doxa reducionista adotada, acriticamente, na produção do
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planejamento via “a cidade que queremos”. Por vezes a construção de soluções para tais conflitos vai exigir a formação de arenas rasas – situadas, muitas das vezes, ao pé dos fatos e dos suje itos – para construir epistemologicamente soluções originais e únicas aos atores sociais em cena. Conflitos socioambientais, neste sentido, são clássicos ao exigir a participação de agentes públicos, atores locais e jurisdicionais onde, na maior parte das vezes, o lugar social do advogado, do juiz ou de outros profissionais de Direito não é central – mas, sim, paralelo ao do agricultor, do castanheiro, indígena, quilombola ou citadino (v.gs.). 303 Poderia, portanto, a questão do planejamento estratégico sob a nuance amazônida amealhada na lógica reducionista de ordenamento espacial local ser um caso de injustiça ambiental? Sob um olhar dos chamados environmental racisms (racismos ambientais), e diante do que é estudado no Brasil, há um amplo leque de possibilidades diante do lastro de casos deste tipo tanto nas cidades brasileiras quanto em áreas não urbanas 304 – contexto que abrangerá a abordagem para além da questão racial sobrepujando-se, portanto, tais racismos a contextos de vulnerabilidades socioespaciais por quaisquer elementos categóricos (como etnia, gênero, classe social etc.). 305 Contudo, se tais cenários vão além, no sentido de um racismo socioespacial em planos estratégicos, isto é um tema que vai além e nos instiga, diante do cenário posto acima, a novos estudos e reflexões no sentido da inclusão das “comunidades” dentro do olhar estratégico da urbe amazônida como elemento, sui generis, de sustentabilidade jusurbanística a que tanto buscamos explicitar aqui.
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MADEIRA FILHO, Wilson. Teoria do Contraponto: práticas e discursos sobre Justiça Ambiental. In MADEIRA FILHO, Wilson (org.). Direito e Justiça Ambiental. Niterói: EDUFF, 2002: 48. 304 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 20. 305 HERCULANO, Selene. Racismo Ambiental: o que é isso? Disponível no sítio www.professores.uff.br/seleneherculano/textos, acesso em 07 de fevereiro de 2018.
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CAPÍTULO 13 POVOS INDÍGENAS E INTEGRAÇÃO REGIONAL NA REGIAÃO AMAZÔNICA EM TEMPOS DE PANDEMIA Solange Teles da Silva A representatividade dos anciões é de extrema importância em nossas culturas, pois eles carregam nossas sabedorias e nossas histórias. Quando algum deles morre repentinamente, perdemos não somente o ancião, mas também toda a sua sabedoria, conhecimento (Priscila T apajow ara, 2020).
RESUMO: A integração regional demanda uma compreensão desse processo em toda a sua complexidade, incluindo-se as peculiaridades do espaço geográfico, dos recursos naturais compartilhados bem como da integração social, considerando -se sua diversidade cultural. O presente ensaio teve como objetivo central dar visibilidade a essa diversidade, a partir do prisma dos povos indígenas e de suas lutas, para assegurar seus direitos e sua participação nos processos decisórios na integração regional na A mazonia. Em uma primeira etapa, o conceito de Região A mazônica foi objeto da presente análise, destacando as relações entre biodiversidade e os povos indígenas em tempos de pandemia. Em um segundo momento, foram estudadas as possibilidades e limites de participação dos povos
As reflexões aqui apresentadas foram, em parte, abordadas na palestra “Peuples autochtones, intégration régionale et protection de la biodiversité dans le Bassin Amazonien” no Colóquio Internacional « Peuples autochtones et intégrations régionales : Pour une durabilité repensée des ressources naturelles, de la biodiversité et des services écosystémiques » na Universidade de Rennes (França, 2014), organizado pelas Profas. Dra. Nathalie Hervé-Fournereau e Dra. Sophie Thériault, a quem agradeço pela oportunidade de poder refletir sobre a integração regional a partir da perspectiva dos povos indígenas. Professora da Graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq.
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indígenas em organizações internacionais para a construção de estratégias de sustentabilidade para a conservação da biodiversidade na A mazônia e ações no enfrentamento da epidemia da Covid-19. Observou-se que embora seja possível constatar, em maior ou menor dimensão, a participação dos povos indígenas em organismos regionais, há a necessidade de aprimorar os mecanismos para a sua participação, respeitando-se o seu modo de ser e viver, notadamente em tempos de pandemia. PA LAVRAS-CHAVE: povos indígenas, Região A mazônica, pandemia, integração regional, participação, sustentabilidade A BSTRA CT: Regional integration requires an understanding of this process in all its complexity , including the peculiarities of the geographic space, the shared natural resources as w ell as the social integration, taking into account its cultural diversity. T he main objective of this essay w as to give visibility to this diversity, from the perspective of indigenous peoples and their struggles, to ensure their rights and their participation in decision-making processes in regional integration in the A mazon. In a first stage, the concept of the A mazon Region w as the object of this analy sis, highlighting the relationship betw een biodiversity and indigenous peoples in times of pandemic. In a second step, w e study the possibilities and limits of participation of indigenous peoples in international organizations in order to build sustainable strategies for the conservation of biodiversity in the A mazon and actions to face the Covid-19 epidemic. We observed that although it is possible to verify, to a greater or lesser extent, the participation of indigenous peoples in regional organizations, there is a need to improve the mechanisms to ensure their participation, respecting their w ay of being and living, notably in pandemic times. KEY WORDS: indigenous peoples, A mazon Region, pandemic, regional integration, participation, sustainability
INTRODUÇÃO O termo integração pode ter diversos sentidos. Para as relações internacionais, esse conceito estaria associado ao estabelecimento de uma organização internacional regional ou instituições políticas comuns, enquanto que para os economistas integração regional estaria associada a existência de um determinado espaço ou bloco econômico constituído por Estados nacionais com interesses convergentes. Já em sua acepção
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geográfica, a integração regional analisa as relações com o espaço e “supõe uma solidariedade consciente, reconhecida, possivelmente buscada e almejada” (Martin & Nonn, 1980). E para o direito, como então definir integração regional? Como ponto de partida, uma questão deve ser dirimida: não se pode confundir acordo regional com integração visto que, se assim fosse o caso, bastaria realizar um inventário dos acordos regionais para compreender os limites e possibilidades da integração, ou, em outras palavras, a dinâmica dos mercados comuns ao redor do mundo não pode ser confundida com integração, já que esta demanda uma visão do processo em toda sua complexidade, incluindo as particularidades do espaço geográfico, dos recursos naturais compartilhados, da sociedade que se quer integrar e de sua diversidade cultural. A integração regional, portanto, para o direito deve ser analisada a partir de seu processo histórico, levantando o véu sobre o sentido da integração: integração pra que e integração para quem? A ssim, para além de uma análise dos contornos jurídicos de blocos econômicos, a integração regional deve ser estudada como um processo complexo e dinâmico, que envolve a governança, essa compreendida como a “interação entre estruturas, processos e tradições que determinam como o poder e as responsabilidades são exercidos, como as decisões são tomadas e como cidadãos ou outros interessados diretos manifestam sua opinião” (Graham et al., 2003). A qui, o papel dos diversos atores da política regional e global, e em particular dos povos indígenas deve ser analisado, considerando-se assim, a perspectiva indígena na construção da sustentabilidade na esfera da integração regional. É certo que, os atuais processos de integração regional na A mérica Latina caracterizam-se por ter uma concepção de uma lógica territorial a partir de uma visão da existência de “grandes áreas do espaço geográfico sul-americano como sendo ‘vazios demográficos’. Essa concepção oculta o fato de que muitas dessas áreas não apenas são ricas
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em biodiversidade como também são ocupadas por uma grande diversidade de populações” (Porto-Gonçalves; Quental, 2012). Ou ainda, esses processos de integração partem de uma matriz equivocada de que desenvolvimento corresponde apenas a crescimento econômico 306, resultando na maioria das vezes em violações de direitos indígenas (Baines, 2016). Nesse ensaio, o principal objetivo é dar visibilidade a essa diversidade, a partir do prisma dos povos indígenas e de suas lutas, para que seus direitos sejam respeitados e assegurada sua participação nos processos decisórios na integração regional. A ssim, em um primeir o momento, o próprio conceito de Região A mazônica será objeto da presente análise, destacando as relações entre biodiversidade e os povos indígenas em tempos de pandemia. Em um segundo momento, serão observadas as possibilidades e limites de participação dos povos indígenas em organizações internacionais 307 para a construção de estratégias de sustentabilidade para a conservação da biodiversidade na A mazônia e ações no enfrentamento da epidemia da Covid-19.
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“A concepção de desenvolvimento predominante nas formulações e discursos sobre a IIRSA, assim como a definição dos conceitos de território e rede predominantes no projeto, evidenciam o caráter economicista que prevalece no projeto. Ao conceber o território apenas como suporte material ou distância e base física que deve ser superada pela instalação de redes de fluxos, o projeto ignora que o conceito de território deve ser compreendido também em sua dimensão simbólica e em diferentes escalas. Nesse sentido, conceitos como os de ‘vazio demográfico’, ‘terras relativamente baratas’, ‘terras disponíveis’, ‘espaços em consolidação’ acabam por justificar e legitimar a destruição de ecossistemas e a desestruturação de inúmeras territorialidades. Nessa perspectiva, a ocorrência de conflitos sociais tende a se tornar inevitável e acaba por atualizar, como já ressaltado, a história de longa duração e a colonialidade do poder que conformam a formação socioespacial latino-americana” (Quental, 2013, p. 21). 307 Ressalte-se que a Assembleia das Nações Unidas adotou em 8 de setembro de 2017 a Resolução 71/321 que reforça a participação dos representantes dos povos indígenas e de suas instituições em reuniões dos órgãos competentes das Nações Unidas em relação a questões que lhes afetam.
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1. A REGIÃO AMAZÔNICA OU AMAZÔNIA CONTINENTAL: POVOS INDÍGENAS FACE A CRISE DA COVID-19 1.1 Região Amazônica, Amazônia Continental ou Pan-Amazônia Diversos critérios ou enfoques, tais como a cobertura vegetal, faixas de altitude, bacia hidrográfica, limites político-administrativos, podem ser utilizados para definir a Região A mazônica tais como a bacia hidrográfica, o “domínio amazônico” que se estende além dos limites da bacia, ou ainda uma norma jurídica (Silva, 2008, p. 186). A ssim, na década de 90, a Comissão A mazônica de Desenvolvimento e Meio A mbiente propôs os seguintes critérios para uma análise da A mazônia Continental: países da bacia hidrográfica e países do domínio amazônico (Comissão A mazônica de Desenvolvimento e Meio A mbiente, 1994, p. 25). Isso conduz a seguinte observação: alguns países têm mais de metade de seu território na Bacia A mazônica como é o caso da Bolívia (75%) e do Peru (74,44%); por outro lado, no coração da A mazônia encontra-se a A mazônia Brasileira, englobando 67,79% da Bacia A mazônica. Quadro I: Superfície Total por países da Bacia Amazônica PAÍS BACIA – KM2 % NACIONAL % BACIA 1. P AÍSES DA BACIA H IDROGRÁFICA Bolívia 824.000 75,00 11,20 Brasil 4.982.000 58,50 67,79 Colômbia 406.000 36,00 5,52 Equador 123.000 45,00 1,67 Guiana 5.870 2,73 0,08 Peru 956.751 74,44 13,02 Venezuela 53.000 5,78 0,72 SUBTOTAL 7.350.621 ---100,00 2. P AÍSES DO DOMÍNIO AMA ZÔNICO
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Suriname 142.800 100,00 --Guiana Francesa 91.000 100,00 --SUBTOTAL 233.800 ----T OTAL 7.584.421 ----Fonte: T CA – Documentos de reuniões das comissões especiais (Comissão A mazônica de Desenvolvimento e Meio A mbiente, 1994, p. 25) A lém disso, observa-se que a Região A mazônica ou A mazônia Continental também foi tratada como Pan-A mazônia, incluindo-se, além da abordagem da A mazônia Hidrográfica e Florestal, o prisma da A mazônia Geopolítica. E, como ressalta Nelson de Figueiredo Ribeir o, dentre as tentativas mais importantes de trazerem um significado geopolítico sobre a Pan-A mazônia, após o término da Segunda Guerra Mundial podem ser citadas as seguintes: “a) a tentativa de criação do Instituto Internacional da Hileia A mazônica; b) os projetos de ocupação em massa da Região por populações de países superpovoados, como o Projeto Hindu, o Projeto Japonês, o Projeto Chinês; c) a ideia de que a A mazônia fosse utilizada como abrigo para a população norte-americana em caso de guerras nucleares; d) a construção do Grande Lago A mazônico; e) o projeto e criação do Centro do Tropico Úmido; f) a ideia de concessão de terras públicas para exploração madeireira” (Ribeiro, 2005, p. 204). Dos 17 países megadiversos, 6 deles estão na A mérica do Sul, formando com o Brasil um vasto bloco: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e V enezuela. Essa diversidade do mundo vivo, quer dizer essa biodiversidade diz respeito aos organismos, a diversidade das interações entre espécies, a diversidade de ecossistemas. Mas, a biodiversidade não é simplesmente um conceito abstrato ou um conceito físico-biológico, como salienta Bertha Becker, trata-se de um conceito humano que tem uma dimensão material e, portanto, concreta e se insere necessariamente no contexto das relações sociais e políticas (Becker, 2001).
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A ssim, para além das discussões sobre a A mazônia conceituada a partir da perspectiva da Bacia A mazônica e da Floresta A mazônica, quer dizer, de seus recursos naturais, “a A mazônia não é só paisagem, mas uma região complexa com uma imensa diversidade cultural (...) [sendo necessário considerar] as diferentes representações da natureza dos diversos atores que vivem na região. Isso significa considerar o ‘ecossistema amazônico’ como produto de relações sociais e de antagonismos (Silva, 2008, p. 183). Estamos, portanto, aqui, como assinala A lfredo Wagner Berno de A lmeida em “um campo de lutas em torno do controle do patrimônio genético, do uso de tecnologias e de formas de conhecimento e de apropriação dos recursos natur ais” (A lmeida, 2004, p. 37). Pode-se afirmar que “o reconhecimento da A mazônia enquanto região, ou seja, a definição de limites espaciais para a gestão de seus recursos naturais pelos países amazônicos demanda mais que a delimitação de fronteiras, ele deve estar associado ao reconhecimento da existência de uma heterogeneidade cultural, social e econômica que formam as diversas ‘A mazônias’ no seio dessa região” (Silva, 2008, p. 198). E, portanto, o papel dos povos indígenas e tradicionais deve ser considerado, tanto ao serem estabelecidos limites espaciais, como nas discussões sobre integração regional e a adoção de estratégias de sustentabilidade. A liás, “[p]ara os que estão preocupados em compreender o devir da integração latino-americana numa perspectiva que aponte para uma sociedade mais democrática e com maior justiça ambiental, é importante levar em consideração as questões que emanam entre os ‘de baixo’, nas quais o campo ambiental é ressignificado em com outras perspectivas” (Porto-Gonçalves, 2011, p. 138).
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1.2. Integração na Região Amazônica pra quem? Em uma tentativa de responder a essa questão, é necessário identificar quem tem fortes “vínculos territoriais”, aqui compreendidos como vínculos com a natureza: os povos indígenas 308 na Região A mazônica. Considerando os países megadiversos dessa região é possível identificar que no Brasil há 305 povos indígenas, na Colômbia 102, enquanto que no país com maior população indígena, o Estado Plurinacioonal da Bolívia há “1,84 milhão de quíchuas e 1,6 milhão de aimarás [ de acordo com o censo de 2012]”, correspondendo a 62,2% do total de sua população (Del Popolo & Reboiras, 2015). Quadro II: População indígena segundo sensos e estimativas dos Países Megadiversos da Região Amazônica P AÍS E ANO DO P OPULAÇÃO P OPULAÇÃO P ERCENTAGEM DE CENSO TOTAL INDÍGENA P OPULAÇÃO TOTAL INDÍGENA Brasil, 2010 190 755 799 896 917 0,5 Bolívia* 9 995 000 6 216 026 62,2 Colômbia* 46 448 000 1 559 852 3,4 Equador, 2010 14 483 499 1 018 176 7,0 Peru* 29 272 000 7 021 271 24,0 V enezuela, 27 227 930 724 592 2,7 2011 * estimativa 2010 FONT E: Quadro II.1A mérica Latina (17 países): população indígena segundo censos e estimativas, em torno de 2010, adaptado (Del Popolo & Reboiras, 2015, p. 41) 308
Igualmente as comunidades tradicionais mantem vínculos com a natureza, destacando-se entre eles as quebradeiras de coco de babaçu, os quilombolas, os ribeirinhos, entre outras.
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Se, numerosas ações foram realizadas, sobretudo a partir da década de 2000, com o intuito de “promover e fortalecer a visibilidade estatística dos povos indígenas” (Del Popolo & Reboiras, 2015); em face a pandemia da Covid-19 surgem indagações sobre a extensão dessa crise. Em primeiro lugar, há uma forte e nítida relação entre “o colapso da biodiversidade e a emergência do Covid-19, sendo necessário compreender as conexões existentes e os efeitos cascata dos modos de apropriação e uso dos espaços e dos recursos naturais” (Silva & Leuzinger, 2020). 309 Ora veja-se há fortes pressões sobre territórios dos povos indígenas e, portanto sobre os elementos que compõe a biodiversidade, sendo que “a reprimarização da economia [nos países da A mérica Latina (...) desencadeou numerosos conflitos socioambientais ainda não resolvidos” (Del Popolo & Reboiras, 2015, p. 6). Em realidade, como sinaliza Boaventura de Souza Santos “A pandemia do coronavírus é uma manifestação entre muitas do modelo de sociedade que se começou a impor globalmente a partir do século X V II e que está hoje a chegar à sua etapa final. É este o modelo que está hoje a conduzir a humanidade a uma situação de catástrofe ecológica. Ora, uma das características essenciais deste modelo é a exploração sem limites dos recursos naturais. Essa exploração está a violar de maneira fatal o lugar da humanidade no planeta T erra. Esta violação traduz-se na morte desnecessária de muitos seres vivos da Mãe T erra, nossa casa comum, como defendem os povos indígenas e camponeses de todo o mundo (...)” (Santos, 2000, p. 23).
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“Nos trabalhos publicados em 2008, a pesquisadora britânica Kate Jones e sua equipe identificaram 335 doenças infecciosas emergentes que surgiram entre 1940 e 2004: 60% delas eram originárias da vida selvagem. (...) Entre esses patógenos, o vírus Marburg, que apareceu na Alemanha em 1967; o vírus Ebola, detectado pela primeira vez em 1976 no Zaire e na República Democrática do Congo; o vírus da AIDS, descoberto nos Estados Unidos em 1981; Hendra, identificado na Austrália em 1994; o vírus SARS, responsável pela síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2002, na China; o coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) na Arábia Saudita em 2012…” (tradução livre) (Mouterde, 2020).
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Em segundo lugar, “a falta de desagregação dos dados dificulta o reconhecimento das regiões e dos povos mais afetados” (Instituto Socioambiental, 2020). A A rticulação dos Povos Indígenas do Brasil (A pib) começou a realizar um levantamento independente dos casos que aponta para: 27.351 casos confirmados, 723 indígenas mortos pela Covid-19 e 155 povos afetados, em 25.08.2020 (Instituto Socioambiental, 2020). Já na Colômbia, de acordo com dados da Organizacion National Indigena de Colombia (ONIC), são 9123 casos confirmados, 312 indígenas mortos pela Covid-19 e 70 povos afetados, em 18.08.2020 (ONIC, 2020). Considerando a Pan A mazônia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia A mazônica (COICA ) e a Rede Eclesiástica Panamazônica (REPA M) construíram um documento para informar de maneira sistemática a situação dos povos e comunidades indígenas em face a Covid-19. De acordo com o boletim de 25.08.2020 são 47.632 casos confirmados, 1554 indígenas mortos pela COvid-19 e aproximadamente 223 povos afetados (REPA M/COICA , 2020). E isso sem falar nas subnotificações (A lmeida e al., 2020). Dentre os fatores que maximizam esses impactos é possível citar, por exemplo, a precariedade de infraestrutura sanitária e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, com toda a infraestrutura necessária para o enfrentamento das complicações – como por exemplo as complicações respiratórias, inflamatórias, neurológicas, cardiovasculares – provocadas por esse vírus, como também os próprios obstáculos em relação informação e comunicação a esses povos, considerando-se o prisma intercultural e das línguas indígenas (Szalkow icz, 2020). Como então imaginar possibilidades de expressão de solidariedade em um contexto de integração ou cooperação regional para o enfrentamento da Covid-19 em relação aos povos indígenas? Há espaços que asseguram a participação dos povos indígenas em organismos regionais?
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2. A INTEGRAÇÃO REGIONAL DOS PAÍSES AMAZÔNICOS, A SUSTENTABILIDADE E OS ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS 2.1. Compromissos internacionais assumidos pelos países amazônicos e sustentabilidade A Organização Internacional do T rabalho (OIT ) foi a primeira agencia multilateral onusiana a debruçar-se sobre a situação dos povos indígenas e tribais, adotando em 1989 a Convenção n. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e T ribais. 310 E, apenas em 2007 a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O primeiro texto, a Convenção n. 169 da OIT foi ratificada pelos países A mazônicos mega diversos 311, que assumiram a obrigação de consultarem os povos indígenas de forma livre e informada, antes de tomar, decisões, no âmbito legislativo ou administrativo, que possam vir a afetar seus bens ou direitos. T rata-se do direito de consulta prévia, que igualmente foi afirmado na Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas. A demais, esse último texto, determinou que serão estabelecidos os meios para assegurar a participação dos povos indígenas em relação aos assuntos que os afetem. A lém desses dois textos internacionais específicos em relação aos povos indígenas, destaca-se ainda no âmbito do direito ambiental internacional, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada pelos países amazônicos megadiversos, tem entre seus objetivos a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus
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Para uma analise da aplicação da convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por tribunais da América Latina cf. Courtis, 2009. 311 Essa convenção foi ratificada pelos seguintes países na Região Amazônica: Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
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componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. Em seu artigo 8, j essa convenção estabelece que em conformidade com a legislação nacional os Estados tem a obr igação de “respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas”. Em sua 14ª Conferência das Partes, realizada no Egito, em 2018, foi adotada uma resolução que prevê entre outras a participação dos povos indígenas e comunidades locais nos trabalhos das estruturas de trabalho subsidiarias da convenção (Dec. 14/17). decidiu que os povos indígenas e comunidades, existindo um fundo voluntário para facilitar essa participação. E, nas discussões sobre o Quadro Global da Biodiversidade Pos-2020, afirma-se a necessidade de uma participação efetiva dos povos indígenas nos trabalhos da CDB. Ora veja-se, processos de integração regional amazônica devem considerar igualmente os compromissos internacionais assumidos pelos Estados nacionais na Região A mazônica. Daí, emerge a indagação: as estratégias de integração regional estão voltadas para a promoção da sustentabilidade na Região A mazônica? Elas consideram o papel dos povos indígenas e a sua participação nos processos decisórios? Inicialmente observe-se que a sustentabilidade pode ser analisada como um princípio aberto que necessita de concretização e que tem como imperativo categórico o fato que “os humanos devem organizar os seus comportamentos e acções de forma a não viverem: (i) à custa da natureza; (ii) à custa de outros seres humanos; (iii) à custa de outras nações; (iiii) à custa de outras gerações” (Canotilho, 2010, p. 8). Pode-se ainda distinguir a sustentabilidade em sentido restrito ou ecológico, que
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pressupões a manutenção a longo prazo dos recursos naturais e indica um caminho de reestruturação das relações no seio da sociedade; da sustentabilidade em sentido amplo que se fundamenta nos três pilares ecológico, econômico e social (Canotilho, 2010, p. 9). É necessário, então, refletirmos sobre a governança e o papel dos povos indígenas nesse processo de construção da sustentabilidade, da cooperação e integração regional, bem como da luta contra a Covid-19. 2.2 Entre integração e cooperação regional: internacionais e a participação dos povos indígenas
as
organizações
A s organizações internacionais preconizam a participação dos povos indígenas em processos decisórios e, elas tem se posicionado para que os Estados protejam milhões de indígenas na Região A mazônica de possíveis impactos da Covid-19. A título ilustrativo, é possível citar os Escritórios de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para a A mérica do Sul, Colômbia e a Missão na Bolívia, que em conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alertaram que os povos indígenas amazônicos em face da Covid-19 encontram-se em situação de vulnerabilidade e grave risco e, assim em declaração conjunta eles incentivaram “os estados da região amazônica a redobrar seus esforços na cooperação sul-sul, a fim de tomar medidas extremas para proteger os povos indígenas em uma situação de isolamento voluntário e contato inicial dentro da estrutura da pandemia, com vistas a proteger seus modos de vida, subsistência e direitos humanos” (OEA , 2020). No que diz respeito às organizações regionais, é possível destacar a existência de espaços de participação dos povos indígenas tanto no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), como na Comunidade A ndina de Nações (CA N), bem como na Organização do T ratado de Cooperação A mazônica (OT CA ). T odavia, seria ingenuidade afir mar que esses espaços por si só possibilitam efetivamente a participação dos
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povos indígenas. Mas, esses espaços de participação são essenciais para assegurar o acesso à informação e transparência nas decisões, daí que não se pode desprezar completamente a sua existência. 2.2.1. Mercosul e a participação dos povos indígenas O MERCOSUL, fundado em 1991, com a assinatura do T ratado de A ssunção (T A ) pelo Brasil, A rgentina, Paraguai e Uruguai, é composto atualmente por esses quatro países membros e sete países associados - Bolívia (em processo de adesão), Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname 312, tendo como objetivo principal a constituição de um mercado comum. T rata-se, portanto, de uma integração inicialmente econômica, mas que passou a priorizar temas relacionados com as integrações política e social, notadamente a partir de 2003 (Desiderá Neto, 2011), embora desde o início da década de 1990 se tenha clamado no seio desse processo de integração por uma maior participação cidadã (T ajra, 2019). No que diz respeito aos povos indígenas foi necessário aguardar até 2014 para que fosse criada a Reunião de A utoridades sobre Povos Indígenas do MERCOSUL (RA PIM). Ela foi constituída considerandose que “o tratamento dos temas de interesse para os Povos indígenas dentro do MERCOSUL contribui para o fortalecimento dos pilares social, cultural, econômico e político do processo de integração” (MERCOSUL, 2014). T rata-se de uma reunião especializada nos temas relativos à promoção de direitos dos povos indígenas no contexto do processo de integração regional, que tem como objeto central as discussões em relação aos direitos territórios, sociais e cidadania, possibilitando a participação de órgãos indigenistas dos países do MERCOSUL, especialistas e representantes dos povos indígenas.
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A Venezuela foi suspensa de todos os direitos e obrigações em 2016.
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Na I RA PIM elaborou-se o Plano de T rabalho do MERCOSUL Indígena 2015-2016 que estabeleceu 6 eixos temáticos prioritários: (i) acesso, gozo e exercício pleno de seus direitos humanos individuais e coletivos; (ii) participação indígena; (iii) construção de consensos regionais diante de foros internacionais sobre a questão indígena; (iiii) cultura e saberes ancestrais dos povos indígenas; (v) práticas e produtos tradicionais sustentáveis; e (vi) fortalecimento institucional do MERCOSUL. Na 10ª RA PIM em 2019, adotou-se um documento para garantir o acesso ao registro civil de nascimento de indígenas nos países do bloco. Nesse mesmo ano foi adotada uma Declaração dos Presidentes dos Estados Partes do MERCOSUL e Bolívia em relação ao A no Internacional das Línguas Indígenas, reiterando o compromisso com a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas e com o mecanismo da RA PIM, reafirmando igualmente o compromisso desses Estados com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que protege os direitos individuais e coletivos, particularmente o direito a revitalizar, utilizar, fomentar e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições orais, filosofias, sistemas de escritura e literaturas. A lgumas ações específicas foram previstas em relação à participação indígena no MERCOSUL. São elas: “identificar os âmbitos e os atores da participação, seu âmbito normativo e características de sua conformação e funcionamento de cada um dos Estados; fortale cer as instâncias nacionais de participação indígena por meio da cooperação horizontal sem condicionamentos; gerar um instrumento regional, com uma metodologia e critérios comuns, tendente a facilitar a conformação de instâncias de consulta e participação indígena” (MERCOSUL, 2016). Embora exista essa instância de participação indígena, bem como ações em relação a essa questão tenham sido previstas, inaugurando-se um diálogo com representantes dos povos indígenas, pode -se observar
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que no MERCOSUL a arquitetura de um sistema de participação efetiva dos povos indígenas ainda carece de adequação. Para o enfrentamento da Covid-19 os Presidentes dos Estados membros e países associados do Mercosul já se pronunciaram em relação a necessidade de uma coordenação das medidas sanitárias na escala regional e o bloco aprovou um fundo de emergência de U$ 16 milhões a serem destinados para o combate contra a Covid-19. Esse fundo será essencialmente destinado para o Projeto Plurinacional ““Investigação, Educação e Biotecnologias aplicadas à Saúde” (MERCOSUL, 2020). Contudo nenhuma menção específica de luta contra a Covid-19 e povos indígenas no MERCOSUL foi realizada. 2.2.2 Comunidade Andina de Nações (CAN) O Grupo A ndino, formado em 1969, contou com a participação da Bolívia, Equador, Colômbia, Peru, Chile e V enezuela, tendo como objetivo além da formação da área de livre comércio e a formulação de políticas comuns em vários setores relacionados ao comércio internacional. O Chile retirou-se do bloco em 1977 em razão do avanço de políticas liberais (Desiderá Neto, 2011). A té o final dos anos 80, a integração não avançou muito e enfim em 1996 ocorreu a transformação do Grupo A ndino em Comunidade A ndina de Nações (CA N) englobando na atualidade os quatro primeiros participantes, visto que em 2006 a V enezuela se retirou do bloco. A partir de 2007, os Presidentes dos Países Membros começaram a impulsionar uma nova modalidade de integração com o intuito de equilibrar diversos aspectos: socais culturais, econômicos, políticos e ambientais (CA N, 2013). Entretanto, observa-se que os direitos indígenas já faziam parte das preocupações do bloco antes de 2007. A Declaração de Machu Picchu emitida em 2001 fez referência explicita ao compromisso assumido pelos países membros para proteger e garantir a aplicação dos
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direitos dos povos indígenas, bem como promover a plena participação dos povos indígenas e minorias étnicas (CA N, 2013) A Carta A ndina para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de 2002, seguindo os passos da Declaração de Machu Picchu reconheceu e afirmou a necessidade de promover direitos individuais e coletivos dos povos indígenas 313 e comunidades afrodescendentes. A Decisão 524 de 2002 estabelece uma Mesa de trabalho sobre Direitos dos Povos Indígenas com o objetivo de promover a participação ativa desses povos nos assuntos vinculados com a integração sub -regional nas esferas econômica, social, cultural e política. A Mesa figura como uma instancia consultiva no marco do Sistema A ndino de Integração. Em 2007 o Conselho Consultivo dos Povos Indígenas da CA N (CCPICA N) é criado em pela Decisão n. 674, constituído por um delegado indígena de cada um dos países membros eleitos no nível mais alto das organizações indígenas nacionais de acordo com procedimento e modalidades definidos por cada país membro, esse conselho consultivo converteu-se em um importante e expressivo ator político. Esse conselho desenvolveu então um Plano estratégico para direcionar suas ações, dentre as quais destacam-se aquelas voltadas a promoção da participação ativa dos povos indígenas em relação a integração sub regional nos âmbitos econômico, social, cultural e político. Esse Plano Estratégico contém os seguintes temas: povos indígenas, mudança climática, terra e território (direitos dos povos, nacionalidade e mãe terra), gestão e organização, participação política, direito de consulta e consentimento prévio, politicas econômicas e integração ao “Buen V ivir”, criminalização de conflitos sociais e perseguição indígena, participação da mulher indígena. 313
Duas decisões da Comissão da Comunidade Andina são importantes para os povos indígenas e estabelecem mecanismos para a sua participação: a decisão 486 sobre a proteção da propriedade industrial e a decisão 391 (modificada pelas decisões 423 e 448) sobre o acesso aos recursos genéticos, ambas reconhecem o direito dos povos indígenas para a proteção e respeito de seus conhecimentos tradicionais e coletivos
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Ressalte-se que membros do Conselho Consultivo demonstraram suas preocupações em relação a situação dos conflitos socioambientais das indústrias extrativas da região, pois parte considerável dos investimentos das indústrias extrativas se instalaram em territórios indígenas violando o direito dos povos indígenas da consulta previa, livre e informada (CA N, 2013). Em 2014, líderes indígenas propuseram uma integração andina e latino-americana para enfrentar a mudança climática e apresentaram uma Declaração dos Povos Indígenas da Comunidade A ndina (Declaración de los Pueblos Indígenas de la Comunidad A ndina, 2014). De acordo com essa declaração há a exigência de que os Estados realizem uma integração que reflita e apoie a visão dos povos indígenas e, nesse sentido afirmam o compromisso dos povos indígenas com “processos de integração que resgatem a reconstrução adequada e genuína dos povos com a filosofia da fraternidade e profundo respeito pela Mãe T erra”. A lém disso, exigem que “os Estados membros cumpram todos os compromissos assumidos em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e que a construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável seja formulada a partir de cada país com a plena participação dos povos indígenas”. No que diz respeito a participação dos povos indígenas conclamam que ela seja considerada nas diferentes instâncias de integração e cooperação da A mérica Latina e do Caribe, considerando que a integração dos Estados não é apenas integração comercial, mas também integração e articulação para enfrentar problemas comuns como as mudanças climáticas que afetam a existência e a continuidade dos povos indígenas. E, finalmente, afirmam “que os povos indígenas não são obstáculos, mas sim a esperança de alcançar um desenvolvimento justo e solidário para todos” (Declaración de los Pueblos Indígenas de la Comunidad A ndina, 2014). No que diz respeito ao enfrentamento da Covid-19, os Ministros de Relações Exteriores e de Comercio Exterior dos Países Membros da
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Comunidade A ndina adotaram uma declaração aos 08 de abril de 2020 sobre a propagação do coronavirus ratificando, entre outras, a necessidade de otimizar mecanismos de coordenação, colaboração e intercambio de informação entre os países membros face ao princípio da solidariedade em prol do fortalecimento da integração andina. 2.2.3 Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) Por fim, destaca-se aqui a OT CA , criada por um Protocolo de Emenda de 14.12.1998 ao T ratado de Cooperação A mazônica (T CA ) (1978), uma organização internacional regional com mandato especifico dos oito países da região – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e V enezuela – para defender os recursos naturais da A mazônia Continental. A OT CA tem como missão gerar consensos e soluções adaptadas aos problemas socioambientais compartilhados, ainda que diante de situações heterogêneas, estabelecer um espaço para o diálogo político e técnico; administrar regionalmente a execução de atividades, programas e projetos de acordo com os mandatos dos países membros; bem como identificar fontes de financiamento, produzindo informação de referência para a região e o fortalecimento da capacidade institucional. Há um foco central na cooperação técnica e harmonização de politicas nacionais, sendo que dentre as comissões que compõe a estrutura orgânica da OT CA está a de assuntos indígenas – Comissão Especial de A ssuntos Indígenas da A mazônia (CEA IA ). Essa comissão tem como objetivo a inclusão e participação dos povos indígenas e comunidades tribais na gestão de seus recursos, respeitando-se os direitos desses povos. Dentre os projetos desenvolvidos por essa comissão, com a participação dos povos indígenas, estão: o Programa regional de consolidação de territórios indígenas que se iniciou em 1993 e, mais recentemente executou os projetos “Marco estratégico para elaborar uma A genda Regional de Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento
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V oluntario e Contato Inicial – PIA CI” e “Projeto dos Povos Indígenas nas Regiões de Fronteira da OT CA ” (OT CA , 2016). Para o enfrentamento da Covid-19 a OT CA e o Programa Sub-regional para a A mérica do Sul da Organização Pan-americana de Saúde (OPS SA M) estão organizando seminários para a troca de experiencias com o objetivo de articular as diferentes visões na tríplice fronteira Peru, Brasil e Bolívia (OT CA , 2020). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos de integração regional enquanto processos complexos que tem como objetivo estabelecer mercados comuns precisam considerar igualmente os territórios nos quais estão inseridos, os recursos naturais compartilhados, e quem aí habita, os povos indígenas e comunidades tradicionais. Nesse sentido são igualmente processos com um viés político e social. Na Região A mazônica ou A mazônia Continental não há apenas uma diversidade biológica, mas igualmente uma diversidade cultural, representada pela multiplicidade de povos indígenas. Se, é possível constatar que há , em maior ou menor escala, espaços de participação para os povos indígenas em organismos regionais, é certo que estruturalmente a arquitetura que assegura essa participação deve ser aprimorada - condições de representatividade, acesso, comunicação são alguns dos elementos que merecem atenção. A inda há, contudo, um longo caminho a trilhar ... no atual momento de pandemia, no qual as preocupações estão voltadas para assegurar os direitos dos povos indígenas, que se encontram em uma situação de vulnerabilidade, e violações aos seus direitos continuam a ocorrer. Sob o prisma emergencial observamos, por exemplo, a constituição de fundos comunitários para fortalecer organizações de povos indígenas e comunidades tradicionais no enfrentamento da pandemia.
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Sob o ponto de vista estratégico, em um mundo pós Covid-19 será necessário que as decisões tomadas contem com a participação dos povos indígenas na construção de políticas públicas sustentáveis, que não sejam homogeneizantes, mas que atendam as condições dignas de vida para cada povo indígena, respeitando o seu modo de ser e viver. REFERÊNCIAS A LMEIDA , A lfredo Wagner Berno de. A mazônia: a dimensão política dos “conhecimentos tradicionais”. In A CSELRA D, Henri (org). Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Reúne Dumaró, p. 37-56, 2004 A LMEIDA , A lfredo Wagner Berno de; MA RIN, Rosa Elizabeth A cevedo; MELO, Eriki A leixo de. Pandemia e Território. São Luís: UEMA . PNCSA , 2020. Disponível em: http://novacartografiasocial.com.br/pre-lancamento-do-livropandemia-e-territorio/ A cesso em 31.08.2020. BA INES, Stephen G rant. Le développement régional détr uit les territoires des peuples autochtones. Multitudes, 64(3), 187-192, 2016. doi:10.3917/mult.064.0187. BECKER. Bertha. A mazônia: construindo o conceito e a conservação da biodiversidade na prática. In GA RA Y , Irene; DIA S, Bráulio (orgs.). Conservação da biodiversidade em ecossistemas tropicais: avanços conceituais e revisão de novas metodologias de avaliação e monitoramento, V ozes, Petrópolis, p. 92-101, 2001. CA N. Derechos indígenas en la Comunidad A ndina de Naciones (CA N): memoria de taller con el Consejo Consultivo de los Pueblos Indígenas de la CA N. Lima, Perú, 11 de diciembre de 2011, 2013. CA N (s.d.) Decisiones A ndinas en propiedad intelectual. Disponível em: http://w w w .comunidadandina.org/StaticFiles/201761102019%20en%20Propiedad %20Intelectual.pdf A cesso em 31.08.2020. CA NOT ILHO, Jose Joaquim Gomes. O principio da sustentabilidade como principio estruturante do direito constitucional. Revista de Estudos Politécnicos, vol. V III, n. 13, pp. 7-18, 2010. COMISSÃ O A MA ZÔNICA DE DESENV OLV IMENT O E MEIO A MBIENT E. Amazonia Sin Mitos. Secretaria Pro T empore do Equador/ BID/PNUMA , 1994. COURT IS, Christian. A notações sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por tribunais da A mérica Latina. Sur, Rev. int. direitos human.
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CAPÍTULO 14 PLANEJAMENTO ESPACIAL MARINHO E A ECONOMIA AZUL: A IMPORTÂNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DO PEM NA PESCA ARTESANAL Carla Mariana A ires Oliveira314
RESUMO: a A mazônia A zul há usos múltiplos do espaço, que causam conflitos, muitas vezes, inconciliáveis. Os usos múltiplos conflitantes comprometem e impactam as zonas costeiras e marinhas e, também, primordialmente, às comunidades tradicionais, devido à sua vulnerabilidade. A s comunidades tradicionais têm a sua importância para o equilíbrio ecossistêmico, visto que são dependentes do ecossistema marinho, além da existência do seu saber e conhecimento tradicional. A pesar do seu papel para a segurança alimentar, ger ação de renda e a proteção ambiental, devido aos planejamentos setorizados e a não participação dos processos decisórios, as comunidades tradicionais são ainda mais impactadas pelos conflitos e invisibilizadas. Observar-se-á que o planejamento espacial marinho é fundamental para a resolução dos conflitos de uso múltiplo. Para isso, é necessário que se identifique todos os usos, legislação pertinente e os conflitos existentes. A lém disso, é necessário que haja um PEM que seja baseado em ecossistemas, adaptativo, estratégico e participativo. Para isso, pretende -se realizar a pesquisa mediante investigação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com via exploratória, visando interpretar e analisar criticamente os fatos buscando o aprimoramento de concepções postas. Palavras-chave: Planejamento Espacial Marinho. Pesca A rtesanal. A mazônia A zul. Conflitos. atividades econômicas. A BSTRA CT: In the Blue A mazon there are multiple uses of space, w hich cause conflicts, w hich are often irreconcilable. T he conflicting multiple uses compromise and impact coastal and marine areas and, also, primarily , traditional communities, 314
Doutoranda em Direito pela UFC; Bolsista CAPES/BRASIL; Mestre em Direito pela UFC; Integrante do Projeto de Pesquisa Observatório de Políticas Marítimas. E-mail: cmariaires@hotmail.com.
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due to their vulnerability . T raditional communities have their importance for ecosystem balance, since they are dependent on the marine ecosystem, in addition to the existence of their saber and traditional know ledge. Despite their role in food security, income generation and environmental protection, due to sectoral planning and the non-participation of decision-making processes, as traditional communities are even more impacted by conflicts and made invisible. It w ill be observed that marine spatial planning is fundamental for the resolution of conflicts of multiple use. For this, it is necessary to identify all uses, relevant legislation and existing conflicts. In addition, there needs to be an MSP that is ecosystem -based, adaptive, strategic and participatory. For this, it is intended to carry out a research by indirect investigation, through bibliographic and documentary research, w ith an exploratory w ay , to interpret and critically analyze the facts seeking to improve the concepts put forw ard. KEY WORDS: Marine Space Planning. A rtisanal Fishing. Blue A mazon. Conflicts. economic activities.
1. INTRODUÇÃO A economia azul é fundamental para a prosperidade e bem-estar da humanidade. Diante disso, o ecossistema marinho desempenha um papel essencial como fonte de alimento, energia, minerais, saúde, recreação, transporte 315. A lém disso, fornece diversos serviços ecossistêmicos316, que são serviços que a natureza, no caso, o ecossistema
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OCDE (2017). L’économie de la mer em 2030. Editions OCDE, Paris. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/economics/l-economie-de-la-mer-en-2030_9789264275928-fr#page1. Acesso em: 2 nov. 2020 316 A Millennium Ecosystem Assessment elencou serviços ecossistêmicos dentro de quatro categorias, a saber: serviços de provisionamento, como alimento e água; serviços de regulação, como o controle de inundação e doenças; serviços de apoio, como o ciclo de nutrientes, que mantém as condições da vida na terra; serviços culturais, como benefícios espirituais, recreativos e culturais (RAMMÊ, Rogério Santos. O Dever fundamental ecológico e a proteção dos serviços ecossistêmicos. Curitiba: Appris, 2019).
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marinho presta e que são vitais para a manutenção das bases da vida no planeta317. A s atividades advindas dos oceanos entraram em um período de profunda transformação, que agora é diversificado pelo surgimento de novas atividades. Os setores tradicionais, como a pesca e a navegação, continuam a inovar em ritmo acelerado. Contudo, outras atividades ligadas ao oceano, como energia eólica offshore, turismo, estão emergindo. Nesse sentido, os oceanos, além de conter recursos naturais de imensa riqueza, têm um grande potencial de crescimento, emprego e inovação. A demais, é crível que o espaço marinho será de importância fundamental para o enfrentamento de alguns desafios que o planeta irá enfrentar nas próximas décadas, desde a segurança alimentar e mudanças climáticas até a produção de energia 318. O rápido crescimento populacional, as mudanças e melhorias tecnológicas e as crescentes demandas dos consumidores aumentaram consideravelmente a necessidade de mais alimentos, mais energia e mais comércio319. Estima-se que a produção mundial de pescado alcançou 179 milhões de toneladas em 2018. Do total geral, 156 milhões de toneladas foram destinadas ao consumo humano. A lém disso, verifica-se que, em 2018, 59,51 milhões de pessoas trabalham no setor primário da pesca de captura (39 milhões de pessoas) e aquicultura (20, 5 milhões de pessoas), o que supõe um aumento quando comparado a 2016 320. Nota-se, portanto, a importância da atividade pesqueira para a produção de alimentos e como fonte de renda. 317
RAMMÊ, Rogério Santos. O Dever fundamental ecológico e a proteção dos serviços ecossistêmicos. Curitiba: Appris, 2019. 318 OCDE (2017). L’économie de la mer em 2030. Editions OCDE, Paris. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/economics/l-economie-de-la-mer-en-2030_9789264275928-fr#page1. Acesso em: 2 nov. 2020 319 DOUVERE, Fanny. The importance of marine spatial planning in advancing ecosystem-based sea use management. Marine Policy, v. 32, n. 5, p. 762-771, 2008. 320 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). The State of World Fisheries and Aquaculture (SOFIA) 2020. Sustainability in action. Rome, 2020. Disponível em: http://www.fao.org/3/ca9229en/CA9229EN.pdf. Acesso em: 9 nov. 2020.
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Entretanto, os oceanos já estão sob grande pressão devido à sobreexploração dos seus recursos (sobrepesca, por exemplo), poluição, perda de biodiversidade e mudanças climáticas. A ssim, um futuro crescimento destes setores ligados ao mar denota um aumento das pressões exercidas sobre os recursos marinhos e as zonas marítimas, nomeadamente em zonas econômicas exclusivas (ZEE), que concentra a maior parte de determinadas atividades 321. Devido à sobreposição de objetivos, nem todos os usos são compatíveis uns com os outros e estão competindo pelo espaço marinho, no caso, dentro da ZEE, ou têm efeitos adversos uns sobre os outros. Nesses termos, com os recursos sendo limitados em espaço e quantidade, o desenvolvimento econômico provou ser devastador para muitos lugares, grupos sociais e recursos, elevando a competição entre os diversos usos, ocasionando efeitos indesejáveis, como pesca excessiva, perda e destruição de habitat, alterações climáticas, ameaças ao equilíbrio do ecossistema marinho322 e conflitos socioambientais, como é o caso do estado brasileiro. Portanto, é cabível a adoção de estratégias para garantir um desenvolvimento da Economia A zul responsável e sustentável. Nesses termos, advém o Planejamento Espacial Marinho, que surge como uma tentativa de criar um instrumento de gestão integrada com o intuito de compatibilizar as atividades humanas no mar, assim como conservar os ecossistemas marinhos, seus recursos e serviços ecossistêmicos 323, inclusive em âmbito nacional e internacional.
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OCDE (2017). L’économie de la mer em 2030. Editions OCDE, Paris. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/economics/l-economie-de-la-mer-en-2030_9789264275928-fr#page1. Acesso em: 2 nov. 2020. 322 DOUVERE, Fanny. The importance of marine spatial planning in advancing ecosystem-based sea use management. Marine Policy, v. 32, n. 5, p. 762-771, 2008. 323 GANDRA, Tiago Borges Ribeiro. Diretrizes metodológicas para a o planejamento espacial marinho (PEM) no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação. Florianópolis, p. 130, 2020.
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Como observado, uma das atividades econômicas mais importantes é a Pesca. Conforme a FA O 324, para a sustentabilidade da atividade pesqueira, uma das atividades socioeconômicas essenciais é a pesca artesanal, que fornece empregos, segurança alimentar e contribui para o equilíbrio ecossistêmico marinho. De acordo com a FA O 325, a pesca artesanal gera emprego a mais de 90% dos pescadores e trabalhadores da pesca artesanal em todo o mundo. Isto é, as comunidades tradicionais representam uma parcela importante do setor pesqueiro. Entretanto, a comunidade tradicional, inclusive na perspectiva do Brasil, são altamente dependentes das condições ecossistêmicas costeiras e marinhas, sendo mais vulneráveis a confitos de usos múltiplos da A mazônia A zul. Em suma, tendo em vista a situação atual de conflitos de uso múltiplo na zona costeira e marinha e, portanto, com as comunidades tradicionais, é crível analisar estratégias para redução dos conflitos nos casos em que as zonas de uso se sobrepõem 326 e a redução do impacto nas comunidades pesqueiras, visto que estas possuem um papel essencial para a sustentabilidade do ecossistema marinho. A ssim, ante tais premissas, a partir da análise de uma consonância entre o PEM e a pesca artesanal, pretende-se traçar alguns questionamentos com o fulcro de responder a seguinte pergunta: Em que medida a implementação do PEM pode contribuir para o fortalecimento da pesca artesanal?
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FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Diretrizes Voluntárias para Garantir a Pesca de Pequena Escala Sustentável no Contexto da Segurança Alimentar e da Erradicação da Pobreza. Roma, 2017. Disponível em: http://www.fao.org/3/i4356pt/I4356PT.pdf. Acesso em: 9 nov. 2020. 325 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Diretrizes Voluntárias para Garantir a Pesca de Pequena Escala Sustentável no Contexto da Segurança Alimentar e da Erradicação da Pobreza. Roma, 2017. Disponível em: http://www.fao.org/3/i4356pt/I4356PT.pdf. Acesso em: 9 nov. 2020. 326 PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016.
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Pretende-se realizar a pesquisa mediante investigação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com via exploratória, visando interpretar e analisar criticamente os fatos buscando o aprimoramento de concepções postas. Para tanto o trabalho é estruturado em tópicos, que procuram analisar, o estreitamento da pesca artesanal com a suste ntabilidade. Posteriormente, observar-se-ão os conflitos e as ações antrópicas que impactam a pesca artesanal. Por último, analisar-se-á a importância da implementação do PEM na pesca artesanal. 2. PESCA ARTESANAL E A PROTEÇÃO DO ECOSSISTEMA MARINHO NO ÂMBITO DA ECONOMIA AZUL A comunidade internacional, na atualidade, registra uma dificuldade crescente quanto às questões essenciais aos ecossistemas marinhos, no âmbito global e regional. A ssim, conforme o uso dos recursos marinhos e do espaço recebem uma crescente pressão, a Economia A zul assume um lugar proeminente na comunidade internacional327. Nesse contexto, a Economia azul tem, como uma das preocupações, o aumento da produção de alimentos do mar, visto que as populações crescentes aumentam a demanda por peixes em todo o mundo. A lém disso, estes animais são uma fonte de micronutrientes essenciais para mais de 4 bilhões de consumidores e fornecem mais de um sexto da demanda global por proteína animal328. Portanto, nota-se que a pesca contribui para a segurança alimentar, direta ou
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OCDE (2017). L’économie de la mer em 2030. Editions OCDE, Paris. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/economics/l-economie-de-la-mer-en-2030_9789264275928-fr#page1. Acesso em: 2 nov. 2020. 328 COHEN, Philippa, J. et al. Securing a just space for small-space fisheries in the blue economy. Frontiers in Marine Science, v. 6, a.171, 2019.
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indiretamente, fornecendo uma fonte primária de proteína animal e, também, gerando renda e emprego. Contudo, a partir do momento em que a população cresce, a demanda pelos recursos pesqueiros aumenta. Logo, os recursos naturais estão cada vez mais sob pressão e, portanto, a gestão e a sustentabilidade são cruciais para a preservação e conservação de tais recursos naturais. Enfatiza-se, assim, três pilares da sustentabilidade, quais sejam: ambiental, econômico e social 329. Por sua vez, a pesca abarca uma relação intrínseca entre a história e cultura; economia e as questões socioambientais; cadeia de valor artesanal e industrial. Por fim, tem-se uma relação estreita com a sustentabilidade dos ecossistemas 330. A ssim, tem-se que a gestão dos recursos pesqueiros que, possivelmente, incluem as comunidades tradicionais, não pode se fundamentar unicamente nos conhecimentos econômicos e científicos. Ou seja, a gestão precisa levar em consideração também as questões culturais e sociais. É cabível também salientar que a aplicação de políticas de uma gestão e ordenação pesqueira com base científica, juntamente com regimes previsíveis e transparentes para a utilização e o comércio dos recursos pesqueiros a nível nacional e internacional, constituem em critérios essenciais para a sustentabilidade da pesca. O ecossistema marinho, por assim dizer, contém uma imensa quantidade de recursos e biodiversidade marinhas. De forma que a zona costeira, que também é objeto de proteção no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, contém uma variedade considerável de recursos naturais, atividades e usos. A lém disso, o local 329
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Achieving Blue Growth: Building vibrant fisheries and aquaculture communities. FAO, 2018. Disponível em: http://www.fao.org/3/CA0268EN/ca0268en.pdf. Acesso em: 4 nov. 2020. 330 KFOURI, Tanes; DA COSTA, Rogério Santos; FERNANDES, Renata Goulart. Sustentabilidade Econômico-Ambiental na Pesca Artesanal: um estudo de caso na praia da armação. Florianópolis, SC. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, v. 6, n.2, p. 328-350, 2017.
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se manifesta como uma provedora de recursos para as comunidades locais que dependem de forma direta de seus recursos, a exemplo dos pescadores artesanais, visto que eles têm o modo de vida vinculado à pesca, em que pese possam exercer outras atividades. Nesse contexto, os condicionantes ambientais (clima, maré, temperatura etc.) podem intervir em tais atividades 331. Nessa perspectiva, as comunidades tradicionais representam uma parcela importante do setor pesqueiro, visto que, em 2011, havia em torno de 1 milhão de pescadores no estado brasileiro. T al contingente é formado historicamente por comunidades que mantém uma organização própria e são ordenados de forma distinta ao longo do litoral ou bacias hidrográficas brasileiras 332. Do ponto de vista da produtividade, apesar de uma deficiência na coleta e da ausência de uma sistematização dos dados, a pesca artesanal representa um número expressivo na produção pesqueira no Brasil 333. Conforme as últimas estatísticas oficiais, a produção de peixes, em 2011, foi de 1,4 milhão toneladas, das quais 56% advieram da pesca de captura (39% na pesca marinha e 17% nas capturas do interior - extrativa continental), e 55% no Norte e Nordeste do estado brasileiro 334, onde
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SANTOS, Eline Almeida Santos; SOUZA, Rosemeri Melo e. Conflitos Socioambientais na pesca artesanal: um olhar sobre o cotidiano das pescadoras de Sergipe. In: MARTÍNEZ, Silvia Alicia; HELLEBRANDT, Luceni (orgs.). Mulheres na atividade pesqueira no Brasil. Campos dos Goytacazes, RJ: EDUENF, 2019, p. 111-138. 332 SILVA, Adriano Prysthon da. Pesca artesanal brasileira. Aspectos conceituais, históricos, institucionais e prospectivos. Palmas: Embrapa Pesca e Aquicultura, 2014. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/108691/1/bpd3.pdf. Acesso em: 26 mai. 2020. 333 SILVA, Adriano Prysthon da. Pesca artesanal brasileira: aspectos conceituais, históricos, institucionais e prospectivos. Pesca e Aquicultura - Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento. Palmas: Embrapa, 2014. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/995345. Acesso em: 26 mai. 2020. 334 BRASIL. Secretaria de Monitoramento e Controle do Ministério da Pesca e Aquicultura. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília: Ministério da Pesca e da Aquicultura, 2011.Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/cepsul/images/stories/biblioteca/download/estatistica/est_2011_bol__bra.pdf. Acesso em: 6 nov. 2020.
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80% dos pescadores vivem 335. V erifica-se, enfim, que a pesca artesanal é responsável pela maior parte do pescado consumido no Brasil, sendo a maioria da produção proveniente do Nordeste. 336 Devido às características que lhes são intrínsecas, a comunidade pesqueira mantém uma estreita ligação com os ambientes onde vivem. A ssim, a partir do conhecimento tradicional, ela adquiriu um conhecimento diversificado do ambiente, das espécies existentes no ecossistema e das suas características e dinâmicas 337. A partir do momento em que os pescadores e pescadoras têm uma relação intrínseca com o meio em que vivem, o equilíbrio do ecossistema marinho se torna fundamental para a sua subsistência 338. Neste sentido, visualiza-se a importância econômica, cultural e socioambiental desta atividade. A sustentabilidade da pesca artesanal no estado brasileiro possui um papel essencial na conservação da biodiversidade e do e cossistema costeiro e marinho. Primeiramente, ao se levar em conta o caráter extrativista, que, por sua vez, necessita de um ordenamento para que haja equilíbrio, manutenção e a conservação dos ecossistemas e das comunidades ribeirinhas. Depois, tem-se a própria dependência e uma relação estreita da atividade pesqueira no tocante aos serviços ambientais. Por último, os modelos de cogestão resultam em mecanismos mais justos e democráticos. T orna-se necessário que tais sistemas sejam mais 335
JIMENEZ, Érica Antunes et. al. Value chain dynamics and the socioeconomic drivers of small-scale fisheries on the amazona coast: a case study in the state of Amapá, Brazil. Marine Policy, p. 103856, 2020. 336 BRASIL. Secretaria de Monitoramento e Controle do Ministério da Pesca e Aquicultura. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília: Ministério da Pesca e da Aquicultura, 2011. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/cepsul/images/stories/biblioteca/download/estatistica/est_2011_bol__bra.pdf. Acesso em: 6 nov. 2020. 337 DIEGUES, Antônio Carlos. A sócio-antropologia das comunidades de pescadores marítimos no Brasil. Etnográfica, v. 3, n. 2, p. 361-375, 1999. 338 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Diretrizes Voluntárias para Garantir a Pesca de Pequena Escala Sustentável no Contexto da Segurança Alimentar e da Erradicação da Pobreza. FAO. Rome, 2017.
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eficientes para que se garanta a conservação dos estoques pesqueiros e a continuidade e a perpetuação da economia local, visto que a atividade pesqueira é essencial para a subsistência de diversas pessoas 339. A ssim, tendo como objetivos principais a promoção da sustentabilidade, a FA O, por meio das “Diretrizes voluntárias para garantir a pesca sustentável em pequena escala no contexto da alimentação e erradicação da pobreza”, enfatiza a necessidade de abordar as questões de gênero, justiça social, pobreza e segurança alimentar. A lém disso, enfatiza a necessidade de uma gestão participativa e o acesso ao território, ao mercado e aos recursos pesqueiros. A ssim, demonstra-se imprescindível apontar que para uma gestão pesqueira sustentável, os Estados juntamente com os outros atores igualmente interessados na temática, têm um papel fundamental. Os estados e os governos, se por um lado, por exemplo, atuam proporcionando investimentos e subsídios que tendem a impulsionar o seu desenvolvimento. Por outro lado, as medidas de ordenamento e gestão dos recursos pesqueiros que são adotados são incipientes, o que leva ao esgotamento dos recursos pesqueiros, na marginalização e invisibilidade da pesca artesanal. A lém disso, tem-se um acelerado desenvolvimento da aquicultura, o que leva a geração de novos conflitos no que concerne ao uso dos espaços marinhos e costeiros. Cabe sempre compreender que os pescadores artesanais que, no Brasil, estão submetidos a intensos processos de vulnerabilização socioambiental, visto que contempla aspectos de pobreza, condições precárias de vida, riscos específicos decorrentes de problemas ambientais que contribuem para a diminuição de sua resiliência e de sua capacidade
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SILVA, Adriano Prysthon da. Pesca artesanal brasileira. Aspectos conceituais, históricos, institucionais e prospectivos. Palmas: Embrapa Pesca e Aquicultura, 2014. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/108691/1/bpd3.pdf. Acesso em: 26 mai. 2020.
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adaptativa340;341. Neste sentido, ver-se-á a seguir, os conflitos de uso dos espaços costeiros e marinhos, o que tende a prejudicar a pesca artesanal. 3. ECONOMIA AZUL E OS CONFLITOS DE USO NAS ZONAS COSTEIRAS E MARINHAS: PERSPECTIVAS PARA A PESCA ARTESANAL Na zona costeira, a partir do censo do IBGE de 2010, encontra-se cerca de 26,6% da população (em torno de 50,7 milhões de habitantes em 463 municípios). Neste ambiente, comumente, há disputas por território e recursos naturais, que podem acarretar conflitos com comunidades tradicionais. T ais situações de conflito, por ocorrerem em regiões costeiras, têm o condão de impactar a saúde dos oceanos, quer seja pela utilização inadequada dos recursos naturais (sobrepesca, por exemplo), que de alguma forma compromete os diversos serviços ecossistêmicos proporcionados pelo ecossistema marinho, seja pelo descarte inadequado de resíduos, que causa a poluição marinha 342. A s perquirições acerca da justiça socioambiental e da saúde dos ecossistemas marinhos nas regiões costeiras e marinhas advém
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FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Diretrizes Voluntárias para Garantir a Pesca de Pequena Escala Sustentável no Contexto da Segurança Alimentar e da Erradicação da Pobreza. FAO. Rome, 2017. 341 Observa-se, por exemplo, que as comunidades tradicionais foram intensamente impactadas pela crise do óleo do nordeste e pela pandemia. A partir de tais situações, resta evidente a ausência de políticas públicas para esta categoria e, portanto, a sua invisibilidade. (CAVALCANTI, Joanna Amarante Silva; WANDERLEY, Bárbara Evelyn Baracho. Os pescadores e as pescadoras artesanais em tempos de covid19. Pegada – A revista da geografia do trabalho, v. 21, n. 2, p. 493-510, 2020, p. 507). 342 COSTA, Henrique Simões de Carvalho; GERHARDNGER, Leopoldo Cavaleri. Para quem ficam os ônus e os bônus do desenvolvimento?. In: GERHARDNGER, Leopoldo Cavaleri; GUARDA, Adayse Bossolani da (orgs). I Volume Horizonte Oceânico Brasileiro: Ampliando o Horizonte da Governança inclusiva para o desenvolvimento sustentável do oceano brasileiro. Brasil: Secretaria Executiva Painel Mar, 2020, p. 77-96.
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justamente das desigualdades sofridas pelos ribeirinhos, em especial, os pescadores artesanais343. Observa-se que a A mazônia A zul é comumente uma área de uso múltiplo e, portanto, um local de diversos conflitos. Os espaços tradicionais de pesca e dos pescadores e pescadoras são disputados por diversos atores. A ssim, há várias atividades que utilizam este mesmo local, tais como transportes marítimos, energia eólica marítima, turismo, além das atividades pesqueiras 344. Nesses termos, a A mazônia A zul atrai usos concorrentes, que, às vezes, se sobrepõem, causando efeitos adversos uns sobre os outros 345. Nesse ponto, não é somente a pesca, mas também as regiões costeiras estão sendo alteradas de modo que ameaçam as oportunidades disponíveis para as comunidades pesqueiras. Isto é, se por um lado, a navegação e a pesca eram os usos tradicionais praticadas ao longo da costa. Por outro lado, atualmente há um contingente de novos setores econômicos, a exemplo do turismo, energia eólica, pesca industrial, aquicultura, exploração de recursos minerais, dentre outros 346. Determinados empreendimentos requerem espaço, recursos marinhos e água, bloqueando, o acesso à praia e, às vezes, impedindo a prática da atividade pesqueira. A lém disso, alguns setores econômicos podem trazer outros problemas, a exemplo da poluição, que pode afetar
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BAVINCK, Maarten; JENTOFT, Svein; SCHOLTENS, Joeri. Fisheries as social stuggle: a reinvigorated social Science research agenda. Marine Policy, v. 94, p. 46-52, 2018. 344 A economia dos oceanos congrega os setores de atividades vinculados com os oceanos, mas também os recursos naturais e serviços ecossistêmicos que o oceano consegue fornecer (pescado, vias de navegação, absorção de co2 etc.). (OCDE (2017). L'économie de la mer en 2030. Editions OCDE, Paris. Disponível em : https://read.oecd-ilibrary.org/economics/l-economie-de-la-mer-en-2030_9789264275928-fr#page1. Acesso em: 6 out. 2020) 345 TUDA, Arthur O.; STEVENS, Tim F.; RODWELL, Lynda D. Resolving coastal conflicts using marine spatial planning. Journal of environmental management, v. 133, p. 59-68, 2014, p. 59. 346 BAVINCK, Maarten; JENTOFT, Svein; SCHOLTENS, Joeri. Fisheries as social stuggle: a reinvigorated social Science research agenda. Marine Policy, v. 94, p. 46-52, 2018.
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o ecossistema marinho, mas também a saúde da população da comunidade costeira347. Nesse aspecto, há alguns conflitos por espaços e determinados atores que são inconciliáveis. Deste modo, pode-se inferir que algumas disputas podem ocasionar no desaparecimento e no deslocamento de comunidades tradicionais da zona costeira 348. Portanto, em alguns casos, a competição por espaço pode ocasionar em interações negativas entre os novos usuários e as comunidades pesqueiras. Cita-se, como exemplo, os casos de conflitos socioambientais no Estado do Ceará349, que, em sua maioria, são decorrentes do uso inconciliável do território. Com efeito, tem-se, nos últimos anos, a incorporação de energia eólica nas zonas costeiras, onde o Ceará é um dos estados com maior número de projetos instalados. T ais atividades, em alguns casos, conflitam com os interesses das comunidades tradicionais, que vivem da pesca. Nota-se que tais atividades são inconciliáveis, visto que a instalação de parques eólicos modifica de forma significativa as características ecológicas e morfológicas dos ecossistemas marinhos e costeiros 350. 347
BAVINCK, Maarten; JENTOFT, Svein; SCHOLTENS, Joeri. Fisheries as social stuggle: a reinvigorated social Science research agenda. Marine Policy, v. 94, p. 46-52, 2018. 348 KNOX, Winifred; TRIGUEIRO, Aline (orgs.). Saberes narrativas e conflitos na pesca artesanal. Vitória: EDUFES, 2015. 349 De acordo com a FIOCRUZ, as comunidades pesqueiras e tradicionais enfrentam, a cerca de 40 anos, problemas que tendem a ameaçar à moradia, privatização das terras de uso coletivo, turismo predatório. Além disso, desde meados de 90, há conflitos com os projetos de carcinicultura marinha com o fulcro de ampliar a produção para a demanda externa. De uma forma geral, tais práticas têm o condão de fragilizar os mangues, a sobrevivência e a cultura das populações que dependem deste ecossistema. (FIOCRUZ. CE – Em Trairi, pescadores artesanais indicam privatização como impedimento à subsistência. Disponível em: http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?conflito=ce-em-trairi-pescadores-artesanais-indicamprivatizacao-como-impedimento-a-subsistencia. Acesso em: 8 nov. 2020. 350 ARAÚJO, Júlio César Holanda; MEIRELES, Antonio Jeovah de Andrade. Entre expropriações e resistências: mapas das desigualdades ambientais na zona costeira do Ceará, Brasil. In: GORAYEB, Adryane; BRANNSTROM, Christian; MEIRELES, Antonio Jeovah de Andrade (Orgs.). Impactos socioambientais da implantação dos parques de energia eólica no Brasil. Fortaleza, Ceará: Edições UFC, 2019, p. 61-82.
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Deve ser citado também o “Mapa de Conflitos envolvendo injustiça A mbiental e Saúde no Brasil”, que foi conduzido pela FIOCRUZ, infere que, em meados de fevereiro de 2020, havia 605 conflitos mapeados no território brasileiro. O levantamento levou em conta o tipo de população atingida e o local do conflito (povos indígenas, operários, quilombolas, agricultores familiares, moradores em encostas, ribeirinhos, pescadores, dentre outros); tipo de dano à saúde, a síntese do conflito e, também, o contexto deste. No que se refere aos pescadores artesanais, contabilizou-se 100 conflitos em todo o território nacional. Por sua vez, no Estado do Ceará, 8 conflitos (empreendimentos turísticos, carcinicultura, complexo industrial e portuário, especulação imobiliária)351. A Economia A zul, como se observa, vem ganhando espaço na agenda do desenvolvimento sustentável a nível internacional e nacional. Entretanto, embora tal movimento demonstra a importância do ecossistema marinho para o desenvolvimento econômico dos governos, cresce a preocupação de diversos setores no que se refere à possibilidade desta agenda prejudicar a distribuição equitativa dos benefícios do oceano para toda a sociedade. Isto é, sem levar em conta todos os pilares da sustentabilidade. Nesse ponto, a crítica se centra no fato de que a Economia A zul, para alguns, está vinculada ao potencial de determinados setores econômicos (energia eólica, exploração de recursos minerais, aquicultura, dentre outros). A ssim, setores menos influentes e mais vulneráveis, como a pesca artesanal, não são vistos como agentes prioritários de tal agenda. Outro aspecto importante que se compreenda é que a terminologia “A mazônia A zul” possui 4 vertentes (ambiental, científica, econômica e soberania). Neste sentido, quando se observa a vertente 351
PORTO, Marcelo Firpo; PACHECO, Tania; LEROY, Jean-Pierre. Mapa de Conflitos envolvendo injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Disponível em: http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?populacao=pescadores-artesanais&uf=ce&post_types=conflito. Acesso em: 8 nov. 2020.
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econômica, tem-se que ao se tratar das potencialidades econômicas no site da Marinha, tem-se, entre elas, a atividade pesqueira. Neste setor, é citado a pesca industrial, inclusive que o litoral é procurado por navios de pesca industrial que advém dos outros países. Mas sem nenhuma referência à pesca artesanal 352. Nesse contexto, tem-se que a definição de uma Economia A zul (crescimento azul) só pode ser considerada se levar em conta uma definição mais ampla do valor global do oceano. T al perspectiva acontece quando se desenvolve as suas dimensões ecológica, cultural e social353 (e para alguns, governança também). A specto importante, ainda, é que os diferentes setores da economia azul são interdependentes. Isto é, eles contam com habilidades comuns e infraestrutura compartilhada. A lém disso, todos os setores são dependentes do uso sustentável do ecossistema marinho e costeiro 354. Quanto aos pescadores artesanais, é imperioso salientar que para a manutenção de suas atividades, são necessárias algumas condições elementares. Primeiramente, tem-se a preservação dos ecossistemas, em estado minimamente saudável, onde vivem estas comunidades. Essa é uma condição essencial sem a qual os pescadores não conseguem manter a atividade social, econômica e cultural. A lém desta, outro fator
352
MARINHA DO BRASIL. Vertente Econômica. Disponível em: https://www.mar.mil.br/hotsites/amazonia_azul/vertente-economica.html. Acesso em: 8 nov. 2020. 353 AGENCE DE DÉVELOPPEMENT ET D’INNOVATION DE LA NOUVELLEAQUITAINE. Pour une économie durable de la mer: En Nouvelle-Aquitaine. Bordeaux: CESER, mai. 2019. Disponível em: https://www.adi-na.fr/wpcontent/uploads/2019/07/Saisine_Economie_Mer_Web_compressed-1.pdf. Acesso em: 8 nov. 2020. 354 COMMISSION EUROPÉENNE. La croissance bleue: des possibilités de croissance durable dans les secteurs marin et maritime. Luxembourg: Office des publications de l’Union européenne, 2012. Disponível em: https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/files/docs/publications/bluegrowth_fr.pdf. Acesso em: 8 nov. 2020.
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extremamente importante é a sua permanência em espaços e territórios tradicionais355. Portanto, as comunidades pesqueiras necessitam de direito de posse relativo aos recursos pesqueiros, às áreas de pesca artesanal e às terras adjacentes. Para isso, tem-se uma proposta de regularização dos territórios pesqueiros por meio de um projeto de lei, que tem o intuito de garantir o direito à manutenção dos modos de vida destas comunidades. A lém disso, é imperioso elencar que os direitos das comunidades tradicionais ao território estão assentados na Convenção 169, da OIT , que, por sua vez, estabelece a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades T radicionais. Dentre os direitos previstos na política, tem-se os direitos territoriais figurados como os direitos da coletividade sobre os espaços essenciais à reprodução cultural, social e econômica das comunidades tradicionais 356. Observa-se, assim, que os diversos usos e atividades acarretam interesses e expectativas diferentes no que tange ao processo de gestão da zona costeira e marinha. Contudo, tais usos, frequentemente, geram consequências, impactos sociais e ambientais indesejados, que comprometem o funcionamento dos ecossistemas envolvidos e sua capacidade de oferecer os serviços ecossistêmicos. Frente a tais desafios, faz-se necessário políticas públicas que atinjam o objetivo de proteger o ecossistema marinho e costeiro, estabelecido inclusive na Política Nacional dos Recursos do Mar, regulamentado em 2005. Desse modo, a governança e as políticas convencionais fragmentadas da costa tendem a separar todas as atividades de uso em setores independentes nas abordagens de gestão.
355
GIANNELLA, Letícia de Carvalho; TORRES, Rafael Barsotti. Produção do Espaço Urbano e populações tradicionais: um olhar sobre os pescadores artesanais da zona costeira brasileira. Revista de Geografia (Recife), v. 37, n.2, 2020, p. 343- 364. 356 ARAÚJO, Fernanda Castelo Branco; SOARES, Jacqueline Alves. Reservas extrativistas protegem o território tradicional pesqueiro? Uma análise a partir do caso da Prainha do Canto Verde (Ceará). Revista de Direito Ambiental e Sociedade, v. 9, n.3, set./dez., 2019, p. 167-189.
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A inda, a gestão costeira tradicional é limitada a resolver problemas dentro do setor econômico e, portanto, incapaz de resolver problemas intersetoriais, resultando em conflitos e falhas na governança. De modo que mudanças precisam ser feitas na gestão tradicional, isto é, devem ser incluídas aspectos sociais, econômicos, ambientais, governança e estratégias que levem em consideração o espaço marinho e políticas públicas357. A inda mais, deve-se identificar os conflitos de uso e, também, estabelecer prioridades de gestão. Para isso, inclui-se uma abordagem ecossistêmica, inclusive da pesca, para que abarque a globalidade e a sustentabilidade de todas as partes dos ecossistemas costeiros e marinhos, visto que a atividade pesqueira tem fases pré e pós colheita, que comumente ocorrem nestes dois ecossistemas. É imperioso, nesse contexto, que haja uma ocupação e uma gestão ordenada do espaço costeiro e marinho, assim como o uso sustentável e compartilhado dos recursos marinhos. A ssim, a primeira etapa é a identificação de todos os usos e conflitos de múltiplos setores para que seja incorporado o processo de planejamento espacial marinho358. A ssim, ver-se-á no próximo tópico a importância do PEM para o fortalecimento da pesca artesanal. 4. ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DE UM PLANEJAMENTO ESPACIAL MARINHO E A PESCA ARTESANAL: ADAPTATIVO, PARTICIPATIVO E ESTRATÉGICO O processo de uso e ocupação da zona costeira e marinha acompanha uma crescente e desordenada reprodução de padrões, que são vinculados aos diversos usos econômicos. A ssim, na busca por um 357
PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016. 358 PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016.
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gerenciamento do ecossistema marinho, aparece o Planejamento Espacial Marinho como uma ferramenta de gestão integrada para compatibilizar e ordenar as atividades antrópicas no mar, assim como para conservar os ecossistemas marinhos, os recursos e seus serviços ecossistêmicos dentro de um limite ecológico e sobre uma base equitativa. A Unesco359 define o PEM como “um processo público de análise e alocação da distribuição espacial e temporal das atividades humanas em áreas marinhas, auxiliar a alcançar objetivos ecológicos, econômicos e sociais, geralmente atribuídos por meio de processo político”. A gestão integrada do PEM, com efeito, possui alguns objetivos essenciais, tais como mediar e conciliar os distintos usos do espaço marinho alocando-os à diferentes atividades e, também, garantir a capacidade de fornecimento dos serviços ecossistêmicos, advindos dos oceanos, com o fulcro de dar condições para o desenvolvimento social econômico, por intermédio da regulação das atividades 360. O PEM tem uma série de desafios e diferenças quando comparado ao planejamento territorial terrestre. Primeiramente, os habitats e processos marinhos são mais dinâmicos e tridimensionais que os terrestres, sendo mais difícil delimitar e mapear os ecossistemas. A demais, no ecossistema marinho a quantificação das atividades antrópicas ainda é incipiente. Depois, os limites entre os diversos ecossistemas marinhos são desconhecidos ou, então, de difícil delimitação, o que pode dificultar a implementação de uma gestão baseada em ecossistema361.
359 UNESCO. Planejamento espacial marinho: passo a passo em direção para gestão ecossistêmica: resumo. Brasília: Comissão Oceanográfica Intergovernamental, 2011. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000214417. Acesso em: 7 out. 2020. 360 MONT`ALVERNE, Tarin Frota; CAVALCANTE, Maira Melo. Gestão dos espaços marinhos no contexto das energias marinhas renováveis. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 1, 2018 p.725744. 361 GANDRA, Tiago Borges Ribeiro. Diretrizes metodológicas para a o planejamento espacial marinho (PEM) no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação. Florianópolis, p. 130, 2020.
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Na realidade, devido à natureza dinâmica e complexa dos ecossistemas marinhos, a conectividade e a interdependência com os ecossistemas costeiros, a vulnerabilidade no que se refere às mudanças climáticas, entre outras particularidades, é salutar a regulamentação das atividades econômicas em conformidade com os atributos não-humanos de áreas determinadas362. Nesse sentido, o PEM é um processo de planejamento que permite uma tomada de decisão integrada - ou seja, que envolva setores econômicos e níveis de gestão -, que seja baseado em ecossistemas, adaptativo, estratégico e participativo 363. A lém disso, faz-se necessário levar em conta os estressores relacionados às mudanças climáticas 364, visto que este fenômeno impacta na dinâmica dos sistemas aquáticos e sobre os aspectos que se relacionam com a atividade pesqueira. Em que pese a comunidade pesqueira ser extremamente dinâmica e acostumada a lidar com mudanças, é essencial uma maior preparação e uma gestão integrada e adaptativa em resposta às mudanças 365. De fato, a Unesco estabelece 10 etapas para a implementação do PEM, a partir da necessidade de identificar os fins e as autoridades responsáveis para desenvolver o plano; planejar o monitoramento e avaliação a fim de avaliar as conquistas e propor adaptações para o próximo ciclo de planejamento. Em suma, é um processo dinâmico, visto que os planejadores precisam estar abertos às mudanças, conforme 362
COSTA, Julliet Corrêa et. al. Planejamento Espacial Marinho: Desafios e oportunidades para a inserção inter-redes no pré-planejamento espacial marinho brasileiro. In: GERHARDNGER, Leopoldo Cavaleri; GUARDA, Adayse Bossolani da (orgs). I Volume Horizonte Oceânico Brasileiro: Ampliando o Horizonte da Governança inclusiva para o desenvolvimento sustentável do oceano brasileiro. Brasil: Secretaria Executiva Painel Mar, 2020, p. 97-120. 363 GANDRA, Tiago Borges Ribeiro. Diretrizes metodológicas para a o planejamento espacial marinho (PEM) no Brasil. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação. Florianópolis, p. 130, 2020. 364 SOARES, Marcelo de Oliveira. Climate change and regional human pressures as challenges for management in oceanic islands, South Atlantic. Marine pollution bulletin, v. 131, p. 347-355, 2018. 365 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). Impacts of climate change on fisheries and aquaculture Synthesis of current knowledge, adaptation and mitigation options. FAO. Rome, 2018. Disponível em: http://www.fao.org/3/I9705EN/i9705en.pdf. Acesso em: 7 out. 2020.
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a evolução do processo. A demais, um PEM abrangente precisa proporcionar um ambiente apropriado para uma gestão integrada, além de servir de referência para o planejamento de um determinado setor 366, tais como a pesca. Entretanto, o Brasil ainda carece de marcos normativos e base legal para a aplicação do PEM integrado pelo Governo, pois apesar das discussões relacionadas a sua elaboração terem sido iniciadas em 2011, até o momento, o estado brasileiro ainda se encontra na fase inicial de articulação e estruturação para a implementação do PEM 367. No entanto, quando se trata de implementação, o que se verifica é que as iniciativas, em sua maioria, são instrumentos de planejamento setorial (energia, transporte, turismo, dentre outros), que, aparentemente, não se comunicam uns com os outros em aspectos técnicos, gerenciais ou políticos, e há ocasiões em que os planos se sobrepõem entre si 368. Com vistas ao ordenamento da atividade de pesca, em especial, da pesca artesanal, o PEM pode ser usado para analisar e integrar aspectos ambientais e socioeconômicos para determinar a eficácia das estratégias para a sustentabilidade e alocação dos usos do ecossistema marinho e costeiro por intermédio de um processo, que pode ser alterado com o passar do tempo. Um aspecto importante a ser considerado é quanto ao zoneamento, que define e mapeia as zonas de acordo com a atividade. A o combinar esses dois mecanismos é possível incorporar aspectos espaciais por meio da identificação e alocação dos usos conflitantes nas áreas, sua 366
UNESCO. Planejamento espacial marinho: passo a passo em direção para gestão ecossistêmica: resumo. Brasília: Comissão Oceanográfica Intergovernamental, 2011. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000214417. Acesso em: 7 out. 2020. 367 COSTA, Julliet Corrêa et. al. Planejamento Espacial Marinho: Desafios e oportunidades para a inserção inter-redes no pré-planejamento espacial marinho brasileiro. In: GERHARDNGER, Leopoldo Cavaleri; GUARDA, Adayse Bossolani da (orgs). I Volume Horizonte Oceânico Brasileiro: Ampliando o Horizonte da Governança inclusiva para o desenvolvimento sustentável do oceano brasileiro. Brasil: Secretaria Executiva Painel Mar, 2020, p. 97-120. 368 PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016.
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distribuição espacial a partir dos usos compatíveis, com o intuito de estabelecer regras dentro das zonas e reduzir o conflito de usos múltiplos369. Isto é, o PEM pode ser usado como referência para os planejamentos setoriais e, também, a comunicação destes uns com os outros. Neste sentido, observa-se que o PEM é importante para a pesca artesanal, visto que a partir de um ordenamento do espaço, os conflitos de uso se tornam escassos, assim como contribui para o ac esso aos recursos pesqueiros e ao território. Entretanto, para a implementação do PEM ter sucesso, as políticas relacionadas à sustentabilidade do oceano precisam evitar a imposição de regra. Isto é, deve ser realizada uma abordagem participativa, as discussões entre os atores interessados com opiniões, interesses e necessidades distintas são vitais para alcançar o resultado almejado. Em resumo, os processos participativos abrem o diálogo e estabelece acordos entre as diversas partes 370. No que se refere à pesca artesanal, é importante levar em consideração o conhecimento tradicional dos pescadores na tomada de decisão e na sua incorporação no PEM. A percepção de que o conhecimento tradicional pode preencher lacunas no conhecimento científico e no interesse direto dos pescadores e da necessidade de continuar a atividade pesqueira devem ser amplamente compreendidos na gestão. Nota-se, portanto, a necessidade de uma abordagem participativa entre as partes interessadas 371. Por fim, apesar de todo o benefício que o PEM pode proporcionar para o fortalecimento da pesca artesanal, há uma 369
PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016. 370 QUESADA-SILVA, Michele et al. Stakeholder Participation Assessment Framework (SPAF): A theory-based strategy to plan and evaluate marine spatial planning participatory processes. Marine Policy, v. 108, p. 103619, 2019. 371 PRESTRELO, Luana; VIANNA, Marcelo. Identifying multiple-use conflicts prior to marine spatial planning: A case study of A multi-legislative estuary in Brazil. Marine Policy, v. 67, p. 83-93, 2016.
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dificuldade em relacionar a interface marinho-costeira, isto é, utilizar métodos que incorporam tanto a zona costeira, como a marinha em ações e iniciativas que busquem o ordenamento das atividades que ali ocorrem, bem como a preservação dos ecossistemas existentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Economia A zul congrega os diversos setores de atividades vinculadas aos ecossistemas marinhos, além dos serviços ecossistêmicos que eles fornecem. Se por um lado, antes as atividades humanas se restringiam à pesca e à navegação. Por outro, atualmente, observa-se a intensificação e a diversificação das atividades relacionadas ao oceano. Isto fez com houvesse uma maior pressão sobre os recursos provenientes do ecossistema marinho e a ocorrência de conflitos devido aos múltiplos usos do espaço, principalmente nas zonas econômicas exclusivas. T ais conflitos causam diversos impactos às zonas costeiras e marinhas e problemas socioambientais, comumente aos mais vulneráveis como os pescadores artesanais. Os pescadores artesanais, devido à necessidade da produção de alimentos, geração de renda, a garantia da segurança alimentar e a sustentabilidade da pesca, são essenciais para a própria Economia A zul e/ou Economia do Mar. Entretanto, no Brasil, os múltiplos usos, até mesmo inconciliáveis, têm gerado conflitos, especialmente, para as comunidades tradicionais. Isto é um reflexo do crescimento descontrolado, sem o devido estudo e plano estratégico adequado, visto, ainda, a existência de planejamentos setorizados. A ssim, comumente, os pescadores artesanais estão sendo deixados de fora da gestão e das decisões de uso do espaço, intensificando os conflitos, sua marginalização e vulnerabilidade. É crível a importância de um planejamento espacial marinho. Para isso, é preciso determinar os conflitos de uso, considerando toda a legislação pertinente. A lém disso, é preciso considerar todas as
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características do PEM, como uma gestão baseada em ecossistemas, adaptativo, estratégico e participativo, isto é, a participação dos pescadores é fundamental para sua manutenção e melhoria. A partir disso, tem- se o PEM como um instrumento para o fortalecimento da pesca artesanal, visto que ordena e gerencia o acesso ao território, aos recursos provenientes dos ecossistemas marinhos e ao mercado para este setor. Isto é, garante a pesca sustentável, conforme as orientações da FA O. REFERÊNCIAS A G E N C E D E D É V E L O P P E M E N T E T D ’ IN N O V A T IO N D E L A N O U V E L L E -A Q U IT A IN E . Pour une économie durable de la mer: En Nouvelle-A quitaine. Bordeaux: CESER, mai. 2019. Disponível em: https://w w w .adi-na.fr/w pcontent/ uploads/2019/07/Saisine_Economie_Mer_Web_compressed-1.pdf. A cesso em: 8 nov. 2020. A RA ÚJO, Fernanda Castelo Branco; SOA RES, Jacqueline A lves. Reservas extrativistas protegem o território tradicional pesqueiro? Uma análise a partir do caso da Prainha do Canto V erde (Ceará). Revista de Direito A mbiental e Sociedade, v. 9, n.3, set./dez., 2019, p. 167-189. A RA ÚJO, Júlio César Holanda; MEIRELES, A ntonio Jeovah de A ndrade. Entre expropriações e resistências: mapas das desigualdades ambientais na zona costeira do Ceará, Brasil. In: GORA Y EB, A dryane; BRA NNST ROM, Christian; MEIRELES, A ntonio Jeovah de A ndrade (Orgs.). Impactos socioambientais da implantação dos parques de energia eólica no Brasil. Fortaleza, Ceará: Edições UFC, 2019, p. 61-82. BA V INCK, Maarten; JENT OFT , Svein; SCHOLT ENS, Joeri. Fisheries as social stuggle: a reinvigorated social Science research agenda. Marine Policy , v. 94, p. 4652, 2018. BRA SIL. Secretaria de Monitoramento e Controle do Ministério da Pesca e A quicultura. Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasília: Ministério da Pesca e da A quicultura, 2011. CA V A LCA NT I, Joanna A marante Silva; WA NDERLEY , Bárbara Evelyn Baracho. Os pescadores e as pescadoras artesanais em tempos de covid-19. Pegada – A revista da geografia do trabalho, v. 21, n. 2, p. 493-510, 2020.
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Este livro “Sustentabilidade, Governança e Integração Regional em Tempos de Crise” tem como fio condutor a crise pandêmica, COVID-19, que se instalou em todo o mundo, mas também traz temas transversais vinculados à sustentabilidade e aos processos de integração regional, que no contexto de pandemia deveriam conjugar esforços para ajuda mútua e humanitária. Os autores desenvolveram artigos, contemporâneos, em várias vertentes, ou seja, de saúde pública; dos impactos, pandemia, sobre a contratação pública em seu viés econômico, e no âmbito ambiental explanam sobre aspectos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no marco da Organização das Nações Unidas (ONU). É livro imprescindível para pesquisadores imbuídos em estudos nas linhas internacional, ambiental e econômico.