ARBITRAGEM TRANSNACIONAL TRABALHISTA: Da ordem pública às normas de aplicação imediata

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Arbitragem Transnacional Trabalhista Da ordem pública às normas de aplicação imediata



HENRIQUE LENON FARIAS GUEDES Doutor em Direito Internacional e Direito Comparado pela Universidade de São Paulo – USP Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Arbitragem Transnacional Trabalhista Da ordem pública às normas de aplicação imediata

Belo Horizonte 2021


CONSELHO EDITORIAL Álvaro Ricardo de Souza Cruz André Cordeiro Leal André Lipp Pinto Basto Lupi Antônio Márcio da Cunha Guimarães Antônio Rodrigues de Freitas Junior Bernardo G. B. Nogueira Carlos Augusto Canedo G. da Silva Carlos Bruno Ferreira da Silva Carlos Henrique Soares Claudia Rosane Roesler Clèmerson Merlin Clève David França Ribeiro de Carvalho Dhenis Cruz Madeira Dircêo Torrecillas Ramos Edson Ricardo Saleme Eliane M. Octaviano Martins Emerson Garcia Felipe Chiarello de Souza Pinto Florisbal de Souza Del’Olmo Frederico Barbosa Gomes Gilberto Bercovici Gregório Assagra de Almeida Gustavo Corgosinho Gustavo Silveira Siqueira Jamile Bergamaschine Mata Diz Janaína Rigo Santin Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – Portugal Jorge M. Lasmar Jose Antonio Moreno Molina – Espanha José Luiz Quadros de Magalhães Kiwonghi Bizawu Leandro Eustáquio de Matos Monteiro Luciano Stoller de Faria Luiz Henrique Sormani Barbugiani Luiz Manoel Gomes Júnior Luiz Moreira Márcio Luís de Oliveira Maria de Fátima Freire Sá Mário Lúcio Quintão Soares Martonio Mont’Alverne Barreto Lima Nelson Rosenvald Renato Caram Roberto Correia da Silva Gomes Caldas Rodolfo Viana Pereira Rodrigo Almeida Magalhães Rogério Filippetto de Oliveira Rubens Beçak Sergio André Rocha Sidney Guerra Vladmir Oliveira da Silveira Wagner Menezes William Eduardo Freire

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora. Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2021. Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho Produção Editorial e Capa: Danilo Jorge da Silva Imagem de Capa: “Syndics of the Drapers’ Guild”, Rembrandt Harmensz van Rijn, 1662.

Domínio público. Pintura original no Rijksmuseum de Amsterdã.

Revisão: Nathassia Maria de Farias Guedes 342.6642 G924a 2021

Guedes, Henrique Lenon Farias. Arbitragem transnacional trabalhista: da ordem pública às normas de aplicação imediata / Henrique Lenon Farias Guedes. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021. 231 p.

ISBN: 978-65-5929-075-8 ISBN: 978-65-5929-081-9 (E-book)

1. Direito do trabalho. 2. Direito internacional do trabalho. 3. Arbitragem trabalhista. 4. Arbitragem – Brasil. I. Título.

CDDir – 342.6642 CDD(22.ed.)– 344 Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

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www.arraeseditores.com.br arraes@arraeseditores.com.br Belo Horizonte 2021


A tutela da lei cessa ante a liberdade individual, de que brotam as energias perenes da verdadeira personalidade. Egon Felix Gottschalk V



Rendendo sempre graças ao Altíssimo - - - - - - À professora doutora Célia Maria de Farias, pelo exemplo de que, para que algo seja bom, é preciso haver uma primeira, pelo caminho que nunca se acaba, entre tropeiros e bandeirantes, dedico esta. VII



Reconhecimento

A realização de meu doutoramento em São Paulo, cuja tese originou este livro, teria sido tarefa bem mais árdua, sem o apoio de Mércia Moura, de Thiago Macedo, de Ana Flávia Pereira, de Rodrigo Nóbrega Farias, de Luciano Timm, de Marcílio Franca, de Gustavo Monaco e de Victor Jarske. Cada um contribuiu em graus, em formas e em períodos diferentes – uns, todo o tempo –, mas a gratidão está aí como memória muralista; eis a pintura completa.

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Tabela de Casos

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Opinião Consultiva n° 14 (1994), p. 36 Opinião Consultiva n° 18 (2003), p. 36 Opinião Consultiva n° 22 (2014), p. 40 CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM Acordos de Bangladesh (2018), p. 10 e 49 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Primeira Turma Recurso especial n° 843.557/RS, p. 73 Terceira Turma Recurso especial n° 693.219/PR (2005), p. 21 Recurso especial n° 1.636.113/SP (2017), p. 21 Quarta Turma Agravo regimental em recurso especial n° 1.006.105/RS (2008), p. 73 SUPREMA CORTE DO CANADÁ Nevsun Resources v. Araya (2020), p. 179 SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Mitsubishi v. Soler Chrysler-Plymouth [473 U.S. 614 (1985)], p. 89 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Plenário Ação declaratória de constitucionalidade n° 48 (2020), p. 71 XI


Ação declaratória de constitucionalidade n° 3.961 (2020), p. 71 Ação direta de inconstitucionalidade n° 3.239 (2019), p. 152 Ação direta de inconstitucionalidade n° 3.395 (2020), p. 68 Ação direta de inconstitucionalidade n° 3.684 (2020), p. 68 Ação direta de inconstitucionalidade n° 4.364 (2011), p. 60 Agravo em recurso extraordinário n° 791.932 (2018), p. 68 Agravo em recurso extraordinário n° 1.121.633 (2019), p. 70 Agravo regimental na arguição de descumprimento de preceito fundamental n° 501 (2020), p. 67 “Habeas corpus” n° 87.585 (2008), p. 39 Recurso extraordinário n° 349.703 (2008), p. 39 Recurso extraordinário n° 466.343 (2008), p. 39 Recurso extraordinário n° 590.415 (2015), p. 68 Recurso extraordinário n° 606.003 (2020), p. 68 Recurso extraordinário n° 633.782 (2020), p. 110 Recurso extraordinário n° 635.546 (2021), p. 72 Recurso extraordinário n° 760.931 (2017), p. 72 Recurso extraordinário n° 828.040 (2020), p. 120 Recurso extraordinário n° 958.252 (2018), p. 68 Recurso extraordinário n° 960.429 (2020), p. 68 Recurso extraordinário n° 1.002.295 (2020), p. 25 Recurso extraordinário n° 1.034.840 (2017), p. 68 Referendo de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n° 6.363 (2020), p. 135 Sentença estrangeira n° 5.206 (2001), p. 21 Suspensão de liminar n° 1.264 (2020), p. 166 Segunda Turma Agravo regimental em recurso extraordinário n° 895.759 (2016), p. 70 TRIBUNAL “AD HOC” Alabama Claims (1872), p. 20 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA C-135 – “Nikiforidis” (2015), p. 179 C-184 – “Unamar” (2012), p. 105 C-284 – “Achmea” (2016), p. 105 C-319 (2006), p. 105 C-341 – “Laval” (2005), p. 105 XII


C-363 (2018), p. 46 C-438 – “Viking” (2005), p. 105 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA PRIMEIRA REGIÃO Recurso ordinário n° 0100228-33.2016.5.01.0207 (2017), p. 68 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO Tribunal Pleno Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos n° 21900-13.2011.5.21.0012, p. 65 Seção de Dissídios Coletivos Recurso ordinário n° 5902-33.2016.5.15.0000 (2018), p. 27 Recurso ordinário em dissídio coletivo n° 354200-72.2005.5.04.0000 (2007), p. 28 Recurso ordinário em dissídio coletivo n° 6940500-50.2002.5.02.0900 (2004), p. 26 Subseção I de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho Recurso de embargos em embargos de declaração em recurso de revista n° 683900-65.2009.5.09.0024 (2019), p. 62 Subseção II de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho “Habeas corpus” n° 1000225-85.2017.5.00.0000 (2019), p. 37 Recurso ordinário n° 10567-96.2014.5.03.0000 (2016), p. 37 Segunda Turma Agravo de instrumento em recurso de revista n° 3303-50.2013.5.02.0013 (2020), p. 41 Quarta Turma Recurso de revista n° 1829-57.2016.5.13.0005 (2019), p. 121 Quinta Turma Agravo em recurso de revista n° 1000201-34.2019.5.02.0064 (2020), p. 69 Recurso de revista n° 10285-19.2016.5.09.0001 (2019), p. 129 Sexta Turma Agravo em recurso de revista n° 1525-34.2015.5.03.0028 (2019), p. 130 XIII



Lista de Abreviaturas e de Siglas

ACT

acordo coletivo de trabalho

ADI

ação direta de inconstitucionalidade

ADPF

arguição de descumprimento de preceito fundamental

AED

análise econômica do direito

AgR

agravo regimental

ARE

agravo em recurso extraordinário de competência do Supremo Tribunal Federal

C

Convenção da Organização Internacional do Trabalho

CADH

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)

CAM-CCBC

Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá

CAS

Court of Arbitration for Sport (Tribunal Arbitral do Esporte)

CBF

Confederação Brasileira de Futebol

CC-1850

Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850)

CC-1916

Código Civil de 1916 (Lei Federal n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916)

CC-2002

Código Civil de 2002 (Lei Federal n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

CCP

Comissões de Conciliação Prévia XV


CCT

convenção coletiva de trabalho

CDC

Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990)

CI-1824

Constituição do Império do Brasil

CIJ

Corte Internacional de Justiça

CISG

Convenção das Nações Unidas Sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (Decreto Presidencial n° 8.327, de 16 de outubro de 2014)

CLT

Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943)

CNJ

Conselho Nacional de Justiça

CNY-1958

Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, feita em Nova York, em 10 de junho de 1958

Corte IDH

Corte Interamericana de Direitos Humanos

CPC-1973

Código de Processo Civil (Lei Federal n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973)

CPC-2015

Código de Processo Civil (Lei Federal n° 13.105, de 16 de março de 2015)

CPP

Código de Processo Penal (Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941)

CRFB

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CVDT

Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados (Decreto Presidencial n° 7.030/2009)

DEJT

Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho

Des.

Desembargador (a)

DIP

direito internacional privado

DJ

Diário da Justiça

DJe

Diário da Justiça eletrônico

ED

embargos de declaração

E-RR

embargos de divergência

XVI


FAO

Organizaçãodas Nações Unidas Para Alimentação e Agricultura

FGTS

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIFA

Fédération Internationale de Football Association

GATS

Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços de 1995

GATT-1994

Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio de 1994

HC

“Habeas Corpus”

HCCH

Conferência da Haia de Direito Internacional Privado

ICANN

Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Corporação da Internet Para Atribuição de Nomes e Números)

ICC

Câmara de Comércio Internacional (Paris)

ICSID

International Centre for the Settlement of Investment Disputes (Centro Internacional Para a Solução de Disputas de Investimentos)

IEC

Comissão Eletrotécnica Internacional

IRR

Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos

ISO

Organização Internacional de Normalização

ITLOS

Tribunal Internacional Para o Direito do Mar

LBA

Lei Brasileira de Arbitragem (Lei Federal n° 9.307, de 23 de setembro de 1996)

LC

Lei Complementar

LGPD

Lei Geral de Proteção de Dados

MC

Medida Cautelar

Mercosul

Mercado Comum do Sul

Min.

Ministro (a)

MP

Medida Provisória

MPT

Ministério Público do Trabalho

NR

Norma Regulamentadora

OEA

Organização dos Estados Americanos XVII


OGMO

órgão gestor de mão de obra

OIML

Organização Internacional de Metrologia Legal

OIT

Organização Internacional do Trabalho

OMI

Organização Marítima Internacional

OMS

Organização Mundial da Saúde

ONU

Organização das Nações Unidas

p.

página

PCA

Permanent Court of Arbitration (Corte Permanente de Arbitragem)

PG-1923

Protocolo de Genebra Sobre Cláusulas Arbitrais de 24 de setembro de 1923

PIDCP

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

PIDESC

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PR

Estado do Paraná

PSS

Protocolo de São Salvador

Rcl

reclamação

RE

recurso extraordinário de competência do Supremo Tribunal Federal

Ref

referendo

Rel.

relator (a)

REsp

recurso especial de competência do Superior Tribunal de Justiça

RGPS

Regime Geral de Previdência Social

RO

recurso ordinário

RODC

recurso ordinário em dissídio coletivo

RR

recurso de revista de competência do Tribunal Superior do Trabalho

RS

Estado do Rio Grande do Sul

SbDI-I

Subseção I de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho

XVIII


SbDI-II

Subseção II de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho

SDC

Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho

SP

Estado de São Paulo

STF

Supremo Tribunal Federal

STJ

Superior Tribunal de Justiça

TBI

Tratado bilateral de encorajamento e proteção de investimentos

TFUE

Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia

TJUE

Tribunal de Justiça da União Europeia

TPI

Tribunal Penal Internacional

TPR

Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul

TRT

Tribunal Regional do Trabalho

TRT-1

Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região

TST

Tribunal Superior do Trabalho

UE

União Europeia

UFRJ

Universidade Federal do Rio de Janeiro

UIT

União Internacional de Telecomunicações

UNCITRAL

Comissão das Nações Unidas Sobre Direito do Comércio Internacional

UNIDROIT

Instituto Internacional Para a Unificação do Direito Privado

URSS

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

USP

Universidade de São Paulo

XIX



Sumário

APRESENTAÇÃO............................................................................................... XXIII PREFÁCIO............................................................................................................ XXV INTRODUÇÃO................................................................................................... 1 Capítulo 1

ARBITRAGEM ENTRE COMÉRCIO E TRABALHO............................... 13 1.1. A genética comercialista da arbitragem contemporânea....................... 14 1.1.1. A ideia da arbitragem......................................................................... 14 1.1.2. A arbitragem no Brasil....................................................................... 19 1.2. A inserção da arbitragem nas relações de trabalho................................. 22 1.2.1. A persistência da arbitragem nas relações coletivas...................... 23 1.2.2. Potenciais problemas na arbitragem de direito do trabalho...... 29 Capítulo 2

A INSERÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS NA ARBITRAGEM.... 43 2.1. “Business and Human Rights”: um caminho para a arbitragem trabalhista?............................................................................................................. 43 2.1.1. Responsabilidade corporativa e direitos humanos....................... 43 2.1.2. Direito do trabalho entre hesitação e exclusão............................. 52 2.2. A resistência à disposição dos direitos...................................................... 56 2.2.1. “Publicização” e o lugar do direito administrativo do trabalho.... 57 2.2.2. A invocação da ordem pública no direito do trabalho............... 65 Capítulo 3

UMA RESPOSTA DO DIP: NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA..... 79 3.1. Elementos conceituais.................................................................................. 79 3.1.1. Aplicação imediata em DIP.............................................................. 80 3.1.2. Do foro ao árbitro.............................................................................. 87 XXI


3.2. Comportamento estratégico e direito internacional.............................. 95 3.2.1. Bases para análise econômica........................................................... 95 3.2.2. O caso dos tratados de direitos humanos...................................... 100 Capítulo 4

APLICAÇÃO IMEDIATA EM DIREITO DO TRABALHO..................... 117 4.1. A lei aplicável no direito brasileiro........................................................... 118 4.1.1. As propostas doutrinárias................................................................. 118 4.1.2. Contribuições de direito positivo.................................................... 127 4.2. Direito do trabalho transnacionalmente imperativo............................. 133 4.2.1. Bases para análise................................................................................ 133 4.2.2. Síntese................................................................................................... 153 Capítulo 5

APLICAÇÃO IMEDIATA EM ARBITRAGEM TRABALHISTA.............. 157 5.1. Arbitragem normativa e desdobramento funcional............................... 157 5.1.1. A teoria................................................................................................. 158 5.1.2. A aplicação........................................................................................... 161 5.2. Arbitragem positiva e direito transnacional............................................ 167 5.2.1. Fundamentos transdisciplinares...................................................... 167 5.2.2. “Lex mercatoria, lex laboralis”......................................................... 180 CONCLUSÃO...................................................................................................... 187 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 191

XXII


Apresentação

Foi com muita alegria que recebi o honroso convite de apresentar a obra do Henrique Lenon, destacado jovem acadêmico que comigo trabalhou tanto na advocacia corporativa, como secretariando arbitragens complexas. Refletindo suas experiências acadêmicas e práticas, nas áreas de Arbitragem, Direito Internacional e Direito do Trabalho, Henrique apresenta, neste livro, uma inovadora e original análise da lei aplicável ao mérito da arbitragem transnacional trabalhista. Partindo de um ceticismo com o uso do termo “ordem pública” pela doutrina e pela jurisprudência trabalhistas, o autor identifica a necessidade de se estabelecer um conceito seguro de “normas de aplicação imediata”, que, para o Direito Internacional Privado, incidem em certas relações jurídicas, seja qual for a regra de conexão. Trata-se de conceito intrinsecamente limitador, pois, a um só tempo, restringe a autonomia da vontade e impede a incidência do direito estrangeiro. Ciente do impacto das normas de aplicação imediata, o autor busca alcançar, em sua pesquisa, uma definição técnica e previsível, a fim de auxiliar as partes de uma relação de trabalho ou as integrantes de uma cadeia produtiva a compreender o direito aplicável a seus contratos – podendo, também, contribuir para decisões arbitrais ou judiciais atentas às suas consequências práticas. O autor faz uma análise dogmática do tema e aponta caminhos seguros para uma arbitragem trabalhista com elementos estrangeiros. Isso, porém, não é tudo: a partir de uma Análise Econômica do Direito Internacional, o autor propõe uma superação da visão estatista e publicista do conceito de “normas de aplicação imediata” e examina as hipóteses de desenvolvimento de tais normas em ambientes puramente transnacionais, como a atual “lex mercatoria” e uma futura “lex laboralis”. XXIII


A contribuição do autor aos campos da Arbitragem, do Direito do Trabalho e, em especial, do Direito Internacional Privado decorre da peculiar intersecção proposta entre essas áreas. Sem perder a precisão da técnica jurídica, o autor incorpora, de forma original, lições da Análise Econômica do Direito e dialoga com autores nacionais e estrangeiros. O trabalho é fruto de sua tese de doutorado na USP e merece ser lido e discutido, abrindo caminhos para o debate da Análise Econômica do Direito Internacional no Brasil. Por tudo isso, recomendo vividamente a leitura dessa obra!

LUCIANO BENETTI TIMM Advogado, Professor da FGV-SP, Mestre e Doutor em Direito (UFRGS), Pesquisador de Pós-Doutorado na Universidade da Califórnia (Berkeley), LLM em Direito Econômico Internacional (Warwick). Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE, 2007 e 2017) e Ex-Secretário Nacional do Consumidor.

XXIV


Prefácio

Alexander Calder foi um artista de inegável inspiração. Em arte, todavia, inspiração não representa todo o esforço do artista. Uma obra de arte demanda tempo, estudo, persistência, cálculo. Seus móbiles tornaram infantil o modelo tradicional, de peças idênticas que se equilibram justamente (perdoe, leitor, a intencional repetição) na identidade. O uso de peças de tamanhos, formas e, às vezes, cores variáveis, mas que ainda assim se equilibram num jogo pulsante e harmônico não deixa de se caracterizar como um paradoxo1. O Direito Internacional Privado é um ramo onde os paradoxos se apresentam, como procurei ressaltar na introdução da minha tese de livre docência2. Com efeito, não se restringe, desde logo, a um único ordenamento jurídico nacional, mas procura equilibrar os interesses destes Estados em regular a situação da vida sob análise. Ao mesmo tempo, toma em consideração o importante veio de atuação das partes, detentoras dos primordiais interesses em jogo, dando-lhes certo grau de liberdade no estabelecimento do design jurídico da relação que desejam travar. Esse já intrincado jogo de equilíbrio de peças de formatos variados, provenientes de distintas origens pode, não obstante, tornar-se ainda mais complexo e, paradoxalmente, mais equilibrado, quando se misturam institutos jurídicos com teleologias diversas e dotados de funcionalidades sociais próprias. É o que acontece com a obra de Henrique Lenon Farias Guedes, que a Arraes Editores traz à luz. “Arbitragem transnacional trabalhista: da ordem pública às normas de aplicação imediata” é a versão revisitada pelo autor de sua tese de Doutorado, que tem por título “Normas de aplicação imediata 1

2

LAFER, Celso. Direito Internacional: um percurso no Direito no século XXI, v. 2. São Paulo: Atlas, 2015, p. 199-209. MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Controle de constitucionalidade da lei estrangeira. São Paulo: Quartier Latin, 2013. XXV


e arbitragem trabalhista: entre pluralismo e transnacionalidade” e que foi apresentada e defendida no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tive a alegria de orientar Henrique neste percurso e de introduzi-lo na difícil – porém apaixonante – senda do Direito Internacional Privado, esta disciplina técnica, que possui uma função própria e que se vê muitas vezes atacada por uma concepção que procura confundi-la com outras disciplinas, não para podá-la de suas dificuldades, mas, sim, para lhe cortar a seiva, com o intuito de levá-la à morte, por desnutrição. Henrique compreendeu essa circunstância e readequou-se metodológica e teleologicamente na persecução do equilíbrio que o móbile de A. Calder representa. A defesa, perante banca examinadora composta pelo Professor Titular Paulo Borba Casella (Direito Internacional Público), pelo Professor Associado Estêvão Mallet (Direito do Trabalho), ambos colegas da Faculdade de Direito da USP, pelo Professor Catedrático da Universidade de Coimbra e grande expoente mundial do Direito Internacional Privado e estudioso de sua interface com o Direito do Trabalho, Rui Manuel Moura Ramos, pela Professora Associada da Universidade de Lisboa, Elsa Dias Oliveira (Direito Internacional Privado) e pela Professora Doutora da UNESP, Flavia Mange (arbitralista), resultou em aprovação com distinção. Tive a honra de presidir, sem direito a voto (como determinam as normas da USP), a sessão pública de defesa da tese e posso atestar que a qualidade do trabalho e a proficiência no uso da linguagem, tanto escrita como oral, foram ressaltados pelos examinadores. Faço questão de ressaltar esse aspecto, pois nossa língua tem sido cada vez menos cultuada. O livro que está em suas mãos retrata uma abordagem original das hipóteses, condições e circunstâncias em que um contrato internacional de trabalho pode ser submetido a uma arbitragem. Como se sabe, as arbitragens surgiram como mecanismo de solução de controvérsias entre Estados soberanos, no âmbito público, e entre comerciantes, sobretudo, no âmbito privado. Da mercancia ao mercado3, o comerciante tornou-se muitas vezes um empresário, e o direito comercial deu origem ao direito empresarial, em que a análise econômica se faz essencial, obrigatória, mesmo. Nesse sentido, pode-se também encontrar, neste ambiente transformado, uma zona transicional na atividade de alguns profissionais. E é num contexto assim que algumas atividades profissionais se tornam passíveis de discussão no âmbito e nas estruturas arbitrais, levantando uma questão a respeito da disponibilidade dos interesses em tela, o 3

XXVI

FORGIONI, Paula A. A evolução do Direito Comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 5. ed. São Paulo: RT, 2021.


que colide, em tese, com o interesse do Estado em tutelar relações assimétricas como sempre foram as relações laborais. É aqui que entram o estudo, a persistência e o cálculo de Henrique Lenon Farias Guedes na construção de sua tese, buscando o equilíbrio entre os interesses em jogo, como A. Calder equilibraria as peças que, aparentemente, não se harmonizariam em um móbile. Esse o papel importante que o Direito Internacional Privado é capaz de desempenhar e que eu tenho tentado, como pesquisador, escritor, professor e orientador, difundir e incentivar. Dessa análise, por ele empreendida, relevaram dois importantes e distintos institutos do Direito Internacional Privado: a ordem pública e as normas de aplicação imediata. Ambas procuram proteger e resguardar os interesses fundamentais no foro, abrindo o necessário espaço para os interesses da sociedade que se constituiu em forma de Estado. Mas as semelhanças param aqui, e as diferenças de função, momento metodológico e resultados desencadeados se impõem. São, todavia, dois importantes mecanismos que precisam ser melhor compreendidos pelos cultores da disciplina, e Henrique se esforça na consecução deste objetivo. E é nesse contexto que a análise da submissão à arbitragem de específicos contratos individuais de trabalho conflui para o equilíbrio. Sempre que possível, tenho procurado ressaltar em prefácios e apresentações de obras acadêmicas ligadas ao Direito Internacional Privado – felizmente, cada vez mais numerosas – que o tema central da pesquisa, que por si só desperta o interesse inequívoco do Direito Internacional, precisa ser conduzido com cuidado e percuciência à luz dos institutos e princípios do direito internacional privado. Pode parecer uma observação simples e vazia. Mas definitivamente não é. Ela esclarece as dificuldades que o trato do direito internacional privado enfrenta ainda hoje na academia brasileira e lança luzes esperançosas para o futuro. Deste futuro constará, certamente, Henrique Lenon Farias Guedes. São Paulo, abril de 2021.

GUSTAVO FERRAZ DE CAMPOS MONACO Professor Titular de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito da USP, Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Coordenador do Curso de Direito da Universidade Anhembi Morumbi e Consultor em São Paulo.

XXVII


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