AS SANÇÕES ELEITORAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

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AUTORES Álvaro Ricardo de Souza Cruz Ana Luiza Novais Cabral Fabricia Cavalcanti Moraes Felipe Magalhães Bambirra Felipe Nunes Arruda Guilherme Scodeler de Souza Barreiro Henrique Severgnini Horsth João Pedro Vitral Soares José Adércio Leite Sampaio José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior Larissa de Moura Guerra Almeida Leonardo Carneiro Santos Luana Mathias Souto Maria Jocélia Nogueira Lima Miguel Godoy Gualano Pedro Henrique Peixoto Leal Sérgio Armanelli Gibson Thiago Nogueira Araújo Wladimir Leal Rodrigues Dias

Álvaro Ricardo de Souza Cruz José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior José Adércio Leite Sampaio (ORGANIZADORES)

AS SANÇÕES ELEITORAIS EM FACE DA

CONSTITUIÇÃO DE 1988


As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001



ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO JÚNIOR JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO (Organizadores)

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988

Belo Horizonte 2021


CONSELHO EDITORIAL Álvaro Ricardo de Souza Cruz André Cordeiro Leal André Lipp Pinto Basto Lupi Antônio Márcio da Cunha Guimarães Antônio Rodrigues de Freitas Junior Bernardo G. B. Nogueira Carlos Augusto Canedo G. da Silva Carlos Bruno Ferreira da Silva Carlos Henrique Soares Claudia Rosane Roesler Clèmerson Merlin Clève David França Ribeiro de Carvalho Dhenis Cruz Madeira Dircêo Torrecillas Ramos Edson Ricardo Saleme Eliane M. Octaviano Martins Emerson Garcia Felipe Chiarello de Souza Pinto Florisbal de Souza Del’Olmo Frederico Barbosa Gomes Gilberto Bercovici Gregório Assagra de Almeida Gustavo Corgosinho Gustavo Silveira Siqueira Jamile Bergamaschine Mata Diz Janaína Rigo Santin Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – Portugal Jorge M. Lasmar Jose Antonio Moreno Molina – Espanha José Luiz Quadros de Magalhães Kiwonghi Bizawu Leandro Eustáquio de Matos Monteiro Luciano Stoller de Faria Luiz Henrique Sormani Barbugiani Luiz Manoel Gomes Júnior Luiz Moreira Márcio Luís de Oliveira Maria de Fátima Freire Sá Mário Lúcio Quintão Soares Martonio Mont’Alverne Barreto Lima Nelson Rosenvald Renato Caram Roberto Correia da Silva Gomes Caldas Rodolfo Viana Pereira Rodrigo Almeida Magalhães Rogério Filippetto de Oliveira Rubens Beçak Sergio André Rocha Sidney Guerra Vladmir Oliveira da Silveira Wagner Menezes William Eduardo Freire

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora. Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2021. Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho Produção Editorial e Capa: Danilo Jorge da Silva Imagem de Capa: Gerd Altmann (Pixabay.com) Revisão: Responsabilidade do Autor 324.6 S211 2021

As sanções eleitorais em face da Constituição de 1988 / [Organizado por] Álvaro Ricardo de Souza Cruz, José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior [e] José Adércio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2021. 272 p.

ISBN: 978-65-5929-094-9 ISBN: 978-65-5929-092-5 (E-book) Vários autores.

1. Direito eleitoral. 2. Brasil – Código eleitoral. 3. Sanções eleitorais. 4. Tribunal Superior Eleitoral. 5. Justiça eleitoral. 6. Eleições – Processos. I. Cruz, Álvaro Ricardo de Souza (Org.). II. Baracho Júnior, José Alfredo de Oliveira (Org.). III. Sampaio, José Adércio Leite (Org.). IV. Título.

CDD(22.ed.)– 324.6 CDU – 342.8(81) Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

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Autores

ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ Possui graduação em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985), graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1990) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Atualmente é procurador da república do Ministério Público Federal e professor adjunto iii da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: estado democrático de direito, hermenêutica, direito comparado, relações igreja-estado e direito contemporâneo. ANA LUIZA NOVAIS CABRAL Advogada. Doutoranda em Direito Público na área Democracia, Constituição e Internacionalização e Linha de Pesquisa Constitucionalismo Democrático na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista CAPES. Mestre em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade Gama Filho. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Faculdade Integrada AVM. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Newton Paiva. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa ‘Responsabilidade social corporativa e governança socioambiental: as empresas “verdes” e a criminalidade corporativa’ da Dom Helder Escola de Direito e do Grupo de Pesquisa ‘Grupo de Estudos avançados em Direitos Fundamentais, Processo Democrático e Jurisdição Constitucional’ da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. V


Editora de Seção da Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas (Qualis A1). Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/2623437173992273>. Endereço Eletrônico: analuizanovais@bol.com.br FABRICIA CAVALCANTI MORAES Graduando em Direito no 8º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Estagiária do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Endereço eletrônico: fabriciacmoraes@gmail.com FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA Mestre e Doutor em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pós-Doutor pela Universidade Federal de Goiás - Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar de Direitos Humanos (PPGIDH). É Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico (mestrado em Direito - UNIALFA), pesquisador bolsista da FUNADESP. Foi bolsista de doutorado do Deutsche Akademische Austauschdienst (DAAD) e CAPES, pesquisador na República Federal de Alemanha (2011-2013), no Seminar für Staatsphilosophie und Rechtspolitik (Universität zu Köln) e no Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht (Heidelberg). FELIPE NUNES ARRUDA Graduando em Direito no 8º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Estagiário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Endereço eletrônico: felipenunesarr@gmail.com GUILHERME SCODELER DE SOUZA BARREIRO Doutorando em direito público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista Capes. Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Lavras. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Professor de direito constitucional e administrativo do Centro Universitário de Lavras (MG). Endereço eletrônico: guiscod@hotmail.com HENRIQUE SEVERGNINI HORSTH Advogado. Mestre em Direito Público na área Democracia, Constituição e Internacionalização; Linha de Pesquisa: Constitucionalismo Democrático na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Professor do Curso Magistral Concursos, Portal Carreira Militar e da Academia da VI


Polícia Militar de Minas Gerais. Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM e da Associação Internacional de Direito Penal – AIDP. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/8129335031061585>. Endereço Eletrônico: hhorsth@hotmail.com JOÃO PEDRO VITRAL SOARES: Graduando em Direito do 10º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Monitor da disciplina Teoria da Constituição nos anos 2018-2019. Endereço eletrônico: joaopedrovs1997@hotmail.com JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO Mestre e Doutor em Direito Constitucional, Pós-Doutorado pela Universidad de Castilla la Mancha, Professor da PUC-MG e ESDHC, Procurador Regional da República. E-mail: joseadercio.contato@gmail.com JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO JÚNIOR Mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Master of Law pela Harvard Law School. Professor do Curso de Graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Minas. Advogado. Endereço Eletrônico: josealfredo@oliveirabarachoegodoi.com.br LARISSA DE MOURA GUERRA ALMEIDA Mestre em Direito Público, PUC Minas (2020). Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada – PUC Minas (2015). Graduada em Direito pela PUC Minas (2013). Professora e Advogada militante na área de Direito Público Municipal. Advogada e Consultora na Rodrigues Dias & Riani - Advocacia e Consultoria. Docente no Curso de Pós-Graduação em Advocacia Pública, da Escola Superior de Advocacia da OAB/ MG – ESA. Contato: lah.moura.guerra@gmail.com. ORCID: https://orcid. org/0000-0001-9130-1893. LEONARDO CARNEIRO SANTOS Graduando em Direito no 8º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Estagiário do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Endereço eletrônico: leosantos8666@gmail.com LUANA MATHIAS SOUTO Doutoranda e Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista PROEX Capes/Taxa. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível VII


Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Contato: luana. mathias.souto@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6961-0187. MARIA JOCÉLIA NOGUEIRA LIMA Doutoranda em Direito Público, Mestre em Direito Público, Especialista em Direito Municipal, Especialista em Direito Tributário, Pesquisadora no grupo de estudos da Fundação Brasileira de Direito Econômico (UFMG – Faculdade de Direito), Autora de vários artigos na área jurídica e sistêmica, Procuradora do Município de Belo Horizonte. MIGUEL GODOY GUALANO Professor Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Pós-doutor pela Faculdade de Direito da USP. Autor dos livros: Fundamentos de Direito Constitucional (Ed. Juspodivm, 2021); Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais (Ed. Fórum, 2017); Caso Marbury v. Madison: uma leitura crítica (Ed. Juruá, 2017); Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella (Ed. Saraiva, 2012). Ex-assessor de Ministro do STF. Advogado. PEDRO HENRIQUE PEIXOTO LEAL Mestre em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. Procurador Federal. Endereço eletrônico: pedrohleal@gmail.com SÉRGIO ARMANELLI GIBSON Mestre em Direito Público pela PUC-MINAS. Defensor Público Federal. THIAGO NOGUEIRA ARAÚJO Mestrando em Constitucionalismo Democrático, pela PUC-MINAS. Formado em Direito pela PUC-MINAS e em Ciências Econômicas pelas UFMG. Advogado. WLADIMIR LEAL RODRIGUES DIAS Doutor em Direito Público, PUC Minas (2011), com estágio doutoral na Universidade de Coimbra (2008-2009). Mestre em Administração Pública, Fundação João Pinheiro (2006). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (1995). Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina (2019). Pós-doutorando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e Doutorando em Sociologia pela Universidade de VIII


Coimbra. Professor na Fundação Cultural de Belo Horizonte - UNIBH (2006-2012) e na PUC Minas (2005-2008). Professor e Coordenador da Pós-Graduação da Escola do Legislativo. Consultor da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Juiz Titular do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (2014-2016). Advogado e Consultor da Rodrigues Dias & Riani - Advocacia e Consultoria. Associado e Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Associado e Diretor do Instituto Brasileiro da Advocacia Pública (IBAP). Ouvidor Eleitoral da OAB/MG (2016-2018). Contato: wladimir_rd@yahoo.com.br

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Sumário

PREFÁCIO............................................................................................................ XIII APRESENTAÇÃO............................................................................................... XVII Capítulo 1

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 7º DO CÓDIGO ELEITORAL Henrique Severgnini Horsth; Ana Luiza Novais Cabral......................... 1 Capítulo 2

SANÇÕES CIVIS APLICADAS POR DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS ELEITORAIS NO DIREITO BRASILEIRO: ANÁLISE HISTÓRICA E DOGMÁTICA DAS MEDIDAS CORRETIVAS AO NÃO EXERCÍCIO DO VOTO José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior; Ana Luiza Novais Cabral.... 19 Capítulo 3

SANÇÕES CIVIS POR DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS ELEITORAIS NO DIREITO COMPARADO: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Álvaro Ricardo de Souza Cruz; Miguel Godoy Gualano; Felipe Magalhães Bambirra; João Pedro Vitral Soares............................. 45 Capítulo 4

SANÇÕES CIVIS POR DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS ELEITORAIS NO DIREITO COMPARADO: EUROPA E AMÉRICA LATINA Álvaro Ricardo de Souza Cruz; Fabricia Cavalcanti Moraes; Felipe Nunes Arruda; Leonardo Carneiro Santos...................................... 97 XI


Capítulo 5

A IMPORTÂNCIA DO SUFRÁGIO COMO FUNDAMENTO DEMOCRÁTICO, O DESCUMPRIMENTO DO VOTO E AS SANÇÕES ELEITORAIS VISTAS SOB O ENFOQUE DA RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL DO ART. 7º DO CÓDIGO ELEITORAL Maria Jocélia Nogueira Lima; Sérgio Armanelli Gibson; Thiago Nogueira Araújo................................................................................... 139 Capítulo 6

O EXERCÍCIO DO DIREITO DE SUFRÁGIO PELO PRESO PROVISÓRIO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A MANUTENÇÃO E GARANTIA DOS DIREITOS POLÍTICOS ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA E A EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA Larissa de Moura Guerra Almeida; Luana Mathias Souto...................... 157 Capítulo 7

O PODER NORMATIVO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL EM DEBATE: ANÁLISE DAS RESOLUÇÕES RELACIONADAS COM O ARTIGO SÉTIMO DO CÓDIGO ELEITORAL Guilherme Scodeler de Souza Barreiro; Pedro Henrique Peixoto Leal..... 179 Capítulo 8

VIRTUALIZAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL E O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICATIVA DO VOTO José Adércio Leite Sampaio; Luana Mathias Souto.................................... 211 Capítulo 9

O CONTROLE PARLAMENTAR DOS ATOS REGULAMENTARES DA JUSTIÇA ELEITORAL E O EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES: REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 49 DA CONSTITUIÇÃO FACE ÀS RESOLUÇÕES DO TSE E OS LIMITES À COMPETÊNCIA LEGISLATIVA QUANTO ÀS SANÇÕES CIVIS ELEITORAIS Larissa de Moura Guerra Almeida; Wladimir Leal Rodrigues Dias..... 227

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Prefácio Democracia, Processos e Escolhas de Protagonistas

Competência, rigor e vocação animam os mais enriquecedores textos acadêmicos, aqueles que são simultaneamente intervenientes em seu tempo, participativos, refinados, e professam o culto da franqueza respeitosa. Não é platitude esse vivace, e sim reconhecimento de mentes e corações que são generosos ao exporem frontalidades genuínas à altura dos temas que elegem. É com essa percepção que aqui o prefácio se projeta e diz: ‘nasço’, e estas são as palavras desse nascimento a modo de homenagem gestada a quem dialoga e nunca regateia tempo para intercambiar ideias e açular de forma legítima as necessárias controvérsias. Aqui vejo uma comunhão aberta pelo decálogo da esperança, um andante sognando, porquanto são complexos nas harmonias e polifônicos nas cosmovisões. É isso mesmo. Nós nos reconhecemos nas escolhas. Nomeadamente no arco plural do Estado de Direito democrático, o pertencimento se dá na fidelidade a si mesmo. É aí que a democracia e seus processos realizam o próprio teste de integridade. A democracia brasileira tem ocupado o centro de minhas preocupações nestes tempos voláteis e ambíguos, oscilando entre Montéquios e Capuletos. Dentre os muitos elementos que informam e operacionalizam nosso modelo democrático, a observância e manutenção da renovação periódica da escolha dos detentores de mandatos eletivos, por meio de eleições periódicas, seguras e confiáveis – como foram todas as eleições realizadas em território nacional nos últimos 25 anos de uso das urnas eletrônicas – é o tema amiúde de debates e do enfrentamento das questões que se apresentam ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral. XIII


Contudo, não se deve olvidar que o fenômeno democrático é multifacetado e, por vezes, desafia o intérprete, jurídico ou da realidade, a se debruçar novamente sobre temas que escapam aos holofotes da mídia, mas jamais deixaram de integrar o núcleo imutável da democracia. A presente obra é fruto de um desses louváveis esforços. Mesmo diante da tormenta que castiga a outrora serena Terra Brasilis, ousaram os autores revisitar um tema anterior à discussão sobre a auditabilidade de votos em eleições nacionais: quem pode votar e em quais hipóteses o direito de votar, cujo assento constitucional nos é pétreo, pode sofrer restrições legítimas dentro do Estado de Direito Democrático. O questionamento ecoa a preocupação com a redução da cidadania dos brasileiros em razão do disposto no art. 7º, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) por meio do escrutínio verticalizado do dispositivo normativo e de como os efeitos se concretizam, ou melhor dizendo, como os seus efeitos poderiam e, se de fato podem, como deveriam se concretizar dentro do regime jurídico que emana da Constituição Federal de 1988, especialmente em razão da pandemia de COVID-19 que assolou o país no certame eleitoral de 2020. Alerta-se o leitor mais açodado que a liça imposta ao art. 7º do Código Eleitoral não se resume a um contraste de cariz privado entre o mero cumprimento formal dos deveres impostos a todos os cidadãos da República e o reflexo no campo dos direitos. O grande mérito da obra ressume da dedicação dos autores a compreender, sem timidez pelo excesso de verticalização da matéria, a adequação temporal exigida para a compreensão de um dispositivo normativo de 1965 ao regime democrático em que hoje vivemos, tanto pelo prisma do estudo histórico e dogmático das sanções civis decorrentes do descumprimento de preceitos eleitorais quanto, e especialmente, sob a perspectiva da sua recepção pela Constituição de 1988 e, em caso afirmativo, se as sanções nele previstas se revelam compatíveis com a ordem constitucional. Para além desse estudo, os autores empreendem estudo comparativo dessas sanções, a partir do modelo estadunidense de maneira pormenorizada, resguardando as diferenças estruturais entre os dois sistemas jurídicos sem, contudo, deixar de acenar para o imensurável valor concedido ao exercício do sufrágio em ambos os países. O olhar disciplinado dos pesquisadores se revela incansável, eis que também se foca sobre as sanções civis, de mesma raiz, nos países da Europa – Bélgica, França, Grécia e Luxemburgo – e da América Latina – Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai –, XIV


com cotejo entre a natureza obrigatória ou facultativa do voto e suas consequências jurídicas, e o refinamento de aquilatar as diferentes medidas sancionatórias entre os países que adotam igual métrica de obrigatoriedade do exercício do sufrágio. Retornando do giro internacional, mergulha-se na questão dos presos provisórios por meio do debate sobre a manutenção de sua cidadania enquanto inexistente decisão judicial protegida pelos efeitos da coisa julgada que sirva de lastro para a suspensão de seus direitos políticos, dentre os quais o de exercer o sufrágio, e a necessidade de se garantir o seu direito de voto até tal momento. Ressalte-se a indispensável crítica feita ao exercício do poder regulamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação à aplicação do art. 7º, do Código Eleitoral, com o pertinente questionamento dos limites do exercício desse poder, jogando-se luzes, ainda, sobre o deslocamento do Poder Legislativo para o Poder Judiciário como locus de debate dessa matéria. Nessa mesma senda estuda-se a possibilidade de controle dos atos regulamentares da Justiça Eleitoral pelo Poder Legislativo, a partir do art. 49, da Constituição Federal, hipótese que rende prestígio ao princípio da separação harmônica dos poderes e afere-se o que, na visão dos autores, poderia indicar eventual exercício de competência privativa do Poder Legislativo pelo Tribunal Superior Eleitoral, especialmente ao se suspender os efeitos do art. 7º, do Código Eleitoral, por meio de resolução em razão da pandemia de COVID-19. Por fim, a obra lança os olhos para o futuro ao debater as possibilidades de virtualização do processo eleitoral e do procedimento de justificativa de ausência às urnas por meio do aplicativo e-título. Percebe-se, igualmente, o quão desafiador é o papel do jurista, e ao bem da verdade, de todo cidadão interessado no estudo da democracia brasileira e o quão recompensador é colher os frutos de análises esmeradas como as aqui contidas, resultado da inquietação quanto ao papel das Cortes Superiores na aplicação e interpretação do art. 7º, do Código Eleitoral, à luz da Constituição Federal. Raras são as oportunidades em que um dispositivo normativo é posto sob a lupa de maneira tão cabal e harmônica, o que bem demonstra a organização e zelo na condução do grupo de estudos a partir do qual se produziu a presente obra, criando pontes entre duas instituições vincadas pela pesquisa, pelo ensino e pela extensão de qualidade. Bem haja aos que abrem janelas para ver de perto a vida que teima em resistir aos cativeiros e às escuridões. Bem haja o redescobrir e experimentar novas luzes nos olhos, novas leituras, com diálogo, consciência crítica e XV


abertura à caminhada que se revela ao retirar o véu de evocações autoritárias que intentam, perversamente, sufocar o protagonismo democrático. Agora o prefácio diz: ‘despeço-me’, e ruma ao encontro da casa das palavras que logo ali adiante abre as portas e acolhe, generosamente, olhares que não temem mitos nem Golias.

LUIZ EDSON FACHIN Ministro do STF, Alma mater, UFPR

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Apresentação

Tempos “bicudos” os que vivemos, diziam os “matutos” aqui de Minas Gerais. Pandemia, déficits orçamentários acachapantes, desemprego recorde, carestia da cesta básica e polarização da política são alguns desses ingredientes que atestam o aparecimento do fenômeno chamado “erosão constitucional”. Mas, o que seria isso? Regra geral a doutrina da Ciência Política lia de forma gradual as relações e o funcionamento das instituições políticas. Skinner, Schumpeter, Dahl, dentre outros, concebiam inúmeras variáveis no jogo democrático. Contudo, a teoria do Direito simplificava (indevidamente) a questão a partir de ótica binária: Estado de Direito ou Estado de Exceção. A charneira entre esses “momentos institucionais” eram o “golpe de Estado” e o “processo de redemocratização”. As rupturas institucionais de 1937 e particularmente de 1964 estão gravadas em nossa retina. No entanto, o constitucionalismo atual volta-se para o estudo de eventos desestabilizadores do desenho institucional democrático a partir de uma perspectiva metodológica renovada. O “constitucionalismo abusivo” de David Landau anota variantes de uma democracia cesarista que corrói lentamente as bases institucionais alicerçadas pela Constituição. O constitucional hardball de Mark Tushnet observa uma violação do fair-play institucional. Medidas são tomadas pelos Poderes Constituídos, a princípio inseridos no contexto das regras normativas, mas com fins e propósitos políticos, ideológicos e pragmáticos, que acabam ferindo o apreço da população em geral pela própria democracia. “A erosão constitucional” de Tom Ginsburg e Aziz Z. Huq vai pela mesma direção. Indica que um desenho institucional democrático pode ser paulatinamente erodido e ser XVII


implantado uma mistura autoritária e não eleitoralmente competitivo, sem que a sociedade, como um todo, se dê conta do problema. Nesse sentido, tanto a legislação quanto órgãos e instituições eleitorais, públicos e privadas, estão no foco das maiores preocupações. A garantia de um processo eleitoral limpo, simplificado e auditável está exatamente no “olho desse furação”. Dúvidas sobre legitimidade das urnas eletrônicas, dúvidas sobre a parcialidade da justiça (em geral), particularmente da eleitoral, dúvidas sobre a transparência de todo o sistema colocam em risco o Estado Democrático de Direito. Rever e aperfeiçoar esse processo passam necessariamente por uma repaginação do Código Eleitoral. Convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral a dar minha pessoal colaboração, não titubeei: aceitei de pronto! A mim coube o exame das diversas nuances do artigo 7º do Código Eleitoral, que versa sobre as possíveis sanções pelo descumprimento do dever de voto e de sua posterior justificação. Tarefa hercúlea, porquanto a grande maioria dos tratadistas praticamente reproduz o texto legal em seus comentários. Era, preciso, uma investigação aprofundada. E, para tanto, a colaboração do nosso “Grupo de Estudos avançados em direitos fundamentais, processo democrático e jurisdição Constitucional” junto ao Curso de Pós-graduação da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG foi indispensável. A presente obra é, pois, fruto desse esforço. Agradeço, pois, a efetiva participação dos colegas José Adércio Leite Sampaio e José Alfredo de Oliveira Baracho Jr. Agradeço também a colaboração dos professores Miguel Gualano de Godoy e Felipe Bambirra, membros do nosso Grupo de Pesquisa e integrantes dos Programas de Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná – UFPR e Centro Universitário Alves Faria – UNIAlFA, respectivamente. Agradecimentos a cada um dos participantes desta obra Pedro Henrique Peixoto Leal, Luana Mathias Souto, Thiago Nogueira Araújo, Guilherme Scodeler de Souza Barreiro, Larissa de Moura Guerra Almeida, Sérgio Armanelli Gibson, Maria Jocélia Nogueira Lima, Wladimir Rodrigues Dias, João Pedro Vitral Soares, Fabrícia Cavalcanti Moraes, Felipe Nunes e Leonardo Carneiro e, particularmente Ana Luiza Novais Cabral e Henrique Severgnini Horsth, que idealizaram a criação do nosso Grupo de Pesquisa. Agradeço, por fim, à PPGD da PUC/MG e a Arraes Editores pela publicação deste livro.

ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ XVIII


Capítulo 1 A (In)Constitucionalidade das Sanções Previstas no art. 7º do Código Eleitoral THE UNCONSTITUTIONALITY OF THE SANCTIONS PROVIDED FOR IN ART. 7th OF THE ELECTORAL CODE

Henrique Severgnini Horsth Ana Luiza Novais Cabral

1. INTRODUÇÃO O ano de 2020 será lembrado como um período no qual o mundo precisou revisar e revisitar os mais variados conceitos, preceitos, dogmas e crenças tendo em vista a ocorrência da pandemia causada pelo COVID-19. O flagelo causado pela doença transformou a comunidade mundial exigindo de todos grandes esforços para conter esta crise sanitária sem precedentes. Nesse sentido, até as eleições programadas para ocorrer no ano de 2020 precisaram ser readequadas. A nova realidade fez com que o Congresso Nacional, em 02 de julho de 2020, publicasse a Emenda Constitucional 107/2020, tratando, dentre outros assuntos, da autorização ao Tribunal Superior Eleitoral para promover ajustes nas “normas referentes a recepção de votos, justificativas, auditoria e fiscalização no dia da eleição, inclusive no tocante ao horário de funcionamento das seções eleitorais e à distribuição dos eleitores no período, de forma a propiciar a melhor segurança sanitária possível a todos os participantes do processo eleitoral” (BRASIL, 2020). A fim de dar cumprimento à nova norma constitucional, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2020, que suspendeu “os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral para


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• Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)

os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, ad referendum do Plenário do TSE, em razão da persistência da pandemia da Covid-19” (BRASIL, 2020). A resolução, sob o pretexto de adequar a realidade normativa à crise sanitária, pode ter sido o primeiro passo na discussão mais profunda sobre as sanções previstas no art. 7º, CE e sua (in)constitucionalidade. O referido diploma eleitoral tem origem anterior à Constituição de 1988 e algumas de suas disposições podem estar em conflito com o atual texto constitucional. O objetivo do presente artigo é analisar, a partir da Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2020, do Tribunal Superior Eleitoral, se as sanções previstas no art. 7º do CE foram recepcionadas e, em caso afirmativo, se são constitucionais frente a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A metodologia utilizada para desenvolvimento do trabalho é a teórico-jurídica, com raciocínio dedutivo por meio de análise legislativa e jurisprudencial, abordando, como objetivo central, importantes fatores que colocam as sanções civis eleitorais. 2. VOTO: DIREITO OU DEVER Há um enorme debate sobre a participação popular no exercício do poder político, ocorrendo essa participação, com maior ou menor intensidade, de acordo com a situação político-democrática de cada Estado em determinado contexto histórico. Segundo Gomes: No mundo greco-romano, compreendia-se a política como a vida pública dos cidadãos, em oposição à vida privada. Era o espaço em que se estabelecia o debate público pela palavra. Em outros tempos, a política era a arte de definir ações na sociedade. Segundo Aristóteles (...), a missão da política é, primeiro, estabelecer uma maneira de viver que leve ao bem, à felicidade, depois, descrever o tipo de Constituição, a forma de Estado, o regime e o sistema de governo que assegurem esse modo de vida (GOMES, 2012, p. 64).

O autor prossegue afirmando que “a política relaciona-se a tudo que diz respeito à vida coletiva”, na qual entende que seria uma “esfera constituída socialmente, na qual se agregam múltiplos e, por vezes, contraditórios interesses” (GOMES, 2012, p. 64). Se a política pode ser entendida como uma esfera social onde contraditórios interesses têm espaço de convivência garantido, o poder político seria o poder soberano de uma sociedade organizada e a qual todos os demais


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encontram-se subordinados. Assim, nem mesmo o poder econômico, financeiro ou ideológico escapariam do seu domínio e controle. Nesse sentido, Bobbio afirma que o poder político tem como principal atributo o uso da força, pois “apenas o emprego da força física consegue impedir a insubordinação e domar toda forma de desobediência” (BOBBIO, 2000, p. 221-222). Não é por outra razão que política, governo e Estado passaram a ter uma ligação estreita. Se o Estado é classicamente definido como a expressão de uma sociedade politicamente organizada, o governo, segundo Gomes, “constitui a parte dinâmica ou ativa do Estado. Trata-se do conjunto de pessoas e órgãos responsáveis pela realização da vontade política do grupo que em determinado momento ocupa o poder” (GOMES, 2012, p. 65). Entretanto, uma questão se coloca: de que forma realizar a vontade política, sem causar disrupturas fratricidas, quando se tem nas sociedades atuais um conjunto de pessoas com os mais diversos, múltiplos e contraditórios interesses? A resposta parece estar nos direitos políticos, fundados na soberania popular. Previstos no Título II, Capítulo IV, da Constituição da República de 1988, os direitos políticos instituem um conjunto normativo sobre a configuração de atuação da soberania popular, de maneira a permitir que a alternância de poder se dê de forma legítima, legal e ordenada. Nas lições de Ferreira, direitos políticos seriam “prerrogativas que permitem ao cidadão participar na formação e comando do governo” (FERREIRA, 1989, p. 288-289). Em outras palavras, podem ser definidos como direitos e deveres concernentes à cidadania, que autorizam o cidadão a participar e escolher os rumos do governo, definir sua organização e condicionar, em última instância, o desempenho do próprio Estado. Conforme previsto no Título II, Capítulo IV, da Constituição da República de 1988, os direitos políticos são uma manifestação da soberania popular, a qual, no ordenamento jurídico brasileiro, ganham forma por meio dos institutos do(a): (i) sufrágio universal; (ii) voto (direto, secreto, universal, igualitário e periódico); (iii) plebiscito; (iv) referendo; (v) iniciativa popular de leis. A possibilidade de participar no governo é realizada por meio do exercício dos direitos políticos. Assim, as democracias contemporâneas fundam sua legitimidade na soberania popular, ou seja, na ideia de um governo do povo, escolhido por meio do voto direto, secreto, universal, igualitário e periódico. É o povo e suas escolhas políticas que dão sentido e fundamento do Estado Democrático de Direito1. 1

É preciso fazer um esclarecimento. A ideia de Democracia e sua correspondente legitimidade não podem estar relacionadas a ideia de consenso unânime. Conforme ensina Gomes, “(...) as


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Gomes afirma que os “direitos políticos denotam o poder ou a faculdade de o cidadão participar, ainda que indiretamente ou por representantes por ele escolhidos, do governo, da organização e do funcionamento do Estado” (GOMES, 2012, p. 82). Nesse sentido, os direitos políticos são entendidos como direitos humanos fundamentais, pois permitem a normatização e compatibilização da convivência do povo em sociedade. Portanto, permitem a própria existência da democracia. É por isso que Dahl (DAHL, 2009, p. 66-68) afirma que o regime democrático seria o único capaz de proporcionar ao povo os benefícios da liberdade e da autodeterminação, pois as regras as quais ele se submete são normas advindas de suas escolhas voluntárias. A permanente busca por decisões consensuais, fundadas em processos constitucionais, legais e legítimos, que levam a adoção de normas proporcionais e razoáveis, são exemplo indiscutíveis, no seu entendimento, dos benefícios da escolha deste regime. A tais argumentos, acrescenta o fato de que somente pelo regime democrático é dado ao povo fiscalizar seu governo, uma vez que os governantes são periodicamente reavaliados a cada pleito eleitoral. Então, se a democracia consiste na participação do cidadão no processo de escolha do governo e de seus governantes, poderia essa participação ser considerada uma obrigação? E, no caso de seu descumprimento, ser fundamento para imposição de sanções? A escolha consciente do cidadão em não participar desse processo poderia ser tida como justa causa para imposição de punições? A soberania popular é uma conquista que pode ser vislumbrada na Constituição da República de 1988 em dois momentos específicos quando o texto constitucional afirma: (i) no seu art. 1º, parágrafo único, que: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” e (ii) no art. 14, caput, que: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular” (BRASIL, 1988). Entretanto, apesar de ser um direito do cidadão, o voto no Brasil é, em regra, obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos, conforme se verifica no art. 14, §1º, I, CR. Assim, salvo exceções previstas do art. 14, §1º, II, CR – (a) analfabetos; (b) maiores de 70 anos; (c) maiores de 16 anos e menores de 18 anos – o comparecimento do eleitor ao processo eleitoral no Brasil é compulsório e sua ausência injustificada é passível de sancionamentos (BRASIL, 1988). decisões coletivas não são tomadas por todo o povo, senão pela maioria, ou seja, pela fração cuja vontade prevalece nas eleições. Maioria, aqui, constitui uma técnica de tomada de decisões coletivas” (GOMES, 2012, p. 67).


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A fim de dar concretude ao comando constitucional, o Código Eleitoral, em seu art. 7º, descreve as penalidades que serão aplicadas ao eleitor ausente de forma injustificada. É preciso esclarecer que o disposto no art. 7º da Lei 4.737/65 (atual Código Eleitoral), trata-se de uma continuação normativa do Código Eleitoral de 1932 que também previa punições ao eleitor que não votou e não se justificou dentro do prazo legal2. Veiga de Oliveira, em artigo intitulado “O eleitor e o voto: A soberania popular na Constituição da República”, explica as razões do voto obrigatório analisando 3 institutos fundamentais do direito eleitoral brasileiro: (i) soberania popular; (ii) sufrágio universal; (iii) voto secreto e obrigatório (VEIGA, 2014, p. 443). Em primeiro lugar, aponta que a soberania popular: […] consiste no fato de que, uma vez criado o Estado, ele se encontra submetido à vontade das pessoas que constituem seu povo como um dos seus elementos integrantes e são deste mesmo povo que decorre todo o poder político como consequência da sua própria condição (VEIGA, 2014, p. 443).

Prossegue o autor para afirmar que a legitimidade dos governos seria embasada, portanto, “na existência de uma autorização conferida pelo povo aos seus governantes, o que se consolida mediante o regime democrático, mediante, pois, a participação do povo” (VEIGA, 2014, p. 443). Já no tocante ao instituto do sufrágio universal, informa que sua origem remonta à Revolução Francesa e à Constituição de 1793, “onde se estabeleceu que o voto universal ou também conhecido como sufrágio universal, constituiria direito de todos os cidadãos homens, maiores, e somente eles poderiam votar” (VEIGA, 2014, p. 444). No Brasil, esse direito seria: [...] adotado pela primeira vez no conhecido ‘voto censitário’, por meio do qual, ainda no Brasil Colônia, perdurando praticamente até o final do Império, em que só podiam votar e ser votado, portanto, ser sujeito ativo e passivo, os integrantes da nobreza, os burocratas, militares, comerciantes ricos, os senhores de engenho e assim os homens que tivessem posses, ainda que analfabetos (VEIGA, 2014, p. 444).3 2

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Neste sentido: (i) Art. 107, §28, CE/1932: São delitos eleitorais: (...) §28. Faltar voluntariamente, em casos não especificados nos parágrafos anteriores, ao cumprimento de qualquer obrigação que este código expressamente impõe: Pena - oito a cem dias de prisão celular, ou, se fôr funcionário suspensão por dois a seis mêses do exercício do cargo. (ii) Art. 108. As infrações eleitorais definidas acima são crimes inafiançáveis e de ação pública (BRASIL, 1932). Sobre a primeira ocorrência do voto no Brasil, o autor aduz: “Foi em 1555 que a História Brasileira registrou a sua primeira ocorrência, havendo registros de que a Vila de Santo André


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Sobre o terceiro pilar, o voto secreto e obrigatório, o autor afirma que “somente em 1932 estabeleceu-se que o voto seria secreto e obrigatório para todo cidadão maior de 21 anos de idade, independentemente de sexo” (VEIGA, 2014, p. 444). A redução da idade mínima para votar de 21 para 18 anos deu-se “dois anos mais tarde (...), mantido o voto obrigatório, então, para os maiores desta faixa etária, embora a maioridade civil continuasse em 21 anos, o que somente foi alterado com a vigência do Código Civil, de 2002” (VEIGA, 2014, p. 444-445). Por fim, apenas com o advento da Constituição da República de 1988 é que “foi concedida permissão a que os jovens maiores de dezesseis (16) e menores de dezoito (18) anos pudessem voltar, facultativamente, mediante prévio cadastramento eleitoral” (VEIGA, 2014, p. 445). Apesar de todas as alterações constitucionais e legais a respeito da normatização do direito/dever de voto no Brasil ao longo dos últimos anos, verifica-se que “o voto persiste sendo obrigatório mediante prévio cadastramento eleitoral, por expressa disposição constitucional expressamente consignados no artigo 14, §1º e incisos, da Constituição da República, de 1988” (VEIGA, 2014, p. 446). E, a despeito da discussão sobre a possibilidade ou não de tornar o voto facultativo por meio da aprovação de uma Emenda Constitucional nesse sentido, o autor identifica que: [...] é cada vez mais crescente o número de eleitores que se ausentam do seu domicílio eleitoral, valendo-se de uma ‘janela’ em nossa legislação eleitoral que lhes permite, destarte, ‘justificar’ a sua ausência às urnas eleitorais no dia das eleições, ou, ainda, aqueles, que preferem até mesmo pagar multa fixada por se ausentar injustificadamente, deixando de exercer o seu direito e dever, em qualquer das duas hipóteses, como cidadão ou cidadã (VEIGA, 2014, p. 446).

O autor defende a obrigatoriedade do voto, sob o aspecto de ser um direito, mas também um dever cívico. Em suas palavras: Trata-se, pois, de um compromisso que todo brasileiro deve ter ao considerar que, antes de se referir ao voto como sendo obrigatório por disposição constitucional, de um direito e um dever que assiste a todo brasileiro que, por uma questão de definir os destinos do País para os anos vindouros e talvez gerações futuras, adotar a seriedade na escolha de seus candidatos,

da Borda do Campo havia Juiz, Vereador, Inspetor e Procurador que foram escolhidos por meio de eleição popular; todavia, o único cargo para o qual não havia eleição, dentro dessa ‘estrutura administrativa’, era o Prefeito, então nomeado pelo Rei” (VEIGA DE OLIVEIRA, 2014, p. 444).


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com critérios que sejam capazes de lhe proporcionar a melhor opção diante daqueles que se apresentam como possíveis representantes do povo na vida política brasileira. Lembremo-nos que se trata, efetivamente, de um compromisso cívico e, portanto, responsável que se aplica a todos os brasileiros aptos para o exercício do voto, em toda a extensão de suas consequências (VEIGA, 2014, p. 446).

E finaliza afirmando que: Caso o comparecimento às urnas fosse facultativo, naturalmente, haveria uma transferência estrondosa de responsabilidade para os eleitores comprometidos com a sua responsabilidade de eleitores. Haveria uma sobrecarga imensa sobre aqueles que realmente pensam no País com seriedade e interesse. De outro lado, haveria, na verdade, uma redução de legitimidade representativa dos eleitos em relação ao percentual de eleitores ausentes às urnas. Sem qualquer margem de dúvida, isto representa um imenso prejuízo ao próprio País e, naturalmente, à população em geral (VEIGA, 2014, p. 446).

Em que pese o respeito e admiração que temos pelo autor, discorda-se desta conclusão. Antes de mais nada, o voto deveria ser entendido como um direito de participação e, como tal, um dos seus vieses também legítimo é o direito de abster-se do processo eleitoral. A participação do cidadão na vida cívica do Estado não pode ser compreendida, e restringida, a apenas uma periódica participação no processo de escolha de seus representantes. Também discorda-se da conclusão quanto à redução de legitimidade representativa dos eleitos, pois o voto proporcional faz com que candidatos ganhem suas cadeiras nos parlamentos, em muitos casos, devido o desempenho eleitoral dos chamados “puxadores de voto”, sem que tal situação jamais tenha sido taxada de ilegítima. Por fim, nos termos dos valores axiológicos consagrados pela Constituição Cidadã de 1988, fica argumentativamente difícil sustentar a punição daqueles que não desejam exercer um direito. A nosso sentir, as consequências de ter os rumos da nação decididos por outras pessoas já seria uma “punição” suficiente aos omissos. 3. AS SANÇÕES DO ART. 7º, CE E A RES. 23.637/2021 - TSE A par da discussão sobre a obrigatoriedade do voto, o que se tem na prática é a previsão de sanções no art. 7º do Código Eleitoral ao eleitor que não votou e não se justificou dentro do prazo estipulado, como forma de dar concretude à determinação constitucional da compulsoriedade de votar prevista no art. 14, §1º, CR.


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Mas, uma pergunta permanece: qual seria a natureza jurídica de tais sanções? Para tentar responder a questão, procuraremos estudar e classificar as sanções jurídicas e, posteriormente, aquelas previstas na legislação eleitoral. A fim de conseguir conviver em sociedade, o ser humano utiliza-se de diversos meios e instrumentos para conformar as relações interpessoais e possibilitar a existência da sociedade, sendo o Direito um desses instrumentos de controle social – apesar de não ser o único. A moral e a religião também desempenham tal papel, mas o Direito tem certa prevalência em razão de sua força coercitiva. A existência do castigo, com a possibilidade de sua implementação, dá efetividade máxima às normas do Direito. É por meio dessa possibilidade de efetivação de uma resposta punitiva por parte do Direito que o Estado se vale para criar um sistema coercitivo de manutenção da ordem social. Nunes afirma que: A sanção, como penalidade a ser aplicada àquele que não cumpre o comando da norma jurídica, é posta não necessariamente para ser aplicada no momento, mas apenas como garantia para que a norma de conduta obrigatória seja respeitada e cumprida. Essa força coercitiva, diz-se, atua como aviso, como ameaça àquele a quem a norma é dirigida. Há na sanção uma potencialidade que permanece no ar como ameaça para obrigar o atingido pela norma a cumpri-la (NUNES, 2010, p. 313).

Observa-se que os efeitos advindos da previsão do castigo são dois: (i) em um primeiro momento, ela incentiva a observâncias das normas; (ii) em um segundo momento, protege integridade do sistema jurídico, uma vez que o desrespeito persistente e constante das regras jurídicas impossibilitaria a convivência em sociedade. É por tal razão que Gomes afirma que na seara eleitoral são as sanções que protegem o sistema jurídico das condutas ilícitas, pois desempenham a função de proteção do próprio sistema, bem como dos valores que ele hospeda4. Assim, evidencia-se a importância da sanção, uma vez que ela concorre não somente para a concretude da ordem jurídica, mas, de igual forma, para a preservação dos fundamentos da vida em sociedade5. 4

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De acordo com Gomes: “O microssistema jurídico-eleitoral reage às ações contra si desfechadas. A reação tem o fito de salvaguardar não só suas estruturas e funções, mas também os valores que alberga, evitando que se degenere. Tal como ocorre nos demais sistemas de controle social, a reação se dá pela sanção. Em diversos dispositivos, as normas eleitorais impõem sanção à conduta ou situação infratora de suas regras e princípios”. (GOMES, 2016, p. 855). Francisco Amaral define sanção como sendo “a pena que se impõe ao infrator da norma pelo descumprimento do dever nela contido”. Sobre suas finalidades, afirma: “A sanção tem


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Nesse sentido, Fernández Ruiz, na sua obra “Tratado de Derecho Electoral”, lembra que o desrespeito e o descumprimento reiterado dos princípios e das normas do direito eleitoral são particularmente fatais à toda sistemática democrática de um Estado, bem como corroboram que atuações corruptas se deem de forma institucionalizada (RUIZ, 2010, p. 348). É por isso que o papel da Justiça Eleitoral ganha destaque no processo democrático quando da aplicação das normas constitucionais e eleitorais, pois sua atuação resguarda a ordem jurídica, inibe a ocorrência de ilícitos e preserva os valores democráticos mais essenciais do Estado. Nas palavras de Erick Wilson Pereira, o Poder Judiciário deve agir de forma vigorosa na repressão de “nocivas investidas de qualquer tipo de burla aos comandos constitucionais” (PEREIRA, 2010, p. 164), a fim de impedir “a definitiva incorporação das infrações eleitorais à realidade social contemporânea”, resguardando a ordem jurídica e, em último caso, a própria democracia (GOMES, 2011, p. 597). Alvim analisa os tipos de infrações eleitorais no sistema brasileiro, dividindo-as em dois grupos: (i) sanções eleitorais penais; e (ii) sanções eleitorais cíveis. O autor pontua: A partir da análise de sua natureza, as sanções eleitorais podem ser divididas em dois grandes gêneros, dentro dos quais se amoldam suas respectivas espécies. Nessa linha, divisam-se: a) sanções eleitorais penais, oriundas da prática de ilícitos eleitorais de caráter criminal; e b) sanções eleitorais cíveis, que podem ser políticas – quando afetem os direitos políticos daqueles que as deflagrem – ou administrativas, quando impliquem reprimendas de cunho extrapolítico, concentrando-se sobre o patrimônio ou outros direitos de seus agentes provocadores (ALVIM, 2013, p. 46-47)6.

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finalidade preventiva, garantindo o respeito à lei, e restauradora, no sentido de que, violado o preceito contido na norma e configurado o dano, o infrator é obrigado a restabelecer a situação anterior (sanção direta) ou indenizar o lesado (sanção indireta)” (AMARAL, 2016, p. 67-68). Amanda Guimarães da Cunha e Luiz Magno Pinto Bastos Júnior fazem uma interessante crítica a esta classificação clássica quando afirmam: “Entre os aspectos mais graves decorrentes da falta de sistematicidade das regras eleitorais está a forma com que hoje são tratados os ilícitos eleitorais “não criminais”, os quais, apesar de sua nítida natureza sancionatória, são tratados como meros ilícitos civis. A ênfase acentuada à natureza “cível” destes ilícitos, em nome da preservação da legitimidade da disputa eleitoral (art. 14, §9º da CF/88), contribui para que se promovam restrições ao exercício do devido processo legal que se mostram absolutamente incompatíveis com a ordem constitucional vigente e com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Sob esta rubrica, reúne-se um conjunto muito díspar de condutas qualificadas como ilícitas, em face das quais são cominadas sanções de diferentes matizes e intensidades caracterizadas pela restrição ao exercício de direitos, pela cominação de multa, pela cassação de registro e/ou de diploma e, ainda, pela sanção de inelegibilidade. A apuração destes ilícitos, diferentemente dos chamados ilícitos criminais, é regida por regras de contencioso eleitoral que se valem do Código de Processo Civil


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Alvim conclui que, “no que toca às consequências, no geral dos casos, não se diferenciam das penas comuns as sanções penais eleitorais” (ALVIM, 2013, p. 47)7. Entretanto, para os fins do presente artigo, analisar-se-á as sanções eleitorais cíveis, uma vez que fica claro que as penalidades previstas no art. 7º, CE não se tratam de castigos de natureza penal, uma vez que não tem como consequência a privação de liberdade do agente infrator8. De acordo com o caput do art. 7º, CE: O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367 (BRASIL, 1965).

Já o parágrafo primeiro do referido artigo traz outras sanções para o eleitor que não provar “que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente” (BRASIL, 1965). São elas: §1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

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como parâmetro de aplicação supletiva e subsidiária (art. 15 do CPC/15). A situação é ainda mais problemática porque inexistem regras de contencioso eleitoral que sejam codificadas e, mesmo, minimamente sistematizadas” (CUNHA; BASTOS JUNIOR, 2019 p. 264-275). No artigo intitulado “A natureza jurídica sancionatória dos ilícitos eleitorais “não criminais”, os autores Amanda Guimarães da Cunha e Luiz Magno Pinto Bastos Júnior, identificam a natureza jurídica do “Direito Eleitoral Sancionador” como sendo “exercício do ramo do jus puniendi estatal e substantivamente limitado pela dimensão jusfundamental dos direitos políticos implicados”. No mesmo trabalho, os autores também mencionam que a diferença entre sanções civis e as penais seria que “o direito penal mantém o monopólio da cominação da pena privativa de liberdade” (CUNHA; BASTOS JUNIOR, 2019, p. 264-275). Cunha a Bastos Júnior apontam que a diferença entre sanções civis e as penais seria que “o direito penal mantém o monopólio da cominação da pena privativa de liberdade” (CUNHA; BASTOS JUNIOR, 2019, p. 264-275).


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IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda (BRASIL, 1965).

Tendo em vista as sanções previstas no referido artigo, pode-se concluir, tendo por base a classificação adotada por Alvim, que elas são sanções eleitorais cíveis de natureza administrativa, pois não afetam diretamente os direitos políticos9 dos agentes infratores, mas concentram-se “sobre o patrimônio ou outros direitos de seus agentes provocadores” (ALVIM, 2013, p. 46-47). Todavia, não há como negar que, uma vez descumprida a obrigação legal de votar, não justificada a ausência ou não adimplida a multa, as sanções previstas no art. 7º, §1º, CE são penalidades extremamente graves a que se sujeita o infrator. Não foi por outra razão que o Tribunal Superior Eleitoral, em 21 de janeiro de 2021, expediu a Resolução 23.637/2021 cuja finalidade era suspender “os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, ad referendum do Plenário do TSE, em razão da persistência da pandemia da Covid-19” (BRASIL, 2021). O Tribunal Superior Eleitoral, tendo em vista a necessidade de preservar a saúde e a incolumidade física dos eleitores e, ao mesmo tempo, impedir que os eleitores sofram restrições decorrentes da ausência de justificativa eleitoral no contexto da persistência e do agravamento da pandemia da Covid-19 no país, com base no art. 1º, §5º, II, da Emenda Constitucional nº 107/2020 que autoriza a Justiça Eleitoral a promover ajustes nas normas relativas às justificativas referentes às Eleições 2020, de forma a propiciar a melhor segurança sanitária possível a todos os participantes do processo eleitoral, entendeu ser prudente suspender: [...] ad referendum do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral - Lei nº 4.737/1965 para os eleitores 9

Direitos políticos podem ser compreendidos como sendo aqueles que permitem a participação ativa do indivíduo na vida do Estado, correspondendo a uma autorização subjetiva dada pela Constituição. Sua finalidade é permitir que os indivíduos participem das decisões do Poder Estatal, garantindo-lhes, primordialmente, os direitos de votar e de serem votados.


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que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, enquanto permanecer vigente a Resolução-TSE nº 23.615, de 19 de março de 2020 (BRASIL, 2021)10.

Assim, por força da Res. n. 23.637, de 21 de janeiro de 2021, do TSE, nenhuma das sanções previstas no art. 7º e §1º, CE poderá ser aplicada ao eleitor que não votou, não se justificou ou não pagou a multa. Medida que parece acertada tendo em vista a situação de extrema fragilidade a qual se encontra enorme parcela da população brasileira que não poderia ser ainda mais penalizada, apesar do descumprimento de um dever cívico tão importante quanto a participação nas eleições. 4. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E AS SANÇÕES DO ART. 7º, CE Princípio de extrema importância, especialmente nas situações envolvendo colisão de valores constitucionalizados, o princípio da proporcionalidade tem larga aplicação no âmbito da Justiça Eleitoral. Inocêncio Martires Coelho esclarece que o princípio da proporcionalidade seria: “utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos — muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios” (COELHO, 2012, p. 109). Assim, em sua essência, o princípio: [...] consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico” (COELHO, 2012, p. 109).

Por isso, apesar de encontra-se implícito na ordem constitucional, Canotilho afirma que sua aplicação deve se dar a qualquer ordem de ato emanado do Poder Público, não importando se a origem advém do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário (CANOTILHO, 2003, p. 272). Afinal de contas, sua função seria harmonizar direitos e valores constitucionais 10

Resolução 23.637/2021 cuja finalidade era suspender “os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, ad referendum do Plenário do TSE, em razão da persistência da pandemia da Covid-19” (BRASIL, 2021).


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por meio de uma ponderação e limitação recíprocas, preservando o sistema normativo e evitando sua disruptura. Não por outra razão, o Poder Judiciário utiliza-o como instrumento de proibição do excesso, por entender que realização da justiça no caso concreto exige uma ponderação. Qual seja: a sanção a ser imposta deve ser adequada, simétrica e correspondente ao ilícito praticado. Nesse sentido, Alexandre Francisco de Azevedo afirma que cabe ao Poder Judiciário fazer incidir o princípio da proporcionalidade nos julgamentos dos casos envolvendo atos legislativos produzidos com preterição ao referido preceito (AZEVEDO, 2008, p. 21). Assim, no seu entender, se houver falha do legislador em aplicar o princípio da proporcionalidade no momento da criação de sanção, é dever do magistrado, por meio da hermenêutica jurídica, corrigir essa conduta no momento da sentença, fazendo incidir o princípio preterido pelo legislador. A tese encontra-se em perfeita consonância com a jurisprudência dos Tribunais Regionais (TRE’s), bem como com a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os tribunais se valem do princípio para, no caso concreto, fazer justiça, retirando o excesso previsto na legislação, e aplicando uma sanção adequada. Há casos, inclusive, em que os Tribunais optam por aplicar apenas uma das punições legalmente previstas a fim de evitar a imoderação 11. A título de exemplo, apresentamos dois casos em que a condição de elegibilidade dos candidatos havia sido impugnada e indeferida. Em ambos os Tribunais Regionais Eleitorais afastaram o rigor da norma, que obstaria a presença do candidato no pleito eleitoral, para permitir sua participação. Nesse sentido: Eleições 2014. Agravo regimental. Registro de candidatura. Deferimento. Quitação Eleitoral. Condição de elegibilidade. Ausência às urnas. Pagamento de multa realizado durante o curso do procedimento de registro de candidatura. Possibilidade. Súmula 17 do TRE/MG. Manutenção da decisão agravada. Recurso não provido (BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Recurso Eleitoral nº 13091, acórdão de 06/08/2012, Rel. Flavio Couto Bernardes, publicação em sessão, data: 06/08/2012). Recurso eleitoral. Eleições 2012. Registro de candidatura (rrc). Vereador. Demonstrativo de regularidade de atos partidários (drap) apresentado no 11

Neste sentido, conferir Pereira: “É o princípio da proporcionalidade que indica que a pena deverá ser aplicada na razão direta do ilícito praticado. Não há dúvida de que o regime legal de repressão das condutas abusivas possui uma clara autorização constitucional. Quando há previsão de duas sanções na mesma norma, a proporcionalidade exige que apenas uma delas seja aplicada, merecendo a aplicação de ambas somente nas hipóteses excepcionais de extrema gravidade” (PEREIRA, E. W., 2010, p. 166).


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cartório eleitoral 1 (um) dia após o prazo fixado na legislação eleitoral de regência. Deferimento do drap pelo juízo eleitoral. Manutenção da decisão por esta corte eleitoral. Ressalvada a posição pessoal do relator. Irregularidade sanada. Ausência de quitação eleitoral. Não comparecimento às urnas. Eleições 2002, 2004, 2005 e 2006. Reconhecimento de ofício da prescrição da multa eleitoral ocorrida antes do pedido de registro de candidatura. Aplicação do prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no decreto 20.910/32. Recurso do ministério público eleitoral desprovido. Reforma da sentença recorrida. Registro de candidatura deferido (BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. RE – Recurso Eleitoral nº 52328 - Anápolis - GO. Acórdão nº 13031 de 10/09/2012. Relator(a) Des. Leonardo Buissa Freitas. PSESS - Publicado em Sessão, Data 10/09/2012).

As decisões da Corte Superior Eleitoral seguem o mesmo entendimento. O Tribunal, em muitos casos, a fim de evitar o excesso punitivo, afasta a norma eleitoral que prevê dupla punição, como nos casos da aplicação de multa e cassação de registro ou diploma, e faz incidir apenas a sanção pecuniária, por entender suficiente e proporcional ao ilícito praticado: Caracterizada a infração (...) é necessário verificar, de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, qual a sanção deve ser aplicada. (...) cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no §4° do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu. Em caso extremo, a sanção pode alcançar o registro ou o diploma (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RP n° 295.986/DF. Relator Min. Henrique Neves. Publicado no DJE, 17 nov. 2010. p. 15). A atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, quanto ao tema das condutas vedadas do art. 73 da Lei das Eleições, afigura-se mais recomendável a adoção do princípio da proporcionalidade e, apenas naqueles casos mais graves — em que se cogita da cassação do registro ou do diploma — é cabível o exame do requisito da potencialidade, de modo a se impor essas severas penalidades (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AgR-RESPE n° 129.685/PB. Relator Min. Aldir Passarinho. Publicado no DJE, 16 mar. 2011. p. 25).

Conforme se percebe, a Justiça Eleitoral, por meio de seus mais variados órgãos, admite e aplica o princípio da proporcionalidade como forma de evitar o excesso punitivo, ainda que tal excesso advenha do próprio legislador. E, não há que se falar, nesta situação, que haveria desrespeito ao princípio da separação dos poderes e invasão às competências do Poder Legislativo.


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Após a II Guerra Mundial, e com o advento do neoconstitucionalismo, as grandes questões sociais migraram para as constituições, tornando-se, dessa forma, dever dos membros da magistratura efetivar direitos fundamentais, uma vez que o Judiciário também passou a ser responsável pela implementação e manutenção do Estado Democrático de Direito, tendo nos princípios do devido processo legal e da efetividade dos direitos fundamentais12 os embasamentos legitimadores de sua atuação. No caso do ordenamento jurídico pátrio, o movimento pós-positivista traça um novo paradigma na relação existente entre os Poderes. Agora eles não são mais vistos como desagregados, mas, sim, “independentes e harmônicos entre si”, inaugurando uma obrigatória relação de cooperação, conforme determina o art. 2º da CRFB/881314. Esse federalismo cooperativo, no qual existe um compartilhamento de competências, obriga-os a atuarem de forma conjunta e harmônica. 12

“Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988). 13 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). 14 Esse modelo de organização do Estado Brasileiro, adotado pela Constituição da República (CRFB/88), foi influenciado pelo federalismo cooperativo da Lei Fundamental de Bonn, cuja característica marcante é o compartilhamento de competências entre seus entes federativos. Nesse sentido, conferir: ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.


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O texto constitucional prescreve a todos a obrigação de implementar a Constituição, o que, em última análise, permitiria ao Poder Judiciário atuar de forma a expurgar os excessos punitivos criados pelo Poder Legislativo a fim de preservar direitos fundamentais dos cidadãos. Nosso próprio sistema constitucional autoriza a atuação do Poder Judiciário como guardião de um mínimo existencial, previsto na própria CRFB/88, ainda que, para tanto, seja preciso judicializar matérias até outro dia injudicáveis15. Assim, ainda que se entenda que as sanções previstas no art. 7º, CE tenham sido recepcionadas pela CR, por força da norma constitucional do art. 14, CR que lhe serve de paradigma, elas deveriam ser consideradas inconstitucionais por força da aplicação do princípio da proporcionalidade. E, mesmo que o voto seja uma obrigação cívica imposta aos cidadãos eleitores, seu descumprimento não deveria gerar sanções tão severas como as previstas no art. 7º, CE. Além de desrespeitar a proporcionalidade que deve existir entre a aplicação da sanção e o ilícito praticado, apenas a título de exemplo, caso o cidadão faltoso seja um servidor público, sua punição poderia chegar ao extremo de ele ficar sem receber seus vencimentos. O que, sem dúvida alguma, afetaria sua dignidade e o privaria até mesmo de um mínimo existencial – o que, além de não ser razoável e proporcional, também é vedado pela Constituição. Nesse sentido, as considerações utilizadas pela Res. 23.637/2021 do TSE são um norte a ser seguido, pois elas consideraram haver um excesso na aplicação das penalidades em tempos de pandemia. O fundamento de excesso punitivo, combinado com o princípio da proporcionalidade, poderia ser utilizado para afastar, de forma definitiva, a aplicação de tão duras sanções ao eleitor faltoso. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme afirmamos no início do texto, o ano de 2020 será lembrado como um período no qual o mundo precisou revisar os mais variados conceitos, preceitos e dogmas por força da pandemia causada pelo COVID-19. 15

Os conceitos aqui defendidos podem ser encontrados nos trabalhos de Cass Sunstein, Adrian Vermeule e Bruce Ackerman, os quais defendem, respetivamente por meio das suas ideias previstas na “Teoria das Capacidades Institucionais” e na “Nova Separação de Poderes” o abandono as visões estereotipadas das Teorias da Separação dos Poderes. Ambos defendem a necessidade de ser dado ao Poder que tem maior capacidade para cumprir as tarefas públicas a permissão para agir, independentemente da sua típica função orgânico-funcional ou de uma divisão de competências rígida e estanque. Nesse sentido conferir: SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Public Law and Legal Theory Working Paper, Chicago, n. 28, p. 1-50, 2002.


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A nova realidade surgida nesse cenário teve impactos em todas as esferas da vida humana, inclusive a político-eleitoral, obrigando o Poder Público e tomar medidas normativas, administrativas e judiciárias a fim de permitir a realização das eleições previstas para o ano de 2020. A Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2020, do Tribunal Superior Eleitoral, objeto deste artigo, serve como um bom exemplo. Tomamos a resolução, e seus fundamentos, como subsídio para discutir se as sanções previstas no art. 7º, CE foram recepcionadas e, em caso afirmativo, se são constitucionais frente a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nesse sentido, por força da norma prevista no art. 14, CR, entende-se que o art. art. 7º, CE, bem como suas sanções, foram recepcionadas pela nova ordem constitucional. Entretanto, se o Estado, por meio do Direito adota, busca organizar o a sociedade, preservar seus valores essenciais e garantir a ordem e a paz social, não pode, sob o pretexto de salvaguardar a sociedade e seus valores, renunciar a princípios fundamentais, como, por exemplo, a justiça, a liberdade e a proporcionalidade. Agir de forma razoável e moderada, especialmente no campo sancionatório, é um dever do Estado para com seus cidadãos. Ainda que o voto seja entendido apenas como um dever, a falta de proporcionalidade às penas previstas no ordenamento não se justificaria, uma vez que são draconianas em face da conduta “delituosa”. A Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2020, do Tribunal Superior Eleitoral além de fazer justiça no caso concreto, deve ser vista também como fundamento necessário para a discussão sobre a constitucionalidade das sanções previstas no art. 7º, CE. REFERÊNCIAS ALVIM, Frederico Franco. A sanção jurídica no Direito Eleitoral. Estudos Eleitorais, v. 8, n. 2, p. 46-47, maio/agosto. 2013. Disponível em: <http://capa.tre-rs.gov.br/arquivos/ALVIM_Frederico_Franco_A_sancao.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021. AMARAL, Francsico. Direito Civil – Introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2016. AZEVEDO, Alexandre Francisco de. A aplicabilidade do princípio da proporcionalidade às condutas vedadas previstas na lei n. 9.504/97. Verba Legis - Revista jurídica de direito eleitoral, Goiânia, n. 3, p. 17-24, maio 2007/maio 2008. Disponível em: <https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/3691>. Acesso em: 09 mar. 2021. BOBBIO, Noberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. 11 reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 03 mar. 2021.


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BRASIL. Emenda Constitucional 107, de 2 de Julho de 2020. Adia, em razão da pandemia da Covid-19, as eleições municipais de outubro de 2020 e os prazos eleitorais respectivos. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc107.htm>. Acesso em: 10 mar. 2021. BRASIL. Código Eleitoral de 1965. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2021. BRASIL. Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Decreta o Código Eleitoral. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 10 mar. 2021. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 23.637, de 21 de janeiro de 2021. Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Brasília, nº 10, 21 jan. 2021. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/ res/2021/re>. Acesso em: 9 fev. 2021. BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Recurso Eleitoral nº 13091, acórdão de 06/08/2012, Rel. Flavio Couto Bernardes, publicação em sessão, data: 06/08/2012. Disponível em: <https://inter03.tse.jus. br/sjur-pesquisa/pesquisa/actionBRSSearch.do?t>. Acesso em: 15 mai. 2021. BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. RE – Recurso Eleitoral nº 52328 - Anápolis - GO. Acórdão nº 13031 de 10/09/2012. Relator(a) Des. Leonardo Buissa Freitas. PSESS - Publicado em Sessão, Data 10/09/2012. Disponível em: <https://inter03.tse.jus.br/sjur-pesquisa/pesquisa/actionBRSSearch.do?t>. Acesso em: 15 mai. 2021. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RP n° 295.986/DF. Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 4, Data 21/10/2010, Página 130. Relator Min. Henrique Neves. Publicado no DJE, 17 nov. 2010. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AgR-RESPE n° 129.685/PB. Relator Min. Aldir Passarinho. Publicado no DJE, 16 mar. 2011. Disponível em: <https://inter03.tse.jus.br/sjur-pesquisa/pesquisa/actionBRSSearch.do ?toc=false&httpSessionName=brsstateSJUT1348275503&sectionServer=TSE&docIndexString=0>. Acesso em: 15 mai. 2021. CANOTILHO, J. J. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. COELHO, Inocêncio Martires, Interpretação constitucional, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CUNHA, Amanda Guimarães da; BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. “A natureza jurídica sancionatória dos ilícitos eleitorais “não criminais”. XXVIII Congresso nacional do CONPEDI BELÉM – PA. Teorias da democracia, direitos políticos e filosofia do estado, 2019, p. 264-275. Disponível em: <http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/048p2018/3r1q1k6i/wZxGqqg256PpwV8Y.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021. DAHL, Robert Alan. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UnB, 2009. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. GOMES, José Jairo. Privação de Direitos Políticos em Primas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011. NUNES, R. Manual de filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. PEREIRA, E. W. Direito eleitoral: interpretação e aplicação das normas constitucionais-eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2010. RUIZ, José Fernández. Tratado de derecho electoral. Ciudad de México: Porrúa, 2010. SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Public Law and Legal Theory Working Paper, Chicago, n. 28, p. 1-50, 2002. VEIGA DE OLIVEIRA, José do Carmo. O eleitor e o voto: A soberania popular na Constituição da República. Direito Eleitoral: Leituras Complementares. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014. ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005.


Capítulo 2 Sanções Civis Aplicadas por Descumprimento de Preceitos Eleitorais no Direito Brasileiro: Análise Histórica e Dogmática das Medidas Corretivas ao não Exercício do Voto CIVIL SANCTIONS APPLIED FOR BREACH OF ELECTORAL PRECEPTIONS IN BRAZILIAN LAW: HISTORICAL AND DOGMATIC ANALYSIS OF CORRECTIVE MEASURES TO NON-EXERCISE OF THE VOTE

José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior Ana Luiza Novais Cabral

1. INTRODUÇÃO As sanções civis no Direito brasileiro perpassaram diversas transformações a alcançar os limites e inflexões atualmente normatizadas. Imprescindível, ao realizar os estudos sobre sanções civis, é prescrever o seu nascimento através da análise da responsabilidade civil e sua subsequente evolução. As sanções civis são classificadas como um desdobramento da responsabilidade civil, pois quando se configura essa, haverá uma medida corretiva como forma de punição. Desta forma, uma sanção civil advém da responsabilidade, sendo uma originária da outra. A responsabilidade civil possui como sanção uma pena pecuniária, contudo, as sanções no Direito Eleitoral brasileiro são mais amplas, tendo em vista que, além da multa ao fato da não realização do ato obrigatório do exercício do voto, o eleitor também fica impedido de exercer algumas atividades que numa situação normal lhe seriam permitidas. Nesse viés, diante do ato da desídia no exercício obrigatório cívico do voto, o eleitor inerte fica também restrito de alguns atos. Assim, o legislador, além de impor medida pecuniária como forma de punição, também se utiliza de outras correções como formas educativas.


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Estruturalmente, o presente artigo aborda, no primeiro capítulo, o contexto histórico-dogmático da responsabilidade civil, os seus aspectos emblemáticos, a estrutura organizacional nas legislações internacionais e nacionais. Em seguida, será estabelecida a diferenciação entre responsabilidade civil e sanções civis, trazendo algumas preliminares sobre as medidas corretivas no Direito Eleitoral. No segundo capítulo, realiza-se um estudo histórico minucioso sobre as sanções civis em todas as Constituições brasileiras e nos Código Eleitorais pátrios, perfazendo seu desenvolvimento até a legislação atual. Por fim, em capítulo último, o artigo aborda as sanções civis no Direito Eleitoral brasileiro atual, especificamente as punições em razão do não exercício cívico obrigatório do voto e suas implicações aos cidadãos descumpridores da normativa. A metodologia utilizada para desenvolvimento do trabalho é a teórico-jurídica com raciocínio dedutivo através de análise legislativa e jurisprudencial, abordando, como objetivo central, importantes fatores que colocam as sanções civis eleitorais como medidas corretivas e implicações educativas a não realização da obrigatoriedade de cumprimento da norma cívica, acarretando, assim, o jus puniendi estatal. Desta feita, o objetivo do presente artigo não é exaurir o debate sobre as sanções civis eleitorais no Direito brasileiro, mas somente apresentar ao leitor um painel sobre a evolução histórica, notadamente quanto àquelas sanções em razão da desídia à obrigatoriedade do exercício cívico do voto. 2. ENSAIO HISTÓRIO E FORMAL DA RESPONABILIDADE CIVIL E O SEU DESDOBRAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO Manter-se em sociedade requer atributos para que direitos e deveres sejam resguardados e protegidos. A responsabilidade por atos civis advém da prerrogativa de regular uma associação, de forma que exista a harmonia social e uma congruência nessa relação. Alguns institutos do Direito Civil servem para que essa coexistência não interfira em outros setores do Direito. Porém, antes de adentrar nos aspectos peculiares da responsabilidade civil no Direito brasileiro, faz-se necessário sua historicidade e referências formais para que haja uma reflexão de Direito Comparado no tocante às sanções civis. É necessário estabelecer o lapso remoto da responsabilidade civil, sua evolução em vários códigos e legislaturas no transcorrer dos séculos, sua influência nas Constituições brasileiras e a atual maneira de se reconhecer a responsabilidade civil no Direito pátrio. Desta forma, destaca-se como


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função principal no estudo sobre a historicidade, o reestabelecimento do equilíbrio violado pelo dano ocorrido em um bem social. A responsabilidade por atos civis nasce de uma experiência decorrente de danos a bens ou pessoas, não se cogitando, à época, a existência do fator culposo. A reparação decorrente do dano detinha uma forma imediata de ressarcimento regulada pela Lei de Talião, na qual a reparação possuía a mesma quantidade de força ao dano realizado. Se o ressarcimento não pudesse ocorrer, sobrevinha um dever de compensação econômica como substituição da composição, a critério da vítima. Estabelecia-se então, como o fator primordial da reparação, a vingança nos mesmos moldes do dano ocorrido. Nesses termos, “para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou” (DINIZ, 1998, p. 560). Através da autotutela, regida pela Lei de Talião como um mecanismo de resolução de litígios baseado na força bruta pautada pela mesma intensidade do dano, a sociedade encontra-se incerta perante o Estado e terceiros, eis que alheios às formas de retaliação usadas como meio de se obter “justiça”. A não interferência do Estado na obtenção de reparação deu azo ao lesionado utilizar-se de condutas desproporcionais a fim de satisfazer o débito (ressarcimento do dano). Os atos passíveis de sanções civis já se encontravam descritos desde o Código de Hamurabi e suas inscrições amplamente conhecidas atualmente, no qual se extrai a famosa citação normatizada nos parágrafos 196, 197 e 200 “olho por olho, dente por dente”, e parágrafo 200 “Se um homem livre (awilum) fizer saltar um dente de um homem igualmente livre (outro awilum), se lhe arrancará também um dente” (SILVA, 2005, p. 68). A expressão utilizada no Código de Hamurabi – monarca babilônico (1728-1688 a.C.) – e usualmente citada em várias doutrinas, resta definida como um marco para a futura responsabilidade civil e reparação do dano. À época, a reparação era devida no mesmo grau e importância do dano. Entretanto, vários fatores modificaram a progressão da responsabilidade em razão da impossibilidade de fazê-la no mesmo patamar disposto no Código, tornando a reparação penal em pecúnia, ou seja, passível de ser satisfeita através de uma importância em bens. “A entrega de objetos ou uma soma em dinheiro do agente causador do dano para a vítima denomina-se poena, não restando qualquer dúvida quanto ao fato de a reparação ainda ter como lastro a vingança” (SOUZA, 2010, p. 12). Com o passar do tempo, a composição econômica passa a ser obrigatória e tarifada com valores de remunerações pecuniárias previamente defi-


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nidas de acordo com o dano ocasionado, fator exemplificado no Código de Ur-Nammu, as Instituas, O Codex Justinianus e o Digesto, Código de Manu e da Lei das XII Tábuas (GONÇALVES, 2005, p. 4-5). Resta claro enfatizar inexistência da modalidade culposa tendo em vista a insubsistência para inferir seus pressupostos intrínsecos. Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada, “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens para a reparação do mal pelo mal” (GONÇALVES, 2005, p. 4).

O Direito Romano desmembrou os danos provenientes de infrações privadas e públicas. Ao Estado passa a função de punir, dando ensejo à responsabilidade penal. A responsabilidade civil cabia à vítima e ao Estado como pressuposto repressivo. A reparação do dano somente obteve seu caráter civil com a Lei de Aquília, que veio concretizar a possibilidade de reparação do dano através de pena pecuniária. Assim, o ônus que anteriormente era medido de acordo como o grau do dano e em sua mesma intensidade, passa ao compromisso reparatório em bens e imputado ao patrimônio daquele que cometeu o delito. Através da nova narrativa, a sociedade entende que a punição pessoal em forma de retaliação no mesmo estágio e veemência do dano ocasionado não traria qualquer benefício social ou alento pessoal. Ao contrário, levaria maior desavença e comorbidades àqueles atingidos. A ofensa reparada da maneira pecuniária surge como a recomposição do dano e meio de extinção do litígio. Com a Lei de Aquília, a conduta culposa é passível de imposição à reparação em pecúnia e que a pena seja imposta em detrimento do patrimônio do acusado ao delito. O Estado se mostra como um regulador dos delitos privados, retirando a possibilidade de pena em imediato, grau e intensidade do delito (“olho por olho, dente por dente”) para as penas que recaem diretamente no patrimônio do acusado. Por volta do século III a.C., um Tribuno da Plebe de nome Aquilius, dirigiu uma proposta de lei aos Conselhos da Plebe, com vistas a regulamentar a responsabilidade por atos intrinsecamente ilícitos. Foi votada a proposta e aprovada, tornando-se conhecida pelo nome de Lex Aquilia. A Lex Aquilia era na verdade plebiscito, por ter origem nos Conselhos da Plebe. É lei de circunstancia, provocada pelos plebeus que, desse modo, se protegia contra


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os prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas terras. Antes da Lei Aquília imperava o regime da Lei das XII Tábua (450 a.C.) que continham regras isoladas (FIUZA, 2010, p. 734).

Os princípios estabelecidos na Lei de Aquília construíram a base sob a responsabilidade extracontratual, sendo a doutrina, posteriormente, transportada para o Direito Romano. Primordialmente, somente a pessoa lesada tinha direito à reparação na responsabilidade extracontratual, entretanto, a doutrina evoluiu para que outros afetados diretos e indiretos obtivessem o direito ao ressarcimento. No Direito Francês, a evolução da responsabilidade civil é um aperfeiçoamento das doutrinas e códigos do Direito Romano, levando-se em consideração os princípios aquilianos quanto à assertiva reparatória pecuniária e não àquela vingativa usada nos primórdios dos estudos da responsabilidade civil. Fica clara a diferenciação entre responsabilidade penal (aquela devida e reparada diretamente ao Estado como forma de punição pelo dano causado) e a responsabilidade civil (aquela devida ao lesado pelo dano e em pecúnia). Na idade média, a influência do Direito Romano possui proeminência, sendo o Código Civil Francês o responsável por inspirar várias legislações, dentre elas o Código Civil Brasileiro de 1916. O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românticas, estabeleceu nitidamente um principio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerara os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, o de que a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar (GONÇALVES, 2005, p. 4-5).

A doutrina francesa fixa e sistematiza a teoria da responsabilidade civil contratual e extracontratual e a responsabilidade baseada na culpa. Conclui-se que “a responsabilidade civil, se funda na culpa, foi à definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo” (DIAS, 1997, p. 894). Posteriormente o Código Francês inova, sendo responsável pela estipulação da responsabilidade civil sem culpa, baseada na teoria do risco. A teoria do risco no Direito Francês não substitui a teoria da culpa, porém prevê a possibilidade de separar responsabilidade objetiva e subjetiva.


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Na teoria do risco se subsume a ideia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade (GONÇALVES, 2005, p. 7).

A responsabilidade civil no Direito Português – que irá influenciar e anteceder o histórico e evolução da sanção civil no Direito Brasileiro – advém do Direito Romano. O código visigótico não estabeleceu de maneira clara a diferenciação entre responsabilidade penal e responsabilidade civil, sendo que tal perspectiva somente passou a ser descrita após o século XIX e sob influência do Direito Espanhol. Ultrapassada a fase histórica da responsabilidade civil desde seu nascedouro à sua introdução no Direito Brasileiro, abordaremos o instituto no direito pátrio ao seu estágio atual de acordo com doutrinas, legislações e jurisprudência, conforme será desenvolvido a seguir. 2.1. Sanções civis aplicadas ao Direito brasileiro: noções históricas, teorias clássicas e conceito atual sobre o instituto e sua diferenciação quanto à responsabilidade civil A evolução da responsabilidade civil está diretamente ligada a atos anteriormente praticados e que possuem como contrapartida uma prestação ressarcitória. Desta forma, continuando o histórico sobre o instituto, no Brasil ele foi previsto primeiramente no Código penal de 1830 – código posterior a Constituição Imperial de 1824 – e sancionado pouco depois da abdicação de D. Pedro I ao trono. O código em questão prevê, em seu artigo 21 que, “o delinquente satisfará o damno, que causar com o delicto” (BRASIL, 1830). Importante comentar que a responsabilidade civil no Brasil estava atrelada à responsabilidade criminal, não havendo discriminação entre ambas. Menciona-se, conforme exposto, que a responsabilidade civil à época do Império era imposta através do código penal. Somente posteriormente, com a influência do direito comparado e evolução das leis pátrias, as sanções no Direito Brasileiro passam a ser diferenciadas e dimensionadas em dogmatismos específicos. O código penal de 1830 somente foi revogado em 1940, através do Decreto-lei nº 2.848, o qual ajusta e discrimina as sanções civis e criminais. A Constituição Imperial de 1824 não tratou especificamente sobre responsabilidade civil, entretanto, no título VIII, denominado “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


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Brazileiros” (BRASIL, 1824), determina, em seu artigo 179, inc. XVIII que “organizar-se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade” (BRASIL, 1824). Nesse viés, fora promulgada a Lei nº. 3.071 de 1º de janeiro de 1916, o primeiro Código Civil brasileiro, influenciado pelo Direito Francês, o qual havia disposto a responsabilidade civil por condutas dolosas ou culposas, seguindo a fluxo jurisprudencial e doutrinário europeu sobre o instituto. Nesse sentido, “o Código Civil brasileiro filiou-se à teoria “subjetiva”. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano” (GONÇALVES, 2005, p. 23). O Código Civil brasileiro de 1916 gera o dever de indenizar (ressarcimento) em condutas culposas ou dolosas, ocorrendo o mesmo no Código Civil atual, de 2002. No regime do Código Civil de 1916, as atividades perigosas eram somente aquelas assim definidas em lei especial. As que não o fossem, enquadravam-se na norma geral do Código Civil, que consagrava a responsabilidade subjetiva. O referido parágrafo único do art. 927 do novo diploma, além de não revogar as leis especiais existentes, e de ressalvar as que vierem a ser promulgadas, permite que a jurisprudência considere determinadas atividades já existentes, ou que vierem a existir, como perigosas ou de risco. Esta é, sem dúvida, a principal inovação do novo Código Civil no campo da responsabilidade civil (GONÇALVES, 2005, p. 9).

O Código Civil de 10 de janeiro de 2002, qual seja, Lei nº 10.406, inclusive permanece com a teoria do risco através da responsabilidade objetiva (independe da comprovação de culpa em casos previstos em lei ou quando a referida atividade inferir riscos a terceiros) (MOLTOCARO; TAMAOKI, 2014, p.9). Em suma, no ordenamento jurídico atual, há necessidade de demonstração da culpa para configuração da responsabilidade civil, que tem como regra a responsabilidade subjetiva. Entretanto, em detrimento da teoria da culpa, a teoria do risco ganha seu espaço, estabelecendo também a responsabilidade objetiva, que independe de culpa (MOLTOCARO; TAMAOKI, 2014, p.9).

Introduzida a responsabilidade civil no Direito Brasileiro, há de se ressaltar que atualmente vasta corrente doutrinária sustenta que a sanção civil consiste no ato de imputação da responsabilidade àquele que incorreu em dano, ou seja, nos desdobramentos que podem ser pecuniários, multa, bem como obrigação de fazer ou não fazer e outros. Assim, observe-se que “o termo responsabilidade normalmente está ligado ao fato de respondermos


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pelos atos que praticamos. Revela, então, um dever, um compromisso, uma sanção, uma imposição decorrente de algum ato ou fato” (FIUZA, 2010, p. 280). A responsabilidade no Brasil pode igualmente ser classificada em vários tipos: civis, penais, administrativas, tributárias, trabalhistas e outras. A satisfação do dano decorrente é o objeto fim da sanção civil. Desta forma, praticado um ato contrário à normatividade ou legalidade imposta é cominada a sanção. A sanção civil não importa numa punição restritiva de liberdade, mas sim, contraprestações pecuniárias ou imposições que importem na obrigação de fazer ou não fazer. Assim, “a sanção é classicamente entendida como a resposta que o ordenamento jurídico dá à sua violação” (BUNAZAR, 2012, p. 641). Esta resposta se impõe objetivamente, é dizer, independentemente de qualquer juízo de valor sobre a forma ou razão da violação do ordenamento jurídico. Com efeito, o próprio sistema jurídico elenca quais as formas de sua violação e qual a resposta que dará em cada caso. O fato da violação em si é objetivo, porém a forma pela qual ocorreu pode ou não sê-lo (BUNAZAR, 2012, p. 642).

Como será visto em capítulo próprio, no Direito Eleitoral as sanções civis descritas no artigo 7º do Código Eleitoral geram a incorreção de penalidade civil, ou seja, forma de punição ao eleitor que deixar de exercer sua obrigatoriedade de voto. Nesse viés, uma das maneiras de sanção ao eleitor é eximí-lo de determinados atos que cidadão não incorrido em falta teria o direito de fazê-los. Resta, portanto, a conceituação de sanção civil como um encargo imposto àquele que descumprir determinada norma. A concretização da punição civil fará com que o cidadão que incorreu em infração possa retomar seus atos. Nesse sentido é importante destacar o sentido descrito por Sérgio Carvalieri Filho: Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em seu sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 2).

A sanção civil possui o sentido de contraprestação por uma obrigação descumprida. A violação de certo ato compulsório gera a obrigação de multa


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ou a restrição ao cidadão de prerrogativas normalmente exercitáveis. É o caso do artigo 7º do Código Eleitoral, onde o eleitor é punido com restrição a determinados atos em virtude da não realização do voto obrigatório, nascendo, assim, o jus puniendi estatal. Tal conceituação é uma forma específica de discriminar as sanções civis no Direito Eleitoral brasileiro. Diferentemente do abordado antes, as sanções civis não se confundem com a responsabilidade exposta no Direito Civil brasileiro, porém, é um desdobramento das possibilidades reparatórias. A responsabilidade civil tem como objeto-fim a reparação pecuniária. Assim, aquele que incorrer em dano tem a obrigação de indenizar, pondo termo à reparação do prejuízo sofrido. É o descrito no artigo 927 do Código Civil brasileiro de 2002, no qual estipula que, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002). As sanções civis, especificamente no Direito Eleitoral brasileiro, não possuem como fim uma reparação pecuniária a determinado ofendido, tal qual ocorre no Direito Civil, mas sim, uma contraprestação que pode ser inferida como multa, ou uma obrigação de fazer, não fazer e outros. Assim, “tal como ocorre nos demais sistemas de controle social, a reação se dá pela sanção” (GOMES, 2016, p. 855). O referido autor avança em seu discurso explicitando que: Em diversos dispositivos, as normas eleitorais impõem sanção à conduta ou situação infratora de suas regras e princípios. Mas não basta a só existência de sanção, para que um sistema seja eficiente é preciso que esta tenha eficácia, tornando-se uma efetiva resposta à infração (GOMES, 2016, p. 855).

Conforme diz Damiana Torres, “é possível se imputar a determinada pessoa um dever jurídico, cuja consequência é a sanção” (TORRES, 22013). E continua explanando que a “responsabilidade eleitoral é aquela que decorre de atos considerados ilícitos e sujeitos a sanções como multa e até inelegibilidade e cassação (de registro, de diploma ou de mandato) daquele que agiu com irresponsabilidade eleitoral” (TORRES, 2013). Desta forma, a partir da configuração da responsabilidade civil é possível a imputação da sanção como um dever jurídico. Portanto, novamente enfatizamos que a sanção eleitoral decorre de um ilícito eleitoral que gera a responsabilidade. Tal responsabilidade eleitoral tem como desdobramento a sanção como forma de reparação. Sob a influência do Direito Civil, no Direito Eleitoral independe de configuração da culpa para haver a sanção, pois o bem jurídico tutelado possui como ponto principal a prevenção, desestimulando a realização de ilícitos eleitorais.


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Afinal, é possível dizer que por meio da responsabilidade eleitoral não só o eleitor garante o seu direito de ser tratado com respeito, mas toda a Justiça Eleitoral se beneficia já que agir responsavelmente é dever de todos, sejam juízes, cidadãos, políticos, candidatos, servidores ou partidos políticos. Ninguém foge dos deveres de ser transparente nas ações de gestão e prestação de contas, de participar de forma honrosa da política, de ser responsável pelos atos praticados, de tomar decisões justas e de zelar pelo regime democrático (TORRES, 2013).

Diante da exposição histórica, legal e conceitual acerca da sanção civil no Direito brasileiro, resta inferir que o instituto está ligado a uma obrigação imposta por lei àquele que descumprir preceitos normativos. O objeto do presente estudo se encontra nas sanções civis por descumprimento de preceitos eleitorais e, para tanto, necessário se faz uma pesquisa histórica sobre as medidas corretivas no âmbito eleitoral, aspecto que será abordado no tópico subsequente. 3. ANÁLISE HISTÓRICA E EVOLUÇÃO DAS SANÇÕES CIVIS NO DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO Pretende-se agora realizar uma análise histórica e formal das sanções civis no sistema eleitoral brasileiro. Para tanto, foi necessário o estudo da responsabilidade civil para que seja realizada a diferenciação e distanciamento desta com as sanções civis eleitorais. O tópico anterior pormenorizou o surgimento e desdobramento da responsabilidade civil e sua utilização no Direito brasileiro. O presente capítulo se propõe a realizar o estudo histórico nas Constituições brasileiras e legislações, do desenvolvimento e repercussões das sanções civis, particularmente no Direito Eleitoral brasileiro. Inicialmente, a Constituição Imperial de 1824, em seu Título 2º, “Dos Cidadãos Brazileiros”, dispôs em seu artigo 8º que “suspende-so o exercicio dos Direitos Politicos: I) Por incapacidade physica, ou moral; II) Por Sentença condemnatoria a prisão, ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos” (BRASIL, 1824). Desta forma, a primeira Constituição brasileira retrata sanções eleitorais conquanto aos direitos políticos, suas suspensões e impossibilidade enquanto durarem os efeitos das situações descritas. A Constituição Imperial de 1824 ainda traz particularidades sobre o exercício de voto censitário, ou seja, sua não obrigatoriedade e excludente a várias parcelas da população. Desta forma, os titulares do sufrágio universal eram determinados pela renda fixada em lei e/ou outros limites. Conforme dispunham os artigos 92 a 95 da Constituição de 1824, as excludentes e particularidades ao exercício do voto eram:


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Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e Clerigos de Ordens Sacras. II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem Officios publicos. III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas. IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral. V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos. Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local. Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego. II. Os Libertos. III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa. Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94. II. Os Estrangeiros naturalisados. III. Os que não professarem a Religião do Estado. (Grifo nosso) (BRASIL, 1824).

Desta feita, o primeiro período constitucional brasileiro, no tocante ao exercício do voto, estava diretamente ligado à condição social e renda patrimonial. A condição particular entre o patrimônio e a possibilidade de realizar o exercício do voto durou todo o período imperial. A parcela votante à época era mínima, tendo em vista os poucos que se enquadravam nas condições descritas. Deve-se ainda relatar a possibilidade de voto através de procuração, no qual o eleitor poderia transferir o exercício do sufrágio a outra pessoa. Tais regras duraram até o fim da fase Imperial (1889). Com a Constituição da República de 1891, o Poder Moderador é extinto e o chefe do poder executivo federal resulta da escolha dos capazes ao exercício de voto, ainda censitário. Quanto às sanções eleitorais descritas na Constituição em análise, é certo salientar que, em seu artigo 71, “os direitos de cidadão brasileiro só se suspendem ou perdem nos casos aqui particularizados”. Haverá suspensão: “a) por incapacidade física ou moral; b) por


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condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos”. Haverá perdimento: “a) por naturalização em pais estrangeiro; b) por aceitação de emprego ou pensão de Governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo federal” (BRASIL, 1891). Assim, a primeira Constituição republicana também traz sanções eleitorais por determinados atos e omissões daqueles considerados aptos ao exercício do voto. As sanções eleitorais descritas se encontram como o desdobramento de atitudes ilícitas, tendo como fim uma obrigação de não fazer, qual seja, a suspensão ou perdimento da capacidade de votar. A República foi estabelecida em 1889, e após quatro dias de sua proclamação um decreto extinguiu o voto por censo econômico e vedou a votação dos analfabetos. O voto também foi vedado aos menores de 21 anos de idade e aos praças (militares), mas ampliado aos estrangeiros. A Constituição Federal de 1891 replicou os requisitos do decreto de 1889 e vedou ainda o direito de voto dos mendigos e religiosos sujeitos ao voto de obediência. Não era expressamente proibido o voto das mulheres, pois como de costume à época a política era atividade masculina (TORQUATO et al, 2018, p. 4).

Em 1932 foi promulgado o primeiro Código Eleitoral brasileiro através do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro do ano descrito. O Código em questão dispôs sobre o exercício do voto censitário, definindo o seu exercício em razão de renda patrimonial, e estabeleceu sanções sobre os eleitores não alistados. Desta forma, o primeiro Código Eleitoral definiu como eleitor em seu artigo 2º “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na fórma deste Codigo” (BRASIL, 1932). Constata-se do excerto em análise, a possibilidade do voto feminino. Quanto às sanções eleitorais, o primeiro Código estabeleceu causas de cancelamento da inscrição do eleitor. Desta forma, incorrendo em qualquer ato enumerado no artigo 50 do Código de 1932, tem-se como sanção o cancelamento da inscrição como eleitor. Assim, são causas de cancelamento: “1) qualquer infração ao art. 38; 2) condenação nos termos e com os efeitos do art. 55 do Código Penal; 3) suspensão ou perda dos direitos politicos; 4) pluralidade de inscrição; 5) falecimento; 6) ausencia declarada em juizo, de acôrdo com a lei civil” (BRASIL, 1932). Como visto, o primeiro Código Eleitoral de 1932 continuou descrevendo as possibilidades de suspensão e cancelamento de inscrição anteriormente normatizadas nas Constituições. Conforme explanado, o ato eleitoral contrário a norma tem como sanção eleitoral o cancelamento da inscrição. Incorrendo, portanto, o cidadão em causas descritas no rol taxativo do Código Eleitoral, a sanção é o cancelamento da possibilidade ao exercício do


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voto. Historicamente, como é percebido no estudo de todas as Constituições e Códigos Eleitorais brasileiros, sempre houve sanções eleitorais quanto a atos contrários à norma. O meio de punição – contrariamente às sanções penais, onde a responsabilidade recai sobre a liberdade da pessoa, e às sanções civis, que se desdobram em ressarcimento pecuniário – nas sanções eleitorais a medida coercitiva é retirar do cidadão o exercício do sufrágio universal. O Código Eleitoral de 1932 ainda trouxe outras inovações como o “sistema de eleição definido por sufrágio universal direto, voto secreto e representação proporcional” (BRASIL, 1932). Em que pese o primeiro Código Eleitoral tenha vigorado por um período mínimo, tendo em vista que o segundo Código Eleitoral foi publicado em 1935, aquele estabeleceu reformas relevantes para o Direito brasileiro, principalmente a possibilidade do exercício de voto por mulheres, como já destacado. Continuando a evolução do estudo sobre as sanções civis no Direito Eleitoral, a Constituição da República de 1934 ratificou o voto feminino, autorizado anteriormente no Código Eleitoral de 1932. Porém, a possibilidade do exercício ao voto continuou vedada aos analfabetos e praças, além dos mendigos e os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos, conforme disposto no artigo 108 da Constituição de 1934. Um ponto importante a ser referido é o alistamento e obrigatoriedade de voto “para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar” (BRASIL, 1934). Desta forma, em caso de exercício de função pública, o alistamento eleitoral e voto passam a ser obrigatórios, sob pena de sanções descritas em lei específica. É o primeiro momento na evolução histórica do Direito Eleitoral a determinar obrigatoriedade de voto com possibilidade de imposição de medida punitiva. A Constituição de 1934, nos mesmos moldes das Constituições anteriores, também estabelece a possibilidade de suspensão e perdimento dos direitos políticos como forma de sanção de atos contrários à norma. Assim, conforme dispõe o artigo 110 da Constituição retro descrita, haveria suspensão dos direitos políticos: “a) por incapacidade civil absoluta; b) pela condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos” (BRASIL, 1934). E, conforme estabelecia o artigo 111 da Constituição de 1934: Art. 111 - Perdem-se os direitos políticos: a) nos casos do art. 107; b) pela isenção do ônus ou serviço que a lei imponha aos brasileiros, quando obtida por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política;


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c) pela aceitação de título nobiliárquico, ou condecoração estrangeira, quando esta importe restrição de direitos, ou deveres para com a República. § 1º - A perda dos direitos políticos acarreta simultaneamente, para o indivíduo, a do cargo público por ele ocupado. § 2º - A lei estabelecerá as condições de reaquisição dos direitos políticos. (Grifo nosso) (BRASIL, 1934).

O grifo ressalta a significância do §1º do artigo 111 da Constituição republicana de 1934, no qual temos claramente como sanção civil a perdimento do cargo público em detrimento da perda dos direitos políticos. Desta forma, incorrendo o servidor público em falta que implique a perda dos direitos políticos, sua sanção será a destituição do cargo. De forma evidente, a norma destaca uma sanção civil decorrente de atos ou omissões eleitorais, sendo que tal evolução será acompanhada até a atual Constituição de 1988. O segundo Código Eleitoral, Lei nº 48, de 04 de maio de 1935, substituiu o anterior, porém não modificou várias previsões importantes. O referido Código em análise estipulou que “são delictos eleitoraes: deixar o homem de alistar-se como eleitor até um ano depois de haver completado dezoito annos de idade ou a mulher, maior de dezoito annos, até um anno após sua nomeação para funcção publica remunerada” (artigo 183) e “deixar de votar sem causa justificada” (artigo 184) (BRASIL, 1935). As penas foram cominadas em multas graduadas de acordo com a condição pecuniária do infrator. Evidente a relevância que o segundo Código Eleitoral atribuiu a falta de alistamento e ao não comparecimento a eleições, impondo sanções imediatas aos infratores. Rizzatto Nunes observa: A sanção, como penalidade a ser aplicada àquele que não cumpre o comando da norma jurídica, é posta não necessariamente para ser aplicada no momento, mas apenas como garantia para que a norma de conduta obrigatória seja respeitada e cumprida. Essa força coercitiva, diz-se, atua como aviso, como ameaça àquele a quem a norma é dirigida. Há na sanção uma potencialidade que permanece no ar como ameaça para obrigar o atingido pela norma a cumpri-la (NUNES, 2010, p. 313).

A Constituição de 1937 foi símbolo de retrocesso eleitoral, tendo em vista a supressão dos partidos políticos e estabelecimento de eleição indireta para o cargo de Presidente da República (artigos 77 e 79). O período do “Estado novo” representou, portanto, um regresso dos direitos eleitorais adquiridos evolutivamente no Brasil. Assim como nas Constituições anteriores, a de 1937 também dispunha sobre suspensão ou perda dos direitos políticos. Desta forma, conforme preceituava o artigo 118, suspendia-se por:


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“a) por incapacidade civil; b) por condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos” (BRASIL, 1937) e, perde-se: “a) nos casos do art. 116”, ou seja, perda da nacionalidade; “b) pela recusa, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, de encargo, serviço ou obrigação imposta por lei aos brasileiros” e, por fim, “c) pela aceitação de título nobiliárquico ou condecoração estrangeira, quando esta importe restrição de direitos assegurados nesta Constituição ou incompatibilidade com deveres impostos por lei” (BRASIL, 1937). O terceiro Código Eleitoral brasileiro, conhecido como Lei Agamenon, foi promulgado em 28 de maio de 1945, através do Decreto-Lei nº 7.586. Aspecto importante se encontra no art. 4º, g, do referido Código, o qual estabeleceu que as mulheres que realizarem atividades lucrativas seriam obrigadas ao alistamento e voto. O artigo 123 do mesmo diploma legal traz como infrações “deixar o homem de alistar-se eleitor até um ano depois de haver completado 18 anos de idade, ou a mulher maior de 18, até um ano após o exercício de profissão lucrativa” e “deixar de votar sem causa justificada” (BRASIL, 1945), tendo ambas como sanção, a multa. Resta claro, portanto, serem medidas punitivas ao não exercício de cominações estipuladas em normativa legal. A Constituição da república de 1946, evoluindo no viés eleitoral, determinou que o “alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei” (BRASIL, 1946). Portanto, a obrigatoriedade do voto a partir da Constituição citada passa a ser independentemente do gênero do eleitor. Quanto aos direitos políticos, assim como nas Constituições anteriores, esta também possui causas de suspensão e perdimento (artigo 135). Contudo, a Constituição de 1946 dispõe inequivocamente, em seu § 1º do artigo 135, que “a perda dos direitos políticos acarreta simultaneamente a do cargo ou função pública” (BRASIL, 1946). Nesse ponto, fica evidente que as sanções civis em matéria eleitoral não se restringem à multa, podendo-se constituir em obrigação de fazer, não fazer ou restritivas de direitos, sendo que outras formas ainda irão posteriormente compor a Constituição de 1988, como será oportunamente vislumbrado. O 4º Código Eleitoral brasileiro, Lei n° 1.164 de 24 de julho de 1950, trouxe poucas alterações em relação ao anterior, qual seja, o Decreto-Lei nº 7.586 de 1945. O ponto primordial desse Código foi a criação da cédula única de votação, o que facilitou a logística do voto e contribuiu para a diminuição de fraudes nas eleições. Como nas constituições e códigos anteriores, o não exercício do voto por aquele que possui obrigatoriedade é causa de sanção civil eleitoral. Desta forma, conforme o artigo 175 do Código em análise, “deixar o homem de alistar-se eleitor até um ano depois de haver


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completado 18 anos de idade, ou a mulher maior de 18, até um ano após o exercício de profissão lucrativa” e “deixar de votar sem causa justificada” (BRASIL, 1950) são situações que implicariam em sanção civil de multa, sendo que o parâmetro para estipulação da mesma não se encontra fixada de acordo com a situação econômica do infrator. Chega-se, por fim, ao 5º do atual Código Eleitoral brasileiro, a Lei nº 4.737 de 1965. Deve-se salientar que “este diploma legal foi o primeiro a prever a obrigatoriedade do voto feminino no Brasil, sem diferenciar aquelas que não exerciam função pública ou atividade lucrativa” (TORQUATO et al, 2018, p. 5). Em referência às sanções pelo não exercício do voto obrigatório, o Código Eleitoral de 1965 foi bruscamente mais extenso. As penalidades anteriores importavam em medida punitiva de multa ao infrator. Entretanto, no Código Eleitoral em vigor traz um rol ampliado quanto às possíveis sanções em relação à desídia na realização do voto, além da cominação da multa a ser fixada pelo juiz eleitoral. Desta forma, resta transcrever o artigo 7º do Código em vigor: Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.


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§ 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior. § 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido. § 4º O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil. (Grifo nosso) (BRASIL, 1965).

Do transposto, é precípuo descrever que o rol taxativo sancionatório eleitoral, em relação à inércia ao exercício do voto, possui inúmeras peculiaridades. Além da pena de multa a ser imposta pelo juiz eleitoral, o eleitor, sem prova de que votou na última eleição, fica impedido de realizar vários atos jurídicos. Assim, uma obrigação de fazer (obrigatoriedade do voto) gera sanções civis de não fazer, restritivas de direitos (não pode inscrever-se concurso público ou participar de concorrência pública, dentre outras) conforme o rol do artigo 7º do Código Eleitoral. O estudo minucioso do dispositivo será objeto do capítulo seguinte, no qual o presente artigo irá desmembrar as sanções civis em decorrência da desídia ao exercício do voto. Superveniente ao Código de 1965, a Constituição de 1967 trouxe a obrigatoriedade do voto para ambos os sexos, conforme o artigo 142: “alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei” (BRASIL, 1967). O mesmo texto traz as causas de suspensão e perdimento dos direitos políticos (artigo 144) nos mesmos moldes das Constituições anteriores. Também traz como sanção civil a perda parcial dos direitos políticos “a perda de mandato eletivo, cargo ou função pública; e a suspensão dos mesmos direitos, nos casos previstos neste artigo, acarreta a suspensão de mandato eletivo, cargo ou função pública, enquanto perdurarem as causas que a determinaram” (BRASIL, 1967). Nesse viés e conforme explanado sobre Constituição de 1946, a perda dos direitos políticos traz como sanção prejuízo ao mandato eletivo, cargo ou função pública. Importante novamente salientar que as sanções quanto a atos eleitorais não se impõem somente em pena de multa, mas sim em obrigações de não fazer ou impedimento de realizar atos jurídicos. Com isso, o Constituinte imprime não somente uma pena pecuniária (multa) com caráter exclusivamente patrimonial, mas, conjuntamente, medidas que importam numa reeducação pelo descumprimento de uma norma. Por fim, analisando a Constituição de 1988, ela traz como basilar o sufrágio universal, deixando o voto facultativo para os analfabetos, os


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maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Na Constituição anterior os analfabetos ainda estavam impedidos de exercer o direito ao voto. O direito de sufrágio é o direito público subjetivo de votar em candidatos a cargos eletivos. Nasce do ato jurídico de alistamento, pelo qual o seu titular se insere no corpo de eleitores. Portanto, o alistamento é o ato jurídico do qual dimana o direito de votar (ius singulii), de exercer a cidadania pela escolha livre e soberana dos seus representantes, nas democracias indiretas (COSTA, 2006, p. 35-36).

Quanto aos direitos políticos, no mesmo sentido das Constituições anteriores a atual novamente traz causas de suspensão e impedimento que se darão nas seguintes hipóteses: “cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º” (BRASIL, 1988). As demais cominações sancionatórias se encontram em normativa própria, qual seja, a Lei nº 4.737 de 1965, o Código Eleitoral brasileiro, parcialmente analisado e que será retomado adiante. Feitas as considerações necessárias sobre o histórico das sanções civis em matéria eleitoral e suas implicações com os direitos políticos, será demonstrado no capítulo seguinte as medidas corretivas ao não exercício do voto obrigatório e seus desdobramentos no Direito Eleitoral brasileiro como forma de jus puniendi estatal. 4. SANÇÕES CIVIS APLICADAS POR DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS ELEITORAIS NO DIREITO BRASILEIRO EM RAZÃO DO DESCUMPRIMENTO DO EXERCÍCIO DO VOTO OBRIGATÓRIO Após ultrapassar as fases quanto ao surgimento e historicidade da responsabilidade civil, o seu desdobramento fático que resulta em sanções civis e as medidas corretivas eleitorais no Direito brasileiro, torna-se necessário realizar o estudo sobre as sanções civis eleitorais face ao descumprimento do exercício do voto obrigatório. Como anteriormente retratado, atualmente o voto no Brasil pode ser obrigatório ou facultativo, segundo estabelece o artigo 14 da Constituição. Desta forma, o exercício do voto é obrigatório aos maiores de 18 anos e, facultativo aos analfabetos, maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos (BRASIL, 1988).


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Assim, os cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70 são obrigados a realizar sua atividade cívica. Nesse viés, deve-se retratar que “o voto é um dos mais importantes instrumentos democráticos, pois enseja o exercício a soberania popular e do sufrágio. Cuida-se do ato pelo qual os cidadãos escolhem os ocupantes dos cargos políticos-eletivos” (GOMES, 2016, p. 61). Ainda sobre o direito-dever de votar, é relevante a seguinte reflexão doutrinária: Por conseguinte, o direito de votar (ius sugragii) é efeitos do fato jurídico do alistamento, pelo qual o nacional passa à condição de cidadão, ou seja, de eleitor. A inscrição eleitoral faz nascer o direito subjetivo político de participar da vida política da nação, escolhendo os seus representantes, que exercerão o múnus público consistente na administração a res pública (COSTA, 2006, p. 42).

A obrigatoriedade do voto implica numa obrigação de fazer àqueles cidadãos que se enquadrem nos requisitos da Constituição. Desta forma, quando o eleitor obrigado a exercer o ato cívico se abstém de fazê-lo, incorre em ilícito civil, tendo como desdobramentos medidas sancionatórias não criminais. A ênfase quanto à natureza civil das sanções pelo não exercício do voto contribui para que a forma punitiva seja uma maneira educativa ao eleitor, de modo a respeitar o sistema eleitoral brasileiro e as normas impostas. Um ato ilícito perpetrado pelo eleitor poderá ensejar sanções civis de diferentes intensidades, com a imposição de multa, não participação de concorrências públicas, não obtenção de passaporte, não inscrição em concursos públicos e outros (artigo 7º do Código Eleitoral). Insurgir em desídia acarreará ao eleitor, portanto, uma jus puniendi estatal civil pecuniária (multa) e retirada de direitos de realização de determinados atos jurídicos. O sistema sancionatório eleitoral contempla várias espécies, entre as quais destacam-se: (i) inelegibilidade; (ii) negativa de registro de candidatura; (iii) perda de registro de candidatura; (iv) negativa de expedição de diploma; (v) cassação de diploma; (vi) cassação de mandato; (vii) multa; (viii) restauração de bem; (ix) retirada de propaganda; (x) perda do direito à veiculação de propaganda; (xi) impedimento de reapresentação de propaganda; (xii) perda de tempo no horário eleitoral gratuito; (xiii) suspensão de programação normal de emissora de radio ou televisão; (xiv) suspensão de acesso a sites na Internet; (xv) cessação da conduta; (xvi) adequação da propaganda (GOMES, 2016, p. 855)

Em consonância com o objeto de estudo no presente artigo, o ilícito não criminal, ou seja, o ilícito civil em análise é, segundo o artigo 7º do Código


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Eleitoral, o “eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição” (BRASIL, 1965). Tem-se, portanto, de uma conduta negativa do eleitor a desídia ao exercício obrigatório do voto. Com a concretização da omissão na obrigação de votar, o eleitor incorre em “multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, a ser imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367” (BRASIL, 1965). A multa é tida como uma sanção imediata ao não exercício da obrigatoriedade do voto imposto ao eleitor. Contudo, além da sanção pecuniária de multa imposta em razão do jus puniendi estatal, ao eleitor inerte são impostas medidas corretivas. Não votando ou justificando a ausência no prazo legal, ou sem a prova de pagamento da multa reparatória, o eleitor ficará restrito de proceder a diversos atos que, numa situação normal, poderia praticar. É o que retrata o §1º do artigo 7º do Código Eleitoral brasileiro: § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. (Grifo nosso) (BRASIL, 1965)

A punição pelo Estado, além da medida pecuniária, foi a imposição de elementos coercitivos ao eleitor em dadas situações. Sendo assim, a prática do ato ilícito possui natureza sancionatória civil face a uma conduta contrária àquela descrita na normativa eleitoral. Em vista disso, com a simples efetivação da conduta, fica claramente configurado o ilícito eleitoral de


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caráter não criminal e a possibilidade de inferir sanções devido ao exercício do jus puniendi. Conforme estudo preliminar sobre a responsabilidade civil, a responsabilidade de cunho eleitoral segue os mesmos matizes, podendo-se afirmar que esta importa na responsabilidade civil objetiva, ou seja, haverá responsabilização independentemente da verificação da culpa do eleitor. Sendo assim, o caráter subjetivo é irrelevante, ou seja, não há necessidade de demonstrar os motivos ou aspectos pelos quais o eleitor não realizou a obrigatoriedade do dever cívico do voto ou sua justificativa no prazo adequado, sendo imprescindível somente a apuração do ato literal em si, qual seja, deixar o eleitor de votar. Diante desse panorama, percebe-se que, num processo sancionatório que atinja direito político fundamental, são adotados mecanismos de responsabilização objetiva, sem verificação dos elementos dolo ou culpa, ou mesmo sem sequer a existência de nexo de causalidade entre conduta e resultado, dispensando-se inclusive a potencialidade sobre os bens jurídicos afetados tão aclamados (CUNHA; BASTOS JÚNIOR, 2019, p. 268).

A verificação do tipo normativo do artigo 7º do Código Eleitoral brasileiro, sendo um rol taxativo, estabelece ser um ilícito não penal com sanções proibitórias, negando ao eleitor que faça algo devido à desídia no exercício do voto. A descrição do tipo em estudo como ilícito civil se evidencia com a não configuração de penas restritivas de liberdade. Realizando diferenciação entre os ilícitos, fica explícito que as tipificações penais se encontram entre os artigos 289 a 354-A do Código Eleitoral, possuindo como sanções a reclusão e detenção, além da pena pecuniária de multa. O que resta concluir sobre as sanções civis do artigo 7º do Código Eleitoral, em relação aos artigos constantes no capítulo II “Dos crimes eleitorais”, é a desconformidade do jus puniendi estatal. Em que pese o artigo 7º do Código Eleitoral estabelecer vedações em razão do não exercício do voto, os direitos políticos dos cidadãos que nele incorrem não estarão suspensos ou cancelados. Desta forma, haverá possibilidade de exercício de sufrágio. Em outro aspecto, a condenação criminal transitada em julgado importa na suspensão dos direitos políticos, estando, assim, restrito o direito de sufrágio, “no que diz respeito à imposição e em especial à severidade da sanção, o direito sancionador eleitoral brasileiro abarca um conjunto diferentes de sanções” (CUNHA; BASTOS JÚNIOR, 2019, p. 275). E, continuando, os referidos autores afirmam que “quanto mais graves elas o são, em maior medida se aproximam da característica penal e maior, portanto, deve ser


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a exigência de que se aproximem a este regime de imputação” (CUNHA; BASTOS JÚNIOR, 2019, p. 275). Contudo, deve-se enfatizar que à Justiça Eleitoral ficou o encargo do jus puniendi criminal e não-criminal. Independentemente se as sanções impostas forem civis ou criminais, em relação aos ilícitos eleitorais, a esfera competente é da Justiça Eleitoral. Assim, em que pese os ilícitos eleitorais civis e criminais sejam julgados pelo mesmo foro, as medidas corretivas possuem natureza sancionatória discrepantes, subsumindo a primeira em pena de multa e restrições negativas a determinados atos e, quanto à segunda, penas restritivas de liberdade, além da imposição da multa (pena pecuniária). Tão certa como o fato de que esses desvios agridem o sistema jurídico eleitoral, porém, é a consequência de que esse lhes revida, não apenas com o desígnio de resguardo dos bens jurídicos que acautela, senão também como efeito de sobrevivência e autopreservação, o que se mostra natural quando se recorda ser o Direito construído sobre regras respaldadas pela força. A ditos ataques, portanto, responde o Direito Eleitoral com um arcabouço de preceitos sancionatórios que atuam como elementos de defesa intransigente da democracia e que, assim, hão de ter em mira a pureza da vontade popular, a fim de afastar interesses escusos que a possam contaminar (ALVIM, 2013, p. 46).

Quanto ao cumprimento ou aplicação das sanções eleitorais após a configuração do ilícito, deve-se relacionar o ato praticado à norma impeditiva descrita no rol taxativo do artigo 7º do Código Eleitoral brasileiro, identificando a essência do fato civilmente ilícito e os provimentos jurisdicionais adequados à reprimenda, devendo a Justiça Eleitoral aplicar, de forma subsidiária ou supletiva, os procedimentos do Código de Processo Civil no que for cabível. Entretanto, se o ilícito apresentado possuir cunho criminal ou comum que lhes forem conexos, deve-se aplicar de forma subsidiária ou supletiva do Código de processo Penal (artigo 364 do Código Eleitoral). O cumprimento das sanções civis eleitorais estará relacionado à natureza das decisões prolatadas, podendo ser: “a) automático, nas decisões de natureza constitutiva positiva ou negativa, assim como nas decisões de caráter mandamental”; ou “b) não automático, nas decisões eleitorais de cunho condenatório, levadas a cabo mediante impulso em processo de execução” (ALVIM, 2013, p. 48). As medidas corretivas do artigo 7º do Código Eleitoral brasileiro serão cumpridas automaticamente, tendo em vista o seu caráter objetivo (independentemente da configuração de culpa) e sua forma de execução, não necessitando de um procedimento processual para sua imposição, visto que


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somente a desídia no exercício obrigatório do voto e/ou sua não justificativa em tempo hábil acarretam a negativa de realizar atos civis descritos no rol taxativo do artigo em análise. Assim, conclui-se que as sanções civis descritas no artigo 7º do Código Eleitoral brasileiro, enquadram-se na categoria de medidas corretivas de caráter restritivo negativo (não realizações de ações), atos que o cidadão em situações normais poderia realizar. Do exposto, temos que as sanções possuem como pena maior um caráter educativo quanto à inércia da obrigatoriedade do voto. Não há que se discutir no presente estudo se o caráter obrigatório do sufrágio é correto ou se está em dissonância com a atual conjuntura democrática ocidental. Contudo, resta enfatizar que, se existe a obrigatoriedade, sua falta acarretará em sanções de natureza civil eleitoral, e o eleitor em ato contrário à norma sofrerá as consequências descritas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS De todo o exposto no presente trabalho, resta-nos, à guisa de considerações finais, responder as questões preliminarmente apresentadas, quais sejam, se as sanções civis eleitorais possuem cunho punitivo equiparado às sanções penais, e quais os meios de coerção do Estado, como titular do jus puniendi, diante do não exercício da obrigatoriedade cívica do voto. As legislações evoluíram substancialmente, a ponto de realizar a diferenciação entre responsabilidade civil e sanções civis. Em conformidade ao objeto de estudo, as sanções civis eleitorais descritas no artigo 7º do Código em vigor possuem uma capacidade punitiva pecuniária, qual seja, a multa face ao descumprimento do exercício obrigatório do voto, e sanções restritivas com obrigações de não fazer como medidas educativas ao eleitor desidioso à obrigatoriedade imposta. Tal sanção configura uma medida ainda mais eficiente que a sanção pecuniária porque os impedimentos impostos possuem reflexos bruscos àqueles que necessitam exercer direitos que envolvam a estrutura do Estado. REFERÊNCIAS ALVIM, Frederico Franco. A sanção jurídica no direito eleitoral. Estudos Eleitorais, v. 8, n. 2, Maio/Agosto p. 41-54, 2013. Disponível em: <https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/1308>. Acesso em: 03 mar. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 03 mar. 2021.


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Capítulo 3 Sanções Civis por Descumprimento de Preceitos Eleitorais no Direito Comparado: Estados Unidos da América CIVIL SANCTIONS FOR NON-COMPLIANCE WITH ELECTORAL RULES IN COMPARATIVE LAW: UNITED STATES OF AMERICA

Álvaro Ricardo de Souza Cruz Miguel Godoy Gualano Felipe Magalhães Bambirra João Pedro Vitral Soares

1. INTRODUÇÃO O presente estudo foi resultado de reflexões em um macroprojeto de pesquisa de pós-graduação. A finalidade deste foi oferecer ferramentas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para analisar a constitucionalidade/inconstitucionalidade do artigo (art.) 7º1 do Código Eleitoral Brasileiro. Um ramo dessa pesquisa foi o de sistematizar as espécies de sanções civis por 1

Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o saláriomínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. (Redação dada pela Lei nº 4.961, de 1966) § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;


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descumprimento de preceitos eleitorais no direito dos Estados Unidos da América (EUA), a fim de comparar com a norma brasileira. Já de início, cumpre destacar que a ênfase e a finalidade da norma contida no art. 7º do Código Eleitoral Brasileiro se distinguem (ou até mesmo se contrapõe) dos (aos) dispositivos normativos relacionados a sanções civis por descumprimento de preceito eleitoral no direito americano. Primeiramente, porque a norma brasileira é uma norma federal e centralizadora, expressando a característica integrativa da federação brasileira. Por outro lado, nos EUA, não há possibilidade alguma de entender suas normas eleitorais sem recorrer às noções de seu federalismo, e de perceber que nesse outro país, a legislação eleitoral é esparsa e diferenciada ao longo do território americano, com base em características locais e regionais. A título de exemplo, nos EUA, não existe nenhum Código Eleitoral federal, sendo apenas mencionado em sua Constituição2 no art. II, seção 1, cláusula 2 que cada estado nomeará eleitores selecionados na forma determinada por seu legislativo, e desqualifica qualquer pessoa que ocupe um cargo federal, seja eleito ou nomeado, para ser um eleitor. Portanto, tal caractere permitiu uma variedade enorme de espécies de sanções civis ao longo do território. Cada estado define em sua Constituição os limites do direito de voto (todos os estados o definem como um direito

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IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; (Vide Medida Provisória nº 958, de 2020) (Vide Lei nº 13.999, de 2020) (Vide Medida Provisória nº 975, de 2020). (Vide Medida Provisória nº 1.028, de 2021). V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. § 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior. § 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido. (Incluído pela Lei nº 7.663, de 1988) § 4º O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) (BRASIL, 1965) ARTIGO II Seção 1 Cada Estado nomeará, de acordo com as regras estabelecidas por sua Legislatura, um número de eleitores igual ao número total de Senadores e Deputados a que tem direito no Congresso; todavia, nenhum Senador, Deputado, ou pessoa que ocupe um cargo federal remunerado ou honorifico poderá ser nomeado eleitor. [Tradução Nossa] (EUA, 1787).


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exercido livremente), bem como a qualificação/desqualificação de eleitores, deixando para os Códigos Eleitorais estaduais a estipulação de outras sanções civis (na maioria esmagadora das vezes são multas pecuniárias, cujas expressões que aparecem ao longo dos códigos são 3: civil penalties, fine e em outros, a identificação da sanção civil é feita apenas pela consequência jurídica destacada com uma menção ao pagamento de determinada quantia em dólar). Em segundo lugar, outra distinção evidente é em relação à finalidade dos dispositivos jurídicos dos 2 (dois) países, No Brasil, a finalidade do artigo 7º é qualificar o voto como um dever também e estimular os eleitores a exercer tal direito-dever por meio de uma sanção pelo seu descumprimento. Nos EUA, não há nenhuma sanção civil com essa finalidade, exceto em Ohio. Em praticamente todos os estados, as Constituições estaduais deixam claro que as eleições são livres e iguais, e, em raros momentos, são aplicadas penas pecuniárias para o empregador que dificulta o exercício do direito de voto de seus empregados, ao não flexibilizar a jornada trabalhista em dia de eleição ou até mesmo para quem usar de influência na sociedade para “obrigar” outros eleitores a votarem em seu candidato (ver na tabela 1 as multas aplicadas nos estados de Arkansas, Califórnia e Oklahoma). No caso de Ohio, há a exclusão do eleitor da lista de registro de eleitores para quem falhe em participar das eleições por 4 (quatro) anos consecutivos (confira na tabela 1 do apêndice). Existem outras espécies de sanções civis eleitorais no direito eleitoral americano, a saber, a perda do direito de voto e a impossibilidade de ocupação de determinados cargos. Quanto à perda do direito de voto, as normas eleitorais norte-americanas excluem do sufrágio eleitores “desqualificados” para a votação, sendo na maioria das vezes, pessoas que cometeram crimes e/ou pessoas que sofrem de transtornos mentais. Deste modo, a fim de entender melhor a complexidade da legislação eleitoral americana, far-se-á uma breve reconstrução histórica da democracia dos EUA enfatizando a discussão de o sufrágio ser um direito ou um dever ou ambos ao mesmo tempo para a construção de uma democracia efetiva. 2. O DIREITO DE VOTO É NATURAL OU POSITIVO? A História é marcada por grandes paradoxos humanos e caminhos complexos demais para serem explicados de forma direta e linear. Ao olhar para a história da democracia americana, fica difícil explicar o porquê do fundamento liberal de que todos os homens possuem o direito natural ao voto foi tão difícil de ser estendido a todos os seres humanos, ao mesmo tempo em que é


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difícil entender como uma classe (ou grupo) privilegiada (o) aceita diminuição de seu poder de voto ao compartilhá-lo com outras pessoas. Essa cizânia pode ser um caminho para visualizar como a história da democracia americana foi marcada por idas e vindas muito inconstantes. E inclusive, é insustentável afirmar que a história segue um rumo fatalista e que o direito de voto das minorias já está conquistado cabalmente, uma vez que até hoje, existem ameaças a esse empoderamento por meio do sufrágio. Dito isso, antes de iniciar a reconstrução histórica da democracia dos EUA, mister se faz a exposição de um debate emblemático entre as posições de John Adams e de Benjamin Franklin, no contexto da Revolução Americana e do início da República dos EUA. Esse debate, que inspirou a discussão a respeito da “universalização” do direito de voto, tinha como pressuposto uma discussão profundamente jusfilosófica: o direito de voto seria um direito natural dos seres humanos ou uma constituição política de cada sociedade? John Adams assumiu uma posição contrária à extensão do sufrágio, por reproduzir uma ótica lockeana de que um homem se torna verdadeiramente preparado para o voto quando é livre, e essa liberdade se dá a partir do direito de propriedade plena sobre um imóvel. O “receio da banalização” do sufrágio é bem expresso nas seguintes palavras: O mesmo raciocínio que induzirá você a aceitar que todos os homens que não têm propriedade devem votar, com aqueles que têm [...] provará que você deve aceitar mulheres e crianças, pois, em geral, as mulheres e as crianças têm julgamentos tão bons e mentes tão independentes como aqueles homens que são totalmente destituídos de propriedade; estes últimos são [...] tão dependentes dos outros que se comprazem em alimentá-los, vesti-los e emprega-los como as mulheres são de seus maridos, ou de seus pais [...] Novas alegações surgirão, as mulheres vão exigir o voto; rapazes de doze a vinte e um anos julgarão que seus direitos não estão sendo atendidos; e todo homem que não têm um tostão vai exigir uma voz igual à de qualquer outro, em todos os atos de Estado. Isso tende a confundir e destruir todas as distinções e derrubar todas as classes a um nível comum. (ADAMS, 1856, p. 399-400, tradução nossa)

É importante investigar o porquê do direito de propriedade exercer um papel tão fundamental para que uma pessoa se tornasse qualificada ao sufrágio. Nesse sentido, para Locke, o direito de propriedade, era um direito natural, eterno e universal do homem, teria sua origem antes mesmo da organização da sociedade civil, ou seja, seu surgimento se daria no próprio estado de natureza (estado anterior ao da sociedade civil e do surgimento do


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Estado). Portanto, o meio para que o homem buscasse a felicidade, tendo aversão ao sofrimento, e se tornasse pleno seria através do exercício de tal direito de propriedade (CRUZ; WYKROTA, 2018, p. 23). Benjamin Franklin, em contrapartida, apesar de concordar que o direito de voto era um direito natural de todo ser humano, discordava de que seu exercício se tornava pleno a partir do direito de propriedade. Na sua clássica ironia do jumento, o pai fundador argumentava o seguinte: Um homem é dono de um jumento que vale cinquenta dólares e ele tem o direito de votar; mas antes da próxima eleição o jumento morre. O homem, entretanto, tornou-se mais experiente, seu conhecimento dos princípios de governar e sua familiaridade com a humanidade são mais extensos e ele é, portanto, mais bem qualificado para fazer uma seleção adequada dos governantes -, mas o jumento está morto e o homem não pode votar. Agora senhores, digam-me, por favor, em quem está o direito de sufrágio? No homem ou no jumento? (FRANKLIN, 1828, p. 181, tradução nossa)

Portanto, Franklin já associava o sufrágio à sua finalidade de escolha dos governantes, e por isso, o sufrágio seria medido pela possibilidade de alguém escolher um mandatário para representa-lo. Ao contrário de Adams, que expressa seu receio para ampliação do sufrágio não por qualidade que atingem a finalidade do exercício de voto, mas por meras características pessoais contingentes, como sexo, por exemplo. Curiosamente, o imaginário do senso-comum associa os EUA como o país das oportunidades e da liberdade. De modo geral, a projeção de que o voto seria universal, parece uma evidência naquela sociedade. Contudo, como se viu, desde o alvorecer daquele país, a resistência a essa universalização foi patente. E a sequência dessa resistência vai aumentar disputas políticas cada vez mais acirradas nesse país. Nesse diapasão, a história da democracia nos EUA ensina que o sufrágio universal é um ideal que muitas vezes sofre bastante resistência pelos cidadãos com poder de voto, por alterar as regras de funcionamento de um sistema político, e que exige tempo e muito esforço para ser conquistado, a ponto de ser difícil defender uma posição fatalista a seu respeito. Entre idas e vindas, o sufrágio nos EUA deixou de ser restrito a apenas homens brancos, ricos, proprietários, falantes da língua inglesa e alfabetizados, para passar a abranger também diversas minorias, como mulheres, negros, pobres, estrangeiros e analfabetos. Dessa forma, o fato dessa conquista ser realizada com muito esforço e demoradamente (levou aproximadamente 2 séculos para os EUA atingirem o sufrágio universal formalmente) nos mostra que a democracia americana em seu início estava longe de ser um


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modelo de democracia perfeita e nem mesmo serviria de ideal para outros países, e também, que para chegar ao que é hoje, as minorias precisaram batalhar bastante por isso. Porém, é necessário lembrar que uma análise histórica tem o privilégio de ensinar que a luta de minorias por seus direitos, a promulgação de regras de ampliação da participação formal de um modelo político e a modificação da legislação eleitoral vigente geram impactos profundos na participação política da sociedade, e até mesmo para a compreensão do Direito eleitoral, a ponto de solucionar diversos dilemas sociais existentes ao longo da história de um país, mas também de evidenciar outros problemas até então invisíveis para a maioria da população. Portanto, será de grande utilidade observar como a mudança na “engrenagem” do sistema de voto nos EUA muda o cotidiano da população, bem como a insuficiência da mera alteração legal para incentivar a participação da população eleitoral de um país. Isso nos ajudará a compreender a legislação eleitoral americana de cada estado atualmente em vigor, assim como os efeitos sociais e políticos da não obrigatoriedade de voto no país e da existência de outras espécies de sanções civis no direito eleitoral. 3. OS PRIMEIROS PASSOS DA DEMOCRACIA AMERICANA (1787-1850) Insta dividir a história do direito de voto nos EUA para fins pedagógicos. Podemos demarcar 4 fases: primeiros passos da democracia americana (1787-1850), da 2ª Revolução Industrial à 1ª Guerra Mundial (1850-1915), o direito de voto na modernidade (1915-1970) e desafios contemporâneos (1970-atualidade). Percebe-se de antemão que as sanções civis de direito eleitoral no início da democracia americana possuíam a finalidade de restringir o sufrágio e desestimular a participação política de minorias. Ou seja, a democracia americana utilizava as sanções civis da maneira oposta como países atualmente usam sanções civis para garantir a obrigatoriedade de voto. Com o passar do tempo, as sanções civis (na quase totalidade, multas) passaram a serem aplicadas apenas a questões relativas a obrigações descumpridas por funcionários públicos ou a penas alternativas/cumulativas a sanções criminais relativas ao direito eleitoral. Primeiramente, a fase inicial é a passagem da colônia para a América pós-revolução. O período colonial foi marcado por grande contradição. Apesar de negros alforriados, nativos americanos, católicos e/ou judeus


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possuírem o direito de voto em algumas localidades, muitos estados possuíam legislações eleitorais restritivas a pessoas que exerciam poder econômico significativo, como contribuintes da Nação e proprietários de bens imóveis. A partir da Revolução Americana de 1776, houve uma forte tensão a respeito da extensão ou não do sufrágio. Com o clima de novidade, muitas minorias poderiam ser beneficiadas com a extensão do voto, porém, muitos detentores do poder até então, buscavam continuar com seu poder e influência, e para tanto buscaram restringir o sufrágio. É nesse contexto em que foi produzido o famigerado argumento blackstoniano3 de que o objetivo da restrição do voto era excluir as pessoas em má situação financeira, por não terem “vontade própria”, o que possibilitaria ocorrência de fraudes eleitorais. O debate Adams/Franklin visto no capítulo anterior surge exatamente nesse contexto. Tal perspectiva foi contraposta naquela época por defensores do direito de voto constituir um direito natural a todo ser humano, o que resultaria, por consequência em um sufrágio universal. Ademais, se utilizava um argumento consequencialista de que se os negros e pobres não pudessem votar, eles não teriam motivação para lutar nas guerras do país. Todavia, com a promulgação da Constituição, os requisitos raciais foram retirados, porém os de propriedade que caracterizavam o voto censitário foram se tornando mais rigorosos com o tempo. Depois, a fase do início do século XIX, foi marcada por uma breve ampliação do direito de voto (com um momento de ridicularização da relação entre posse e maiores capacidades cognitivas para o exercício de voto), e posteriormente pela restrição do voto para homens brancos proprietários com a justificativa de que as pessoas proprietárias de bens imóveis são mais livres e independentes financeiramente, e por assim o serem, possuem maior capacidade e racionalidade para votar, devido ao privilégio de serem livres (ou seja, novamente foi utilizado o argumento blackstoniano). A ideia era evitar que o voto abrangesse classes menos favorecidas economicamente com medo de que seriam facilmente corrompidas e isso fraudaria a legitimidade democrática das urnas. Dessa forma, excluíram-se as mulheres, os escravos, os homens brancos pobres não proprietários, indigentes, criminosos e migrantes. 3

Essa expressão se refere aos discursos de Sir William Blackstone em sua obra Comentários sobre as Leis da Inglaterra, em que, como bem criticado por Alexander Keyssar, possuíam uma falha estrutural, porquanto os sem-propriedade ameaçavam a propriedade por ter muita vontade própria, e não o contrário, como era comumente dito (KEYSSAR, 2014, p. 44).


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4. DA 2ª REVOLUÇÃO INSDUSTRIAL À 1ª GUERRA MUNDIAL (1850-1917) A data citada acima é característica da conquista de votos pelos negros e da luta pelo direito de voto pelas mulheres. Provavelmente, caberia reconhecer maior substância à conquista feminina, uma vez que as pessoas pretas apenas obtiveram conquistas formais ao voto. A etapa de conquista do voto formal pelos pretos ocorreu a partir da segunda metade do século XIX, com uma jornada turbulenta para aprovação das 14ª e 15ª emenda à Constituição de 1787. Todavia, diversas questões contextuais fizeram com que tal conquista fosse sendo reduzida a um texto legal, resultando numa exclusão material do sufrágio dos afro-americanos. Dois fenômenos foram cruciais para o início do debate político acerca do fato dos homens pretos terem direito ao voto ou não: o primeiro foi a reflexão gerada pela questão católica envolvendo os Know-Nothings (literalmente “Não sei de nada”) e o segundo foi o clima após a Guerra Civil americana. Os Know-Nothing foram um conjunto de pessoas que organizavam uma sociedade secreta, e receberem esse nome por conta da “instrução da Ordem aos seus membros de que se recusassem a dizer alguma coisa sobre ela aos não membros” (KEYSSAR, 2014, p. 137). Seu viés era totalmente político (apesar de seus argumentos serem entranhados por religião) e tinha como objetivo o impedimento de que imigrantes católicos (a maioria era irlandeses) obtivessem poder eleitoral ao receber o direito ao sufrágio. Por trás dos discursos de que os imigrantes seriam intemperantes e potencialmente criminosos, havia um receio de que o aumento do eleitorado católico pudesse enfraquecer a força protestante dos EUA. Para impedir que católicos votassem, mas sem excluí-los diretamente do sufrágio, houve diversas tentativas de criação de sistemas de registro de eleitores e de testes de alfabetização para avaliar se o cidadão realmente estaria apto a eleger alguém. Nas urnas, o movimento obteve grande sucesso no início década de 1850 nos EUA, porém, na prática, não foram aprovadas muitas mudanças eleitorais xenófobas. O fracasso geral na capacidade de aprovação de projetos de leis de suas ideias teve como exceção a aprovação de projetos de lei em Massachussets os quais exigiam que o eleitor demonstrasse capacidade de ler a Constituição estadual e de escrever seu nome para votar. Depois o movimento perdeu muita força e acabou se extinguindo. Porém, a reflexão acerca da possibilidade de se implantar testes e impedimentos formais ao exercício do voto havia sido implantada na sociedade americana.


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Quanto ao clima posterior à Guerra Civil americana, é importante dizer que o debate político se expressava em dois argumentos principais: o primeiro de que seria inconveniente a negativa de voto aos homens pretos que tanto contribuíram para a vitória na guerra de secessão e o segundo, em viés contrário, manifestava um receio de que eleitores sem experiência de votação pudessem escolher aqueles que iriam governar o país. Para ilustrar esse empasse, Beecher disse o seguinte: É muito mais perigoso ter uma grande subclasse de homens ignorantes e privados do direito de voto, homens que não são estimulados, educados nem enobrecidos pelo exercício do voto [...] o remédio para os perigos inquestionáveis dos eleitores ignorantes é educa-los por todos os meios ao nosso alcance e não excluí-los dos seus direitos [...] Nada prepara tão bem os homens para o sufrágio inteligente como o exercício do direito de sufrágio. (BEECHER, 1865, p. 5-11, tradução nossa)

Porém, o discurso em prol da concepção de direito natural do voto foi profundamente rechaçado pelo racismo estruturado na sociedade. Muitos americanos brancos não compartilhavam desse ideal. Isso resultou na odisseia da aprovação da 14ª emenda4 à Constituição americana. O partido republicano negociou a aprovação e tal emenda, cujo conteúdo definia o conceito de cidadãos e incluía homens pretos nesse conceito. Porém, tal aprovação perdeu força, porque os democratas se opunham a esse projeto pela possibilidade de perderem muito espaço no poder com essa enorme quantidade de votos para o partido opositor. Não só isso, mas muitos redutos eleitorais, que eram favoráveis aos republicanos, deixaram de apoiar, influenciados por um viés racista, e isso fez com que os republicanos perdessem muito espaço no poder e deixassem de batalhar pela aprovação da 14ª emenda com seu conteúdo original. Essa discussão continuou com o trâmite para aprovação da 15ª5 emenda, cuja primeira versão foi proposta pelo deputado George S. Boutwell. A tentativa de estender o sufrágio aos pretos foi reacendida, apesar de diversos fatores contrários, como a conveniência da identidade partidária do partido 4

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Emenda XIV: Seção 1: Nenhum Estado deve fazer ou aplicar qualquer lei que reduza os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nenhum Estado privará qualquer pessoa de vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa dentro de sua jurisdição a igual proteção das leis (WIKISOURCE, 2020). Emenda XV: Seção 1. O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquer Estado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão (WIKISOURCE, 2020).


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republicano ao desenvolvimento econômico e à prosperidade financeira da nação e a falta de prioridade para a luta pelo sufrágio afro-americano. A emenda foi ratificada e o texto constitucional passou a empoderar a população de homens pretos, porém, as discussões de qualificação de eleitores originada pelos Know-Nothings ganharam força nesse momento, e muitos estados americanos, passaram a adotar sistema de registros de eleitores, taxas para votação, e testes de alfabetização para que eleitores pudessem votar. Sendo 50% dos homens pretos analfabetos (KEYSSAR, 2014, p. 169), e a maioria esmagadora pobre, a exclusão racial6 foi disfarçada por um discurso racionalista do voto e por requisitos censitários/financeiros para votar, uma vez que o cidadão precisaria de pagar as taxas para exercer seu direito de voto. Diante disso, é curioso observar como esse fenômeno hiato entre a garantia formal e das condições materiais de efetivação do direito de voto dos negros também ocorreu no Brasil. A Constituição brasileira de 1934 (juntamente com o art. 2º7 do Código Eleitoral) instituiu o sufrágio obrigatório para homens e mulheres maiores de 18 anos em seus arts8. 108 e 109, porém, excluindo analfabetos, militares de categoria inferior (maioria composta de negros) e mendigos. Importante mencionar que a exclusão de analfabetos significou o afastamento eleitoral da maior parte da população negra, uma vez que a partir da abolição da escravatura, houve completo descaso com a educação da população preta. Joana Célia de Passos (2002) faz uma excelente reconstrução histórica a esse respeito, informando que, na verdade, desde o Brasil Imperial houve 6

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Tudo isso aponta para o conceito bem exposto por Silvio Almeida e Djamila Ribeiro de racismo estrutural, desenvolvido na obra Racismo Estrutural: Feminismos Plurais, em que os autores trabalham com a noção de que o racismo vai muito além de uma mera questão moral, mas engloba toda a estrutura fundante da sociedade moderna, abrangendo a economia, a cultura, e com base na reconstrução histórica feita, até mesmo a política eleitoral (ALMEIDA; RIBEIRO, 2019). Art. 2º E’ eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código (BRASIL, 1932) Art. 108 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei. Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores: a) os que não saibam ler e escrever; b) as praças-de-pré, salvo os sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial; c) os mendigos; d) os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos. Art. 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar (BRASIL, 1935).


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um esforço institucional para afastar os negros do meio educacional, como a Lei número 1, de 14 de janeiro de 1837, onde as escolas e os cursos noturnos vetavam o acesso de escravos; até mesmo a Lei do Ventre Livre, que estabelecia que as crianças nascidas de escravos devessem ser entregues aos cuidados do Estado, teve, na prática, que dos registros, do “total das 403.827 crianças matriculadas, entre 1871 e 1885, apenas 113 foram entregues ao Estado, mediante indenização” (PASSOS, 2002, p. 6); ou do Decreto nº 7.031, de 6 de setembro de 1878, que resultava em experiências educacionais episódicas. Diante desse quadro de descaso educacional vindo desde a época imperial, a educação da população preta (para crianças e adultos) foi apenas efetivada com a atuação paralela de frentes negras, como, por exemplo, na década de 1930, com a criação da Frente Negra Brasileira (FNB) e da comunicação do jornal A voz da Raça, com a comunicação de temas educativos, mas de discurso de consciência política. Ademais, cumpre mencionar a criação do Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1940. Toda essa atuação fora do Estado expressa o racismo estrutural manifestado omissivamente na efetivação de políticas públicas anti-racistas. Após o Estado-Novo, observa-se a existência de muitas dificuldades para a atuação político-partidária de campanhas eleitorais de candidatos negros nas grandes capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, nas eleições brasileiras de 1945-1950. Um dos poucos partidos que estiveram muito relacionados com o movimento negro foi o PCB, porém, teve sua cassação de direitos do partido em 1947 (SOTERO, 2015). Uma das maiores dificuldades era a exclusão de boa parte da população preta do sufrágio, devido a grandes taxas de analfabetismo dessa parcela da população. A Constituição de 19469 incluía no sufrágio as pessoas maiores de 18 anos, porém excluía analfabetos, pessoas que não soubessem falar conforme o vernáculo nacional e pessoas que perderam seus direitos políticos (BRASIL, 1946). 9

Art 131 - São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei. Art 132 - Não podem alistar-se eleitores: I - os analfabetos; II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional; III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos. Parágrafo único - Também não podem alistar-se eleitores as praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior. Parágrafo único. Os militares são alistáveis, desde que oficiais, aspirantes a oficiais, guardas-marinhas, subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de ensino superior para formação de oficiais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1964)


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Ora, ao observar dados das décadas de 1940, 1950 e 1960, percebe-se que: a população branca da década de 1940 possuía 49,74% de pessoas do sexo masculino maiores de 5 anos alfabetizadas e 41,02% de pessoas do sexo feminino maiores de 5 anos alfabetizadas; em contrapartida, a população preta da década de 1940 possuía 21,05% de pessoas do sexo masculino maiores de 5 anos alfabetizadas e 14,51% de pessoas do sexo feminino maiores de 5 anos alfabetizadas. Já na década de 1950, a população branca alfabetizada do sexo masculino era de 53,89% e do sexo feminino, de 46,80%, enquanto a população negra do sexo masculino alfabetizada era de 24, 49% e do sexo feminino, de 18,76%. Por fim, na década de 1960, a população branca alfabetizada do sexo masculino era de 64,22% e do sexo feminino, de 59,17%, enquanto a população negra do sexo masculino alfabetizada era de 34,75% e do sexo feminino, de 29,78%. (BELTRÃO; NOVELLINO, 2002, p. 17). No contexto da ditadura militar, os analfabetos continuaram a ser excluídos do sufrágio, conforme diz o texto constitucional em seu art10. 142, § 3°, alínea a (BRASIL, 1967). Nas décadas de 1970 e 1980, temos os seguintes dados, respectivamente: a população branca alfabetizada do sexo masculino era de 73,08% e do sexo feminino, de 69,64%, enquanto a população negra do sexo masculino alfabetizada era de 45,68% e do sexo feminino, de 41,53%; a população branca alfabetizada do sexo masculino era de 82,42% e do sexo feminino, de 78,40%, enquanto a população negra do sexo masculino alfabetizada era de 57,05% e do sexo feminino, de 54,34%. (BELTRÃO; NOVELLINO, 2002, p. 17). Por fim, apenas com a promulgação da Constituição de 1988 com a possibilidade de exercício de votos de analfabeto que temos uma materialização da participação política eleitoral da população negra. 5. QUESTÃO DO VOTO FEMININO Do ponto de vista do feminismo sufragista, a aprovação da 14ª emenda com a definição e cidadãos apenas representou um retrocesso à luta pelo sufrágio feminino. Se foi difícil conquistar direitos juntos com o contexto de conquista de votos pelos negros, sozinhos o movimento feminista perderia força na batalha pelo poder eleitoral. Um interessante paradoxo de se destacar nessa luta foi a apropriação de um discurso racista por parte das sufragistas. Para angariar apoio de grande 10

Art 142 - São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei. § 3º - Não podem alistar-se eleitores: a) os analfabetos;


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parte do partido republicano, e observando que o apoio do movimento negro não iria acontecer, muitas sufragistas adotaram o discurso supremacista branco em meio a seus discursos feministas. A ênfase argumentativa era que uma mulher proprietária branca com capacidade cognitiva semelhante a de um homem deveria possuir o direito ao sufrágio também. Inicialmente, é possível perceber um estopim da jornada por essa vitória do direito de voto a partir da reunião ocorrida na cidadela de Sêneca Falls, em Nova York, liderada por duas mulheres (Elizabeth Cady Stanton e Lucretia Moot), cuja duração de dois dias aproximadamente gerou profundas reflexões com pessoas (homens e mulheres) de várias cidades, inclusive de seguidores da corrente religiosa dos Quakers. (KEYSSAR, 2014). Nesse cenário, a pauta girou em torno de como obter participação eleitoral tendo um estilo de vida tão dependente dos homens. Um desafio a se enfrentar era o imaginário de que a participação eleitoral retiraria a proteção e a “dignidade” da mulher, deixando as atividades do lar em segundo plano. Isso também significaria enfrentar o argumento blackstoniano de que o voto deveria ser exercido por aqueles que fossem verdadeiramente livres, sendo essa liberdade atrelada a uma escolha conexa à propriedade do cidadão. Uma vez que a estrutura econômica não contemplava o sexo feminino, sendo a opressão de gênero algo enraizado na ordem econômica moderna, a maioria das mulheres teria dificuldade de enfrentar esse argumento. Porém, foi a partir da aprovação da 15ª emenda que as pautas de sufrágio de negros e mulheres foram profundamente separadas. O caminho argumentativo dos anos que se seguiram foi o de defender a extensão do conceito de direito natural. Se o voto era um direito essencialmente concedido a todas as pessoas, o que excluiria as mulheres desse direito? Além desse ponto, o fato de muitas mulheres serem pagadoras de impostos para o Governo contribuiu para o avanço da discussão. Isso permitiu que sufragistas, durante as décadas de 1860 e 1870 realizassem rebeliões fiscais com o fundamento de que era inconstitucional a imposição de obrigações de cidadania, mas em contrapartida, excluía seus direitos políticos. Porém, o fato de ainda haver a visão patriarcal de que as mulheres não pegavam em armas, e que por isso elas não estariam na mesma posição do homem preto para exercer seu voto aparecia com bastante força nesse cenário. Para ilustrar tais posições amalgamadas, é emblemático mostrar frases proferidas nesse contexto de discussão sobre voto feminino nos EUA, sendo uma reprodutora de uma cosmovisão sexista e outra o resultado de uma cosmovisão contrária ao sexismo da época.


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Durante a Convenção Constitucional da Califórnia de 1878, Mr. Caples proferiu as seguintes palavras sobre opressão da mulher na sociedade e sobre a garantia dos direitos femininos pelo próprio homem: Toda essa heresia depende da suposição [...] de que as mulheres são uma classe separada e distinta dos homens; que eles têm direitos separados e distintos dos homens. Sempre parte do pressuposto de que o Deus Todo-Poderoso não impôs às mulheres o dever da maternidade. Agora, se podemos revogar as leis de Deus Todo-Poderoso, e dizer que as mulheres não devem mais desempenhar essa grande função, então podemos adotar essas disposições. Eu nego que possamos fazer isso. Isso é simplesmente uma cunha de entrada para chegar ao que é simplesmente uma estultificação do senso comum da história, da lógica e da experiência humana de seis mil anos. Por que é que, de repente, as mulheres são separadas e distintas dos homens? Por que é que elas estão isentas das obrigações que Deus e o Deus da Natureza lhes impôs? Dizem que envolve a tirania do marido. É verdade? Existe alguma tirania? Não é um fato que as mulheres de hoje estão infinita e incomparavelmente acima do que já foram em uma era do mundo? Nenhum homem pode negar isso. (Constitutional Convention of the state of California, 1878, p. 223, tradução nossa)

Um habitante de Ohio em 1974 (KEYSSAR, 2014, p. 262), seguiu uma linha oposta afirmando que “a mulher é um indivíduo, e quando ela entra num estado social, e assim, entrega uma parcela de seus direitos naturais, ela recebe em troca, por essa razão, o direito do sufrágio eleitoral, em igualdade com o homem”. Para lidar com tais discursos, na prática, as sufragistas passaram por 4 momentos para conquistar o voto e vencer os argumentos sexistas contrários. O primeiro deles, foi uma atuação da NAWSA (National American Woman Suffrage Association), para que os estados promulgassem emendas às constituições possibilitando que mulheres votassem. Porém, houve um grande fracasso, cuja regra se excepcionou nos estados de Wyoming, Utah, Idaho e Colorado (KEYSSAR, 2014, p. 259). Num segundo momento, as sufragistas apostaram num discurso xenofóbico, arguindo que seria necessária a realização de exames de verificação de aptidão cognitiva em estrangeiros, para avaliar se eram capazes de votar. A esperança das militantes era que esse discurso conservador associasse a figura do voto à capacidade intelectual de votar, o que facilitaria muito para a conquista do sufrágio. Porém, houve fracasso na aprovação de emendas às constituições estaduais também. Num terceiro momento, a NAWSA aproximou muito dos movimentos sindicalistas, o que permitiu a associação da imagem feminina à figura do


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trabalho, abrindo espaço inclusive para uma grande imersão posterior das mulheres ao mercado de trabalho, aniquilando o argumento de que cabia à mulher o cuidado do lar apenas. Contudo, isso ainda não foi suficiente para a aprovação de emendas estaduais sobre o direito de voto feminino. Por fim, um último momento (década de 1910) foi marcado pela entrada de diversas mulheres assalariadas no movimento sufragista, e isso possibilitou uma atuação em massa para além de mudanças das constituições estaduais. Agora, a NAWSA mobilizou uma tentativa de aprovação de uma emenda à Constituição de 1787. Com a ocorrência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o argumento de que as mulheres não contribuíam para a guerra e que por isso não mereciam o direito de voto caiu por terra, uma vez que as mulheres não só auxiliavam bastante nas tarefas domésticas enquanto os homens iam à guerra, como também sua ala assalariada contribuía com muitos impostos para o sustento do país na guerra, além e também ser mão-de-obra industrial também. Isso possibilitou a aprovação da emenda 19ª11 à Constituição, que estabeleceu a inconstitucionalidade da proibição do voto a qualquer pessoa cidadão maior de idade nos EUA. Diante disso, é igualmente interessante estabelecer a questão do voto feminino no contexto americano em comparação também com o contexto brasileiro. Assim como no contexto americano, o voto feminino não foi conquistado a partir do nada, mas foi fruto de diversas lutas acirradas ao longo de décadas. Posteriormente, a Lei Saraiva de 1881 relacionava a capacidade de votar a qualificações técnicas e científicas, o que permitiria que a dentista Isabel de Souza Mattos votasse no contexto, mas isso foi obliterado pelo presidente da Mesa. A Constituição de 1891 foi omissa quanto à prescrição do voto feminino. Porém, no contexto dessa Carta Magna, foi possível a ocorrência da primeira votação feminina no Brasil. Em 1927, “15 mulheres votaram no dia 25 de novembro para as eleições estaduais [...] isso foi possível porque Juvenal Lamartine conseguiu uma alteração da lei eleitoral, dando o direito de voto às mulheres.” (VASQUEZ, 2014, p. 52-53). Porém, houve anulação de tais votos. Por fim, o voto feminino é garantido formalmente a partir da promulgação do Código Eleitoral de 1932 em seu art. 2º, e é constitucionalizado na Constituição de 1934. 11

Emenda XIX: O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não será negado ou cercado em nenhum Estado em razão do sexo. O Congresso terá competência para, mediante legislação adequada, executar este artigo. (WIKISOURCE, 2020).)


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6. O DIREITO DE VOTO NA MODERNIDADE (1917-1970) A etapa rompimento de barreiras é uma etapa de conquistas significativas ocorrida no final da modernidade do direito de voto, pois se passa nas décadas de 1950 a 1970, mas marcada por uma grande tensão étnica em seu começo, e pela redução acelerada desta até seu fim. Ademais, o direito de voto dos negros passou a ganhar algum conteúdo, e deixou de se firmar apenas na forma. Os EUA de até então, exigiam, em 7 estados, testes de alfabetização para os pretos, a fim de averiguar quais eram “qualificados” para votar. Era possível reprovar os afro-americanos por erros simples como ortografia ou pronúncia de alguma palavra. Sobre a etapa de rompimento de barreiras, importante destacar eventos que mudaram o cenário eleitoral norte-americano. Com a ocorrência da crise de 1929, muitas pessoas se tornaram desempregadas e passaram a viver sem dignidade. A campanha de Roosevelt com base no New Deal ganhou muito apoio por lançar uma resposta de intervencionismo econômico relevante para esse momento, e, do ponto de vista eleitoral, um sepultamento do argumento blackstoniano na política americana, uma vez que aqueles que não possuíam mais propriedade significativa pós-crise, se identificaram com os excluídos do processo eleitoral por ausência de propriedade, o que facilitou e muito a ideia de que o voto seria um direito a todos os cidadãos mesmo. Ademais, o fato de existirem democratas que defendiam a cassação do direito de voto para empresários e agricultores falidos que recebiam auxílio do governo, gerou uma repulsa com a visão blackstoniana. Tudo isso abriu espaço para o debate sobre um sufrágio bem amplo, para além de limitações econômicas. Além disso, a 2ª Guerra Mundial levantou novamente o debate de negros irem para a guerra e não receberem poder político material ao votar. Somado ao contexto de repulsa ao totalitarismo e nazismo eugenista, o discurso democrático de sufrágio amplo foi ganhando cada vez mais força, por ser a resposta vitoriosa a essa visão excludente. Apesar disso, ainda havia tentativas de exclusão do sufrágio aos negros, como por exemplo, o controle administrativo de votos de ausente para limitar o número de votos de soldados negros. Posteriormente, ao adentrar no contexto da Guerra Fria, a questão de ausência de condições materiais para o exercício do direito de voto dos negros seria um ponto muito forte contra os ideais democráticos defendidos pelos EUA na guerra.


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A consequência desse cenário foi um ganho de força considerável de movimentos negros (como o Movimento Negro Unificado, por exemplo) que, conseguiram a conquista criação do Ato dos Direitos Civis de 1957, que apesar de seu conteúdo ser criticado pelo movimento negro por ser modesto, sua criação fez com que surgisse a Comissão de Direitos Civis, a qual serviu para a propagação de diversas reclamações de atos racistas que impediam afro-americanos de votar. Nesse mesmo ano, Martin Luther King Jr. (líder do Civil Rights Movement), pastor batista e grande defensor dos direitos dos afro-americanos, havia proferido o seguinte discurso em peregrinação a Washington, D.C.: Deixem-nos votar, e não mais imploraremos ao governo federal pela promulgação de uma lei anti-linchamento; com a força de nosso voto, inscreveremos essa lei nas leis do Sul e acabaremos com os atos covardes dos encapuzados que disseminam a violência. (CURY, 2006, p. 96).

Outro instrumento normativo conquistado foi o da Lei dos Direitos de Voto de 1965, que auxiliou no cumprimento efetivo da 15ª emenda. Somada a atuação do Executivo e do Judiciário em âmbito federal, ao longo das décadas os testes de alfabetização foram sendo proibidos, e a população preta foi ganhando a possibilidade de frequentar as urnas na história. Nesse sentido, É possível visualizar como estopim dessa atuação do judiciário no mesmo sentido de atuação dos movimentos negros, a decisão do caso Brown v. Board of Education (1954), em que foi declarada inconstitucional a segregação ocorrida nas escolas públicas, e foi superado o precedente Plessy v. Fergunson (1896), caso conhecido por institucionalizar a segregação racial nos EUA ao ordenar que os veículos de transporte público da época oferecessem assentos separadamente, para pessoas brancas e pretas. (GARRIDO, 2017, p. 10-11) Cabe destacar que seis meses antes da promulgação deste instrumento normativo de 1965, ocorreu o assassinato de Al Hajj Malik Al-Shabazz (Malcom X) na sede da Organização da Unidade Afro-Americana (grupo não religioso e não sectário), criada pelo mesmo com o objetivo de unir os afro-americanos na luta por seus direitos. Tal evento ofereceu peso e força para favorecer a promulgação da Lei dos Direitos de Voto de 1965. 7. DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS (1970-ATUALIDADE) Por fim, temos a fase atual de desafios contemporâneos, em que há um amalgama marcado na forma como funciona o Colégio Eleitoral, a saber,


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não é possível se falar que cada pessoa possui um voto, uma vez que há uma desproporção do peso de escolha de cada estado, problema esse exemplificado na eleição de George W. Bush, em que foi eleito tendo centenas de milhares de votos a menos que seu oponente Al Gore. Além desse problema, nessa mesma eleição ficou escancarado o fato de que era possível recontar os votos, e essa recontagem mostrava que supostos erros nas cédulas a invalidavam e que a muitas cédulas deixavam de ser contadas por isso, dando uma sensação de fraude eleitoral. Até houve ponto positivo nessa fase. Foi aprovado o Help America Vote Act em 2002, em que eram estipulados recursos para os estados com a finalidade de melhoramento da administração e do funcionamento das eleições. Tais recursos inclusive se destinavam ao aprimoramento de tecnologia. Ademais, havia a obrigação dos estados de “elaborar listas de registro estaduais informatizadas, a permitir votos provisórios de eleitores e desenvolver padrões uniformes (...) em cada tipo de tecnologia” (KEYSSAR, 2014, P. 439). Porém, houve também diversos defeitos no funcionamento do modelo DRE de votação. Além dessa questão, houve nessa época, retrocessos do direito de voto para ex-criminosos, que em alguns estados perderam seu direito de voto, mas que recuperaram, felizmente, por meio do apelo do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas, com o embasamento de que a maioria da população carcerária americana era negra, o que se caracterizava claro racismo institucional. Outrossim, ocorreu polêmica em relação a supostas fraudes eleitorais que ocorriam durante a votação, e para assegurar a “segurança” das urnas, os Republicanos propuseram a necessidade de identificação por foto ao votar. Tal proposta foi combatida pelos Democratas com o objetivo ampliar o acesso das pessoas votantes, pois o rigor na apresentação do votante poderia desestimular ainda mais que americanos votassem, uma vez que o voto sempre foi facultativo nos EUA. Infelizmente, tais critérios rigorosos foram aprovados permanecem em vigor até hoje em estados americanos. Por fim, cabe explicitar também a dificuldade de acesso de deficientes físicos a maioria dos locais de votação, em que são caracterizados por não serem acessíveis a tais cidadãos. Em contrapartida, houve conquista nesse período de voto de pessoas com transtornos mentais a partir do Standard Doe v. Rowe12. 12

Três mulheres nominadas como “mentalmente incapazes” conseguiram o direito de sufrágio a partir de uma decisão da corte distrital em que fundamentou que a exclusão destas mulheres do sufrágio violava o direito de igualdade de proteção, com base na Lei dos Americanos com Necessidades Especiais (MAINE, 2001).


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Portanto, o que essa reconstrução histórica nos mostra é que a democracia americana está longe de ser uma democracia consolidada em favor de minorias, e que até os dias atuais, o direito de voto corre grande risco de ser restrito, com a finalidade de favorecer governantes, os quais terão maior chance de vencer as eleições com tal medida. Ao longo de toda história, a modificação do sufrágio foi feita para beneficiar partidos. Tanto a restrição quanto a ampliação do sufrágio altera as regras do jogo eleitoral e beneficia/prejudica algum candidato a eleição. Daí a eterna disputa por essa modificação. É dever dos cidadãos de uma democracia lutar sempre pela manutenção de tais direitos, seja com a proteção legal conferida a um direito (sendo, portanto, reconhecido por uma fonte autorizada pelo Direito), seja pela efetivação concreta de tal direito ao facilitar o acesso pela população. O fato do voto nos EUA ainda ser facultativo, faz com que uma parcela significativa compareça às urnas. Ademais, todas essas disputas supracitadas para dificultar o acesso ao voto também são barreiras que desmotivam eleitores a exercerem seus direitos, e, “os pobres e os menos educados, quase sempre cassados de maneira formal no passado, ainda têm maior dificuldade de superar os obstáculos processuais de registro e votação” (KEYSSAR, 2014, p. 493). Ou seja, aqueles que menos exercem seus direitos são exatamente as minorias que sofreram restrição do voto ao longo da história. 8. ANÁLISE DA TABELA Depois dessa reconstrução histórica, resta agora observar qual o conteúdo de diversas sanções civis no direito eleitoral americano. Uma vez que minorias ainda não são contempladas (como pessoas que sofrem de transtornos mentais, por exemplo), importante destacar o que é punível civilmente na legislação americana, para identificar a ênfase do conteúdo jurídico. Na esmagadora maioria dos casos, as sanções civis são multas aplicadas juntamente ou em substituição de sanções criminais, ou estão relacionadas a obrigações responsáveis por envio de relatórios sobre financiamento de campanha. Destaca-se, entretanto, que no estado do Alabama, há uma sanção civil de perda do direito de voto por cometimento de crime de torpeza moral. Observa-se que a expressão é bem genérica, sujeita a diversas interpretações. Nesse mesmo sentido, o texto constitucional de 40 estados tem como sanção a perda do direito de voto, para pessoas que cometeram crimes. Outros 33 estados excluem do sufrágio pessoas que sofrem de transtornos mentais que obtiveram declaração judicial de “incompetência mental” para votar.


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Acrescenta-se como detalhe particular do estado de North Carolina impede que ateus ocupem cargos eletivos. Outro detalhe particular, porém dos estados de Connecticut, Delaware e North Carolina é que o principal requisito, para ser qualificado como eleitor, é saber ler a Constituição estadual em inglês. Outrossim, percebe-se que as sanções civis de modo geral não incentivam o povo americano a exercer seu direito de voto, exceto no estado de Ohio, em que há exclusão da lista de registro de eleitor para que “falhe” ao ir votar num período de 4 anos consecutivos. Nos demais estados, há estímulos para a votação dos eleitores de forma bem modesta. Na maioria desses casos, busca-se a não interferência no direito de voto de alguém. Tem-se como exemplos a multa aplicada ao empregador do estado do Arkansas para a sua omissão de ajustamento da jornada de trabalho no dia da eleição; a multa aplicada ao empregador no estado doa Califórnia, visando desestimular a tentativa de manipulação de voto pelo empregador; e a multa aplicada no estado de Delaware a qualquer autoridade que use de sua influência para modificar o resultado das eleições. Uma grande parcela das multas está relacionada a regras procedimentais do dia da eleição, a fim coibir atitudes destrutivas dos meios de votação ou de perturbar o processo de votação. Outra grande parcela está relacionada a regras de financiamento de campanha, a fim de exigir a produção de relatórios de pessoas obrigadas, para fiscalizar a quantia gasta por cada candidato ou a fiscalização do respeito aos limites de contribuição/gasto de campanha definida na própria legislação. Um detalhe promissor e feliz de reportar é a preocupação do estado do Colorado em aplicar multa para quem, sabendo deixar de reportar votos perdidos, roubados ou atrasados. Ou seja, tal estado demonstra preocupação com o estímulo para que cada cidadão fiscalize se o direito de voto está sendo protegido e contado na prática. Claro, havendo a omissão de pessoas, ocorre uma grande dificuldade de se provar o dolo de tal omissão. Mas o fato de tal conteúdo estar presente normativamente, já demonstra um diferencial em relação à maioria dos outros estados. Todavia, ainda há resquício de uma tentativa de excluir minorias do sufrágio, como os estados de Arizona e Massachusetts, em que são excluídos do sufrágio aqueles que não saibam escrever seu nome. Em North Carolina, há exclusão do sufrágio para aqueles que não saibam ler ou escrever algum dispositivo constitucional. E também, existem aquelas multas que são aplicadas conjuntamente ou em substituição de sanções criminais. Foram registrados 18 ocorrências desse fenômeno nos estados americanos. Observa-se que em Maine há uma


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clara distinção da aplicação entre sanções civis e sanções criminais, sendo estas utilizadas para ilícitos mais graves enquanto aquelas utilizadas para ilícitos menos graves. Ademais, quanto aos requisitos de residência mínima para se qualificar como eleitor, a variação do tempo da residência é de 30 dias (anteriores a eleição) até 1 ano no estado em que o eleitor for votar. Cumpre lembrar também que a seguinte tabela não é exaustiva, mas meramente exemplificativa das sanções civis no direito norte-americano, uma vez que o objetivo é demonstrar apenas a ênfase do conteúdo jurídico e se quais são as outras sanções cíveis que não a de multa. E a conclusão é que as outras espécies de sanções são as de perda do direito de voto (exclusão do sufrágio) ou impossibilidade de ocupação de alguns cargos. Portanto, como o objetivo da pesquisa pertencente ao macroprojeto era auxiliar na análise da constitucionalidade/inconstitucionalidade do art. 7º do Código Eleitoral, conclui-se que a monografia atingiu seu objetivo ao construir a tabela de forma exemplificativa, pois a principal informação do direito eleitoral americano é que 49 dos 50 estados americanos não possuem voto obrigatório, e a maioria das sanções não tem como finalidade o estímulo ao voto dos eleitores, a exceção do estado de Ohio, com a sanção de exclusão do registro de eleitores qualificados com a falha do exercício do voto em 4 (quatro) anos consecutivos. A não opção pela pesquisa exaustiva teve como vantagem porque a maioria das sanções do direito americano são muito parecidas, sendo seu conteúdo comumente o de impor multa para não apresentação de relatório de despesas/ recebidos de campanha, multa para quem ultrapasse os limites de contribuição de campanha e aplicação conjunta de sanções civis com sanções criminais. Nem mesmo foi preciso registrar pormenorizadamente cada sanção destas 3 (três) supracitadas, porque a tabela ficaria muito maior, gerando um excesso de informação, podendo resultar numa desinformação (confusão) por isso. A análise da constitucionalidade/inconstitucionalidade do art. 7º é mais bem fundamentada pera averiguação de espécies de sanções civis no direito americano, ao invés do detalhamento de todas as sanções civis pormenorizadamente. Apenas a título de curiosidade, inicialmente, a intenção foi de fazer uma tabela pormenorizada. Mas ao atingir 5% do das legislações estaduais, a tabela inicial possuía 87 páginas. Nestas, a maioria das sanções civis eram em conjunto com sanções criminais, e o conteúdo se mostrou deveras repetitivo (exemplo: multa de X dólares ou pena de prisão para crimes de classe B; havia outras multas para crimes de classe C, D, E, e até mesmo para contravenções). Portanto, tais informações fariam com que a análise da tabela ficasse enfadonha e pouco útil para atingir seu objetivo.


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Por fim, é preciso registrar que infelizmente, não foi possível acessar qualquer site contendo legislação eleitoral infraconstitucional dos estados de Nebraska, Ohio e Utah, devido à sobrecarga dos sites dos governos estaduais e de outros sites de pesquisa e da impossibilidade de sequer acessá-los. Por isso, a parte da tabela correspondente a esse tipo de legislação ficou em branco. Porém, foi possível acessar todos os textos constitucionais, o que permitiu que a pesquisa atingisse seu objetivo principal pelo menos. CONSIDERAÇÕES FINAIS À luz de tudo o que foi dito, é preciso voltar para as perguntas iniciais, indagando se o art. 7º do Código Eleitoral seria constitucional ou inconstitucional e se o direito de voto seria um direito, um dever ou os dois. Ora, sobre a primeira questão, é possível concluir que exemplos não faltam de estados americanos que adotam uma orientação oposta da encontrada no texto legal brasileiro supracitado. Porém, as consequências desse conteúdo no direito americano é o desafio de estimular os cidadãos a exercerem seu direito de voto. Como já exposto anteriormente, o nível de comparecimento dos norte-americanos em suas eleições ainda é muito baixo, especialmente para as minorias. Dessa forma, para além de uma conclusão afirmando que algo é preto no branco sobre a constitucionalidade do art. 7º, é preciso perceber que o conteúdo deste é eficaz para estimular o cidadão brasileiro no seu exercício do direito de voto. A declaração de sua inconstitucionalidade geraria consequências profundas nas urnas nos próximos anos. Não que esse caminho seja algo inviável e definitivamente inconstitucional, mas para segui-lo, seria preciso uma boa razão e confiança para tanto. Portanto, sobre a segunda questão, é preciso entender que também não há uma resposta simples para tal, e que é possível pensar no voto tanto como apenas um direito (como ocorre na maioria esmagadora dos estados norte-americanos) como num direito-dever (como seria no caso brasileiro atualmente). Resta verificar qual desses fundamentos gera consequências melhores para a realidade brasileira atual. Num país de minorias excluídas fortemente ao longo da história (de forma semelhante ao que ocorreu nos EUA), seria razoável acolher a posição de que o voto seria apenas um direito, e abraçar o risco de muitas minorias deixarem de participar das urnas? Sendo a realidade algo muito complexo, talvez o caminho para refletir sobre isso, seria cautela, e muita reflexão sobre a história humana.


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Alaska

Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha

Alabama

Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Também existem sanções civis para descumprimento de deveres de cargos específicos como prefeito (ou diretor executivo), escrivão municipal, oficial eleitoral e inspetor.

Sanções em Legislação infraconstitucional

Estado

TABELA 1 Dispositivos na legislação infraconstitucional

Dispositivos da Constituição estadual

Não há obrigatoriedade de Título 15, Capítulo 13, Seções Artigo V, §§, 1º e 2º voto; a constituição exclui do 15.13.380 e 15.13.390 sufrágio menores de 18 anos, criminosos e pessoas declaradas judicialmente com “incompetência mental”

Não há obrigatoriedade de Código do Alabama título 17 Seções 33, 177, 180 voto; a constituição estende o [original: Alabama Code title sufrágio a cidadão masculino 17], capítulos 1, 3, 11 e 17 maior de 21 anos

Sanções da Constituição estadual

APÊNDICE

74 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Não há obrigatoriedade de Título 16, Artigo 1, § 16-101 voto; a constituição exclui do sufrágio menores de 18 anos, criminosos e pessoas declaradas judicialmente com “incompetência mental”

Arizona

Para o eleitor ser qualificado, é necessário que ele seja cidadão, tenha 18 anos ou mais, tenha sido residente no estado nos 29 dias anteriores a eleição, seja capaz se escrever seu nome ou deixar sua marca (salvo por impedimento gerado devido a deficiência física), não seja condenado por crime e nem julgado como incapacitado

Existe uma multa aplicada a Não há obrigatoriedade de Título 7, Capítulo1, § 7-1-102 violação a lei de registro elei- voto; a constituição exige que toral tenha mais de 18 anos e que comprove identidade por foto Existe também uma multa aplicada a qualquer empregador que não ajustar a jornada de trabalho dos empregados, no dia da eleição, a fim de facilitação do exercício do direito de voto

Arkansas

Artigo 7, seção 2

Art. 3, Seção 1.

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

75


Há também aplicação de sanções civis junto com ou em substituição de sanções criminais

Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Título 1, Artigo 13

´Título 1, Artigo 45, § 1-45111.7, (7)

O eleitor qualificado deve ter Não há obrigatoriedade de Título 1, Artigo 2, parte 1, § Artigo VII, Seção 1 pelo menos 18 anos e residir voto; idade mínima para votar 1-2-101; 22 dias no estado, imediata- é 18 anos de idade mente antes da eleição

Colorado

Não há obrigatoriedade de Código Eleitoral, Divisão 2, Artigo II, Seções 2, 3 e 4 voto; a constituição exclui do Capítulo 1, Artigos 1 e 3; Disufrágio menores de 18 anos, visão 14, Capítulo 1, § 14.000 criminosos e pessoas declaradas judicialmente com “incompetência mental”

O eleitor qualificado deve ter no mínimo 18 anos. É qualificado para votar a pessoa com deficiência visual, sendo dever do estado promover sua inclusão. O empregado pode substituir até 2 horas de trabalho para votar sem perda de remuneração, podendo pedir ao empregador em até 3 dias anteriores à eleição, folga no dia da eleição, se achar necessário

Califórnia

76 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Delaware

Connecticut

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Título 15, Capítulo 51, Subca- Artigo I, §3º e artigo V, §§ 2º e 7º junto com ou em substituição voto; o eleitor qualificado deve pítulo 2 de sanções criminais ter 21 anos ou mais e residir a 1 ano contado anteriormente à ocorrência da eleição; há exclusão do sufrágio para quem não saiba ler a Constituição em inglês (salvo se não conseguir por deficiência física), para pessoas “mentalmente incapazes” , para quem cometeu crime de homicídio, crime contra a administração pública ou crime sexual; há aplicação de pena de multa para ofensas eleitorais

Não há obrigatoriedade de Título 9, Capítulo 141, Seção Artigo Sexto (6º), Seção 1 voto; a constituição coloca 9-7b, (a), (2) como requisito para ser eleitor idade mínima de 21 anos, residência mínima em cidade do estado de 6 meses anteriores à eleição, e a capacidade de ler na língua inglesa qualquer artigo Há também a aplicação de da Constituição ou qualquer multa para qualquer modera- seção dos estatutos dor de eleição que intencionalmente e sem justa causa atrasar a contagem ou declaração do Título 9, Capítulo 151, Seção número de votos 9-351

Há uma atribuição da possibilidade da Comissão de Execução Eleitoral Estadual aplicar multa por ofensa contra qualquer pessoa que a comissão considere estar em violação de dispositivo eleitoral

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

77


Há multa aplicada sobre tesoureiro de campanha que estando obrigado, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Há aplicação de diversas multas para desestimular a obstrução de divulgação de materiais pré-eleitorais, a violação do limite da contribuição e despesa de campanha, a recusa em submeter materiais a comissões (de eleição, referendo ou plebiscito), abuso de poder durante campanha eleitoral, impedir pessoa autorizada a comparecer a assembleia de voto e a restrição de direitos de observadores, sujeitos eleitorais e representantes da mídia etc

Flórida

Geórgia (moeda GEL)

Não há obrigatoriedade de Código Eleitoral, Seção I, Ca- Artigo II, Seção I, §§ II e III voto; são eleitores qualificados pítulo X, Artigos 79-92 pessoas maiores de 18 anos, residentes no estado e registrados como eleitores qualificados; são excluídos do sufrágio pessoas que cometeram crime envolvendo torpeza moral ou pessoas declaradas judicialmente “mentalmente incapazes”

Não há obrigatoriedade de Título IX, Capítulo 106, § 106, Artigo VI, Seções 2 e 4 voto; são eleitores qualificados 07, (1) os maiores de 18 anos com residência permanente no estado e que se registraram como eleitores qualificados; são excluídos do sufrágio aqueles que cometeram crime ou são “mentalmente incapazes”

78 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Não há obrigatoriedade de Título 34, Capítulo 4, § 34-402 Artigo VI, Seções 2 e 3 voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, residentes no estado e registrados conforme definido em lei; a Há aplicação de sanção civil constituição exclui do sufrágio Título 34, Capítulo 18, § 34junto com ou em substituição pessoas condenadas por crime, 1822 de sanções criminais sem restauração de direitos de cidadania

Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Ilinóis

Não há obrigatoriedade de Artigo 9, Seções 9-11, § (16), (e) Artigo III, Seções 1-3 voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos residentes no estado pro 30 dias; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por crime

Para ser eleitor qualificado é necessário residir no estado por pelo menos 30 dias até a eleição

Idaho

Artigo II, Seções 1 e 2

Há aplicação de pena de multa Não há obrigatoriedade de Caopitulo XIX, § 19-4 e perda do direito de voto para voto; São eleitores qualificados quem comete fraude eleitoral os maiores de 18 anos e residentes no estado a pelo menos 1 ano, contados até antes do dia da eleição; são excluídos do sufrágio pessoas “que não sejam compostas” e pessoas condenadas por crime

Havaí

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Seção Artigo II, Seções 1 e 5

Não há obrigatoriedade de Kansas Statute, Capítulo 25, Artigo 5, §§ 1 e 2 voto; são eleitores qualificados Artigo 9, §§ 25-901 e 25-902 os maiores de 18 anos residentes no estado; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por crime, a menos que tenham seus direitos civis restaurados

Há multa aplicada sobre ao tesoureiro de campanha que estando obrigado, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Kansas

Iowa,

Não há obrigatoriedade de Título 3, Artigo 14 (todo), ex- Artigo VI, Seções 1 e 3 voto; a constituição utiliza a ceção no artigo 14, § 3-14-1expressão cidadão branco do 10.5 sexo masculino para qualificação de eleitores, além do critério de idade acima de 21 anos e residente a 1 ano no estado, anteriormente ao dia da eleição; são excluídos do sufrágio aqueles que cometem traição, crime ou violação da paz

Há multa aplicada sobre quem Não há obrigatoriedade de Código de realiza autopromoção com voto; são eleitores qualifica- 68A.405A fundos do contribuinte dos os maiores de 21 anos; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por crime infame e pessoas declaradas “mentalmente incompetentes”

Via de regra, não há aplicação de sanção civil junto com ou em substituição de sanções criminais; exceção da aplicação de multa por violação do limite de contribuição ou despesa de financiamento de campanha eleitoral

Iowa

Indiana

80 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Artigo 11, § 10

Seção 145

Não há obrigatoriedade de Títul.o 21-A, Capítulo 13, Sub- Artigo II, Seção 1 voto; são eleitores qualificados capítulo 4, § 1060-A.5 os maiores de 21 anos, residentes no estado; a constituição exclui do sufrágio pessoas que sofrem transtornos mentais

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de voto; Capítulo 10 junto com ou em substituição são eleitores qualificados os de sanções criminais maiores de 18 anos, devidamente registrados; a constituição exAplica-se também multa por clui do sufrágio pessoas declaraviolação do limite de contri- das “mentalmente incapazes” ou buição ou despesa de financia- que estiver por ordem de prisão Capítulo 11, parte 5, § 1505.4 mento de campanha eleitoral por condenação de um crime

Louisiana

Maine

São excluídos do sufrágio as Não há obrigatoriedade de Capítulo 116, § 116.113 pessoas declaradas incompeten- voto; são eleitores qualificados tes ou condenadas por crime os maiores de 18 anos, que tenha residido 1 ano no estado, Há uma multa aplicada a qual- 6 meses no condado ou 60 quer dirigente eleitoral que dias no distrito eleitoral; são permita que eleitor não quali- excluídos do sufrágio pessoas ficado no distrito vote condenadas por traição, crime Capítulo 119, § 119.175 suborno ou contravenção grave ou que se encontre reclusa por infração penal durante a eleição

Kentucky

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Massachusetts

Maryland

Na legislação infraconstitucio- Não há obrigatoriedade de nal diz que são eleitores quali- voto, apesar de haver previsão ficados os maiores de 18 anos constitucional expressa da sua possibilidade (porém, até hoje Aplica-se multa por violação o voto é facultativo); são eleitoda liberdade de contribuição res qualificados os maiores de de qualquer indivíduo para 21 anos residente por 1 ano na cidade ou distrito até 6 meses qualquer fundo político antes da eleição; são excluídos do sufrágio pessoas indigentes ou sob tutela, e aqueles que não saibam ler a Constituição ou escrever seu nome

Artigo I, Seções 1,4, 5 e 6

Parte I, Título VIII, Capítulo 55, Seção 16A

Parte I, Título VIII, Capítulo Artigos IX e LX; Artigos de al51, Seção 1 teração III e XX

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Título 16, Subtítulos 1-10 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados de sanções criminais os maiores de 18 anos e residentes no estado até o momenHá também aplicação de mul- to do último registro anterior à ta para violação de votação de eleição; há sanções civis como ausente perda do direito de voto para condenado por crime infame ou para pessoa com deficiência mental e aplicação de multa para pessoa removida de distrito eleitoral sem propósito de residência de boa-fé

82 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Capítulo 609 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados de sanções criminais os maiores de 18 anos que residam no estado a 30 dias precedidos da eleição; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por traição ou crime, pessoas sob tutela ou pessoas “mentalmente incapazes”

Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Minnesota

Mississippi

Artigo VII, Seção 1

Artigo II, § 1 e 2

Não há obrigatoriedade de Capítulo 15, Artigo 23, § 23- Artigo 12, Seção 241 voto; são eleitores qualificados 15-813. os maiores de 18 anos, que residam a 1 ano no estado e 6 meses na cidade ou no distrito eleitoral, e que são registrados; são excluídos do sufrágio os “idiotas” e “insanos, ou que tenha sido condenado por algum crime listado na seção

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de voto; Capítulo XXXV junto com ou em substituição são eleitores qualificados os maiode sanções criminais res de 21 anos, residentes no estado a 6 meses; a constituição permite exclusão por lei de pessoas que sofrem transtornos mentais ou com condenação penal

Michigan

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Não há obrigatoriedade de voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, residentes no estado30 dias até a data anterior a eleição, sendo registrado nos termos da lei Há aplicação de sanções civis ou sua situação não depender junto com ou em substituição de registro; a constituição exde sanções criminais clui do sufrágio pessoas sob tutela, pessoas declaradas “incompetentes mentais”, pessoas confinadas em instituições de “doentes mentais” e pessoas condenadas por crime ou por crime eleitoral

Há aplicação de sanções civis junto com ou em substituição de sanções criminais (como no caso de materiais eleitorais não deverem ser anônimos, por exemplo)

Montana

Não há obrigatoriedade de voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, que atendam os requisitos de residência e registro estabelecidos em lei; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas Há multa aplicada para interfe- por crime e cumpridoras de rência estrangeira nas eleições sentença em instituição penal (a menos que tenham seus dideste estado reitos civis restaurados) e pessoas com “má saúde”

A legislação infraconstitucional coloca como eleitor qualificado os maiores de 17 anos e meio até a data do registro para a eleição

Missouri Artigo VIII, Seção 2

Título 13, Capítulo 37, parte 5, § 13-37-502

Título 13, Capítulo 35, parte Artigo IV, Seção 2 2, §§ 13-25-225, 13-25-227, 1325-241; parte 4, § 13-25-403; parte 7, § 13-35-705; Capítulo 37, parte 1, §§ 13-37-128 e 1337-131

Capítulo 115, Seções 115.631 a 115.637; e Capítulo 116, Seções 116.080, 116.090 e 116.110

Capítulo 115, seção 115.133

84 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Há também aplicação de sanção civil para escrivão que nomeia, conscientemente, registrador de campo com condenação por crime de roubo ou fraude

Não há obrigatoriedade de voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos e residentes no estado a 6 meses e 30 dias no condado ou distrito eleitoral a 30 dias imediatamente antes da eleição; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por traição ou crime (a menos que tenham seus direitos civis restaurados) e pessoas que sofrem transtornos mentais (a menos que tenham restaurada sua capacidade legal); a constituição enfatiza a proibição de exclusão do sufrágio em razão do sexo

Nevada

Há aplicação de multa para condutas ilegais de pessoas que trabalham em agência de registro eleitoral

Não há obrigatoriedade de voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos residentes no estado e devidamente registrados nos termos da lei; a constituição exclui do sufrágio os ”non compos mentis” e pessoas condenadas por traição ou crime (a menos que tenham seus direitos civis restaurados)

Nebraska

Título 24, Capítulo 293, NRS  293.505

Título 24, Capítulo 293, NRS  Artigo 2, Seção 1 293.5045

Seções VI-1 e VI-2

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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New Jersey

New Hampshire Parte 1, Artigo 11

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Capítulo 25, Subcapítulo 17, § Artigo II, Seção I junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados 19:25-17.3s de sanções criminais os maiores de 18 anos, residentes no estado, e que reinvindicaram seu voto até 30 dias antes da eleição; a constituição exclui do sufrágio pessoas julgadas como “incompetentes mentais”

Há aplicação de multa para Não há obrigatoriedade de Capítulo 657 violação de votação de ausente voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, domiciliado em alguma cidade do estado e devidamente registrado; a constituição enfatiza que o não pagamento de impostos não retira a pessoa do sufrágio; a constituição exclui do sufrágio pessoas condenadas por traição ou crime ou que violaram preceitos eleitorais

86 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


New York

New México

Artigo VII, Seção 1

Há uma multa aplicada sobre Não há obrigatoriedade de Capítulo 17, Artigo 14, § 14- Artigo II, Seção 1 quem viole regras de recibos e voto; são eleitores qualificados 127 despesas de campanha os maiores de 18 anos, residentes no estado e registrados nos termos da lei; a constituição exclui do sufrágio pessoas que foram condenadas por crime infame ou qualquer crime relacionado à eleição

Há multa aplicada para quem Não há obrigatoriedade de Artigo 19, Seção 1-19-34.6 viole a Lei de Relatórios de voto; são eleitores qualificados Campanha os maiores de 18 anos, residentes no estado e registrados nos termos da lei; a constituição exclui do sufrágio pessoas que foram condenadas por crime doloso, pessoas declaradas judicialmente como “incompetentes mentais” (que não podem exercer seu voto)

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Há multa aplicada sobre a pessoa que estando obrigada, deixa de apresentar relatório sobre contribuições e despesas de candidato em uma campanha, ou até mesmo pela apresentação tardia de tal relatório

Há uma multa aplicada sobre pessoa ou instituição que viole regras de financiamento de campanha eleitoral

North Carolina

North Dakota

Não há obrigatoriedade de Título 16.1, Capítulo 16.1-08.1, Artigo II, Seções 1 e 2 voto; são eleitores qualificados § 16.1-08.1-05. os maiores de 18 anos, residentes no estado e registrados nos termos da lei; a constituição exclui do sufrágio pessoas que foram condenadas por crime, e pessoas declaradas judicialmente como “incompetentes mentais”

Não há obrigatoriedade de Capítulo 163, Artigo 22A, G.S. Artigo VI, Seções 1, 2, 4 e 8 voto; são eleitores qualificados 163-278.34 os maiores de 18 anos, que residam no estado a 1 ano e que residam no distrito eleitoral a 30 dias imediatamente anteriores a eleição; é requisito de qualificação de registro eleitoral ser capaz de ler e escrever qualquer seção da constituição na língua inglesa; a constituição exclui do sufrágio criminosos e impede que pessoas que neguem a existência de Deus ocupem cargos eletivos

88 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Oklahoma

Ohio

Há aplicação de multa para empregador que não concede 2 horas de folga para trabalhador (qualificado como eleitor e registrado) no dia da eleição para votar

A legislação exclui do sufrágio pessoas condenadas por crime enquanto cumprem a sentença judicial e pessoas declaradas “mentalmente incapazes”

Título 26, §26-7-101

Não há obrigatoriedade de Título 26, §26-4-101. voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, residentes no estado

Eleições são livres, porém há sanção de exclusão do registro de eleitor para qualquer pessoa que falhe em votar a cada 4 anos consecutivos; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, residentes no estado ou condado ou município, registrado até 30 dias antes da eleição; são excluídas do sufrágio pessoas condenadas por crime ou pessoas “idiotas” ou “insanas” Artigo III, Seção III-1

Artigo V, §§ 1, 4 e 6

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Pennsylvania

Oregon

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Artigo XVIII, Seções 1801-1853 Artigo VII, Seções 1 (alterada junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificapela emenda XXVI) e 7 de sanções criminais dos os maiores de 18 anos, cidadão americanos a 1 mês, residentes no estado a 90 dias anteriores a eleição e residentes no distrito eleitoral que for votar a 60 dias anteriores a eleição; há sanção de perda de voto para quem comete crime eleitoral especificado no dispositivo constitucional

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Capítulo 260, §§ 260.232, Artigo II, Seções 1-3 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados 260.234, 260.285 e 260.995 de sanções criminais os maiores de 18 anos, que residam no estado a 6 meses anteriores a eleição (a não ser nos casos excepcionados legalmente), e que tenham se registrado em até 20 dias antes da eleição; são excluídos do sufrágio “incompetentes mentais” para o voto e pessoas condenadas por crime

90 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Há aplicação de sanção civil Não há obrigatoriedade de Título 7, Capítulo 13, Artigo 3, Artigo II, Seções 2, 4 e 7 junto com sanção criminal voto; são eleitores qualificados Seção 7-13-420 os maiores de 18 anos registrados eleitoralmente; são excluídos do sufrágio pessoas declaradas “incompetentes mentais” e pessoas condenadas por crime

Há aplicação de multa por falha em apresentação de declaração, emenda ou correção em tempo hábil

South Carolina

South Dakota

Não há obrigatoriedade de Título 12, Capítulo 12-27, §§ Artigo VII, §§ 1 e 2 voto; são eleitores qualificados 12-27-29.1 e 12-27-30 os maiores de 18 anos, que cumprem os requisitos de residência e registro; são excluídos do sufrágio pessoas declaradas “incompetentes mentais” e pessoas condenadas por crime

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Título 17, Capítulo 17-26, §§ Artigo II, Seção 1 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados 1-3 de sanções criminais os maiores de 18 anos, residentes no estado e no município que irá votar a 30 dias anteriores a eleição, e sendo registrado até 30 dias anteriores a eleição; são excluídos do sufrágio pessoas “non compôs mentis” e pessoas encarceradas, enquanto durar o encarceramento

Rhode Island

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Aplica-se multa por violação do limite de contribuição ou despesa de financiamento de campanha eleitoral

Aplica-se multa por violação do limite de contribuição ou despesa de financiamento de campanha eleitoral

Tennessee

Texas

Não há obrigatoriedade de Título 15, Capítulo 252, Seção Artigo VI, Seções 1-2 voto; a constituição exclui do 252.0011 (f) sufrágio menores de 18 anos, pessoas condenadas por crime (com a possibilidade de exceções definidas legalmente) e pessoas declaradas judicialmente “mentalmente incompetentes” para votar; Demais pessoas são qualificadas a votar, desde que preencham requisitos de residência e registro eleitoral

Não há obrigatoriedade de Título 2, Capítulo 10, Parte 3, Artigo IV, Seções 1-2 voto; são eleitores qualificados § 2-10-308 os maiores de 18 anos, que cumprem os requisitos de residência e registro; são excluídos do sufrágio pessoas condenadas por crime infame

92 • Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)


Aplica-se multa por violação do limite de contribuição ou despesa de financiamento de campanha eleitoral

Há aplicação de multa para violação das regras referentes aos candidatos e seus comitês de campanha

Vermont

Virginia

Utah

Capítulo II, § 42

Artigo IV, Seções 2 e 6

Não há obrigatoriedade de Título 24.2, Capítulo 9.3, Arti- Artigo II, Seção 1 voto; são eleitores qualifica- go 3, § 24.2-946.3 dos os maiores de 18 anos que preencham requisitos de residência e de registro eleitoral; são excluídos do sufrágio as pessoas condenadas por crime (a menos que tenham seus direitos civis restaurados) e as pessoas mentalmente “incapazes”

Não há obrigatoriedade de Título 17, § 2903 voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, que cumprem os requisitos de residência

Não há obrigatoriedade de voto; são eleitores qualificados os maiores de 18 anos, que cumprem os requisitos de residência; são excluídos do sufrágio pessoa “mentalmente incapaz”, pessoa condenadas por crime ou pessoa condenada por traição ou crime contra franquia eleitoral

As Sanções Eleitorais em Face da Constituição de 1988 •

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Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Título 29A, Capítulo 72, §§ Artigo VI, Seções 1 e 3 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados 29A.72.130 e 29A.72.140 de sanções criminais os maiores de 18 anos, que residam no estado, condado ou distrito eleitoral por 30 dias anteriores a eleição; são excluídos do sufrágio pessoas condenadas por crime infame (a não ser que tenham seus direitos civis restaurados) e pessoas declaradas judicialmente como “incompetentes mentais”

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Capítulo 3, Artigo 9, §§3-9-9, Artigo IV, § 4-1 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados 3-9-13, 3-9-15, 3-9-16, 3-9-17 os maiores de 18 anos, que de sanções criminais cumprem requisitos de residência no estado de 30 dias anteriores a eleição e que tenham feito o registro eleitoral; são excluídos do sufrágio pessoas condenadas por traição, crime ou suborno em eleição, e pessoas “mentalmente incapazes”

Washington

West Virginia

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Wyoming

Wisconsin

Aplica-se multa por violação do limite de contribuição ou despesa de financiamento de campanha eleitoral

Artigo III, Seção 1

Não há obrigatoriedade de Título 22, Capítulo 25, §22-25- Título 97, Artigo 6, Seções 2, 6e9 voto; são eleitores qualificados 102 os maiores de 21 anos, que tenham residido no estado a 1 ano e no condado a 60 dias imediatamente anteriores a eleição; são excluídos do sufrágio pessoas julgadas como “mentalmente incapazes” ou condenadas por crimes (a menos que sejam restaurados aos direitos civis), ou pessoas que não saibam ler o texto constitucional estadual (exceto se essa impossibilidade resultar de deficiência física)

Há aplicação de sanções civis Não há obrigatoriedade de Capítulo 12, Seção 12.60 junto com ou em substituição voto; são eleitores qualificados de sanções criminais os maiores de 18 anos que residam no estado;

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Capítulo 4 Sanções Civis por Descumprimento de Preceitos Eleitorais no Direito Comparado: Europa e América Latina CIVIL SANCTIONS FOR NON-COMPLIANCE WITH ELECTORAL RULES IN COMPARATIVE LAW: EUROPE AND LATIN AMERICA

Álvaro Ricardo de Souza Cruz Fabricia Cavalcanti Moraes Felipe Nunes Arruda Leonardo Carneiro Santos

INTRODUÇÃO Sabe-se que no Brasil, o primeiro registro de eleições é datado de 1535, quando, por meio do voto, o cidadão1 elegia aqueles que integrariam os Conselhos ou Câmaras2, votando, nesse contexto, apenas os “homens livres”, ou seja, homens brancos portugueses, que representavam uma parcela mínima da população colonial brasileira na época. Após a declaração de independência e a instauração do império brasileiro, a situação não mudou de forma significativa: a legislação eleitoral e a Constituição de 1824 entendiam como eleitores e votantes apenas homens que possuíssem uma renda mínima3, tendo a limitação do voto à renda findado apenas com a Constituição Federal de 1891 – ressaltando que o status de eleitor 1

2

3

Importante destacar que a definição de cidadão, bem como a de povo, não são definições estáticas. A noção que se tem hoje de cidadão, e consequentemente de eleitor, não eram as mesmas que se tinha no século XVI, por exemplo. PORTO, Walter Costas. Dicionário do voto – Rio de Janeiro : Lexikon, 2013. A Carta de 24, em seu artigo 92, excluía a possibilidade de voto àqueles “que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos”. (Carta de Lei de 25 de março de 1824)


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• Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)

não abrangia as mulheres. Foi apenas em 1932 – 400 anos após a primeira eleição em território brasileiro – que a mulher pôde votar em eleições públicas, por força do Código Eleitoral desse ano, destacando-se, todavia, que foi apenas com a Constituição de 1934 que o voto feminino foi expressamente disposto em uma Carta brasileira, excluindo a distinção de sexo para a caracterização do eleitor4. Por ser um pilar da democracia, inegável que o voto sempre foi e ainda é visto como um direito, principalmente por aquelas pessoas e classes que tiveram que, ao longo da história, adquiri-lo, muitas vezes por meio de lutas e conquistas, tornando o voto e o exercício desse, portanto, um direito. Todavia, além de um direito, pode-se argumentar que é também um dever. Esse dever pode ser visto por uma percepção cívica, entendendo o voto como um dever não expresso na lei, mas um dever fundante da democracia, dada a importância que representa o voto: é o instituto por meio do qual se forma a democracia e o exercício desta, sendo, assim, a mais plena expressão da vontade do povo. Assim, ter-se-ia o voto como um “dever moral”, um dever cívico que, diante de sua magnitude, não poderia ser ignorado. Portanto, esse dever cívico se relaciona de forma direta ao direito de voto, pressupondo-o, inclusive. Por outro lado, percebe-se outro tipo de dever relacionado ao voto. Ao contrário do dever anteriormente levantado, esse é concreto e palpável, é um dever positivo, jurídico. O dever de voto também pode ser percebido dentro do ordenamento do Estado, que o torna obrigatório, percebendo-o como um dever de fato, possuindo, via de regra, uma sanção diante de seu descumprimento. Desse modo, o dever de voto “positivo” depende, como sugere o nome utilizado, de disposição legal. De acordo com o Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA), atualmente 27 países adotam o instituto do voto como dever5, sendo que apenas 17 desses possuem sanção para seu descumprimento, destacando-se Argentina, Bélgica, Bolívia, Brasil, Luxemburgo e Uruguai. Todavia, há países cujo voto ainda é visto como um dever pelo texto legal (como é caso do Paraguai e do México), mas não possuem sanção relacionada a seu descumprimento, o que torna o voto, na prática, facultativo; contudo, há de se ressaltar que essa disposição, mesmo que sem previsão de sanção, é de fundamental importância para o entendimento da natureza do voto como dever. 4

5

O art. 108 da Carta de 1934 previa serem “eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei” (grifo nosso), complementado pelo art. 109, que tornava o alistamento e o voto obrigatório para homens e mulheres, expressamente. Disponível em <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout/compulsory-voting> Acesso em: 07/05/2021


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Por outro lado, os países que entendem o voto como um dever e preveem uma sanção para o descumprimento da obrigatoriedade da participação do cidadão, não deixam margem para questionamento; o voto é, de forma incontroversa, além de um direito, um dever. Geralmente representada por uma multa, a sanção caracteriza o voto como obrigatório ou compulsório, firmando a natureza do instituto como um dever jurídico e positivo. Questiona-se, diante disso, qual seria a natureza dessa multa – sanção, em sentido amplo –, tendo em vista seus detalhes e suas peculiaridades, e, ainda, se ela legitimaria ou deixaria de legitimar o resultado das eleições, tendo em vista sua influência na participação dos eleitores. Apesar das diversas categorias dentre as quais as normas jurídicas podem ser enquadradas, nesse momento há de se ater a um plano geral por meio do qual serão expostas duas categorias - as impositivas e as sancionatórias - onde a primeira possuirá como caráter antecedente fatos lícitos, que produzirão um direito (jurígeno) e como fato consequente, o “nascimento” de uma obrigação tributária. Já às normas de caráter sancionatórias, terão como antecedente a produção de um fato ilícito e, como consequência, a determinação de uma sanção, sendo a forma mais comum - especialmente no direito (penal) tributário - a multa. Sendo assim, os países que preveem o voto obrigatório, e que incorrem na aplicação de multas como medidas sancionantes, estariam enquadrados dentro dessas categorias? Se a resposta for sim, não valeria enquadrá-las na categoria de penas pecuniárias6, na qual há uma sanção coercitivamente imposta? Se a resposta for não, seria possível afirmar que essa multa possuiria uma natureza estritamente eleitoral e em nada relacionada ao direito tributário? E portanto, esse sancionamento como medida coercitiva é o que tornaria o voto um dever? Ou seria seu aspecto obrigatório que assumiria tal função e as sanções seriam puramente métodos coercitivos, para se fazer cumprir essa obrigatoriedade do voto? E, assim, essa obrigatoriedade possuiria uma finalidade fundada em si mesma, com um caráter garantidor e assecuratório?7 6

7

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998) O caráter garantidor visa ao cumprimento do exercício de um dever pelo povo, e o assecuratório assegura o exercício desse direito.


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Da mesma maneira, pode-se analisar esse aspecto na legislação brasileira, especialmente na multa prevista no art 7°do Código Eleitoral8 tem por objetivo o cumprimento de determinada obrigação, e sendo assim, a imposição de uma sanção seria para garantir a prestação de um dever-legal imposto a todos os cidadãos - sobre o tema, ressalta-se a decisão proferida pelo ex-ministro Joaquim Barbosa: “O pagamento de multa por ausência às urnas em eleições anteriores deve ser realizado até a data do pedido de registro da candidatura, sob pena de inviabilizar a participação do pré-candidato no pleito. A exigência de quitação eleitoral não é uma punição, mas um requisito legal para aqueles que desejam disputar cargos públicos. A questão aqui analisada não se concentra no valor em si da multa, mas na inadimplência de um dever legal imposto a todos os cidadãos. Afinal, o valor ínfimo da multa não dá ensejo à conclusão de que o descumprimento da obrigação eleitoral e política que a ocasionou seja também insignificante.” (TSE, AR-REsp nº 29803/GO, julg. 16/10/2008, rel. Joaquim Barbosa, psess).

Decerto, ao analisar o caráter da multa no Brasil, percebe-se aspectos que são definitivamente peculiares, pois essa não se enquadra em nenhuma categoria de aspecto tributário ou até mesmo em uma via penal, até porque já foi matéria de decisão pelo Supremo tribunal Federal (STF) constatando que a multa eleitoral se constitui como dívida ativa não tributária9. Independente do seu caráter, é interessante analisar a multa dentro da realidade socioeconômica de cada país, afinal, espera gerar um impacto nas finanças do cidadão que deixa de exercer um dever cívico-legal. Sendo assim, indaga-se também sobre o efeito das multas nas diferentes classes sociais, afinal, em sistemas sociais desiguais, multas consideráveis teriam impacto maior sobre cidadãos mais pobres, enquanto teria efeito mínimo sobre os 8

9

Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o saláriomínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. “A multa eleitoral constitui dívida ativa não tributária, para efeito de cobrança judicial, nos termos do que dispõe a legislação específica, incidente em matéria eleitoral, por força do disposto no art. 367, III e IV, do Código Eleitoral. À dívida ativa não tributária não se aplicam as regras atinentes à cobrança dos créditos fiscais, previstas no Código Tributário Nacional, ficando, portanto, sujeita à prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal. O termo inicial do prazo prescricional, observado o disposto no § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, será o primeiro dia seguinte aos 30 (trinta) dias posteriores à realização da eleição a que tiver deixado de comparecer e de justificar a ausência.” (TSE, PA nº 18882/SP, Res. nº 21197, julg. 03/09/2002, rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, pub. 04/10/2002).


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eleitores mais ricos. Assim, haveria uma relação inversamente proporcional entre impacto coercitivo e renda. Destaca-se, por outro lado, que o voto é um dever pela obrigatoriedade, não pela sanção em si. Assim, mesmo em países em que a multa é “simbólica”, ou inexistente apesar do texto legal prever a obrigatoriedade do voto, este ainda é um dever. Contudo, há uma particularidade em países que sancionam a abstenção, já que ela não pode ser analisada apenas em seu caráter político. Deve ser analisada, também, a ausência de impacto, no campo fático, da multa. Afinal, se a multa é uma sanção com finalidade de coagir o cidadão a exercer a função de eleitor, uma maior quantidade de abstenções diz muito sobre a aplicabilidade e sobre o alcance do objetivo das sanções. Dessa forma, os países democráticos, em geral, necessitam de participação popular política para alcançar legitimidade, seja do regime, seja do governo. Dentre tantas formas de participação, a mais comum é a participação eleitoral, por meio do voto. Inclusive, a respeito do impacto na legitimidade diante da ausência de participações, discorre MARQUES: O autor aponta, por exemplo, a inexistência de mecanismos de input que permitam que se fale em algo além de “democracia eleitoral”. Fatos como o comparecimento declinante às urnas, a desconfiança crescente dos cidadãos e o esvaziamento de entidades ligadas ao campo político, tais como os partidos, são resultantes da sensação de que os cidadãos não possuem espaço efetivo de influência política. (MIGUEL, 2003 apud MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida. Participação Política, Legitimidade, e Eficácia Democrática. CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 591-604, Set./Dez. 2010)

É evidente que o voto não é o único ponto importante na participação popular enquanto meio da legitimidade, mas, definitivamente, é essencial, uma vez que, a Constituição Federal, em seu art. 14, considera o voto direto como meio de exercer a soberania direta. Assim, a busca por um maior índice de participação é, consequentemente, uma busca por uma maior legitimidade política. Em razão disso, países (independente do sistema eleitoral) se esforçam para mapear e colher dados sobre os índices de participação eleitoral. Nesse sentido, o fato de países de voto facultativo com índices de participação eleitoral maiores em relação a países que adotam o instituto do voto como obrigatório não significa, necessariamente, falhas no uso do meio coercitivo ou do sistema obrigatório do voto. Afinal, deve-se levar em consideração uma série de fatores para compreender a participação social nas eleições em cada país, como educação, cultura cidadã, incentivo à participação política (para além do voto), momento social. Portanto, são inúmeros os fatores que resultam em um índice alto ou baixo de participação/abstenção.


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Diante da complexidade da natureza do voto e do sistema em que está inserido, o presente artigo visa à análise comparada da legislação interna relacionada ao exercício eleitoral e as suas sanções civis nos países da América Latina e da Europa, tendo como base referencial as sanções por descumprimento previstas no artigo 7° do Código Eleitoral Brasileiro. A análise das legislações eleitorais e dos dados estatísticos resultantes da aplicação dessas normas, objetiva uma percepção da realidade dos sistemas eleitorais desses países e suas diferenças eleitorais e políticas. Dessa forma, a partir deste estudo, evidencia-se a necessidade de um olhar amplo acerca do exercício eleitoral e seus impactos políticos e sociais. 1. O DEVER DE VOTO E A SANÇÃO DECORRENTE DE SEU DESCUMPRIMENTO Considera-se o voto um dos mais importantes instrumentos na democracia, afinal, é por ele que os cidadãos realizam a escolha de seus representantes em situação de poder. Uma vez que esse regime político se compreende pela participação ativa e igualitária de todos os indivíduos, é imprescindível o instituto do voto. Dessa forma, objetivando a redução do número de abstenção, os Estados que adotam a obrigatoriedade do voto, utilizam-se de métodos coercitivos para inibir a falta dessa atuação eleitoral, representadas pelas sanções. Estas são classificadas em sanções por descumprimento de preceito eleitoral, que na prática se configuram como multas e até mesmo o cerceamento de determinados direitos fundamentais, e às sanções por reincidência pela ausência da participação eleitoral. Sendo assim se faz necessário discorrer sobre as noções de voto em relação à sua característica de direito e dever, conforme destaca José Jairo Gomes: Sua natureza jurídica deve ser bem explicitada, pois, consoante adverte Ferreira (1989, p. 295), ele “é essencialmente um direito público subjetivo, é uma função da soberania popular na democracia representativa e na democracia mista como um instrumento deste, e tal função social justifica e legitima a sua imposição como um dever, posto que o cidadão tem o dever de manifestar a sua vontade na democracia”. (FERREIRA, 1989, pg. 295 apud GOMES, 2020, p.872)

Sendo assim, o instituto do voto como um dever jurídico está presente nos ordenamentos de diversos países pelo mundo. Esse dever pode ser encontrado sob duas formas: o voto como um dever jurídico com previsão de


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sanção por seu descumprimento, sendo, na prática, uma obrigação; e o voto como um dever jurídico sem previsão de sanção por seu descumprimento, fato que o torna, na prática, facultativo. Nesse sentido, o que garante a obrigatoriedade do voto está diretamente relacionado à capacidade coercitiva do Estado - uma vez que este se configura como o titular exclusivo do direito de punir - jus puniendi10 - e que se concretiza por meio de sanções, que visam ao pagamento por determinado ato infracional; as multas. Por outro lado, os países que preveem o voto como obrigação, mas não sancionam os eleitores que o descumprem, demonstram uma obrigatoriedade simbólica, cujo enfoque está no dever cívico a ser exercido. Em alguns países, devido às mudanças e às revisões sofridas em suas legislações, as penalidades que eram impostas perderam seu efeito punitivo e, consequentemente, deixaram de ser aplicadas ou até mesmo foram retiradas de seus dispositivos legais. Este fato pode ser observado tanto em países da América Latina quanto da Europa, o que implicaria um reconhecimento global de que a eficácia dessas sanções não mais estaria exercendo o efeito desejado. Acontecimento observado, por exemplo, no México11, onde há a existência de dispositivos constitucionais e legislativos que preveem o voto como uma obrigação, mas não mais preveem penalidades por seu descumprimento. 1.1. MULTA No que tange aos países da América Latina e da Europa que preveem sanções em seus ordenamentos jurídicos, é necessária uma análise comparativa das suas sanções eleitorais, a começar com a aplicação de multas dentro da realidade socioeconômica de cada país. Como já foi apresentado anteriormente, a multa objetiva a criação de um impacto nas finanças do cidadão que deixa de praticar o exercício do seu dever. Essa comparação pode ser observada a partir da análise da tabela dos valores das multas, tendo como referência o salário mínimo em cada país. 10

Tal direito se trata de um poder com caráter abstrato de punir que venha a praticar um fato definido na lei como uma infração. 11 Esse fato pode ser observado na Constituição Política Mexicana de 1917, que dispõe no artigo 35 que “Son prerrogativas del ciudadano :I.- Votar en las elecciones populares; II.- Poder ser votado para todos los cargos de elección popular, y nombrado para cualquier otro empleo o comisión, teniendo las calidades que establezca la ley; (...)”, estabelecendo, ainda, em seu artigo 36, incisos III e IV, que “Son obligaciones del ciudadano de la República: (...) III.- Votar en las elecciones populares en los términos que señale la ley; IV.- Desempeñar los cargos de elección popular de la Federación o de los estados, que en ningún caso serán gratuitos”.


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• Álvaro Ricardo de S. Cruz / José Alfredo de Oliveira B. Júnior / José Adércio L. Sampaio (Orgs.)

País

Salário mínimo

Salário mínimo (R$)

Valor da multa

Valor da multa (R$)

Porcentagem Máxima (%)

Argentina

$29.160

R$1.700,00

50 a 500 pesos

R$2,80 até 28,00

1,65%

Bolívia12

2.122,00 Bs

R$1.146,10

25% do salário mínimo

R$286,52

25%

Brasil

R$1.100,00

R$1.100,00

3 a 10% de 33,02 UFIR13

R$1,05 a 3,51.

0,32%

Equador

US$437,50

R$2.320,76

10% da remuneração mensal unificada

R$23,27

10%

R$5,84 até 58,38.

5,00%

R$60,00 até 240,00

11,8%

Peru

930 Sobs

R$1.167,75

Calculada de acordo com os níveis de pobreza - variando de 0,5% a 5% do salário mínimo

Uruguai

U$16.300

R$2.030,00

500 a 2000 pesos

O valor do “republicanismo”14 implícito no “sancionamento” pela omissão ao cumprimento do “dever de voto” parece, em regra, ceder ao valor “liberalizante” do voto como direito subjetivo. É, claramente, o que se 12

Os dados utilizados para o levantamento dos valores referentes à Bolívia tiveram como referência o ano de 2019, ano da cartilha emitida pelo Tribunal Supremo Electoral boliviano que regulamenta as multas eleitorais do país. <http://www.protagonistas.cm.org.bo/archivos/normas/Reglamento_Sanciones_Multas_ EG_2019.pdf> Acesso em: 06 de junho de 2021. 13 Apesar de o Código Eleitoral prever que, caso o cidadão que deixe de votar e deixe de se justificar perante juízo eleitoral, “incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região”, por força do artigo 85 da Resolução do TSE nº 21538/2003, a multa varia entre 3 a 10% do valor de 33,02 UFIR. 14 O princípio Republicano se classifica como um dos princípios estruturantes da Constituição de 1988. De acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, em sua obra “Curso de Direito Constitucional”, o princípio é responsável por “fixar a forma de Governo do Estado, estabelecendo a relação entre governantes e governados. A res pública (ou a coisa do povo) se caracteriza pelo fato do povo, em todo ou em parte, possuir o poder soberano, ao passo que na monarquia, tem-se apenas um governante, marcando uma oposição, principalmente, contra a tradição do Absolutismo. (...) Tal forma de governo tem por base a defesa da igualdade formal entre as pessoas, de modo que o poder político será exercido eletivamente, por mandato representativo, temporário. destaca-se, ainda, uma característica importante na forma republicana, que é a res-


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percebe no Brasil cujo valor da multa soa irrisório se comparado com Peru, Bolívia Equador e Uruguai. Tais países impõem multas em valor aproximado ao de alguns países europeus, como Luxemburgo. Ali a multa chega a 250 euros, cerca de 11,35% do salário mínimo daquele país. Curioso pensar se o acréscimo do valor da punição “valoriza” ou “desvaloriza” o princípio republicano, pois o comparecimento às urnas se faria mais pelo temor à sanção do que pelo dever cívico. Nesse sentido, curioso observar que a Bélgica cobra multas no valor máximo de 10 euros, cerca de 0,62% do salário mínimo local. E, mesmo assim, o país registra uma das mais altas taxas de comparecimento do mundo, tendo obtido uma participação eleitoral de 88,47%15 nas eleições de 2019. 1.2. MAJORAÇÃO POR REINCIDÊNCIA Dessa forma, é necessário discorrer sobre a finalidade das sanções por reincidência de tal preceito eleitoral. Sob esse aspecto, pode-se analisá-la por duas perspectivas: a primeira seria que, fundamentalmente, o Estado visa penalizar o indivíduo que deixar de praticar seu dever cívico, e por isso, sua natureza seria punitiva. Já a segunda via seria de que, a multa pela reincidência não visaria a punição, mas sim a pretensão de incentivar o eleitor a votar, uma vez que, diante da possibilidade de aplicação de multa, este se sentiria coagido a participar das eleições. Desse modo, a segunda perspectiva assume que a natureza seria coercitiva. Contudo, independente do viés escolhido, a multa ainda possui como um de seus principais fundamentos, a dissuasão, ou seja, a busca de que a coletividade compreenda a prática de tal ato - ou nesse caso, deixar de praticar - como algo desvantajoso e que deve ser censurado. Portanto, essa penalidade se torna um instrumento de dissuasão e intimidação à sociedade, utilizada pelo Estado. Ora, o cidadão que se ausentar durante as eleições e perceber a não punição de seus atos, terá uma grande probabilidade de repetir essa infração, uma vez que não houve coerção no sentido de exercer a sua obrigação como votante. E, portanto, essa ausência de punição pode ser um dos fatores para explicar crescimento das taxas de abstenção nos países da América Latina e Europa16. Se o valor irrisório da punição não desanima os eleitores belgas, ponsabilidade: os governantes são responsabilizáveis por seus atos, seja com sanções políticas (impeachment), seja com sanções penais e civis.” 15 <https://www.idea.int/data-tools/country-view/60/40>. Acesso em maio de 2021. 16 Os dados da Europa podem ser encontrados no site <https://www.europarl.europa.eu/election -results-2019/es/participacion/>. Visualização em maio de 2021. Dados da América latina em:


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tampouco é possível desconsiderar que valores punitivos maiores implicam, também, maiores índices de adesão do eleitorado. Nesse sentido, destaca-se tanto Luxemburgo17, em comparação com o restante da União Europeia, quanto o Uruguai, que obteve a maior taxa de participação da América Latina. O quadro abaixo ilustra como as taxas de participação podem ser impactadas, também, por multas no caso de reincidência: Países que Preveem Penalidades Por Reincidência País

Penalidade - Multa

Multa (R$)

Taxa de participação (%)18

Uruguai

2500 - 5000 pesos uruguaios

R$300,00 – R$600,00

90,12%19

Luxemburgo

€500 - €1.000

R$3.200,00 – R$6.400,00

84,24%

1.3. DEVER JURÍDICO DE VOTO SEM SANÇÃO Por outro lado, há também aqueles países que, apesar de igualmente destacarem o voto como um dever, pressupondo sua obrigatoriedade, optam por não penalizar a ausência injustificada do eleitor. Nesse sentido, países que não aplicam penas aos eleitores que deixam de votar, mas expressam o sufrágio como um dever em seu ordenamento, apesar de caracterizarem o voto como obrigatório, fazem-no apenas em um plano abstrato, teórico, sendo o instituto, na prática, facultativo. A Constituição paraguaia, por exemplo, em seu artigo 118, dispõe que o “sufragio es derecho, deber y función pública del elector” (grifo nosso)20, caracterizando, de forma expressa e indubitável, o voto como um dever21. Todavia, ao analisar a legislação eleitoral do Paraguai, percebe-se que não há, de fato, qualquer referência a uma sanção que decorra do descumprimento desse referido dever. Assim, apesar de dever jurídico – posto que expresso pelo <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169659?show=full>. Para saber mais : <https:// brasil.elpais.com/internacional/2020-10-05/america-latina-encara-processo-eleitoral-ineditocom-mais-de-dez-eleicoes-marcadas-pela-pandemia.html>. Acesso em maio de 2021. 17 <https://www.idea.int/data-tools/country-view/60/40> Acesso em: maio de 2021. 18 Os dados foram coletados pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance, e foram apenas utilizados os dados das últimas eleições, realizadas em 2019. Para saber mais: <https://www.idea.int/data-tools/country-view/176/40> Acesso em maio de 2021. 19 <https://eleccionesnacionales.corteelectoral.gub.uy/ResumenResultados.htm>. Acesso em 31/05/2021. 20 PARAGUAI. Constitución de la República del Paraguay de 1992. Acesso em 16 de maio de 2021. <Disponível em: http://digesto.senado.gov.py/archivos/file/Constituci%C3%B3n%20de%20 la%20Rep%C3%BAblica%20del%20Paraguay%20y%20Reglamento%20Interno%20HCS.pdf> 21 Reforçado pelo art. 1º do Código Eleitoral paraguaio, que reitera o voto como um dever.


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próprio ordenamento – a obrigatoriedade do voto acaba se tornando um dever abstrato – dever moral, debitum sem obligatio –, um dever ser dessa obrigatoriedade. O mesmo acontece em outros países latino-americanos, como é o caso da Costa Rica22 e do México23, cujas Constituições preveem o voto como um dever, mas o ordenamento não o entende como um dever jurídico pleno, uma vez que não há sanção aplicável para o descumprimento dele. A Constituição chilena, por sua vez, dispõe, em seu artigo 15, que o voto é obrigatório para os cidadãos chilenos24; apesar de se assemelhar com os demais países anteriormente descritos – no sentido de não possuir uma sanção decorrente da ausência injustificado do voto – o ordenamento chileno se diferencia na medida em que o voto deixou de possuir sanção por meio de lei orgânica, em 2012, passando o voto a ser plenamente voluntário25. A ocorrência de previsão do voto como um dever expresso, mas sem previsão de uma sanção decorrente de seu descumprimento, não se restringe aos países americanos, estando presente também na Europa, particularmente na legislação grega. Da mesma forma que o Chile, a Constituição da Grécia prevê, em seu artigo 51, a obrigatoriedade expressa do voto. Entretanto, apesar de já ter possuído sanção para o descumprimento desse dever, desde 2001, o ordenamento grego descaracterizou o voto como compulsório, passando instituto a ser facultativo – dever ser. Por outro lado, ao contrário da mudança chilena, a alteração legislativa na Grécia se deu por revisão constitucional26. 2. SANÇÃO DECORRENTE DO DESCUMPRIMENTO DE SANÇÃO A sanção, que pressupõe a natureza obrigatória do voto, caracterizando-o como dever, não se restringe à multa e à pena pecuniária. Além dessa sanção – que, em geral, se relaciona diretamente ao descumprimento da 22

“Articulo 93. El sufragio es función cívica primordial y obligatoria y se ejerce ante las Juntas Electorales en votación directa y secreta, por los ciudadanos inscritos en el Registro Civil” (grifo nosso). 23 “Artículo 36. Son obligaciones del ciudadano de la República: (...) III - Votar en las elecciones, las consultas populares y los procesos de revocación de mandato, en los términos que señale la ley” (grifos nossos). 24 “Artículo 15. En las votaciones populares, el sufragio será personal, igualitario y secreto. Para los ciudadanos será, además, obligatorio” (grifo nosso). 25 A Ley 20.568/2012, responsável pela mudança do status do voto no ordenamento chileno, refere-se ao voto como “derecho a sufrágio”. 26 A revisão constitucional de 2001 suprimiu a cláusula que previa que sanções penais poderiam ser impostas por lei aos eleitores que não participassem do processo eleitoral.


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obrigação de voto – outro tipo de sanção deve também ser destacada, usando como ponto referencial o §1º do art. 7º do Código Eleitoral pátrio. Reforçando o instituto do voto como um dever, a imposição de sanção para o eleitor que deixa de votar é importante ferramenta de coerção do voto. Sem uma aplicação de uma sanção decorrente do descumprimento da primeira sanção, essa resta quase inócua, perdendo o sentido essencial da obrigatoriedade do voto, uma vez que o cidadão, mesmo não votando, ao deixar de adimplir com a dívida decorrente de sua abstenção, torna o voto, na prática, facultativo, perdendo, assim, sua caracterização como um dever-obrigação. Nesse sentido, faz-se necessária uma sanção para o descumprimento da sanção decorrente do descumprimento da obrigatoriedade do voto – ou uma aplicação efetiva da multa27. O Código Eleitoral brasileiro, Lei 4.737/1965, prevê, em seu artigo 7º, §1º, sanções para o descumprimento da multa aplicada ao cidadão ausente nas eleições28, elencando uma série de proibições ao eleitor que deixa de votar ou deixa de justificar a ausência de voto. O pagamento da multa, somada a algumas proibições, atingem diretamente diretos individuais do infrator. Está-se diante, portanto, de um embate de direitos, uma vez que o direito do voto, em sua característica fundamental de dever, sobrepõe-se sobre outros direitos, como o direito à educação – no inciso VI, §1º, art. 7º, do Código Eleitoral – ou direito de ir e vir – inciso V do mesmo dispositivo. 2.1. SANÇÃO DIRECIONADA A FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E AO ACESSO A CARGOS PÚBLICOS Ao analisar as sanções relacionadas à obrigatoriedade do voto na Bélgica , percebe-se que a sanção decorrente da ausência injustificada na eleição, apesar de branda, reforça a caracterização do sufrágio como um dever da mesma forma que nos demais países cujo voto é obrigatório. Além da majoração no valor econômico da multa no caso de reincidência, o Código Eleitoral belga também prevê que, o eleitor que se ausentar nas eleições de forma 29

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Note-se que, apesar de não possui sanções decorrentes do descumprimento da multa aplicada no caso de não observância do dever de voto, Luxemburgo possui uma cobrança efetiva dessa multa, suprindo, de certa forma, a necessidade de mais uma penalização; por outro lado, países como Bélgica, Brasil ou Uruguai, não praticam a cobrança efetiva, mas aplicam as sanções decorrentes do descumprimento do não pagamento da multa eleitoral, conforme será analisado. 28 “Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: (...)” 29 Ressalta-se que a Bélgica é um dos poucos países europeus a possuírem o voto compulsório de fato.


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injustificada pelo menos quatro vezes dentro de 15 anos é afastado dos cadernos eleitorais por 10 anos, não podendo, no mesmo período, ser nomeado, promovido ou receber distinção em órgãos estatais30. Assim, percebe-se que a aplicação das sanções pecuniárias eleitorais da Bélgica, apesar de brandas – tendo em vista que a multa pelo descumprimento da obrigatoriedade do voto é consideravelmente baixa e a majoração de seu valor só se aplica após quatro reincidências – ainda é presente, ocupando lugar fundamental no ordenamento jurídico belga. No entanto, a suspensão dos direitos eleitorais e as restrições relativas ao exercício de munus público parece-nos uma posição bastante mais severa. Aqui, talvez, encontra-se a explicação para a alta adesão do eleitorado belga às urnas eleitorais. O mesmo método de sanção é aplicado em países latino-americanos, como Uruguai e Argentina, atingindo de forma mais severa, normalmente, funcionários públicos. Essa majoração da pena de descumprimento da obrigatoriedade do voto para infratores que exercem cargo público deve ser ressaltada, posto que considera, de certa forma, os funcionários como o próprio organismo estatal, sendo peça fundamental para o exercício da democracia. É possível entender que os funcionários públicos mereçam uma punição mais grave do que outros cidadãos justamente porque são integrantes do staff estatal. No entanto, parece desarrazoada essa postura, uma vez que todos, servidores públicos ou não, são igualmente cidadãos. Sob essa perspectiva, é necessário que se realize uma análise em dois aspectos sobre cargos públicos, uma vez que a sanção pode ser aplicada especialmente ao cidadão que atua em função pública, mas também pode estar relacionada com o ingresso em cargos dessa função. Sobre a aplicação de sanção aos servidores públicos, destaca-se a Argentina, que, conforme art. 127 do código eleitoral31, sanciona os empregados da administração pública 30

“Art. 210 – Sans préjudice des dispositions pénales précitées, si l’abstention non justifiée se produit au moins quatre fois dans un délai de quinze années, l’électeur est rayé des listes électorales pour dix ans et pendant ce laps de temps, il ne peut recevoir aucune nomination, ni promotion, ni distinction, d’une autorité publique” Disponível em: http://www.ejustice.just.fgov.be/cgi_loi/ change_lg.pl?language=fr&la=F&cn=1894041230&table_name=loi 31 “Artículo 127. - Constancia de justificación administrativa. Comunicación. Los jefes de los organismos nacionales, provinciales, de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires o municipales expedirán una constancia, según el modelo que establezca la reglamentación, que acredite el motivo de la omisión del sufragio de los subordinados, aclarando cuando la misma haya sido originada por actos de servicio por disposición legal, siendo suficiente constancia para tenerlo como no infractor.Los empleados de la administración pública nacional, provincial, de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires o municipal, que sean mayores de dieciocho (18) años y menores de setenta (70) años de edad, presentarán a sus superiores inmediatos la constancia de emisión del voto, el día siguiente a la elección, para permitir la fiscalización del cumplimiento de su deber


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que deixam de apresentar comprovante de voto aos seus superiores imediatos, no dia seguinte à eleição, com suspensão de até seis meses - podendo até chegar à rescisão em caso de reincidência. Ademais, esses superiores imediatos devem, também, prestar contas aos seus superiores para notificar a situação de seus empregados. Interessante ressaltar que, se houver omissão ou imprecisão na comunicação dessa prestação de contas, os superiores imediatos podem sofrer, também, a sanção de suspensão por até 6 meses. Diante disso, nota-se uma punição mais contundente em relação aos servidores públicos em comparação com os demais países. No Brasil, por sua vez, as sanções aplicadas ao servidor público atingem, exclusivamente, aspectos financeiros, ou seja, impedem que o cidadão que descumpra com o dever de votar receba “vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público”32. O Uruguai, de maneira semelhante, aplica as sanções em seu aspecto financeiro, vez que o art. 14 da sua Lei eleitoral dobra a multa aplicada por descumprimento do dever de votar aos funcionários públicos e quando tiverem “la calidad de profesionales con títulos expedidos por la Universidad de la República”33. Nos casos destacados acima, as sanções são aplicadas diretamente ao servidor público que descumprir com o dever de votar. Contudo, existem sanções que objetivam o impedimento para alcançar cargos públicos. É imprescindível destacar a diferença entre essas duas sanções, vez que versam de votar. Si no lo hicieren serán sancionados con suspensión de hasta seis (6) meses y en caso de reincidencia, podrán llegar a la cesantía.Los jefes a su vez darán cuenta a sus superiores, por escrito y de inmediato, de las omisiones en que sus subalternos hubieren incurrido. La omisión o inexactitud en tales comunicaciones también se sancionará con suspensión de hasta seis (6) meses. De las constancias que expidan darán cuenta a la justicia nacional electoral dentro de los diez (10) días de realizada una elección nacional. Estas comunicaciones tendrán que establecer el nombre del empleado, último domicilio que figure en su documento, clase, distrito electoral, sección, circuito y número de mesa en que debía votar y causa por la cual no lo hizo. (Artículo sustituido por art. 3° de la Ley N° 26.774 B.O. 02/11/2012)” 32 “Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;” 33 “Artículo 14.- Las multas establecidas en el artículo 10 se duplicarán cuando los ciudadanos omisos tengan la calidad de profesionales con títulos expedidos por la Universidad de la República, o funcionarios Públicos”.


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sobre o cargo público de maneiras diferentes. Afinal, enquanto uma sanciona o cidadão que ocupa emprego público, a outra sanciona o cidadão “comum” que almeja alcançar esses cargos. Essa diferença merece uma análise particular, uma vez que demonstra que o objetivo principal dessas sanções não é o infrator, mas o cargo público em si, devido à sua importância administrativa nas funções democráticas do Estado. Percebe-se, pois, uma falha pontual no desenho institucional dos regimes democráticos de tais Estados, dando pesos distintos ao servidor público em relação ao cidadão comum. As penalidades, previstas na legislação eleitoral, sobre o cidadão que almeja alcançar cargo público encontram respaldo em quatro grandes países sul-americanos – Argentina, Brasil, Bolívia e Uruguai. Os três últimos merecem destaque, uma vez que ilustram a sanção por descumprimento de sanção. A Bolívia, no art. 154 da lei de regime eleitoral, garante que não poderão acessar cargos públicos aqueles “Sin el Certificado de Sufragio o el comprobante de haber pagado la multa, las electoras y los electores, dentro de los noventa (90) días siguientes a la elección”34. O Brasil, no §1º, I, do art. 7º trata da proibição de inscrição em concurso para cargo ou função pública, bem como da impossibilidade de se empossar de cargo público ao eleitor que não apresentou a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente35. No Uruguai, por sua vez, o artigo 13 da lei eleitoral36 prevê que sem comprovante de votação ou de pagamento da multa, o cidadão não pode ingressar na Administração Pública37. 34

“Art. 154 - El Certificado de Sufragio es el único documento que acredita haber cumplido con la obligación del voto. Sin el Certificado de Sufragio o el comprobante de haber pagado la multa, las electoras y los electores, dentro de los noventa (90) días siguientes a la elección, no podrán: a) Acceder a cargos públicos. b) Efectuar trámites bancarios. c) Obtener passaporte”. 35 “Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I – inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;” 36 “Artículo 13.- Los ciudadanos que hayan cumplido 18 años de edad antes del último acto electoral y no exhiban sus credenciales con algunos de los sellos previstos en artículos 6º, 7º y 10, o las constancias sustitutivas expedidas por las Juntas Electorales, no podrán. D) Ingresar a la Administración Pública. Esta prohibición no será subsanada con el pago de la multa provista en el artículo 10 de la presente ley;” 37 Nota-se que, no caso do Uruguai, a sanção não incide sobre cargo ou função pública em sentido amplo, tratando-se especificamente da Administração Pública, como ressalta a obra El funcionario público y sus formas de ingreso a la administracion pública: “Los ciudadanos que hayan cumplido dieciocho años de edad antes del último acto electoral y no exhiban sus credenciales con algunos de los sellos previstos en los arts. 4, 5 y 8 de la Ley Nº 16.017, o las constancias sus-


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Isso significa que a sanção restritiva de alcance a cargos públicos, nesses países, não advém diretamente do descumprimento do dever eleitoral, mas sim do descumprimento de responsabilidades decorrentes do voto, seja da apresentação do certificado de voto, seja do pagamento da multa - ou da justificativa, no caso do Brasil. Por outro lado, a Argentina é uma exceção no que diz respeito à aplicabilidade direta da sanção por descumprimento do dever de voto, ou seja, de penalização em relação ao acesso das funções públicas não decorre do descumprimento de outras sanções. Assim, o eleitor que deixa de votar é incluído em um registro de infratores e, uma vez em tal lista, o cidadão não poderá ser designado para desempenhar funções ou empregos públicos durante 3 anos a partir da eleição. Sendo assim, resta evidente o caráter direto dessa sanção - o cidadão descumpre o dever de voto, é inserido no registro e, por consequência, é impedido de desempenhar funções públicas, conforme arts. 18 e 125 do Código Eleitoral argentino38. titutivas expedidas por las Juntas Electorales, no podrán ingresar a la Administración Pública. Esta prohibición no será subsanada con el pago de la multa prevista en el art. 8 de dicha Ley” (CAMEJO, Ana Valeria Garcia; SEMENUE, Maria Esther Leva; LEMOS, Melissa Viviana Martinez. 2011 p.43-44) 38 “Artículo 18: Registro de infractores al deber de votar. La Cámara Nacional Electoral llevará un registro de infractores al deber de votar establecido en el artículo 12. Luego de cada elección nacional, elaborará un listado por distrito, con nombre, apellido y matrícula de los electores mayores de dieciocho (18) años y menores de setenta (70) años de edad de quienes no se tenga constancia de emisión del voto, el que pondrá en conocimiento del Poder Ejecutivo. Los gobiernos provinciales y de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires podrán solicitar a la Cámara el listado correspondiente a los electores de su distrito” “Artículo 125. - No emisión del voto. Se impondrá multa de pesos cincuenta ($ 50) a pesos quinientos ($ 500) al elector mayor de dieciocho (18) años y menor de setenta (70) años de edad que dejare de emitir su voto y no se justificare ante la justicia nacional electoral dentro de los sesenta (60) días de la respectiva elección. Cuando se acreditare la no emisión por alguna de las causales que prevé el artículo 12, se entregará una constancia al efecto. El infractor incluido en el Registro de infractores al deber de votar establecido en el artículo 18 no podrá ser designado para desempeñar funciones o empleos públicos durante tres (3) años a partir de la elección. El juez federal con competencia electoral de distrito, si no fuere el del domicilio del infractor a la fecha prevista en el artículo 25, comunicará la justificación o pago de la multa al juez electoral donde se encontraba inscripto el elector. (Expresión ‘juez electoral’ sustituida por la expresión de ‘juez federal con competencia electoral’, por art. 47 de la Ley N° 27.504 B.O. 31/5/2019. Vigencia: el día siguiente de su publicación en el Boletín Oficial). Será causa suficiente para la aplicación de la multa, la constatación objetiva de la omisión no justificada. Los procesos y las resoluciones judiciales que se originen respecto de los electores que no consientan la aplicación de la multa, podrán comprender a un infractor o a un grupo de infractores. Las resoluciones serán apelables ante la alzada de la justicia nacional electoral. (Artículo sustituido por art. 3° de la Ley N° 26.774 B.O. 02/11/2012”


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Nesse contexto, é interessante destacar o caso do Equador, cuja legislação eleitoral não prevê sanção além da multa para o cidadão que, obrigado, deixe de cumprir com o dever de votar. Contudo, a “Ley Orgánica del Servicio Público” estabelece o voto como requisito para ingressar ao serviço público39. Nesse sentido, por mais que se trate de um requisito e não de uma sanção pela legislação eleitoral, não deixa de haver uma penalização - por meio da impossibilidade de ingressar em serviço público - ao cidadão que deixe de participar da eleição. Insta salientar que tal penalidade, como a sanção eleitoral da Argentina vista anteriormente, ocorre de maneira direta, sem decorrência do descumprimento de outra sanção, mas não tira o caráter de exceção da Argentina por não se tratar de sanção prevista na legislação eleitoral, e sim de um requisito formal para ingressar em cargos públicos. Diante da imagem do cargo público em relação ao voto - seja do empregado, seja do cidadão que almeja tal cargo -, conclui-se que há uma situação peculiar. De um lado, parece razoável que a desídia do cidadão em exercer seu papel republicano implique restrição do mesmo para exercício de funções públicas. De outro lado, é bastante criticável que servidores públicos recebam punições não extensíveis a empregados privados, por flagrante violação do princípio da isonomia em um Estado Democrático de Direito. Pode-se até argumentar que os profissionais de emprego público são representantes da atuação do Estado, e, consequentemente, são exemplos em atitudes sociais, razão pela qual as sanções são mais duras, objetivando ao cumprimento do dever eleitoral dos profissionais que ocupam (ou ocupariam) esses cargos. Contudo, a ideia de igualdade de todos no exercício e gozo do direito/dever de voto parece violada. Essa realidade presente em países da América Latina, expõe a relevância dada ao voto enquanto um dever público, social, cívico, da mesma forma que demonstra a relevância dos cargos públicos, para além da sua atuação, na sociedade. 2.2. DEVER DE VOTO E O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO A importância dada à obrigatoriedade do voto é tamanha que as penalidades podem alcançar até mesmo Direitos Fundamentais, demonstrando um embate entre o direito ao voto - em seu caráter de dever - e esses direitos fundantes. A dimensão deste conflito mostra-se um pouco mais sensível ao analisar o conceito de Direitos Fundamentais por José Afonso da Silva, em sua obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”: 39

“Art. 5.- Requisitos para el ingreso.- Para ingresar al servicio público se requiere: e) Haber sufragado, cuando se tiene obligación de hacerlo, salvo las causas de excusa previstas en la Ley;”


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No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2014)

Diante disso, conclui-se que as sanções que atingem a esfera dos direitos supracitados são as mais graves, vez que estão atingindo direitos necessários à condição humana40; o que reforça a importância da obrigatoriedade do voto e das sanções para os países que as impõem. É o caso da educação, previsto na Constituição Federal41 e na Declaração Universal de Direitos Humanos42, uma vez que a imposição de restrições acerca do acesso e do gozo da educação pública, em razão da abstenção eleitoral, ou descumprimento de sanção por abstenção, ilustra perfeitamente a determinação do dever de participação eleitoral como condicionante ao acesso a um Direito Fundamental. 40

Salienta-se que a concepção de direitos fundamentais como aqueles direitos elementares para a vida humana expõe um conceito mais amplo. Contudo, há também um conceito mais restrito como ressalta Paulo Bonavides na obra Curso de direito constitucional: “Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam, segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo. Ao lado dessa acepção lata, que é a que nos serve de imediato no presente contexto, há outra, mais restrita, mais específica, mais normativa, a saber: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais” (BONAVIDES, 2019. p. 574) 41 “A norma, assim explicitada - ‘A educação, direito de todos e dever do Estado e da família [...]’ (arts. 205 e 227) -, significa, em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização. A Constituição mesmo já considerou que o acesso à educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria, é direito público subjetivo; equivale reconhecer que é direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, isto é, direito exigível judicialmente, se não for prestado espontaneamente.” (SILVA, 2014, p. 317) 42 “Artigo 26° - 1) Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2) A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3) Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”


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Nesse sentido, o Brasil, no artigo 7º, §1º, VI do Código Eleitoral43 impede a renovação de matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo ao eleitor que deixa de provar que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou se justificou devidamente. Tal sanção não é comum ao analisar o ordenamento jurídico de diversos países, uma vez que, dos analisados nesta pesquisa, apenas o Uruguai contém sanções neste mesmo aspecto, impossibilitando que o cidadão que, obrigado a votar, não apresenta comprovante de votação ou pagamento da multa “Inscribirse ni rendir examen ante cualesquiera de las Facultades de la Universidad, ni Institutos Normales, ni Institutos de Profesores;”44 Isso significa a imposição de uma proibição ao acesso à educação pública, ou seja, para que o cidadão goze da educação pública – Direito Fundamental –, ele deve estar em regular cumprimento com seu dever cívico de votar. Essa realidade verificada no Brasil e no Uruguai sedimenta o entendimento de que o voto é um dever de supra importância para a democracia. Afinal, estabelecer uma sanção que atinge a esfera de um Direito Fundamental demonstra um alto grau de importância daquilo que se objetiva proteger: a participação eleitoral. Contudo, há no Uruguai, previsão de penalização que se relaciona com a educação pública, mas não gera um conflito com o Direito Fundamental de acesso à educação. Como já mencionado, o art. 14 da lei eleitoral uruguaia duplica as multas previstas por descumprimento de voto no art. 1045, quando os cidadãos infratores 43

“Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: VI – renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;” 44 “Artículo 13.- Los ciudadanos que hayan cumplido 18 años de edad antes del último acto electoral y no exhiban sus credenciales con algunos de los sellos previstos en artículos 6º, 7º y 10, o las constancias sustitutivas expedidas por las Juntas Electorales, no podrán. E) Inscribirse ni rendir examen ante cualesquiera de las Facultades de la Universidad, ni Institutos Normales, ni Institutos de Profesores;”. Ressalta-se que esses institutos citados na lei tratam de instituições de diversas atuações na área da educação uruguaia, abrangendo os cursos superiores e também a formação docente em seus diversos níveis. 45 “Artículo 10.- El ciudadano que sin causa justificada no cumpliera con la obligación de votar, incurrirá en una multa de $ 500.00 (quinientos pesos) a $ 2. 000. 00 (dos mil pesos) por la primera vez; de $ 2.000.00 (dos mil pesos) a $ 5.000.00 (cinco mil pesos) por cada una de las siguientes. El pago de las multas se hará efectivo en las Juntas Electorales del Departamento donde el ciudadano debió votar y dichas Oficinas estamparán en la Credencial del ciudadano omiso, un sello, con las firmas del Presidente y Secretario de la Junta, que diga: “Elecciones del día..... de..... de 19..... - No votó, pagó multa de $ -.. - - “. En caso de que el ciudadano omiso, al


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tiverem a qualidade de profissionais titulares de diplomas expedidos pela Universidade da República, ou de Funcionários Públicos. Dessa forma, a sanção não afeta o acesso à educação em si, mas pune mais severamente o cidadão que já gozou da educação pública, um direito garantido pelo Estado, e deixou de cumprir o seu dever cívico de participação das eleições. Por mais que neste caso a sanção apareça em seu aspecto financeiro, mais uma vez está-se diante de um embate entre a educação pública e o voto. Afinal, se na sanção, analisada anteriormente, o voto é tratado como uma condição para o acesso à educação pública, nesta, o acesso à educação pública torna a não participação eleitoral mais grave, vez que a multa é duplicada. Diante do exposto acerca das limitações impostas ao cidadão que deixa de votar em relação à educação, a mensagem de Paulo Freire, em “Pedagogia da Indignação”46 parece ser bastante adequada: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000. pg. 67). A educação é um ponto chave para o conhecimento, e consequentemente para múltiplas - possivelmente incontáveis - questões individuais, sociais e políticas. Dentre elas, destaca-se a questão central desta pesquisa: a participação eleitoral, que apresenta relação com o grau de educação47. Portanto, impedir o acesso à educação em decorrência da abstenção pode ser uma sanção que gera consequência contrária à que se objetiva. Isto porque a educação é capaz de auxiliar na transformação da pessoa, possibilitando um cenário em que um cidadão que deixa de votar passe a ser ativo em relação à participação eleitoral - até mesmo em relação à participação política e social para além das obrigações eleitorais. pagar la multa no presentase su credencial, la Junta Electoral le expedirá una constancia del pago en la que conste la serie y el número de la credencial y el nombre del ciudadano, así como el hecho de haber pagado multa, con especificación de su monto y la mención de la fecha del acto electoral a que se refiera. La Corte Electoral, previamente a cada elección, fijará el monto a que ascenderán las multas, dentro del mínimo y el máximo establecidos precedentemente.” 46 FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Apresentação de Ana Maria Araújo Freire. Carta-prefácio de Balduino A. Andreola. São Paulo: Editora UNESP, 2000. 47 Conforme gráfico do TSE, as eleições de 2018 demonstram claramente como há uma relação direta entre participação eleitoral e grau de instrução, vez que as abstenções de quem possuía ensino superior completo, ensino superior incompleto e ensino médio completo não ultrapassaram 14% cada, enquanto os demais grupos aumentam gradativamente conforme menor a instrução, variando entre 18,31% em relação à quem possuía ensino médio incompleto e 50,80% em relação aos analfabetos. Para saber mais: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais


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2.3. RESTRIÇÃO À DOCUMENTAÇÃO CIVIL Ainda, outra sanção por descumprimento da pena de multa decorrente da abstenção injustificada do voto além das analisadas até aqui – interdição do exercício de cargo público e restrição ao acesso à matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo – é a obtenção a passaporte e carteira de identidade, tendo por base o inciso V do §1º do art. 7º do Código Eleitoral. Está-se, portanto, diante do direito à documentação civil – tema sensível na realidade brasileira – e, principalmente, diante do direito de ir e vir – apesar de relativizado –, ambos subjugados pelo direito e dever de voto. O direito à documentação civil, apesar de direito básico de todo cidadão brasileiro, deve ser objeto de uma análise cuidadosa. O tema da subnotificação e de brasileiros com ausência de documentos tem sido matéria de destaque nas políticas públicas brasileiras na última década, tendo em vista a importância que a documentação civil possui na situação social do país. Nesse sentido, em entrevista para o Jornal Nacional48, em maio de 2020, o economista da FGV, Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), descreveu o brasileiro sem documentação como um “não-cidadão”, posicionado “à margem de qualquer tipo de ação do estado”, estando desprotegido durante toda sua vida. Assim, o Relatório de Estatísticas do Registro Civil, publicado em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)49, divulgou que, em 2004, o número de crianças sem registro civil no primeiro ano de vida alcançava 17%, tendo esse número quase sido erradicado – beirando 1% – no ano de publicação de estudo. Apesar de específicos, os dados indicam a suscetibilidade do brasileiro à subnotificação, indicando a sensibilidade da documentação no país. No mesmo sentido da tese levantada pelo economista brasileiro, Hannah Arendt, em sua obra Origens do Totalitarismo, discorre acerca do sujeito que, ao perder sua qualidade política (status político, concretizado pela cidadania), não mais integraria plenamente a sociedade, passando a ser visto apenas como sujeito pertencente “à raça humana da mesma forma como animais pertencem a uma dada espécie de animais” (ARENDT, 2012)50. 48

Disponível em: <https://www.cps.fgv.br/cps/bd/clippings/xc821.pdf>. Acesso em 21/05/2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=7135>. Acesso em: 21/05/2021. 50 Dessa forma, Arendt, fundamentando-se na crítica de Edmund Burke à Declaração de Direitos do Homem, da Revolução Francesa, entende que o conceito de “Homem” como um sujeito abstrato – e consequentemente, dos direitos humanos não vinculados a um determinado Estado 49


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Logo, na lógica arendtiana, o direito de integrar a sociedade seria, fundamentalmente, o “direito de ter direitos”, posto que, sem o reconhecimento da cidadania – ou seja, “despido” de qualidade política –, o sujeito integraria plano inferior e subjugado ao dos demais cidadãos integrados à coletividade. Nesse sentido: “Os sobreviventes dos campos de extermínio, os internados nos campos de concentração e de refugiados, e até os relativamente afortunados apátridas, puderam ver (...) que a nudez abstrata de serem unicamente humanos era o maior risco que corriam”

Portanto, a documentação civil e o acesso a ela seriam, sobretudo, acesso à própria caracterização de cidadão, ou seja, à concretização da qualidade política do sujeito, de forma que, a partir delas, o individuo, além de protegido pelo Estado, estaria protegido também pelo ordenamento jurídico, se desvencilhando do status de “não-cidadão” sugerido por Marcelo Neri. Dessa forma, ao proibir o acesso do brasileiro a documentos de identificação – passaporte e carteira de identidade – por meio da sanção eleitoral de não cumprimento da multa, o Estado se coloca em situação delicada. Portanto, isso justifica o fato de que, da legislação eleitoral analisada, o Código Eleitoral brasileiro é único que prevê a defesa de obtenção de carteira de identidade, enquanto a restrição ao passaporte é presente na legislação boliviana também. Por outro lado, apesar de forma relativa, outro direito limitado pelo inciso V se relaciona à liberdade de locomoção e ao direito de ir e vir, na medida que, além de documento de identificação, o passaporte é documento de viagem, necessário para a maioria51 das viagens internacionais. Nesse sentido, estar-se-ia diante da limitação ao acesso a viagens internacionais, atingindo, de forma direta, a liberdade de locomoção. O Código Eleitoral uruguaio, em seu artigo 13, proíbe ao cidadão que deixe de votar52 obter “pasaje para el exterior de ninguna empresa o compañía de transporte de pasajeros”, ou seja, apesar de não proibir a expedição de passaporte diretamente, a lei do Uruguai produz os mesmos efeitos ao impedir –, bem como o conceito de sociedade kantiano, abrem caminho para uma nova lógica concreta, pragmática, de forma que o “Homem” daria espaço para o homem. 51 Destaca-se que o passaporte não é necessário, por exemplo, para viagens entre países do Mercosul, sendo a carteira de identidade suficiente. 52 A legislação uruguaia se refere a carimbos, que são dados no momento da eleição, no momento da justificação da ausência na eleição ou no momento do pagamento da multa referente a ausência injustificada.


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a compra de passagens para o exterior. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que a legislação uruguaia é ainda mais rígida, uma vez que impede também a locomoção entre os países que permitem a entrada com a apresentação de documento de identidade – como no Mercosul –, a não ser que o cidadão viaja em carro próprio. Assim, independente se pela forma adotada pela legislação Uruguai – ao proibir a obtenção de passagem para o exterior – ou pelo meio utilizado pelas legislações brasileira e boliviana – impedindo a obtenção do passaporte –, poder-se-ia sustentar uma afronta ao direito humano à locomoção, na medida que impediria ou obstruiria o cidadão de sair do país. Todavia, há de se notar que essa afronta é circunscrita a uma classe social especifica, ou seja, só atinge, efetivamente, aquele cidadão que possui condições (ou necessidade) de viajar internacionalmente. Tendo em vista que as sanções são aplicadas apenas em países sul-americanos, destacando-se a Bolívia e o Brasil, países com números de desigualdade e de pobreza notavelmente preocupantes53, a aplicabilidade da sanção fica restrita, visando atingir as classes sociais mais altas – que, inclusive, são, em geral, pouco atingidas pelas outras sanções impostas pelo descumprimento da obrigação de voto. 2.4. DIREITOS ECONÔMICOS E AS SANÇÕES POR DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE VOTO Ademais, outro aspecto que deve ser contemplado, devido a sua peculiaridade, é a concorrência que se encontra disposta no inciso III, do art 7° do Código Eleitoral. Para abordar tal assunto, é necessário o entendimento a respeito do termo licitação, que se configura como ato administrativo, que visa a garantia da igualdade de condições a todos que queiram realizar um contrato com o Poder Público - sendo estabelecida de forma prévia às contratações de serviços54. A importância de seu entendimento se deve ao 53

De acordo com dados oficiais do governo boliviano, quase 14% da população se encontrava na margem da pobreza extrema. Já no Brasil esse número beira os 10%, com projeções negativas para os anos seguintes à pandemia do COVID-19. Dados disponíveis em: <https://www.ine.gob. bo/index.php/estadisticas-economicas/encuestas-de-hogares/> e <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza.html>. Acesso em: 24/05/2021. 54 Matheus Carvalho, em sua obra “Manual de Direito Administrativo” ensina, acerca das licitações, que: “(...) De fato, os gestores buscariam contratar com base em critérios pessoais, atendendo a interesses privados. (...) A exigência de um procedimento licitatório busca contornar esses riscos, por ser um procedimento que antecede o próprio contrato, por meio do qual várias pessoas podem concorrer em igualdade de condições e a Administração Pública pode escolher a proposta mais vantajosa, além de atuar na busca do Desenvolvimento Nacional e evitar a


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fato da concorrência se caracterizar como uma das modalidades de licitação previstas legalmente, no art. 22, § 1º da Lei 8.666/9355. Mais uma vez a força do princípio republicano se faz presente. A desídia com o dever de voto impõe limitação ao direito de prestar serviços para o Estado. Por conseguinte, está previsto no art. 7, §1º, III56, que a participação dessa modalidade, seja pública ou administrativa, será vedada em caso de não comprovação de votação, pagamento de multa ou justificação devida. Sobre isso, cabe ressaltar que esse inciso se mostra mais restrito que os anteriores, no que diz respeito aos entes que devem fazer a exigência de quitação eleitoral, não se incluindo às empresas públicas, sociedades de economia mista, as fundações e por fim, às delegatárias e serviços públicos. Esse inciso merece uma especial atenção, devido a posição e a importância do direito fundamental que está sendo cerceado: a livre iniciativa, que possui um âmbito de proteção alargado, englobando a liberdade econômica e a de concorrência, sendo esta última objeto da sanção. Sob esse aspecto, nota-se que essa previsão do Código Eleitoral é uma especificidade do ordenamento jurídico pátrio, uma vez que não há essa previsão nas legislações analisadas. Da mesma forma que o art. 7, §1º, III, em relação ao aspecto econômico, o inciso IV também se qualifica como uma particularidade do ordenamento pátrio, ao sancionar a proibição de obtenção de empréstimo em instituição financeira pública57. De forma semelhante, este inciso também engloba aspectos públicos ao limitar o direito do cidadão em buscar auxílio financeiro, de qualquer estabelecimento de crédito que esteja correlacionado ao ente estatal. contratação do poder Público com valores superfaturados e com sobrepreço. Dessa forma, a licitação é um procedimento administrativo prévio às contratações públicas, realizado em uma série concatenada de atos, legalmente distribuídos, culminando com a celebração do contrato” 55 “Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Art. 22. São modalidades de licitação: §1º Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.” Destaca-se que a Lei 8.666/1993 será revogada no ano de 2023, por força do artigo 193, II, da Lei nº 14.133/2021, aprovada em dezembro de 2020 e publicada em abril de 2021. 56 “§1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;” 57 “nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos”.


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Ao passo que, não há outros países com essa mesma previsão, pode-se encontrar na Bolívia, alguns aspectos com similaridades a este inciso, visto que está disposto na Lei eleitoral, em seu artigo 154, alínea b, que “El Certificado de Sufragio es el único documento que acredita haber cumplido con la obligación del voto. Sin el Certificado de Sufragio o el comprobante de haber pagado la multa, las electoras y los electores, dentro de los noventa (90) días siguientes a la elección, no podrán: b) Efectuar trámites bancários”. Entretanto, nesse caso há uma ampliação ainda maior do que o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que não especifica quais os procedimentos que poderiam ser realizados, logo há uma pressuposição de que não pode ocorrer a realização de quaisquer que sejam os procedimentos bancários. Ainda com relação à Bolívia, destaca-se o valor atribuído à sua multa pelo não comparecimento ou ausência de apresentação do comprovante eleitoral, que se configura por 25% do salário mínimo local, representando a porcentagem mais elevada e discrepante se comparada, não só com a América Latina, mas também com a Europa. Esse elevado valor, somado a amplitude da esfera de atuação das sanções, evidencia o sancionamento de punições mais severas, uma vez que afeta a esfera particular do cidadão, de forma a contrariar não só os direitos fundamentais da Constituição boliviana, como também o que está previsto no artigo 25 da Declaração de Direitos Humanos – ratificada pela Bolívia –, que prevê que: Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

A exemplo disso, tem-se o “El Bono Contra el Hambre”58, que se configura como um auxílio entregue pelo governo boliviano durante a pandemia do COVID-19 aos mais vulneráveis, por meio do Decreto nº 434559, de 22 de 58

El Bono Contra el Hambre foi a primeira medida realizada pelo governo boliviano visando à reconstrução e à reativação da economia após medidas adotadas para conter o avanço da pandemia do COVID-19. Para saber mais <https://www.economiayfinanzas.gob.bo/el-bono-contra -el-hambre-beneficio-a-mas-de-4-millones-personas-el-33-corresponde-al-area-rural.html#:~:text=El%20Bono%20contra%20el%20Hambre%20fue%20la%20primera%20medida%20 que,la%20pandemia%20del%20COVID%2D19> e <https://as.com/diarioas/2021/01/14/actualidad/1610657754_953447.htm>. Acesso em maio de 2021. 59 O Decreto Supremo nº 4345, de 22 de setembro de 2020 pode ser acessado por meio do site; https:// www.lexivox.org/norms/BO-DS-N4345.xhtml?dcmi_identifier=BO-DS-N4345&format=xhtml > Acesso em maio de 2021.


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setembro de 2020, em que, a princípio, os cidadãos que não apresentassem o comprovante de quitação eleitoral, ficariam sem receber o crédito governamental. Todavia esta medida sofreu alteração por meio de manifestação expressa do Tribunal Supremo Electoral para garantir que a não apresentação do certificado de quitação eleitoral se caracterizasse como um impedimento de acesso ao auxílio60. Ora, está-se diante de um período marcado pela instabilidade política e econômica (com grande dificuldade de obtenção de empregos) em um curto período, que, em decorrência da amplitude da sanção legal boliviana, ocorreu a sobreposição do dever de votar sobre os demais direitos humanos e fundamentais, inclusive o de se ter uma vida digna61, momento este marcado por situações de indignidade - como a perda de lares e até o enfrentamento da fome. 3. FINALIDADE DAS SANÇÕES Independente do objeto que a sanção alcança, seja a multa, sejam as limitações de direitos fundamentais, observa-se que sua função primordial é tornar o cidadão participativo politicamente (ou melhor, eleitoralmente), de forma que a participação popular alcance altos índices nas eleições. O objetivo do Estado é, portanto, reduzir o número de cidadãos passivos diante do cenário político do país, isso porque a maior participação política se relaciona diretamente com a legitimidade do governo, mas mais importante que isso, do regime democrático em si, sendo uma sociedade politicamente ativa um sinal de rigidez e segurança política. Nesse sentido, os Estados sedimentam, em seus ordenamentos, sanções de caráter e pesos variados para alcançar o objetivo supracitado. Ainda a respeito do caráter das sanções, também se destacam as com previsão que criam um embate entre os direitos humanos e fundamentais, e, consequentemente, acabam estabelecendo um conflito do direito-dever de 60

Importante ressaltar que o “Tribunal Supremo Electoral” determinou que “para a cobrança do ‘Título Contra a Fome’, cujo pagamento é feito nas Entidades de Intermediação Financeira, os beneficiários não precisam apresentar as certidões de sufrágio da Eleição dos Poderes Políticos Departamentais e Regionais e Municipal 2021 (sic). Além do mais, por meio do Decreto 4486, o governo estabeleceu novo prazo para a cobrança do auxílio, estendendo até o dia 31 de maio de 2021. <https://www.lostiempos.com/actualidad/pais/20210416/tse-informa-que-no-se-necesitacertificado-sufragio-cobrar-bono-contra>. 61 “CAPÍTULO SEGUNDO PRINCIPIOS, VALORES Y FINES DEL ESTADO- Artículo 8. II. El Estado se sustenta en los valores de unidad, igualdad, inclusión, dignidad, libertad, solidaridad, reciprocidad, respeto, complementariedad, armonía, transparencia, equilibrio, igualdad de oportunidades, equidad social y de género en la participación, bienestar común, responsabilidad, justicia social, distribución y redistribución de los productos y bienes sociales, para vivir bien” (grifo nosso)


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votar sobre estes. A exemplo, o país com a legislação sobressalente por conta da condição severa da sanção, foi o Uruguai. Como já foi aludido anteriormente, verifica-se um conflito entre o disposto no artigo 13-E e o 13-F com o direito fundamental de acesso à educação pública, e com o direito humano à livre locomoção. Além do mais, destaca-se também o valor atribuído às multas, que se comparado com os valores dos demais países da América Latina é o único a possuir uma multa que ultrapassa 10% do salário mínimo - como já foi demonstrado pela tabela. Outrossim, sua singularidade também reside no fato de ser o único a constar em sua legislação sobre multas por reincidência em caso de não participação eleitoral - do continente sul-americano. Torna-se evidente, então em como essas medidas, na prática geram resultados, de modo que ficou demonstrado nas eleições uruguaias de 2019, que obteve a maior taxa de participação ativa nas últimas eleições da América Latina - compondo-se da presença de 2.699.46362 de eleitores, sendo este número equivalente a 90,12% de participação da população eleitoral. Conforme visto, nos países cujo instituto do voto é obrigatório, aplica-se a multa ao eleitor que deixa de votar e, na maior parte dos casos, aplica-se a sanção por descumprimento da primeira penalidade; contudo, o que se objetiva com essas punições? Há de se questionar, portanto, a razão dessas sanções decorrentes do descumprimento do dever do voto, analisando o sentido dessas dentro do ordenamento jurídico, democrático e social do Estado. Teriam as sanções o caráter unicamente punitivo, penalizando o cidadão com o objetivo estrito de punir uma conduta “antidemocrática” prevista em lei? Ou, por outro lado, poderiam as sanções serem vistas pelos Estados como um método “reformatório”, visando “reeducar” o cidadão por meio da aplicação de penalizações para fazê-lo votar em eleições futuras? Ou, ainda, poderiam essas sanções funcionar como método “preventivo”, no sentido de coagir o eleitor a votar para que este evite aquelas penalidades eleitorais? Esses questionamentos podem atingir tanto as multas decorrentes do descumprimento do dever de voto, quanto as sanções resultantes do não pagamento da primeira penalidade. 3.1. FINALIDADE DAS MULTAS ELEITORAIS Ao analisar as multas e a finalidade dessas sanções, deve-se observar, fundamentalmente, o valor da penalidade pecuniária resultante do descum62

<https://eleccionesnacionales.corteelectoral.gub.uy/ResumenResultados.htm> Acesso em maio de 2021.


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primento da obrigatoriedade do voto. Nota-se que, em países que adotam uma multa de valor elevado, como Bolívia, Equador, Luxemburgo e Uruguai, tendo em vista estar diante de uma conduta contrária ao dever jurídico de voto, o Estado visa atingir economicamente o eleitor que deixa de votar, estando presente, portanto, a natureza punitiva da sanção. Assim, a aplicação da multa como uma punição pressupõe, fundamentalmente, um valor suficiente para que o cidadão seja atingindo de fato. Contudo, ressalta-se que a multa não teria como finalidade, apenas, punir o indivíduo, possuindo o objetivo “reformatório”, na medida em que, uma vez tendo sofrido a aplicação da penalidade pecuniária de alto valor, o eleitor não tornaria a cometer a infração eleitoral para evitar a punição; e, ainda, possuindo a finalidade “preventiva”, na medida em que o cidadão votaria com vistas a evitar a multa de valor elevado. Por outro lado, em países como Argentina, Brasil, Peru e, principalmente, Bélgica, cuja multa pela ausência injustificada do voto possui valor ínfimo, há de se concluir que a intenção legislativa não é punir o eleitor ausente; tendo em vista os baixos valores econômicos das penalidades – possuindo, dessa forma, pouco ou nenhum impacto substancial ao cidadão, representando um valor simbólico – possuiria a multa uma finalidade “preventiva”, no sentido de fazer com que o eleitor vote não para evitar o impacto da multa, mas sim para evitar o incômodo e a burocracia de realizar o pagamento dessa punição. Ademais, a finalidade preventiva é reforçada nos países que, apesar dos baixos valores da multa, aplicam sanções por descumprimento da primeira penalidade de forma mais incisiva; nesse sentido, o eleitor além de evitar o valor da multa, evitaria também as penalidades decorrentes do não pagamento dessa. 3.2. FINALIDADE DAS SANÇÕES DECORRENTES DO DESCUMPRIMENTO DE SANÇÃO Dessa forma, indubitavelmente, as sanções por descumprimento da multa decorrente da abstenção injustificada do voto possuem caráter preventivo; todavia, questiona-se se, além da finalidade preventiva, se essas penalidades também teriam como objetivo punir o cidadão. Inicialmente, deve-se notar que essas penalidades – que acarretam a perda de direitos do cidadão – não se relacionam diretamente com o descumprimento do dever de voto, se caracterizando, na verdade, como uma sanção decorrente da multa resultante do descumprimento do dever de voto. Assim, está-se diante, conforme analisado, de uma sanção por descumprimento de uma sanção, sendo esta diretamente relacionada ao dever de voto. Posto isso, é evidente


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que essas sanções se caracterizem como mais “duras”, como punições mais incisivas, uma vez que o Estado já penalizou o eleitor ausente por meio da multa por descumprimento da obrigação de voto; dessa forma, é lógica a aplicação de sanções mais severas. Diante do exposto, há de se concluir que, além da natureza preventiva, essas penalidades que acarretam a perda de direitos, inegavelmente, possuem a caracterização punitiva. Contudo, qual seria o objetivo essencial dessas punições? Teriam elas alguma relação direta com o instituto do voto ou a punição seria aplicada apenas para punir o eleitor? Sendo este o caso, essa sanção estaria colocando a punição acima da reeducação do cidadão? Conforme analisado, as sanções por descumprimento da multa decorrente da ausência injustificada nas eleições – apesar de específicas, variando de país a país – geram, em geral, um embate direto entre o dever de voto e direitos fundamentais e humanos. Contudo, nem sempre essas sanções, mesmo se relacionando com o sufrágio, possuem alguma correlação lógica com o instituto; é o caso, por exemplo, do art. 154, alínea b, do Código Eleitoral boliviano, que prevê que eleitores sem Certificado de Sufragio não poderão “Efectuar trámites bancarios”, ou seja, o texto legal boliviano limita o acesso do cidadão a operações bancárias em um sentido amplo, sem sequer circunscrever esta limitação ao acesso a instituições financeiras públicas. Por outro lado, ao limitar o acesso do cidadão a operações bancárias, as legislações uruguaia63 e brasileira64 circunscrevem essa aplicação apenas para instituições estatais. Nesse sentido, uma vez descumprido um dever imposto pelo próprio Estado – dever esse que deve ser entendido, fundamentalmente, 63

“Artículo 13.- Los ciudadanos que hayan cumplido 18 años de edad antes del último acto electoral y no exhiban sus credenciales con algunos de los sellos previstos en artículos 6º, 7º y 10, o las constancias sustitutivas expedidas por las Juntas Electorales, no podrán: B) Cobrar dietas, sueldos, Jubilaciones y pensiones de cualquier naturaleza, excepto la alimenticia; C) Percibir sumas de dinero que por cualquier concepto les adeude el Estado (Poderes Ejecutivo, Legislativo y Judicial, Municipio, Entes Autónomos y Servicios Descentralizados)” 64 “§1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III – participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos estados, dos territórios, do Distrito Federal ou dos municípios, ou das respectivas autarquias; IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;”


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como dever de interesse público – poder-se-ia perceber, de forma clara, a intenção reformatória da penalidade, tendo em vista que se estaria limitando ao cidadão o acesso a um serviço público em decorrência do descumprimento de um dever público. Assim, estariam presentes os caráteres punitivos e reeducativos das sanções brasileiras e uruguaias; enquanto, na penalidade boliviana descrita, estaria presente, somente, o caráter punitivo. Portanto, conclui-se que, uma vez presente a circunscrição da sanção que limita ou atinge os direitos do eleitor ausente a serviços públicos, estar-se-ia diante, além da natureza punitiva, diante da natureza reformatória da penalidade. 4. PARTICIPAÇÃO ELEITORAL E AS SANÇÕES DECORRENTES DO DEVER DE VOTO Conforme observado, as sanções por descumprimento do dever de votar objetivam à participação política dos cidadãos. Contudo, por mais que a sanção eleitoral seja o ponto central de análise desta pesquisa, inúmeros são os fatores que impactam em uma sociedade mais ativa politicamente, e, consequentemente, nos índices mais altos de participação eleitoral. Fazem-se necessárias, para evidenciar este fato, as análises de dados de abstenção e comparecimento eleitoral de diversos países, com diferenças e semelhanças no instituto do voto. Em um primeiro momento, observa-se que países de voto facultativo - sem sanções por descumprimento - chegam a apresentar variações consideráveis entre suas participações eleitorais, a título de exemplo destaca-se a Alemanha - por ser referência política europeia -, com 76,2%65 de participação e o Chile66, que apresenta taxa de comparecimento inferior à 50%. Quanto aos países de voto obrigatório, nota-se também a discrepância entre suas participações eleitorais, na Bolívia, no Uruguai e na Bélgica, como já visto, a taxa de comparecimento é alta - próxima de 90% -, por outro lado, o Brasil apresenta índices de participação de 76,85%67. Assim, o índice de 65

Dado retirado do site do IDEA (Institute for Democracy and electoral assistance). É de extrema importância ressaltar que os dados retirados do IDEA dizem respeito ao número total de votos pelo número de cidadãos registrados, havendo diferença entre estes e os dados baseados no número total de votos por «população em idade de votar», que também consta no site. <https:// www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. 66 Nas eleições presidenciais de 2017, apenas 49,02% dos eleitores chilenos votaram: <https:// historico.servel.cl/servel/app/index.php?r=EleccionesGenerico/Default/MesasElectores&id=216&Ext=1> Acesso em: 30/05/2021. 67 Dado retirado do site do Tribunal Superior Eleitoral <https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais> Acesso em: 30/05/2021.


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comparecimento do Brasil está mais próximo do alemão - apesar do voto facultativo - do que do uruguaio. Portanto, conclui-se que o impacto das sanções nas estatísticas de participação eleitoral é visível, mas não é capaz de estabelecer, exclusivamente, a alta participação eleitoral da população, além de contar com maior número de eleitores interessados apenas em se desincumbir de uma obrigação imposta, representados, muitas vezes, pelos votos brancos e nulos68. Dessa forma, questiona-se a obrigatoriedade do voto, vez que, sendo seu objetivo maior a participação eleitoral por meio das sanções, a qualidade do voto é discutível, afinal, há uma parcela considerável de eleitores que votam para se desincumbir de uma obrigação, ou por temor da sanção aplicada à abstenção. Sendo assim, haveria a participação pela obrigação (sanção) e não por noções de cidadania e atividade política cidadã. Ora, seria possível definir que uma alta taxa de participação eleitoral, por si só, é capaz de atribuir legitimidade ao governo e ao regime democrático? Ou seja, garantiria uma democracia mais sólida e segura? Caso fosse verdade, estaríamos definindo que a democraticidade de um país pode ser medida facilmente pela sua taxa de comparecimento às eleições. É evidente que a realidade não é tão simples, a participação constitui importante fator para a democracia, mas se encontra imersa em um emaranhado de fatores das mais diversas áreas. Neste contexto, observa-se o fenômeno do voto facultativo, majoritariamente adotado na Europa, e os fundamentos para a sua existência, pautados na qualidade do voto e na liberdade do cidadão. Assim, sobressai o voto em seu caráter de direito, respeitando princípios do liberalismo e da escolha individual - não excluindo o voto como dever cívico, mas impossibilitando sua sobreposição face às liberdades do indivíduo no Estado Democrático de Direito. Por outro lado, a participação eleitoral nesses países não pode ser negligenciada, afinal se for muito baixa, há também uma perda considerável de democraticidade, vez que as eleições seriam decididas por um núcleo de cidadãos “conscientes” - ativos eleitoralmente. Assim, o povo (demos) capaz de impactar na política em termos de atribuição de poder (kratos) seria uma parcela mínima - de poucos (olígos) interessados69 - diminuindo a visualização 68

No ano de 2018, o Brasil apresentou números recordes de voto nulo, por diversos motivos, como insatisfação política, descrédito dos governos, polarização política, desinteresse, mas independente das razões, questiona-se se esse eleitor compareceria às urnas caso o voto, no Brasil, fosse facultativo - ou sem sanções. Para saber mais: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/ eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/percentual-de-voto-nulo-e-o-maior-desde-1989-somade-abstencoes-nulos-e-brancos-passa-de-30.ghtml>. Acesso em 31/05/2021. 69 Oligos, do grego, significa poucos, razão pela qual denomina-se oligarquia como o governo de poucos. Não se trata de compreender os países que apresentam baixos índices de participação


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de democraticidade nesses casos. Portanto, para uma experiência mais democrática nesse sistema, objetiva-se um alto número de cidadãos politicamente ativos por vontade própria. Diante disso, a experiência do voto facultativo na Europa apresenta muitas variações; a Alemanha, como visto, apresenta taxa de participação razoavelmente elevada e qualitativa, considerando a ausência da obrigatoriedade e da coerção estatal, portanto estar-se-ia diante de uma experiência eleitoral democrática positiva, demonstrando capacidade de apresentar a legitimidade e a segurança, em geral, objetivada. Nesse mesmo sentido, é imprescindível destacar a Dinamarca e a Suécia como referências, uma vez que mesmo com o voto facultativo alcançam 84,6%70 e 87,6%71 de participação eleitoral, respectivamente, - dados muito mais próximos daqueles analisados em países de voto obrigatório, como a Bélgica e o Uruguai, do que o próprio Brasil, que também contém a obrigatoriedade em seu sistema eleitoral. Insta salientar, ainda, que as variações dentro do sistema eleitoral de voto facultativo aparecem até mesmo dentro de um mesmo país; nas eleições de 2017, a França apresentou dados de participação eleitoral de 74,6% nas eleições presidenciais e de 48,7%72 nas eleições legislativas73. Dessa forma, enquanto a primeira taxa aponta uma participação razoavelmente elevada da população, a segunda aponta uma participação consideravelmente baixa, apesar de estarem sob análise os mesmos cidadãos na mesma eleição74.

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como regimes oligárquicos, uma vez que há a faculdade dos cidadãos participarem do processo político nacional. Contudo, é fundamental destacar que o interesse está atrelado a fatores diversos, dentre eles nota-se o acesso à educação, a cultura cívica e a renda. Sendo assim, a razão pelo interesse na participação política está longe de ser aleatória, por mais que seja tema de muita complexidade. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. Ainda na Europa, outro caso que se destaca é legislação da França. O voto, a rigor, não é dever jurídico para o cidadão, mas o “Code électoral” francês prevê a inscrição nos cadernos eleitorais como obrigatória (Article L9), apesar de não haver sanção direcionada à penalização do descumprimento da obrigação – nesse sentido, o voto na França não possui a caracterização de um dever, mesmo que indiretamente, como seria no caso da cobrança da inscrição. Todavia, um elemento da legislação francesa que se distingue das demais é o voto obrigatório somente nas eleições para o Senado. Tal obrigação, em contrapartida, não se estende ao eleitor comum, uma vez que o Senado do país europeu é eleito de forma indireta, por meio de um collège electoral (Article L280), um colégio eleitoral. Nesse sentido, apenas o voto dos membros do Colégio possui relação obrigatória, havendo, inclusive, sanção decorrente da abstenção injustificada do voto (Article L318). Esse fenômeno pode ser compreendido diante do sistema político francês. Trata-se de um semipresidencialismo, em que o presidente eleito escolhe o primeiro-ministro - que deve ser aprovado pelos parlamentares. Portanto, há uma maior preocupação popular com o cargo de presidente.


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Em outro aspecto há também aqueles países que apresentam números intermediários estáveis no que diz respeito ao comparecimento eleitoral dos cidadãos. Dentre eles, destacam-se a Espanha e o Reino Unido, que apresentam, já há algum tempo, taxa de participação eleitoral aproximada de 71%75 e 67%76, respectivamente. Sendo assim, apesar de não apresentar participação eleitoral elevada, contém números razoáveis e sólidos - pela constância - diante da facultatividade do voto. Contudo, observa-se a experiência de países de voto facultativo que alcançam, como no Chile e nas eleições legislativas da França, marcas pouco expressivas de participação. É também o caso de Portugal, em que o país apresenta uma queda gradativa nos dados de participação eleitoral, estando abaixo de 50% nas últimas duas eleições presidenciais e na última eleição parlamentar. A Croácia, por sua vez, também apresenta índices próximos de 50% nas eleições. Nesses casos, como destacado anteriormente, a democraticidade e a legitimidade do regime e dos governos apresentam uma segurança menor do que aquela experienciada em países de voto facultativo com altas taxas de participação eleitoral. Diante disso, é de interessante análise o caso da Polônia, que, nas eleições deste século, manteve seus índices sempre próximos a 50%77, contudo, nas eleições parlamentares de 2019 e presidenciais de 2020, apresentou taxa de comparecimento de 61,7% e 68,2%, respectivamente78. Dessa forma, resta evidente que a participação popular nas eleições não é algo fixo - sem evolução no espaço-tempo -, possibilitando que os países, em geral, almejem taxas maiores de participação eleitoral. Em sentido contrário, a preocupação com a queda de participação é fundamental, o que fica evidente na análise da Itália, que apresenta índices de participação próximos a 73% (longe de ser uma taxa baixa), contudo, desde as eleições de 2006 o país vive uma queda considerável nas taxas de comparecimento - apresentando uma queda de mais de 10% no período79. Teoricamente, não haveria necessidade de os Estados estabelecerem sanções para sustentar altos índices de participação eleitoral, e, consequentemente, 75

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<https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. <https://www.idea.int/data-tools/data/voter-turnout> Acesso em: 02/06/2021. Nas eleições de 2006, a Itália apresentou taxa de participação eleitoral de 83,6%, 80,5% em 2008, 75,2% em 2013 e, finalmente, 72.9% em 2018. Por não se tratar de matemática básica, é impossível prever mais uma queda nas próximas eleições, contudo, esses dados nos permitem perceber que vem ocorrendo, na Itália, uma redução considerável de cidadãos ativos eleitoralmente. Dados retirados do site do Institute for Democracy and electoral assistance (IDEA).


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sobrepor-se-ia o instituto do voto enquanto direito sobre o instituto como um dever. No entanto, diante do exposto nesta pesquisa, resta evidente que as sanções cumprem papel ímpar na coerção do cidadão, de forma que os índices de comparecimento eleitoral são elevados nos países que estabelecem punições por descumprimento de voto. Sendo assim, enquanto (a ausência de) outros fatores forem incapazes de sustentar altos índices de participação eleitoral, a obrigatoriedade do voto e as sanções encontrarão respaldo para sua existência nos ordenamentos jurídicos ao redor do globo terrestre. CONCLUSÃO Vivemos no país uma grave crise de fundo social, político e econômico. Centenas de milhares de mortos pela Pandemia da COVID-19, índices estratosféricos de desemprego, retorno do risco alimentar para milhões de pessoas, carência de alimentos se somam a uma polarização política sem precedentes. Nesse contexto, a legitimidade do processo eleitoral guarda centralidade no estudo do desenho institucional do Estado Democrático de Direito. Assim sendo, a relação obrigatoriedade do voto e o comparecimento do eleitorado às urnas guarda enorme relevância. E, o presente texto procurou realizar esse estudo comparativo do sistema eleitoral brasileiro com modelos na Europa e América Latina. Em virtude dos fatos mencionados, tem-se o voto como um dos mais importantes instrumentos de garantia a participação igualitária dos cidadãos e a escolha mais justa de seus representantes, e, portanto, como um ou se não o mais vital mecanismo para as democracias do mundo. E, conforme mencionado no texto, o voto pode se configurar de duas formas: como um dever jurídico com sanções por seu descumprimento, e assim, na prática, um dever que se configura como uma obrigação; ou como um dever cívico sem previsões de medidas sancionantes, e se demonstra como uma escolha do cidadão de participar ativamente nas eleições, o que o torna facultativo. Tem-se também, países que não preveem sanções pela não participação eleitoral, mas que mesmo assim, estabelecem o voto como um dever, e assim o designam como obrigatório. Assim, acabam instituindo uma obrigatoriedade de natureza figurativa, ou seja, simbólica, e o voto, se caracteriza como obrigatório em um plano teórico, mas se materializa no plano factual como facultativo, uma vez que não instauram consequências pelo seu descumprimento. Dessa forma, a materialização do voto facultativo resultaria em uma obrigação moral – debitum sem obligatio – que sucede em um enfoque ao dever cívico a ser exercido, como nas legislações do Paraguai, México e Grécia.


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Resta claro que as sanções se configuram como um dos principais mecanismos para reafirmar a capacidade coercitiva do Estado, além de ser usado para assegurar o caráter compulsório do voto. Sendo assim, a sanção, quando imposta pelo Estado, encontra respaldo em atingir seu principal objetivo: a dissuasão do cidadão. Nesse sentido, uma vez que almeja que a sociedade como um todo compreenda que deixar de praticar o seu dever de sufrágio se configura como ato a ser censurado, tornando-se um instrumento de dissuasão e coerção, objetivando intimidar a sociedade de forma coletiva a não cometer tal ato infracional. Ainda sobre as sanções, é curioso que a maioria dos países com obrigatoriedade do voto não preveem penalidades pela reincidência de seu descumprimento, fato que pode ser registrado somente na Bélgica, Uruguai e Luxemburgo de todos os países analisados. Esse fator poderia gerar questionamentos quanto à legitimidade da atuação estatal em seu sentido coercitivo, uma vez que, não havendo previsão de reincidência, o cidadão que se ausentar durante as eleições e perceber a não punição de seus atos, teria grandes chances de reincidir tal infração. Já no que tange às sanções como mecanismo de garantia da natureza obrigacional do exercício do sufrágio, que se materializam não apenas por meio das multas - objetivando causar um impacto financeiro ao cidadão mas também por um outro tipo de sanção, utilizada para o descumprimento da sanção decorrente da não participação eleitoral. Esta se caracteriza muitas vezes por medidas mais rígidas, e em alguns casos pelo cerceamento de direitos, fato que pode ser observado principalmente em países latino-americanos, como na Bolívia, Uruguai e Brasil. Observa-se, ainda, que essas sanções também são aplicadas na legislação de outros países latino-americano, bem como na Bolívia, em que se caracteriza principalmente pela amplitude e a abrangência de suas proibições, como é o caso da norma que proíbe a realização de trâmites bancários, previsto no art. 154 da Lei eleitoral. Assim, em decorrência dessa amplitude, são gerados casos polêmicos que resultam em inconstâncias e muitas vezes situações de dúvidas aos cidadãos - fato que foi exposto em relação ao “El Bono Contra el Hambre”. Da mesma forma, é possível observar que a suspensão de direitos também se vê presente no continente europeu, como no Código Eleitoral belga, que prevê ao indivíduo que se ausentar nas eleições de forma injustificada por quatro vezes em um período de 15 anos, a punição do afastamento dos cadernos eleitorais, não podendo ser nomeado, promovido ou receber distinção em órgãos estatais. Assim, percebe-se que, além da restrição à cargos públicos, ocorre nesse caso em específico também a suspensão de direitos de


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natureza eleitoral, o que poderia explicar a alta porcentagem de comparecimento nas eleições na Bélgica, atingindo 88,38%. Ora, quando se está diante desta penalidade, é notório que esses países justapõem o direito-dever de voto sobre outros direitos, atingindo, inclusive, direitos fundamentais, o que demonstra a relevância dada para esse instituto. Nesse sentido, o Código Eleitoral Brasileiro, prevê em seu art 7°, §1º, sanções pelo não adimplemento da multa, listando uma série de proibições ao eleitor que deixar de votar ou que não justificar sua ausência. Assim, tendo em vista o caráter fundamental do dever de voto e as consequentes sanções decorrentes de seu descumprimento, deve-se perceber que essas penalidades possuem finalidades intrínsecas – não necessariamente objetivos pensados pelo legislador, mas finalidades que se materializam na prática –, tendo como principal elemento o “peso” da sanção. Assim, poderiam as sanções possuir o caráter punitivo, preventivo ou reeducativo, podendo, inclusive, possuir mais de uma natureza, cumulando esses caráteres descritos. Em países como Luxemburgo, Bolívia, Equador e Uruguai - países com multa de valores muito elevados -, estar-se-ia diante de uma penalidade cujo caráter mais se aproxima à punição e à prevenção do que à reeducação, uma vez que o valor econômico da multa de fato atinge o eleitor ausente. Por outro lado, em países como Bélgica, Argentina, Brasil e Peru, países com multas de valores extremamente baixos, a sanção pecuniária não possuiria qualquer tipo de relação punitiva, uma vez que simbólica, de pouco impacto no cidadão. Nesse sentido, além de a multa compelir o eleitor a votar, de forma a evitar a burocracia e o incômodo pelo seu baixo valor, a multa possuiria uma importante função de cristalizar o caráter do voto como um dever fundante da democracia. Ademais, essas mesmas características podem ser estendidas para as sanções decorrentes do descumprimento da multa aplicada ao eleitor ausente, ou seja, as sanções limitadoras de direitos – devendo-se ter em vista que poucos dos países analisados de fato possuem esse tipo de penalidade. A análise do caráter dessas sanções, da mesma forma que a das multas, passa por uma valoração acerca do “peso” dessas restrições de direitos, apesar de, fundamentalmente, todas possuírem natureza punitiva – posto que as penalidades são aplicadas por descumprimento de outra sanção. Todavia, no que toca o caráter reformatório, este só estará presente se os direitos limitados estiverem circunscritos ao Estado, na medida em que se estaria limitando direitos/serviços públicos ao cidadão que deixou de cumprir com um dever público. Ou seja, além de punir o cidadão ausente, estaria o Estado materializando a necessidade do cumprimento de um dever público por meio


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da limitação imposta pela penalidade, evidenciando uma lógica de causa e consequência na omissão do eleitor. Apesar de a maior parte dos países latino-americanos preverem o voto como um dever80 - tornando-o uma obrigação -, poucos países aplicam multas decorrentes do descumprimento desta obrigatoriedade, sendo o número de países que possuem sanções resultantes do não pagamento da primeira penalidade ainda menor, destacando-se que todos esses países – latino-americanos que aplicam qualquer tipo de sanção – estão todos localizados na América do Sul. Nota-se, todavia, que apesar da proximidade geográfica, as sanções não possuem, necessariamente, semelhanças específicas, na medida em que, enquanto Brasil e Argentina aplicam multas de valores ínfimos, Peru e, especialmente, Bolívia, Equador e Uruguai aplicam penalidades pecuniárias de valores consideravelmente altos, principalmente se se considerar a realidade socioeconômica da região latino-americana. O mesmo ocorre na Europa, onde Bélgica e Luxemburgo – os únicos países europeus que possuem sanção por descumprimento da obrigação do voto do cidadão – diferem fundamentalmente ao aplicar a penalidade eleitoral. Luxemburgo, além de possuir uma multa de valor alto, aplica a penalidade de reincidência, majorando em até 10 vezes a multa inicial por descumprimento da obrigatoriedade do voto81. Por outro lado, a multa eleitoral aplicada na Bélgica mais se assemelha às penalidades brasileira e argentina, no sentido de possuir um valor meramente simbólico. Contudo, apesar de possuir uma multa de valor extremamente baixo, a Bélgica possui outra sanção que se relaciona diretamente à reincidência de ausência injustificada – qual seja a limitação de direitos, assemelhando-se às sanções por descumprimento da multa em países latino-americanos –, ao contrário de Luxemburgo, que não possui tal penalidade em seu ordenamento eleitoral, limitando a sanção ao pagamento da multa de alto valor. Nesse contexto, conclui-se que as sanções - por mais diversas que sejam - objetivam a participação política e eleitoral, vez que esta tem caráter fundamental para a democraticidade do governo. Sendo assim, o raciocínio lógico nos permite compreender que as sanções supracitadas constituem um fator gerador de participação eleitoral, afinal, o cidadão se encontra em necessidade de se desincumbir dessa obrigação pelo temor da sanção. Ademais, além 80

Destaca-se Colômbia e Cuba, assim como Nicarágua e Haiti, como países latino-americanos cujo ordenamento não faz menção ao voto como um dever. 81 De acordo com o artigo 90 da lei eleitoral luxemburguesa, a multa mínima por descumprimento da obrigatoriedade do voto é de 100 euros, enquanto a multa máxima no caso de reincidência é de 1.000 euros.


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da conclusão lógica os dados apresentados nesta pesquisa corroboram essa tese, afinal, Bélgica, Bolívia, Luxemburgo e Uruguai apresentam as maiores taxas de comparecimento eleitoral analisadas, bem como as menores taxas são de países que adotam o voto facultativo, como Portugal, Chile e Croácia. Contudo, por mais que as sanções constituam um fator gerador de participação eleitoral, estão longe de ser o único. Isso fica evidenciado em dois momentos: quando observamos a participação eleitoral sueca e dinamarquesa em relação à chilena e portuguesa; e quando comparamos a participação do Uruguai em relação ao Brasil. Ora, se o instituto do voto como obrigatório ou facultativo fosse fator de maior importância em relação aos demais, os dados de abstenção não demonstrariam uma discrepância tão significativa quanto à percebida nessas comparações. Nesse sentido, os dados apresentados em relação ao Brasil demonstram perfeito exemplo de fatores diversos à obrigatoriedade, uma vez que apontam o grau de educação (formal) como um outro fator que impacta a taxa de abstenção nas eleições, além disso, são inúmeros os fatores que afetam a participação política cidadã de diversas formas, desde a renda, a cultura, a confiabilidade no sistema político e no regime democrático, entre tantos outros. Diante disso, questiona-se a qualidade da participação eleitoral nos países de voto obrigatório, já que o cidadão que comparece às urnas está submetido à uma punição caso não o faça. Sendo assim, a parcela de cidadãos que vota apenas por medo da sanção e para se desincumbir de uma obrigação imposta pelo Estado é considerável, o que é indicado pela quantidade de votos brancos e nulos, mas não está definitivamente atrelado a esses. Em razão disso e apoiado em bases filosóficas liberais, a maior parte dos países do mundo - como observado no continente europeu - optam pelo voto facultativo, compreendendo que, por mais que a participação eleitoral seja menor, ela apresentaria uma maior “qualidade”, já que os cidadãos que compareceram às urnas estão verdadeiramente interessados em participar ativamente do cenário político nacional. Dessa forma, aponta-se como referência positiva a Suécia e Dinamarca que conseguem fazer com que, mesmo mantendo o voto facultativo, seus cidadãos permaneçam participativos dos processos eleitorais, alcançando índices semelhantes aos países de voto obrigatório com as taxas mais altas de comparecimento. Sendo assim, seria possível definir que há legitimidade e segurança do regime democrático desses países pela efetiva e livre participação política popular dos cidadãos. Contudo, em diversos países que adotam o voto facultativo, os demais fatores não são suficientes para apresentar altas taxas de participação eleitoral. Sendo assim, a fim de evitar baixos índices de participação, como o chileno e o


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português, e, consequentemente, alcançar uma maior sensação de legitimidade e democraticidade, alguns países do mundo adotam o voto obrigatório e aplicam sanções por seu descumprimento. Nota-se que este instituto encontra - e continuará encontrando - respaldo em razão da crença de que outros fatores são incapazes de elevar, sem a obrigatoriedade, a participação eleitoral em níveis que configurem um regime democrático, seguro e legítimo. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. - São Paulo : Companhia das Letras, 2012 ARGENTINA. Codigo Electoral Nacional Ley 19.945. 08 de janeiro de 2015. Disponível em: <https://www. diputados.gov.ar/export/hcdn/secparl/dgral_info_parlamentaria/dip/archivos/Ley_19945_TA.pdf> Acesso em: 07/06/2021 ARGENTINA. Código Electoral Nacional, Decreto n° 2135, de 18 de agosto de 1983. Disponível em: < http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/19442/texact.htm > . Acesso em: 07 de junho de 2021. ARGENTINA. Constitution de La Nacion Argentina, Ley n° 24.430, 03 de enero de 1995. Disponível em: < http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/0-4999/804/norma.htm.> Acesso em: 07 de junho de 2021. BÉLGICA. Code Electoral 12 avril 1894 numéro : 1894041255. 12 de abril de 1894. Disponível em: <http:// www.ejustice.just.fgov.be/cgi_loi/change_lg.pl?language=fr&la=F&cn=1894041230&table_name=loi> Acesso em: 07/06/2021 BOLÍVIA. Constitución Política Del Estado, de 25 de enero de 2009. Disponível em: < http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/normas/listadonordes/0 >. Acesso em: 07 de junho de 2021. BOLÍVIA. Lei n° 026, de 30 de junho de 2010, Lei do Regime Eleitoral. Disponível em: < https://www. lexivox.org/norms/BO-L-N26.html > . Acesso em: 07 de junho de 2021. BOLÍVIA. Reglamento para Sanciones Y Multas por Faltas Electorales, Notarias o notários Electorales, Servidoras o Servidores Públicos, Organizacioes Políticas Y Particulares. Resolucíon TSE-RSP-ADM n° 0236/2019 de 24 de mayo de 2019. Disponivel em: < http://www.protagonistas.cm.org.bo/archivos/normas/ Reglamento_Sanciones_Multas_EG_2019.pdf > . Acesso em: 04 de junho de 2021. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. - 34. ed., atual. - São Paulo : Malheiros, 2019. BRASIL. Código Eleitoral - Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. 15 de julho de 1965. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965> Acesso em: 07/06/2021 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. BRASIL. Lei n° 4.737 de 15 de julho de 1966. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm > . Acesso em; 04 de junho de 2021. BRASIL. Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9714.htm >. Acesso em: 04 de junho de 2021. BRASIL. Constituição (1824) Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. BRASIL. Constituição (1934) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. CAMEJO, Ana Valeria Garcia; SEMENUE, Maria Esther Leva; LEMOS, Melissa Viviana Martinez. El funcionario público y sus formas de ingreso a la administración pública. Trabajo Monográfico para obtener


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Capítulo 5 A Importância do Sufrágio como Fundamento Democrático, o Descumprimento do Voto e as Sanções Eleitorais Vistas Sob o Enfoque da Recepção Constitucional do Art. 7º do Código Eleitoral THE IMPORTANCE OF SUFFRAGE AS A DEMOCRATIC FOUNDATION, THE RECEIPT OF ART. 7 OF THE ELECTORAL CODE AND THE CONSTITUTIONALITY OF SANCTIONS FOR NON-COMPLIANCE WITH OBLIGATION TO VOTE: BETWEEN THE PRINCIPLE OF PROHIBITION OF EXCESS AND INSUFFICIENCY OF PUNISHMENT

Maria Jocélia Nogueira Lima Sérgio Armanelli Gibson Thiago Nogueira Araújo

1. INTRODUÇÃO Tão logo algum certame eleitoral se encerra, coloca-se como pauta recorrente no cenário jurídico-político da sociedade a discussão a respeito do (des)interesse do eleitorado brasileiro em participar do processo eletivo. Estatísticas são levantadas após todas as eleições, promovendo comparações e muitas vezes sugerindo uma espécie de indiferença do cidadão com o processo democrático de escolha de seus representantes (EXAME, 2016 e GLOBO, 2014). Contudo, as estatísticas não corroboram o que diz o senso comum. Mesmo com o cenário de isolamento social instaurado pela pandemia de SARSCOVID-19 em 2020, não foi o bastante para arrefecer o gosto pelo sugestionamento de que haveria uma espécie de fadiga popular quando se trate de exercício do direito de voto popular, em razão de, por exemplo, uma abstenção de 29,5% dos brasileiros no segundo turno, quando, na verdade, não


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se levou em consideração que a eleição ocorreu em meio a uma pandemia que até o mês das eleições já se tinha notícia de cerca de 170 mil vidas ceifadas em razão de referida catástrofe sanitária (SENADO, 2020). Ao contrário do que sugerem as manchetes jornalísticas, ao se analisar as estatísticas, se vê que a abstenção em eleições presidenciais o percentual é geralmente o mesmo. Ademais, em se tratando das eleições locais para vereadores e prefeitos, o que se viu na década de 2000 foi um crescente aumento da participação popular no pleito, embora sempre se queira fazer comparações alarmantes com a eleição de 1998. A despeito desses números que afastam o pretenso desinteresse do eleitorado no sufrágio, inexoravelmente ocorre a discussão a respeito da necessidade de manutenção do voto como uma obrigação. Parece indubitável a relação entre a legitimidade dos governantes e os índices de participação popular nos certames eleitorais. Nesse sentido, a obrigatoriedade do voto se justifica pela pretensa garantia da democracia da República. A obrigatoriedade do voto garantiria que maiores parcelas da população participam da escolha de seus representantes e, por conseguinte, mais diversificada ficaria a composição dos escolhidos para governar (ZULLINI e RICCI, 2020). Inexistindo tal obrigatoriedade, haveria um absenteísmo pernicioso de parte da sociedade, restando o fato de que alguns grupos restariam super-representados e outros sub representados. Há autores que sustentam haver um certo caráter didático e/ou pedagógico no exercício do direito de voto, pois seria uma espécie de fator de educação política do eleitor (MELÃO, 2017, p. 88). Nesse sentido vale lembrar que lidamos atualmente com muita desinformação em processo eleitoral, com sua consequente desfiguração com propósitos usados no capitalismo de plataforma de vigilância (ZUBOFF, 2020, p. 571), como o escândalo com a quebra de dados pessoais revelado em 2018 pelos jornais The New York Times e The Observer sobre o uso de informações pessoais de 70 milhões de cidadãos norte-americanos pela empresa Cambridge Analytica, que já havia se envolvido comercialmente em vários processos eleitorais pelo planeta terra (Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI, 2021). De outra banda, há quem entenda que a facultatividade do voto auxiliaria em espécie de processo de depuração qualitativa do eleitorado, separando os cidadãos que, seja por serem mais instruídos ou mais cônscios de seu papel social, escolheriam participar dos pleitos e da vida política. De toda forma, é preciso rememorar que foi com o advento do Código Eleitoral de 1932 a introdução no Ordenamento Brasileiro do alistamento


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eleitoral1 e da obrigatoriedade do voto popular, cujas normas não valiam para as mulheres e maiores de 60 anos, sendo o contingente de adultos cadastrados para votar na primeira eleição (1933) no percentual baixíssimo de apenas 3,9% da população (NICOLAU, 2004, p.38). Contudo, o autor analisa o alistamento eleitoral feito em 1945 mais eficiente, registrando-se 6,168 milhões de eleitores em um crescimento de 329%, numa população que cresceu apenas 25% no período, podendo ser em razão da obrigação e da larga escala para o referido alistamento (NICOLAU, 2004). Em 1934, referida previsão legal alcançou estatura constitucional, o que se repetiu nos demais textos constitucionais até a promulgação do Artigo 14, I, §1º da Constituição Federal de 1988. Assim, a atual Constituição prevê o sufrágio universal e o voto popular como sendo instrumentos do exercício da soberania popular. Não obstante, nossa Constituição prevê a obrigatoriedade de alistamento eleitoral e de voto para os maiores de dezoito anos, salvo os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, a quem o alistamento eleitoral será facultativo. Se nosso texto constitucional se preocupa com a obrigatoriedade do voto, a legislação infraconstitucional não fica atrás. Nesse sentido, assume destaque o artigo 7º do Código Eleitoral estabelece algumas das sanções (punições) ao eleitor que deixou de votar e não justificou a ausência no prazo estipulado pela normatização eleitoral. Por ter sido editada na vigência de um regime de exceção, é razoável questionar se o Art. 7º teria sido recepcionado pela Constituição de 1988, considerando que o constituinte de 1988 estabeleceu a obrigatoriedade do voto no seu art. 14, §1º. Para avaliar a questão, é preciso retornar aos fundamentos teóricos da natureza do voto e da participação eleitoral na relação entre indivíduo, comunidade política e a soberania popular ou exercício do autogoverno. Dentre as sanções previstas na legislação federal, temos vários dispositivos que sofrem severas críticas. Ressalte-se como exemplo a sanção de impedir a matrícula em estabelecimento de ensino de pessoa que não tenha 1

O alistamento eleitoral é o procedimento administrativo pelo qual se faz o registro do cidadão nos bancos de dados públicos, entregando-se lhe o seu respectivo título, que identificará sua zona e seção eleitoral. Atualmente o alistamento eleitoral segue, em regra, o processamento eletrônico de dados. O propósito do alistamento eleitoral é evitar a fraude de dupla inscrição eleitoral, bem como para evitar que continuem a constar como eleitores os cidadãos falecidos e os que tenham os direitos políticos suspensos ou cancelados.


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o respectivo comprovante de quitação eleitoral2, bem como a exigência de documentos que comprovem a quitação eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível. Há rol de impedimentos que sofre o cidadão que não comprova a sua regular quitação eleitoral, dentre outras: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público; III - participar de concorrência pública ou administrativa dos entes federados; IV - obter empréstimos públicos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino público; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda3. Nesse sentido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral questionam a inconstitucionalidade ou não-recepção constitucional de dispositivos que tragam sanções desproporcionais à comprovação do dever de votar e/ou justificar a sua ausência na votação no dia do certame eleitoral. Nesse compasso, é preciso identificar a natureza do voto, suas condições de exercício, bem como do papel da certidão de quitação eleitoral que muitas vezes é exigida pela legislação infraconstitucional. São vários os questionamentos: qual seria o prazo razoável para justificar a ausência nas urnas? Qual o valor adequado da multa imposta ao eleitor que não se apresenta para votação? Quais são os impedimentos da vida civil que se poderia impor ao cidadão recalcitrante? Assim, há uma tensão baseada na necessidade de equacionamento do comando constitucional que reclama a presença do cidadão nas urnas, bem como se discute o atendimento da racionalidade na imposição de sanções em desfavor do cidadão. Vigora na doutrina majoritária a posição de que a natureza do sufrágio é considerada não apenas como um direito, mas também um dever de natureza cívica ou, em outras palavras, como um poder-dever, como a teoria jurídica do sufrágio-função sustentada por Barnave, citado por Bonavides (1966, pp 229-231), onde o sufrágio direto resulta da concepção de que, sendo o povo soberano, cada indivíduo, como membro da coletividade política, é titular de parte ou fração da soberania. Isso significa que o direito de votar não se constitui tão somente em obrigatoriedade. É possível que alguém com dezesseis anos de idade [ou alguém analfabeto] se inscreva/aliste no universo de pessoas aptas a votar, mas prefira não o fazer. Entretanto, se um cidadão possui mais de dezoito anos, não é analfabeto e ainda não alcançou setenta anos, ele será obrigado a exercer esse múnus público. 2 3

Previsão no artigo 1º da Lei 6.236 c/c Artigo 9º do Código Eleitoral. Vide artigo 7º do Código Eleitoral.


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Entretanto, aos cidadãos se estabelece o dever de se apresentar na sua seção eleitoral [nos respectivos turnos eleitorais] e ali exercer um direito e promover a aposição do voto na respectiva urna. Se eventualmente o cidadão ali não estiver fisicamente no dia marcado4, poderá sofrer algumas sanções e/ou restrições na seara administrativa e cível. É sobre esse assunto que o presente artigo quer tratar. Logo, o republicanismo e a democracia estariam mais fortalecidos ou enfraquecidos pela obrigatoriedade do voto? Maior participação nas urnas seria um critério qualitativo suficiente para o reconhecimento da legitimidade do desenho institucional de uma democracia? De outra banda, uma participação mínima de eleitores “super conscientes” não transformaria a democracia em uma espécie de aristocracia cidadã”? O exame de obrigatoriedade do voto parece, portanto, ser elemento chave para a compreensão do Estado de Direito. Presta-se então o presente estudo a olhar detidamente sobre a participação política com o exercício do direito de voto no Brasil, dando força normativa ao dispositivo constitucional que estabelece a obrigatoriedade do voto, mas que também sopese a severidade das sanções impostas a quem não exerce tal dever cívico. Serão analisados posicionamentos da doutrina constitucionalista contemporânea, empregando a necessária crítica à dogmática constitucional e legal, tendo como fio condutor a participação direta e incisiva do cidadão no processo de tomada de decisões como vetor de legitimidade do poder, visto que todas as Constituições desde o Estado Moderno apontam a legitimidade do poder na soberania do povo, com a importância de sua participação política permanente e responsável na realização dos fins da sociedade estatal, inclusive com instrumentos de sua atuação direta, ao lado dos mecanismos de representação (ROCHA, 1996. pg. 115-116). 2. FUNDAMENTOS PELA OBRIGATORIEDADE DO VOTO: LIBERALISMO, REPUBLICANISMO E A VIA ALTERNATIVA As definições da natureza jurídica do voto e do alistamento eleitoral, entre faculdade ou obrigação, dependem, em grande medida, dos fundamentos normativos que definem a concepção da liberdade na relação entre 4

Surge aqui um importante questionamento. O desenvolvimento das tecnologias e da possibilidade de haver a assinatura e a certificação digital [on-line] dos eleitores, o que supostamente poderia substituir a presença física dos eleitores na seção eleitoral. Contudo, não se pode perder de vista o pernicioso potencial que tal afastamento físico do eleitor, dos fiscais do pleito, pode representar para a quebra do sigilo e também da sua coação física ou moral no momento em que promove a aposição de seu voto na urna.


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indivíduo e a comunidade política que é adotada. Grande parte das razões que defendem a natureza facultativa do voto ou contrária à sua compulsoriedade, por exemplo, pressupõem uma concepção de liberdade individualista ou atomista, baseada no liberalismo, para afirmar a ilegitimidade de normas jurídicas que impõem coerções para obrigar a participação eleitoral. O debate sobre o tema, por sua vez, pode ser dividido em duas ordens de razões ou fundamentos (SCHAFER, 2011, p. 10): as razões de natureza empírica-pragmática, associados aos efeitos de se adotar a obrigatoriedade ou a facultatividade do voto para toda a sociedade; e as razões de natureza normativa, que se referem à legitimidade para se impor ou não coerções jurídicas com objetivo de dar eficácia à norma que estabelece a obrigatoriedade de participação do voto. Em termos gerais, sob a perspectiva empírico-pragmático, a compulsoriedade do voto normalmente é vista como uma possível solução para a tendencia de queda do comparecimento ou na participação eleitoral nos países que adotam a o voto facultativo (SCHAFER, 2011, p. 2). O comparecimento eleitoral oscila de uma eleição para outra, mas nas últimas décadas tem sido diagnosticada uma tendência de progressiva queda no comparecimento eleitoral da população, normalmente associada a outro diagnóstico de desencantamento geral com a política, os partidos e os políticos tradicionais. Nesse sentido, a obrigatoriedade do voto é pensada como contramedida possível a essa tendência de queda na participação eleitoral por essa perspectiva empírico-pragmático. Aqueles que defendem a facultatividade do voto contra-argumentam, no entanto, que a parcela votante da população pode ser representativa da sociedade em geral, de forma que o grau de abstenção eleitoral e o menor comparecimento nas votações não significaria necessariamente um resultado diferente ou uma distorção na representatividade do resultado (SCHAFER, 2011, p. 11). Além disso, também há razões de ordem qualitativa nesse fundamento, já que aqueles que votam e participam quando o voto é facultativo, teoricamente, o fazem de forma mais consciente e mais bem informados do que quando o voto é compulsório. Nesse sentido alguns chegam a defender que os cidadãos em geral têm uma obrigação moral de não votar quando não estiverem suficientemente bem-informados e decididos (SCHAFER, 2011, p. 12). Uma das principais considerações de ordem empírico-pragmática, no entanto, é o efeito socialmente desigual do voto, facultativo ou compulsório, em relação aos grupos e estratos sociais. Nos países que adotaram o voto facultativo é possível verificar uma redução mais significativa da participação dos mais pobres do que dos mais ricos, o que por sua vez, impacta nos resultados das campanhas eleitorais ao longo do tempo (SCHAFER, 2011, p. 12-13). Por essa


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perspectiva, nesse sentido, o voto compulsório pode ser uma forma de redução de desigualdade, uma forma mais equitativa de influência sobre os gastos públicos e de bem-estar, uma vez que parcelas de mais baixa renda ou minorias tendem a ter suas demandas mais representadas quando o voto é obrigatório. As razões de ordem empírico-pragmáticas pela compulsoriedade ou pela facultatividade do voto são diferentes, todavia, dos fundamentos de ordem normativa. Por essa segunda ordem de razões, as considerações sobre a legitimidade de o sufrágio eleitoral ser considerado um dever cívico, uma obrigação jurídica sujeita à coerção pelo descumprimento ou mera faculdade, depende fundamentalmente, da concepção de liberdade pressuposta pela definição que se adota do sufrágio, assim como das teorias sobre a relação entre indivíduo e comunidade política que informa essa concepção A questão remete a um dos ensaios mais famosos sobre o tema, escrito por Isaiah Berlin (1969), resultado de uma conferência realizada na Universidade de Oxford, em 1958. Depois de reconhecer a polissemia que pode ser atribuída à ideia de liberdade, Berlin, nesse ensaio, define duas concepções básicas e complementares de liberdade política: uma negativa e outra positiva (BERLIN, 1969, p. 3-10). Em seu sentido negativo, a liberdade é definida como “não-interferência”, ou seja, como uma ausência de coerção de outra pessoa para que o indivíduo possa decidir agir ou não agir de acordo com a sua própria vontade (BERLIN, 1969, p. 3). Em outras palavras, a liberdade negativa corresponde à ausência de constrangimentos, obstáculos ou estrições sobre a esfera de decisão privada do indivíduo decidir, por sua própria vontade, agir ou deixar de agir. Essa concepção negativa da liberdade tem como desdobramento não diferenciar se a fonte da interferência ou de quem exerce a autoridade é legitima ou arbitrária (SKINNER, 1999, p. 92; PETIT, 2007, p. 186). Nesse sentido é uma concepção de liberdade que não depende de uma forma particular de governo no qual as leis são elaboradas, desde que respeite esse âmbito de liberdade atribuída ao indivíduo: o ideal da liberdade política, como tradições de longa data têm enfatizado, está intimamente ligada ao ideal de democracia. A conexão tem, algumas vezes, sido negada pelas teorias liberais de liberdade como não-interferência – elas têm sugerido que um regime ditatorial benigno pode fazer ainda melhor do que a democracia, quando promove a não interferência (PETIT, 2007, p 213).

O problema fundamental para essa perspectiva é definir o âmbito de restrição mínima necessário para a coexistência em uma vida comum na


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sociedade civil, restringida pela lei que obriga a agir ou deixar de agir. Nessa perspectiva, portanto, lei e liberdade ficam em polos opostos e antagônicos: quanto maior for o âmbito de restrição pela lei, menor será o âmbito de liberdade individual (BARROS, 2014, p. 348. A perspectiva teórica do liberalismo “clássico” nasce no início do período moderno, derivada das teorias contratualistas, que concebiam a origem e o nascimento da comunidade política como fruto de um contrato social entre os indivíduos que se associam. Por essa perspectiva de caráter individualista-atomista, os indivíduos aceitariam submeter, limitar ou restringir parte da sua liberdade para poderem conviver em comunhão com outros indivíduos, preservando, no entanto, parcela dos direitos naturais por serem inalienáveis e anteriores ao contrato social que não poderiam sofrer interferências de terceiros. O contrato social, por outro lado, é estabelecido para melhor adequar a convivência comum dos indivíduos com a ordem da natureza, de modo que a comunidade política deveria proteger essa ordem cuja composição estão os direitos inalienáveis de liberdades naturais (SKINNER, 1999, p. 28). O âmbito da decisão sobre a participação ou não nas decisões políticas da comunidade se encontrariam, nesse sentido, no âmbito de deliberação, escolha e liberdade individual, de modo que normas que impõem a obrigatoriedade da sua participação, por essa perspectiva, seriam ilegítimas. Por essa perspectiva, o âmbito da política e do bem comum não são as únicas esferas que realizam a finalidade do ser humano, de modo que os indivíduos não deveriam ser obrigados a participar das decisões políticas da comunidade (SCHÄFER, 2011, p. 13). Pelo contrário, quanto mais individualistas e egoístas, mais o bem comum é “cultivado” pela perspectiva da “mão invisível” do mercado que compõe parte do liberalismo Os pressupostos da concepção liberal da liberdade como “não-interferência”, todavia, são criticadas por outras concepções teóricas. Em particular a corrente comunitarista critica os pressupostos atomistas do individualismo metodológico adotado pelo liberalismo (TAYLOR, 2014, p. 199), pela qual seria possível falar de um indivíduo isolado do seu contexto histórico comunitário e adotar a sua perspectiva como referência, o que para o comunitarismo é uma ficção. Além disso, a perspectiva liberal pressupõe que a vontade política é formada “antes” e independentemente do envolvimento político, desconsiderando os aspectos “formativos” do confronto entre perspectivas concorrentes para cada posição política, durante a participação na campanha eleitoral (SCHAFER, 2011, p. 15). Também chamado de republicanismo “neoateniense” (SCHAFER, 2011, p. 16-19), essa concepção comunitarista procura recuperar o ideal da liberdade como participação comum e compartilhada no autogoverno


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coletivo da comunidade política em sua autodeterminação. O contraponto da concepção negativa de liberdade, portanto, é a sua concepção positiva como reunião das condições necessárias à capacidade do indivíduo agir de acordo com a sua vontade. É classificada como positiva porque não designa uma ausência, mas sim a presença de condições que permitem a autodeterminação ou os meios que possibilitam aos indivíduos se unirem na formação da vontade coletiva, um atributo, portanto, compreendido como autodomínio. É uma concepção de liberdade defendida pela perspectiva comunitarista que encontra a sua matriz de pensamento na raiz aristotélica, segundo a qual a vida em comunidade tem como finalidade desenvolver as possibilidades humanas, enquanto o ser humano só poderá desenvolvê-las e se considerar efetivamente livre na participação das decisões políticas, e assim realizar a sua natureza como animal político. Nessa perspectiva, os indivíduos só podem ser livres enquanto membros pertencentes a uma comunidade política, como seus cidadãos, condição que garante prerrogativas ao indivíduo que o permite desenvolver potencialidades como ser humano. Esse desenvolvimento toma como pressuposto a liberdade como forma de realizar a finalidade da natureza humana, como animal político, mais especificamente na comunidade que possibilite a sua participação política. Nesse diapasão, os cidadãos devem estar dispostos não apenas a defenderem a República contra ameaças à sua independência externa, mas também a participar ativamente no auto-governo interno (SCHÄFER, 2011, p. 20). Curiosamente, a experiência da guerra e o tema das obrigações militares é muito frequentemente correlacionado com os deveres e obrigações de participação na política interna, pela tradição do pensamento republicano. no que é chamado de “cidadania militar” (BIGNOTTO, 1991, p. 38-45; 154-163). Essa forma de liberdade comum depende do cultivo de virtudes cívicas e nesse sentido é uma concepção compatível com a atribuição de deveres e obrigações aos cidadãos, como contrapartida pelas prerrogativas concedidas à condição da cidadania, para que todos participem do autogoverno comum e preservem as condições que garantam a manutenção da liberdade. Nesse sentido, normas que imponham coerções para dar efetividade à obrigação do comparecimento e da participação eleitoral são compatíveis e justificáveis por essa perspectiva, se aproximando do que é estabelecido pelo Texto Constitucional brasileiro. A coerção que pune o descumprimento da obrigação de voto, por outro lado, não pode ser nem trivial nem simbólica5 (SCHÄFER, 2011, p. 15). Uma 5

Armin Schäfer cita o exemplo de uma mulher que foi presa na Australia por um dia, por se recusar a pagar a multa pelo descumprimento do voto (SCHÄFER, 2011, p. 15).


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vez que a virtude cívica não é encontrada, em geral, como uma qualidade natural do ser humano, e já que a maioria prefere seguir seus interesses particulares, não o bem comum, por essa perspectiva é plenamente justificável a imposição de leis e normas coercitivas que obriguem os cidadãos a se voltarem ao bem comum, e que incentivem a virtude cívica para a manutenção das condições que garantem a liberdade de todos: [...] Para colocar a questão novamente na terminologia do Renascimento, o povo tende à corruzione [sic], não à virtù. A principal implicação constitucional é que, para estimular a virtude cívica (e assim preservar a liberdade pública) é preciso haver leis designadas para coagir as pessoas contra sua tendência natural mas autodestruitiva de solapar as condições necessárias à manutenção de sua própria liberdade [...] (SKINNER, 1999, p. 37, n. 103)

Todavia, há autores como Berlin (1969) que entendem se mostrar a liberdade no sentido positivo tem dificuldade de lidar com o pluralismo e a diversidade de visões de mundo, porque é fundamentada na ideia de que existe uma única forma de vida, uma única escolha legítima ou de que o ser humano tem uma essência ou natureza humana a ser realizada. Nesse sentido, a concepção positiva da liberdade fomenta regimes totalitários ao impor um único bem ou finalidade para todos (BERLIN, 1969, p. 15), enquanto a concepção negativa da liberdade é elogiada na medida em que restringe a autoridade pública para dar mais espaço às escolhas individuais. Recentemente, nas últimas décadas, historiadores e filósofos políticos têm recuperado uma terceira concepção de liberdade, em uma perspectiva alternativa que, de certa forma, pretende escapar à dicotomia entre as duas concepções de liberdade negativa e positiva dos liberais e comunitarista (BARROS, 2014). Trata-se da concepção atribuída à tradição republicana que tem sido chamada de “neoromana” por fazer referência a pensadores que remetem à experiência da liberdade à República Romana (Políbio; Cícero; Títo Lívio), e nos humanistas do renascimento italiano que encontraram o auge de sua expressão no pensamento de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Apesar de existir uma controvérsia no seio dessa renovação recente do republicanismo “neoromano”, a respeito de que tipo de liberdade Maquiavel defende (SILVA, 2010, p. 38), se positiva (John Pocock) ou negativa (Quentin Skinner), é consensual que essa tradição do pensamento republicano defenda uma ideia de liberdade antiga, anterior à concepção moderna de “não-interferência” e que pode ser definida como de “não-dominação”, Essa concepção de liberdade como “não-dominação” difere da dicotomia entre liberalismo e comunitarismo, uma vez que não corresponde


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adequadamente a nenhuma das duas perspectivas. Por um lado, essa concepção preserva o pluralismo de visões de mundo e de bem, ao não identificar a liberdade com autonomia como a concepção “neoateniense” do republicanismo (BARROS, 2014, p. 356), ao mesmo tempo que, porém, tem uma exigência maior para que o sujeito se considere livre comparada à concepção da liberdade como “não-interferência”. Para essa concepção, a liberdade é caracterizada pela ausência de dominação. Ser livre, nesse sentido é não estar submetido ou depende da vontade de outros. Por essa perspectiva, o oposto da liberdade não seria a interferência ou a heteronomia, mas a dominação, a condição de estar submetido ou dependente da vontade de outro (BARROS, 2014, p. 355). Veja-se que a principal diferença em relação a concepção negativa da liberdade é que a ausência de interferência não garante a ausência de dominação O exemplo mais utilizado é a condição de escravo que tem um senhor benevolente e que não interfere nas suas escolhas e decisões. Pela concepção da liberdade como “não-interferência”, o escravo poderia ser considerado livre se tivesse tal senhor benevolente. Mas a falta de interferência não retira a condição de escravo, de estar submetido e depender da boa-vontade do seu senhor. Essa concepção de liberdade, portanto, é outro fundamento normativo que legitima a imposição de obrigação para a participação eleitoral, uma vez que a manutenção da liberdade requer procedimento inclusivo, para se evitar tanto que decisões coletivas sirvam a interesses particularistas, “corrompendo” as condições para a virtude cívica voltada ao bem comum, quanto que os seus cidadãos ou minorias fiquem em uma condição de dependência da boa vontade de outros (SKINNER, 1999, p. 95). 3. PONDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO E INSUFICIÊNCIA DA SANÇÃO A concepção de normas de caráter jurídico deve, de forma habitual, observar os ditames inseridos no princípio da proibição do excesso e da insuficiência da sanção, contidos no seu norte consubstanciado no princípio da proporcionalidade, estribando-se numa função de garantir, pelo menos, o mínimo à efetivação dos direitos fundamentais. A ausência injustificada do eleitor com voto obrigatório no sufrágio durante três eleições consecutivas – lembrando que cada turno correspondendo a uma eleição –, conjugado ao não pagamento de multa pela referida falta, trará como consequência o registro do título eleitoral cancelado e o impedimento de obtenção de passaporte ou carteira de identidade, de recebimento salarial de função, cargo ou emprego público, de obtenção de alguns


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tipos de empréstimos, de ser investido e nomeado em concurso público, como também ficará impedido de renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo, não podendo obter certidão de quitação eleitoral ou qualquer documento perante repartições diplomáticas a que estiver subordinado (TSE, 2018). Impõe relembrar que a regra referida não se aplica aos eleitores cujo voto é facultativo, classe onde se incluem os analfabetos, maiores de 16 e menores de 18 anos, e maiores de 70 anos e os portadores de deficiência física ou mental que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais. Assim, as razões da obrigatoriedade de voto no ordenamento brasileiro por imposição constante da própria CRFB, em seu artigo 14, nos remete a indagar a respeito da ausência injustificada pelo eleitorado no sufrágio e o caminho a seguir acerca da abertura de um processo para arbitramento da multa que, após, é enviado para a Receita Federal do Brasil para cobrança, após a inserção no sistema como crédito não tributário, com consequente expedição de certidão de dívida ativa, seguindo o rito genérico do executivo fiscal. Para que seja efetivada a sua inteira concretude, a obrigatoriedade jurídica da participação eleitoral – considerando não apenas um dever moral –, nesse cenário, deve ter a norma jurídica formulada a fim de estabelecer sanções ao seu descumprimento, mas sem impor um ônus excessivo que venha a afetar ou diminuir a condição de dignidade humana. Assim, as sanções devem ser equacionadas entre a proibição do excesso e a insuficiência da punição, o que, nessa segunda hipótese, poderia levar à interpretação da norma na direção da facultatividade do voto ou de uma obrigação meramente moral do seu exercício. Nesse diapasão, tem-se que as normas contidas no Código Eleitoral, editado através da lei n. 4737, de 15.07.1965, durante período de estado de exceção ditatorial da nossa história, especialmente a norma descrita no artigo 7º, acerca da ausência injustificada no sufrágio pelo eleitor, suscita tema relativo ao mínimo de efetivação dos direitos humanos, como também a balança acerca da fórmula do princípio da proporcionalidade, subdividida entre a proibição do excesso e a proibição da insuficiência, tema já bastante debatido na doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais, dentro da concepção da sanção aplicados ao referido diploma eleitoral, pautando-se nas etapas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (ALEXY, 1993). A esse respeito não se pode olvidar da perspectiva natural destacada na norma de colisão de que nos fala o mesmo autor (ALEXY, 1993), com a qual se pode deparar nas tratativas da dupla face do princípio da proporcionali-


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dade, relativa à proibição do excesso e à proibição da insuficiência e a sua conexão à sanção aplicada no Código Eleitoral. A esse respeito, se inquire no presente trabalho a respeito das sanções a serem aplicadas ao eleitorado, dentre as quais as consequentes às faltas de justificativas à ausência no exercício do voto durante o sufrágio, sendo este exercício senão a mais importante expressão, uma das mais importantes, de um ordenamento jurídico democrático, em que se exerce o poder da soberania popular. No problema, aqui abarcado, inclui-se também o questionamento acerca da existência da sanção e se ainda é a melhor das possibilidades para inibir o descumprimento legal, dentro da ótica do diploma eleitoral. Nesta questão posta, é de bom alvitre apontar que a relação com o direito penal se mostra umbilicalmente ligada, mesmo porque a teoria do crime foi transportada para o direito eleitoral do direito penal, enquanto no processo se buscou do direito processual civil e do processo jurisdicional constitucional os ritos (GOMES, 2016, p. 41). De outro norte, a exigência de se pautar em critérios de racionalidade acreditando que a “resposta correta” aos interpretes e operadores do direito não se encontra à mostra e à nossa espera na “prateleira do Direito” ou mesmo nas “instruções da caixa de chocolate” (CRUZ, 2013), dá ensejo ao que o velho possa morrer dando-se quiçá oportunidade ao novo (GRAMSCI, 1999, p. 108), apesar de sua pretensa imutabilidade, visto que nada impede que o imutável se modifique com o passar do tempo (STRECK, 2005, p. 147). A harmonização necessária à colisão entre os princípios partindo da proporcionalidade no estado democrático de direito se faz presente, a ensejar uma melhor interpretação na questão abordada, mormente que as regras da adequação, necessidade e proporcionalidade se mostram, juntamente com o termo razoabilidade, que acabou por ser atraída do direito alemão para o direito brasileiro (GOMES, 2016, p. 39), como complemento praticamente à proporcionalidade. Na proporcionalidade podemos encontrar a fórmula metodológica ou mesmo critério racional a se desenvolver, com o firme objetivo de se obter uma decisão sobre questão jurídica tratada, onde se verifique a existência de alguma colisão entre princípios ou mesmo direitos fundamentais (GOMES, 2016, p. 34), decorrente, posto isso, do próprio Estado Democrático vivenciado. Porém, verifica-se que para a ocorrência e aplicação do nominado princípio da proporcionalidade, necessário que seja interpretado conjuntamente em consonância à efetivação das três regras que lhe são ínsitas, conforme ALEXY (1993), consubstanciando-se em regra de adequação, regra de necessidade e regra de proporcionalidade em sentido estrito, donde se mostra a


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máxima segundo a qual os princípios se mostram como mandatos de otimização com relação às possibilidades jurídicas analisadas. A regra da adequação erige-se na viabilidade idônea alçada a se alcançar um resultado almejado, enquanto a segunda, a regra da necessidade, se verifica quando adequada de forma menos gravosa para que o objetivo seja melhor atingido, regras estas a serem conjugadas com a última, a da proporcionalidade em sentido estrito, a qual se mostra como a exigência de ponderação ou mesmo o sopesamento dos princípios colidentes (GOMES, 2016, pp. 34-35). Nessa ordem de sucessão entre as três regras acima mencionadas, contidas no princípio da proporcionalidade, ressalte-se que todas devem ser analisadas de forma ordenada, a alcançar a efetivação satisfatória da tutela perquirida. Em verdade, verificando-se em cotejo à espécie analisada que caberá, a final, a aplicação de uma das regras acima pontuadas, certo é que escapará da crítica a colisão, porquanto inexistente propriamente dita, mesmo porque os princípios continuam tendo o seu respectivo valor, apenas sendo prevalente cada qual no caso em questão, a resultar em um equilíbrio, ocorrendo, posto isso, a harmonização consequente quanto à espécie examinada. Partindo da posição de ALEXY (1993), verifica-se que o objetivo das possibilidades legais é, afinal, determinado pelos princípios e regras opostos El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que que ordenam que algo sea realizado en la mayor medida posyble, Dentro de las posibilidades jurídicas reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos dé optimizacion que están caracterizados por el hecho de-que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reale, sino también de las juridicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos6. (ALEXY, 1993, p. 86).

Convém ressaltar a crítica de HABERMAS a respeito do método de aplicação de princípios de normas de direitos fundamentais por ALEXY, citado por GOMES (2016, p. 36), donde entende como perigoso para decisões onde a ponderação pode efetivar-se arbitrária ou irrefletidamente, com 6

Tradução livre dos autores: O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas reais existentes. Portanto, os princípios são mandatos de otimização que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus e na medida do seu cumprimento não depende apenas das possibilidades reais, mas também das legais. O escopo das possibilidades legais é determinado pelos princípios e regras opostas.


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modelos e ordens hierárquicas enviesados, podendo resvalar para decisões de caráter subjetivo. Desta feita, verifica-se que as várias espécies genéricas de multas eleitoras são, dentre as mais importantes: [...] (i) inelegibilidade; (ii) negativa de registro de candidatura; (iii) perda de registro de candidatura; (iv) negativa de expedição de diploma; (v) cassação de diploma; (vi) cassação de mandato; (vii) multa; (viii) restauração de bem; (ix) retirada de propaganda; (x) perda do direito à veiculação de propaganda; (xi) impedimento de reapresentação de propaganda; (xii) perda de tempo no horário eleitoral gratuito; (xiii) suspensão da programação normal de emissora de rádio ou televisão; (xiv) suspensão de acesso a sites na internet; (xv) cessação da conduta; (xvi) adequação da propaganda. (GOMES, 2016, p. 855).

Essas sanções arbitradas pelos tribunais podem ser divididas em quatro espécies de decisões: - de natureza mandamental: aquelas caracterizadas por obrigações de fazer imediatas, podendo ter como consequência multa face a eventual descumprimento. - de natureza constitutiva ou desconstitutiva: donde as próprias determinações contidas na decisão serão aptas a gerarem a consequência do ato ali constante. - de natureza condenatória, estando inseridas aqui as multas pecuniárias. O sistema, aparentemente, transcende, assim, à simples aplicação da multa ou imposições de caráter civil negatória à plenitude do direito do cidadão, donde a relação entre o indivíduo e a comunidade política se estabeleceria não apenas com base em direitos de liberdade negativa, de “não ingerência”, mas também como um conjunto de deveres cívicos atribuído ao cidadão para corresponder, como contrapartida, ao pleno gozo da condição jurídica da cidadania, como para alcançar todos os estratos sociais, de forma a reduzir a exclusão especialmente do povo invisibilizado no sistema, como os povos originários. Entre esses deveres, estaria não apenas a obrigatoriedade do alistamento militar, mas também da participação política por meio do voto. A ausência nas eleições, ao que parece, reforça o ideário de alteração no modelo de democracia no ordenamento jurídico brasileiro, visto a farta ausência do eleitorado no sufrágio, porquanto segundo dados do próprio TSE as eleições em 2018 (TSE, 2018), o comparecimento ao primeiro turno das urnas das eleições naquele ano girou em torno de 20,3%, mesmo se


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mostrando o referido sufrágio como importante instituto no exercício da soberania popular, já se disse. 4. CONCLUSÃO A partir dos apontamentos ditados nesse trabalho, verifica-se de fato uma tensão, reavivada a cada eleição, se há necessidade de equacionamento do comando constitucional quanto à presença obrigatória do cidadão nas urnas, bem como se discute o atendimento da racionalidade na imposição de sanções em seu desfavor. Certo é que vigora, de fato, na doutrina majoritária a posição de que a natureza do sufrágio é considerada não apenas como um direito, mas também um dever de natureza cívica, equacionada ao fato inarredável de que todos os estratos sociais devem participar do sufrágio de forma obrigatória, nos casos delimitados na legislação, para que se evite o recrudescimento de grupos minoritários detentores do poder, avançando-se por sobre a democracia em agonia (MOUFFE, 2015), mas não por isso desnecessária. Nesse sentido, na concepção de liberdade como fundamento normativo, se legitima a imposição de obrigação para a participação eleitoral, buscando-se a preservação da manutenção dessa liberdade com procedimento inclusivo. A ausência de comparecimento do eleitorado e sequer a sua justificação, em muitos casos, após as urnas, se mostra como uma resposta à própria democracia representativa em crise que estamos a viver, deixando os cidadãos sem estímulo algum a escolher o seu representante, devido exatamente a falta de representatividade dos partidos e seus políticos, como mandatários sem inteira legitimidade, mormente que sequer levam a cabo as expectativas eleitorais da época da campanha, pois não cumprem as promessas registradas, mesmo porque elas são simples intenções, não havendo punição ao seu não cumprimento, conforme se extrai da lei nº 12.034/09. Por tudo isso, a necessidade de se buscar avanço em alteração da legislação, como, por exemplo, incluir controle popular no mandato eleitoral, por exemplo, forçando o mandato a ter caráter objetivo, com vinculação efetiva ao programa partidário e às intenções, promessas, destacadas em campanha. Além disso, no rumo das tecnologias à disposição do Poder constituído, certo é que as justificativas obrigatórias, a reduzir a persecução de multas no Juízo eleitoral, ante a ausência do eleitorado a reforçar a crise na democracia que se vive atualmente, mostra claro que questão da liberdade do eleitor não somente é a questão central, como também o é a sua insatisfação na representatividade política, o que se pode trabalhar a partir da educação na política desde a tenra idade.


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Do mesmo modo, a evolução dos sítios eletrônicos institucionais dos tribunais eleitorais levanta a necessidade de se buscar meios possíveis para se acessar a tempo real e de qualquer lugar do país, ensejando ao eleitorado uma melhor concepção da sua liberdade e escolha, quiçá a plenitude do voto em trânsito em todas as perspectivas. Na discussão presente, longe de se encerrar aqui, foram levantados alguns dos possíveis questionamentos à necessidade de equalização entre liberdade e dever, como plano de fundo, além da revisão do Código eleitoral, com vistas à possível revisão do artigo 7º, porém para que prevaleça a intenção do Poder Constituinte quanto à obrigatoriedade do voto, de base democrática, questionamentos estes reforçados pela manutenção do ideal democrático à sua consequente efetivação. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, versão castellana: Ernesto Garzón Valdés, CENTRO DE ESTUDIOS CONSTITUCIONALES, MADRID, 1993. BARROS, Alberto R. G. de. Liberais, Comunitaristas e Republicanos: a questão da liberdade. Síntese (Belo Horizonte. 1974), v. 41, p. 345-358, 2014. BARROS, Alberto R. G. de. Três Concepções de Liberdade. Prometeus. Filosofia em revista, v. 30, p. 1-19, 2019 BERLIN, Isaiah. Two Concepts of Liberty. Four Essays On Liberty, Oxford, England: Oxford University Press, 1969 BIGNOTTO, Newton. Maquiavel Republicano. São Paulo: Edições Loyola, 1991 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, 10. Ed., São Paulo, Malheiros, 1996. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, acesso em 01.06.2021. BRASIL, Código Eleitoral Brasileiro. Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, disponível em http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm, acesso em 29.05.2021. COMITÊ GESTOR DE INTERNET NO BRASIL – CGI, 2021. Democracia e eleições. Disponível em https://cgi.br/guia-internet-democracia-e-eleicoes/cap-2/, acesso em 03.06.2021. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza e DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Além do Positivismo Jurídico. Belo Horizonte. Arraes Editores. 2013. EXAME, 2016. Eleições, 2016. Eleições em número. Disponível em https://exame.com/brasil/eleicoes-2016-quando-o-brasil-escolheu-nao-votar/ Acesso em 06/04/2021. GLOBO, 2014. Eleições em número. Disponível em http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/nivel-de-abstencao-nas-eleicoes-e-o-mais-alto-desde-1998.html, acesso em 06/04/2021. GLOBO, 2018. Eleições em número. Disponível em https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/08/abstencao-atinge-203-maior-percentual-desde-1998.ghtml, acesso em 06/04/2021. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª. Ed., São Paulo, Atlas ed., 2016. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, Volume 1: Introdução ao estudo da filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1999. MELÃO, George, O voto obrigatório no Estado Democrático Brasileiro. São Paulo: Letras Jurídicas, 2017.


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Capítulo 6 O Exercício do Direito de Sufrágio pelo Preso Provisório: Considerações sobre a Manutenção e Garantia dos Direitos Políticos até o Trânsito em Julgado da Sentença Condenatória e a Efetivação da Cidadania THE EXERCISE OF THE RIGHT OF SUFFRAGE BY THE PROVISIONAL PRISONER: CONSIDERATIONS ON THE MAINTENANCE AND GUARANTEE OF POLITICAL RIGHTS UNTIL THE RES JUDICATA OF THE CONDEMNATORY SENTENCE AND THE EFFECTIVENESS OF CITIZENSHIP

Larissa de Moura Guerra Almeida Luana Mathias Souto

1. INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) preceitua que o poder emana do povo, devendo ser exercido para ele e em nome dele, diretamente ou por meio de seus representantes eleitos, de forma que sua vontade seja realizada. Desse modo, mediante o exercício do sufrágio universal, os brasileiros, ao se manifestarem nas urnas, dão cumprimento a um dos objetivos da República Federativa do Brasil: a cidadania (CRFB/1988, artigo 1º, inciso II). Neste cenário, o sufrágio, que ocorre por meio do voto obrigatório para os maiores de dezoito anos, torna-se um dos pilares da democracia no Estado de Direito, desempenhando papel relevante na organização do Estado e dos poderes, além de ser uma ferramenta de efetivação da cidadania na participação política como direito fundamental, permitindo o exercício dos direitos políticos e, assim, a garantia dos direitos fundamentais.


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Sabe-se que o voto é o instrumento capaz de expressar a vontade do eleitor, o qual escolhe e confere poderes àqueles que se tornarão autoridades, governando e representando a sociedade. Logo, se o comparecimento nas urnas é um direito de todos os cidadãos, impõe-se que o exercício do direito de sufrágio seja compreendido não como mera obrigação imposta aos eleitores, mas sim como instrumento de garantia da ordem democrática, já que a participação ampla do eleitorado garante a legitimidade do processo eleitoral e permitem a consolidação no país da cidadania e da democracia. O voto, ainda que por muitos negligenciados, consubstancia-se, em síntese, no direito de atribuir poderes e deveres aos agentes políticos, e de exigir destes o comprometimento de conduzir o país, no percalço da efetivação de uma sociedade justa e democrática. E se de um lado, por ser obrigatório, o voto sofre um processo de banalização pelo eleitor, que se sente compelido a comparecer às urnas, anulando-o ou vendo-o como protesto ao seu descontentamento frente ao processo democrático-eleitoral. De outro, a negativa de acesso às urnas àqueles cidadãos que se encontram encarcerados provisoriamente e que nos termos da Constituição tem seu direito ao voto mantido pela ausência de condenação criminal transitada em julgado, não pode ser igualmente tratada, já que compete à Justiça Eleitoral o dever de garantir aos presos provisórios as condições para que possam exercer esse direito, como a montagem de seções nos estabelecimentos prisionais. Assim, a não observância jurídica, administrativa e burocrática de primazia ao direito ao voto para os presos provisórios avilta direito subjetivo e compromete o ideal democrático. Não apenas por levar os cidadãos que se encontram nessa situação a contraírem débitos com a Justiça Eleitoral, mas também por primar o processo eleitoral do conhecimento ao que essa parcela deseja manifestar nas urnas. Dessa feita, a problemática sobre o direito ao voto pelo preso provisório está para além de garantir local de votação, mas também na consciência cidadã do que o voto representa, tanto para aqueles que estão em regime prisional quanto para todos fora dele. Em vista dessa realidade brasileira contemporânea, faz-se necessário compreender a relevância do exercício do direito de sufrágio pelo instrumento do voto – não se tratando de mera obrigação e sim de um direito assegurado a todos, nos termos da Constituição da República de 1988 –, bem como refletir quanto à manutenção e garantia dos direitos políticos dos presos provisórios, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, face à imprescindibilidade de efetivação da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, o presente artigo visa dissertar sobre o direito ao voto pelo preso provisório a partir do que estabelece a doutrina e legislação


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nacional, bem como iniciar debate acerca de problemáticas mais sensíveis sobre a efetividade e garantia desse direito. 2. O DIREITO DE SUFRÁGIO: O SEU TRATAMENTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E NA LEGISLAÇÃO ELEITORAL É premissa constitutiva do Estado Democrático de Direito a participação popular. O poder emana do povo, sendo ele seu titular e legatário, cujo exercício se manifesta por meio da representação política. A democracia representativa, por sua vez, muito mais do que um regime político que permite estabelecer como esse poder será exercido, é um direito prescrito na Constituição da República de 1988, do qual goza o povo que por meio da escolha de seus representantes estabelece direitos, constrói políticas públicas e define as regras de organização social. Para dar consecução ao primado da representação, as democracias instituem o sistema de sufrágio. “O conjunto de normas materiais e formais que realizam a ideia de representação num Estado democrático” (DANTAS, 2004, p. 40) e que permitem que o povo escolha aqueles que dentro da estrutura estatal irão determinar os rumos da vida em sociedade. Sendo assim, o sufrágio é a manifestação, direta ou indireta, da aquiescência ou discordância do cidadão a respeito de determinada questão de relevante interesse para o Estado e para a sociedade. No âmbito do direito brasileiro, a partir do tratamento conferido pela Constituição da República de 1988 e pela doutrina, o sufrágio não é um mero direito, mas o elemento necessário pelo qual se afirma que um Estado é ou não democrático, pois extrapola a instrumentalidade do voto e se constitui em uma garantia fundamental. A palavra “sufrágio” tem origem no vocábulo latino suffragium, cujo significado literal é “voto” (aprovação, apoio), e embora sufrágio e voto sejam muitas vezes empregados como sinônimos – especialmente, em vista da origem da palavra “sufrágio” –, o Texto Constitucional de 1988 concede a cada um tratamento diferenciado, referenciando o sufrágio como o direito político “universal” de manifestação de vontade do eleitor para a escolha de seus representantes e participação na vida política do Estado pressupostos necessários para exercício da soberania popular (artigos 1º e 14, CRFB/1988)1. Já o voto é o instrumento “direto e igual”, 1

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun-


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utilizado por escrutínio “secreto”, para o exercício do direito de sufrágio universal2. Paulo Bonavides (2010, p. 293) diz que o sufrágio é “o poder que se reconhece a certo número de pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente na soberania, isto é, na gerência da vida pública” (2010, p. 293). Assim, pelo sufrágio, o cidadão possui garantia democrática, decidindo, por meio do processo eleitoral, do plebiscito, do referendo ou da iniciativa popular, as proposições do Estado e os seus representantes, seja no Poder Executivo seja no Legislativo, bem como o governo e, logo, o futuro do país. Tratando-se de um dos direitos políticos tutelados pela Constituição da República de 1988, isto é, uma das prerrogativas e deveres inerentes à cidadania para a ampla participação popular na vida política do Estado (GOMES, 2012), o sufrágio universal confere a cada um dos milhões de cidadãos brasileiros uma parcela da soberania, refletindo diretamente no exercício da cidadania e na materialização da democracia. Segundo José Afonso da Silva (2014, p. 353), o sufrágio é um “direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal”, constituindo “a instituição fundamental da democracia representativa e é pelo seu exercício que o eleitorado, instrumento técnico do povo, outorga legitimidade aos governantes” (SILVA, 2014, p. 353). Como notam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2007, p. 693), o direito de sufrágio se expressa pelo “direito de votar, de participar da organização da vontade estatal” e pelo “direito de ser votado”. Ainda no tocante ao sufrágio, José Jairo Gomes (2012, p. 35) tece considerações quanto à principiologia do direito eleitoral, afirmando que o sufrágio universal se trata de princípio deste ramo do direito, significando “aprovação, opinião favorável, apoio, concordância, aclamação”, pois denota

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damentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. [...] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. (BRASIL, 1988). De igual modo, o Código Eleitoral Brasileiro, Lei Federal nº 4.737/1965, dispõe no artigo 82: “o sufrágio é universal e direto; o voto, obrigatório e secreto” (BRASIL, 1965).


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“a manifestação de vontade de um conjunto de pessoas para escolha de representantes políticos” (GOMES, 2012, p. 44-45)3. O sufrágio, a partir deste entendimento, seria um princípio e a essência do direito eleitoral, consistindo em direito público subjetivo de votar e ser votado, diferente da soberania popular. Dessa forma, o sufrágio é o direito político subjetivo de votar, de se manifestar, enquanto que o voto é o instrumento pelo qual esse direito é exercido, ou seja, o ato político que materializa, na prática, o direito público subjetivo de sufrágio, sendo que o escrutínio é o modo pelo qual se dá o exercício do sufrágio. Logo, conforme preceitua a Constituição de 1988 (art. 14), a soberania popular é exercida mediante sufrágio universal; voto direto, igual e obrigatório; sob escrutínio secreto. A doutrina, também, classifica o direito de sufrágio em diferentes espécies, ponderando que será universal quando todos os nacionais (cidadãos) com capacidade eleitoral (ativa, direito de votar; passiva, direito de eleger) puderem exercer o direito de sufrágio; e restrito, quando a própria legislação limitar o exercício desse direito a determinados grupos ou estratos sociais. Para André Ramos Tavares (2010), o sufrágio restrito é “discriminatório em função de características ou condições econômicas, sociais, culturais ou outros elementos” (2010, p. 807). Desse modo, apesar de o sufrágio universal ter sido o eleito pelo Texto Constitucional de 1988, será restrito em determinadas circunstâncias legais, sendo inalistáveis (artigo 14, parágrafo 2º, CRFB/1988) os estrangeiros e os conscritos4, além daqueles que estejam privados temporária ou definitivamente dos direitos políticos (artigo 15, CRFB/1988). Há, ainda, que se pensar nos absolutamente incapazes que, conforme a gravidade da enfermidade sofrida, ao atingirem a idade adulta terão óbices à capacidade civil plena e aquisição dos direitos políticos. Isso porque a plenitude dos direitos políticos guarda relação com o alistamento eleitoral, já que o exercício dos direitos políticos com ele advém e se mantém pleno enquanto tais direitos não forem suspensos ou perdidos. E, para além dos 3

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Ainda complementa Gomes: “Na seara jurídica, designa o direito público subjetivo democrático, pelo qual um conjunto de pessoas – o povo – é admitido a participar da vida política da sociedade, escolhendo os governantes ou sendo escolhido para governar e, assim, conduzir o Estado. Em suma: o sufrágio traduz o direito de votar e ser votado, encontrando-se entrelaçado ao exercício da soberania popular. Trata se do poder de decidir sobre o destino da comunidade, os rumos do governo a condução da Administração Pública”. (GOMES, 2012, p. 45). CANDIDO apud RAMAYANA. Código eleitoral comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2006, p. 86.


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casos daqueles que posteriormente venham a ter a sua incapacidade civil absoluta declarada (artigo 15, II, CRFB/1988), existem situações em que esta incapacidade absoluta preexiste como impedimento ao alcance dos direitos políticos. Nesse sentido, José Jairo Gomes faz algumas considerações: Só pode ser suspenso algo que já existia e estava em curso. Assim, se a pessoa ainda não detinha direitos políticos, não pode haver suspensão. A Lei Maior não fala em impedimento, embora se possa cogitar dele. Consiste o impedimento em obstáculo à aquisição dos direitos políticos, de maneira que a pessoa não chega a alcançá-los enquanto não removido o óbice. Haverá impedimento, e.g., quando o absolutamente incapaz portar anomalia congênita, permanecendo nesse estado até atingir a idade adulta. [...] Nesse caso, é impróprio falar-se de suspensão, que pressupõe o gozo anterior de direitos políticos. Tampouco se pode falar de perda, pois não se perde o que não se tem. Mais correto será pensar em impedimento, pois a incapacidade congênita é fator obstativo para a aquisição dos direitos políticos. (GOMES, 2012, p. 9-12).

Partindo da classificação trazida por Roberto Moreira de Almeida (2012, p. 85-87), relativamente ao voto, a classificação se dá pelo modo de exercício, sendo direto quando o eleitor, por seu voto, elege pessoalmente seus representantes; e indireto, quando o eleitor possui um terceiro ou intermediário para exercício do sufrágio. Quanto ao valor, o voto pode ser igual – o eleitor com seu voto tem peso e valor único, não podendo votar mais de uma vez, no mesmo pleito – ou plural – o voto do determinado eleitor tem peso maior que o voto de outros, sendo permitido ao eleitor comparecer mais de uma vez nas urnas. Também, o voto será obrigatório, se a legislação exigir o comparecimento às urnas de determinados eleitores no dia do pleito, sendo o facultativo, quando não há exigência de comparecimento. No Brasil, o voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos, e facultativo para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os analfabetos e os maiores de setenta anos (artigo 14, parágrafo 1º, inciso I, da CRFB/1988). Por fim, quanto à forma, o escrutínio será secreto ou público: secreto, quando o exercício do sufrágio ocorre de maneira fechada, em sigilo, restringindo-se ao próprio eleitor o conteúdo do voto; ou público, quando o direito de votar se dá abertamente, havendo publicidade em relação à vontade do eleitor. Além disso, visando a legitimidade do processo eleitoral, o sufrágio é um direito tutelado pela legislação eleitoral, que o coloca como objeto de proteção em face de condutas que venham embaraçar o seu livre exercício e comprometer a lisura das eleições. O Código Eleitoral Brasileiro, para fins de assegurar o sigilo do voto, especifica o uso de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio (art. 103,


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inciso IV, Código Eleitoral), bem como a hipótese de nulidade da votação se preterida a formalidade essencial do sigilo dos sufrágios (art. 220, Código Eleitoral) e de anulação da votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios que configurem abuso de poder político e econômico, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei (art. 222, Código Eleitoral). Nesse sentido, determina como garantia eleitoral que ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio (art. 234, Código Eleitoral), configurando crime eleitoral a conduta que vier a impedi-lo ou embaraçá-lo, pela captação ilícita5, punida com pena de detenção de até seis meses e pagamento de sessenta a cem dias-multa (art. 297, Código Eleitoral). Por captação ilícita de sufrágio, a Lei das Eleições, (Lei n. 9.504/1997) em seu art. 41-A, entende a conduta do candidato que “doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição”, sob pena de multa e cassação do registro ou do diploma. Assim, mais que um direito, o sufrágio por meio da instrumentalidade do voto é, simultaneamente, uma função social de soberania popular e um dever político, impondo o seu exercício com responsabilidade, vez que compõe o arcabouço dos direitos de cidadania para a sua efetivação. 3. DA OBRIEGATORIEDADE DO VOTO E DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA Como visto, a Constituição da República de 1988 admite expressamente ao cidadão o direito de intervir na vida política do Estado, firmando a amplitude de participação dos cidadãos, acrescendo ao número de eleitores, antes excluídos, outros detentores de direitos políticos, a fim de se garantir um processo eleitoral hábil a defender as demandas de um Estado Democrático de Direito, por meio do voto universal, direto, secreto e obrigatório. Porém, isso não existiu desde sempre no constitucionalismo brasileiro, sobretudo quanto à obrigatoriedade do voto. De acordo com os estudos realizados por Arnaldo Gomes de Queiroz (2008) e Leandro Ivan Mallmann (2009) a implantação do voto obrigatório no Brasil se deu a partir de 1932, com o advento do Código Eleitoral e da 5

A Lei Complementar Federal nº 64, de 18 de maio de 1990, a chamada Lei das Inelegibilidades, por sua vez, reconhece como inelegíveis para qualquer cargo aqueles que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, pelo prazo de oito anos a contar da eleição (art. 1º, inciso I, alínea j).


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Justiça Eleitoral no início da era Vargas como consequência da Revolução de 1930, que dentre os seus objetivos estava a moralização do sistema eleitoral, pois, até aquele momento, o eleitorado brasileiro correspondia a “menos de 10% da população” e a “baixa representatividade tinha como fatores principais: o voto facultativo, população predominantemente rural e exigência de alfabetização para o alistamento” (MALLMANN, 2009, p. 59). A obrigatoriedade do voto, portanto, surge com o objetivo de combater as fraudes nas eleições e aumentar a taxa de participação popular na política, o que foi ratificado pelas Constituições brasileiras seguintes. O voto obrigatório traduziu-se, portanto, em ferramenta de combate à manipulação do processo eleitoral de uma minoria política que conseguia compelir a quem lhe interessava o comparecimento às urnas, seja pelo oferecimento de bens ou vantagens ou; pelo desconhecimento da lei e baixa instrução ou por um desinteresse do cidadão no processo eleitoral. Por ser facultativo, o voto anterior a obrigatoriedade implementada pelo Código Eleitoral de 1932 tinha alto grau de abstencionismo às urnas comprometendo a aferição da manifestação da vontade geral. Assim, segundo José Afonso da Silva (2014), além de um ato político (porque contém decisão de poder), o voto é ato jurídico e a ação de emiti-lo é também um direito (SILVA, 2014, p. 361). É um direito político subjetivo e também uma “função da soberania popular”, uma função social “que justifica sua imposição como dever” (SILVA, 2014, p. 362). E, aqui, um dever social e político, pois considerando-se que em uma democracia representativa é necessária a presença de governantes e legisladores escolhidos pelo povo por meio do voto, logo é dever de todos os cidadãos manifestar sua vontade por meio do exercício desse direito. Dessa forma, nos termos do texto constitucional de 1988, o alistamento e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos (artigo 14, §1º, inciso I, CRFB/1988), sendo impostas ao eleitor penalidades caso venha a descumprir a determinação legal, como deixar de comparecer às urnas no dia das eleições, punível com multa e óbices a outros direitos atrelados ao pleno exercício dos direitos políticos. O voto (um “direito-dever”) apresenta características essenciais à efetivação da cidadania, pois detém pessoalidade, apenas o eleitor pode exercer o sufrágio pelo voto, sendo inadmissível que outro venha a manifestar à vontade para o eleitor. É livre e protegido pelo sigilo, sendo tal proteção considerada cláusula pétrea na Constituição (art. 60, §4º, inciso II). O exercício de tal direito pelo cidadão, “nacional admitido a participar da vida política do País, seja escolhendo os governantes, seja escolhido para ocupar cargos político-eletivos” (GOMES, 2012, p.45), também não


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se esgota com o comparecimento às urnas, pois é pressuposto de sua cidadania, condição que “qualifica os participantes da vida do Estado, sendo um atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação” (SILVA apud RAMAYANA, 2006, p. 85), um direito adquirido com a obtenção da qualidade de eleitor. Logo, se os direitos políticos, ou melhor, de cidadania, são adquiridos pelo alistamento eleitoral feito na forma da lei; a cidadania somente é efetivamente realizada pelo exercício consciente do direito de sufrágio por meio do instrumento do voto. Neste raciocínio, o voto (mesmo obrigatório) é ferramenta que confere legitimidade à democracia e do qual se exige que seja exercido de forma consciente, possibilitado indiscriminadamente a todos cidadãos e mediante ampliação do acesso ao conhecimento sobre sua importância e responsabilidade. Entretanto, o exercício desse direito-dever como consequência de sentença condenatória transitada em julgado será suspenso para os presos definitivos a partir do que dispõe o art. 15, III, CRFB/88: “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: [...] III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.” e consolidam os artigos 16, da Resolução TSE n. 23.219/2010 e 48, da Resolução TSE n. 23.611/2019: Art. 48. Fica impedido de votar o preso que, no dia da eleição, tiver contra si sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, os juízos criminais deverão comunicar o trânsito em julgado à Justiça Eleitoral para que seja consignado no Caderno de Votação da respectiva seção eleitoral o impedimento ao exercício do voto do eleitor definitivamente condenado.

Tal medida ainda que pacificada e constitucional não é isenta de críticas, especialmente, quando se avalia qual a função do exercício do direito ao voto, que é manifestação da condição de cidadão e elemento constitutivo do princípio democrático que orienta a vida do Estado. Escara-se com essa suspensão também toda a problemática do exercício do poder de polícia pelo Estado brasileiro que possui em números absolutos a terceira maior população carcerária do mundo (VELASCO; CAESAR; REIS, 2020). Formada prioritariamente por homens pretos, pardos6 e periféricos. Excluindo assim, aqueles que já se encontram excluídos. Revelando toda 6

Conforme dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a população carcerária brasileira no período de


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sua ineficiência ou, se preferir, deficiência em alterar o status quo por meio do processo eleitoral. As eleições e o voto são meios constitucionais de exercício da cidadania e efetivação do regime democrático. Por meio delas o cidadão se faz representar, participando, ainda que minimamente, da democracia. Excluído da política, o condenado criminalmente não se vê, na prática, representado, e o representante não se sente a ele vinculado ou a suas demandas, mas, ao contrário, vislumbra-o como objeto de demandas de outros grupos representados. Usa-se indevidamente a condenação criminal para a realização de exclusão social, desconhecendo-se que mesmo o condenado detém um núcleo essencial de direitos que é indisponível (DIAS, 2008, p. 242).

Mas, se para os presos definitivos, embora passível de críticas, o exercício do direito ao voto torna-se malgrado limitado pelo texto constitucional, para os presos provisórios a realidade é diversa e a garantia a esse direito no contexto brasileiro torna o debate mais complexo do que deveria, especialmente, diante da existência de óbices jurídicos, administrativos ou meramente burocráticos para o gozo desse direito que comprometem não apenas a instrumentalidade do voto no dia das eleições, como também afeta a condição de cidadão daqueles que por algum motivo são impedidos de exercer esse direito, o que por sua vez impacta no arcabouço fático de construção da representação democrática que, como demonstrado, se alicerça no direito de sufrágio (seja manifesto pela obrigatoriedade do voto ou não). 4. A IMPORTÂNCIA DO DIREITO DE SUFRÁGIO: CONSIDERAÇÕES QUANTO À SITUAÇÃO DOS PRESOS PROVISÓRIOS NO BRASIL E A GARANTIA DE SEUS DIREITOS POLÍTICOS NA EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA No Brasil, por ser voto obrigatório para todos os cidadãos maiores de dezoito e menores de setenta anos tem-se que em média mais de 80% (oitenta por cento) dos milhões de eleitores brasileiros – incluídos os presos provisórios e os jovens em cumprimento de medidas socioeducativas7 possuem por lei o reconhecimento do direito de sufrágio.

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janeiro a junho de 2020 era formada por 50,28% de pessoas pardas e 16,03% de pessoas pretas, totalizando juntas mais de 66% da população carcerária (DEPEN, 2020). Art. 39, parágrafo único, II, da Resolução TSE n. 23.611/2019: “adolescentes internados: os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 21 (vinte e um) anos submetidos a medida socioeducativa de internação ou a internação provisória, nos termos da Lei n. 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.


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Contudo, diante do grau de indignidade a que são submetidos os encarcerados no Brasil – já tendo sido reconhecido o “estado de coisas inconstitucional” no sistema prisional brasileiro pelo Supremo Tribunal Federal8, com “violação massiva de direitos fundamentais” da população prisional, por omissão do poder público –, o direito de sufrágio pelo preso provisório é um dos diversos direitos cerceados a esses cidadãos que, por vezes, não possuem garantia plena de seu exercício, muito antes da condenação criminal definitiva. A Constituição da República de 1988, em seu art. 15, III, assegura aos presos provisórios e aos jovens que cumprem medidas socioeducativas, isto é, que estão sob custódia de Justiça, o direito de votar, já que ainda não tiveram seus direitos políticos suspensos por condenação definitiva. Entretanto, mesmo com a existência da legislação tratando do sufrágio e do amparo aos direitos políticos, muitos eleitores presos provisoriamente desconhecem a finalidade e relevância do direito de voto sem compreender o papel fundamental desempenhado pelo exercício desse direito para concretização efetiva de sua cidadania além de, em alguns casos – extensa maioria -, sequer estarem conscientes dessa garantia até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Diante disso, muitos se tornam irregulares perante à Justiça Eleitoral, uma vez que, ao deixarem de votar ainda que “podendo” fazê-lo e também sem a devida justificativa no prazo legal encontram-se sujeitos às sanções previstas no artigo 7º do Código Eleitoral9. Ademais, enfrentam os presos provisórios ainda que desejantes de exercer tal direito, 8 9

STF, ADPF nº 347, j. 09/09/2015. Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o saláriomínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. §1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.


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do enfrentamento de óbices diante da falha estatal em garantir, via administração pública, a viabilidade instrumental para que os presos provisórios possam exercer tal direito. 4.1. O preso provisório e o processo eleitoral Nos termos do art. 15, III, CR/1988 a suspensão dos direitos políticos apenas atinge os sentenciados, cuja sentença penal condenatória seja definitiva e enquanto perdurarem seus efeitos. Assim, não poderão votar ou serem votados no curso de eleições regulares, aqueles cuja sentença condenatória tenha transitado em julgado e que ainda não tenham cumprido integralmente a pena imposta. Ademais, a Lei Complementar n. 64/90 (Lei das Inelegibilidades), alterada pela Lei Complementar n. 135/2016 (Lei da Ficha Limpa), no artigo 1º, inciso I, alínea “e”, estabelece que permanecem inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 08 anos após o cumprimento da pena, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício da função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins; racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual, e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando. Aqueles que tenham cumprido pena por tais crimes, após o seu término, durante o período de 08 anos, poderão votar, mas não poderão ser votados. Logo, se a suspensão dos direitos políticos persegue aqueles que sofrerão condenação transitada em julgado até após o cumprimento da pena, ao

§2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior. §3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido. §4º O disposto no inciso V do § 1o não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil. (BRASIL, 1965)


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preso provisório é assegurada a participação regular no processo eleitoral, na medida em que não conta com seus direitos políticos atingidos no curso da persecução penal. Assim, considerando a norma de eficácia plena e imediata contida no artigo 15, III, da Constituição, está garantido e autorizado o voto ao preso provisório. Ademais, negar ao preso provisório o exercício do direito ao voto, visto que para ele ainda não estão suspensos os direitos políticos, seria o mesmo que antecipar-lhe os efeitos de potencial sanção condenatória definitiva, bem como compeli-lo a estar em débito com a Justiça Eleitoral para além do tempo necessário. Também compromete o processo democrático, pois diante da relevância em se garantir a todos o direito ao voto e a participação popular no processo eleitoral, o voto de presos provisórios diversifica o perfil do eleitor brasileiro, tornando o processo eleitoral mais próximo da realidade brasileira, já que estrato significativo da população prisional se encontra nessa condição. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no período de janeiro a junho de 2020, a população prisional no Brasil era formada por 753.966 pessoas. Desse total, 209.257 (29, 81%) eram presos provisórios e, portanto, também eleitores já que maiores de 18 anos. O relatório ainda mostra que com o passar dos anos o número de presos provisórios está a aumentar no País e se mantendo desde 2000, quando os primeiros dados aparecem no relatório, em número sempre superior a 20% da população prisional. Trata-se, portanto, de parcela significativa da população prisional, apesar de corresponder a menos de 1% do eleitorado brasileiro quando no comparado do período correspondente à pesquisa realizada pelo DEPEN, em que conforme dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral o número total eleitores brasileiros em junho de 2020 (sem distinção de sexo e idade) era de 150.517.416 (TSE, 2020). A obrigatoriedade do voto em uma democracia jovem como é o Brasil, em que grande parte da população brasileira ainda vive em estado de pobreza e baixo nível de escolaridade permite, ainda que em caráter pedagógico, que os eleitores pensem e repensem a política nacional, ainda que periodicamente. Reconheça seu papel como mecanismo de transformação social e a utilizem, por meio do direito ao voto, como instrumento a provocar a promoção de direitos fundamentais, mudanças e correções na estrutura vigente, inclusive no ambiente prisional a que estão provisoriamente restritos. Ademais, se o voto é obrigatório e isso faz com que mais da metade dos eleitores participem das eleições, conferindo ao processo eleitoral maior legitimidade em seus resultados, um cenário de ausência de 200 mil eleitores


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aptos a votar, mas que não o fazem por não terem devidamente oportunizado o exercício desse direito, é fato prejudicial ao fortalecimento da democracia e cidadania enquanto instância de reconhecimento da qualidade de sujeito de direitos, especialmente, quando aos olhos da Constituição brasileira, estar provisoriamente preso não se consubstancia em impedimento ao gozo do direito de sufrágio. Assim, a fim de que seja efetivado tal direito ao preso provisório, compete à Justiça Eleitoral oportunizar as condições para que esses eleitores exerçam esse direito, participem do processo eleitoral, sejam cadastrados para tanto e a partir disso, tenham a garantia de que será providenciado pela Administração Pública local destinado a votação dentro do estabelecimento prisional ao qual está restrito. A dificuldade, entretanto, no cenário brasileiro consiste justamente em viabilizar com responsabilidade e competência, a efetividade do direito ao voto a essa parcela da população, já que a mera previsão legal por si só não é capaz de assegurar o cumprimento do seu direito – como ocorre com alguns dos direitos sociais assegurados constitucionalmente, tais como saúde e educação, que mesmo diante da judicialização e havendo sentença transitada em julgado, enfrentam o óbice à sua implantação pela “reserva do possível”, por vezes alegada pela Administração Pública. 4.2. Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a efetivação do voto do preso provisório Em 2010, o TSE editou a Resolução TSE n. 23.219/2010, que “dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes e dá outras providências” em um esforço para promover o acesso ao direito de voto pelos presos provisórios, mas observe-se que embora o direito ao voto seja garantido aos presos provisórios desde 1988, apenas em 2010 que se inicia o processo em garantir efetividade a esse direito. A Resolução TSE n. 23.219/2010 prevê, portanto, a criação por parte dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes, buscando assegurar o voto das pessoas ali sob custódia. Para tanto, exige-se que estes cidadãos tenham sido alistados pela Justiça Eleitoral até o último dia 5 de maio (art. 2º, Resolução TSE nº 23.219/2010), cabendo à Justiça Eleitoral a organização das mesas receptoras de votos e justificativas, que deverão contar com o auxílio de voluntários (arts. 3º e 4º), assim como os agentes penitenciários e os demais servidores lotados no


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estabelecimento prisional ou na unidade de internação para a seção eleitoral instalada no interior da instituição. Competirá aos TREs firmar convênios de cooperação técnica e parcerias com “entidades que puderem auxiliar o desenvolvimento das condições indispensáveis de segurança e cidadania para o exercício do direito de voto das pessoas a que se refere esta resolução” (art. 6º, Resolução TSE nº 23.219/2010). Cada sessão eleitoral deverá contar, no mínimo, com 20 eleitores aptos a votar, sendo que aqueles que transferirem o título para a seção eleitoral do estabelecimento penal ou da unidade de internação e que na data das eleições não mais estejam provisoriamente presos ou internados poderão votar nos respectivos estabelecimentos ou unidades ou, se assim não quiserem, apresentar justificativa (arts. 12 e 15). Todavia, ficaram impedidos de votar aqueles que no dia da eleição tenham sentença penal condenatória definitiva (art. 16). Ademais, permite o art. 18 a presença dos candidatos na qualidade de fiscais natos e da presença de um fiscal de cada partido político ou coligação. Por fim, o artigo 20 da Resolução TSE n. 23.219/2010 dispõe que competirá ao juiz eleitoral definir com o diretor da instituição prisional ou de internação a forma de veiculação da propaganda eleitoral e o respectivo acesso aos eleitores, atendendo às recomendações do juiz corregedor ou do juiz responsável pela execução penal ou pela medida socioeducativa. Em Minas Gerais, conforme informa o TRE-MG “no ano de 2016, foram instaladas [...] cinco seções especiais, com 236 eleitores aptos para votar, dos quais 197 compareceram. Já em 2018, foram nove seções especiais, com 360 eleitores inscritos. No 1º turno votaram 317 e no 2º turno compareceram 292” (TRE-MG, 2020). Não obstante o significativo avanço em termos de inclusão social na seara eleitoral, o modo como foi disciplinado o voto do preso provisório exige, contudo, algumas reflexões. Especialmente, porque a inserção de urnas em Centros de Detenção Provisória ou em Unidades de Internação por si só não é medida satisfatória à participação de fragmento social fragilizado no processo político, traduzindo em entendimento equivocado ante à complexidade da questão. O ambiente prisional possui realidade diversa daquela em que se encontra inserido um eleitor em liberdade, pois a principal preocupação daquele que se encontra com a liberdade cerceada, ainda que provisoriamente, é se ver livre do cárcere. A satisfação de tal pretensão, por sua vez, pode induzi-lo a se associar ou se comprometer com todos aqueles que possam auxiliá-lo nesse objetivo, torna-se alvo fácil, por exemplo, de captação ilícita de sufrágio, o que retornaria à ideia do voto como objeto de barganha que outrora existia com os votos de “cabresto”.


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Além disso, as instituições de privação de liberdade podem se tornar em estabelecimentos de “aliciadores e currais eleitores”, pois a ânsia por liberdade, melhores condições e privilégios na execução da pena privativa de liberdade podem fazer com que presos se tornem aliciadores e cabos eleitorais junto a outros presos ou a seus familiares, além de funcionários dos presídios e seus administradores. O controle realizado pelo estabelecimento prisional ou unidade de internação acerca da propaganda eleitoral a ser veiculada, a cargo das autoridades responsáveis pela instituição, pode igualmente servir de porta de entrada para o favorecimento de certos candidatos, ou censura de outros, ou, em pior cenário, fortalecimento de organizações criminosas. Talvez por essa razão que a Resolução TSE n. 23.611/2019, que “dispõe sobre os atos gerais do processo eleitoral para as Eleições 2020”, em sua Seção II acresce importante dispositivo que permite que o direito ao voto pelo preso provisório seja integrado ao direito à informação: Art. 46. Os tribunais regionais eleitorais deverão firmar termo de cooperação técnica com o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e as secretarias e órgãos responsáveis pela administração do sistema prisional e pelo sistema socioeducativo da infância e da juventude nos estados, sem prejuízo de outras entidades que possam cooperar com as atividades eleitorais objeto dos artigos desta Seção. Parágrafo único. Os termos de cooperação técnica deverão contemplar, pelo menos, os seguintes tópicos: [...] II – promoção de campanhas informativas com vistas a orientar os presos provisórios e os adolescentes internados quanto à obtenção de documentos de identificação e à opção de voto nas seções eleitorais instaladas nos estabelecimentos (grifo nosso).

Assim, deve o preso ser advertido que, caso opte por não votar, incidirá nas sanções do artigo 7º do Código Eleitoral, uma vez que a legislação brasileira exige, em termos práticos, o comparecimento dos cidadãos no dia da eleição, incluindo os presos provisórios e adolescentes internados. A primazia ao direito à informação de presos provisórios e, principalmente, de adolescentes internados, pois muitos estarão exercendo o direito ao voto pela primeira vez, também deve ser no sentido de informar ao eleitor recluso que, caso não se sinta apto a escolher algum dos candidatos; ou que não tenha certeza de qual deles é o mais qualificado; ou que, diante da hipótese de simplesmente não querer votar em candidato algum, que existe para ele a prerrogativa de comparecer às urnas e se posicionar da forma


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escolhida: abstendo-se; justificando devidamente à Justiça Eleitoral; votando em branco; ou anulando o voto – todas opções válidas e reconhecidamente democráticas pelo sistema eleitoral brasileiro. Além disso, evidentemente, considerando que a prisão provisória ou a internação de adolescentes independe do domicílio eleitoral, vindo esses indivíduos possivelmente a estarem lotados em instituições que não coincidem com seus respectivos locais de votação, para exercer o direito ao voto e participar das eleições caberá também à Justiça Eleitoral apurar os eleitores que se valerão da justificativa eleitoral, além daqueles que de fato irão votar, mantendo-se um sistema de dados e estatísticas, a fim de se verificar o impacto da participação dos presos provisórios no processo eleitoral. Essas prerrogativas visam assim, garantir, minimamente, o respeito a universalidade do voto e a compreensão de que a pena aplicada produza efeitos tão somente na medida de sua razão, ou seja, é impróprio que é a condição de apenado acarrete em outras penalizações que potencialmente impactarão nos seus direitos políticos. O voto do condenado criminalmente é, nesse contexto, medida de manutenção de seu núcleo cidadão, pois lhe permite o exercício da liberdade no espaço político, induzindo-o a uma reflexão acerca do socialmente desejável e possibilitando sua intervenção no campo reivindicatório dos embates políticos, sem os quais a cidadania não avança. Reforce-se a idéia: se o voto é fundamental para a democracia e para cada cidadão, muito mais o é o para a comunidade política como um todo e para as minorias, que devem ter a possibilidade de lutar para receber certas prestações estatais, de não ser alvo de uma abusiva ação do Estado contra si, e de participar do processo político em geral (DIAS, 2008, p. 239-240).

Partindo-se da ideia de que a pena privativa de liberdade, no Direito Brasileiro, tem por finalidade, a punição, a prevenção e a regeneração (DAMIANI, 2006), a medida prisional ou a condenação definitiva de detenção ou reclusão deve perseguir determinadas premissas, a fim de que haja a devida retribuição/compensação do mal causado à sociedade pelo infrator, evitando-se a prática de novas infrações pelo próprio infrator condenado, bem como pelos demais indivíduos eventuais infratores (efeito pedagógico e exemplar), para ao fim reconduzir o infrator à confiabilidade e convivência social. De acordo com João Paulo Rodrigues Damiani (2006), o objetivo da regeneração, adotado pela legislação brasileira, [...] é tratado de forma separada das outras funções, objetivando, então, transformar o preso, ora criminoso, em não criminoso, sendo ele designado


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também de recuperação, readaptação, ressocialização ou integração social, cabendo dar um enfoque positivo à imposição de castigos, considerando que o homem pode ser melhorado na prisão (DAMIANI, 2006).

E, se é preconizado na Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) e no Decreto nº 40/1991, que promulga a Convenção de Direitos Humanos contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, o dever do Estado de prestar assistência ao preso e ao internado, visando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, é indubitável que a garantia e efetividade de acesso ao exercício do voto ao preso provisório e internados – como ainda a instrução, acesso à informação e acompanhamento educacional também daqueles que se encontram em cumprimento de pena, com seus direitos políticos suspensos ou perdidos, mas que irão retornar ao meio social, após a extinção de punibilidade – constituem-se em medidas de ressocialização e reintegração do indivíduo na vida civil e política, além de respeito à dignidade da pessoa humana. Ademais, a obrigatoriedade do voto prevista na legislação brasileira tem por finalidade conferir maior legitimidade ao processo eleitoral e, ainda que se trate de comparecimento formal, “porque o eleitor não está obrigado a necessariamente indicar um candidato como sendo de sua preferência” (TAVARES, 2010, p. 809), já que pode votar em branco ou anular seu voto e, nesses casos, “não houve voto, porque não se escolheu qualquer candidato. Portanto, a obrigatoriedade é de comparecer para a votação, já que o conteúdo do voto é livre” (TAVARES, 2010, p. 809), tal obrigatoriedade, por sua vez, não pode ser utilizada como mecanismo de opressão contra aqueles que desconhecem seus direitos e a única maneira de se evitar tais incongruências é além de oportunizar local para realização da votação, acesso à informação sobre o processo eleitoral em si. Pois, a questão por trás da eficácia ou ineficácia do voto não se concentra na sua compulsoriedade, mas sim na necessidade de estabelecimento de um corpo eleitoral consciente de seus direitos para que então, exerçam de forma efetiva sua cidadania. Evidente que para o fortalecimento da cultura política do país seriam necessárias a tomada de outras medidas, e não apenas a montagem de seções de votação nos estabelecimentos prisionais. Promover ações e programas para uma educação básica de qualidade, redução da elevada desigualdade socioeconômica existente na população brasileira e, ainda, enfrentar e superar as inúmeras mazelas do subdesenvolvimento são providências que devem constar na agenda estatal para efetivação da cidadania. Tais fatores impedem que boa parte da população conheça seus direitos e compreenda o que de fato acontece na vida política do país.


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É necessário que os cidadãos, portanto, se atentem para essas questões e, sem dúvida, o primeiro passo é o exercício consciente do direito de sufrágio pelo voto, sendo concedida voz e vez àqueles que quase não são ouvidos, dando-lhes a chance de comparecer periodicamente às urnas, mesmo que para atender a uma exigência legal. Diante disso, a prisão provisória não constitui razão suficiente que impeça o exercício desse direito ou banalize a sua relevância, sendo necessárias ações e medidas para a realização do direito de voto por todos os cidadãos, ainda que seja inserida, então, hipótese de ausência justificada para aqueles eleitores presos provisoriamente, cujas instituições prisionais não apresentem condições para a montagem das seções de votação, uma vez que o não comparecimento devidamente justificado às eleições é medida prevista em lei que causa prejuízos no gozo de outros direitos. 5. CONCLUSÃO O direito de sufrágio universal, nos moldes desenhados pela Constituição de 1988, é um direito público subjetivo, cujo exercício é pessoal e livre, dado aos nacionais que preencham as condições legais de idade, exceto os conscritos e absolutamente incapazes. Em vista de sua função social e dever cívico para com a democracia, o sufrágio é também um direito-dever, tornando obrigatório o voto e o alistamento eleitoral, para o devido exercício da cidadania, juntamente com os demais direitos políticos. Considerando que a cidadania se constitui do próprio direito à vida digna, envolvendo os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais, não basta apenas que aos cidadãos sejam asseguradas em lei tais direitos e prerrogativas. E, para isso, o instrumento do voto contribui para o processo de efetivação da cidadania já assegurada constitucionalmente. O caráter de poder-dever do voto, a necessidade de ampla participação política dos cidadãos no processo eleitoral e de fomento de uma consciência política, o exercício consciente do direito de sufrágio pelo instrumento do voto, e a democracia jovem brasileira ainda em processo de consolidação, revelam a importância do exercício do direito de voto, aqui não visto como mera obrigação imposta por lei, mas como uma responsabilidade prevista a todos os cidadãos de exercer o seu direito livre de sufrágio na escolha de seus representantes. Para que o voto do preso provisório se dê livremente, faz-se necessário o desenvolvimento de políticas de Estado, não de Governo, em sede de Execução Penal, promovendo-se um ambiente comprometido com a inclusão


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(acompanhamento profissional, educacional, psicológico, médico e familiar), para que os presos, em período de reciclagem social, tenham condições de atender às expectativas que a sociedade espera de seu voto. Pois, presos provisórios que permanecem em estabelecimento prisional aguardando o desfecho de sua situação, entregues ao descaso e abandono por parte do Estado, sem qualquer envolvimento de reinserção na sociedade, submetidos às mais variadas formas de violência e violação de direitos, jamais poderão contribuir efetivamente para a vida política do Estado. Compete a todos, Estado e sociedade, fazer com que o voto do preso provisório atenda às expectativas constitucionais. A Resolução TSE n. 23.219/2010 apenas foi um primeiro passo. A pretensão do legislador constituinte ainda não foi alcançada. É preciso que o Código Eleitoral se dedique melhormente, a fim de se evitar que o acesso ao direito de voto pelos presos provisórios se torne mais uma ferramenta de fragilização e desequilíbrio do processo eleitoral. Pois, mediante o voto, tem-se o comparecimento às urnas no dia da eleição e, assim, a garantia de legitimidade do processo eleitoral pela ampla participação popular, possibilitando que parcelas da população, que ainda vivem em estado de pobreza e com baixo nível de escolaridade, tenham a chance de participar do processo eleitoral ao serem convocadas ao pleito. A (in)eficácia do voto somente pode ser medida se consideradas essas peculiaridades na sociedade brasileira. É cediço que a democracia no Brasil ainda é jovem e decorre de um processo recente, em fins de consolidação. O maior contratempo está na falta de conscientização política que se assiste dentre os eleitores, seja pela baixa instrução, desconhecimento da lei ou pelo desinteresse do cidadão. A cidadania decorre de um processo social. Um direito humano edificado aos poucos por meio do amadurecimento da sociedade, em razão das lutas e movimentos das minorias políticas. Exercido o direito de sufrágio pelo voto de forma consciente, ao ser possibilitado a todos cidadãos, indiscriminadamente, o conhecimento necessário, despertando-lhes o interesse e a responsabilidade inerentes ao direito de sufrágio, estará proporcionando os subsídios que contribuirão para o processo democrático, já que a democracia brasileira é jovem e a cidadania precisa ser compreendida e vivida por cada indivíduo, para de fato estar consolidada. É inadmissível o regresso nos direitos e garantias conquistadas; indispensável o engajamento e o comprometimento de todos, enquanto cidadãos, a fim de que seja possível oportunizar as evoluções sociais que se fizerem, e que se fazem, necessárias, no percalço da efetivação da cidadania na


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participação política como direito fundamental, realizando-se, assim, algo tão almejado pela Constituição da República de 1988: uma sociedade livre, justa e solidária. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral – teoria, jurisprudência e questões com gabarito oficial e comentários. 6. ed. ampl. rev. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2012. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17.ed. São Paulo: Moderna, 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 23 mar. 2021. BRASIL. Lei Complementar Federal nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, §9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm. Acesso em 23 mar. 2021. BRASIL. Lei Federal nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm. Acesso em 23 mar. 2021. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código eleitoral anotado e legislação complementar. Tribunal Superior Eleitoral. 13. ed. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2018. Disponível em http://www.tse.jus.br/ hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/codigo_eleitoral/codigo-eleitoral-anotado-e-legislacao-complementar-13-edicao-atualizado.pdf. Acesso em 23 mar. 2021. DAMIANI, João Paulo Rodrigues. O voto do preso: a cidadania emergente dos direitos humanos. Revista Sociologia Jurídica. Número 03, julho/dezembro 2006. Disponível em https://sociologiajuridica.net/o-voto-do-preso-a-cidadania-emergente-dos-direitos-humanos/. Acesso em 13 mar. 2021. DANTAS, Sivanildo de Araújo. Direito eleitoral: teoria e prática do procedimento das eleições brasileiras. Curitiba: Juruá, 2004. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – período de janeiro a junho de 2020. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYzg4NTRjNzYtZDcxZi00ZTNkLWI1M2YtZGIzNzk3ODg0OTllIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMt NDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 03 abr. 2021. DIAS, Wladimir Rodrigues. Condenação criminal e direito a voto. Execução Penal – Constatações, Críticas, Alternativas e Utopias. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 229-254. GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. MALLMANN, Leandro Ivan. A (in) eficácia do voto obrigatório no Brasil. Monografia (Graduação em Direito) – Centro Universitário Univates, Universidade do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul. Lajeado, 2009. Disponível em https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/453/1/LeandroMallman.pdf. Acesso em: 07 mai. 2020. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. QUEIROZ, Arnaldo Gomes de. O voto no Brasil: um direito ou uma obrigação? Monografia (Especialização em Direito e Processo Eleitoral) – Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Universidade Estadual Vale do Acaraú e Escola Judiciária Eleitoral. Fortaleza, 2008. Disponível em https://bdjur.tjce.jus. br/.../Monografia%20Arnaldo%20Gomes%20de%20Queiroz.pdf. Acesso em 07 mar. 2021. RAMAYANA, Marcos. Código eleitoral comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2006. RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. RICHTER, André. TSE registra mais de 25 milhões de eleitores que não votaram. Política. Portal EBC, 02 out. 2016, Brasília. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-10/tse-registra-mais-de-25-milhoes-de-eleitores-que-nao-votaram. Acesso em: 13 mar. 2021.


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Capítulo 7 O Poder Normativo do Tribunal Superior Eleitoral em Debate: Análise das Resoluções Relacionadas com o Artigo Sétimo do Código Eleitoral THE NORMATIVE POWER OF THE TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL IN DEBATE: ANALYSIS OF THE RESOLUTIONS THAT TREAT THE SEVENTH ARTICLE OF THE ELECTORAL CODE

Guilherme Scodeler de Souza Barreiro Pedro Henrique Peixoto Leal

1. INTRODUÇÃO A atuação normativa da Justiça Eleitoral, notadamente por intermédio do Tribunal Superior Eleitoral, é uma realidade do Direito Eleitoral brasileiro. São milhares as Resoluções já editadas pelo referido órgão judicante. Tenciona-se no presente artigo, destarte, avaliar a regularidade dessa atuação normativa na ordem jurídica brasileira, bem como os possíveis limites que lhe alcançam. Para tanto, buscar-se empreender breve análise histórica do tema, tendente a permitir uma compreensão mais exata quanto à própria formação da Justiça Eleitoral no país, órgão ao qual foi conferido um papel aparentemente tutelar em relação ao regime democrático, e que desde sempre exerceu funções que vão muito além da atividade meramente jurisdicional. Nesse ponto, faz-se alguns questionamentos quanto à perpetuação de um modelo que subtrai dos poderes políticos a condição de bem conduzir o jogo democrático, conferindo-o à corporação dos juristas. Aponta-se, em seguida, para a compreensão de que a Justiça Eleitoral pode ser qualificada, na quadra vigente, como uma verdadeira agência eleitoral, de atuação tanto executiva, organizando todo o processo eleitoral,


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quanto regulamentar, expedindo normas para dar cumprimento à legislação eleitoral. A intenção, nesse ponto, é que se alcance um esboço analítico dessa pluralidade de competências exercidas pelo referido órgão, as chamadas funções da Justiça Eleitoral, para que assim seja possível se avaliar com especificidade o poder normativo ali desempenhado, com ênfase para a atuação do já referido Tribunal Superior Eleitoral, ao qual compete, nos termos da legislação em vigor, expedir instruções destinadas a regular a legislação eleitoral. Feito isso, em recorte decorrente do pertencimento do presente texto, tendente a compor obra coletiva que se debruçará com especificidade sobre o art. 7º da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), faz-se a análise de algumas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral que tangenciam as sanções civis aplicáveis aos eleitores que deixarem de votar ou de justificar sua ausência em eleições, as quais, previstas no dispositivo legal ora referido, são corolário da própria obrigatoriedade de voto, determinada no art. 14, § 1º, da Constituição Federal. Considerando-se todo esse contexto, será possível compreender, como já mencionado, os possíveis limites do poder normativo da Justiça Eleitoral, como também avaliar a sua conformidade com o ideário de separação de poderes, bem como os possíveis prejuízos ao modelo democrático em virtude da configuração tecnocrática da produção normativa em tablado. 2. BREVE HISTÓRICO DA JUSTIÇA ELEITORAL: A MENTALIDADE TUTELAR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA Antes de analisar a possibilidade (ou não) do Tribunal Superior Eleitoral exercer um poder normativo, bem como a forma do seu exercício, é importante resgatar, ainda que brevemente, o contexto histórico da criação da Justiça Eleitoral brasileira e em torno de quais pilares essa construção se deu. Esse resgate dialoga com a própria história da democracia e da cidadania brasileira. A Justiça Eleitoral foi criada pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 (BRASIL, 1932), com o nome de Tribunal Superior de Justiça Eleitoral. Com a criação de tal órgão, transferiu-se a um órgão especializado do Poder Judiciário, em nomenclatura e estrutura, a própria condução do processo eleitoral, do alistamento dos eleitores à proclamação dos candidatos eleitos. Pouco depois, com a emergência do Estado Novo, em novembro de 1937, a Justiça Eleitoral foi extinta pela Constituição outorgada naquele ano, só vindo a ser restabelecida em 1945, por intermédio do Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945, Código Eleitoral, que ficou conhecido como Lei Agamenon. Tal órgão voltou a ter sede constitucional com a Constituição Federal


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de 1946, e desde então se manteve em funcionamento, mesmo nos períodos de ditadura posteriormente vividos. Observa-se, nesse diapasão, que a Justiça Eleitoral surgiu já na fase republicana da história brasileira. Mais precisamente no apagar das luzes da Primeira República, antecedendo a chamada “Era Vargas”. O voto e a realização de eleições no país, contudo, são fenômenos bem mais antigos. Ainda que com deficiências e limitações, eram eventos já presentes na época do Império ou até mesmo da Colônia. Ainda no período colonial da história do Brasil já havia o exercício de direitos políticos por uma pequena parcela da sociedade, com a presença de alguns mecanismos eleitorais. Nesse período, o voto era restrito à escolha dos membros das câmaras municipais (LINS, 2017) e o “processo eleitoral compreendia um ritual solene, propício a suscitar respeito e confiança” (CANÊDO, 2013, p. 521), sendo conduzido pelo juiz de cada localidade, a quem cabia presidir a Assembleia dos homens bons. Além disso, sabe-se que houve variadas experiências eleitorais no Brasil ainda na época da colônia, o que se dava conforme as determinações das Ordenações do Reino. Em 1821, por exemplo, D. João VI, ainda no Brasil, convocou brasileiros para a escolha dos deputados às cortes de Lisboa. Com a formação do Estado nacional, deu-se início à construção da cidadania brasileira, mas ainda com grandes restrições ao exercício dos direitos políticos, mantendo-se um sistema eleitoral complexo e indireto, no qual ficava ainda a cargo de um juiz as medidas administrativas relacionadas a votação (alistamento, qualificação dos votantes, início e término da votação e apuração dos votos) (LINS, 2017). Apesar da participação de juízes em tal processo, tanto no período imperial como na Primeira República não houve a preocupação de entregar ao Poder Judiciário a tarefa de proclamar os eleitos, confirmando o resultado das eleições. O sistema então vigorante era deficiente no controle do processo eleitoral, e acarretava na verdadeira ausência de liberdade de escolha dos eleitores (LACERDA; CARNEIRO; SILVA, 2004). Não há como negar que o processo eleitoral à época registrava uma enormidade de fraudes, muitas relacionadas ao fato de o voto não ser secreto (LINS, 2017), mas também decorrentes do contexto político no qual imperava o mandonismo e o coronelismo (HOLANDA, 2014; CARVALHO, 1997). Diante disso, mesmo com diversas reformas eleitorais, as eleições no Império sempre deixaram muito a desejar (LEAL, 2012). E essa história não sofreu grandes alterações com a proclamação da República. Na verdade, em alguns aspectos pode-se perceber até mesmo um retrocesso na lisura da condução do processo eleitoral durante a Primeira República.


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E é essa a singela questão que inicialmente se coloca para o presente estudo: em que momento se entendeu pela necessidade de criação de uma estrutura especializada, dotada de natureza jurisdicional, para a condução do procedimento eleitoral brasileiro? Que razões conduziram a isso? A resposta não é propriamente complexa, e pode ser alcançada a partir da análise histórica que aqui se propõe. Há que se rememorar o histórico das eleições que eram realizadas no Brasil até 1932, especialmente ao longo da Primeira República, período que, como visto, antecedeu o surgimento da Justiça Eleitoral. Foi um período marcado por incertezas, notadamente no cenário político. Eram constantes as disputas entre civis e militares, com divergências inclusive quanto à amplitude da autonomia federativa. Vivia-se a era das oligarquias, e as fraudes eleitorais ocorriam amiúde. Nesse contexto oligárquico, e dada a necessidade de levar o eleitor às urnas, o Poder Judiciário foi afastado do controle do alistamento eleitoral, o que permitiu uma temerária politização do processo de qualificação do eleitor, entregue às facções majoritárias na política local (LINS, 2017). Acrescente-se a isso o fato de que no Brasil adotava-se o sistema legislativo de verificação de poderes, previsto tanto na Carta Imperial de 1824 como na Constituição de 1891, o qual vigorou por mais de um século (GOMES, 2016). Esse sistema contribuiu para profundas iniquidades no processo eleitoral brasileiro da época. Aliás, fraudes aconteciam em todas as fases do processo eleitoral – do alistamento de eleitores até o reconhecimento dos eleitos. Entretanto, alguns procedimentos ficaram famosos. A eleição de “bico de pena” vem do Império e diz respeito às diversas manipulações feitas pelas mesas eleitorais, como a falsificação de assinaturas e adulteração de cédulas eleitorais. A “degola” significava o não reconhecimento do eleito pela Comissão de Verificação da Câmara dos Deputados – procedimento que eliminava os adversários, anulando sua eleição. O “voto de cabresto” era quase uma prática político-cultural – um ato de lealdade do votante ao chefe local. Por fim, o “curral eleitoral” aludia ao barracão onde os votantes eram mantidos sob vigilância e ganhavam uma boa refeição, dali só saindo na hora de depositar o voto – que recebiam num envelope fechado – diretamente na urna. (SCHWARCZ; STARLING, 2018, p. 322) [sem o grifo no original]

Esta fórmula era justificada pela baixa confiabilidade dos resultados eleitorais no período da Primeira República, como também em face das experiências eleitorais brasileiras desde o tempo do Império, quando a parcialidade dos agentes responsáveis pela condução da disputa acabava contaminando a chamada


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“verdade eleitoral”. Aceitava-se, assim, o sistema de “verificação de poderes”, pelo qual a homologação final dos resultados eleitorais competia ao próprio Poder Legislativo, e com isso alguns candidatos eleitos pelo povo podiam ser “degolados”, através da vontade de seus representantes residentes no legislativo (MACEDO; SOARES, 2015). Diante desse quadro histórico, com a eleição também questionada de Júlio Prestes a Presidente da República, as oligarquias derrotadas se insurgiram e depuseram o ainda Presidente Washington Luís, entregando o poder para o candidato que supostamente havia sido derrotado nas urnas, Getúlio Vargas. A purificação do processo eleitoral era, portanto, um dos ideais inspiradores da Revolução de 30, sendo a Justiça Eleitoral um possível instrumento para evitar as fraudes identificadas no período antecedente (DELGADO, 1995). “No que interessa à história da Justiça Eleitoral, a principal bandeira levantada pelo movimento de 1930 foi a moralização das eleições. Foi nesse contexto que nasceu a Justiça Eleitoral” (BRASIL, 2014, p. 36). Assim sendo, os revolucionários de 1930 decidiram utilizar, na estruturação da novel Justiça Eleitoral, os quadros da Justiça Comum Estadual, evitando a criação de um quadro próprio de Juízes Eleitorais e trazendo o princípio da temporariedade das funções. Com isso se justificam os rodízios entre Juízes Eleitorais e o mandato fixado para os órgãos regionais (TRE) ou nacional (TSE), o que termina por conferir à Justiça Eleitoral uma função de verdadeira “agência produtora de eleições” (CERQUEIRA, CERQUEIRA, 2012). Essa ideia de “agência” no contexto da Justiça Eleitoral será, contudo, melhor desenvolvida no próximo item. Foi a partir de tal quadra de nossa história republicana que se começou o culto à instituição do direito de sufrágio feminino, da diminuição da idade eleitoral, da valorização do voto secreto como expressão do atuar da vontade da cidadania e de ser entregue à Justiça Eleitoral, integrada por juízes com garantias constitucionais de independência, todas as tarefas relativas ao procedimento eleitoral, a se iniciar com o alistamento dos eleitores até a diplomação dos eleitos (DELGADO, 1995, p. 110). [sem o grifo no original]

A partir desse marco histórico, o Brasil passou a adotar o sistema jurisdicional de controle das eleições, que tinha como características “a pureza do processo eleitoral, a garantia da igualdade entre os candidatos a cargos públicos, a transparência e objetividade das eleições, de maneira a assegurarem a soberania da vontade popular” (LACERDA; CARNEIRO; SILVA, 2004, p. 21). Portanto, diante das vicissitudes históricas (mormente a farsa eleitoral e a inautenticidade da representação política no Império e na República


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Velha), aquele modelo foi substituído pelo de jurisdição especializada, fato ocorrido nos albores da Era Vargas, com a promulgação do primeiro Código Eleitoral pátrio instituído pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Nasce a Justiça Eleitoral como instituição independente, voltada exclusivamente para o controle e a organização das eleições bem como a resolução dos conflitos delas surgidos (GOMES, 2016). Esse sistema jurisdicional tem origem no modelo inglês (ROSAS, 1971), mas no Brasil adota-se uma justiça especializada, algo peculiar no direito comparado, com estrutura semelhante na Nicarágua (MACEDO; SOARES, 2015). Resta, assim, evidenciada a indiscutível importância da Justiça Eleitoral para um processo de democratização e de ampliação da cidadania no Brasil. As eleições se deram em 1933, sob novas regras eleitorais que representavam já grande progresso em relação à Primeira República. Para reduzir fraudes, foi introduzido o voto secreto e criada uma justiça eleitoral. O voto secreto protegia o eleitor das pressões dos caciques políticos; a justiça eleitoral colocava nas mãos de juízes profissionais a fiscalização do alistamento, da votação, da apuração dos votos e o reconhecimento dos eleitos. O voto secreto e a justiça eleitoral foram conquistas democráticas. (CARVALHO, 2014, p. 105) [sem o grifo no original]

Não se trata, contudo, de uma conformação institucional impassível de críticas. Com efeito, embora seja clara a relevância da Justiça Eleitoral, criada para viabilizar indiscutíveis melhorias no sistema democrático do país, não se pode deixar de perceber a mentalidade tutelar intrínseca à forma como foi concebida tal instituição. Como se viu, foi cometido ao referido órgão, de natureza jurisdicional e de formação alheia aos procedimentos eleitorais, a função de verdadeiramente proteger a democracia, inclusive com possíveis competências normativas, como melhor se verá adiante. É de se refletir, nesse contexto, sobre os possíveis riscos de tal escolha, notadamente em face da sua perpetuação no tempo. Trata-se, sem dúvida, de um modelo que prestigia o suposto tecnicismo, talvez corolário da ilusão do jurista apolítico, comumente considerado um agente de uma elite ilustrada, que tenderia a cuidar melhor dos procedimentos eleitorais, notadamente se comparado aos integrantes do Parlamento ou do Poder Executivo, classes rebaixadas e naturalmente mais expostas à corrupção e às vicissitudes da representação política. Sobre o papel destacado que costuma ser conferido aos juristas na sociedade, do qual é indiscutível exemplo criação de uma Justiça Eleitoral para tutelar a democracia brasileira, traz-se a lume o pensamento de Sergio Miceli, que, em prefácio a obra de Pierre Bourdieu, assevera que


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Na condição de mestres do discurso, eles dispõem de um trunfo formidável de poder: fazer crer naquilo que dizem. Sua autoridade lhes permite dizer e fazer como verdadeiro aquilo que lhes interessa. Ao fazer crer que é verdade para os que têm o poder de fazer existir o verdadeiro (os poderosos), os juristas podem tornar real aquilo que dizem. Contam com o direito como discurso de hálito universal e dispõem de capacidade profissional de fornecer razões, ou melhor, de converter evidências em arrazoados, pelo apelo a princípios universais, pelo recurso à história, aos precedentes, aos arquivos, à casuística e às demais fontes da jurisprudência. A construção do Estado se revela, portanto, indissociável da emergência de corporações que nele se enraízam. (MICELI in BOURDIEU, 2014, p. 24)

No mesmo sentido, em abordagem de olhar mais contemporâneo, convém assinalar a existência dos juristas políticos, que atuam, [...] sobretudo, por meio das suas colocações em um Poder Judiciário revigorado após a Constituição de 1988. A ressonância das suas falas não pode ser vislumbrada, entretanto, apenas através dos autos processuais, por mais relevante que seja uma pesquisa de tal feitio. É nas arenas públicas, por meio de palestras, conferências e entrevistas que esse personagem sai dos corredores dos tribunais e se torna um tipo de intelectual público, munido, todavia, de instrumentos de poder que seus pares de outrora apenas sonharam utilizar. Compreendê-lo requer atenção aos mecanismos de construção da sua persona pública, por meio das suas manifestações na academia e, principalmente, da sua representação na mídia, onde se explicita a ambivalência de discursos cujo conteúdo indisfarçadamente político é construído e fortalecido sob o manto da “autoridade jurídica” do emissor. (CHALOUB; LIMA, 2018, p. 207-208)

É relevante perceber, nesse contexto, que para se assegurar o próprio funcionamento da democracia no Brasil, fez-se a escolha da corporação dos juristas, identificada nos integrantes de um órgão do Poder Judiciário ao qual foi conferido, como visto, um papel outrora exercido pelos representantes do povo, eleitos para tal mister. E eis que com a consolidação de uma função normativa para a Justiça Eleitoral, a ser melhor esmiuçada algumas linhas adiante, a reflexão sobre esse modelo se torna ainda mais imperativa. Afinal, será que ainda vigora, na quadra atual, a realidade da Primeira República, que recomendou fosse subtraído do Parlamento o papel de bem cuidar da democracia e dos procedimentos eleitorais? Será ainda realmente pertinente atribuir a condução das eleições a um órgão de natureza jurisdicional, supostamente composto por técnicos apolíticos (por mais ilusório que isso pareça)? Sabe-se que há, é bem verdade,


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[...] uma multidão de juristas a discursar a respeito de uma eventual má qualidade da representação política que chega a cada legislatura em Brasília e nas assembleias estaduais; todos recebem aplausos e são “apoiados” de todas as formas”. Sempre nos restou complexa a seguinte pergunta: mas como desaprovamos aqueles que nós mesmos elegemos? Somos outsiders da política? Complexa a resposta, mas não absolutamente impossível. (STRECK; LIMA, 2011)

Logo, é comum que o Parlamento, e mesmo o Poder Executivo, sejam ainda apontados, mesmo nos dias de hoje, como não merecedores de confiança da sociedade para a condução das eleições. Seus integrantes, afinal, têm interesse direto nos pleitos eleitorais. De outra banda, no entanto, há quem defenda que Deixar de ver a fática realidade de que o legislativo brasileiro tem sido um dos mais atuantes do mundo – acumula as funções de legislar, de fiscalizar e de julgar – sendo ele o responsável por uma consolidada democracia, que construiu uma das assembleias constituintes mais abertas do mundo, enfrentou o impeachment de um Presidente no escorreito limite da realidade, tendo passado por escândalos de toda ordem sob todos os governos, corresponde a ignorar com preconceito o que o voto dos pobres, dos incultos também ajudou a produzir. (STRECK; LIMA, 2011)

Parece ter lugar, destarte, uma possível visão mais positiva do Poder Legislativo, como a que acima se compartilha. Assim sendo, por que razões se deveria continuar a conferir, por exemplo, a um órgão jurisdicional, e não ao Parlamento, funções normativas em relação ao Direito Eleitoral? É lugar comum, afinal, que o “Judiciário só deve interferir quando a política falha” (BARROSO, 2012). Logo, o que talvez tenha feito muito sentido no início do século passado, quando da criação da Justiça Eleitoral, talvez hoje mereça ser repensado. Com efeito, é possivelmente um equívoco enxergar no Poder Judiciário um posto avançado da sociedade civil, mais progressista e ilustrado (CHALOUB; LIMA, 2018), que se ocupará melhor de determinadas matérias. Não obstante, feita essa reflexão, e rememoradas as bases históricas que fundaram a Justiça Eleitoral, passa-se a discutir o plexo de atribuições conferidas a tal órgão desde sua origem, e que ainda vigoram nos tempos atuais. 3. AS FUNÇÕES DA JUSTIÇA ELEITORAL: UMA AGÊNCIA ELEITORAL BRASILEIRA A Justiça Eleitoral, desde sua criação, é uma estrutura bastante atípica, por reunir funções que vão além da atividade típica de um órgão


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judicial. Há, em verdade, o exercício de funções múltiplas pela Justiça Eleitoral, verdadeira “agência de eleições”, com atuação administrativa, jurisdicional, consultiva e normativa. Por isso, embora alocada no Poder Judiciário, a rigor a Justiça Eleitoral é mais do que um órgão jurisdicional, resultando em uma organização eleitoral que é essencialmente judiciária, se pensada a partir da estrutura estatal do qual faz parte, mas também executiva, consultiva, regulamentar e normativa, se concebida a partir da natureza das atividades que são a ela incumbidas e desenvolvidas (MACEDO; SOARES, 2015). Assim, a “Justiça Eleitoral brasileira caracteriza-se por sua forma bem peculiar de funcionamento, tendo ao lado de suas atribuições jurisdicionais, uma ação administrativa impositiva de grande destaque e força na regulamentação do processo eleitoral” (LACERDA; CARNEIRO; SILVA, 2004, p. 9). E mais uma vez, toda essa conjugação de atribuições advém da preocupação com a lisura do processo eleitoral, como se percebe na reflexão a seguir. Esta multiplicidade de atribuições reunidas em torno da Justiça Eleitoral exige, além da interpretação e aplicação das leis, instrumentos que tornem efetiva a missão para a qual foi criada, que é garantir legitimidade e lisura do processo eleitoral. [...]. Com efeito, a Justiça Eleitoral caracteriza-se por deter, ao lado da competência jurisdicional, uma gama de atribuições de natureza administrativa [...] (LACERDA; CARNEIRO; SILVA, 2004, p. 25). [sem o grifo no original]

Pode-se, então, dizer que compete à Justiça Eleitoral exercer as seguintes funções: jurisdicional, administrativa, normativa e consultiva. A Justiça Eleitoral estará diante do exercício da função jurisdicional sempre que uma contenda lhe for submetida, aplicando o direito eleitoral ao caso concreto (GOMES, 2016). O notável nesta estrutura é que a jurisdição eleitoral é pautada por princípios bastante peculiares, como a pluralidade de origem dos membros dos tribunais e a temporariedade de seus mandatos, o que acaba promovendo uma oxigenação desejável nos cargos cuja responsabilidade é lidar com questões políticas (MACEDO; SOARES, 2015). Em regra, a competência jurisdicional da Justiça Eleitoral envolve todos os conflitos de interesse que surgirem desde o alistamento eleitoral e, sobretudo, durante o processo eleitoral, que se inicia com as convenções e registro de candidaturas e se encerra na diplomação dos eleitos (LINS, 2017, p. 41).


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A Constituição Federal de 1988 não esmiuçou as competências jurisdicionais da Justiça Eleitoral, fixando apenas limitações à recorribilidade dentro de sua estrutura nos parágrafos 3º e 4º do artigo 121: Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. [...]§ 3º - São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança. § 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei; II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção. (BRASIL, 1988).

Com isso, o Constituinte originário optou por delegar a definição da competência da Justiça Eleitoral à Lei Complementar. Como jamais foi editada a Lei Complementar solicitada na cabeça do dispositivo constitucional, a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, que instituiu o Código Eleitoral em vigor, foi recepcionada quanto a esse aspecto com status de Lei Complementar. E é nesse diploma, nos artigos 22, 29 e 35 que se estabelecem as competências jurisdicionais do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Juízes Eleitorais, respectivamente (BRASIL, 1965). No âmbito do exercício da função administrativa, a Justiça Eleitoral desempenha papel fundamental, pois é aqui que se insere a preparação, a organização e a condução de todo o processo eleitoral (GOMES, 2016), sendo essa função a maior responsável pelo seu volume de serviço. Com base nessas atividades é que se pode concluir que a Justiça Eleitoral é, em verdade, uma agência de eleições (MACEDO; SOARES, 2015). A Justiça Eleitoral, diferentemente de outros órgãos judiciais, possui diversas atribuições administrativas que a aproxima muito da sociedade, a exemplo do alistamento eleitoral e a administração do respectivo “cadastro”, a fiscalização da propaganda eleitoral nas ruas, a organização das eleições por meio de resoluções, a totalização dos votos, a análise das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, dentre tantas outras. Ela é “90%


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(noventa por cento) administração e 10% (dez por cento) jurisdição” (PERTENCE apud LINS, p. 41). [sem o grifo no original]

Demonstrando a complexidade das atividades administrativas ao encargo da Justiça Eleitoral, o Código Eleitoral detalha essas atribuições nos artigos 23, 30, 35 e 40, esse último, trazendo o papel das Juntas Eleitorais (BRASIL, 1965). Quanto ao exercício da função consultiva, a Justiça Eleitoral é competente para responder questionamentos em tese sobre matéria eleitoral, com o objetivo de evitar disputas decorrentes de má ou duvidosa interpretação (MACEDO; SOARES, 2015), e essa “função consultiva consubstancia-se na possibilidade de esclarecimento a respeito das normas eleitorais” (LIMA; BEÇAK, 2016, p. 1132). Essa função encontra respaldo, por exemplo, nos artigos 23, XII; e 30, VIII, do Código Eleitoral: Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, [...] XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão nacional de partido político; [...] Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais: [...] VIII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político; (BRASIL, 1965).

Enfim, a atividade que será o foco do presente trabalho, e que é um dos aspectos peculiares da Justiça Eleitoral frente aos demais órgãos do Poder Judiciário brasileiro, é a sua função regulamentar, por meio da qual ali se produz regulamentos com o objetivo de instrumentalizar a aplicação da legislação eleitoral (MACEDO; SOARES, 2015). Tal atribuição, como convém destacar de início, não encontra expressa previsão Constitucional, mas está amplamente amparada na legislação eleitoral, conforme se depreende do próprio Código Eleitoral, que a prevê em seu artigo 23, IX, bem como no artigo 1º, parágrafo único: Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado. Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução. [...] Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código; (BRASIL, 1965).


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Trata-se de atuação também estipulada nas leis que regulamentam os Partidos Políticos (Lei 9.096/1995) e as Eleições (Lei 9.504/1997): Art. 61. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução desta Lei. (BRASIL, 1995) [...] Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos. (BRASIL, 1997)

O exercício dessa função regulamentadora é, sem dúvida, o que gera maiores discussões na doutrina eleitoralista, que diverge na forma de enquadrar esse poder normativo (MACEDO; SOARES, 2015). Alguns apontam nas resoluções o exercício de uma atividade meramente interpretativa da lei, com função orientadora, defendendo que se trata de ato normativo secundário (portanto, subordinado à lei). Outros defendem se tratar de uma função legiferante, produtora de atos normativos primários, alguns a limitando ao espaço de omissão do legislador, outros defendendo inclusive a invasão da zona já legislada. O próprio Tribunal Superior Eleitoral tem dificuldade em identificar a natureza desta sua função, o que demanda uma melhor abordagem do debate, o que se fará no tópico seguinte. 4. O PODER NORMATIVO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL EM DEBATE Conhecida brevemente a história da Justiça Eleitoral brasileira e compreendido o perfil funcional abrangente de seus órgãos, é chegada a hora de refletir qual a melhor compreensão dos contornos da função regulamentar conferida ao Tribunal Superior Eleitoral, em adequada reflexão sobre os limites a essa atuação. Tal como apontado no item anterior, esse assunto gera discussões profícuas na doutrina e até mesmo na jurisprudência. Pretende-se, ainda que brevemente, apresentar as principais vertentes construídas, posicionando-se a questão para esse texto, que servirá de base para a análise das Resoluções que regulamentam o artigo sétimo do Código Eleitoral. Esse debate teve início com a publicação de texto seminal por Roberto Rosas, ainda em 1971. Referindo-se à competência regulamentar prevista no artigo 23, inciso IX, do Código Eleitoral, acima citado, o autor defende que


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Essas instruções, quando são expedidas por meio de Resoluções, têm força de lei, e, quando violadas por decisão dos tribunais regionais, permitem o recurso especial. Essa é uma das fases da competência normativa ou regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, às vezes até competência legislativa (ROSAS, 1971, p. 254). [sem o grifo no original]

Percebe-se que já se inaugurava a percepção de que o poder normativo exercido pelo Tribunal Superior Eleitoral teria o condão de equiparar-se a função legiferante. Parte da doutrina eleitoral atual defende uma posição semelhante, entendendo que cabe ao Tribunal Superior Eleitoral, no exercício do poder normativo, inovar o direito em determinadas situações. Nesse sentido, pode-se citar os textos de Elaine Harzheim Macedo (MACEDO, 2013; MACEDO; SOARES, 2015) que, ao defender uma produção normativa inovadora, constrói uma distinção entre o poder normativo e a função regulamentadora, sendo aquele um agir inovador, uma verdadeira lei em sentido material, um ato normativo primário que guarda conexão direta com a Constituição. Tal como as leis produzidas formalmente pelo Poder Legislativo, ou os decretos autônomos de lavra do Presidente da República, surgiriam algumas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. A principal justificativa trazida em tal compreensão é de cunho eminentemente político, valendo-se do argumento de que a crise de representatividade, aliada à demonização da atividade política, faz com que as investidas mais contundentes e “moralizadoras” da Justiça Eleitoral sejam saudadas pela sociedade (MACEDO; SOARES, 2015). E mesmo que tentem se desvencilhar de uma argumentação política, os autores que defendem tal compreensão retornam para esse campo ao assinalarem que, mesmo sem autorização expressa da Constituição, essa seria a solução mais adequada diante dos princípios do sistema jurídico, apesar de não os trabalharem, e da - repetem os autores - realidade política do país. Percebe-se claramente que o argumento gira, a todo momento, em torno da crise de representatividade no Parlamento. Não parece adequado, contudo, que se construa um raciocínio jurídico de defesa de uma função tão sensível a partir de bases tão frágeis. Além disso, o argumento da falta de representatividade do Parlamento vai de encontro à própria missão da Justiça Eleitoral, que visa a organizar eleições justas e legítimas. Se se coloca em xeque o papel representativo do poder legislativo, qual é o êxito da Justiça Eleitoral em conduzir um sistema eleitoral representativo? Também é comum o argumento de que a Justiça Eleitoral se vale do poder normativo com frequência para tentar suprir as disparidades en-


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tre o Código Eleitoral, já defasado, e a atual realidade política brasileira (SILVA, 2017) Apesar de não ficar clara a posição do referido autor sobre a natureza do poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral, já que traz críticos e defensores do papel inovador de suas resoluções, ele expõe que “a importância das resoluções como legislação complementar, entretanto, faz com que algumas regras e entendimentos sejam inéditos, ressaindo, nesta perspectiva, a grandeza da sua edição” (SILVA, 2017, p. 141). Outro argumento desses autores, que encontra maior ressonância na doutrina, é o de que o poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral, com caráter inovador, funcionaria como verdadeiro contrapeso à inércia do legislador, incidindo nos vácuos normativos. A alternativa trazida, então, seria reconhecer o poder normativo da Justiça Eleitoral como medida de equilíbrio em relação ao domínio do Poder Legislativo sobre as normas eleitorais, o que permitiria aprimoramento do sistema naquilo que a instância legislativa não tivesse condições de realizar, servindo também para instar o legislador ao movimento, nas situações em que a inércia é porventura benéfica aos seus agentes (MACEDO; SOARES, 2015). Em consonância com essa linha argumentativa, Bernardo Silva de Seixas e Roberta Kelly Silva Souza defendem que um órgão judicial pode exercer a função normativa, notadamente em situações de inércia, sem estar violando a separação dos poderes. Mais uma vez um dos argumentos expostos é a falta de representatividade e a crise da democracia indireta (SEIXAS; SOUZA, 2015). Esses mesmos autores defendem que a própria Constituição Federal legitimaria de forma expressa essa atuação normativa de órgãos jurisdicionais, o que estaria presente em instrumentos como as súmulas vinculantes e os regimentos internos, mas também nas decisões em mandado de injunção (SEIXAS; SOUZA, 2015). No entanto, é importante frisar que todas essas competências possuem expressa previsão constitucional e são conferidas ao Supremo Tribunal Federal. Portanto, entende-se legítimo que o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, atue no combate às omissões inconstitucionais ocasionadas pela inércia do Poder Legislativo, expedindo sentenças normativas com o escopo de regulamentar as normas constitucionais de eficácia limitada, pois tal conduta se encontra sendo exercida, visando cumprir as determinações contidas na Constituição (SEIXAS; SOUZA, 2015, p. 615).

Toda a argumentação dos autores é calcada, destarte, na inércia do legislador e, portanto, na possibilidade de a jurisdição constitucional poder atuar


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para sanar a omissão inconstitucional. Ocorre que o raciocínio é engendrado do início ao fim com teses e dispositivos constitucionais que tratam de instrumentos construídos para atuação da Suprema Corte brasileira, para, no último parágrafo do desenvolvimento do texto, concluir-se pela validade da atuação do Tribunal Superior Eleitoral na edição de resolução específica. De fato, o sistema constitucional brasileiro conferiu alguns instrumentos excepcionais ao Supremo Tribunal Federal para fazer frente a omissões legiferantes, passíveis de ferir o espírito constitucional (inconstitucionalidade por omissão) e, por conseguinte, o exercício de direitos e garantias fundamentais. Mas extrapolar tal engenharia constitucional para se atribuir poder normativo inovador ao Tribunal Superior Eleitoral, com base em argumentos similares é, no mínimo, criatividade demais. Ademais, permitir ao Tribunal Superior Eleitoral exercer funções conferidas ao Supremo Tribunal Federal seria ferir duas vezes a distribuição de poderes e competências atribuídas pela Constituição, seja retirando do Poder Legislativo, seja usurpando da Corte maior o seu papel. Os próprios autores do texto anteriormente mencionado reconhecem que, diante dessa discussão, o legislador, respondendo a atuação legiferante do Tribunal Superior Eleitoral, aprovou alteração na redação do artigo 105, da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, para eliminar esse dito poder normativo, deixando claro que suas instruções possuem caráter regulamentar, impedindo-as de restringir direitos ou estabelecer sanções distintas da lei (MACEDO; SOARES, 2015). Como defender, destarte, o possível caráter inovador do poder normativo depois dessa expressa previsão e escolha do legislador? Posição diametralmente oposta também pode ser encontrada. Alguns autores, como Eneida Salgado (2010), possuem um posicionamento bem restritivo quanto ao exercício do poder normativo pelo Tribunal Superior Eleitoral. Para ela, somente a Constituição poderia atribuir tal competência à Justiça Eleitoral, e o texto constitucional em vigor claramente não o fez, ao contrário do que estabeleceu para a Justiça do Trabalho e para o Conselho Nacional de Justiça. As regras do jogo eleitoral, esqueleto do regime democrático, devem necessariamente se originar do Parlamento, e de um Parlamento formado a partir da representação das forças sociais. No Brasil não tem sido assim. A Justiça Eleitoral, com a conivência do Supremo Tribunal Federal ou a partir do seu impulso, inova em matéria eleitoral, a partir de uma autorreconhecida “competência normativa” (SALGADO, 2010, p. 285).

Para a autora, nem mesmo a competência regulamentar foi acolhida pela Constituição, pois a expedição de normas gerais e abstratas, ainda que de natureza secundária, deve ter sede constitucional (SALGADO, 2010).


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Assim sendo, a referida autora admite apenas a edição de instruções (não regulamentos) pelo Tribunal Superior Eleitoral por expressa previsão disso no Código Eleitoral e nas leis dos Partidos Políticos e das Eleições, apesar de não explicitar em sua obra qual seria a diferença dessas possíveis instruções para os regulamentos. Esse posicionamento, contudo, não parece ser o mais acertado. A uma porque a própria conclusão de que o Tribunal Superior Eleitoral exerce as funções administrativas atinentes a condução do processo eleitoral brasileiro traz consigo o inerente exercício do poder regulamentar. A duas porque a dicção “instruções” presente nas leis eleitorais nada mais seria que o próprio exercício do poder regulamentar. Então qual seria a natureza do poder normativo exercido pela Justiça Eleitoral? Os contra-argumentos apostos às posições anteriores já iniciaram a posição com a qual esse texto se alinha. Em primeiro lugar, está claro que a Justiça Eleitoral, por conta de sua complexa composição funcional, pode ser até mesmo chamada de uma “agência de eleições”, o que lhe permite, por conseguinte, exercer um grande papel administrativo, de organização do processo eleitoral. Logo, se boa parte das atribuições do referido órgão são administrativas, não há como se negar que um dos poderes inerentes à função administrativa é o poder regulamentar, que não se esgota apenas na manifestação dos chefes do Poder Executivo, nem mesmo apenas nas estruturas da administração direta e indireta desse poder (DI PIETRO, 2019). Embora em regra o poder regulamentar expresso por atos de regulamentação de primeiro grau seja formalizado por decretos e regulamentos, existem situações especiais em que a lei indicará, para sua regulamentação, ato de formalização diversa, embora idêntico seja seu conteúdo normativo e complementar. Nesse caso, o que importa realmente é a natureza do ato: sendo normativo e visando a complementar e minudenciar as normas da lei, terá ele a natureza de ato regulamentar de primeiro grau, produzido no exercício do poder regulamentar (CARVALHO FILHO, 2018, p. 61). [sem o grifo no original]

Curiosamente, o exemplo dado pelo autor em nota de rodapé é exatamente um exemplo eleitoral, ao mencionar o artigo 61, da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. Apesar de se tratar de competência do Tribunal Superior Eleitoral, “é fácil constatar que se cuida aqui da mesma função regulamentar de primeiro grau exercida pelo Presidente da República por decretos e regulamentos ex vi do art. 84 da CF” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 61).


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Assim, em segundo lugar, já se demonstra que a natureza desse poder normativo em nada se diferencia do poder regulamentar atribuído aos chefes do executivo ou à função administrativa como um todo. Aquela distinção entre função regulamentar e poder normativo proposta por alguns autores não coaduna nem com a própria doutrina em torno do poder regulamentar, nem mesmo com os contornos constitucionais atribuídos à matéria. Vale mencionar que a Constituição Federal quando constrói as balizas do poder regulamentar deixa claro seu caráter geral, abstrato, mas subalterno à lei: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; ” (BRASIL, 1988). E a mesma expressão foi utilizada pelo legislador ao conferir competência normativa ao Tribunal Superior Eleitoral, no Código Eleitoral: “Art. 1º. [...] Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução. ” (BRASIL, 1965). Se a comparação literal entre os dispositivos não bastar, em uma análise sistemática da Constituição se percebe que o exercício do poder regulamentar foi deveras restringido, havendo inclusive defensores de que o Tribunal Superior Eleitoral nem mesmo o possui. No entanto, entende-se que o constituinte, ao deferir ao legislador o papel de definir as atribuições da Justiça Eleitoral, permitiu que a Lei fixasse competência regulamentar aos órgãos dessa Justiça, como o foi feito. Agora, defender que a atribuição desse poder normativo se compara aos decretos autônomos, que a próprio Constituição limitou a hipóteses muito restritas ao Presidente da República (art. 84, VI), é resgatar uma vetusta doutrina que não foi recepcionada pela atual ordem constitucional. Tanto é que a própria Constituição determinou em suas disposições transitórias a revogação de todos os atos de delegação normativa daquilo que compete ao Congresso Nacional: Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; (BRASIL, 1988).

E o direito eleitoral é claramente uma dessas competências do Congresso Nacional, como se depreende do artigo 22, inciso I, conjugado com artigo 48, todos da Constituição Federal (BRASIL, 1988).


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Nem mesmo o argumento da inércia do legislador poderia prevalecer sobre o próprio desenho constitucional, já que eventual omissão legislativa do Congresso Nacional deve dar azo a remédios constitucionais próprios – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ou Mandado de Injunção –, destinados ao Supremo Tribunal Federal, e não à atuação inovadora do Tribunal Superior Eleitoral. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] I - processar e julgar, originariamente: [...] q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; (BRASIL, 1988).

Para finalizar essa construção sistemática, impõe-se referir que nem mesmo o Presidente da República poderia “provocar” a inércia do Poder Legislativo, editando Medida Provisória sobre matérias eleitorais: Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (BRASIL, 1988).

Diante disso, o melhor contorno dessa importante atribuição da Justiça Eleitoral de expedir resoluções para instruir as normas eleitorais é percebê-la como um exercício do poder regulamentar, tal como construído pela doutrina administrativista brasileira. Essa é a posição de Paulo José Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva: Na classificação dos regulamentos (e a função normativa do Tribunal Superior é eminentemente regulamentar), podem-se considerar as Instruções Normativas como regulamentos de execução, ato administrativo normativo, que contém normas gerais visando a correta aplicação da lei [...]. Sendo as Instruções do Tribunal Superior Eleitoral a materialização do poder regulamentar dessa justiça especializada, assemelhando-se aos Decretos emanados do Poder Executivo, através do qual o Presidente da República exerce a mesma função de regulamentar as leis, elas não traduzem emanação


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da função legislativa, mas verdadeira atividade administrativa de caráter normativo (LACERDA; CARNEIRO; SILVA, 2004, p. 52 e 55).

Apesar de sua análise ser referente ao exercício do poder regulamentar pelo Tribunal de Contas, as bases teórico-constitucionais firmadas por Luís Roberto Barroso também se afinam com a presente discussão. Pois é de tal circunstância que decorre a distinção fundamental, ao ângulo material, entre a lei e o regulamento. Um e outro, é certo, são atos normativos, de caráter geral e impessoal. Mas somente a lei - e não o regulamento - pode inovar na ordem jurídica, modificando situação preexistente. Sempre a lei, e jamais o regulamento, será a via legítima de se criarem obrigações para os particulares. A doutrina é indiscrepante na matéria (BARROSO, 1996, p. 135)

O autor constrói um argumento interessante sobre a implausibilidade do exercício de poder regulamentar pelo Tribunal de Contas, o qual é também útil para o raciocínio aqui construído. É que, na hipótese de abuso de poder regulamentar pelo Executivo, a Constituição provê expressamente o mecanismo de sanção: compete ao Legislativo «sustar os atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar». Não existe qualquer mecanismo constitucional destinado a neutralizar o abuso por parte do Tribunal de Contas. Como não há competência constitucional insuscetível de controle, a conclusão é que simplesmente não há a competência invocada pelo Tribunal de Contas (BARROSO, 1996, p. 137).

Interessante perceber que esse último fundamento se aplica perfeitamente ao exercício do poder regulamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral, haja vista que o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela impossibilidade do controle legislativo previsto no art. 49, V, da Constituição Federal, sobre as Resoluções exaradas por aquele Tribunal, como assentado no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 33 (BRASIL, 2014). Um último argumento a ser destacado é que não se questiona a força normativa das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, enquanto normas gerais e abstratas, assim como as leis. Mas, como aponta José Jairo Gomes, é inequívoco que as leis são hierarquicamente superiores às resoluções pretorianas, pois impera no sistema constitucional pátrio o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal) pelo qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (GOMES, 2016).


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Embora a legislação nitidamente prescreva tão só esse caráter regulamentar às resoluções, observa-se que o TSE, em certos momentos, edita enunciados normativos de caráter geral, abstrato e inovador, inclusive com restrição a direitos e indicação de penalidades à margem da legislação, sob o argumento de que, além de regulamentar a lei, seu “poder normativo” compreenderia a possibilidade de trazer sentido capaz de compatibilizar as normas com o sistema no qual se insere (LINS, 2017, p. 60) [sem o grifo no original]

E é diante dessa possível ocorrência na atuação regulamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral que se faz necessário a análise em concreto das Resoluções que especificamente tratam das sanções eleitorais aos cidadãos não votantes, objeto essencial desse estudo. 5. ANÁLISE DAS RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL RELACIONADAS COM O ART. 7º DA LEI Nº 4.737, DE 1965 Como já explicitado, o presente texto é parte integrante de um estudo maior, que se debruça sobre os contornos e aplicação do artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral). A intenção a ser doravante perseguida, destarte, é avaliar se, em exercício concreto do poder normativo até aqui analisado, corporificado em algumas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, os limites referidos alhures têm sido adequadamente observados por aquela Corte. Para tanto, optou-se por se analisar o conteúdo das seguintes resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, que tangenciam diretamente a temática do dispositivo legal em questão: Resolução nº 21.538, de 14 de outubro de 2003, que dispõe sobre o alistamento e serviços eleitorais, sobre a regularização da situação do eleitor e outros temas; Resolução nº 21.920, de 19 de setembro de 2004, que dispõe sobre o alistamento eleitoral e o voto dos cidadãos portadores de deficiência, cuja natureza e situação impossibilitem ou tornem extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais; Resolução nº 21.823, de 15 de junho de 2004, e Resolução nº 23.241, de 23 de março de 2010, que tratam da quitação eleitoral e de outros temas; Resolução nº 23.506, de 15 de dezembro de 2016, e Resolução nº 23.594, de 18 de dezembro de 2018, que estabelecem prazos para execução de procedimentos relativos ao cancelamento de inscrições e regularização da situação dos eleitores que deixaram de votar nas três últimas eleições; e Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2021, que suspende os efeitos do art. 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral) em razão da persistência da pandemia da Covid-19.


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Antes disso, contudo, convém rememorar o que exatamente se prevê no artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), abaixo transcrito: Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias; IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V - obter passaporte ou carteira de identidade; VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. § 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior. § 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido. § 4º O disposto no inciso V do § 1º não se aplica ao eleitor no exterior que requeira novo passaporte para identificação e retorno ao Brasil. (BRASIL, 1965)

Nota-se, pois, que o artigo 7º trata das sanções civis aplicáveis aos eleitores que porventura deixarem de votar ou de justificar sua ausência em eleições. Trata-se, assim, de regramento decorrente da própria obrigatoriedade de voto, determinada no artigo 14, § 1º, da Constituição Federal, e reproduzida no artigo 6º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral).


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Na dicção da legislação em exame, caso deixe de cumprir com suas obrigações de sufrágio, eis que o cidadão estará sujeito ao pagamento de multa, a qual, se não adimplida, poderá ensejar a outras proibições, exaustivamente enumeradas nos incisos do § 1º do artigo 7º, com a possibilidade até mesmo de cancelamento da sua inscrição como eleitor (§ 3º), observada a ressalva do § 4º para o eleitor que, estando no exterior, necessite retornar ao Brasil (BRASIL, 1965). São, por conseguinte, medidas de natureza administrativa, de viés cominatório, que não possuem finalidades em si próprias. Servem, como é cediço, para conferir conteúdo pragmático à ideia de cogência em participação cidadã. Pois bem. As sanções civis atualmente existentes são absolutamente claras, e foram delineadas com exatidão no comando legal que lhes estabelece. Percebe-se, de antemão, que o dispositivo acima transcrito não contempla em seu bojo cláusulas gerais ou conceitos indeterminados. Simplesmente enumera, de forma direta, os possíveis efeitos decorrentes da omissão eleitoral, consistente, como se viu, na não participação dos pleitos eletivos. Nesse diapasão, aparentemente não haveria motivos para que o Tribunal Superior Eleitoral, em uma atuação normativa de natureza regulamentar, como visto no tópico antecedente, necessitasse ir além do que já se estabelece no dispositivo legal, o qual, reitere-se, é bastante claro e direto nas medidas que prevê. E tanto é assim que, em grande medida, as resoluções editadas pelo referido órgão e que tangenciam o dispositivo legal em questão são, de fato, bastante contidas, limitando-se ao tratamento de aspectos procedimentais e organizacionais imprescindíveis à aplicação do que foi previsto pelo legislador ordinário. É o que se vê, por exemplo, na Resolução nº 21.538, de 2003, que versa sobre o alistamento eleitoral. Trata-se de ato com viés eminentemente procedimental. Adentra no tema da regularização da situação do eleitor, sendo esse o momento em que tangencia as regras do artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), e trata também de outras disposições do referido diploma e da Lei nº 9.504, de 1997. Tal regulamentação, como facilmente se vê, é bastante contida, eis que, ao conferir contornos procedimentais ao tema que enfrenta, não cria obstáculos ou embaraços à aplicação de sanções administrativas aqui tratadas, e tampouco estabelece hipóteses interpretativas que exacerbem da função regulamentar. O mais que ali se realiza, em nível de pormenorização normativa, é a regra do artigo 80, § 1º, que estabelece que “para eleitor que se encontrar


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no exterior na data do pleito, o prazo de que trata o caput será de 30 dias, contados do seu retorno ao país” (BRASIL, 2003). Não há, afinal, previsão congênere na Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral) ou em outro ato normativo primário. Não parece ser desarrazoado, contudo, que legislador infralegal, em exercício de poder meramente regulamentar, alcance tal exegese, que se limita a organizar a aplicação do preceito legal, à luz de uma realidade corriqueira, mas não antevista pelo legislador. Chama atenção, ademais, a regra do artigo 85 da referida resolução, que fixa como base de cálculo para aplicação das multas previstas no Código Eleitoral o último valor fixado para a Ufir, multiplicado pelo fator 33,02. O dispositivo legal em debate (artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965), como visto, fala que a base de cálculo deve ser o salário-mínimo da região. A Constituição Federal, contudo, prevê em seu artigo 7º, IV, que é vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Logo, mais uma vez parece estar adequada a atuação regulamentar, que simplesmente conformou a aplicação da Lei nº 4.737, de 1965, ao contexto constitucional vigente. Essa realidade de autocontenção é também percebida na Resolução nº 21.823, de 2004, que trata com especificidade da quitação eleitoral, esclarecendo que em tal conceito se reúnem [...] a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, salvo quando facultativo, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remidas, excetuadas as anistias legais, e a regular prestação de contas de campanha eleitoral, quando se tratar de candidatos (BRASIL, 2004).

Observa-se, destarte, que estão contemplados em tal conceito aspectos variados, alguns dos quais decorrentes do regramento exposto no artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965. Ao tratar das multas de natureza administrativa preconizadas no referido dispositivo, a resolução em exame traz previsões eminentemente operacionais, estabelecendo que se deve viabilizar a sua satisfação por meio eletrônico, bem como o pagamento perante qualquer juízo eleitoral. Não se vislumbra no ato regulamentar em comento, destarte, nenhuma exacerbação da competência regulamentar. De igual forma, pode ser também apresentada como contida a Resolução nº 23.241, de 2010, advinda de uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, que, embora contenha referências ao § 1º do artigo 7º da Lei nº 4.737,


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de 1965 (Código Eleitoral), o faz apenas para asseverar que as normas restritivas ali contidas não merecem ser ampliadas em seu alcance ou aplicação, restringindo-se aos exatos contornos estipulados pelo legislador ordinário. Como ali descrito, às normas restritivas de direito, como são as contidas no § 1º do artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), devem ser interpretadas restritivamente. Logo, seria inviável ao Tribunal Superior Eleitoral, como também a qualquer outro órgão público, criar obstáculos outros à vida civil dos cidadãos que não aqueles já perpetrados pelo dispositivo legal em comento, a exemplo da necessidade de quitação eleitoral para obtenção de emprego. Caso assim se fizesse, consolidar-se-ia verdadeira ofensa ao art. 5º, II, da Constituição Federal (princípio da legalidade). Importa sejam referidas, ainda, as Resoluções de nº 23.506, de 2016, e 23.594, de 2018, as quais estabelecem, em momentos distintos, prazos para execução dos procedimentos relativos ao cancelamento de inscrições e regularização da situação dos eleitores omissos, que deixaram de votar por três eleições. Observa-se que tais resoluções, no que diz respeito à sua relação com o aqui analisado artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), simplesmente realizam, em nível procedimental, aspecto que serão debatidos a seguir, na medida em que estabelecem que não estarão sujeitas ao cancelamento as inscrições atribuídas a pessoas portadoras de deficiência que torne impossível ou extremamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais. São resoluções, portanto, que representam mera consequência da exceção estabelecida na Resolução nº 21.920, de 2004. E é justamente a Resolução nº 21.920, de 2004, que evidencia uma possível exacerbação da competência regulamentar em sede de atuação normativa do Tribunal Superior Eleitoral, a qual merece ser mais cuidadosamente analisada. Tal ato, como se vê, “dispõe sobre o alistamento eleitoral e o voto dos cidadãos portadores de deficiência, cuja natureza e situação impossibilitem ou tornem extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais” (BRASIL, 2004). Ao fazê-lo, a resolução em comento verdadeiramente inova na ordem jurídica, na medida em que estabelece indiscutíveis exceções à obrigatoriedade do voto, com mitigação ou afastamento da aplicação das penalidades estipuladas no artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), em face de indivíduos visivelmente não contemplados no artigo 14, § 1º, II, da Constituição Federal. Ao assim proceder, o Tribunal Superior Eleitoral indicou como um dos fundamentos a previsão do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual os direitos e garantias ali expressos “não excluem outros decorrentes


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do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988). Nesse contexto, convém relembrar que o Decreto Legislativo nº 186, de 2008, posterior à Resolução nº 21.920, de 2004, aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, conferindo-lhe aplicação na ordem jurídica interna. Chama atenção, na referida convenção, o seu artigo 29, abaixo transcrito: Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão: a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros: I) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso; II) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado; III) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha; b) Promover ativamente um ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na condução das questões públicas, sem discriminação e em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e encorajar sua participação nas questões públicas, mediante: I) Participação em organizações não-governamentais relacionadas com a vida pública e política do país, bem como em atividades e administração de partidos políticos; II) Formação de organizações para representar pessoas com deficiência em níveis internacional, regional, nacional e local, bem como a filiação de pessoas com deficiência a tais organizações (BRASIL, 2008).

Observa-se, nesse diapasão, que o caminho pretendido pela convenção internacional é o de se possibilitar, em grau máximo, a efetiva participação política dos portadores de deficiência. Não obstante, a Resolução nº 21.920, de 2004, já em seu artigo 1º, parágrafo único, limita-se a estabelecer que não estarão sujeitos a sanções as pessoas que, portando deficiências, estejam impossibilitadas ou demasiada-


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mente oneradas (conceito indeterminado) no cumprimento das obrigações eleitorais, aí incluído o exercício do voto. Deve-se considerar em tal análise, ademais, a situação socioeconômica do eleitor, as condições de acesso aos locais de votação, dentre outros aspectos. Identifica-se, assim, possível antinomia ou incongruência. Afinal, embora seja razoável o que se prevê na atuação normativa do Tribunal Superior Eleitoral – a dispensa das sanções parece ser plausível, sob o viés da proporcionalidade –, é também claro que o conteúdo da resolução editada não guarda compatibilidade exata com o espírito da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo já referido Decreto Legislativo nº 186, de 2008, a qual se volta com maior ênfase para a viabilização da participação política desses cidadãos, e não para a naturalização da sua exclusão. Observa-se, ainda, que chegou a ser apresentada uma proposta de Emenda à Constituição, encartada sob o nº 367, de 2001, tendente a acrescentar uma alínea ao inciso II do § 1º do artigo 14 da Constituição, facultando aos portadores de deficiência a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto, em tratamento analógico àquele que o constituinte conferiu aos maiores de setenta anos. Tal proposta, contudo, não prosperou, e foi arquivada em 2003. Nesse sentido, parecem ser muito mais compatíveis com o que se prevê no texto constitucional em vigor, bem como com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo já referido Decreto Legislativo nº 186, de 2008, as previsões do artigo 49 da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), que trata do alistamento do deficiente visual alfabetizado no sistema braile, ou das Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral de nº 14.550, de 1994, que autorizou o uso de intérpretes para os deficientes auditivos, e 21.008, de 2002, que visou a garantir seção eleitoral especial a esses eleitores. Dito isso, questiona-se: terá sido o caminho da Resolução nº 21.920, de 2004, o mais efetivo? Não seria melhor, por exemplo, à luz do que se prevê atualmente na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil, que se possibilitasse o voto por procuração, a exemplo do que se deu em outros países? O simples afastamento da sanção civil prevista no artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral) é, de fato, a medida mais legítima? Infelizmente não houve um debate parlamentar sobre essa matéria. O seu enfrentamento, como se vê, foi realizado no âmbito de um órgão jurisdicional, com função também executiva, em sede de atuação regulamentar, de caráter infralegal.


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Seria certamente mais apropriado um enfrentamento legislativo dessa matéria, na adequada sede política. Embora não se desconheça o relevante papel da atuação jurisdicional na proteção de minorias, a bem da ideia de igualdade, bem como se perceba a compatibilidade meritória do tratamento conferido ao tema pelo Tribunal Superior Eleitoral com os valores constitucionais em voga. Mas, como visto: não existiam outras escolhas possíveis, também legítimas à luz dos preceitos constitucionais? Reitere-se: não seria mais adequado o enfrentamento legislativo da matéria, quiçá com alterações constitucionais, a exemplo do que se cogitou com a Proposta de Emenda Constitucional nº 367, de 2001? Retoma-se, nesse ponto, a discussão do início do presente texto, quanto à mentalidade tutelar que parece ter marcado a própria criação da Justiça Eleitoral, e que parece ainda vicejar em sua atuação mais recente. Entende-se que a Resolução nº 21.920, de 2004, por melhores que sejam suas intenções, exacerba da função meramente regulamentar, e inova na ordem jurídica, criando exceções que a Constituição e a Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), não preveem. Por fim, chega-se a derradeira resolução que se pretende analisar no presente estudo: a Resolução nº 23.637, de 21 de janeiro de 2021. Um ato recente, editado já no contexto da pandemia do Covid-19. Como ali se vê, o art. 1º, § 5º, II, da Emenda Constitucional nº 107, de 2020, autorizou a Justiça Eleitoral a promover ajustes nas normas relativas às justificativas referentes às Eleições 2020, de forma a propiciar a melhor segurança sanitária possível a todos os participantes do processo eleitoral, ocorrido em momento absolutamente atípico, com restrição de circulação de pessoas e uma grande preocupação com a saúde dos eleitores. Nesse diapasão, entendeu o Tribunal Superior Eleitoral “que a persistência e o agravamento da pandemia da Covid-19 no país” representava relevantes “obstáculos para realizarem a justificativa eleitoral” para os eleitores que não compareceram à votação nas Eleições 2020, sobretudo àqueles em situação de maior vulnerabilidade, especialmente “em razão da dificuldade de obtenção de documentação comprobatória do impedimento para votar no caso de ausência às urnas por sintomas da Covid-19” (BRASIL, 2021). Assim sendo, observando-se a gravidade das sanções civis estabelecidas no artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral), e, embora registrando expressamente que “é competência do Congresso Nacional conceder anistia de débitos decorrentes de multas aplicadas aos eleitores que deixaram de votar nas Eleições Municipais de 2020, bem como afastar a exigência de justificativa eleitoral e os efeitos decorrentes da ausência de comparecimento


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às urnas” (BRASIL, 2021), a bem da proteção de valores constitucionais de maior envergadura, relacionados à saúde e à incolumidade física dos eleitores, teve por bem o Tribunal Superior Eleitoral determinar a suspensão das penalidades em comento, nos seguintes termos: Art. 1º Ficam suspensos, ad referendum do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral - Lei nº 4.737/1965 para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, enquanto permanecer vigente a Resolução-TSE nº 23.615, de 19 de março de 2020. Parágrafo único. Findo o prazo de suspensão, o eleitor que não houver justificado sua ausência nas Eleições 2020 deverá pagar a respectiva multa ou requerer sua isenção ao juiz eleitoral, salvo na hipótese de aprovação, pelo Congresso Nacional, de anistia dos débitos correspondentes (BRASIL, 2021).

Observa-se, contudo, que diferentemente do que se fez quando da edição da Resolução nº 21.920, de 2004, aplicável aos eleitores portadores de deficiência, aqui não houve o estabelecimento de exceção à obrigatoriedade do voto por ato infralegal, mediante exclusão de sanções relacionadas ao não exercício de tal direito (dever). Há uma clara autocontenção no ato em análise, que tão somente suspende a aplicação imediata das sanções legalmente previstas, as quais permanecem hígidas e incidentes sobre os casos concretos. Tal suspensão tem como fundamento, como se viu, verdadeiro imperativo de ordem pública, e perdurará apenas enquanto também vigorar a Resolução nº 23.615, de 19 de março de 2020, que determinou o Plantão Extraordinário da Justiça Eleitoral justamente em razão da pandemia da Covid-19. Findo esse período, o pagamento da multa eleitoral, bem como os eventos da ausência de justificativa e da possível inadimplência, voltarão a se operar, nos exatos termos do artigo 7º da Lei nº 4.737, de 1965 (Código Eleitoral). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em sede conclusiva, pode-se perceber historicamente a importância da criação da Justiça Eleitoral, numa tentativa de “moralizar” o processo eleitoral, conferindo maior confiabilidade, e de se ampliar o exercício da cidadania no Brasil. Por outro lado, é preciso refletir sobre a mentalidade tutelar que paira sobre essa construção, calcada no pretenso tecnicismo dos juristas brasileiros, o que apenas aparentemente os coloca afastados da política. Esse


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aporte crítico não refuta, contudo, o valor da Justiça Eleitoral, mas impõe a necessidade de refletir os papeis creditados a ela e como exercê-los em consonância com um Estado verdadeiramente democrático e de direito. Desde a origem, a Justiça Eleitoral exerceu múltiplas funções, para além da típica atribuição jurisdicional. Por conta disso, considera-se a Justiça Eleitoral como uma verdadeira agência de eleições, atuando administrativa, consultiva e judicialmente. No bojo dessas atribuições emerge seu papel regulamentar, que causa maiores discussões. Apesar das variadas posições doutrinárias, entende-se que a correta conformação dessa atividade da Justiça Eleitoral é adstrita aos limites do exercício do poder regulamentar, construído pela doutrina administrativista, exatamente como deve ocorrer nas estruturas do Poder Executivo. Aqui, a própria aproximação da Justiça Eleitoral à ideia de uma agência de eleições talvez seja útil para adequar tal função normativa aos seus justos contornos. Diante dessa construção da natureza e dos limites ao poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral, verificou-se que, relativamente às resoluções que tangenciam o artigo sétimo do Código Eleitoral, na maioria das vezes a Corte Eleitoral se manteve adstrita aos limites da fiel execução da legislação eleitoral, inclusive transparecendo uma posição autocontida. Mas, ainda assim, também se encontrou algumas resoluções, como a Resolução nº 21.920, de 2004, que exacerbaram os limites da atividade regulamentar, indo de encontro inclusive ao que se estabelece no texto constitucional. Essa Resolução resta como um exemplo claro da visão tutelar que se apontou e se quer refletir nesse texto. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Tribunal de Contas: Algumas incompetências. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 203, p. 131-140, jan./mar. 1996. _____. O Constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto, 2012. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_sucesso_imprevisto.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2021. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Trad. Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. BRASIL. Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 (Código Eleitoral de 1932). Disponível em: <https:// www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 05 abr. 2021. _____. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Institui o Código Eleitoral). Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm>. Acesso em: 05 abr. 2021. _____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05 abr. 2021. _____. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9096. htm>. Acesso em: 05 abr. 2021.


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Capítulo 8 Virtualização do Processo Eleitoral e o Procedimento de Justificativa do Voto THE VIRTUALIZATION OF THE ELECTORAL PROCESS AND THE PROCEDURE OF VOTE’S JUSTIFICATIVE

José Adércio Leite Sampaio Luana Mathias Souto

1. INTRODUÇÃO O presente artigo visa tratar dos diversos efeitos da era digital no gozo do direito de sufrágio e na consecução dos intentos democráticos. Em específico, será discutido o uso do aplicativo e-título pela Resolução n. 23.631/2020 como mecanismo prioritário de realização de justificativa de ausência de voto nos dias das eleições municipais de 2020, pautadas pelo contexto da pandemia de coronavírus, que exige como medida sanitária o isolamento social. A normativa eleitoral, portanto, ainda que temporária, deu primazia à adoção de medidas eletrônicas e digitais. Contudo, a priorização de justificativa, por meio do aplicativo e-título, trouxe algumas discussões importantes, dentre elas: a garantia a todos os brasileiros do acesso igualitário a essa medida alternativa de justificativa, enquanto persiste no País um abismo socioeconômico, em que nem todos os brasileiros possuem acesso à internet e smartphones; a garantia de estabilidade no sistema de justificativa eletrônica diante da ocorrência de relatos de problemas tecnológicos durante a realização do procedimento de justificativa eleitoral no dia das eleições e; a necessidade de conferir segurança jurídica e observância à boa-fé objetiva em face da justificativa via dispositivo eletrônico.


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Não por menos, no dia 21 de janeiro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentou a Resolução TSE n. 23.637/2021 que suspendeu os efeitos do art. 7º, Código Eleitoral (CE), enquanto persistir a pandemia da Covid-19. No documento, são reconhecidos os efeitos deletérios que a ausência de comparecimento às urnas, a sua não justificativa e o não pagamento da multa causam aos cidadãos brasileiros refletindo no gozo de outros direitos civis e políticos. A suspensão, por sua vez, não isenta os eleitores ausentes da multa, uma vez que a anistia ficará a cargo do Legislativo. A suspensão temporária aplicada pelo TSE talvez não tivesse sido necessária se o Projeto de Lei n. 4469/2020 - PL n. 4469/2020 - proposto pela Deputada Federal Adriana Ventura (NOVO/SP) tivesse sido aprovado. O PL apresentado em 03 de setembro de 2020 propunha a suspensão do art. 7º do CE em razão da pandemia de coronavírus de forma que, nos termos de seu art. 3º, a justificativa de ausência às urnas, bem como a aplicação da multa e demais sanções decorrentes do não comparecimento ao pleito eleitoral não seriam aplicadas aos eleitores brasileiros. Diante disso, observa-se que a virtualização do processo eleitoral demanda ainda alguns ajustes de forma que as medidas adotadas com o propósito de ampliar o acesso digital não se consubstanciam em processo seletivo e de afastamento de determinada parcela da população, impedindo, portanto, o adequado fortalecimento da democracia brasileira. Assim, o presente artigo busca iniciar o debate neste sentido e contribuir para reflexões futuras. 2. SUFRÁGIO E DEMOCRACIA NA ERA DIGITAL A era digital trouxe muitas promessas de ampliação dos horizontes democráticos e outras tantas inquietudes sobre os desafios que se impunham à democracia. As múltiplas possibilidades da “ciberdemocracia” (OGDEN, 1994) ou democracia digital (HACKER; VAN DIJK, 2000), mais conhecida como “democracia eletrônica” ou “e-democracia” pareciam criar as condições de uma Ágora universal. Todos, com um simples toque numa tecla de um computador ou em um aplicativo de celular, poderiam participar do processo discursivo de seleção e de deliberação democráticas (MCINTOSH, 2001; LEVINE, 2002; PÄIVÄRINTA; SÆBØ, 2006). A universalização do sufrágio ganhava um significado muito mais rico e prático, pois ampliava as subjetividades políticas e espaços alheios a fronteiras de partição geopolítica da humanidade. A esfera pública se tornava, virtualmente, ilimitada e, com ela, a separação entre cidadania ativa e passiva ou deferente estava fadada ao desaparecimento. Os cidadãos poderiam a todo tempo influenciar na agenda público-política e fiscalizar


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a atuação de seus representantes. Na França como nos Estados Unidos, a e-democracia impulsionava o e-governo, sob slogans como “au plus près des besoins1” e “bringing government closer to the people2” (MANTILLA, 2003; KAMPEN; SNIJKERS, 2003). Como toda obra humana, porém, a “digitalização” da democracia trouxe seus problemas. A maioria “repaginada” ou “digitalizada”. A igualdade, velha credora do constitucionalismo, ampliou o saldo negativo de sua conta corrente cidadã. Nem todos tinham acesso à internet e menos ainda poderiam adquirir as parafernálias eletrônicas (OLSSON, et al, 2003; JOHNSON, 2007; PINHO, 2011). A segurança do processo fazia crer que as eleições a bico de pena poderiam ter renascido, ainda que, efetivamente, jamais tenham sido sepultadas, quando muito, restringidas (SUNDBERG, 2019). À exceção de sobressaltos paranoicos da ignorância pelo desconhecido ou da má fé dos oportunistas da política nesse tempo do anti-iluminismo, a possibilidade do “hackeamento” da soberania popular não era fantasia delirante. Mesmo a ideia dos fluxos livres de formação da opinião pública e de decisão soberana de uma cidadania atuante e informada foi abalada com o complexo fenômeno da desinformação dirigida e da esperteza dos algoritmos manipuladores (CRAIN; NADLER, 2019). Vigia-se, coleta-se, trata-se e manipula-se (ZUBOFF, 2015; TUFEKCI, 2015; DARMODY; ZWICK, 2020). A propaganda eleitoral sempre se valeu de estatísticas sobre tendências do eleitorado, para apresentar seus candidatos sob a luz atrativa do imaginário coletivo. Jamais contara, porém, com o volume tão grande de informações pessoais que lhe permitia um “personal marketing”, mobilizando mais que o consciente individual, os temores particulares, para vender um candidato específico a cada pessoa. O mesmo postulante a cargo eletivo se tornava muitos, sempre “customizados”, na sutileza da costura algorítmica, ao perfil psicológico do eleitor (MCDERMOTT, 2019; WILSON, 2017; BAKIR). Em vez de “uma pessoa, um voto”, impõe-se “uma pessoa, um candidato”. O escândalo da Cambridge Analytica apenas desvelou o que já havia e se fazia no silêncio da internet (CHEN, 2018; RISSO, 2018). A coleta massiva de dados e de rastros eletrônicos permite que algoritmos individualizem cada eleitor e sobre ele estimule os medos, alguns recônditos a ele próprio, e provoque adesões irracionais (WILSON, 2017; BAKIR, 2020). A democracia normativamente sempre se fundou na vontade livre e soberana do povo e se encaminha para um regime do terror e da cegueira ideológica. 1 2

Em tradução livre: “o mais próximo possível das necessidades” Em tradução livre: “trazendo o governo para mais perto do povo”.


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A democracia da razão, credo caro aos iluministas, pode evaporar-se na “democracia límbica”. O conflito é da essência da “democracia cortical”, assim como o respeito à alteridade e à divergência, seu alimento. A democracia límbica esgarça os laços de solidariedade, radicalizando os pontos de vista e desqualificando o outro a sua voz como agentes morais (HUSKAJ; WILSON, 2020). É o princípio do fim. A “e-democracia”, com seus programas de manipulação, pode-se converter na “des-democracia”. Com ela, pode estar havendo um declínio ainda maior do processo civilizatório. Seus desvios seriam apenas um sintoma de algo mais profundo, que coloca em xeque valores construídos com o constitucionalismo moderno como a fraternidade e os direitos humanos (SAMPAIO; FURBINO; MENDIETA, 2020). A relação entre ser humano e máquina, roteiro de filmes clichês de ficção científica, já é uma realidade. Não ainda na forma de um “robocop” empedernido, mas da transformação interativa do “gene eletrônico”. Já se disse, com algum prenúncio de certeza, que a humanidade migra da mente alfabética para uma lógica e estrutura digitais (SOTALA, 2012; OLIVEIRA, 2017; RICCIARDI, 2018). Não se imagina o quanto já se andou nesse trajeto, mas não se pode duvidar de que a invenção do alfabeto permitiu o raciocínio lógico e abstrato, como a imprensa de Gutenberg “democratizou” a lógica e a abstração, tornando possível o acúmulo de informações que nem os gregos e romanos, beneficiários do alfabeto, haviam sequer sonhado. A invenção da rede mundial de computadores, dos big data, dos algoritmos e do machine learning, sem contar os potenciais de convergência técnica de outras áreas como a engenharia genética e a nanotecnologia, torna todo esse acúmulo de informações um grão de poeira. A mente digital se anuncia. O grande temor é, sobre em que sentidos. No presente trabalho, não se adentra ao fundo da questão. Fica-se antes à borda, com um pedaço das possibilidades virtuosas da democracia eletrônica como a demonstrar que a distopia pode, em pequenos gestos, ser evitada. E, nessa corda bamba a se inclinar para benefícios e malefícios da era digital, observa-se que os dois lados da moeda podem estar presentes em um mesmo contexto. Avaliando, exemplificadamente, como as novas tecnologias operam em prol da representação feminina tem-se que, ao mesmo tempo em que a possibilidade de realização de campanha em ambiente majoritariamente online, como o foram as eleições municipais de 2020, que em decorrência da exigência de isolamento social em face da pandemia de coronavírus, trouxe benefícios para as candidatas, já que o uso de redes sociais aumenta o


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engajamento político, uma vez que são plataformas mais baratas e acessíveis, quando comparadas com os modelos tradicionais de campanha que, em sua essência compreendem o feminino como não pertencente àquele espaço, e que muitas vezes são disponibilizados apenas via recursos partidários (IPU, 2020). De outra ponta, tem-se que o ambiente virtual é tão ou quanto mais violento para as mulheres do que para os homens que se apresentam ao pleito eleitoral. Nesse sentido, o Instagram em parceria com o TSE precisou lançar o Guia de Segurança do Instagram para Mulheres na Política (TSE, 2020), já que os índices de violência política de gênero também estão presentes no ambiente virtual e comparativamente às mulheres envolvidas na arena política recebem mais ataques na internet do que seus colegas homens (BIGIO; VOGELSTEIN, 2020). Assim, apesar de permitir maior participação popular e engajamento eleitoral, aproximando candidatos e eleitores, o ambiente digital também tem o desafio de ser capaz de blindar o processo eleitoral de efeitos nefastos, tais como fake news, violência política de gênero online, entre outros. E com isso, o exercício desse direito, a partir de bases interconectadas por algoritmos, reacende toda uma antiga sistemática, que é de difícil equação, acerca do valor do voto. Não o seu valor monetário, sobre o quanto custa operacionalizar uma eleição e permitir que cada eleitor possa exercer o direito ao voto em determinadas datas, mas sobre seu valor social, político, econômico e simbólico. Sobre o seu poder de determinar os rumos de uma nação, a qualidade de vida das pessoas e a distribuição de riquezas e recursos de um país. A garantia de sufrágio universal, por meio do direito ao voto e, por sua vez, a noção de representação política e participação popular se conectam como elementos da cidadania e que permitem estabelecer diretrizes que sejam mais ou menos democráticas. A depender sobre como as novas tecnologias irão adentrar ao contexto eleitoral e, sobre isso adianta-se que já há dados sobre o seu mau uso (DA EMPOLI, 2019; RUEDIGER, 2017), o valor do voto poderá ser mais caro para aqueles que menos têm e mais barato para aqueles que já detém poder (político, econômico, social, cultural e simbólico), desequilibrando as relações, fragilizando as democracias e minando com qualquer pluralismo político que se tentou estabelecer um dia. A partir desse prisma, debater-se-á, nas linhas que se seguem sobre as recentes problemáticas que puderam ser observadas, a partir do momento em que diante da atual crise sanitária provocada pelo coronavírus, o uso de recursos tecnológicos adentrou ao procedimento eleitoral de justificativa do voto.


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3. ARTIGO 7º E A JUSTIFICATIVA DO VOTO O artigo 7º, do CE - Lei n. 4737/1965 -, em consonância ao que dispõe o art. 14, §1º, I, da Constituição da República, é o corolário da obrigatoriedade do voto e, portanto, responsável por preceituar as regras atinentes a inobservância dessa norma que, segundo Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra (2020), é norma agendi, um direito-dever: Seu entendimento como norma agendi cristaliza-se no fato de ser um imperativo constante em lei, com a previsão de uma sanção caso ocorra seu não cumprimento. Não cabe ao cidadão outra escolha a não ser cumprir os imperativos agasalhados pela lei, em razão de sua obrigatoriedade aos maiores de 18 anos no Brasil. Ensina-nos Pontes de Miranda que o direito de votar, ao contrário do que se possa pensar, não se trata de um direito individual e, sim, de uma função pública, em que é um direito e um dever. O direito de sufrágio é exercido no momento em que o cidadão exerce seu direito ao voto (VELLOSO; AGRA, 2020).

Dessa forma, estabelece o referido artigo que diante da impossibilidade de realização do exercício do direito ao voto, compete ao cidadão brasileiro no pleno gozo de seus direitos políticos realizar justificação da ausência do voto perante juiz eleitoral, em até 30 (trinta) dias após a eleição, sob pena de multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região (BRASIL, 1965), cujo valor atualmente é considerado de pouca monta e, uma vez pago, é destinado ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, da Lei n. 9096/95. A inobservância ao que preceitua esse artigo, imputa ao eleitor, caso também não realize o pagamento da multa: impossibilidade de inscrição em concurso público; investidura e posse em cargo ou função pública; impossibilidade de participação em edital de concorrência pública ou administrativa, celebração de contratos, inclusive de empréstimos ofertados por entes que compõem a Administração Pública direta e indireta; não recebimento de remuneração para aqueles que já se encontram no exercício de cargo ou função pública; não obtenção de carteira de identidade ou passaporte, exceto, eleitor no exterior que requeira novo passaporte para retorno ao País; não obtenção de renovação de matrícula em estabelecimento de ensino; ou prática de qualquer ato que se exija além da quitação eleitoral, quitação de prestação de serviço militar obrigatório e regularidade fiscal perante a Receita Federal. A ausência injustificada e não pagamento das respectivas multas, por fim acarreta perda dos direitos políticos em decorrência do cancelamento do título eleitoral (BRASIL, 1965)3. 3

Além das penalidades previstas no art. 7º, do Código Eleitoral, a ausência de quitação eleitoral é condição de elegibilidade, nos termos do art. 11, §1º, VI, da Lei n. 9504/97.


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O artigo 16, da Lei n. 6091/74, por sua vez, dispõe que a ausência de comparecimento às urnas eletrônicas nos dias estipuladas para exercício desse direito-dever importam em justificativa que deverá ocorrer no prazo de 60 (sessenta) dias por meio de requerimento, enviado em duas vias à agência postal, dirigido ao juízo eleitoral correspondente à zona de inscrição eleitoral, que recebida a justificativa a anotará na folha individual do eleitor, servindo o carimbo aposto pela agência postal na segunda via do requerimento como comprovante de cumprimento da norma prevista no caput, que impõe o dever de justificativa (BRASIL, 1974). Apesar de o art. 16, da Lei n. 6091/74, que “dispõe sobre o fornecimento gratuito de transporte, em dias de eleição, a eleitores residentes nas zonas rurais, e dá outras providências”, possuir prazo de justificativa superior ao estabelecido no art. 7º do CE, há a previsão pacificada na Resolução TSE nº 21.538/03 de acolhimento do maior prazo e também do acréscimo para que, aqueles que se encontram no exterior no momento das eleições, tem-se que o prazo de 30 (trinta) dias para justificativa de ausência de voto pode transcorrer do retorno ao País (BRASIL, 1974). Assim, para fins do debate a ser realizado no presente artigo, o objeto será o estabelecimento do modus operandi pelo qual a justificativa eleitoral deve ocorrer. Informa o art. 16, da Lei n. 6091/74 e, nesse ponto, em consonância com o disposto no caput do art. 7º, do CE, que a justificativa deverá ser realizada perante o juízo eleitoral, de forma que poder-se-á, para tanto, enviar requerimento via agência postal, servindo o carimbo realizado pela agência como prova de cumprimento da justificativa, a fim de afastar os efeitos sancionatórios. Além do referido artigo da Lei n. 6091/74, o CE, em seu art. 119, preceitua como possibilidade de justificativa de ausência nas eleições, o comparecimento a Mesa Receptora de Votos existentes nas sessões eleitorais onde será possível realizar a justificativa e obter a comprovação necessária para se exonerar da penalidade de multa. Assim, em condições normais este é o trâmite para realização da justificativa de voto. 4. PANDEMIA, RESTRIÇÕES SANITÁRIAS E O USO DA JUSTIFICATIVA DE VOTO VIA E-TÍTULO O ano de 2020 será marcado como o marco de uma mudança paradigmática, uma vez que a descoberta de um vírus variante da síndrome respiratória aguda grave (SARS) foi identificado na cidade de Wuhan na China. O denominado Coronavírus, Covid-19 ou SARS-CoV-2 de alta transmissão


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e letalidade exigiu de uma sociedade cada vez mais globalizada, a adoção de posturas extremas para diminuir o contágio, conter a circulação de pessoas e evitar a mortalidade de milhões de pessoas. Desde o fechamento de fronteiras, toques de recolher e a realização de testes compulsórios, diversos direitos e garantias fundamentais precisaram ser relativizados em prol da segurança sanitária de todos. Alguns, em certa medida justificáveis diante da periculosidade do inimigo invisível, outros nem tanto como o direito à informação que foi, por diversas vezes, violado, seja pela proliferação de fake news; pelo não acesso a dados oficiais sobre o avanço da doença ou pelo uso de dados pessoais para fins não pautados no respeito à privacidade de seus detentores (SAMPAIO; ALMEIDA; SOUTO, 2020). Apesar de tudo isso, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca do isolamento social foi e ainda é a medida mais eficaz contra a doença. Com isso, o ano eleitoral de 2020 esteve pautado no grande dilema de realização de eleições municipais que atendessem aos novos critérios sanitários. Em respeito a isso, o pleito eleitoral foi adiado de outubro para novembro, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional n. 107/2020. Essa mesma emenda autorizou, em seu art. 1º, §5º, II, o TSE a adotar ajustes na legislação em relação a recepção de votos, justificativas, horário de funcionamento das seções eleitorais e demais medidas, “de forma a propiciar a melhor segurança sanitária possível a todos os participantes do processo eleitoral.” (BRASIL, 2020). Assim, foi adotada, como medida alternativa e prioritária, o procedimento de justificativa por meio do aplicativo móvel e-título. Essa diretriz passou a viger, nos termos do art. 240, da Resolução n. 23.631/2020, como norma temporária durante o primeiro e segundo turno das eleições municipais de 2020. O parágrafo único do art. 240, da Resolução n. 23.631/2020, ainda dispõe sobre a ampla publicidade da norma prevista no caput, com fins de “evitar que o eleitor se dirija aos locais de votação para justificar sua ausência”. (TSE, 2020a). Nos termos do art. 242, caput, da mesma Resolução, a justificativa do eleitor que não a realizou, dentro do prazo estabelecido em lei, deverá igualmente ocorrer de forma prioritária pelos sistemas específicos disponibilizados nos sítios eletrônicos oficiais (TSE, 2020a). Apesar da referida Resolução ainda disciplinar em seu art. 241, sobre a possibilidade de que os tribunais eleitorais regionais instalassem mesas exclusivas para recebimento da justificativa eleitoral, nem todos os locais de votação possuíam essa possibilidade. Com isso, o preenchimento de Requerimento de Justificativa Eleitoral (RJE) obtido no site do TSE ou nas


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páginas da Justiça Eleitoral e entregue em uma seção eleitoral, não foi uma alternativa possível para todos os brasileiros no dia das eleições, sendo o uso do aplicativo e-título a opção mais viável para realização do procedimento de justificativa eleitoral. Para realizar a justificativa, por meio do e-título, é necessário que o eleitor possua smartphone e realize o download gratuito do aplicativo, cuja via digital do título de eleitor, requisito para acessar as informações no aplicativo, somente é garantida aos cidadãos em situação eleitoral regular (art. 4º, Resolução TSE n. 23.537/2017). A justificativa pelo aplicativo deve ocorrer no dia e durante o período destinado à votação, de forma que, por meio de sistema de geolocalização, é possível certificar-se que o eleitor está fora da circunscrição territorial correspondente ao seu domicílio eleitoral. A normativa eleitoral, portanto, ainda que temporária, deu primazia à adoção de medidas eletrônicas e digitais, que em tempos de insegurança sanitária demonstrou sensibilidade com a situação vivenciada no País. Contudo, a priorização de justificativa via e-título trouxe algumas questões que merecem reflexões, dentre elas: como garantir a todos os brasileiros o acesso igualitário a essa medida alternativa de justificativa, enquanto ainda persiste no País um abismo socioeconômico em que nem todos possuem acesso à internet4 e smartphones? Ou, como garantir a estabilidade no sistema de justificativa eletrônica, quando diversos relatos informam a ocorrência de problemas tecnológicos durante a realização do procedimento de justificativa eleitoral no dia das eleições? E mais, como garantir a segurança jurídica no uso de recursos tecnológicos para tal fim, especialmente, no que tange o respeito ao princípio da boa-fé objetiva? Não por menos que, no dia 21 de janeiro de 2021, o TSE apresentou a Resolução TSE n. 23.637/2021, em que: Suspende os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa 4

Conforme pesquisa “TIC Domicílios 2019” do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), “mais de 20 milhões de domicílios não possuem conexão à Internet, realidade que afeta especialmente domicílios da região Nordeste (35%) e famílias com renda de até 1 salário mínimo (45%). A pesquisa constatou um aumento no número de domicílios com acesso à Internet nas classes C e DE. Nas classes DE, a proporção passou de 30% em 2015 para 50% em 2019. Pelo quarto ano consecutivo, a pesquisa verificou uma redução da presença de computadores nos domicílios, passando de 50% em 2016 para 39% em 2019. Pelo recorte socioeconômico, enquanto 95% domicílios da classe A possuem algum tipo de computador, eles estão presentes em apenas 44% dos domicílios da classe C e 14% dos domicílios das classes DE.” (CETIC.BR, 2020).


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eleitoral ou pagaram a respectiva multa, ad referendum do Plenário do TSE, em razão da persistência da pandemia da Covid-19.

No documento, o TSE reconhece os efeitos deletérios que a ausência de comparecimento às urnas, a sua não justificativa e o não pagamento da multa causam aos cidadãos brasileiros, refletindo-se no gozo de outros direitos civis e políticos (TSE, 2021). A Resolução é publicada sete dias após o prazo limite de justificativa de ausência para aqueles que não compareceram às urnas no primeiro turno das eleições municipais, e estabelece como parâmetro para a suspensão a manutenção da crise sanitária em decorrência do Coronavírus; a dificuldade comprobatória, em alguns casos, em decorrência de condições adversas de saúde provocadas pela própria Covid-19 e; em observância a situação de vulnerabilidade econômica de milhares de brasileiros. Reconhece, quase como um apelo à competência do Congresso Nacional, para que conceda anistia sobre os débitos contraídos diante da não justificativa, bem como a prerrogativa de afastar a exigência de justificativa eleitoral, especialmente considerando os efeitos negativos provocados pela irregularidade na quitação eleitoral (TSE, 2021). A Resolução TSE n. 23.637/2021, que foi editada monocraticamente pelo Ministro Luís Roberto Barroso, foi referendada por unanimidade em sessão do TSE, realizada no dia 04 de fevereiro de 2021, e é válida enquanto perdurar o regime de plantão extraordinário instituído em face da pandemia de Covid-19 (Resolução TSE n. 23.615/2020). Finda a excepcionalidade sanitária, e não ocorrendo a anistia por parte do Congresso Nacional, permanece a obrigatoriedade de pagamento da multa por não apresentação de justificativa (TRE-CE, 2021). Os dois primeiros questionamentos apontados neste artigo acerca da adoção do aplicativo e-título no dia das eleições como única opção de justificativa do voto, relacionados à necessidade de acesso dos eleitores a internet, do uso de smartphones e das instabilidades tecnológicas que tornariam prejudicial o exercício da prerrogativa de justificativa por milhares de brasileiros que não possuem condições econômico-financeiras de acesso a esses dispositivos e de outros tantos milhares que ainda que o possuem, mas tiveram algum tipo de problema na comprovação, foram temporariamente equacionados mediante edição da recente resolução do TSE - Resolução TSE n. 23.637/2021. Destaca-se, contudo, que a suspensão temporária aplicada pelo TSE, talvez não tivesse sido necessária, se o Projeto de Lei n. 4469/2020, proposto pela Deputada Federal Adriana Ventura (NOVO/SP), tivesse sido aprovado.


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O Projeto apresentado em 03 de setembro de 2020 propunha a suspensão do art. 7º do CE, em razão da pandemia de coronavírus, de forma que, nos termos de seu art. 3º, a justificativa de ausência às urnas, bem como a aplicação da multa e demais sanções decorrentes do não comparecimento ao pleito eleitoral não seriam aplicadas aos eleitores brasileiros (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020b). O Projeto de Lei, no dia 23 de fevereiro de 2021 foi, por determinação da Mesa Diretora, apensado ao Projeto de Lei n. 3833/2020, de autoria do Deputado Federal Darci Pompeo de Mattos (PDT/RS) e, que prevê igual isenção das sanções previstas no art. 7º, do CE, mas tão somente aos eleitores com mais de 60 anos de idade, que por integrarem o grupo de risco do coronavírus, mas não tem faculdade no exercício do direito ao voto (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020a). Todavia, desde o dia 18 de março de 2021, os dois projetos estão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, portanto, ainda não se converteram em lei. Para o debate proposto no presente artigo, além das reflexões ora expressas, importa também dissertar sobre a última problemática apresentada a partir do momento em que o aplicativo e-título tornou-se prioritário na procedimentabilidade da justificativa eleitoral, como ocorreu nas eleições municipais de 2020 realizadas em plena pandemia de Covid-19. A esse aspecto, destaca-se os desafios que se impõem ao processo eleitoral acerca da segurança jurídica conferida ao uso prioritário do aplicativo e-título para justificativa de ausência no dia das eleições. Primeiro, por se tratar de dispositivo eletrônico que pode passar por instabilidades técnicas, bem como por ataques cibernéticos, o que acarretaria prejuízos ao cidadão que utilizou desta ferramenta, refletindo no gozo de seus outros direitos políticos. Segundo, porque o procedimento eleitoral brasileiro é eminentemente pautado na boa-fé objetiva e o uso de procedimento integralmente eletrônico pode permitir a ocorrência de fraudes, como por exemplo, o eleitor se declarar ausente quando estaria presente no local de seu domicílio eleitoral apenas pela comodidade proporcionada pelo método de justificativa. Se tal conduta tornar-se habitual no seio social, sérios impactos poderiam ser provocados na legitimidade do processo eleitoral, demonstrando a necessidade de melhor regulamentação acerca da aferição da boa-fé objetiva no procedimento de justificativa via e-título. Pois, impende verificar se o eleitor agiu ou não com boa-fé, a partir de um padrão comportamental ético pautado no Direito. e com isso o uso da justificativa via e-título, precisaria ser aliado a apresentação de outros documentos comprobatórios que serviriam para garantir maior legitimidade e segurança ao procedimento.


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Por óbvio, o uso prioritário do aplicativo e-título para justificativa eleitoral ocorreu em contexto de excepcionalidade provocada pela pandemia, o que permitiu que outras resoluções fossem editadas com a finalidade de readequar a situação e impedir que os eleitores brasileiros tivessem maiores penalidades no gozo de seus direitos em um contexto de extrema vulnerabilidade social, econômica, política e sanitária. Entretanto, a experiência não deixa de trazer válidas reflexões para o processo eleitoral como um todo que a cada dia mais precisará enfrentar as problemáticas postas pela era digital. 5. CONCLUSÃO A lógica binária está a se tornar a nova realidade. Ainda pouco explorada e compreendida pelo homem médio produz, a olho nu, benefícios, mas também malefícios a partir de outras escalas de medição. Estudos recentes já revelaram que os malefícios do uso das novas tecnologias atrelados ao processo eleitoral ocorrem em nível global, de forma acelerada e de difícil reparação. Assim, todo cuidado é pouco com os algoritmos e aqueles que os sabem ler. A adoção do procedimento de justificativa eleitoral via e-título serve-se nestas breves linhas apenas para exemplificativamente alertar para o fato de que a virtualização do processo eleitoral ainda demanda alguns ajustes, principalmente, a se observar se as medidas adotadas com o propósito de ampliar o acesso digital não se consubstanciam em processo seletivo no gozo dos direitos políticos e consequente afastamento de determinada parcela da população do processo eleitoral, impedindo, que a já frágil democracia brasileira possa se fortalecer. De outra ponta, a era digital também escancara a facticidade de que dados apostos por eleitores sejam utilizados para fins diversos por aqueles que sabem manejar o território digital. Com isso, a ausência de alinhamento e limites ao crescimento da “e-democracia” como um todo demonstram que há a necessidade de uma compreensão mais estratégica no uso das novas tecnologias com a finalidade de se resguardar direitos e impedir a abertura de flancos de atuação para as mentes digitais. Por fim, a reflexão proposta neste estudo introdutório é sobre a imprescindibilidade que estudos mais consolidados e específicos sejam realizados, seja de forma preventiva ou para fins de monitoramento, sempre que novas tecnologias são introduzidas nas mais diversas searas do conhecimento e da vida cotidiana com a finalidade de se evitar distorções, arrefecimento das desigualdades ou, em uma perspectiva mais distópica, o controle algorítmico.


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Capítulo 9 O Controle Parlamentar dos Atos Regulamentares da Justiça Eleitoral e o Equilíbrio entre os Poderes: Reflexões sobre a Aplicação do Artigo 49 da Constituição Face às Resoluções do TSE e os Limites à Competência Legislativa Quanto às Sanções Civis Eleitorais PARLIAMENTARY CONTROL OF REGULATORY ACTS OF ELECTORAL JUSTICE AND THE BALANCE BETWEEN THE POWERS: REFLECTIONS ON THE APPLICATION OF ARTICLE 49 OF THE CONSTITUTION IN FACE OF THE RESOLUTIONS OF THE TSE AND THE LIMITS TO THE LEGISLATIVE COMPETENCE REGARDING CIVIL ELECTORAL SANCTIONS

Larissa de Moura Guerra Almeida Wladimir Leal Rodrigues Dias

1. INTRODUÇÃO Indubitavelmente, o poder normativo se destaca dentre as funções legais exercida pelos tribunais eleitorais, sobretudo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mediante as Resoluções, por vezes à deriva de autorização constitucional expressa. Nesse aspecto, o Poder Judiciário, enquanto Administração Pública, ao exorbitar o poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa, deve se submeter ao controle do Congresso Nacional, nos termos da Constituição. O controle, enquanto a fiscalização e necessária correção dos atos praticados pelo Poder Público, de acordo com os princípios do regime jurídico administrativo, notadamente o controle legislativo (ou controle parlamentar) exercido pelo Congresso Nacional, de forma típica, direta ou indireta-


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mente, alcança o Poder Executivo, os entes da Administração Indireta, e o Poder Judiciário, quando no exercício da função administrativa. Por respeito ao princípio da separação de Poderes consagrado no Texto Constitucional (art. 2º, CRFB/1988), é válido o exercício do controle parlamentar sobre as Resoluções da Justiça Eleitoral que extrapolem seu poder regulamentar, visto que a competência para elaboração de normas primárias é reservada constitucionalmente ao Poder Legislativo, mediante tramitação no Parlamento, ainda que as proposições sejam de iniciativa dos demais Poderes. Ao lado de suas tradicionais funções, como a administração do processo de alistamento eleitoral e da condução das eleições, cumula-se a esta Justiça especializada os poderes jurisdicional, consultivo e regulamentador. E, ao se incluir o poder normativo entre as funções da Justiça Eleitoral, abre-se uma atuação diante da anomia (vazio, ausência da lei) ou omissão do Poder Legislativo, permitindo ao Poder Judiciário eleitoral a edição de normas, que se externalizam em Resoluções com força de lei. No entanto, o poder normativo da Justiça Eleitoral é exercido sem ser submetido, necessariamente, ao crivo do controle parlamentar, sendo as Resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral com frequência, ditando regras para o pleito que se aproxima e, ainda, contendo normas que deveria ser objeto de lei em sentido formal, mas que são inseridas em atos regulamentares – o que, não apenas, dificulta o controle de legalidade como também permite a constante alteração de regras para o processo eleitoral que se renova a cada período de dois anos. Pela sua excepcionalidade, os limites impostos ao exercício desse poder regulamentar da Justiça Eleitoral estão no Texto Constitucional, já que a sua permanência temporal acaba condicionada à superveniência de lei própria, oriunda do Congresso Nacional. Por respeito ao princípio da separação de Poderes consagrado na Constituição da República de 1988 (art. 2º), é válido o exercício do controle parlamentar sobre as Resoluções da Justiça Eleitoral que extrapolem tal limite, visto que a elaboração de normas primárias – bem como a suspensão de seus efeitos – em observância à sistemática constitucional, deve iniciar tramitação e conclusão no Parlamento, especialmente se tratando de sanções civis, cuja restrição de direitos exige o devido processo legislativo. A presente reflexão visa demonstrar a importância do controle exercido pelo Congresso Nacional sobre os atos regulamentares do Judiciário Eleitoral, principalmente quanto à competência em sustar atos que exorbitem o seu poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa (art. 49, V, CRFB/1988), em especial quanto à definição e aplicação das sanções civis previstas no artigo 7º do Código Eleitoral (CE) – que teve suas regras


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de aplicação alteradas pela Resolução do TSE nº 23.631/2020 e, recentemente, seus efeitos suspensos pela Resolução do TSE nº 23.637/2021, em razão das limitações da pandemia de COVID-19 – o que implica possível ofensa à separação de poderes e eventual usurpação da competência legiferante do Poder Legislativo pelo Tribunal Superior Eleitoral, vez que não há permissivo constitucional e legal quanto à possibilidade de norma eleitoral de hierarquia inferior (resoluções) inovar, modificar ou sustar efeitos de norma hierarquicamente superior. Isso porque o referido controle parlamentar abrange aspectos de legalidade, legitimidade, eficiência e economicidade, podendo adentrar no próprio mérito do ato administrativo se inobservada a legalidade (isto é, sua oportunidade e conveniência frente à Constituição), não se podendo impedir ou frustrar tal competência legislativa. O objetivo do artigo é discutir eventual usurpação da competência legiferante do Congresso Nacional pelo TSE, quando do exercício de sua atividade normativa, destacando que essa interferência pode causar desequilíbrio nas interrelações entre os poderes da República. Por meio de pesquisa bibliográfica, traz-se um breve estudo sobre as resoluções daquele tribunal quanto às sanções civis do artigo 7º do CE, bem como a competência legislativa, na medida em que, como já introduzido, regras do referido artigo 7º foram alteradas e seus efeitos suspensos por resoluções. Discute-se o princípio da separação de poderes e os limites da produção judiciária normativa na seara eleitoral. Não obstante a relevância contida na função normativa da Justiça Eleitoral, o exercício dessa competência não deve se dar de modo que haja extravasamento, ensejando ingerência no sistema de competências constitucional dos demais poderes constituídos e, por conseguinte, instabilidade nas relações entre os Poderes e o esvaziamento do Poder Legislativo. 2. O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL: AS RESOLUÇÕES DO TSE COMO EDIÇÃO DE NORMA GERAL E PRIMÁRIA PELO PODER JUDICIÁRIO MEDIANTE ATO NORMATIVO DE HIERARQUIA INFERIOR A respeito das funções afetas à Justiça Eleitoral, é preciso primeiramente compreender a realidade sociopolítica de cada Estado e, ainda, o desenvolvimento dos sistemas eleitorais e métodos de controle do processo eleitoral, face às vicissitudes históricas que acabam por formatar o modelo adotado, seja o sistema legislativo – em que o Poder Legislativo é soberano quanto à administração das eleições e à definição de regras do processo eleitoral – seja o sistema jurisdicional – existência de um controle técnico e juridicamente


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específico, exercido por um órgão criado na estrutura do Poder Judiciário (GOMES, 2014). Na realidade brasileira, considerando-se seu passado de constantes questionamentos de fraude nas eleições e ilegitimidade de representação política desde o Império à República Velha (FAUSTO, 2019), apesar de ter o sistema eleitoral se iniciado no modelo legislativo, este foi substituído pelo sistema de jurisdição especializada, a partir da Era Vargas, com a promulgação do primeiro Código Eleitoral, instituído pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 (GOMES, 2014). A partir de então, a Justiça Eleitoral no Brasil foi implementada como instituição independente, com a finalidade exclusiva de controle e organização do processo eleitoral, desde o alistamento eleitoral, campanha, votação, apuração de votos, proclamação e diplomação dos eleitos, à resolução de conflitos em matéria eleitoral. Tendo sido constitucionalizada pela primeira vez em 1934 e sofrido percalços ao longo da história – extinta em 1937, pela Constituição do Estado Novo; restabelecida em 1945, pelo Decreto-Lei nº 7.586, e retornado à Constituição de 1946; preservada na Constituição de 1967, mas quase inoperante em termos de democracia, em vista dos desígnios e aspirações do período da ditadura militar (GOMES, 2014) – a Justiça Eleitoral se consolidou como órgão especializado do Poder Judiciário, responsável pela administração e jurisdição das eleições, à luz do Estado Democrático de Direito, com a Constituição da República de 1988, que recepcionou o Código Eleitoral de 1965 (Lei nº 4.737, artigos 12 a 41), estruturando-se os seus órgãos e definindo suas competências. Obviamente, diante das inúmeras atribuições necessárias e inerentes ao processo eleitoral, a legislação brasileira atribuiu diferentes funções a essa Justiça, tratando-se de questões de natureza administrativa – tais como, alistamento eleitoral (caráter declaratório administrativo), organização das zonas eleitorais, seções e locais de votação, servidores, apuração de votos, proclamação e diplomação dos eleitos –, jurisdicional (resolução definitiva de conflitos intersubjetivos submetidos ao Judiciário, em matéria eleitoral), consultiva – devido à indisponibilidade do direito tutelado, exigindo-se o posicionamento da Justiça Eleitoral sobre questões afetas à regularidade e legitimidade das eleições, buscando prevenir condutas ilícitas, ainda que, por natureza, o Judiciário não se pronuncie acerca de situações que não sejam concretas e provocadas pelos jurisdicionados – e normativa ou regulamentar (a qual se analisará com maior apreço). Note-se da legislação que, desde a criação da Justiça Eleitoral, isto é, com o Código Eleitoral de 1932, houve a inserção da função normativa como atividade legislativa regulamentar, já que o “Poder Legislativo, ao editar as leis em matéria eleitoral, deixa sempre uma substanciosa margem


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de complementariedade afeta ao poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral” (RAMAYANA, 2006, p. 78). O primeiro Código Eleitoral brasileiro dispunha como atribuições do Tribunal Superior, em seu artigo 14, “fixar normas uniformes para a aplicação das leis e regulamentos eleitorais, expedindo instruções que entenda necessárias” (BRASIL, 1932). Atualmente, no Código Eleitoral em vigor, Lei nº 4.737 de 15 de julho de 1965, a função normativa permanece positivada, estabelecendo no parágrafo único do artigo 1º que “o Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para sua fiel execução” e no inciso IX do artigo 23 que a ele compete “expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código” (BRASIL, 1965). De igual sorte, dispõe o artigo 61 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que “O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução desta Lei” (BRASIL, 1995). Outrossim, o artigo 105 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, preceitua que “Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos” (BRASIL, 1997)

Neste aspecto – para que se possa refletir sobre o exercício dessa competência normativa pelo TSE e discutir a natureza jurídica das normas contidas nas resoluções dessa Corte Eleitoral – é valioso tecer considerações sobre a natureza jurídica das resoluções e instruções normativas, examinando seu status legislativo. Tendo como base a “Teoria da Validade das Normas Jurídicas”, inicialmente difundida por Hans Kelsen na sua obra Teoria Pura do Direito (2006), em que se desenha um escalonamento jurídico, a fim de que seja conferida rigidez ao sistema de normas e se permita harmonia entre o parâmetro e o objeto normativos, o ordenamento jurídico se constitui como um todo sistemático, ordenado por uma lógica hierárquica, pois, se assim não considerado, inexistiria um elemento para que as normas encontrassem o seu ponto de validade. Pela existência dessa hierarquia jurídica, é possível falar em uma norma superior (norma fundante) que valida as demais normas, constituindo fundamento à norma inferior (norma fundada). Diante dessa adequação, tem-se uma norma válida fundada e, consequentemente, guardada a hierarquia legal. Havendo uma fonte originária normativa, todas as demais que dela


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derivam devem guardar plena sintonia, respeitando os traços gerais especificados, sob pena de restar caracterizado um vício de validade. De acordo com Hans Kelsen, [...] dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora (KELSEN, 2006, p. 246-247)

Em meio a essa problemática, decorre a “teoria da norma jurídica fundamental” que, em simples considerações, parte-se do pressuposto que, no âmbito do ordenamento jurídico, a cada norma jurídica válida se atribui referência a outra norma, a qual fundamenta sua validade. Desse modo, um ato decorrente da norma é válido em vista da autorização legal de outra norma hierarquicamente superior. Por conseguinte, a “norma jurídica fundamental” estaria acima de todo sistema jurídico na relação de escalonamento normativo. Logo, cada norma inferior derivada encontra a sua validade na norma de maior hierarquia, formatando-se um sistema piramidal, cujo topo está a dita “norma fundamental” – o que, na teoria, denominou-se “pirâmide Kelseniana” (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 236-237). E, para fins de análise normativa e fundamentação das fontes do direito, a Constituição é que ocupa esse lugar de destaque no ordenamento jurídico, ao que se justifica dizer que o direito é constitucionalizado. Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr., [...] a chamada hierarquia das fontes, não obstante ocultar uma relação de poder e de exercício de poder, num âmbito circunscrito, tecnicamente é um instrumento importante para o mapeamento formal das competências estatais. O ponto de partida é a Constituição, que, por pressuposto analítico, determina todas as competências normativas do Estado. Assim,


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por exemplo, confere ao Poder Legislativo a competência para elaborar emendas à própria Constituição, leis complementares, leis ordinárias [...]. Se observarmos essa distribuição de competência, vamos notar que o âmbito de validade de suas normas está, em tese, delimitado: cada um desses diplomas normativos tem uma função à qual corresponde um conteúdo. Uma lei ordinária serve para estabelecer normas gerais que criam ou extinguem direitos soberanamente. No entanto, não serve para alterar a Constituição. Para isso temos as emendas. [...]. O que temos, então, é um imenso mapeamento de competências e âmbitos de exercício (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 236-237).

Neste raciocínio, se uma norma está em consonância com a norma máxima do ordenamento jurídico – aqui, considerada a Constituição – é possível atestar sua validade; porém, não sendo verificada tal compatibilidade, impõe-se a sua retirada do sistema jurídico, em razão da inexistência de validade, ensejando-se o controle de constitucionalidade. A despeito de militar em favor de uma norma inferior a presunção de constitucionalidade, esta presunção é relativa, visto que se permite que outra norma venha a demonstrar a sua falta de validade. Assim, no direito brasileiro, pode-se inferir que a Constituição da República de 1988 e as Emendas Constitucionais promulgadas (ainda, os tratados e convenções internacionais de direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros – status de emenda constitucional) constituem a norma fundante do ordenamento jurídico, encontrando-se as demais espécies normativas (art. 59, CRFB/1988) em obediência à sua hierarquia: tratados, acordos, atos, convenções internacionais (status supralegal); leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções. O Código Eleitoral vigente, Lei nº 4.737/1965, apesar de anterior à Constituição de 1988, foi recepcionado por ela, de acordo com a doutrina1 e a jurisprudência2, sob o status de lei complementar, em sua parte compatível com o Texto Constitucional, com fulcro no disposto no artigo 121: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais” (BRASIL, 1988). 1

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O Código Eleitoral, embora anterior à Constituição de 1988, foi recepcionado por ela, com status de lei complementar. No entanto, algumas matérias de direito eleitoral podem ser reguladas por lei ordinária. (GOMES, 2014, p. 25). “Competência: recepção do Código Eleitoral, com força de lei complementar, incluído o poder de requisição de força federal (art. 23, XIV), que subsiste ao advento da lei complementar n. 69/91 e prescinde, por isso, da intermediação do presidente do Supremo Tribunal Federal”. (TSE, 1992, p. 365).


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No que diz respeito às leis complementares, são normas que complementam a Constituição, tratando-se de espécie normativa que explicita a pretensão constitucional, de forma a inserir na legislação de regência todos os elementos necessários à sua implementação e eficácia. Por disposição constitucional, determinadas matérias estão reservadas à disciplina de lei complementar, constituindo, na hierarquia das normas jurídicas, uma classe intermediária entre a norma constitucional e as leis ordinárias. Embora o Código Eleitoral brasileiro não tenha recebido status de lei complementar de forma integral, vez que durante o procedimento de recepção alguns de seus dispositivos não passaram a ter essa qualidade, a doutrina e a jurisprudência consideram que determinadas matérias eleitorais, não obedecem à regra da taxatividade de reserva de lei complementar. Nesse sentido, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 14, reserva à lei complementar a criação de outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação (§9º), bem como, no artigo 121, dispõe que lei complementar irá dispor sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. Nestas circunstâncias, tais matérias de direito eleitoral, serão disciplinadas por lei complementar, restando aos demais casos serem previstos por outras leis infraconstitucionais – a exemplo das sanções civis eleitorais, que não estão sob a reserva de lei complementar. Tendo em vista que a matéria eleitoral não pode ser objeto de medida provisória (art. 62, §1º, I, a, CRFB/1988) e tampouco de resoluções ou decretos legislativos, outros temas devem ser tratados por lei ordinária, ante o seu caráter subsidiário. Mesmo que o Código Eleitoral não seja considerado como lei complementar em seu inteiro teor, contendo matérias que possuem qualidade e que podem ser disciplinadas por leis ordinárias, ainda assim, tratam-se de lei em sentido formal, com hierarquia superior a outras espécies normativas. Conquanto ser discutível conferir a um diploma normativo natureza normativa mista, como se fez em relação ao Código Eleitoral – o que já se motiva reflexões quanto à eventual proposta de reforma e sua correta sistematização, dado que alguns dispositivos são alterados por lei complementar, em obediência ao Texto Constitucional, e outros por lei ordinária – o ordenamento jurídico não autoriza o tratamento de matérias eleitorais, em termos de normas primárias (que criam e definem direitos e obrigações), por tipos normativos hierarquicamente inferiores a lei complementar ou a lei ordinária. No tocante às resoluções e instruções normativas, não há dúvidas que são normas inferiores no escalonamento jurídico, se comparadas à


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Constituição, às leis complementares e às leis ordinárias. As resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas autoridades do Poder Executivo, bem como dos Poderes Legislativo e Judiciário (pelos presidentes de Tribunais e das Casas Legislativas) e por colegiados administrativos, no que concerne a matéria de sua competência específica. Embora os Regimentos Internos dos Tribunais do Poder Judiciário e das Casas Legislativas (Senado e Câmara dos Deputados), que são resoluções, sejam considerados normas primárias, equiparados hierarquicamente às leis ordinárias, via de regra, as resoluções são hierarquicamente inferiores às leis (complementares e ordinárias), notadamente se tratarem de matéria administrativa. Pois, as resoluções [...] são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos), ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos, e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admitem-se resoluções individuais. As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo invocá-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 208)

De igual modo, as instruções normativas ou regulamentares “são atos administrativos expedidos pelos Ministros de Estado para a execução de leis, decretos e regulamentos (CF, art. 87, parágrafo único, II), mas são também utilizadas por outros órgãos superiores para o mesmo fim” (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 206). Sendo assim, as resoluções do TSE que não dizem respeito ao seu Regimento Interno, devem cuidar de normas regulamentares e derivadas, em obediência às normas primárias já previstas na legislação eleitoral, sendo que os permissivos do artigo 1º (parágrafo único) e do artigo 23 (inciso IX) do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), do artigo 61 da Lei nº 9.096/1995, e ainda o artigo 105 da Lei nº 9.504/1997, preveem a autorização para o exercício da função regulamentar, quanto à expedição de normas (instruções) necessárias à fiel execução da legislação eleitoral em vigência. É assente na doutrina especializada que esse amplo poder normativo conferido à Justiça Eleitoral é um dos aspectos que mais a distingue das outras Justiças congêneres, “apesar de a Constituição não prever essa função” (GOMES, 2014, p. 71). Para Marcos Ramayana (2006, p. 78-79), embora a relevância do poder regulamentar da Justiça Eleitoral seja evidente,


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[...] impende observar que o poder regulamentar deve situar-se secundum e praeter legem, sob pena de invalidação e, em atendimento ao disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, pois “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (RAMAYANA, 2006, p. 78-79).

Torquato Lorena Jardim (1998, p. 46), quanto ao poder regulamentar eleitoral, ao definir a jurisdição do TSE, considera que “será também a de equidade, no caso concreto, e quase-legislativa, sempre que necessário resolver um litígio para o qual inexista previsão legal geral e abstrata ou fixar regra geral sobre a qual tenha se omitido o legislador ordinário” (JARDIM, 1998, p. 46). Assim, não haveria ofensa à independência e à harmonia dos Poderes, já que o ato emanado do Tribunal Superior Eleitoral não teria o traço de generalidade e abstração que apenas a norma editada pelo Poder Legislativo, em princípio, deve conter. Mas, para o jurista, é claro que a [...] norma confere extenso poder regulamentar ao Tribunal Superior Eleitoral, e com ela afasta-se a possibilidade de lacuna ou antinomia normativa. Afasta-se, por igual, a ocorrência de fato ou circunstância, política ou administrativa, que não possa, de pronto, ser submetida à normatividade eleitoral. (JARDIM, 1998, p. 46)

Veja-se que a função normativa enseja profundo impacto no processo eleitoral, em vista da morosidade do processo legislativo e da imprevisibilidade de normatizar todas as circunstâncias fáticas, autorizando à Justiça Eleitoral que atue na sua função normativa sob as escusas do processo eleitoral seguro e ágil, por meio das resoluções. Posto que as resoluções têm hierarquia inferior às leis complementares e ordinárias – que são leis em sentido formal, que observaram o devido processo legislativo, tendo sido editadas pelo Parlamento – as Resoluções do TSE apresentam, de certa forma, “natureza de ato-regra, pois, conforme esclarece Bandeira de Mello (2002, p. 378), cria[m] situações gerais, abstratas e impessoais, modificáveis pela vontade do órgão que a produziu” (GOMES, 2014, p. 72). Mas, se a função regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral se traduz na edição de atos normativos de caráter genérico sobre matéria eleitoral, em forma de instruções normativas que se materializam nas resoluções, estas, por sua vez, ostentam força de lei, mas jamais podem ser consideradas lei em sentido formal. Um regulamento não é lei, apesar de a ela se assemelhar no conteúdo e no caráter normativo. Comenta José Jairo Gomes de maneira relevante que


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[...] ter força de lei não é o mesmo que ser lei! O ter força de lei, aí, significa, gozar do mesmo prestígio, deter a mesma eficácia geral e abstrata atribuída às leis. Mas estas são hierarquicamente superiores às resoluções pretorianas. Impera no sistema pátrio o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), pelo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Reconhece-se, todavia, que as resoluções do TSE são importantes para a operacionalização do Direito Eleitoral, sobretudo nas eleições, porquanto consolidam a copiosa e difusa legislação em vigor. Com isso, proporciona-se mais segurança e transparência na atuação dos operadores desse importante ramo do Direito. (GOMES, 2014, p. 72)

Sendo as resoluções (enquanto regulamentos), na hierarquia de normas, atos inferiores à lei, não a pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições, cabendo-lhe apenas explicitar a lei, dentro dos limites por ela traçados, ou complementá-la, “fixando critérios técnicos e procedimentos necessários para sua aplicação” (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 150), já que na omissão da lei “o regulamento supre a lacuna, até que o legislador complete os claros da legislação. Enquanto não o fizer, vige o regulamento, desde que não invada matéria reservada à lei” (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 150). De acordo com Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra (2012), Deve-se admitir que o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral só pode ser realizado dentro do programa normativo das leis (secundum legem), ou para suprir eventual omissão ou insuficiência das mesmas (praeter legem). Ao expedir resoluções e instruções para conformar a realização das eleições fora dos limites legais, estará o Tribunal Superior Eleitoral se contrapondo ao princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da CF), apanágio indelével do Estado Democrático de Direito. Assim, quando o Tribunal Superior Eleitoral atuar contra legem, afirma-se ser possível o controle da supralegalidade, principalmente pelos partidos políticos, analisando se os atos regulamentares se coadunam com os standards legais e constitucionais estabelecidos. Outrossim, quando estes atos regulamentares causarem efeitos concretos, também será cabível mandado de segurança. (AGRA, 2014, p. 37)

Ainda que cabível um controle pelos partidos políticos e pelo Ministério Público, diante de “uma extensão demasiada na regulamentação da matéria, axiomada a regulamentação contra legem” (RAMAYANA, 2006, p. 78), não se pode olvidar a competência do Congresso Nacional para sustar atos normativos do Poder Executivo, dos órgãos e entidades da Administração Pública e


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do Poder Judiciário, quando no exercício de suas funções, que exorbitem do poder regulamentar (art. 49, V, CRFB/1988). Portanto, caso o TSE exceda sua competência normativa, usurpando a competência legislativa do Congresso Nacional – disciplinando matérias eleitorais que deveriam ser objeto de lei resultante do devido processo legislativo – surgirá ocasião para o exercício do controle parlamentar de constitucionalidade em face dos regulamentos expedidos que ultrapassem tal competência, o qual deve se limitar à fiel execução da legislação eleitoral. Inobstante o papel relevante das instruções normativas da Justiça Eleitoral em termos de regulamentação, organização e execução das eleições, a sua atuação regulamentar deve se submeter ao pálio da legalidade, sem usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional e sob o crivo do controle parlamentar, caso haja tal extrapolação. 3. DA OBSERVÂNCIA DO PROCESSO LEGISLATIVO EM MATÉRIA DE SANÇÕES E DA COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL EM SUSTAR OS ATOS NORMATIVOS QUE EXORBITEM O PODER REGULAMENTAR Para o que se pretende neste capítulo, insta salientar alguns dos aspectos que compreendem a ideia de sanção. Em termos gerais, a sanção é a consequência pelo descumprimento da uma norma jurídica, consistindo na previsão normativa de reação à prática de uma ação (ou omissão) não pretendida pela norma, em vista da agressão ao bem jurídico tutelado. Assim, a responsabilidade consiste na imposição de consequências jurídicas à violação (comissiva ou omissiva) do ordenamento jurídico. Evidentemente, por se tratar de uma consequência jurídica, impera (como dito) o princípio da legalidade, uma vez que, nos termos da Constituição da República de 1988 (art. 5º, II), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988). Significa dizer que, em matéria de sanção, há a reserva absoluta de lei; a imposição de sanção exige precedência e depende de previsão nessa sede específica porque a reprimenda é fator de diminuição, limitação, ou restrição de direitos e liberdades fundamentais. E, dessa forma, a articulação de sanções civis eleitorais não foge a essa concepção. A lei que trouxer uma sanção – independentemente se civil, administrativa, penal, eleitoral ou político-administrativa – deve observar os módulos constitucionais de repartição de competências normativas e o modo de produção dos atos normativos. No caso das sanções civis eleitorais, a


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competência é privativa da União, consoante estatuído no inciso I do artigo 22 da Constituição de 1988. Quanto ao processo legislativo, não há em face das matérias articuladas nos artigos 14 e 15 do Texto Constitucional reserva de lei complementar nem de iniciativa legislativa, podendo a lei que trouxer uma sanção civil eleitoral ser ordinária, proposto o correlato projeto de lei à luz da iniciativa comum ou concorrente, porque não constante o assunto das reservas constitucionalmente adotadas e que merecem interpretação de direito estrito como normas excepcionais e taxativas. Conforme já salientado, por tratar de matéria eleitoral e envolver direitos políticos e processuais, não se admite a sua disciplina por medida provisória (art. 62, §1º, I, a, CRFB/1988) e muito menos seu trato por resoluções ou decretos legislativos (atos regulamentares), já que a instituição de um comando sancionatório obedece a legalidade absoluta (art. 5º, II, CRFB/1988). O ato normativo que institui uma sanção, em vista do traço de generalidade e abstração (além da restrição de direitos face à salvaguarda do bem jurídico protegido na norma), decorre de norma editada pelo Parlamento por meio do processo legislativo. Neste ponto, a Constituição de 1988 imprime as regras de produção legislativa, cujo procedimento compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções (art. 59, CRFB/1988), sendo que existem espécies de atos normativos que não são abrangidos no escopo do processo legislativo, tais como, decretos autônomos, as resoluções que instituem regimentos internos de Tribunais e outras instituições, e demais normas regulamentares (decretos, resoluções, portarias, instruções normativas, dentre outros). Desse modo, a partir do artigo 59, o Texto Constitucional determina as disposições quanto ao processo legislativo. Circunscrevendo-se a matéria das sanções civis eleitorais, tendo em vista não haver regra de taxatividade quanto à sua disciplina em lei complementar, analisar-se-á o procedimento constitucional para a produção legislativa ordinária. O processo legislativo ordinário pode ser dividido em fases, cuja fase introdutória consiste no momento de iniciativa do projeto de lei, devendo ser observadas as matérias de competência legislativa exclusiva e reservada (como a do Presidente da República). Em seguida, tem-se a fase constitutiva, que abrange os momentos de deliberação parlamentar (discussão do projeto e, consequentemente, sua aprovação ou rejeição por parte do Legislativo) e de deliberação executiva (exercício da sanção ou do veto por parte do Chefe do Executivo sobre os projetos de lei aprovados pelo Legislativo). Por fim, a fase conclusiva ou complementar, na qual ocorrerá a promulgação


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da lei (declaração de existência) e sua publicação (comunicação de existência e produção de efeitos). A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe, nos termos do artigo 61 da CRFB/1988, (i) a qualquer parlamentar (Deputado ou Senador), de forma individual ou coletiva, por qualquer comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional; (ii) ao Presidente da República; (iii) ao Supremo Tribunal Federal; (iv) aos Tribunais Superiores e ao (v) Procurador-Geral da República. A Constituição, ainda, prevê a iniciativa popular de leis, permitindo aos cidadãos apresentar à Câmara dos Deputados projeto de lei, desde que cumpram as exigências estabelecidas no parágrafo 2º do artigo 613. Observada a competência privativa do Presidente da República (art. 61, §1º, CRFB/19884), o devido processo legislativo é deflagrado nas Casas Legislativas, sendo a tramitação iniciada, em regra, na Câmara dos Deputados, exceto quando a proposição for de autoria do Senado Federal (arts. 65 e 66, CRFB/1988). A Casa Legislativa iniciadora poderá rejeitar o projeto de lei, arquivando-o; ou aprová-lo e, assim, encaminhar a proposição à Casa Legislativa revisora. Esta, por sua vez, poderá emendar o projeto de lei, que retornará à Casa iniciadora; rejeitá-lo, arquivando-o; ou aprová-lo sem emendas, encaminhando-o para sanção ou veto do Presidente da República e, no fim, ulterior promulgação e publicação. Note-se dessa breve explanação a complexidade envolta à elaboração e promulgação de leis no direito brasileiro, o que justifica que determinadas matérias devem necessariamente obedecer a esse rito processual, sobretudo quanto à imposição de obrigações ao cidadão e as sanções em face da sua inobservância, por tratar de situações restritivas de direitos – daí o exame dos aspectos da legalidade na instituição e aplicação de sanções. 3

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Art. 61 [...]. §2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. (BRASIL, 1988) São as leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas, e que disponham sobre (i) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; (ii) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; (iii) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (iv) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (v) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI, da Constituição; e (vi) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva (BRASIL, 1988).


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O princípio da legalidade é basilar do Direito e, em relação aos Poderes e às instituições do Estado Democrático de Direito, implica a subordinação da Administração Pública à lei, de modo a evitar qualquer abuso por parte do Poder Público, constituindo, assim, garantia aos cidadãos (arts. 5º, inciso II; 37; e 84, inciso IV, CRFB/1988). Contudo, a legalidade não se restringe à essa concepção. A aplicação do princípio da legalidade também alcança as infrações e correspondentes sanções, que devem ser instituídas, ainda que indiretamente, em lei. Não se pode negar a validade das infrações e sanções impostas por normas administrativas amparadas, de forma remota, no texto legal. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, [...] não haverá desrespeito ao princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções administrativas nas hipóteses em que o enunciado legal pressupõe a elaboração de normas inteiramente dependentes de conclusões firmadas sobre averiguação ou operacionalização técnica, que só ocorre em situações em que é impossível, impraticável ou desarrazoado efetuar precisões rigorosas ao nível da lei, dado o influxo das rápidas mudanças advindas do progresso científico e tecnológico, assim como de condições objetivas existentes em dado tempo e espaço, cuja realidade impõe, em momentos distintos, níveis diversos no grau das exigências administrativas adequadas para cumprir o escopo da lei sem sacrificar outros interesses, também por ela confortados. (MELLO, 2012, p. 863)

A legislação eleitoral estabelece um sistema sancionatório, em que se articula em sanções de espécies variadas que alcançam eleitores, candidatos, partidos políticos e coligações partidárias, destacando-se dentre as políticas ou cíveis: inelegibilidade; negativa de registro de candidatura; perda de registro de candidatura; negativa de expedição de diploma; cassação de diploma; cassação de mandato; nulidade de votos; anulação de eleições; multa; restauração de bem; retirada de propaganda; perda do direito de veiculação de propaganda; impedimento de reapresentação de propaganda; perda de tempo no horário eleitoral gratuito; suspensão da programação normal de emissora de rádio ou televisão; suspensão de acesso a sítios de Internet; cessação da conduta; adequação de propaganda (GOMES, 2014, p. 629). Veja-se que a responsabilização eleitoral com a incidência de sanções se estadeia principalmente no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) e na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995) – normas instituídas por leis editadas pelo Congresso Nacional, obedecido o processo legislativo.


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Entrementes, se há reserva de lei quanto à instituição e aplicação de sanções, pode-se afirmar que há um sistema de competências legislativas constitucionais a ser cumprido no campo da produção normativa, sob pena de ingerir o Poder ou o órgão em competências que não lhe são atribuídas, afetando o equilíbrio e a harmonia entre as funções estatais. O princípio da separação e harmonia entre os Poderes é elementar à hierarquia, à autotutela e à controlabilidade que iluminam a Administração Pública. Manifesta-se, ainda, como mecanismo de controle e limitação das competências conferidas aos Poderes, para a manutenção do Estado Democrático de Direito. A distinção de poderes e funções do Estado, independentes e harmônicos entre si, “estabelecem instrumentos de controle e proteção contra a arbitrariedade estatal, bem como à inobservância aos direitos e garantias fundamentais” (ALMEIDA, 2016, p. 692). Partindo-se da teoria clássica de Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède et de Montesquieu, em sua obra Do Espírito das Leis (1996), estabelece-se um sistema de freios e contrapesos. Em cada Estado existem três tipos de poder: [...] o poder legislativo, o poder executivo das coisas que emendem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado. (MONTESQUIEU, 1996, p. 167-168).

Dessa maneira, o poder estatal se manifestaria em vieses distintos, sendo o Poder Legislativo com a função típica de legislar e fiscalizar; o Executivo, de administrar a coisa pública e executar as diretrizes normativas para gestão e governo do Estado; e o Poder Judiciário, com a função de julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses. Em vista do contexto histórico em que Montesquieu estava inserido, visando impedir o retorno de governos absolutistas, o sistema de freios e contrapesos surgiu da necessidade de se estabelecer a autonomia e os limites entre os poderes. Cada Poder teria uma função específica como prioridade, ainda que pudesse exercer, também, funções dos outros poderes dentro de sua própria administração, evitando-se abusos e mantendo-se o equilíbrio entre as funções do Estado. [...] o mecanismo de separação dos poderes, desde seu nascedouro, vislumbrou a identificação das três funções especializadas do Estado e a necessidade


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de se instituir um mecanismo legal para sua manutenção. A separação das funções estatais, obra de Montesquieu incorporada pelo Constitucionalismo Atual, é um valioso mecanismo garantidor das liberdades individuais, pois os que aplicam as leis não são os mesmos que as editam, além de o Estado apresentar maior eficiência, ao serem delegadas funções a órgãos especializados. (ALMEIDA, 2016, p. 692).

A essência desse sistema de controle recíproco se fundamenta principalmente nas consequências do desequilíbrio entre os três poderes, em que o próprio Montesquieu já assinalava: Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares. (MONTESQUIEU, 2010, p. 168).

Ainda que a “separação de poderes se resume a mera pragmática para a consecução dos fins do ente político e proteção da garantia das liberdades individuais” (ALMEIDA, 2016, p. 693), vez que o poder do Estado é uno e indivisível, tal princípio é inscrito nas Constituições “com o intuito de criar um Estado respeitoso de liberdades, no qual o exercício de suas elevadas funções fosse devidamente contido, estabelecendo-se um sistema de freios e contrapesos capaz de impedir que um poder se sobreponha ao outro. A aplicação moderna da divisão dos poderes se fundamenta nos elementos da especialização funcional e da independência orgânica (SILVA, 2014), em que cada órgão é especializado no exercício de uma função (típica), ao passo que, para a atuação de cada órgão institucional, não é necessária a chancela ou a aprovação dos demais (não subordinação). E, quanto ao Estado Democrático de Direito, não ocorre de modo diferente. Além de prever a separação de poderes como princípio do Estado Brasileiro (art. 2º, CRFB/1988), a Constituição de 1988 o inseriu em seu núcleo intangível, nos termos do art. 60, §4º, inciso III.


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Tal é sua imprescindibilidade que a Constituição da República de 1988 não apenas reconheceu a relevância do princípio da separação dos poderes, como lhe concedeu a intangibilidade. Tornou-o uma das cláusulas pétreas do constitucionalismo brasileiro, adotando o entendimento de que o Estado, enquanto instância de poder e de organização da sociedade, se divide em três funções distintas – Legislativo, Executivo e Judiciário - visando reconhecer o papel estratégico a ser desempenhado por uma estrutura governamental na sociedade, sem desconsiderar a essencialidade de se limitar e controlar o exercício desse poder. (ALMEIDA, 2016, p. 693).

Como uma das expressões desse importante princípio da separação de poderes, o Texto Constitucional institui competências e mecanismos de controle para e entre os Poderes. Assim, os atos da Administração Pública estão sujeitos aos princípios expressos e implícitos na Constituição de 1988 – em especial os contidos no artigo 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) – além de a atuação administrativa se submeter ao sistema constitucional de controle interno e externo. No que tange ao controle parlamentar, há que se examinar o chamado controle externo, exercido por um Poder ou órgão sobre os demais Poderes e instituições, em decorrência do equilíbrio da separação de Poderes e do sistema de freios e contrapesos. Compreendem o controle externo o controle parlamentar pelo Poder Legislativo e a atuação dos Tribunais de Contas, bem como o controle judicial por meio do Poder Judiciário e o controle social via ação popular e ação civil pública. O controle parlamentar, objeto de análise, consiste no controle político-administrativo e financeiro, realizado diretamente pelo Poder Legislativo, na figura do Congresso Nacional, ou indiretamente com auxílio dos Tribunais de Contas, sobre a Administração Pública – incluídos, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. A designação que se demonstra mais apropriada para identificar essa espécie de controle é aquela denominada de “controle parlamentar ou, ainda, controle exercido pelo Poder Legislativo, que revelam, de imediato, tratar-se de fiscalização exercida pelo Parlamento ou Poder Legislativo sobre a Administração” (MEDAUAR, 2012, p.95).

Tal controle desempenhado pelo Congresso Nacional visa fiscalizar e controlar os atos da Administração Pública, nos termos da Constituição, vindo a sustar os atos que ultrapassarem os limites constitucionais ou usurparem competências, desequilibrando o sistema de equilíbrio e harmonia entre os Poderes constituídos.


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Logo, o controle-fiscalização envolve a verificação do exercício regular da competência atribuída pela lei, tendo como uma de suas muitas finalidades assegurar que as decisões dos representados sejam concretamente implementadas pela Administração Pública. Isso porque os princípios e normas que orientam o exercício da função administrativa são a expressão e representação da vontade popular materializada pelo Legislativo. A atuação da Administração está sujeita a princípios constitucionalmente previstos e pelo atendimento e satisfação do interesse público. Veja-se que o controle parlamentar desempenha papel relevante como elemento efetivador da democracia, visto que é mediante os mecanismos de controle que se realiza o sistema de freios e contrapesos, essencial ao Estado Democrático de Direito. Por meio dos sistemas de controle é possível buscar a garantia a não violação de direitos individuais ou do interesse público, além da própria supremacia do Texto Constitucional. Implica que o Estado, por meio de seus Poderes, exerça suas funções de modo transparente e sem arbitrariedades, em respeito às competências preestabelecidas constitucionalmente. No Brasil, o controle parlamentar é definido pelos artigos 49, 50 e 70 da Constituição da República de 1988, a qual determina ser de competência exclusiva do Poder Legislativo o controle e a fiscalização dos atos do Poder Executivo e da Administração Pública, bem como especifica as atribuições e competências exclusivas do Congresso Nacional. Neste particular, os incisos V e X do artigo 49 da Constituição5 reservam ao Congresso Nacional a sustação de atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, como também o controle e a fiscalização dos atos do Poder Público – aqui, considerado não apenas o Poder Executivo, mas toda a Administração Pública e os Poderes constituídos. A Constituição disponibilizou uma ampla diversidade de instrumentos para o exercício do controle parlamentar, de modo que a operacionalização desses mecanismos é que implicará em maior ou menor eficácia do controle exercido. Especificamente quanto aos atos normativos da Administração Pública, cabe ao Congresso Nacional a sustação daqueles que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa (art. 49, V, CRFB/1988). 5

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; [...] X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração direta (BRASIL, 1988).


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No que tange aos efeitos, pode o Legislativo, mediante tal controle parlamentar de legalidade, suspender a vigência e, assim, a eficácia de atos normativos que extrapolem os limites de delegação/competência legislativa ou contornos regulamentares. Não se trata de uma revogação no sentido estrito do termo, sendo uma situação, a priori, transitória. Em se tratando de ato do Poder Executivo, tal sustação deve progredir para um entendimento entre o Legislativo e o Executivo, no sentido de que o Poder Executivo reformule o ato regulamentador ou lei delegada, ou que o Congresso Nacional venha a editar a lei, regulamentando a matéria. Quanto a atos normativos editados pelo Poder Judiciário que exorbitem a matéria regulamentar, como as Resoluções do TSE, ao trazerem normas gerais e primárias, estas também devem ser submetidas ao controle parlamentar, vez que há a usurpação das competências legislativas designadas pela Constituição, que exorbitam em muito o poder regulamentar. Com efeito, um ato normativo regulamentar que venha a disciplinar matéria atinente a sanções civis eleitorais extrapola os limites de regulamentação, instituindo normas genéricas e abstratas, que deveriam ser objeto de lei em sentido formal, atraindo a competência do Congresso Nacional elencada no inciso V do artigo 49 da Constituição, sendo cabível o controle parlamentar dos atos regulamentares editados pela Justiça Eleitoral. 4. DAS SANÇÕES CIVIS ELEITORAIS DO ARTIGO 7º DO CÓDIGO ELEITORAL: AS RESOLÇÕES DO TSE E O CONTROLE PARLAMENTAR SOBRE OS REGULAMENTOS EDITADOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL Sabe-se que, por vezes, o Tribunal Superior Eleitoral exorbita os limites regulamentares fixados nas leis e na Constituição, inovando no ordenamento jurídico, tanto na seara administrativa, como na produção normativa do Direito Eleitoral, criando regras processuais e de competência. No tocante às sanções civis eleitorais contidas no artigo 7º do Código Eleitoral (CE), a lei determina que ao “eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo” (BRASIL, 1965). Ademais, sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, recairá sobre o eleitor os impedimentos descritos no parágrafo 1º do referido artigo6, não obtendo assim a quitação eleitoral. 6

Art. 7º [...]. §1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: I – inscrever-se em concurso ou prova para


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Igualmente, incorrerão nas mesmas sanções os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, sem prova de estarem alistados (art. 7º, §2º, CE), ressalvados os inalistáveis (arts. 5º, CE) e aqueles cujos alistamento e voto são facultativos (art. 6º, I, CE). Também terá o título de eleitor cancelado aquele que, devidamente alistado pelo processo eletrônico de dados, não votar em três eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de seis meses, contados da última eleição a que deveria ter comparecido (art. 7º, §3º, CE). Desde a promulgação, o artigo 7º do CE – como é comum a outras legislações – sofreu modificações ao longo dos anos em seu texto original: alterações promovidas pela Lei nº 4.961/1966 (art. 2º), dando-lhe nova redação; pela Lei nº 6.091/1974 (arts. 7º e 16), que ampliou o prazo de justificação para 60 (sessenta) dias, e, no caso de eleitor que esteja no exterior no dia da eleição, definiu prazo de 30 (trinta) dias contados de seu retorno ao país para justificação; pela Lei nº 7.663/1988 (art. 1º), que acresceu o parágrafo 3º ao artigo 7º; e pela Lei nº 13.165/2015 (art. 4º), que acresceu o parágrafo 4º ao referido artigo. Todavia, a matéria contida no artigo 7º do CE também foi tratada em Resolução do TSE que, para além do exercício do poder regulamentar, trouxe disposições genéricas e abstratas que deveriam ser objeto de norma editada pelo Poder Legislativo, mas foram disciplinadas por atos normativos hierarquicamente inferiores: a Resolução do TSE nº 21.538/2003 (art. 80, §6º), que exclui do cancelamento os eleitores que, por prerrogativa constitucional, não estejam obrigados ao exercício do voto e cuja idade não ultrapasse 80 (oitenta) anos; a Resolução do TSE nº 21.920/2004 (art. 1º, par. único), que isenta das sanções civis eleitorais do artigo 7º do CE as pessoas com deficiência nos casos que especifica; e, recentemente, a Resolução do TSE nº 23.631/2020, que estabeleceu novas regras de justificação cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles; II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; III – participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos estados, dos territórios, do Distrito Federal ou dos municípios, ou das respectivas autarquias; IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos; V – obter passaporte ou carteira de identidade; VI – renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; VII – praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda [...] (BRASIL, 1965)


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de voto pelo sistema e-Título (“Justifica Brasil”), e a Resolução do TSE nº 23.637/2021, que suspende os efeitos referidos pelo artigo 7º do CE para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou pagaram a respectiva multa, em razão da pandemia de COVID-19 e pelo adiamento do pleito de 2020 e de prazos eleitorais pela Emenda Constitucional nº 107/2020. Perceba-se que as Resoluções do TSE mencionadas instituem regras de aplicação, alteração e não incidência das sanções do artigo 7º do CE, quanto à ausência de votação, falta injustificada do exercício do voto e ao não pagamento de multa, não cuidando de matéria meramente regulamentar, já que as hipóteses de não incidência da norma devem ser reguladas pela própria norma ou por norma de mesma hierarquia. Em minúcias, casos de exclusão e isenção das sanções eleitorais – ressalvas ao texto normativo, como o afastamento da incidência da norma sancionatória aos eleitores que, por prerrogativa constitucional, não estejam obrigados ao exercício do voto e cuja idade não ultrapasse 80 (oitenta) anos, e aos eleitores portadores de deficiência, cuja natureza e situação impossibilitem ou tornem extremamente oneroso o exercício de suas obrigações eleitorais – por corresponderem a direitos e ao seu exercício, deveriam estar instituídos em lei ordinária, observando-se o processo legislativo. A espécie normativa da resolução (e a instrução normativa) não pode modificar lei ou inovar, muito menos determinar exceções à sua incidência ou sustar os seus efeitos, ao argumento da urgência e do interesse público, mas ao custo da observância da hierarquia entre as normas e o princípio do equilíbrio e harmonia entre os Poderes. Também incoerente com a sistemática constitucional que uma resolução – a despeito da necessária tomada de medidas de enfrentamento e combate à pandemia de COVID-19 – sendo espécie normativa hierarquicamente inferior ao Código Eleitoral, vir a determinar a prioridade de justificação do voto, por meio virtual, na funcionalidade “Justifica Brasil”, disponível no aplicativo móvel e-Título7 (mecanismo moderno e inovador ao que preceitua o art. 7º, do CE), ou que suspenda os efeitos da norma do art. 7º por resolução8, enquanto perdurar o regime de plantão extraordinário da Justiça 7

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Resolução TSE nº 23.631/2020. Art. 240. A justificativa dos eleitores ausentes do seu domicílio eleitoral no dia da eleição será feita prioritariamente por meio da funcionalidade “Justifica Brasil”, disponível no aplicativo móvel “e-Título”. [...]. Art. 242. A justificativa do eleitor que deixar de votar e não justificar a falta no dia da eleição será feita prioritariamente por meio de sistemas específicos para justificativa disponibilizados nos sítios eletrônicos do TSE e dos tribunais regionais eleitorais, mediante apresentação de documentação comprobatória. [...] (BRASIL, 2020) Resolução TSE nº 23.631/2020. Art. 1º. Ficam suspensos, ad referendum do Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, os efeitos referidos pelo art. 7º do Código Eleitoral - Lei nº 4.737/1965


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Eleitoral (Resolução do TSE nº 23.615/2020), como se observa das Resoluções do TSE nº 23.631/2020 e nº 23.637/2021. As sanções civis eleitorais, haja vista exigir o tratamento em reserva de lei pela natureza da disciplina jurídica, devem ter sua respectiva legislação alterada ou até mesmo suspensa por meio legal próprio, de mesma natureza e hierarquia, e não por ato legislativamente incompetente. Não há respaldo na Constituição da República de 1988 e na Lei Eleitoral – seja no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), na Lei nº 9.096/1995 e na Lei nº 9.504/1997; seja ainda na Emenda Constitucional nº 107/2020, a qual estabeleceu procedimentos diferenciados às Eleições de 2020, em decorrência da pandemia de COVID-19 – que autorize a Justiça Eleitoral a sustar normas ou sanções civis eleitorais, mediante resoluções, instituindo normas jurídicas primárias, gerais e abstratas, ainda que sob o manto do interesse público e da excepcionalidade do estado de calamidade pública face à crise sanitária. Ainda que se está diante de um “estado de exceção”, o estado de direito sobrevive e deve ser respeitado (SAMPAIO; ALMEIDA; SOUTO, 2020). E, não há norma constitucional que excepcionaliza ao Judiciário a suspensão de normas por resolução, muito menos criar regras excepcionais para a aplicação da legislação eleitoral. É firme o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, conforme discutido, de que a resolução não pode inovar na ordem jurídica, limitando direitos assegurados ou alterando a aplicação de obrigações estatuídas em lei, devendo restringir-se a tornar exequível o comando legal. Entende o Supremo Tribunal Federal que “uma resolução não tem força de revogar leis, sob pena de absoluta inversão da hierarquia do sistema normativo e, pior que isto, de profunda subversão do sistema de separação dos Poderes e ordenação funcional de competências”9. Sendo assim, ao atuar como verdadeiro legislador positivo, por meio da edição de Resoluções que instituem normas jurídicas genéricas e abstratas, tratando de matérias ainda não disciplinadas em lei e que devem ser por lei definidas, implementadas e alteradas, o Tribunal Superior Eleitoral exacerba o poder normativo regulamentar a si atribuído e inova no ordenamento jurídico, em usurpação da competência do Congresso Nacional, impondo-se o respeito aos limites dessa função normativa.

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para os eleitores que deixaram de votar nas Eleições 2020 e não apresentaram justificativa eleitoral ou não pagaram a respectiva multa, enquanto permanecer vigente a Resolução-TSE nº 23.615, de 19 de março de 2020. STF, AgR-AgR RE 633841 AC, Rel. Min. Rosa Weber, DJE 080 26/04/2016. No mesmo sentido: STJ, REsp 871502 AC, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE 18/10/2010.


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Haja vista que a atuação da Justiça Eleitoral retrata nítida expressão de uma competência regulamentar, pressupondo, para a sua validade, obediência à lei regulamentada e à Constituição, na prática, atribui-se mais largo alcance e importância às resoluções, dotando-as de força de lei, ora prestando-se para revogar alguns dispositivos, ora para ensejar, pela sua violação, a imposição de sanções. No entanto, se esse exercício de poder regulamentar tem por limite óbvio a Constituição – o que nela conste expressamente; o que ela contenha implicitamente; e o que dela derive necessariamente, conforme a natureza da res publica eleitoral (JARDIM, 1998, p. 46-47) – atos normativos do Judiciário Eleitoral que exorbitem à competência regulamentar dão azo ao controle parlamentar exercido pelo Congresso Nacional (art. 49, V, CRFB/1988), encontrando uma hipótese de sua incidência. No Estado Democrático de Direito, não seria da natureza do Judiciário, ao qual incumbe limitar juridicamente o poder político (em vista do sistema de freios e contrapesos, para equilíbrio e harmonia das funções estatais), que inexistisse norma geral plena que lhe afirmasse jurisdição onde e naquilo sobre o que o poder político, intencionalmente ou não, tenha se omitido ou legislado contraditoriamente. Estar-se-ia ampliando o rol de competências de um Poder em detrimento dos demais, desequilibrando a relação entre eles, diante da margem de manobra que o Judiciário tem frente às questões de anomia e morosidade do Legislativo e Executivo na produção de leis. Como dito, as resoluções não podem criar direitos e obrigações não previstos em lei, devendo “situar-se secundum e praeter legem, sob pena de invalidação e, em atendimento ao disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal” (RAMAYANA, 2006, p. 78), sujeitando-se aos mesmos princípios que vinculam o legislador comum – legalidade, razoabilidade, anualidade da lei eleitoral, hierarquia das normas. Desse norte, sustenta-se o exercício do controle parlamentar sobre os atos regulamentares editados pela Justiça Eleitoral que venham a exorbitar essa competência, legislando normas abstratas e gerais. A resolução não se equipara à lei (em sentido estrito), não podendo extrapolar ou contrariar o ato normativo que lhe serve de fundamento de validade. A autorização legal para que o TSE expeça instruções, para execução da lei eleitoral, permite que a lei e as resoluções transitem pela mesma via, atuem no mesmo campo, face à “força de lei”. Entretanto, as resoluções encontram seu fundamento de validade na lei que as autoriza. A hierarquia normativa se impõe às resoluções editadas pelo TSE, as quais não podem extravasar os limites impostos pela lei e pela Constituição, ensejando o controle parlamentar e a sua sustação pelo Congresso Nacional (art. 49, V, CRFB/1988), caso o façam.


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5. CONCLUSÃO A Justiça Eleitoral, em decorrência do processo sociopolítico, cumula funções, concentrando atribuições que acabam necessitando controle, uma vez que o Estado Democrático de Direito depende do importante equilíbrio entre os Poderes. O controle exercido pelo Legislativo sobre a Administração Pública se limita às hipóteses constitucionais. E, quando há o desrespeito a este pressuposto, tem-se a interferência de um Poder nas atribuições dos demais, ferindo o equilíbrio e a separação dos poderes. Ao mesmo tempo que os mecanismos de controle parlamentar são relevantes para o equilíbrio do sistema de freios e contrapesos e para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, observa-se, na prática, a escassez, ou muitas vezes, a inexistência de resultados concretos da atuação do Legislativo no controle das atividades da Administração Pública. Na seara eleitoral, observa-se certa hipertrofia de competências do TSE, não apenas desempenhando papel consultivo e administrativo, mas como produtor de normas primárias a regerem o processo eleitoral, renovando-se a cada dois anos (conforme a circunscrição do pleito), desencadeando certo esvaziamento do Legislativo – que se vê como mero homologador das regras eleitorais já definidas e ditadas pela Justiça Eleitoral. A desorganização do quadro político, sistemas partidário e eleitoral deficientes, resultando em uma classe política instável, inconsistente e de pouca representatividade, dificulta o desenvolvimento do processo legislativo e o exercício pelo Parlamento de suas atribuições. Para mais, a morosidade do processo legislativo e a burocracia política contribuem para enfraquecer o controle parlamentar, tornando formas de controle exercidas por outros órgãos e de produção normativa mais ágeis e com mais resultados. No tocante às sanções civis e até mesmo os seus efeitos, por tratarem de matéria eleitoral, cuja competência privativa é da União, exige-se a apresentação de projeto de lei com tramitação no Congresso Nacional, face à generalidade e abstração características da norma sancionatória. A instituição de normas primárias, gerais e abstratas, sem o devido processo legislativo, implica na inobservância do Texto Constitucional e impacto no equilíbrio entre os Poderes – preceito constitucional que não possa ser relativizado, tendo sido constituído um dos elementos do núcleo rígido da Constituição. Embora as resoluções do TSE possuam “força de lei”, não são leis propriamente ditas. Sua elaboração não se submete a processo legislativo. Sendo espécie que não se assemelha ou seja equivalente aos atos normativos, cuja formação decorreu da tramitação e edição no Parlamento, encontra


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limites quanto ao exercício do poder regulamentar. E, tratando-se de ato regulamentar, este deve ser submetido ao crivo do Legislativo, se exorbitar os limites da regulamentação, implicando na sua sustação pelo Congresso Nacional, face à ingerência na competência legislativa primária dos atos do Executivo e Judiciário que venham, mediante normas de mera regulação, tratar de matéria reservada à lei. Não há lastro para se alargar, além dos limites assinalados, a função normativa da Justiça Eleitoral. As resoluções se destinam a dar execução à lei eleitoral, não lhes sendo permitido inovar, modificar ou sustar efeitos de norma eleitoral hierarquicamente superior. Possuindo o TSE competência para apresentar projeto de lei ao Congresso Nacional, deve exercer devidamente. Não pode suprimir a instância legislativa, visando efeitos imediatos da norma, ao custo do equilíbrio entre os poderes e implicações severas ao Estado Democrático de Direito – cenário diferente se houvesse previsão legal que autorizasse previamente à Justiça Eleitoral a edição de resoluções, que também dispusessem primariamente sobre determinadas matérias atinentes ao processo legislativo, procedimentos e sanções ao eleitor e, ainda, suspenção de normas eleitorais, até a devida regulamentação em lei. REFERÊNCIAS AGRA, Walber de Moura. Manual Prático das Eleições. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014 ALMEIDA, Larissa de Moura Guerra. Princípio da separação dos poderes e ativismo judicial: o enfraquecimento do Poder Legislativo e as implicações ao constitucionalismo democrático. In: STARLING, Dayse (Coord.). Direito Público. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2016, p. 691-701. ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral – teoria, jurisprudência e questões com gabarito oficial e comentários. 6. ed. ampl. rev. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2012. ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Direito Eleitoral Regulador. 1 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunal, 2014. ANDRADA, Antônio Carlos. O Parlamento e o Controle Político da Administração Pública. Minas Gerais, 2007. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17.ed. São Paulo: Moderna, 2010. BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Decreta o Código Eleitoral. Diário Oficial da União, Seção 1, 26 fev. 1932, página 3385. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-publicacaooriginal-1-pe. html#:~:text=Decreta%20o%20C%C3%B3digo%20Eleitoral.&text=Art.,elei%C3%A7%C3%B5es%20 federais%2C%20estaduais%20e%20municipais. Acesso em 23 mar. 2021. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 23 mar. 2021. BRASIL. Emenda Constitucional nº 107, de 2 de julho de 2020. Adia, em razão da pandemia da Covid-19, as eleições municipais de outubro de 2020 e os prazos eleitorais respectivos. Diário Oficial da União, 3 jul. 2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc107. htm#art1%C2%A75


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O livro “As sanções eleitorais em face da Constituição de 1988” é fruto de um trabalho do Grupo de Pesquisa em Direito Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Elaborado a pedido do Superior Tribunal Eleitoral, seu intuito foi auxiliar na revisão e aperfeiçoamento dos sistemas e processos eleitorais, especialmente no tocante as sanções previstas no artigo 7º do atual Código Eleitoral. Os artigos que compõe esta obra fazem uma análise das nuances das infrações eleitorais nos seus aspectos constitucional, civil, penal, administrativo e político, além de incorporar estudos comparativos dos ordenamentos jurídicos estrangeiros sobre a temática. A obra busca fornecer ao leitor subsídios necessários ao enfrentamento do tema da legitimidade das sanções eleitorais pelo descumprimento do dever de voto em face do Estado Democrático de Direito.

ISBN 9786559290949

9 786559 290949


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