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Professor Doutor Wagner Menezes
É o realizador do Congresso Brasileiro de Direito do Mar e é considerado um dos principais pesquisadores sobre o tema no mundo, tendo lecionado em diversas instituições do exterior. Em entrevista especial para a ARRAES EDITORES ele revela como surgiu a proposta do Congresso e faz análise dos avanços institucionais do Direito do Mar no Brasil, bem como sobre suas concepções teóricas sobre o tema.
Por: PROFESSOR DOUTOR WAGNER MENEZES (WM)
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O Direito do Mar no Brasil: Estudos e Perspectivas
ARRAES: O Sr. é considerado o idealizador do Congresso Brasileiro de Direito do Mar, como surgiu a ideia?
(WM) A organização do Congresso Brasileiro de Direito do Mar foi pensada como estratégia para desenvolver o estudo sobre o tema no Brasil reunindo pesquisadores e professores para consolidar uma escola de Direito do Mar em torno do pensamento do Professor Vicente Marotta Rangel, então juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar. Assim, criamos um grupo de pesquisa em Direito do Mar, o primeiro do Brasil sobre o tema, tendo como sede a Universidade de São Paulo - USP e organizamos, no ano de 2014, o I
Congresso Brasileiro de Direito do Mar em homenagem ao Professor Marotta. Na ocasião, estiveram presentes representantes da Marinha do Brasil, do Ministério das Relações Exteriores, professores, pesquisadores, estudantes, de todo país e integrantes do Tribunal Internacional do Direito do Mar de Hamburgo que vieram especialmente para o evento, tendo sido um verdadeiro sucesso e iniciado um movimento nacional para o fortalecimento doutrinário e teórico sobre o tema.
ARRAES: Como foi que o Sr. iniciou seus estudos sobre o Direito do Mar?
(WM) Ótima pergunta. Foi pelas mãos do Professor Vicente Marotta Rangel quando ele era juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar. Ele me indicou para um estágio no Tribunal que havia sido instalado recentemente em Hamburgo. Eu já era professor de Direito Internacional. Lá, tive contato com os juízes, com o competente corpo funcional, com colegas de outros países. Quando regressei ao Brasil, vi espaço aberto e necessário para difundir seu estudo, ainda desconhecido entre os pesquisadores. Além disso, percebi que não existia uma estratégia de pesquisa organizada nas Universidades sobre o tema, então, decidi dar continuidade ao trabalho iniciado por Vicente Marotta Rangel a partir de minha cadeira como Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, conjugando com minhas atividades de professor de Direito Internacional.
ARRAES: Qual sua perspectiva sobre o estudo do Direito do Mar no Brasil?
(WM) Hoje, ainda é um grande desafio o estudo do Direito do Mar no Brasil, quase sempre o tema é lecionado em apenas uma aula no programa de Direito Internacional Público, não existem cursos específicos sobre o tema. Contudo, percebe-se um movimento crescente a partir do Congresso Brasileiro de Direito do Mar da criação de grupos de pesquisa e instituições que estão procurando difundir o estudo em suas mais variadas dimensões temáticas, em seminários e palestras, especialmente em temas voltado à proteção do meio ambiente marinho. Obviamente, existe uma infinidade de outros temas ligados à discussão do Direito do Mar. Gostaria de ressaltar a iniciativa do MEC com a Resolução nº 9, que regulamenta os cursos de Direito no país, quando inseriu, como disciplina recomendada aos cursos de Direito, o Direito marítimo. Trata-se de uma iniciativa positiva e que pode trazer frutos a longo prazo, especialmente porque o uso sustentável do mar, as novas tecnologias e o comércio marítimo têm importância singular para o desenvolvimento dos Estados e povos. Agora, cabe às faculdades de Direito cumprir a Resolução do MEC. Destaco, também, as persistentes atividades de Cursos de Altos Estudos, desenvolvidas pela Marinha do Brasil, os quais tive a oportunidade de participar como palestrante para debater variadas questões de Direito do Mar e, dessa forma, contribuir com esse esforço da Marinha que tem buscado fortalecimento de seus quadros pelo desenvolvimento de uma mentalidade marítima brasileira a partir de cursos e palestras variadas, com atividades acadêmicas e científicas.
ARRAES: O Sr. leciona em outras universidades do exterior, qual a diferença com o Brasil?
(WM) As principais universidades no exterior estão criando centros de investigação e pesquisa institucionalizados, e estão muito preocupadas com a utilização estratégica do mar e sua regulamentação, especialmente a partir de seu potencial econômico. Em que pese, a disciplina também, nos cursos de graduação, ainda não é lecionada sistematicamente, quando muito em uma disciplina optativa. Temos diversas instituições no mundo, voltadas ao estudo do Direito do Mar, que promovem cursos de formação de pesquisadores, distribuem bolsas e têm aberto novos horizontes a estudantes do mundo todo, o que mostra que o tema está na vanguarda do pensamento jurídico, mas que há, ainda, muito por fazer no exterior e, por conseguinte, no Brasil.
ARRAES: Existe uma teoria de Direito do Mar? Qual sua concepção?
(WM) O espaço marítimo é inter, multi e transdisciplinar, nesse aspecto é impossível pensá-lo de forma estanque, mas interconectado. Além disso, como campo normativo, é espaço para embates ideológicos sobre seu uso e aproveitamento, confrontando, como todo campo do Direito, antagonismos entre uma visão econômica, capitalista, estatocêntrica de um lado, e, por outro, uma perspectiva humanista, integrada, sistêmica e universal, fundamental para manutenção da vida da humanidade e sua subsistência. Minha concepção parte justamente dessa perspectiva humanista universalista, no sentido de que as normas de Direito do Mar guardam em si um conteúdo axiológico voltado à própria essência principiológica do Direito, mas que o planeta é acima de tudo água e o futuro da espécie humana depende de como vamos lidar com os oceanos nos próximos anos, além de que deve ser um espaço compartido por todos os povos, guardadas as devidas reservas para o espaço territorial dos Estados e o uso econômico racional dos espaços marítimos com a extração de recursos econômicos como petróleo e gás, a pesca de subsistência e não predatória, a extração de energia e emprego de novas tecnologias desde que se respeite o meio ambiente e os Direitos Humanos, por isso a importância de um debate nacional sobre o tema. Qualquer tipo de utilização dos espaços marítimos que não atenda a sobrevivência dos povos, a demanda da sociedade humana e a proteção integral do meio ambiente marinho deve ser rechaçada na redação de normas e pela interpretação jurisprudencial.
ARRAES: Existem várias publicações suas sobre o tema, o Sr. poderia comentar como organiza sua produção bibliográfica?
(WM) Escrevi uma obra, da qual muito me orgulho, para a Fundação Alexandre de Gusmão, do Ministério das Relações Exteriores, que está disponível para acesso gratuito a todos os estudantes e interessados: “Direito do Mar em poucas palavras”, indicada para uma primeira leitura de estudantes sobre o tema. Tenho produzido artigos para revistas no exterior por demanda, quando me são solicitados com prazo razoável por amigos e parceiros de pesquisa e organizado publicações conjuntas com professores pesquisadores, com os quais mantenho atividade de parceria, como ocorreu, recentemente, com a professora Martha Chantal da Universidade do Porto – Portugal e com o professor Alberto Moreira, de Mar del Plata - Argentina. Além dessas publicações, tenho organizado obras com pesquisadores nacionais de acordo com os congressos bianuais. Eu preciso reconhecer e agradecer o apoio da Editora Arraes, na pessoa do editor Renato Caram, que tem patrocinado boa parte das obras mais importantes sobre o tema, promovendo, assim, difusão de conhecimento sobre o estudo do Direito do Mar no Brasil não só por mim, mas também abrindo espaço para jovens e brilhantes pesquisadores.
ARRAES: Quais seus planos e projetos para mobilizar e ampliar o estudo do Direito do Mar no Brasil?
(WM) Minha ideia é difundir o estudo do Direito do Mar em todos os Estados do país, de maneira que tenhamos pelo menos um professor ou pesquisador responsável por sua difusão, isso já tem acontecido de forma embrionária a partir da abertura de meu grupo de pesquisa da USP a pesquisadores de todo país, e a intenção é ampliar e formar quadros, que desejam se dedicar ao estudo sobre os mais variados temas. Além disso, é preciso que a pesquisa sobre Direito do Mar se especialize ainda mais, ultrapassando o estudo meramente conceitual. Tenho procurado, a partir da pós-graduação da USP, orientar estudos e desenvolvimento de obras nesse sentido e, periodicamente, tenho recebido orientandos pesquisadores que se dedicam ao tema, o que representa um trabalho de multiplicação, pois um pesquisador formará outros pesquisadores, em um trabalho progressivo e contínuo. É preciso também fortale-
cer crescentemente o Congresso de Direito do Mar para mobilizar estudantes a escrever e a pesquisar, ao mesmo tempo que espero que sejam criados centros de pesquisa nas mais variadas universidades do país.
ARRAES: Como foi sua experiência como consultor da ONU para temas ligados ao Direito do Mar?
(WM) Foi e tem sido uma experiência maravilhosa, no sentido de que além do trabalho material de confecção de normas a serem aplicadas por Estados, se pode contribuir para auxiliar Estados e povos a enfrentarem problemas que repercutem na sua sociedade. A interação de culturas, sistemas jurídicos, a compreensão dos desafios a serem enfrentados com conhecimento e formação de quadros é recompensador, faz me sentir útil ao mundo, ao universo. As Nações Unidas desempenham papel fundamental para o progresso da humanidade, um trabalho silencioso que não aparece no noticiário, mas com grandes repercussões para sociedades e povos.
ARRAES: Já houve uma mobilização em redes virtuais por sua candidatura ao Tribunal Internacional do Direito do Mar, o Sr. ainda alimenta esse desejo?
(WM) Por eu ter estagiado no Tribunal do Mar, publicado obras, lecionado em diversas instituições em todo mundo e estar envolvido diretamente com o tema acho que a indicação seria algo natural, mas, evidentemente, não depende de mim, e sim de um complexo de instâncias decisórias em vários níveis governamentais e intergovernamentais. Obviamente, é uma honra para qualquer um ser um juiz de uma Corte Internacional, contudo, gostaria de ressaltar que no momento essa não é minha preocupação e nem objetivo principal, estou preocupado realmente com o que vou construir academicamente, com o legado que vou deixar ao estudo do Direito Internacional e estudo do Direito do Mar no Brasil, a partir da mobilização de estudantes e pesquisadores e formação de professores, os Congressos e as publicações, isso é o que importa concretamente e é minha preocupação mais direta.
ARRAES: Além de suas atividades acadêmicas o Sr. atua profissionalmente em outra área como advocacia?
(WM) Eu tenho atendido a convites para dar pareceres sobre temas de Direito do Mar e marítimo e participado de arbitragens. São atividades compatíveis com minhas atribuições como professor e pesquisador da Universidade de São Paulo e contribuem ainda mais para o aprimoramento de minha missão de ensinar, visto que enfrento casos concretos de certa complexidade, que demandam estudo e análise aprofundados.
ARRAES: Caso o Sr. pudesse dar uma recomendação a um jovem pesquisador que deseja estudar Direito do Mar, qual seria seu conselho?
(WM) Diria que o momento de iniciar os estudos sobre Direito do Mar é agora, existe um espaço crescente que demanda pesquisadores e operadores jurídicos nesse campo em empresas, escritórios de advocacia e universidades. Recomendo, por isso, que ingressem em grupos de pesquisa, participem de congressos e seminários, acompanhem os sites de instituições ligadas ao estudo do Mar como da ONU, do Tribunal Internacional do Direito do Mar – ITLOS, da Organização Marítima Internacional – IMO e vão adensando conhecimento e conceitos com o tema e busquem escrever artigos e participar de publicações, enfim, passem a vivenciar o Direito do Mar. É preciso sonhar, atuar, buscar se inserir no meio acadêmico, fazer networking, mas toda identidade profissional passa por uma construção teórica sólida.