Mens Rea - Mac Adams | a cartografia do mistério

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apresenta

MAC ADAMS

a cartografia do mistĂŠrio

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Mens Rea: a cartografia do mistério Mens Rea: the cartography of mystery

→ Luiz Gustavo Carvalho curador

“Relationship” seems to me to be the most appropriate term to define the works of Mac Adams, introduced to the Brazilian public for the first time in the exhibition Mens Rea: the cartography of mystery. The term is understood here as the narration of a story/account of a fact, as well as the complicity of signs, clues and traits which result in the development of a fine plot. Through a body of work developed by different forms of expression such as photography, sculpture and installation, the artist incites the public to live through a double artistic experience: while we play the role of observers of a scene, we also become the tellers of our own history.

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“Relação” parece-me ser o termo mais apropriado para definir as obras de Mac Adams, apresentadas pela primeira vez ao público brasileiro na exposição Mens Rea¹: a cartografia do mistério. Compreende-se aqui o termo tanto como a narração de uma história ou relato de um fato, quanto a cumplicidade de sinais, pistas e traços que resultam na construção de uma fina trama. Através de uma obra produzida por meio de distintas formas de expressão como fotografia, escultura e instalação, o artista incita o público à vivência de uma dupla experiência artística: enquanto somos o observador de uma cena, tornamo-nos o contador da nossa própria história. ¹Mens rea: termo latino que significa literalmente “espírito criminoso”. Intenção que precede o ato criminoso.

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Started in the 1980s, the series Post-Modern Tragedies is a response of the artist to the reality he saw unfolding as a result of the economic policies of Margaret Thatcher and Ronald Reagan in the United Kingdom and the United States. The reflection of the scenes mirrored in the chromed objects also evokes the shadows projected by silent dramas and ever increasingly destructive and savage conflicts, whose images reach us like spectral shadows, floating through our daily life. Recalling conventional utopian adverts, the colors on seamless paper show us how a neutral space only exists in the desire of observers (of society) to possess, while questioning us at the same time: where were we when boys were forced to bear rifles in Lebanon? What were we doing during the bombings that left entire cities in ruins? And what are we doing now? If the Post-Modern Tragedies series is marked by a light that will not abate, therefore depriving us of any twilight, the work of Mac Adams – built precisely around the shadow – addresses through sculptures and photos from the series Empty Spaces and Islands the narration that inhabits the time/space between each object, nominated by the artist as “narrative void”. The sculptures await the light that dematerializes them, so they can have their silhouettes projected into space and finally understood. The ensuing poetic density is the encounter between the shadows projected by the objects, willfully chosen by the artist, and the visual culture of each observer. Could meaning be a transitory condition, controlled only by the recognition of deep-rooted archetypes? In the situations, created from distinct codes that range from the projection of shadows taken as reality in Plato’s Allegory of the Cave, to the perverse reflection of a life marked by ephemerality, narcissism and hedonism, the resulting fiction is the encounter between the signs consciously chosen by the artist and the visual culture of every person.

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Realizada na década de 80, a série Tragédias Pós-Modernas é uma resposta do artista à realidade que via suceder em decorrência das políticas econômicas de Margaret Thatcher e Ronald Reagan no Reino Unido e nos Estados Unidos. O reflexo das cenas espelhadas nos objetos cromados evoca-nos também as sombras projetadas por dramas silenciosos e conflitos cada vez mais destrutivos e selvagens, cujas imagens nos alcançam como sombras espectrais, flutuando pelo nosso cotidiano. O fundo infinito das cores, que nos remete a utópicos comerciais convencionais, mostra-nos como um espaço neutro existe apenas no desejo dos observadores (da sociedade) de possuir, e ao mesmo tempo nos questiona: onde estávamos enquanto meninos eram obrigados a portar fuzis no Líbano? O que fazíamos durante os bombardeios que deixaram cidades inteiras em ruínas? E o que fazemos agora? Se a série Tragédias Pós-Modernas é marcada por uma luz que não se deixa abater, privando-nos de qualquer penumbra, o trabalho de Mac Adams construído em torno da sombra aborda, por meio de esculturas e fotografias da série Espaços Vazios, a narração que habita o tempo/espaço entre cada objeto, denominado pelo próprio artista como “vazio narrativo”. As esculturas aguardam a luz que as desmaterializa para terem as suas silhuetas projetadas no espaço, finalmente compreendidas. Seria o significado uma condição transitória temporária, controlada apenas pelo reconhecimento de arquétipos socialmente arraigados? Nas situações criadas a partir de códigos distintos que vão da projeção de sombras, tomadas como realidade no Mito da Caverna de Platão, ao reflexo perverso da vida em uma sociedade marcada pela efemeridade, narcisismo e hedonismo, a densidade poética resultante é o encontro entre as sombras projetadas pelos objetos, conscientemente escolhidos pelo artista, e a cultura visual de cada observador.

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In the diptychs of his emblematic Mysteries series, Adams takes us through various crime sceneries, while at the same time leaving the cases indecipherable, Mac Adams dismantles the epistemological promise of the detective’s story, frustrating the notion that the mystery will be solved. The satisfaction of meaning is put off for the sake of guessing pleasure. By questioning the veracity of the elements that move between reality and fiction, the spectator is constantly faced with two instincts: the desire to see and the apprehension for having seen. Nevertheless, Mac Adams provokes the imagination also in order to dodge the traps of perception. For the first exhibition of his works in Latin America, the artist presents the site-specific installation Cartography of a crime. In a world where the gentrification process of major urban spaces is a daily constant, Mac Adams’s reflection isn’t restricted to a “gentle” change in the configuration of a certain physical space. His work, above all, pays tribute to memory. He questions the power of images and highlights the way in which their meanings can be altered and controlled. The images and installations of the present exhibition shape up the artist’s reflections on the tensions and contradictions of our society, impress by their disconcerting contemporaneity and bring out in us the uncomfortable feeling of “déjà vu”. Fiction is an entry door to interrogation and social critique. In times when alterity is non-existent and post-truth is described as the buzzword of the year by the Oxford Dictionaries, Adams turns us into eyewitnesses of a contemporary society marked by memory erasure and the obliteration of voices in various parts of the world. He grants us the freedom to become witnesses, voyeurs and even accomplices to a crime and alerts us to the need to go beyond and see what cannot be looked at.

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Nos dípticos da sua emblemática série Mistérios, Adams nos conduz pelos cenários de diversos crimes, deixando, no entanto, o caso sempre indecifrável. Aqui o artista desconstrói a promessa epistemológica da história de detetive, frustrando a ideia de que o mistério será resolvido. A satisfação do significado é adiada em prol do prazer da especulação. Interrogando a veracidade dos elementos que transitam entre a realidade e a ficção, o espectador é constantemente confrontado com dois instintos: o desejo de ver e as inquietações por ter visto. No entanto, se Mac Adams provoca a imaginação, é também para melhor se esquivar das armadilhas da percepção. Para a primeira exposição da sua obra na América Latina, o artista apresenta a instalação in situ Cartografia de um crime. Em um mundo onde somos diariamente testemunhas do processo de gentrificação dos grandes espaços urbanos, a reflexão de Mac Adams não se limita à “gentil” alteração da composição de um determinado espaço físico. É, sobretudo, um tributo à memória. Ele questiona o poder das imagens e destaca a maneira como o seu significado pode ser alterado e controlado. As imagens e instalações da presente exposição cristalizam as reflexões do artista sobre as tensões e contradições da nossa sociedade, impressionam por sua contemporaneidade desconcertante e trazem-nos ainda a desconfortável sensação de “déjà-vu”. A ficção é uma porta de entrada rumo a um questionamento e crítica social. Em tempos em que a alteridade é inexistente e pós-verdade é eleita a palavra do ano pelo Oxford Dictionaires, Adams faz-nos testemunha ocular em uma sociedade contemporânea marcada, em diversas partes do mundo, pela desmemória e pelo apagamento de vozes. Deixa-nos a liberdade para nos tornarmos testemunha, voyeur ou até mesmo cúmplice do crime e nos alerta para a necessidade de enxergar o que não se vê.

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Mistérios / Mysteries | Orian, 1976 | 72 x 72,9 cm

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Tragédias Pós-Modernas / Post Modern Tragedies | Lâmpada II. A modelo do fotógrafo / Lamp II. The photographer’s model, 1986 | 99 x 183 cm


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Tragédias Pós-Modernas / Post Modern Tragedies | Interrogatório / Interrogation, 1986 | 184 x 137 cm

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Bart e Mickey / Bart and Mickey, 1996 | 112 x 61 x 72 cm


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Mistérios / Mysteries | Sofá / Sofa, 1979 | 100 x 67 cm


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Coelho / Rabbit, 2010 | 70 x 56 x 52 cm


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TragĂŠdias PĂłs-Modernas / Post Modern Tragedies | A festa / The party, 2009 | 165 x 110 cm

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O Corpo Liminar / The Liminal Body | Enforcamento em azul / Hanging in Blue | 122 x 60cm


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Dúvida / Doubt, 2009 | Cena do crime / Crime Scene: 34,3 x 48 cm (1) | Suspeitos / Suspects: 28 x 36 cm (6)

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Mistérios / Mysteries | Fumaça e condensação / Smoke and condensation, 1978 | 93x102,8 cm

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Vidas paralelas. Cachorros e ossos / Parallel lives. Dogs and bones, 1999/2018

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Espaรงos Vazios / Empty Spaces | Mariposa menina / Moth Girl, 1996 | 35 x 23,1 cm


Espaรงos vazios / Empty Spaces | Pรกssaro no galho / Bird on the branch, 1996 | 35 x 23 cm

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O Corpo Liminar / The Liminal Body | Mutilação / Mutilation, 2018 | 120 x 60 cm


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O falso homem / The wrong man, 2009 | Cena do crime / Crime Scene: 33 x 46 cm (1) | Suspeitos / Suspects: 28 x 36 cm (6)

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Mistérios / Mysteries | O mistérios dos dois triângulos / The mystery of the two triangles, 1976 | 76 x 100 cm

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a cartografia de um crime The Cartography of a Crime → Mac Adams

The inspiration for this new installation was the title of the exhibition. I believe it was Gustavo Carvalho who came up with ‘The cartography of a mystery’. This resonated immediately with me on several levels. The poetry of it was emotional. We normally think of cartography being associated with the reading of maps, we read maps for direction and information. My relationship with photography is very similar in that I look at the surface then, if it triggers my imagination, I enter it for meaning. Looking around my studio, the table on which I work or, in this case, conduct my investigation, to the untrained eye looks totally chaotic, hundreds of photographs spread across a surface; to me it resembles a landscape with valleys, hills, and rivers of images. Looking at this structure I began constructing a fictional narrative about the person who is working here. A person who is obsessed that many crimes have been committed and making connections with explicit forensic images of murder and brutality with what appears to be the systematic recording of an anonymous photographers relationship with a young woman over a period of years. Two very different themes yet in the imagination of this investigators inescapable mind, connected.

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A inspiração para esta nova instalação foi o título da exposição. Eu acredito que foi Gustavo Carvalho que sugeriu o título “A cartografia do mistério”. Isso imediatamente ressoou em mim em diversas esferas. A poesia do título era emocional. Normalmente pensamos em cartografia associada à leitura de mapas, lemos mapas para obtermos direção e informação. A minha relação com a fotografia é muito semelhante na medida em que olho para a imagem e então, se ela desencadeia algo na minha imaginação, parto em busca de um significado. No meu estúdio, a mesa onde trabalho ou, neste caso, conduzo a minha investigação, parece totalmente caótica para o olho não treinado. Centenas de fotografias espalhadas sobre uma superfície. Para mim, parece uma paisagem com vales, colinas e rios de imagens. Olhando para essa estrutura, comecei a construir uma narrativa fictícia sobre uma pessoa que está trabalhando aqui. Uma pessoa obcecada de que muitos crimes foram cometidos, fazendo conexões entre imagens forenses explícitas de assassinatos e brutalidade e o que parece ser o registro sistemático de um relacionamento de anos entre um fotógrafo anônimo e uma jovem mulher. Dois temas muito diferentes, que se encontram, no entanto, conectados na imaginação da mente do investigador.

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Mistérios / Mysteries | Fury, 1978 | 102 x 73,2 cm


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TragĂŠdias PĂłs-Modernas / Post Modern Tragedies | Os meninos / The boys, 1988 | 77 x 99 cm

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Mistérios / Mysteries | Torradeira / Toaster, 1976 | 99 x 81,02 cm

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TragĂŠdias PĂłs-Modernas / Post Modern Tragedies | Chaleira / Kettle, 1987 | 90,5 x 73 cm

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O Corpo Liminar / The Liminal Body | Despindo-se / Undressing, 2018 | 120 x 60 cm


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MistĂŠrios / Mysteries | A menina na janela / The girl at the window, 1976 | 80 x 75,5 cm

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Mistérios / Mysteries | O sussurro / The whisper, 1976/1977 | 93 x 102 cm

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Mistérios / Mysteries | Autoridade portuária / Port authority, 1975 | 102 x 94,3 cm

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TragĂŠdias PĂłs-Modernas / Post Modern Tragedies | Escorredor / Colander, 2013 | 79 x 107 cm


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exposição exhibition

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Sombras, reflexos e memórias... Shadows, reflexes and memories... → Entrevista realizada com o artista por Luiz Gustavo Carvalho Interview with the artist conducted by Luiz Gustavo Carvalho “Narrative void” occupies a central role in your artistic universe. How should the notion of “void” be understood in your artistic process and in your work? The term void came to me through studying film theory. The Narrative Void refers to the splicing of two frames of film together in the editing process. That space between the frames in theory is where memory and cognition reside. When we look at a film, we are experiencing a series of voids and our cognitive abilities unite these spaces in order to understand the projected narrative. Cinematic thinking is an important aspect of your work. As a film director, you direct our view with unusual camera angles, cropping and arrangement of elements in the image. What influence does cinema have on your work? I would say it’s not so much film that controls and influences the camera angle but sculpture... When I watch a film it’s not a 2-dimensional experience, if the film is any good within minutes, I am experiencing the film as a 3 and 4th dimensional experience, I am in the scene. So, I look at my subjects through the camera lens as if they were a piece of matter trying to find the most dramatic angle that makes sense to the narrative. The diptych, triptych and polyptych formats which you use in Mysteries, as well as in the works Doubt and The Wrong Man create a temporal suspension. Is the distance between the panels a space/time where the image can be deconstructed offering different narratives?

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O “Vazio narrativo” ocupa um papel central no seu universo artístico. Como a noção de “vazio” deve ser entendida em seu processo artístico e no seu trabalho? O termo vazio veio a mim através do estudo da teoria do cinema. O “Vazio narrativo” refere-se à junção de dois quadros de filme durante o processo de edição. Na teoria, é nesse espaço que residem a memória e a cognição. Quando vemos um filme, estamos experimentando uma série de vazios, os quais são reunidos pelas nossas habilidades cognitivas para entender a narrativa projetada. O pensamento cinematográfico é um aspecto importante do seu trabalho. Como um diretor de cinema, você dirige nossa visão com ângulos inusitados, cortes e arranjos dos elementos na imagem. Qual a influência do cinema no seu trabalho? Eu diria que não é tanto o pensamento cinematográfico que controla e influencia o ângulo da câmera, mas a escultura... Quando assisto a um filme, não se trata de uma experiência bidimensional; se o filme é bom, em questão de minutos estou vivenciando-o como uma experiência de terceira e quarta dimensão; estou em cena. Então, eu olho para as minhas obras através das lentes da câmera como se fossem uma matéria tentando encontrar o ângulo mais dramático para fazer sentido na narrativa. Os dípticos, trípticos e polípticos que você usa em Mistérios, assim como nas obras Dúvida e O Falso Homem criam um tempo suspenso. A distância entre os painéis torna-se um espaço/tempo no qual a imagem pode ser desconstruída, oferecendo múltiplas narrativas?

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The works Doubt and The Wrong Man, came about as a critique of the criminal justice pretrial lineup system. It seems to me, and apparently to many criminologists, that memory, particularly after days or weeks experiencing a crime, is a very ineffectual way to catch a criminal. Let me be clear on this, direct eyewitness calls have been effective, unfortunately the numerous mistakes made through faulty memory, viewing conditions, duress, elevated emotions and biases have put many innocent people away in prison. The diptych and triptych formats are vehicles to explore compression in narrative. I have always been impressed with Ernest Hemingway’s 6-word story: For sale Baby shoes Never used It has classical narrative structure: beginning, middle and end. What more do you need? Most of the Post-Modern Tragedies were realized in the 1980’s, as a response to the liberal politics you witnessed in the United Kingdom and in the USA under Thatcher and Reagan respectively. Nevertheless, in 2019 those works remain extremely contemporary. How do you look on them today, in a world submerged by the most perverse form of neoliberalism? Unfortunately, very little has changed socially or politically since I did those works. The reflective objects were vehicles to show the disjunction between the haves and have nots. These were in the 1980’s expensive high end home goods, objects that symbolized wealth and upward mobility, however reflected in them were social tragedies, violent interrogations, domestic abuses, rapes, children with guns, etc. In fact, one could argue it’s much worse now. I am not a documentary photographer; however in the 1980’s I wanted to make a statement about how I believed events were going. They have proven to be prescient and an unexpected layer has emerged: that of fake news.

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Os trabalhos Dúvida e O Falso Homem surgiram como uma crítica ao sistema de pré-julgamento da justiça criminal. Parece-me, e aparentemente também para muitos criminologistas, que a memória, principalmente dias ou semanas após um crime, é uma maneira muito ineficaz de capturar um criminoso. Deixe-me esclarecer isso: se convocações diretas de testemunhas oculares foram eficazes, infelizmente, os inúmeros erros cometidos por memória defeituosa, condições de visualização, coação, emoções elevadas e preconceitos colocaram muitas pessoas inocentes na prisão. Os dípticos e trípticos são veículos para explorar a compressão na narrativa. Eu sempre fiquei impressionado com a história de seis palavras de Ernest Hemingway: À venda Sapatos infantis Nunca usados Ela possui estrutura narrativa clássica: começo, meio e fim. O que mais você precisa? As Tragédias Pós-Modernas, na sua maioria, foram realizadas nos anos 80, como uma resposta à política liberal que você testemunhava no Reino Unido e nos EUA sob Thatcher e Reagan, respectivamente. No entanto, em 2019 essas obras permanecem extremamente atuais. Como você as enxerga hoje, em um mundo submerso pela forma mais perversa de neoliberalismo? Infelizmente, muito pouco mudou social ou politicamente desde que eu fiz esses trabalhos. Os objetos refletivos eram meios utilizados para mostrar a disjunção entre os que têm e os que não têm. Eram artigos domésticos caros e sofisticados da década de 1980, objetos que simbolizavam a riqueza e mobilidade ascendentes, no entanto nos quais eram refletidas as tragédias sociais, interrogatórios violentos, detalhe/detail Bule de chá /Tea pot, 1988 | 77 x 102 cm

abusos domésticos, estupros, crianças com armas, etc. Na verdade, alguém poderia argumentar que agora é muito pior. Eu não sou fotógrafo documental; no entanto, nos

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You started working on the series Mysteries in the middle of the 1970’s. At about the same time you began to construct full-scale installations, using photographs in many of them. For your first exhibition in Brazil (Sao Paulo, 2018), you created the installation The cartography of a crime, in which photography becomes the main protagonist. Conceived in a dialogue with gentrification’s processes going on in the main cities around the world, your work incites also a reflection about memory. What role does image play in the topography you created in this installation? I believe that the title Cartography of a Crime came from you. This tabletop covered with images of violence - they come from a Mexican magazine also from a photo essay titled “Robert et Andrée” by an anonymous French photographer. I believe it was done in the 1950/60’s. An obsessive study over the years documenting everything this young woman does. Eating, sleeping and walking in the streets on holidays to making love. It’s an exercise in both love and a controlling obsessive compulsion. All these images came from Musée Nicéphore Niépce, which gave me permission to use them. There are also many images from my personal archive. This table is the way my studio looks, I essentially just copied it and decided to construct a narrative around it. What is it about? There is no one narrative other than my fictional investigator - who I decided to make into a woman, who spends days and hours going over these images, making connections, trying to make sense of this brutality and violence, the super ego trying to control the id, I suppose one could say. The table becomes a kind of model landscape, mountains and valleys of images. I guess it became a metaphor for the world we live in and a normalizing and numbing effect it eventually has. I believe that in total there are over 2000 images in this installation. By questioning the veracity of elements that move between reality and fiction, you invite the spectator, in a Brechtian way, to live a double artistic experience: while playing the role of outside observers of a scene, we also become the tellers of our own story.

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anos 80, queria deixar um testemunho sobre os eventos que eu via acontecer. Eles provaram ser prescientes e uma camada inesperada emergiu: as fake news. Você começou a trabalhar na série Mistérios em meados da década de 1970. Na mesma época, você começou a construir instalações em grande escala, usando fotografias em muitas delas. Para a sua primeira exposição no Brasil (São Paulo, 2018), você criou a instalação A cartografia de um crime, na qual a fotografia se torna o principal protagonista. Concebida em um diálogo com os processos de gentrificação em andamento nas principais cidades do mundo, seu trabalho instiga também uma reflexão sobre a memória. Qual o papel da imagem na topografia criada por você nesta instalação? Eu acredito que o título Cartografia de um crime foi uma sugestão sua. Esta mesa coberta de imagens de violência elas vêm de uma revista mexicana e também de um ensaio fotográfico intitulado “Robert et Andrée”, de um fotógrafo francês anônimo. Eu acredito que este ensaio foi feito nos anos 50/60. Um estudo obsessivo, realizado ao longo dos anos, documentando tudo o que essa jovem mulher fazia. Desde comer, dormir e passear nas ruas durante as férias até fazer amor. Trata-se de um exercício de amor e uma compulsão obsessiva controladora. Todas essas imagens vieram do Museu Nicéphore Niépce, o qual me deu permissão para utilizá-las. Também há muitas imagens do meu arquivo pessoal. Esta mesa tem a aparência da mesa no meu estúdio, eu apenas a copiei e decidi construir uma narrativa em torno dela. Sobre o quê? Não há outra narrativa além do meu investigador fictício – o qual eu decidi transformar em uma mulher, que passa dias e horas examinando essas imagens, fazendo conexões, tentando entender essa brutalidade e violência, o superego esperando controlar a identidade, suponho que alguém possa dizer. A mesa se torna uma espécie de paisagem modelo, montanhas e vales de imagens. Eu acho que se tornou uma metáfora para o mundo em que vivemos e para o efeito normalizador e entorpecedor que eventualmente tem. Acredito que no total mais de 2000 imagens compõem esta instalação.

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In this context, could we see here a performance component which passes through all your work? This is a very interesting question. Yes, it definitely has this Brechtian reference. I try and make you aware about this duality of fact and fiction. I construct these mystery installations in a way the viewer speculates on their own experiences, becoming an accomplice or witness depending on how they interpret these events. The audience has to interpret the narrative backward like any detective, making you part of the work. The presence of reflective surfaces as well as shadows are constant elements in your works, where the polarity I/other is revealed. Thus, fiction is a door through which we enter to interrogation and social critique in your work... I see the phenomena of shadows and reflections as very similar ocular events. They become metaphors for the process of photography. Watching you working on the “shadow sculptures” I can’t stop thinking about Magritte’s La trahison des images as well as about Plato’s Cave allegory. The whole artistic process has also a distance which is very close to meditation. Where did your interest in the parallel existence of objects come from? Interesting you choose that painting by Magritte. I can see now why you would; there is a tautological element to them. I cannot remember who said that all art is a tautology. There is something incredibly ludicrous and funny, pointing at the abstracted rabbit sculpture and saying this is not a rabbit when the shadow of it resembles a rabbit. Is it La trahison des images taken one step further? These shadow works did come from studying Buddhism and the making of them, and I hope the viewing of them too, is a meditative experience. Already in the Post Modern Tragedies music is present in your works. A child with a gun in hand next to an adult is reflected on a kettle surface; a Shakespearean scene

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Ao questionar a veracidade dos elementos que se movem entre a realidade e a ficção, você convida o espectador, de maneira brechtiana, a viver uma dupla experiência artística: ao desempenhar o papel de observadores externos de uma cena, também nos tornamos contadores da nossa própria história. Nesse contexto, poderíamos ver aqui um componente performático que permeia todo o seu trabalho? Esta é uma pergunta muito interessante. Sim, definitivamente existe essa referência brechtiana. Eu tento conscientizar você sobre essa dualidade de fatos e ficção. Construo essas instalações misteriosas de maneira que o espectador possa especular sobre suas próprias experiências, tornando-se um cúmplice ou testemunha, dependendo de como ele interpreta esses eventos. O público deve interpretar a narrativa ao contrário, como qualquer detetive, tornando-se parte da obra. A presença de superfícies reflexivas e sombras são elementos constantes em seus trabalhos, nos quais a polaridade eu/outro é revelada. Assim, a ficção é uma porta através da qual entramos rumo à crítica social no seu trabalho... Eu vejo o fenômeno das sombras e dos reflexos como eventos oculares muito semelhantes. Eles se tornam metáforas para o processo de fotografia. Observando você trabalhar nas “esculturas de sombras”, eu não consigo parar de pensar na Traição das imagens (La trahison des images), de Magritte, bem como na alegoria da caverna platônica. Durante todo o processo artístico há também uma distância muito próxima à meditação. Como surgiu o seu interesse pela existência paralela dos objetos? É interessante que você escolhe essa pintura de Magritte. Agora posso ver a razão, existe um elemento tautológico neles. Não me lembro de quem disse que toda arte é uma tautologia. Há algo incrivelmente ridículo e engraçado, apontando para a escultura abstrata de um coelho e dizendo que isso não é um coelho quando a sombra dela

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is deposited in a drainer. Besides the shine of the reflective surface, music emanates from each object. Your new installation, Chopin, deals with the power of music in a narrative. How was the conception of this installation? Wow! No one has ever suggested music emanates from my work, I take that as a huge compliment. The power of music to bring out hidden memories, emotions and fantasies has always been part of my awareness, more so since the passing of my wife. There are certain pieces I cannot listen to because the memory is too painful. Barbara found this article in a British newspaper while we were living in Berlin, back in 1981. We both thought it is an extraordinary story about the power of music to evoke powerful emotions, in this case Chopin Waltzes, which are so beautifully lyrical and light yet motivated a person into such unforgiving violence. An extraordinary disjunction between music and actions. Throughout your works we are enticed into trying to construct a narrative out of what we see. However, in your last works this narrative wins a very singular poetic aspect. What is the importance of the “narrative void” in the series The Liminal Body? Interesting, what is the relationship between the “narrative void” works and the Liminal Body. As I discussed earlier the “Narrative Void” comes from film and the splicing effect. The Liminal Body comes from the Latin word limin, meaning threshold, it pertains to the in between states, it can become a place, a time, a situation, a being. It’s a middle ground where transformations take place, transformations that can be filled with contradictions and ambiguities. In the works Black Leather and The Red Dress we see images of a beautiful young woman transforming into a criminal because society refuses to recognize transgender. The gray color which is the center of the transition conceptually contains both images. In Gone before my Sight we see the viewpoint of someone in a hospital bed looking at a beautiful view transforming into the monochromatic color green, the color of regeneration. We experience these liminal states continuously

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se assemelha a um coelho. Seria isso A traição das Imagens um passo adiante? Esses trabalhos em torno da sombra são frutos do meu estudo sobre budismo e a criação deles, e espero que a sua visualização também, é uma experiência meditativa. Já nas Tragédias Pós-Modernas a música está presente nos seus trabalhos. Uma criança com uma arma na mão ao lado de um adulto é refletida na superfície de uma chaleira; uma cena shakespeariana é depositada em um escorredor. Além do brilho da superfície reflexiva, música emana de cada objeto. Sua nova instalação, Chopin, lida com o poder da música em uma narrativa. Como foi a concepção dessa instalação? Uau! Ninguém jamais sugeriu que a música emana do meu trabalho, considero isso um enorme elogio. O poder da música de trazer à tona lembranças ocultas, emoções e fantasias sempre fez parte da minha consciência, mais ainda desde a morte de minha esposa. Há certas peças que não consigo ouvir porque a memória é muito dolorosa. Barbara encontrou este artigo em um jornal britânico quando morávamos em Berlim, em 1981. Ambos pensamos que se trata de uma história extraordinária sobre o poder da música evocar emoções poderosas. Neste caso, as Valsas de Chopin, tão líricas e leves, motivaram, no entanto, uma pessoa a essa violência implacável. Uma disjunção extraordinária entre música e ações. Ao longo de seus trabalhos, somos atraídos a tentar construir uma narrativa a partir do que vemos. No entanto, em seus últimos trabalhos, essa narrativa ganha um aspecto poético muito singular. Qual a importância do “vazio narrativo” na série O Corpo Liminar? É interessante refletir sobre a relação entre as obras do “vazio narrativo” e O Corpo detalhe/detail Gone from my sight. 2019 | 122 x 60cm

Liminar. Como mencionei anteriormente, o “Vazio Narrativo” vem do cinema e do efeito de emenda. O Corpo Liminar vem da palavra latina limin, que significa limiar, pertence ao estado intermediário, pode se tornar um lugar, um tempo, uma situação,

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without recognizing them conceptually, the threshold between remembering and forgetting. Rage and love, the hand and the body; as in Touch. Through the density of your last works, The Liminal Body, the construction of a narrative gives place to a philosophical reflection about the ephemeral nature of memory. The body crystalizes the possibility of transcending a certain time and space... If I understand your question correctly, I would say the work Mutilation addresses this. The picture is of a young boy standing on a rock looking at an older man, presumably his father. The top half of the man has been cut out rather crudely. A vintage picture, taken around the 1930/40’s. This picture really resonated with me on a personal level as I have never seen an image of my grandfather because my grandmother extracted him from the few pictures that existed. This is a picture one could write a thesis about. Showing it to a few people, I have had wildly speculative motives and genders as to who and why did this. I think one reading I clear, it’s love transformed into hate and unforgiving. The young child has lovingly been untouched, in my mind it was done by a woman, possibly the mother and wife of the man. This is the ability of photography to be a muted witness moving through the liminal threshold to the forgotten.

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um ser. É um terreno intermediário, no qual as transformações ocorrem, transformações que podem ser preenchidas com contradições e ambiguidades. Nas obras Couro Preto e O Vestido Vermelho, vemos imagens de uma bela jovem se transformando em uma criminosa porque a sociedade se recusa a aceitar transgêneros. A cor cinza, que é o centro da transição, contém conceitualmente as duas imagens. Em Partida diante dos meus Olhos, observamos o ponto de vista de alguém em uma cama hospitalar, olhando uma bela paisagem se transformar num verde monocromático, a cor da regeneração. Experimentamos esses estados liminares continuamente, sem reconhecê-los conceitualmente, o limiar entre lembrar e esquecer. Raiva e amor, a mão e o corpo; como em Toque. Através da densidade de seus últimos trabalhos, O Corpo Liminar, a construção de uma narrativa cede lugar a uma reflexão filosófica sobre a efemeridade da memória. O corpo cristaliza a possibilidade de transcendência de certo tempo e espaço ... Se eu entendi sua pergunta corretamente, diria que a obra Mutilação fala sobre isso. A foto é de um garoto em pé sobre uma pedra, olhando para um homem mais velho, presumivelmente seu pai. A metade superior do homem foi cortada de maneira grosseira. Trata-se de uma foto de época, tirada por volta dos anos 1930/40. Essa imagem realmente me tocou pessoalmente: nunca vi uma imagem do meu avô, porque minha avó o extraiu das poucas fotos que existiam. Esta é uma imagem sobre a qual alguém poderia escrever uma tese. Mostrando a algumas pessoas, tive motivos muito especulativos sobre quem e por qual razão fez isso. Eu acho que uma leitura é a de que se trata do amor transformado em ódio e na impossibilidade de perdoar. O jovem filho permaneceu carinhosamente intocado; em minha opinião, o ato foi cometido por uma mulher, possivelmente a mãe e esposa do homem. Essa é a capacidade da fotografia de ser uma testemunha muda, movendo-se do começo liminar Red Dress, 2018 | 214 x 51cm

até o esquecimento.

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biografia biography

Born in Brynmawr (Wales, United Kingdom) in 1943, Mac Adams moved to New York in 1970 and became a naturalized American. He is considered to be one of the founders of Narrative Art, an art movement that emerged in the United States in the 1970s. In 1974 his first ‘Mystery’ series was shown at the legendary112 Green Street Gallery in New York. Adams was associated with a group of Conceptual artists who used fictional text and photographs. He separated himself from these artists by not using any text, instead he adopted a more semiotic approach to the narrative in which the photograph became a surrogate for text. He has made over 13 large-scale public art commissions, including the first major memorial dedicated to the Korean War, the War Memorial Battery in New York. Among the numerous awards won for his work are the Pollock / Krasner Foundation Award (2013) and the New York State University Chancellors Research Award for Excellence in Arts and Humanities (2002). Mac Adams works integrate the collection of the Victoria and Albert Museum (London), National Center of Art and Culture Georges Pompidou (Paris) and Museum of Modern Art (New York), among others and were exhibited at major contemporary art centers such as MUDAM (Luxembourg), Musée Nicéphore Niépce (Chalon-sur Saône), Neue Galerie-Sammlung Ludwig (Aachen), Musée Jeu de Paume (Paris), MOCAK (Krakow) and MoMa (New York).

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Nascido em Brynmawr (País de Gales, Reino Unido) em 1943, Mac Adams naturalizou-se estadunidense ao mudar-se para a cidade de Nova Iorque em 1970. É considerado um dos fundadores da Narrative Art, movimento artístico surgido nos Estados Unidos na década de 1970. Em 1974, sua primeira série Mistérios foi exibida na lendária 112 Green Street Gallery, em Nova Iorque. Adams foi associado a um grupo de artistas conceituais que usavam texto e fotografias fictícias, porém logo se distancia destes artistas por decidir não utilizar a palavra. Adota, ao contrário, uma abordagem mais semiótica para a narrativa, na qual a fotografia terá um papel fundamental. Realizou mais de 13 encomendas de arte pública em larga escala, entre as quais destaca-se o primeiro grande memorial dedicado à Guerra da Coreia, o War Memorial Battery, em Nova Iorque. Entre os inúmeros prêmios conquistados pela sua obra figuram o Pollock/Krasner Foundation Award (2013) e o prêmio por pesquisa artística da Universidade de Nova Iorque (2002). Suas obras integram as coleções do Victoria and Albert Museum (Londres), Centro Nacional de Arte e Cultura Georges Pompidou (Paris) e Museu de Arte Moderna (Nova Iorque), entre outros. Mac Adams participou de exposições nos principais centros de arte contemporânea, tais como o MUDAM (Luxemburgo), Musée Nicéphore Niépce (Chalon-sur Saône), Neue Galerie-Sammlung Ludwig (Aachen), Musée Jeu de Paume (Paris), MOCAK (Cracóvia) e MoMa (Nova Iorque).

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ficha técnica

Curadoria Luiz Gustavo Carvalho Produção executiva Maria Vragova Direção financeira Marcos Antônio Miranda Identidade visual, projeto gráfico e expografia Marcello Kawase Cenotécnica MW Serviços Cenotécnicos Assessoria de imprensa Bárbara Chataignier Montagem KBedim Montagem e Produção Cultural Projeto de iluminação Antônio Mendel Comunicação visual Comvix Molduras Van Gogh Molduras Transporte das obras Millenium Fotografias da exposição Mar de Paula

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Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Nádia Azevedo Adams, Mac. Mens Rea: a cartografia do mistério / Texto: Luiz Gustavo Carvalho e Mac Adams; fotografias: Mac Adams; tradução – Flávio Britto - Belo Horizonte (MG) : Ars et Vita Ltda., 2020 94 p. : principalmente il.; 17 x 23 cm. ISBN 978-85-66122-10-7 Curadoria: Luiz Gustavo Carvalho
Texto também em inglês. Catálogo da exposição realizada na CAIXA Cultural RJ, Rio de Janeiro, de 29 de outubro a 02 de fevereiro de 2020. 1. Arte contemporânea – Obras ilustradas. 2. Fotografia – Estados Unidos – Exposições. I. Carvalho, Luiz Gustavo. II. Adams, Mac. III Ars et Vita. IV. Título

29 de outubro de 2019 a 2 de fevereiro de 2020 Galeria 4 | terça a domingo, das 10h às 21h ENTRADA FRANCA Av. Alm. Barroso, n. 25 - Centro | Rio de Janeiro - RJ Prefira transporte público CaixaCulturalRioDeJaneiro

@caixaculturalrj

Alvará de Funcionamento da CAIXA Cultural RJ: nº 041667, de 31/03/2009, sem vencimento.

produção

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patrocínio


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