Juliana Harrison Henno

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ESTUDOS DE CASO DE PROCESSOS DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA BASEADOS NA FABRICAÇÃO E PROTOTIPAGEM DIGITAL Juliana Harrison Henno

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Resumo: De modo a melhor compreender como os processos contemporâneos de fabricação digital têm interferido no modus operandi do artista visual, o presente artigo pretende analisar dois estudos de caso que destacam as mudanças de paradigmas causadas pela introdução dos métodos automatizados aditivo (sobreposição de camadas) e subtrativo (desbaste de material) no contexto das Artes Visuais. O primeiro caso refere-se à obra Unidades Fugidias (2003), de Laurita Salles, que utilizou o método automatizado aditivo. Já o segundo caso, a obra Windcuts (2007), de Miska Knapek, utiliza o método subtrativo como técnica de produção. Pretende -se examinar de que forma o artista se apropria desses meios de representação, explorando -os como uma nova linguagem criativa e inovadora, o que por sua vez amplia e potencializa sua forma de expressão, servindo como instrumento para o desenvolvimento e a represe ntação de novas poéticas em sua obra. A abordagem a ser utilizada identificará as etapas dos processos criativos e os métodos heurísticos adotados, considerados como trajetórias criativas para o equacionamento e a concretização das obras. Nos estudos de caso apresentados, as análises destacarão, ainda, como se desenvolve a dialética entre imaterial e material, determinantes das novas formas de criar. O fundamento teórico desta pesquisa se baseia no estudo da introdução do numérico no campo artístico, seguindo principalmente os conceitos difundidos por Couchot (2003), Moles (1990), Plaza & Tavares (1998) e Machado (2004 – 2008). Intenta-se avaliar de que maneira as técnicas de produção automatizada podem interferir nos modos de fazer do artista visual com vistas a promover novas possibilidades expressivas e, dessa forma, explorar potenciais até então pouco usuais no campo das artes. Dessa forma, parte-se da hipótese de que o artista, tendo domínio sobre as tecnologias CAD/CAM e de prototipagem rápida, possui a cesso a um ferramental que lhe permite superar restrições em suas proposições artísticas e poéticas. O estudo dessas tecnologias é pertinente para a disseminação de uma nova linguagem com potencial inovador no âmbito da criação artística. Palavras-Chave: Produção automatizada. Arte. Mídias digitais. Dialética entre imaterial e material. Métodos heurísticos. Abstract: In order to better understand how contemporary digital fabrication processes have interfered with the visual artist´s modus operandi, this a rticle aims at examining two case studies that highlight the paradigm shifts caused by the introduction of additive (overlapping layers) and subtractive (thinning of the material) automated methods of fabrication in the context of Visual Arts. The first case study refers to Laurita Salles´s artwork called Unidades Fugidias (2003), in which she used the additive automated method of fabrication. The second case study approaches the artwork Windcuts (2007), by Miska Knapek, who used the subtractive method as a production technique. We intend to examine how the artist appropriates these media of representation, and how he explores them as a new creative and innovative language, which in turn amplifies and potentiates his form of expression, and serves as a tool to develop and represent new poetics in his artwork. The approach we used is supposed to identify the steps of the creative processes and heuristic methods adopted, which were both considered creative paths to solve and implement the artworks. In the case studies presented, the analyses will also highlight how the dialectic between immaterial and material was developed, which is a determinant of the new ways of creation. The theoretical foundation of this research is based on the study of the introduction o f the numerical in the artistic field, mainly following the concepts disseminated by Couchot (2003), Moles (1990), 1

Doutoranda em Artes Visuais pelo PPG-A V da ECA-USP 562 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Plaza & Tavares (1998) and Machado (2004 - 2008). We aim at evaluating how the techniques of automated production may interfere with the ways of doing of the visual artist in order to promote new expressive possibilities, and thus explore the potential previously unusual in art. Thus, we start from the assumption that the artist, having domain over the CAD / CAM and rapid prototyping technologies, will have access to instruments that allow him to overcome restrictions in his artistic and poetic propositions. The study of these technologies is relevant to the spread of a new language with innovative potential in the context of artistic creation. Keywords: Automated production. Art. Digital media. Dialectic between material and immaterial. Heuristic methods.

1. Introdução Já faz mais de duas décadas que o numérico vem ocupando um importante espaço no campo das Artes. Conforme Couchot (2003, p.17), o automatismo aparece nas técnicas figurativas desde a fotografia, e a partir daí tende a, cada vez mais, ter seu uso difundido, ganhando forte autonomia. Esse momento delicado na arte, marcado pela introdução cada vez mais acentuada do tecnicismo, foi motivo de transtornos e de sucessivas crises na tentativa da arte de “redefinir sua própria identidade” (Couchot, p.18). “A cada avanço tecnológico, a transmissão elétrica da imagem fixa, o cinema, o rádio, o videotelevisão, mas também outras técnicas que, sem relação direta com a imagem, não deixam de ter efeitos tecnestésicos consideráveis , modificam a percepção do mundo, das coisas e da sociedade. Até o momento em que o numérico, contaminando toda a esfera das técnicas de figuração e seu modo de socialização, coloca o sujeito doravante aparelhado para esta nova máquina – o computador – intimidando-o a se redefinir u ma vez mais, e a arte, a se repensar.” (COUCHOT, 2003, p.18)

Esse sucessivo avanço das técnicas de figuração se deu paulatinamente, provocando reações por parte dos artistas. E essa movimentação ocorrida no campo artístico a partir da iminente automatização, desde a segunda metade do século XX até os dias atuais 2 , é, de acordo com Couchot (2003, p.18), “prova de que o desenvolvimento das técnicas e a complexidade crescente da automatização constituíram o mais decisivo fator na evolução da arte há um século e meio“. Essa mudança de comportamento causada pela progressiva inserção do numérico na arte foi e até hoje continua a ser responsável por mudanças de hábitos dos artistas. Com a aparição de novas técnicas, renovam-se as ferramentas, os materiais e as formas de execução de uma 2

- Ao me referir aos dias atuais arrisco supor que os constantes avanços tecnológicos até o presente, por muitos outros autores investigados, dão conta do sentido de progresso ao qual Couchot se referiu em sua publicação de 2003 na versão em portuguës.

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obra. Conforme Couchot (2003, p.19), o real cede espaço para o que não é matéria, para a simulação. A arte passa a ser, a partir de tais mudanças, um ambiente complexo em que o artista necessita dominar as especificidades desse meio digital de modo a acompanhá-la. Neste novo ambiente, nos deparamos com a imagem digital, construída a partir de uma organização numérica e que se baseia, de acordo com Plaza & Tavares (1998, p.27), em leis constitutivas dos fenômenos a serem simulados. Dessa forma, o número assume importante papel de lei estruturante na formação da imagem, afetando sua configuração e „refletindo‟ no interior de seu sistema”. “Na construção de uma imagem sintética, o número exerce várias funções: de transdução, de paramorfis mo e de otimização.” (PLAZA & TA VA RES, 1998, p.27)

Os vários papéis exercidos pelo número na construção da imagem reforçam seu caráter estruturador, reversível e normativo. A imagem, por se tratar de uma configuração inteligível do numérico, implica, ainda de acordo com Plaza & Tavares (1998, p.28), “a emergência da previsibilidade, da continuidade, da infinitude e da regularidade”. Este artigo se propõe, com base nesse cenário, a estudar a manifestação das tecnologias sob o viés da inovação na arte. Mais especificamente pretende-se, no estudo das relações entre arte e tecnologia, aprofundar o que for da ordem da “arte como tecnologia” que, conforme nos esclarece Plaza & Tavares (1998, p.29), possui “caráter qualitativo e inovador”, enfatizandose o “caráter produtor e criativo, ou seja, como modificação do aparelho produtor”. Estabelecido este recorte é possível introduzir o conceito de simulação 3 , premissa indissociável da criação de modelos digitais. Conforme Plaza & Tavares (1998, p.38), “simulação é uma técnica baseada sobre um modelo matemático que permite experimentar hipóteses representando-as em situações reais, onde a execução – em verdadeira grandeza – seria excessivamente onerosa, perigosa ou mesmo impossível”. Tal pensamento nos leva a entender o interesse dos artistas em trabalhar com códigos de representação e ferramentais cuja linguagem se baseia na matemática. Obtém-se com esta parceria a possibilidade de modelar estruturas altamente complexas cuja execução manual seria impraticável. 3

- Ao se falar de simulação, parte-se do princípio, levantado por Peirce e discutido pelos autores SANTAELLA & NÖTH (2008), de que uma simu lação é sempre representação. De acordo com os autores, a idéia que Peirce sustenta é de que “o objeto de uma representação pode ser qualquer coisa existente, perceptível, apenas imaginável ou mesmo não suscetível de ser imag inada”. 564 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Partindo dessa asserção, de que é possível simular qualquer estrutura com o auxílio do computador – seja ele um modelo sem referentes reais, seja ele uma imagem realista –, estabelecemos um recorte investigativo no que tange a forma de execução desse mesmo modelo virtual para o físico, a fabricação e a prototipagem digital. Apesar de ser uma tecnologia desenvolvida visando as áreas de engenharia mecânica e desenho industrial, cujo ferramental auxilia na produção de modelos, protótipos e peças finais, outras áreas aos poucos passaram a adotar tal processo como nova forma de linguagem. Na arquitetura, tal procedimento é ocasionalmente utilizado por escritórios e no ensino da profissão, e seu uso se deve exclusivamente à impressão de componentes em escala reduzida para representação em maquetes ou na fabricação direta de elementos construtivos. Já no campo das artes visuais, seu uso ainda é incipiente, por ser uma tecnologia bastante dispendiosa a que apenas algumas universidades e ateliês têm acesso. Quando utilizada pelo artista, este costuma explorar o processo de fabricação e prototipagem digital como formas de linguagem na representação física de modelos digitalmente simulados. Cabe aqui salientar que o uso da fabricação e prototipagem digital no Brasil ocorreu tardiamente em comparação com outras regiões do mundo 4 . De acordo com Celani & Pupo (2008, p.37), apenas no ínicio dos anos noventa é que passou a existir no departamento de Engenharia Mecânica da UFSC para a fabricação de componentes de plástico injetado. 2. Métodos de Produção Automatizada Entende-se que a produção automatizada pode se dividir em dois grupos principais: o da produção de protótipos e o da produção de produtos finais. Em ambos os casos parte-se de modelos geométricos digitais para se obter o modelo físico, tendo como base um método de produção que deixa de ser mecânico para ser controlado pelo computador. No caso da produção de protótipos, estão incluidos os “modelos de avaliação”, como sugere Celani & Pupo (2008, p.32) ao se referir à produção automatizada no âmbito da arquitetura. Seriam considerados modelos de avaliação para as áreas da arquitetura, desenho industrial e engenharia devido à fragilidade e às dimensões do modelo resultante. Pelo fato das impressoras apenas suportarem tamanhos reduzidos, esses modelos, que na realidade seriam

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- A fabricação e prototipagem digital, além de exigir u m alto investimento em equipamentos, insumos e manutenção, depende de mão-de-obra especializada.

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muito grandes, acabam sendo reduzidos em escalas menores, para assim serem avaliados antes da produção em escala industrial. Por sua vez a produção de produtos finais, referidos de acordo com Celani como “sistemas de fabricação ou de manufatura”, resultam em artefatos físicos ou “elementos construtivos para serem empregados diretamente na obra”. São produzidos com uma matéria-prima que lhes garante resistência, podendo, de acordo com o método, possuir diferentes características. No âmbito da arte, os limites entre estes grupos é sútil e às vezes não existem, eximindo a obra de classificações tão restritas e balizadoras como seria comum nas áreas de exatas. Nos métodos de produção automatizada, é possível subdividir as maneiras de produção por tipo: subtrativo, formativo e aditivo. Neste artigo nos deteremos apenas nos tipos subtrativo e aditivo. O sistema subtrativo utiliza a técnica do desbaste, que de acordo com Celani (2008, p.32), “desbasta seletivamente [um bloco de material] por fresas que se movem automaticamente em diversas direções (tipicamente em três eixos)”. Neste caso pode haver um eixo rotatório que auxilia a movimentação do bloco “[diminuindo] a necessidade de deslocamento da fresa”. Nas áreas de engenharia, esse processo aplicado à usinagem de ferramentas e peças é bastante comum, partindo-se de blocos de metal como matéria-prima. O sistema mais comum de produção de um objeto é o sistema aditivo, que permite sobrepor camadas de um material obedecendo um controle numérico formando o objeto em três dimensões. Os modelos geométricos digitais que formam a imagem original são “fatiadas [horizontalmente]” por um software e cada uma dessas lâminas, cuja quantidade varia de acordo com a resolução pré-definida do objeto, será impressa e sobreposta recriando aquele objeto virtual no plano físico. Desta forma, as lâminas geradas pelo software podem se tornar físicas por meio de material sólido, como quando “impressas”, por impressão 3D, e “solidificadas” por sinterização seletiva a laser (estereolitografia), e quando cortadas e coladas umas sobre as outras por meio de lâminas (laminated object manufacturing). Uma vez introduzidos os métodos de fabricação aditivo e subtrativo, pretende-se examinar uma obra artística referente a cada uma das técnicas, de modo a compreender como os artistas se apropriaram de tal técnica em suas proposições poéticas. 3. Estudos de Caso No intuito de melhor compreender a criação e a simulação de modelos digitais no âmbito das 566 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Artes Visuais, tomaremos como base o exame de duas obras que destacam as mudanças de paradigmas causadas pela introdução dos métodos automatizados aditivo e subtrativo no contexto das Artes Visuais. O primeiro caso refere-se à obra Unidades Fugidias (2003), de Laurita Salles, que utilizou o método automatizado aditivo, e o segundo caso, a obra Windcuts (2007), de Miska Knapek, que utilizou o método subtrativo como técnica de produção.

FIGURA 1 – Unidades Fugídias, 2003. FONTE – www.canalcontemporaneo.art.br e www.cimject.ufsc.br

Em Unidades Fugidias (FIG.1), a artista Laurita Salles utilizou o computador para gerar as esculturas, mais precisamente um software CAD (Computer Aided Design – Computador Auxiliando o Design). De acordo com Salles (2003, p.14), a artista procurou transparecer nas obras uma sensação de “vertigem das coisas dentro de si e a natureza fugidia das coisas que hoje nos rodeiam. Primeiramente por sua concepção numérica, o que lhes confere, de saída, desrealização introjetada e construída a partir de uma forma nascida de uma intelegibilidade numérica”. As obras foram produzidas segundo o método aditivo de fabricação e, a partir dessa forma, foram manualmente esculpidas até alcançarem o formato final. Nesta obra a deposição de matéria como processo formativo dos modelos físicos é marcada pela exatidão em relação ao modelo virtual original gerado pela artista. Para a autora da obra, o processo de criação não se limita apenas ao espaço virtual da peça, mas a todo o processo desde a concepção da idéia, sua modelagem em ambiente numérico, a posterior impressão utilizando o método aditivo de fabricação, e finalmente o acabamento final dedicado a cada uma das peças. “Tratam da perda da espessura da vida contemporânea, da progressiva ausência da 567 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


experiência, ou melhor, da experiência contraditória da vida vivida também co mo experiência realizada e vivida na v irtualidade. Essa perda da espessura da vida – vivida ainda, sim, e contraditoriamente – talvez seja o motivo dessas esculturas. Estas existem, têm existência real, mas buscam a matéria fina, a experiência contraditória e amb ígua e, não por acaso, são feitas de matéria que tende a se ausentar, embora p resente.” (SALLES, 2003. p. 7)

O sentido poético das peças parte da matéria-prima utilizada na produção, pois transfere à obra um sentido frágil, fino e evanescente. A artista trata da “perda de espessura da vida contemporânea”, da “progressiva ausência de experiência” pela introdução da virtualidade. Neste sentido, os “objetos complexos” gerados a partir de programas de simulação numérica trazem um “senso de realidade e desrealização intrínsecos, dado o índice de constituição virtual” que possuem e denotam no elemento físico (SALLES, 2003, p.14). Na presente obra, a artista consegue transpor o que o computador impõe, concretizando a proposta poética e vencendo os limites impostos pelo meio. No desenvolvimento da forma a artista optou por utilizar ferramentas CAD e de fabricação digital, sistemas estes possuidores de uma complexidade e ordem tecnológica que foram subvertidas de modo a se “descobrir as qualidades e as virtualidades deste instrumental” Plaza & Tavares (1998, p.98). Tais características sugerem a predominância dos “limites” como método heurístico de criação.

FIGURA 2 – Windcut, 2010. FONTE – http://knapek.org/

A obra Windcuts (FIG.2), de Miska Knapek, realizada na Finlândia em parceria com o Media Lab Helsinki, procura reproduzir dados de um sensor climático em representações físicas por meio de uma máquina CNC (Computer Numerical Control). Os dados de medição relativos ao movimento do vento, assim como a direção do vento, sua velocidade e 568 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


temperatura, ocorridos na cidade de Helsinki, foram utilizados como base para gerar formas tridimensionais, convertidos a partir de norma programada pelo autor da obra. Tais estruturas tridimensionais foram, então, desbastadas em uma placa de madeira MDF através de método subtrativo. As representações impressas representam 5 dias de monitaramento constante do vento. A direção da linha corresponde à direção do vento ; a largura, à velocidade do vento, e a altura, a sua temperatura. A simulação nesses casos em que há uma completa concordância com situações reais possui uma grande vantagem ao se associar com métodos de fabricação e prototipagem digital devido à acurácia na representação. Não somente é possível modelar elementos complexos, cuja construção manual seria impraticável, como também se torna concebível a sua exata representação física. Conforme Pupo (2009, p.5), essa complexidade alcançada pelos modelos digitais se deve aos “softwares tridimensionais baseados em Non-Uniform Rational B-Splines (NURBS), que oferecem curvas e superfícies paramétricas” necessárias no desenvolvimento de formas difíceis. Percebe-se que a situação simulada, das condições climáticas ocorridas em um devido espaço-tempo, assumem um comportamento moldado pela intenção do criador, mas que ao mesmo tempo estão ligadas à lógica programativa do computador. Este comportamento da máquina de analisar o mundo cultural extraindo “modelos analógicos” e tornando-os “operatórios” se configura como “cibernético” sendo este um método heurístico de criação que de acordo com Plaza & Tavares (1998, p.93) pauta-se na “sinergia de funções entre [homem e máquina]”. No que concerne à dialética material x imaterial, são as interfaces utilizadas pelos artistas que se estabelecem como operadoras de contato e de tradução, viabilizando as possibilidades de articulação entre os universos do analógico e do digital. Ao resultar da tradução entre códigos, o modelo físico impresso enfatiza o caráter expressivo e sinestésico embutido nas propostas dos artistas. Como se sabe, com base em Tavares (2001, p. 129-130), é a transformação entre imaterial e material, realizada entre os dispositivos transdutores, que garante que a imagem se atualize sob diferentes configurações, a partir do trânsito entre softcopy e hardcopy. No que se refere às obras Unidades Fugidias e Windcuts, o modelo final impresso resulta de um processo em que um sólido modelado virtualmente passa para o plano 569 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


físico com o auxílio de equipamentos de fabricação digital que reproduzem fielmente o digital para a matéria. Em termos de processo de fabricação, ambas as obras se diferem no método escolhido (aditivo ou subtrativo) para sua execução física, mas se assemelham na forma como foram desenvolvidos, utilizando um software CAD que permite simular um modelo em um espaço virtual. 4. Considerações Finais As formas de produção que utilizam os sistemas CAD/CAM 5 , como destaca Pupo (2009, p.3), são atualmente utilizadas em arquitetura justamente em razão de aplicações como: “visualização – capacidade de apresentar informações gráficas tridimensionais altamente realísticas, além de produzir modelos físicos que auxiliam na compreensão espacial; computação – capacidade de executar operações numéricas ou textuais em alta velocidade e com extrema precisão; manipulação geométrica – capacidade de controlar formas de grande complexidade ou relativamente simples, planejando, copiando, modificando e medindo novamente, com extrema rapidez e precisão”, entre outras. Tais aplicações são pertinentes se olhadas pelo ponto de vista das Artes Visuais, pois atendem as necessidades dos artistas que procuram novas formas de expressão com vistas ao desenvolvimento de sua poética. Dessa maneira, é possível compreender a mudança de hábitos na realização de desenhos bidimensionais para a representação tridimensional. Conforme Pupo (2009, p.1), as representações em duas dimensões “não são mais consideradas como soluções que possam garantir uma compreensão espacial, tanto na fase conceitual quanto na de representação”. Para a autora, a representação em três dimensões e o modelo físico permitem uma melhor compreensão, “estabelecendo proporcionalidades, perspectivas e funcionalidades inerentes ao projeto que talvez não pudessem ser evidenciadas em uma representação bidimensional”. Tendo o domínio de tais tecnologias, é possível para o artista executar sua obra inteiramente em uma plataforma digital. Em um primeiro momento de desenvolvimento da forma, a utilização de sólidos geométricos digitais passa a servir de instrumento ao artista, que 5

- CAD (Computer Aided Design – Co mputador au xiliando o Design). CAM (Co mputer Aided Manufacturing –

Co mputador Auxiliando a Manufatura)

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troca a solidez da matéria pelo imaterial pixel como forma de representação. Essa mudança de paradigma, usual nas mídias digitais, permite que seja oferecido ao artista um ambiente virtual em que o mesmo elemento que poderia ser moldado pelas suas mãos, como uma escultura, pode ser feito a partir de coordenadas cartesianas em um ambiente digital. Em um segundo momento, de concretização da obra, além de obter o domínio na modelagem do sólido por meio de softwares CAD, o artista pode ter acesso ao mesmo elemento virtual “impresso” em máquinas de fabricação digital, cuja linguagem compreende os inputs numéricos dados pelo artista através de seu modelo digital, transformando esses valores em um sofisticado processo de impressão, que pode ser executado em diversos materiais e de diversos modos. Tais tecnologias, ao serem introduzidas na arte, abrem espaço a possibilidades criativas. Conforme Machado (2004, p.2), “a arte sempre foi produzida com os meios de seu tempo”. Aplicando esse pensamento no âmbito da representação física de informações digitais, o artista que se aventura nos processos de fabricação e prototipagem digital e explora esse meio como potencial de linguagem acaba por reinventá- lo. A automatização proporcionada pelas máquinas de fabricação digital é ve ncida pelo artista quando este procura, de maneira inovadora, explorar maneiras de subverter o processo tradicional da impressão e alterá- lo, estudando assim seus limites em favor da concepção desses objetos complexos.

Referências Bibliográficas CELANI, Gabriela; PUPO, Regiane. Prototi pagem rápi da e fabricação digital para arquitetura e construção: Definições e estado da arte no Brasil. Cadernos de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanis mo (Mackenzie. On line), Vo l. 8, pp.1-3, São Paulo, SP, BRASIL, 2008. COUCHOT, Ed mond. A tecnol ogia na Arte: da Fotografia à Reali dade Virtual. Porto Alegre: UFRGS Ed itora, 2003. MACHADO, Arlindo. Arte e Mí dia. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2008. MACHADO, Arlindo. Arte e Mí dia: Aproxi mações e Distinções . Revista Eletrônica e-co mpós, pp. 1-15, 2004. MOLES, Abraham. Arte e computador . Po rto: Afrontamento, 1990. PLAZA, Julio; TA VARES, Monica. Processos Criati vos Com os Meios Eletrônicos: Poéticas Digitais . São Paulo: Ed itora Hucitec, 1998. 571 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


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Outras fontes: Unidades Fugidias, Laurita Salles Disponível em: <http://www.canalcontemporaneo.art.br>. Acesso em: outubro 2011. Disponível em: <http://www.cimject.u fsc.br>. Acesso em: outubro 2011. Windcuts (2007), Miska Knapek Disponível em: <http://knapek.org/>. Acesso em: outubro 2011.

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