TECNOLOGIA E EXPRESSIVIDADE: Reflexões sobre experimentações em videoarte e videoclipes na obra de Zbigniew Rybczyński Liene Nunes Saddi
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Resumo: A produção de videoclipes musicais, desde os anos 1970, vem se desenvolvendo em intenso diálogo com questões trabalhadas pelos pioneiros da videoarte, como Nam June Paik, e cineastas experimentais, como Zbigniew Rybczyński. A expansão da produção em videoarte e da computer art ocupou, desde então, espaços em universidades, galerias e exposições, o que, de certa maneira, preparou o terreno conceitual para que diretores e produtores de televisão e novas mídias pudessem utilizar, em seu desenvolvimento de linguagem, a ideia básica do tempo inscrito na imagem, a experimentação de novas relações espaço-temporais e novas maneiras de ver e sentir o mundo. Produzindo imagens para músicas, realizadores diversos desabrocharam seus mais produtivos diálogos com iconografias tecnicistas e colagens ritmadas. Assim, encontraram, no fluxo que afeta psiquicamente a vida das grandes metrópoles de hoje, subsídios para falar da fragmentação de instantes na construção de sentidos que afetam o individual e o coletivo. Entre estes diretores, o polonês e pioneiro Zbigniew Rybczyński, em diversos momentos de sua trajetória como realizador, dialoga diretamente com questões caras à produção visual contemporânea. Pesquisador e desenvolvedor de tecnologias visuais como o uso dos fundos em chroma-key, sua configuração de imagens em „camadas‟, desde a década de 1970, vem ressignificando a criação de narrativas digitais. Diretor de obras experimentais em videoarte como “Plamuz” (1973), “Tango” (1980), e “Steps” (1987), seu trânsito com os canais de comunicação ocorreu de maneira fortalecida, especialmente junto à televisão, ao dirigir videoclipes musicais dos artistas Mick Jagger, John Lennon, Yoko Ono e Lou Reed, entre outros. Ao elencar e analisar algumas de suas obras através de uma abordagem metodológica transdisciplinar entre a Arte e a Tecnologia, propõe-se a reflexão sobre possibilidades contemporâneas de expressividade e de modos de representação visual, através da reconfiguração de elementos temporais e espaciais nos produtos da cultura visual. Palavras-Chave: Vídeo-arte. Arte e Tecnologia. Videoclipe. Expressividade. Arte contemporânea.
Introdução Um garoto entra por uma janela em busca de sua bola. Pega o objeto no cenário e retorna para fora do quadro, pulando a mesma janela. Na sequência, volta a repetir este movimento de entrada e saída, identicamente, e desta maneira prossegue por mais oito minutos. Além dele, outros personagens entram em cena, observados em um plano de câmera fixa, dentro do mesmo cenário: um cômodo com um armário, uma cama, um berço, uma mesa de centro, uma janela e três portas. Por estas portas, outros trinta personagens entram e saem
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do quadro concomitantemente, realizando ações distintas, como comer ou trocar de roupa, em ciclos intermináveis. São personagens que não interagem ou realizam trocas entre si, mas sim com o cenário; tampouco poderiam estar ao mesmo tempo neste pequeno campo espacial, de maneira verossímil, realizando estas ações simultâneas. Mas se encontram dispostos nesta composição desvinculada do real graças aos recursos digitais de sobreposição em camadas de imagens, utilizados pelo idealizador e diretor, Zbigniew Rybczyński, para a confecção da obra comentada, um curta- metragem experimental intitulado “Tango” (1980). Toma-se estas camadas do vídeo citado como ponto de partida para averiguar quebras entre tempo e espaço propiciadas pelos recursos de edição e pós-produção na realização de obras artísticas que se utilizam do suporte videográfico para a construção de suas poéticas. Afinal, tendo como referência a percepção do espectador dotado de um tempo interno próprio ao entrar em contato com a obra, diferentes elementos e espectros em movimento convergem no mesmo espaço, sem índice ou relação com seus rastros, como coloca Philippe Dubois:
“... a imagem-vídeo não existe como tal, ou pelo menos não existe no espaço (sempre há um único ponto por vez), mas apenas no tempo. Esse é um dado fundamental do qual se esquece com muita frequência: a imagem de TV é exclusivamente um proble ma de tempo”. (DUBOIS, 2004, p. 103).
A trajetória de Zbigniew Rybczyński, polonês nascido em 1949, na cidade de Lodz, traz à tona questões muito próximas de discussões trazidas nas últimas décadas pelos videoartistas que ocupam o campo dos museus e galerias. Contudo, sua discussão vem acontecendo à parte deste circuito, sendo que a circulação de sua produção se insere diretamente no meio televisivo, através da direção de dezenas de videoclipes musicais nas décadas de 1970 e 1980, para artistas como John Lennon, Yoko Ono, Mick Jagger, Lou Reed, entre outros. Atuando desde então em experimentações com o meio videográfico, foi um dos pioneiros no desenvolvimento de pesquisas em animação digital, em técnicas de representação digital e a criar dispositivos virtuais de composição imagética, com resultados veiculados em larga escala, primeiramente por emissoras de televisão, e com maior abrangência nos últimos anos, após o surgimento da Internet.
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Doutoranda pelo Programa de Pós -Graduação em Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). 587 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
Para Rybczyński, utilizar o meio televisivo corporativo para veicular sua produção artística é uma das maneiras de se utilizar a arte contemporânea como dispositivo de reflexão para além do espaço da galeria. Assim como ele, videoartistas atuantes desde a década de 1980, como Paul Carrin, Bill Viola e Mary Perillo, também compartilharam a ideia de se criar experiências sensoriais em um meio, até então, basicamente constituído por informação. Ao assumirem e adentrarem o campo com propostas de desvios, trouxeram discussões e contribuições internas ao meio artístico, as quais acabaram por ser incorporadas, posteriormente, pelo canal de videoclipes musicais MTV. O posicionamento de videoartistas em intenso diálogo com o uso da tecnologia como forma de expressão artística se consolida na década de 1960, após o lançamento do primeiro gravador de videotape portátil pela empresa Sony. Com preços mais acessíveis e tamanhos com maior portabilidade, o desenvolvimento de tecnologias de gravação, edição e exibição de vídeos possibilitou que os artistas envolvidos com experimentações em poéticas tecnológicas ampliassem seu rol de intervenções. Desde então, pioneiros como Nam June Paik (19322006) e Bill Viola (1951-) começaram a utilizar a tecnologia do vídeo para discutir processos de criação, bem como extrapolar a relação original entre obra e receptor. Diante de um cenário de experimentações, não demorou para que relações entre este meio fossem estabelecidas junto à linguagem musical. E sobre esta adesão dos artistas do vídeo à produção de videoclipes musicais, Arlindo Machado (1995), inclusive, coloca que o grande evento televisivo, nos anos 1980, foi a transformação da vídeo-arte em television art. Na contramão do engessamento que vinha constituindo a produção televisiva nas últimas décadas, o videoclipe traria a quebra de narrativas e um diálogo com os intensos modos de percepção da sociedade contemporânea. Com uma sociedade submersa em uma vida líquida, a tecnologia passa a mediar a percepção e construção de conhecime nto, como coloca Marshall McLuhan: “Uma vez que todos os meios não são senão extensões de nosso corpo e de nossos sentidos, e assim co mo habitualmente traduzimos u m sentido em outro, em nossa experiência diária, não deve surpreender-nos o fato de os nossos sentidos prolongados, ou tecnologias, repetirem o processo da tradução e assimilação de uma forma por outra.” (McLUHAN, 1971, p. 137).
Diante desta contextualização perante a constituição de um campo para a circulação de videoclipes musicais, acentuadas na última década com a circulação online de produtos da 588 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
Cultura Visual pela Internet, o presente artigo prevê uma breve e pontual reflexão acerca do diálogo de algumas das obras experimentais e videoclipes realizados por Rybczyński, indicando seu trabalho pioneiro em questões temporais, presentes também na produção visual contemporânea. Para isto, foram elencados os videoclipes “Diana D” (Chuck Mangione), “Imagine” (John Lennon), “Stereotomy” (The Alan Parsons Project) e “Dragnet” (Art of Noite), os quais trouxeram também, como extensão do campo videográfico, ressignificações imagéticas em relação aos artistas musicais que representam. “Diana D.” (1984) “Diana D.” é um videoclipe produzido por Rybczyński para o músico e trompetista Chuck Mangione, em 1984. Apresenta ao espectador uma atriz que, em trajes de ginástica, se exercita e ordena seis monitores de TV, de aproximadamente quinze polegadas, de diferentes maneiras durante o vídeo. Em cada monitor, é possível identificar um fragmento de Mangione, de maneira que suas ordenações geram enquadramentos e revelações diferentes do músico como um todo (FIG. 1). Em movimentos acelerados através de recursos de edição, a atriz do videoclipe empilha seguidamente as televisões, levando-as de um lado para o outro do cenário, um estúdio branco. O músico Chuck Mangione, com isso, aparece fragmentado dentro de cada monitor, os quais mediam sua relação tanto com a própria atriz - que aparece deitada ou sentada sobre os monitores - quanto com o espectador, como telas inseridas dentro da própria tela por onde se assiste o vídeo. Com caráter similar a uma performance, a atriz ajeita também os fios elétricos que ligam cada televisão, revelando o mecanismo de funcionamento por detrás dos aparelhos. Já o músico, ao aparecer deitado com monitores na horizontal ou estendido com monitores na vertical, provoca também a percepção do espectador, ao entrar e sair do quadro de maneira pouco usual.
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FIGURA 1: Frame do videoclipe “Diana D.” (1984).
Esta indicação de janelas midiáticas como recortes de enunciações aparece de maneira recorrente em outros momentos da produção do diretor, como no vídeo “Mein Fenster” (My Window), de 1979 (FIG. 2). Neste vídeo, é apresentada uma televisão com um âncora de um programa jornalístico realizando a leitura de notícias bélicas. Além da televisão, há também, presente no cenário, uma garrafa de vidro, com água, e um pássaro em uma gaiola. Ao longo do vídeo, a sensação é de que o eixo da gravidade está sendo invertido em cada elemento disposto, pois a água dentro da garrafa, o pássaro dentro da gaiola e o repórter dentro do monitor passam a girar em torno do próprio eixo, sem que os objetos fixos mudem de posição no cenário. O discurso sobre a mediação deste suporte acontece também na obra “Media” (1980), em que o personagem principal, dentro de uma sala com negativos de filmes, interage com um globo terrestre virtual, através de dois monitores de TV, sendo um a cores, e o outro preto e branco (FIG. 3). Neste movimento com o globo, não é possível identificar se o que está sendo representado pelo monitor frontal de fato está acontecendo ao personagem, uma vez que a imagem dos monitores se sobrepõe, acompanhando o movimento, e revelando pelo monitor frontal um cenário diferente do que o que o personagem se encontra.
FIGURA 2: Frame de “Mein Fenster” (1979)
FIGURA 3: Frame de “Media” (1980)
As relações estabelecidas por estes três vídeos, ao apresentarem interações entre personagens e monitores – ou entre o espectador e o recorte dos monitores – nos indica, de alguma maneira, as condições de visionamento de obras contemporâneas, que se ampliaram para além do contato com a imagem- matéria, ditado pela espacialização, ou pelo contato com
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a imagem fílmica, permeado pelo escurecimento, pela sala escura. Ao termo que Jose Luis Brea atribui à imagem eletrônica, a e-imagem, esta nova condição de visionamento indica a ubiquidade e a onipresença da imagem, presente e permeando as relações sociais de seu público (BREA, 2012). Em relação à questão temporal que permeia estas imagens, pode-se dizer que o tempo dos personagens nestes vídeos não condiz com o tempo representado em cada monitor: desta maneira, o realizador quebra a possibilidade de uma história linear, sobrepondo duas camadas de tempo em fragmentos, através de um estado de colisão. Este processo de ruptura temporal é, com frequência, encontrado na produção visual contemporânea e trabalhado pelos videoartistas nas últimas décadas, o que vem desencadeando mudanças sensoriais na percepção destas obras. Estes artistas possuem práticas, como coloca Nicolas Bourriaud (2009), de percursos entre signos já existentes, cabendo a estas figuras expressivas a invenção de itinerários culturais. O mesmo autor também indica a construção de modos de existência dentro do real a partir dos meios existentes: “En otras palabras, las obras ya no tienen como meta formar realidades imag inarias o utópicas, sino constituir modos de existencia o modelos de acción dentro de lo real ya existente, cualquiera que fuera la escala elegida por el artista. Althusser decía que siempre se toma el t ren del mundo en marcha; Deleu ze, que "el pasto crece en el med io" y no abajo o arriba. El art ista habita las circunstancias que el presente le ofrece para transformar el contexto de su vida (su relación con el mundo sensible o conceptual) en un universo duradero” (BOURRIAUD, 2008, p. 12).
“Imagine” (1986) O videoclipe de “Imagine”, produzido para o músico John Lennon, conta como recurso principal com uma espécie de movimento de travelling interminável, que se inicia em um cômodo claro com uma bicicleta infantil posicionada, e prossegue em ritmo contínuo, revelando cômodos idênticos em momentos distintos e com pessoas diferentes (FIG. 4). O que liga estes cômodos é uma porta ao lado direito do quadro, pela qual alguns dos personagens atravessam os cômodos, aparecendo do outro lado seja com roupas diferentes, seja em idades diferentes. Crianças, adultos, senhores, d iferentes elementos cenográficos, o músico John Lennon, a artista Yoko Ono, e até um cavalo branco são revelados por entre esta
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porta, até que a câmera atinge a disposição inicial do cenário, com a bicicleta infantil, e finalmente para o movimento, encerrando o clipe.
FIGURA 4: Frame do videoclipe “Imag ine” (1986).
A proposta de se abordar o interminável também é tema recorrente na obra de Rybczyński. Em seu já citado vídeo “Tango”, de 1980, as figuras que aparecem em camadas no cenário, no ritmo da música, entram e saem do cenário através de três portas e uma janela dispostas no cômodo. O ciclo só se interrompe quando, ao final do vídeo, as camadas vão diminuindo paulatinamente, e a última personagem em cena, uma senhora deitada na cama, se levanta e quebra pela primeira vez a repetição de movimentos do vídeo, ao pegar a bola no início da história. A diferença primordial em relação ao videoclipe “Imagine”, é que neste caso o cenário se encontra estático, e são os personagens que se apropriam dele, interagindo com seus elementos (FIG. 5). Já no vídeo de John Lennon, é a câmera quem conduz a narrativa, deixando sempre para trás, perdidos no tempo, os personagens que já apareceram. O fluxo de imagens, ditado também pelos modos de viver da contemporaneidade, se reflete no vídeo: “No cinema ou vídeo, para acompanhar o flu xo de imagens é preciso estar atento para metabolizar não só as imagens, mas também o flu xo, e apreender o seu direcionamento e sua significação” (TRIVINHO, 1999, p. 42).
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FIGURA 5: Frame de “Tango” (1980)
Esta noção de se deixar para trás elementos e pessoas que estão no caminho, ao longo da narrativa, também é encontrada em uma das primeiras produções de Zbigniew, de 1976. Trata-se de “Oh! I can‟t stop!” (Oj! Nie moge sie zatrzymac!), vídeo trabalhado com o ponto de vista da câmera em primeira pessoa. Não se sabe quem é o anônimo que conduz o olhar e o discurso, mas em todas as vezes que esta câmera passa próxima a pessoas no caminho, ouvese um grito, de dor ou desespero. Utilizando a técnica de câmera acelerada, a cidade passa inteira pela câmera, desde as áreas mais afastadas e desertas, com árvores e campo, até o centro movimentado, com carros, bicicletas (FIG. 6). A câmera atravessa casas, paredes, construções, placas, dando a impressão de se constituir como um plano-sequência, sem cortes. Ao longo do vídeo, o ritmo se acelera até que não se consiga mais distinguir seu trajeto, exceto pela percepção de que se está em todos os lugares e, ao mesmo tempo, não se pertence a nenhum. Por fim, no ápice da intensidade do ritmo, uma das paredes de um prédio interrompe essa câmera, resultando em um grito de colisão e em uma grande mancha vermelha, remetendo a sangue, por toda esta parede.
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FIGURA 6: Frame de “Oh! I Can‟t Stop!” (Oj! Nie moge sie zatrzy mac !)
Esta abordagem do interminável é também assumida por outros artistas visuais contemporâneos, em especial por Andy Warhol, precursor na exploração do tempo através dos recursos do vídeo. Ao utilizar esta tecnologia para criar obras com desconstruções de narrativas, alguns dos artistas utilizam a estratégia do loop para que um fragmento se repita várias vezes, com emendas entre o começo e o fim, para que não se identifique o ponto de partida ou de chegada da narrativa. No caso de alguns dos vídeos citados, em especial “Tango”, além dos loops realizados, o aumento consecutivo de camadas cria a mesma sensação de repetição, mas com a construção contínua de um cenário em movimento constante. Já em “Oh! I can‟t stop!”, a paisagem se integra ao fluxo percebido, implicando na aniquilação do próprio espaço: “A paisagem se torna flu xo, cintilação, desaparecendo por completo caso a velocidade seja ainda mais incrementada. Nessa condição, o que impera é o tempo ou, se se quiser, o espaço-tempo – co mposto em que o espaço não é físico, geográfico, mas tão-somente lapso, ínterim, tempo ultracurto” (TRIVINHO, 1999 p. 41).
Especialmente em “Imagine”, aproximações poéticas nunca antes trabalhadas por outros meios são trazidas aos conceitos de espaço e tempo, uma vez que não se pode falar de movimentos de câmeras ou de contiguidade com o espaço (MACHADO, 1995). O tempo flui de novas maneiras, apresentado em uma ordem visual que extrapola o conceito de representação. Como coloca Edmond Couchot, “não se trata mais de figurar o que é visível: trata-se de figurar aquilo que é modelizável” (COUCHOT, 1993, p. 43). “Stereotomy” (1986) 594 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
“Stereotomy” é um vídeo musical criado para o grupo de rock progressivo The Alan Parsons Project, em 1986. O grupo abordou, em sua trajetória musical, questões relacionadas ao consumismo, ao tempo, ao psicanalismo e à vida urbana. No álbum onde se insere esta canção, de nome homônimo, o grupo apresenta pontos de vista de personagens com diferentes doenças mentais, sendo a palavra stereotomy referência a um conto de Edgar Allan Poe, que indica o corte de formas sólidas em diferentes formas. Na música, é utilizada como uma metáfora para as mudanças que os artistas da indústria cultural sofrem em função das demandas do mercado. Neste videoclipe, Zbigniew preenche os cenários, previamente filmados, com figuras digitais que representam pessoas executando passos de dança. Estas figuras foram criadas a partir da técnica de animação chamada pixelation, que apresenta imagens configuradas através da disposição de pixels em tamanho visível ao olho humano (FIG. 7). Cabe ressaltar que a mesma técnica já vinha sendo utilizada pelo diretor desde sua primeira produção, em 1972, intitulada “Kwadrat”. Neste vídeo experimental, grandes quadrados brancos acendem e apagam na tela escura, realizando diferentes combinações até diminuírem de tamanho e formarem figuras em pixels, que assim como no videoclipe para o grupo The Alan Parsons Project, também representam pessoas em movimento. Ao longo do vídeo, os fragmentos dessas representações se combinam de maneira aleatória em posições e cores distintas, criando mosaicos visuais com a estética do pixel (FIG. 8) – a mesma localizada nas primeiras criações para jogos de videogame. Além dos quadrados em diversas cores, são formados também mosaicos com pedaços de fotografias, a partir das quais se originam as figuras pixeladas. Ao final, a aproximação desses mosaicos resulta em quadrados cada vez maiores, até que se atinja novamente o grande quadrado branco presente no início do vídeo. A característica do digital, de construção de imagens em pixels, propicia que esta aproximação e desconstrução da referência original resulte em combinações e resultados visuais novos ao olhar humano.
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FIGURA 7: Frame de “Stereoto my” (1986).
FIGURA 8: Frame de “Kwadrat” (1974)
No caso do videoclipe, inseridas em camadas com outros vídeos, estas figuras digitais, representando pessoas através de pixels, interagem espacialmente com outras pessoas já dançando nos vídeos originais, sem que se toquem. Nos vídeos originais, da camada-base, as repetições, cortes e pausas nos movimentos dos dançarinos, criam quebras na organicidade de movimentos, despertando novas sensações ao olhar. Estes movimentos, além de terem sido editados de maneira ritmada junto à música, também orientam a orientação do quadro, que se inclina uma série de vezes, revelando por detrás uma terceira camada, com imagens de cenários naturais como nuvens, vulcões e o espaço. Novamente, a presença de janelas limitando ou extrapolando o quadro midiático, onde o movimento do quadro é diretamente relacionado ao movimento dos dançarinos e das figuras virtuais, que ditam sua direção. O uso de elementos geométricos e de camadas de cores para acompanhar músicas pode ser encontrado, na vídeo-arte, desde a década de 1970. E apesar de ser atribuído a Nam June Paik a realização do primeiro vídeo musical com a utilização de recursos tecnológicos para o desenvolvimento da estética do videoclipe (MACHADO, 1995), a obra “Global Groove”, de 1973, cabe ressaltar que é do mesmo ano a produção de “Plamuz”, vídeo experimental de Zbigniew Rybczyński, já colocado nesta época sob a chancela de music art pelo diretor. Trata-se de uma sessão de improvisos em jazz, onde cada músico é representado por diferentes faixas de cores que dividem a tela, e que aumentam, diminuem ou se tornam borrões e vultos de cores conforme sua intervenção na música (FIG. 9). Este pioneirismo na ilustração plástica de composições musicais aproximou, pelos anos seguintes, o diálogo da obra visual de Zbigniew com o campo musical. 596 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
FIGURA 9: Frame de “Plamu z” (1973)
“Dragnet” (1987) O videoclipe e música-tema do filme de paródia policial intitulado “Dragnet” (1987), trabalha basicamente com a inserção dos músicos da banda de synthpop Art of Noise em ações sobrepostas às cenas do filme. Os músicos se deslocam entre cenas já gravadas do filme, interagindo visualmente com o espaço e com as ações ocorridas. De maneira similar, no mesmo ano, o diretor Rybczyński realiza o curta- metragem experimental “Steps”, onde um grupo de turistas norte-americanos é levado a um passeio „virtual‟ às cenas mais emblemáticas de “O Encouração Potenkim”, de 1925, dirigido por Sergei Eisenstein (FIGS. 10 e 11).
FIGURA 10: Frame de “Steps” (1987).
FIGURA 11: Frame de “Steps” (1987).
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Em ambas as obras, o trabalho a partir de objetos já em circulação no mercado cultural, chamado também de apropriação, produz novas significações e insere os objetos em novos enredos e narrativas, método presente na tipologia da pós-produção, em que são reprogramadas obras existentes para se inscrever a obra de arte em uma rede de signos, ao invés de se compreendê-las como formas autônomas (BOURRIAUD, 2009). Desta maneira, para que se decodifique e se tenha acesso aos conteúdos propostos pelas obras, é preciso que o público também porte este repertório intertextual, relacionando a presença de tempos distintos em um mesmo objeto artístico.
Conclusões O tempo configurado como recurso de expressividade e como ponto de partida para a construção de novos sistemas de representação. Diante dos videoclipes e vídeos experimentais analisados, observa-se que a relação de Zbigniew Rybczyński com as possibilidades expressivas do campo tecnológico se constitui, desde a década de 1970, através do uso, invenção e desenvolvimento de técnicas e algoritmos que oferecem novas maneiras de se experimentar as criações artísticas para o meio videográfico. Acima de tudo, observa-se que o meio foi utilizado pelo artista no estabelecimento de conexões pós- indiciais entre as imagens e seus referentes. Enquanto a imagem indicial, presente em boa parte de trabalhos fotográficos, remete a um referente determinado que a causou (DUBOIS, 2004), os vídeos apresentados remetem de maneira concomitante a diferentes traços, nos casos de sobreposições de gravações, e em alguns momentos sequer possuem traços do real do espectador, por terem sido criados exclusivamente através de recursos digitais. A manipulação artificial de imagens, utilizada desde os primórdios da história do cinema por Georges Meliés, de modo manual, toma corpo e nova velocidade nas últimas décadas com a imagem sintetizada e efeitos gráficos que afastam o vídeo de padrões figurativos: “na modalidade digital, os códigos numéricos correspondentes aos sinais eletrônicos podem sofrer praticamente qualquer sorte de manipulação...” (MACHADO, 1995, p. 161).
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Neste sistema de representação recente, da imagem eletrônica, o tempo também passa a ser incorporado, expandindo as possibilidades de ilusões de movimento oriundas do meio cinematográfico. No vídeo, é possível, através da pós-produção, fazer com que o tempo pareça fluir de acordo com o mundo real do público, sobrepondo camadas de imagens e multiplicando as possibilidades de percepção. Como coloca Nicolas Bourriaud, a pósprodução designa também a invenção de “protocolos de uso para os modos de representação e as estruturas formais existentes” (BOURRIAUD, 2009, p. 14). Ao incorporar o tempo dentro do vídeo, especialmente na produção de videoclipes para artistas musicais, largamente difundidos no meio televisivo a partir da década de 1980 e com potencialização de difusão desde o advento da Internet, Rybczyński acaba por estabelecer um frutífero diálogo com os videoartistas presentes na galeria, retomando questões colocadas em debate no campo da arte contemporânea, como o aspecto processual das práticas artísticas, a aproximação da arte com a vida e a quebra com os espaços expositivos tradicionais. E se desde o início do século XX, artistas de diferentes movimentos artísticos vem trabalhando a representação de novos conceitos de tempo, seja ao fundir diferentes pontos de vista de um objeto em uma única imagem, ao justapor movimentos em uma única composição ou ao realizar retratos imagéticos em estados oníricos, as últimas décadas e a virada do último século legitimam as possibilidades de expressão do vídeo, do analógico ao digital, com a ampliação de meios tecnológicos, câmeras de fácil acesso, programas de edição e de computação gráfica. Rybczyński e outros artistas do meio se aproximaram destes recursos expressivos para trazer à tona, através de suas obras visuais, novas percepções sobre o tempo. Desta maneira, puderam construir, a partir do não- linear, das técnicas de processamento de imagens e das redes de efeitos gráficos, narrativas de pertencimento em maior aproximação junto aos modos de viver contemporâneos.
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