Maria Cristina da Rosa, Judivânia Rodrigues, Giovana Hillesheim

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTE: Lugares acadêmicos e lugares não-formais Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva 1 Giovana Bianca Darolt Hillesheim 2 Judivânia Maria Nunes Rodrigues 3 Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir acerca da atuação dos professores de arte e suas relações com a formação nos âmbitos acadêmico e não-formal. A partir do levantamento de dissertações de mestrado com a temática formação de professores, de entrevistas à arte/educadores e de observação de aulas de artes em espaços formais e não-formais, busca-se analisar aspectos da singularidade da formação de professores de arte. A pesquisa visa contribuir com os cursos formadores em Artes Visuais, a partir da inclusão dos componentes pesquisados em ambos os contextos, acadêmico e não-formal, com o intuito de preparar profissionais melhor habilitados para enfrentar os desafios crescentes que a educação tem recebido no campo da deficiência e da inclusão social, tanto do ponto de vista da formação de conteúdos como do p onto de vista da formação política. Palavras-Chave: Ensino de Artes Visuais. Educação Acadêmica. Educação Não-formal. Processos de Formação. Abstract: This article aims to reflect on the work of art teachers and their relationships with training in the academic and non-formal. From the survey of dissertations themed teachers training, interwies with art-educators and classroom observation of arts spaces in formal and non-formal, seeks to analyze aspects of the uniqueness of teacher of art. The research aims to contribute to the trainers courses in Visual Arts from the inclusion of componentes surveyed in both contexts, academic and non-formal in order to better prepare qualified professional to meet the growing challenges that education has received in the field disability and social inclusion, both in terms of training content and from the point of view of politic formation. Keywords: Teaching of Visual Arts. Academic Education. Non-Formal Education. Processes of Formation.

1. Contextos de atuação e formação do professor de arte O artigo tem por objetivo refletir sobre a docência em artes e suas relações com a formação acadêmica e não formal. Para tanto, partiu-se do levantamento de dissertações de mestrado que apontam o tema da formação docente, além de e ntrevistas e observação de aulas

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Profª Dra. do CEAD e do PPGA V/ UDESC. Líder do grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão e do LA VAIPE – Laboratório de Arte Interativa para Públicos Especiais . 2 Profª de Artes na Educação Básica. Membro do grupo de pesquisa Educação, Arte e Inclusão e mestranda do PPGA V-UDESC sob orientação da Profª Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva. 3 Arte-Educadora na Educação Não-Formal. Membro do grupo de pesquisa Educação, Arte e Inclusão e mestranda do PPGA V-UDESC sob orientação da Profª Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva.

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de artes em espaços formais e não- formais, buscando analisar aspectos singulares nos mesmos. Nessa trajetória foram encontradas características diversas acerca da formação em arte, ao mesmo tempo em que foram apontadas similaridades na valorização das manualidades. O estudo de caráter qualitativo utilizou como técnica de coleta de dados o levantamento bibliográfico a partir do portal da CAPES; diante da localização de 400 dissertações de mestrado sobre formação de professore s, 31 delas apresentaram foco na formação em arte e suas interfaces formais e não-formais. Da mesma forma buscou-se estudos relatados por Fonseca da Silva (2009 e 2010 ) que apresentam observação da prática docente, da ação pedagógica de professores de artes em ONG`s no Brasil e na Espanha, Organización Nacional del Ciego Espanol - ONCE, nos anos de 2010, 2011 e 2012. Dentre as ONG´s observadas no Brasil, a Associação Catarinense de Integração do Cego - ACIC, a Escola Imagens do Povo, a Agência Ensaio Brasil e a Associação Fotoativa, que têm a fotografia como instrumento de arte-educação. Como resultados, identificamos a necessidade de propor aos cursos formadores, a inclusão de elementos que contemplem as peculiaridades da atuação em espaços formais e não- formais, a fim de preparar profissionais melhor habilitados para enfrentar os desafios crescentes que a educação tem recebido no campo da deficiência e da inclusão social, tanto do ponto de vista da formação de conteúdos, como do ponto de vista da formação política. Neste sentido, a pesquisa realizada, observou que os espaços de educação acadêmicos e não-formais podem contribuir com o ensino de arte através das práticas didáticopedagógicas que enfatizam o acolhimento e valorização do saber do educando. Esta contribuição é salutar e profícua quando considera o contexto cultural, econômico e social no qual se encontra o educando, abrindo espaço para o diálogo entre arte e cotidiano. 2. Os estudos sobre formação de professores de arte Com intuito de compreender o processo de formação do professor de Artes Visuais e propor o aprimoramento desta formação, alguns cursos de pós-graduação têm realizado 62 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


estudos investigativos na área através de teses e dissertações que tratam da formação de professores e de estudos que analisam o estado da arte como tema da formação docente. O processo de observação das teses e dissertações que investigam a formação em Arte traz consigo a oportunidade de conhecer diversas facetas das licenciaturas nesta área. Um olhar atento percebe que a ênfase das pesquisas recai sobre os aspectos da formação que suscitam dúvidas ou despertam a preocupação, revelando um manancial de possibilidades de aprimoramento docente. Desta feita, embora se perceba a insatisfação como a força motriz que move a ação investigativa e chama atenção para as questões mal resolvidas na formação inicial, identifica-se a oportunidade de, a partir destas pesquisas, construir um referencial de questões norteadoras para uma formação acadêmica mais consistente nos cursos de licenciatura em Artes Visuais. Mapear, analisar e comparar o estado da arte nos estudos sobre formação de professores é o objetivo do Projeto Observatório da formação de professores de arte (CAPES/MYNCYT) ao investigar as pesquisas em torno dos cursos de graduação em Artes Visuais do Brasil e da Argentina. No que se refere à realidade brasileira, o projeto nascido em 2011 tem a chancela da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), visa à construção de um portal eletrônico que além de armazenar e organizar os dados apontados pelas pesquisas pretende dar visibilidade às problemáticas que delas emergem, apontar áreas as quais haja carência investigativa e contribuir efetivamente na melhoria da formação inicial dos professores de Artes Visuais. O Observatório tem como ponto de partida os estudos já realizados por pesquisadores independentes que têm buscado sistematizar as pesquisas sobre formação de professores de arte, cada um deles direcionando o foco investigativo a uma das muitas especificidades e possibilidades que circundam o ensino da arte: educação ambiental, inclusiva, multicultural, tecnológica, museológica e temáticas de gênero estão entre elas. Fonseca da Silva (2011) aponta os trabalhos de Silva (2008), Nunes (2009), Tourinho (2009), Pillar e Rebouças (2008) e Simó (2010) como subsídios importantes para refletir como as mudanças educativas afetam 63 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


a formação dos professores de Arte, mas enfatiza a necessidade de constituir uma rede de pesquisadores coesa que possa se retroalimentar de maneira sistemática. Embora seja grande a tarefa a que se propõe o Projeto Observatório ao abranger significativas extensões territoriais, diferenças culturais, peculiaridades políticas

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características organizacionais, dados relevantes começam a tomar forma apontando vertentes investigativas e evidenciando aspectos arraigados ou negligenciados na formação docente. Tais dados estão sendo coletados através da análise dos estudos (teses e dissertações) cadastradas no portal eletrônico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tendo em vista a credibilidade e nível de alcance desta instituição criada há mais de sessenta anos com vistas a corroborar na construção de um padrão de excelência acadêmica para os mestrados e doutorados nacionais. Após verificação inicial dos trabalhos apontados na consulta realizada entre março e abril de 2012 junto ao portal da CAPES adotando como ferramenta de busca os termos formação de professores de arte, nível mestrado, foram analisados os resumos das dissertações e excluídas desta pesquisa aquelas ligadas ao universo educacional em sua amplitude (como gestão, organização curricular, legislação...), assim como as direcionadas às outras áreas do conhecimento que não à Arte. As dissertações que se referiam às demais linguagens artísticas (cinema, teatro, dança e música) e que focavam em áreas totalmente distantes da arte (como saúde, direito institucional, entre outras) também foram excluídas. Restavam ainda 31 pesquisas, assim agrupadas: estudos voltados às narrativas de vida e sua vinculação com o exercício da docência em artes e estudos direcionados a outros aspectos do ensino de artes (tais como metodologias de ensino, análise de desempenho discente, estudos sobre o currículo, entre outros). Ainda em relação aos estudos com foco específico na formação inicial de professores de Artes Visuais, obedeceu-se ao recorte temporal préestabelecido no Projeto Observatório: pesquisas realizadas a partir do ano 2000. Após este primeiro mapeamento nove estudos dissertativos enquadraram-se no grupo de pesquisas que irá subsidiar uma análise mais aprofundada em relação às particularidades da formação inicial do professor de Arte. A priori, destaca-se que apenas uma destas dissertações foi desenvolvida no âmbito de pós-graduação em artes visuais; as demais foram 64 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


realizadas em pós- graduações em educação. Tal indicativo aponta a necessidade de observar, analisar, investigar, questionar: há diferenças epistemológicas, metodológicas ou filosóficas entre as pesquisas sobre formação de professores de artes desenvolvidas nos programas de pós-graduação em educação e em artes visuais? De que ordem? Qual o estado da arte destas pesquisas? Quais os referenciais teóricos mais usados? Como estas pesquisas percebem a licenciatura em artes visuais? Muitos são os questionamentos, muito há para pesquisar. De tal forma, é bastante razoável afirmar que as investigações realizadas até o momento sobre a licenciatura em artes correspondem à ponta de um iceberg, pois muito maior do que os estudos já desenvolvidos é o montante das questões que aguardam a atenção dos pesquisadores. 3. Formação e m Artes Visuais na educação não -formal: um olhar a partir da linguage m fotográfica A formação dos arte-educadores que atuam, tanto na educação- formal quanto na educação não- formal, passa por caminhos diversos, como vimos anteriormente em relação as pesquisas acadêmicas. Neste tópico será abordada a formação do profissional que desenvolve projetos de arte-educação, na perspectiva da educação não- formal, a partir da linguagem fotográfica. A pesquisa, em curso, faz um estudo de caso sobre a formação e prática de três arteeducadores, João Roberto Ripper, idealizador da Escola Imagens do Povo no Rio de Janeiro, Ricardo Peixoto da Agência Ensaio Brasil, em João Pessoa na Paraíba e Miguel Chikaoka, da Associação Fotoativa, em Belém do Pará. Até o momento, já foram coletados os dados das duas primeiras organizações. Os dados foram coletados a partir de entrevistas e observações no local durante a realização de aulas e oficinas, para que de posse dos mesmos seja possível fazer uma análise qualitativa, e também comparativa, pois acontecem em diferentes regiões do país, com diálogos diferenciados da fotografia enquanto arte que nos permitem entender como funcionam essas ações de arte-educação e qual o processo de formação dos profissionais envolvidos.

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A pesquisa qualitativa significa uma nova forma de investigação nas ciências sociais, diferente das tradicionais pesquisas quantitativas que predominavam até pouco tempo nesta área da pesquisa, que não permitiam uma diferenciação entre os objetos de pesquisa das ciências naturais e sociais, além de, muitas vezes, não atender as suas especificidades metodológicas. Fonseca da Silva nos diz, a partir de seus estudos, que atualmente as pesquisas relacionadas às ciências humanas e arte “utilizam uma abordagem epistemológica de pesquisa de campo qualitativo, fato este que a diferencia das ciências naturais, não só em relação às questões filosóficas da abordagem, como também o perfil do pesquisador, as técnicas de coleta de dados e o modo de interpretação dos dados”. (2009, p.32) A autora nos diz ainda que a abordagem qualitativa por meio de entrevista proporciona uma postura diferenciada entre o pesquisador e o pesquisado, possibilitando á ferramenta da entrevista o caráter de diálogo. É importante ressaltar que o diálogo, nesse caso, não significa ausência de roteiro para entrevista, nem tão pouco fa lta de rigor na condução da mesma, que deve ser imparcial no que diz respeito à indução de repostas determinadas, além de rigor metodológico para transcrição e interpretação dos dados, respeitando assim, os sujeitos pesquisados e a importância da pesquisa acadêmica. A princípio, visto que a pesquisa se encontra em andamento, abordaremos a partir da coleta de dados, realizada entre os meses de abril e agosto de 2012, o perfil das duas organizações constituídas por estes arte-educadores, assim como algumas considerações acerca dos seus processos de ação e formação, mesmo que de forma ainda inicial. As experiências profissionais e pessoais de ação que aproximam arte e política, as quais fazem parte da trajetória do fotógrafo e educador João Roberto Ripper, o conduziram a criar em 2004 o Programa Imagens do Povo, que está vinculado às atividades da OSCIP4 Observatório de Favelas, localizada no Parque Maré, zona Norte do Rio de Janeiro. O Observatório de Favelas é uma entidade que nasce com a intenção de questionar as políticas urbanas e a abrangência das mesmas nos diferentes espaços da cidade carioca. O diretor do Observatório de Favelas diz que existe uma série de concepções advindas do Estado que nos conduz, segundo ele, 4

Organização da sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), titu lação de entidade ligada ao Terceiro Setor. 66 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


(...) a afirmação de um padrão estético homogeneizador, a partir do qual se nomeia, define, classifica e, no limite, condena as partes da cidade que apresentam formas e práticas sociais distintas do padrão hegemônico. Tal visão de mundo articula, de fo rma simu ltânea, a repetição de discursos legitimadores da “ordem” v igente e o repúdio às estéticas próprias das favelas e espaços congêneres. Diante dele, u rge afirmar percepções humanas e sensíveis das favelas e espaços populares a fim de dar visibilidade ao projeto de cidade que almejamos: plural e múlt ipla, democrática e pulsante. (SILVA, 2012, p. 11).

Neste sentido, o trabalho da Escola Imagens do Povo dentro do Observatório de Favelas, tem uma atuação fundamental na possibilidade de dar voz às pessoas das favelas, e também pessoas de outros bairros de áreas nobres da cidade que compartilham desse pensamento humanizador, pois a intenção é justamente romper com a visão da cidade partida, unindo pessoas de lugares diversos da cidade, a partir do discurso visual da fotografia. Por meio de aportes financeiros de empresas, instituições e recentemente do poder público, a Escola desenvolve cursos anuais de fotografia desde 2004 que prezam pela qualidade, “pois um desafio sempre colocado no processo de formação de sujeito, na produção e difusão de trabalhos visuais, é a construção de um trabalho de excelência” (SILVA, 2012, p.12) Neste processo de acreditar na potencialidade do ser humano e priorizar a qualidade do ensino, Ripper, os demais profissionais e colaboradores, já formaram, em oito anos de atuação, mais de duzentos novos sujeitos no campo da fotografia, principalmente moradores de favelas, atualmente com diploma de extensão universitária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Muitos deles desenvolvem trabalhos fotográficos de difere ntes formas, na intenção de produzir novos olhares para esses espaços populares, vislumbrando uma perspectiva mais justa e menos excludente para a cidade como um todo. Além do curso de formação de fotógrafos, a Escola Imagens do Povo desenvolve outras ações que significaram uma ampliação a partir de demandas e conquistas que trazem consistência ao trabalho, como abertura de um espaço cultural, a Galeria 535, o curso de Fotografia Artesanal, pinhole 5 para crianças e adolescentes, e também o curso de formação de 5

Técnica fotográfica artesanal que utiliza u m recipiente fechado, geralmente latas de alumín io, por isso também conhecida como foto de lat inha, co m u m furo na frente e papel fotográfico dentro, para d iscutir o processo de formação e fixação da imagem sobre uma superfície, no caso o papel fotográfico. 67 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Educadores em Fotografia. Esse último surge como uma demanda necessária devido ao caráter multiplicador que o projeto adquiriu por meio de antigos alunos que realizaram e realizam experiências como educadores em outras comunidades e na própria Escola Imagens do Povo. Outra ação do projeto é a Agência Escola e o Banco de Imagens, criados com a intenção de trabalhar com esses alunos que se formam na Escola, as possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Sobre a segunda organização pesquisada, a Agência Ensaio Brasil, localizada na cidade de João Pessoa na Paraíba, a mesma apesar de direcionar suas ações também, prioritariamente, para o público considerado de vulnerabilidade social, não é juridicamente caracterizada como uma Organização Não-Governamental, ONG, ou OSCIP, como é o caso da Escola Imagens do Povo. A Agência Ensaio Brasil é uma produtora cultural, que destina suas ações na mesma direção que as ONGs, ou seja, promover ações, no caso de arteeducação, em comunidades e contextos de vulnerabilidade social, permitindo o acesso à arte para territórios da cidade que não tem acesso a educação de qualidade e consequentemente o direito ao universo da arte. Ricardo Peixoto, um dos idealizadores da proposta e que permanece hoje a frente das ações da Agência Ensaio Brasil, nos conta que: (...) Na década de 90 surge à primeira agência de fotografia do estado da Paraíba. Pioneira no mercado cultural se destaca pela produção de projetos inovadores e ousados na área experimental de produção, pesquisa e documentação da imagem. A Ensaio Brasil vem ao longo dos anos revolucionando conceitos do fazer e pensar a arte como fo rma de transformação e contribuição social. Tornou -se referência para várias gerações de artistas. (...) cria ações concretas que ganham força na produção independente do país. Marca a passagem do homem no tempo. Cron ista da sua história fortalece a democratização da arte e a livre circulação do artista e a sua obra. (agenciaensaio.blogspot.com.br)

A partir das ações de arte-educação, no âmbito da educação não- formal, a Agência Ensaio Brasil desenvolve em diferentes espaços da cidade, como o bairro do Varadouro, onde se originou a cidade de João Pessoa, o qual abriga hoje uma comunidade considerada de vulnerabilidade social, o lixão do Roger que abriga nas suas imediações uma comunidade de 68 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


catadores de papel, a rua da Areia caracterizada por ser uma zona de prostituição na cidade, entre outras comunidades na cidade e no estado, ações e projetos que promovem o acesso a arte na perspectiva de transformação social. A formação de profissionais para atuar no contexto das Organizações Não Governamentais – ONG`s, no âmbito da arte, de modo geral nasce da produção artística desenvolvida pelos educadores. Vale ressaltar que a Arte é considerada um campo importante de atuação nos movimentos sociais pela linguagem que mobiliza, pela forma como a arte é internalizada no contexto social. Se os cursos de arte não conseguem atender as demandas de professores para as escolas brasileiras, faltam 18 mil p rofessores de arte na região sul, para as ONG`s o quadro de falta de profissionais com formação é muito maior. Nas ONG’s não há uma obrigatoriedade de termos um profissional com formação em Artes atuando, fato que facilita a existência de profissionais não habilitados. Neste estudo então, ressalta-se a necessidade de compreender que características estão presentes no profissional da ONG, que contribuem para o desenvolvimento de um trabalho de arte-educação de qualidade, ao mesmo tempo em que, também busca compreender quais as alternativas para suprir a lacuna de formação existente. 4. As licenciaturas em artes e a formação para a diversidade Pensar a atuação e a formação dos profissionais que se dedicam ao exercício da docência em Artes Visuais exige um posicionamento atento à heterogeneidade peculiar a esta área do conhecimento. Sendo muitas vezes concebido como aliado em projetos sociais, culturais, terapêuticos e pedagógicos, o docente em Arte encontra espaço de atuação não somente em instituições formais de ensino, mas também em lugares não- formais, evidenciando a necessidade de conhecer as particularidades da atuação destes diversos profissionais e adentrar nos universos de formação. Em termos acadêmicos a formação do professor de Arte acontece através da modalidade de licenciatura, habilitando-o a atuar na educação formal e não- formal. O Brasil possui um conjunto de documentos que orientam a formação de professores nas licenciaturas, entre eles as Diretrizes para a Educação Básica e as Diretrizes para as Artes Visuais. Essas 69 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


diretrizes apontam principalmente para a formação no contexto escolar e para o contexto artístico, algumas disciplinas tangenciam a formação do professor que atua no ensino não formal, mas a discussão da formação para atuação em programas de cunho social é bastante distante. Arroyo (2008) analisa o contexto das novas licenciaturas que começam a existir com o objetivo de preparar profissionais aptos a atuar em realidades diferenciadas como coletivos sociais, étnicos, raciais, geracionais e do campo. Podemos dizer que a necessidade de formar profissionais específicos para atuar na realidade da diversidade nos aponta uma determinada falência do modelo de formação presente nas instituições universitárias no tocante à multiculturalidade crítica. De fato a normalização e a fixação de conteúdos acabam engessando as estruturas desses cursos que preparam profissionais para atuar numa realidade determinada, exigindo que os próprios sujeitos que necessitam de formação sejam coadjuvantes no processo de construção da carreira. Nas palavras do autor: (...) os cursos de formação e diversidade aqui narrados se tornam realidade por meio de um longo processo de pressões políticas dos diversos coletivos organizados e de coletivos docentes compro metidos com a diversidade. Formar os próprios docentes educadores é encarado como uma afirmação polít ica e identitária da diversidade. ARROYO, 2008, p.11).

Arroyo ressalta ainda que a perspectiva de formação levada em conta para a proposição curricular parte dos pressupostos da formação para a educação básica, ou pelo menos aqueles conteúdos que são considerados universais, fato que empobrece a formação para profissionais que atuam no âmbito da diversidade, pois sua realidade é secundarizada. O autor propõe então que possamos sair desses limites formais das licenciaturas já existentes e reconhecendo a realidade, os coletivos concretos e suas histórias, estudando o contexto de produção de suas diferenças, propor novas experiências de tornar-se docente a partir dessas realidades diferenciadas, interrogando qual proposta docente responde aos anseios dessas realidades. Arroyo afirma igualmente que para transformar esses cursos é necessário:

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... defrontar-se como ponto de partida com a diversidade, as diferenças e os processos históricos de produção das diferenças em desigualdade. Ir fundo na história polít ica, econô mica, social e cultural e também pedagógica dessa construção dos coletivos diversos e desiguais (ARROYO, 2008, p.14).

Encontramos nas análises de Arroyo apoio para questionar o trabalho educacional voltado para as classes populares no contexto das artes realizado nas ONG`s. Nos cursos de formação docente para o âmbito da formação em artes essa realidade nem sempre é alvo de análise, ou quando é, a docência é proposta a partir de um conjunto de conteúdos e procedimentos uniformizados que pretendem atender amplos setores, da escola básica às ONG`s. 5. Considerações Finais Nesta primeira análise do Projeto Observatório em relação aos estudos sistematizados e registrados no portal da CAPES é possível localizar alguns pontos em comum entre as dissertações de mestrado desenvolvidas sobre o assunto. Independente das especificidades geográficas em que se inserem os pesquisadores, independente se a instituição que abriga o programa de pós-graduação é do tipo pública ou privada, independente se a pesquisa foi concluída recentemente ou há mais de uma década, há aspectos que são constantes. Em relação a estas constâncias, observa-se nas pesquisas: A preocupação em auto-afirmar a importância do ensino da arte partindo do pressuposto de que seu lugar no meio educacional não está completamente reconhecido; A cautela para que o ensino da arte não esteja sendo usado para legitimar ideologias, corroborando, mesmo que imperceptivelmente, para a manutenção do status quo da classe dominante; A desconfiança em relação às políticas públicas voltadas para a educação, acompanhada do receio da ineficácia de documentos norteadores da ação pedagógica propostos pelo Estado; 71 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


A constatação de que o exercício da docência e o da pesquisa estão atuando em frentes muito distintas e que é preciso coadunar esforços para a aproximação entre a academia e a escola. Por certo estas são apenas algumas das questões evidenciadas pelas pesquisas que remetem à formação do professor de artes visuais. Como mencionado anteriormente, somente a ponta do iceberg está visível, sendo necessário mergulhar e investigar outras facetas que cercam este problema complexo e múltiplo: a formação para a docência em arte. Em relação à pesquisa desenvolvida em espaços não-formais de educação, a contextualização dessas instituições, a trajetória de vida pessoal e profissional destes arteeducadores, acompanhadas da coleta através de entrevistas, nos permite até o momento, fa zer algumas considerações a respeito dos processos de formação que estão evidentemente relacionados com a própria prática. Elencamos aqui alguns pontos que se destacam nesta etapa do processo em relação à formação de arte na educação não- formal: Os arte-educadores entrevistados para a realização da pesquisa possuem formação acadêmica em nível de graduação, porém em áreas outras do conhecimento que não a licenciatura em artes, a saber: comunicação e jornalismo; Em ambos os casos, existe uma consistente prática artística e domínio técnico da linguagem fotográfica, adquiridos de forma que entrelaça o saber autodidata, formal e experimental; A ação destes educadores no que diz respeito ao processo de formação, não depende apenas do grau de escolaridade dos mesmos, mas adicionados a isso, o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a realidade social, suas complexidades e inúmeras situações de exclusões geradas; O acolhimento e valorização do saber dos moradores das comunidades onde atuam é imprescindível para gerar conhecimento a partir dessa troca de saberem estabelecidos, constituindo um processo educacional não excludente, que dialoga com a diversidade econômica, social, histórica e cultural;

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O uso da fotografia nas diferentes possibilidades de criação artística, passando pelas técnicas artesanais, pelo estilo documental e também pelas novas possibilidades da era digital, até a combinação com outras linguagens artísticas. O potencial do uso da imagem fotográfica enquanto produção de discurso visual sobre estas comunidades, por meio de uma “fotografia compartilhada” 6 , construída a partir da visão dos seus próprios moradores.

Assim, é possível constatar, de acordo com a pesquisa, que o envolvimento político dos educadores na ação educativa a partir da arte, possibilita que estes construam sua formação neste campo do conhecimento, ampliem as possibilidades de que grupos sociais marginalizados e sistematicamente excluídos tenham acesso à arte por meio da linguagem fotográfica e buscam, a partir do discurso visual da fotografia,um novo olhar sobre o contexto dos públicos que participam das ONG`s. Propiciar o diálogo entre a arte e cotidianos excluídos abre espaço para uma proposta de inclusão e transformação social. Referências Bibliográficas ARROYO, Miguel G.: Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. In: Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. FONSECA da SILVA, M. C. da R. Ensino de Arte e Inclusão: um recorte metodológico a partir de uma pes quisa com professores de arte. In: FONSECA da SILVA, M. C. da R., MAKOWIECKY, Sandra (Org.). Linhas Cru zadas: Artes Visuais em Debate. Florianópolis, Ed. da Udesc, 2009. NUNES, A.L.R. Panorama da pesquisa me artes visuais em interação com a inclusão. In: Mendes, G.M.L. e Silva, M.C. (Orgs.) Educação, Arte e Inclusão: trajetórias de pes quisa. 1. ed. – Flo rianópolis: Editora da UDESC, 2008, v.1, p. 21-34. PEIXOTO, Ricardo. Site da Agência Ensai o Brasil: www.agenciaensaio.blogspot.com.br Data de acesso: 16/ 09/ 2012. SILVA , M.C.R.F. Projeto Observatório da Formação de Professores no âmbito do ensino da Arte: estudos comparati vos entre Brasil e Argentina, 2012. SIMÓ, C. H. O Estado da Arte das Teses Acadêmicas que Abordam Arte e Inclusão. Um Recorte de 1998 a 2008. (Dissertação- PPGA V/ UDESC). Florianópolis, 2010.

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Fotografia compart ilhada é um termo utilizado pelo fotógrafo e educador João Roberto Ripper, para descrever essa produção imagética co mo produto de um diálogo entre educador e educandos. 73 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


SILVA , Jailson de Souza. O simbólico também institui o real. In: Ripper, João Roberto; GASTA LDONI, Dante; MAZZA, Joana (Organizadores e Curadores). Imagens do Povo. Rio de Janeiro: NAU editora, 2012.

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