Maria Helena Machado Farina

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PORQUE SOMOS HELENAS Uma passagem entre linguagens Maria Helena Machado Farina 1 Resumo: A presente pesquisa consiste no estudo e registro da semiose na passagem da linguagempictórica para a cênica de alguns autorretratos da artista finlandesa HeleneSchjerfbec. Busca compreender o percurso criativo e o processo de construção e desconstrução existentes nesta passagem em um contexto de espaço e tempo diferentes. Registra o trabalho de criação em seu movimento, em sua forma imprecisa, problemática, instigant e, com o intuito de trazer novas utilizações dos códigos da linguagem cênica, por meio do rompimento dos limites entre as linguagens artísticas, em que novas possibilidades criativas surgem. Constitui um desafio de comunicação e interação de universos próximos, porém distintos. Investiga de que maneira a síntese interpretativa da vida desta artista plástica em seus autorretratos pode ser transformada em expressão cênica, em personagem que se expressa principalmente por meio do corpo, do gesto, da face, do olhar. Pesquisa de que forma o que é envolvido pela moldura destes quadros, sob a visão de uma atriz, dirigida pelo encenador Fábio Vinasci, em um processo de criação cênica, pode ser transposto para a cena teatral. Assim, recupera a atribuição de sentido e xpresso na tela e “vivifica-o” na representação cênica. As autorrepresentações da artista finlandesa HeleneSchjerfbeck (1862 -1946) me impactaram pela força expressiva e pela representação da passagem do tempo: autorretratos desde muito jovem até seus últimos anos de vida. No seu percurso artístico altera sua pintura conforme suas próprias transformações corporais e emocionais, acompanhando sempre as mudanças nas artes visuais. Seus autorretratos sugerem estados emocionais individuais e arquetípicos. A invenção de novas experimentações cênicas a partir deste olhar buscou privilegiar a função poética das linguagens.Explorar os limites da linguagem para chegar a outra linguagem, testar possibilidades expressivas , afina a sensibilidade e potencializa a criação. Desaloja certezas, tira categorias estanques. O processo de improvisações consistiu na criação de expressões cênicas a partir de efeitos produzidos pelas imagens dos autorretratos escolhidos. Assim, formas, cores, luzes se recriavam em gestos, movimentos, máscaras, iluminação. Há registro do processo (fotos) e da apresentação (DVD). Palavras-Chave: Helene Schjerfbeck . Autorretrato. Processo de criação. Performance. Linguagem.

1. Processo criativo da performance “Porque somos Helenas” Minha primeira grande pergunta é: que significações estão impregnadas nos autorretratos de HeleneSchjerfbeck? Ora, há uma ficção na construção que cada indivíduo faz da sua própria imagem, sobretudo quando se expõe ao outro. Há uma parcela de mentiras que faz parte da verdade de cada um, que é componente essencial da realidade, pois somos o que somos, o que imaginamos e o que desejaríamos ser. Até onde vão as barreiras entre mentira e ilusão,

Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cu ltura - Un iversidade Presbiteriana Macken zie 651 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


percepção e fidelidade, verossimilhança e fantasia? O ator é aquele que empresta seu corpo, sua aparência, sua voz para a personagem. A criação da personagem não “despenca do céu”, não é fruto de uma iluminação especial, mas o ator, como o escritor, o pintor, extrai dele mesmo a produção de sua obra. Assim, a atriz quando revela a pe rsonagem, também é revelada por ela. Descobre-se através da personagem. Reconhece a si no outro. A atriz não quer se limitar a repetir, mas sim, viver na imaginação a ficção para que ganhe força de um fato real. Tem a preocupação de entender o outro, ler e interpretar – no caso – mensagens não verbais, visuais, aliadas a histórias que recolheu sobre a vida da pintora. Em cena, não critica, não agride, ou seja, não julga, o que evita que a personagem fique achatada e estereotipada. Isto é, a atriz não significa por simples transposição e imitação: constrói as suas significações. Nesta teia complexa de componentes próprios e do outro, existem sutilezas entre vida real e vida interpretada. Quem é a verdadeira protagonista da história? Tudo tão delicadamente re al.

FIGURA 1: Busca, movimento e expressão: Seis vezes Helene. FONTE: Cossalter (2011). Disponho

os seis autorretratos de HeleneSchjerfbeck

na

minha

frente e

contemplo(FIG. 1). Fecho os olhos e revejo-os. Abro os olhos. Pergunto- me: como despregálos da moldura e incorporá- los? Como dar vida, movimento, a alguém que está lá, parado, 652 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


fixo, imóvel? Fiquei angustiada e paralisada alguns dias. “O artista mostra necessitar da paciência daqueles que trabalham sobre o estímulo da esperança. Trabalho de quase Sísifo” (SALLES, 2009, p. 87). Resolvi trabalhar imagem por imagem. Nesta preparação, decidi trabalhar no coletivo: num processo colaborativo, recorri à bailarina Miriam Dascal para ampliar meus recursos corporais, na busca de expressões cênicas das imagens. Reli as situações da vida de HeleneSchjerfbeck para que me despertassem sentimentos, emoções. Quem sabe assim, “rechearia” a vida interior da personagem dando- lhe mais sentido. Stanislavsky (1991, p. 77), fundador do Teatro de Arte de Moscou, pontua a importância das “circunstâncias dadas”: fatos, acontecimentos, época, tempo, local, condições de vida da personagem como elementos que podem despertar uma atividade interior e real; podem ser a alavanca para determinados atos e sentimentos dessa pessoa imaginária.

FIGURA 2: Busca, movimento e expressão: Helenas. FONTE: Dascal (2011). Após a releitura, refiz minha postura para reproduzir sua primeira imagem, mas o peso e a densidade do meu gesto, do meu olhar não correspondiam aos da figura de Helene em seu primeiro autorretrato (FIG. 2). 653 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Seres humanos são interpretadores dos fatos, tendendo a precipitar entendimentos diante do desconhecido. A imagem escapou. Queria valorizar apenas aquele momento, aquela imagem, apreendê- la no imediato. Fazer pulsar em mim o que pulsava naquele autorretrato por meio de suas cores e formas. Forma, ritmo e fluxo. Eugênio Barba, fundador do OdinTeatret, ao tratar da partitura, que é a manifestação objetiva do mundo subjetivo do ator, cita quatro possibilidades: tratá- la como forma, como ritmo, como cores ou como fluxo. Forma seria o desenho dinâmico no espaço; ritmo, a alternância de tempos; cores, a qualidade de energia – macia ou vigorosa; fluxo seria como um dique que contém o fluir orgânico das energias (BARBA, 2010, p. 69). Pensando nesses conceitos, olhei a primeira imagem de Helene, achei-a jovem, provavelmente apaixonada por sua arte e comecei a dançar. Não havia desejo de contar história nenhuma, era uma dança livre. Pretendia uma comunicação subjetiva, e como a relação com os espectadores é prismática, permitiria diversas afetações. Optei pela dança porque o espaço na improvisação dá fluxo e na performance não há a interface entre teatro e dança. O corpo expressava uma atmosfera, um estado de espírito. O movimento, em dança pura era a poesia do corpo no espaço. As influências do movimento eram musicais (testamos algumas músicas) e o conteúdo emocional era a “vontade de pintar o mundo”, a aventura de descobrir-se por meio da pintura. “Os desenhos visíveis da dança podem ser descritos em palavras, mas seu significado mais profundo é verbalmente inexprimível” (LABAN, 1971, p. 53). Movimentos variados para cima, para baixo, direita, esquerda, frente e trás percorriam o espaço como se o corpo estivesse pintando este espaço. Mutantes expressões corporais traçavam um contorno complexo em múltiplas combinações até o momento em que acontecia uma nova escolha na forma dos gestos e postura corporal. Neste instante, a ação era dotada de um objetivo específico: a personagem começava a pintar seu primeiro autorretrato; colocava-se na posição da imagem do autorretrato e ficava imóvel por uns instantes. Como se quisesse fixá- la em uma moldura. Segundo autorretrato de HeleneSchjerfbeck (1895): Qual é a s ingularidade de HeleneSchjerfbeck? Algo se repete, mas algo se transforma. Ela muda e se torna outra.

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Retorna sobre si, o que a modifica e a torna inédita. O passado sai do campo de ação, mas coexiste. Ela se torna algo diferente dela, apesar dela. Mudou, mas segue sempre sendo uma. Perco-me em labirintos, hiatos, possibilidades. Neste segundo autorretrato, Helene ainda é jovem, mas seu rosto, seu olhar estão diferentes. Há uma diferença na pintura e nas cores. A pincelada neste autorretrato tem movimento em torno da cabeça, as cores do rosto, da roupa e dos cabelos são também as cores do fundo, o que provoca uma harmonia, uma suavidade. O rosto em posição ¾ traz um olhar mais enviezado para o lado, provocando certo distanciamento em relação ao espectador. Este olhar dá a impressão de que Helene se procura na imagem do espelho. A roupa escura, com gola alta, valoriza o semblante de pele clara, numa relação de alto contraste. Olho para a imagem e para o espelho e faço uma posição corporal igual a ela. Providencio pano azul, de tonalidade parecida com o azul do quadro, pano é cênico, lúdico. Tem mobilidade, é mágico.

FIGURA 3: Busca, movimento e expressão: Obliquamente. FONTE: Dascal (2011). Faço um olhar de lado, (desconfiado?), como o dela (FIG. 3). 655 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Fiquei parecida, mas ainda não estava satisfeita. De qualquer forma, passei a contemplar o quadro seguinte. Terceiro autorretrato de HeleneSchjerfbeck (1912): A partir deste autorretrato, não há mais compromisso com a “realidade” da imagem. Numa fase já expressionista, pinta um olho de cada cor, uma sobrancelha de azul, espalha círculos coloridos pelo rosto e a boca é pintada. Cada olho tem uma cor. Olhar abandonado a si mesmo, desconfiado, estrangeiro? Com que olho ela vê o quê? Olho, fronteira móvel e aberta entre o mundo externo e Helene. As cores expressam-na e escondem- na. A primeira associação que faço é com o palhaço, que imprime em sua fisionomia as mais disparatadas maquinações de cores. O palhaço é brincante, é melancólico. O nariz vermelho é característico, e ele só aparece numa relação com outra pessoa (FIG. 4). Helene está só, mas tento me relacionar com ela. O que esta imagem de Helene revela?

FIGURA 4: Busca, movimento e expressão: Cores e formas II. FONTE: Dascal (2011). 656 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


O palhaço revela o ridículo de todos nós. E ela? Dor? Mesmo colorida, sua expressão não é alegre. Ando pelo espaço, procuro exprimir corporalmente o que este quadro me transmite. Movimentos de tensão e encolhimento mesclados com movimentos de relaxamento e liberdade expressavam a dialética dentro versus fora, exposição versus esconderijo, choro versus riso. A seguir, fitei- me no espelho alguns instantes e desenhei com batom vermelho círculos no meu nariz, na bochecha, na testa. Olhei- me, olhei de lado, me senti criança, brincante, atriz. Quarto autorretrato (1915): Trata-se de uma mulher madura, que me transmite segurança, altivez. Apropriada de si mesma e de sua função de artista, uma vez que aparecem, pela primeira vez, objetos de pintura. Neste retrato, o rosto é fro ntal, o olhar direto e a roupa é clara, com um broche. Segundo Focos (1995), este autorretrato foi uma encomenda da Associação de Artes da Finlândia. Ora, pressuponho, então, que ela mostrou-se como queria ser vista. Talvez seja como ela se apresenta no mundo, sua persona. Seu papel social, a aparência exibida para facilitar a comunicação com o mundo externo, com a sociedade em que vive. Olho para o espelho, me penteio, faço maquiagem, me arrumo. Fito- me. Penso na minha/dela identidade. Olho novamente para o quadro e observo os signos que ela escolheu para representá- la: recipiente com pincéis, o que a define como pintora; maquilagem, broche, apetrecho no cabelo lhe dão identidade feminina (FIG. 5). Olho para ela, para mim, para o espelho.

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FIGURA 5: Busca, movimento e expressão: Através do espelho. FONTE: Dascal (2011). Quinto autorretrato (1939): Pintura dramática, subjetiva. Figura torta, deformada, monstruosa. Máscara angustiante, estranha. Sobrancelhas e olhos mais uma vez chamam a atenção. Uma sobra ncelha bem expressiva, a outra quase inexistente. Um olho diferente do outro. Ao contrário da imagem anterior, esta não possui características de identidade definida, é quase uma máscara, que produz um impacto emocional no espectador. Observo o autorretrato e faço caretas exageradas, grito para exprimir esta distorção. Que angústias esta imagem expressa e provoca? Olho todos os autorretratos e percebo um movimento de Helene do exterior para o interior, conforme ela fica mais velha. Há um amadurecimento na idade e na pintura. De uma expressão realista, passa para momentos expressionistas, em que deforma a figura para ressaltar o sentimento. Conforme o tempo passa, a expressão do seu mundo psicológico adquire maior importância do que seu mundo físico, aparente (FIG. 6). Na minha interpretação, o olho é a fronteira entre os dois mundos: interno e externo. Lanço perguntas à imagem, especialmente aos seus olhos. O que ressalta é sempre o olho. 658 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Qual olho revela, qual olho engana? As percepções visuais são muitas ve zes assimétricas e dinâmicas.

FIGURA 6: Busca, movimento e expressão: Desconstrução. FONTE: Dascal (2011). Branca, “pastelada”, esta imagem nos remete a nossas partes obscuras, malditas; um espelho de nossas distorções, contradições, aflições interiores. Ela é patética, retorcida. A mim, me faz pensar em facetas da loucura, conflito entre partes, caos interno. Inevitável a associação com máscara, a imagem parece uma máscara, que por sua vez, designa uma criação fantástica, feiticeira, relacionada a manifestações diabólicas em torno de um mistério. No Teatro primitivo, aquele que usa máscara perde a identidade, passa a ser quem representa; é “possuído” pelo espírito daquilo que personifica e os espectadores participam dessa transfiguração. A máscara trágica procura reproduzir o patético e a dor. A máscara expressionista na pintura exprime as convulsões da alma humana; no teatro, ela representa o outro: o ator “perde” a identidade e passa a ser quem representa, o que é compartilhado com quem o assiste (espectador). Assim, a máscara relaciona de forma peculiar, o real e o imaginário, tem valor simbólico, é arquetípica. Planos e ângulos da iluminação no palco, relação de luz e espaço cênico, ou seja, desenho de luz, construído com um iluminador, transmitem efeitos análogos aos efeitos de jogos de contrastes, de luz e sombra na pintura. Dão clima, valorizam expressões. 659 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Este autorretrato me levou a exploração de outros signos cênicos: máscara, iluminação. Sexto autorretrato (1944): este autorretrato me colocou e m contato com sensações, emoções vinculadas à ideia de morte. É como se Helene registrasse sua imagem esvaindo-se, já perto do final da vida. Trata-se de uma pintura bem impactante, é quase um borrão, com um olho bem grande e o outro praticamente apagado, só se vê sua sombra. Neste quadro, HeleneSchjerfbeck tematiza sua própria finitude, a imagem é dissonante, denuncia a ilusão da harmonia eterna que gostaríamos de ter. Lembrei- me da última cena do filme: Morte em Veneza, do diretor italiano Luchino Visconti, produzido em 1971. Na cena a qual me refiro, o maestro protagonista morre ao mesmo tempo em que a tinta de seus cabelos escorre pela fronte. É uma cena muito bonita. Embora no filme a imagem tivesse outros significados, meu pensamento sobre velhice, mor te e pintura de Helene me trouxe a imagem desta cena que também, entre outras coisas, se relacionava com velhice, morte, arte, tinta escorrendo, vida acabando. Como mostrar corporalmente um processo de desmaterialização, de alguém que está indo embora, mas ainda vive? Difícil. Deixo meu corpo tenso, encolhido, respiração ofegante. Um olho fechado, outro, aberto. Embora numa postura desconfortante, angustiante, olhando no espelho, percebo que seu efeito não impacta como eu gostaria( FIG. 7).

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FIGURA 7: Busca, movimento e expressão: Movimento e gesto. FONTE: Dascal (2011). Trata-se de uma qualidade nova, um clímax, um conteúdo expressivo diferente. “À sublime beleza do viver justapõe-se o sentido da solidão essencial ante o destino” (DA VINCI [14--] apud OSTROWER, 2004, p. 50). Refaço meu gesto, encolho, respiro com dificuldade, mas não estou satisfeita com o resultado. Apesar da intenção, sinto- me ainda distanciada daquilo que quero expressar. As cores da maquiagem cênica, bem como as cores na pintura, expressam sensações e podem definir um contexto com diferentes significados. Uma maquiagem escura, borrada, pode ter efeito parecido com o “borrão” deste autorretrato. Construir ou desfazer características do rosto, criar outra identidade são funções da maquiagem cênica. Pode ser um recurso interessante a ser experimentado. Experimento possibilidades.

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Após esta imersão contemplativa com ensaios gestuais correspondentes em cada autorretrato de HeleneSchjerfbeck, resolvi sair das partes e pensar no todo, num processo menos estanque. Este olhar mais gestáltico pode trazer novos recursos, ideias, criações cênicas. Até aquele momento tive um movimento de buscar minhas reações corporais subjetivas a partir de cada imagem de Helene, tentando expressar o efeito que eles produziam em mim. No momento seguinte comecei a pensar nela como uma personagem propriamente dita e no conflito essencial que a movia, resultando neste desejo de se autorretratar. De que forma esses conflitos poderiam ser expressos por meio de signos cênicos? O autorretrato possibilita um jogo de imagem entre o que a artista pensa ser, deseja ser, finge ser... o resultado é a pintura na tela. Cenicamente quais poderiam ser os signos representativos deste jogo, desta oscilação e mescla entre revelar e esconder-se? Entre ser um e ser outros? Com que objetos, suportes cênicos, a atriz poderia relacionar-se para significar estes vaivéns? Resolvi, então, procurar a colaboração de um encenador que me ajudasse a refletir sobre o processo, com um olhar panorâmico. Desta forma, com Fábio Vinasci, experimentei durante os ensaios alguns objetos que, utilizados cenicamente, pudessem expressar o conflito que nasce do desejo de se revelar e se enxergar e, ao mesmo tempo, se tornar outro como na pintura. Elegemos a utilização da máscara como ponto de partida para a experimentação por ser um objeto que, em função das suas particularidades (cores, formas, linhas e expressões), permite a ampliação do imaginário, tanto do ponto de vista da criação do performer, quanto do olhar do espectador. É importante ressaltar que nossa ideia não era criar um espetáculo de máscaras, o que exigiria um processo de pesquisa mais longo e aprofundado, mas aproveitar a gama de possibilidades desse elemento cênico para enriquecer a minha performance. Tampouco tínhamos a intenção de utilizar uma máscara que representasse de forma realista a figura de HeleneSchjerfbeck, e sim evocar sua presença em cena. A máscara utilizada durante os ensaios foi criada a partir do meu próprio rosto, o que me possibilitou experienciar a sensação de ter, por meio de outro suporte, o meu autorretrato, uma vez que participei da sua confecção. No entanto, ao me mascarar, perdi dois dos elementos de expressão mais comumente utilizados no meu trabalho de atriz, que são o rosto 662 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


e a voz. A ausência desses dois recursos aliada ao uso da máscara reforçou a sensação de ser outra pessoa em cena, mesmo utilizando sobre a minha pele um molde do meu próprio rosto.

FIGURA 8: Máscaras: Máscara II. FONTE: Vinasci (2011). Entretanto, este processo revelou-se inadequado, e optamos pelo uso de uma máscara industrializada. O uso da máscara nesse processo me estimulou a experimentar outras possibilidades corporais, tornando meu gestual mais expressivo e sensível à atmosfera que emana dos quadros de Helene, percorrendo sua obra não apenas a partir de uma abordagem racional e lógica, mas principalmente sob o prisma de uma percepção mais sensorial e onírica (FIG. 8).

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FIGURA 9: Máscaras: Máscara III. FONTE: Vinasci (2011). A busca pela forma e pela representação dessa identidade cênica a partir da minha própria máscara e do universo pictórico de Helene será o conflito motor por intermédio do qual se desencadearão as ações dramáticas da minha encenação, que encontra paralelo com a necessidade de expressão da pintura através de sua obra (FIG. 9). Estas fotos me levaram à percepção de enquadramento, o que trouxe um diálogo do pictórico com o cênico. Embora fosse a mesma máscara, magicamente ela mudava. Conforme a relação da atriz com ela, da máscara com outros objetos, outros sons, climas diferentes eram sugeridos e a máscara parecia outra. Além da máscara, relações com outros signos cênicos podem ser experimentadas. Uma janela, por exemplo, pode ser um elemento cenográfico interessante, uma vez que pode ser o equivalente a uma moldura. Wim Wenders, cineasta alemão, num depoimento no filme Janelas da alma (2001), de João Jardim, relata que acha que ficamos mais conscientes no enquadramento. Ele prefere os óculos às lentes porque eles dão enquadramento, deixam a visão mais seletiva. Segundo ele, o enquadramento nos dá mais consciência do que vemos de fato.

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A janela é um “portal de contemplação”, permite e compartilha a passagem do tempo. Fechada, é o silêncio. A porta também é metafórica: pode receber, acolher, mas também proteger e esconder. A artista plástica Keller Duarte pintou os quadros que compuseram a cenografia, uma vez que acompanhou o processo inteiro do trabalho. Joana Salles, figurinista, foi convidada a assistir a um ensaio em que também estava presente o diretor Fábio Vinasci, e fazer a concepção do figurino. Assistindo, fez comentários sobre o clima da performance, perguntou sobre a artista e sua época, expressou sua percepção, e juntos refletimos sobre efeitos realistas e expressionistas. No que diz respeito à trilha sonora, meu interesse não foi pesquisar a música da época, nem do país de HeleneSchjerfbeck, mas sim, dar vazão à intuição durante os ensaios. Conseguir climas, atmosferas. Valorizar momentos de intensidade interpretativa. A luz sempre dialoga com os movimentos e o estado interior da atriz, contracena com a música e o espaço cênico em todos os seus aspectos. A iluminação pode dar ênfase a certos aspectos do cenário, pode estabelecer relações entre a atriz e os objetos, pode enfatizar as expressões da atriz, pode limitar o espaço de representação a um círculo de luz, e muitos outros efeitos. Para tal, o iluminador Airton dos Santos Filho, com sua técnica de iluminação, buscou estes efeitos nos ensaios. O corpo da performer estará produzindo significações, por meio de suas relações com a plateia, com objetos cênicos, cenografia, música, iluminação e espaço cênico. Várias fases da vida de HeleneSchjerfbeck são evocadas: o tempo da juventude, da maturidade, da velhice; a passagem dos anos, a efemeridade da vida, são panos de fundo para a busca de climas nas passagens. Embora morta, sua presença no mundo não foi apagada. Referências Bibliográficas BARBA, Eugenio. Queimar a casa - Origens de um diretor. São Pau lo: Ed itora Perspectiva S. A., 2010. CANTON, Katia. Es pelho de artista [autorretrato]. São Paulo : Editora Cosac Naify, 2004. COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo : Editora Perspectiva, 2004. DONDIS, A. Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Pau lo, SP. Editora Mart ins Fontes, 2007. FOCOS, M ichelle. Os autorretratos de HeleneSchjerfbeck: revelação e dissimu lação.Spring: Wo man’s Art Journal,1995. 665 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


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