Myriam Salomão

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A CONTRIBUIÇÃO DO RESTAURO PARA UMA NOVA HISTÓRIA DA P INTURA COLONIAL PAULISTA Myriam Salomão

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Resumo: A pintura paulista produzida no período colonial, principalmente na cidade de São Paulo, ganha novos aspecto revelados por recentes restauros. Exempl os dessa nova visualidade que se revela são os casos da Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, da Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte, ambas no centro da cidade, e da Capela de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista. Este estudo é uma análise desses restauros que permitirá um novo entendimento da pintura paulista em seus aspectos técnicos, formais e históricos. Escreva o resumo em itálico. Utilize espaço simples entre as linhas, fonte Arial, tamanho 10. Palavras-Chave: Pintura colonial paulista. Restauro de pintura. Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo. Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo. Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo. Abstract: The painting from São Paulo produced in the colonial period, mainly in the city o f São Paulo, it wins new aspect revealed by recent restorations. Examples of that new visuality that one reveal are the cases of the Church of the Order Third of Carmel, of the Church of the Good Death, both downtown, and of the Chapel of São Miguel Arcan jo in São Miguel Paulista. This study is an analysis of those restorations that will allow a new understanding of the painting from São Paulo in their aspects technical, formal and historical. Word-key: Colonial painting of São Paulo. Restoration of paintings. Chapel of São Miguel Arcanjo, São Paulo. Church of the Order Third of Carmel, São Paulo. Church of the Good Death, São Paulo.

O período colonial paulista caracteriza-se por uma distinção em relação às demais regiões brasileiras, determinada por diversos fatores, entre os quais podemos destacar o relativo isolamento geográfico da região até o início do século XIX, gerando uma sociedade com poucos recursos econômicos, em sua maioria, e que nem sempre teve como arcar com as despesas da manutenção de uma atividade artística constante na capitania. Com isso, temos a sensação de que em São Paulo pouco existiu das consagradas expressões artísticas do período colonial – arquitetura, imaginária, música, talha e pintura – já que muitas das igrejas (principal espaço de manifestação artística nesse período) ruíram ou foram substituídas por outras, no final do século XIX e início do século XX, época do desenvolvimento urbano e industrial da cidade de São Paulo. Se já encontramos dificuldades em discorrer sobre a atenção dada à preservação das construções religiosas da região, quanto à pintura essas dificuldades são ainda redobradas, acentuadas pelo fato de que a pintura paulista produzida entre o final do século XVII e metade do XIX carece de estudos gerais quanto à autoria, cronologia, iconografia, inventário das obras e dos modelos que circularam e influenciaram essa produção. Se no ano de 1937, Mário de Andrade nos lembra de que “no período que deixou no

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Brasil as nossas mais belas grandezas coloniais, os séculos XVII e XIX até fins do Primeiro Império, São Paulo estava abatido, ou ainda desensarado dos reveses que sofrera” (1984, p.73), atentando para o fato de que, no caso de São Paulo, o critério de julgamento tem de ser outro. Etzel nos fala de verdadeiras “joias de família” (1974, p.132) que, por suas particularidades tão próprias, devem ser entendidas e analisadas em seu contexto, pois constituem “um núcleo característico, do Brasil-colônia: fechado, independente, agressivo e cioso de sua liberdade total” (ETZEL, 1974, p.133). Mas, atualmente surgem novos aspectos das pinturas paulistas revelados por restauros recentes ou em andamento, pois apesar de não ser uma fonte direta, constituem fontes documentais semintencionais, sendo raras as obras que chegaram inalteradas aos nossos dias (LEVY, 1997). Exemplo dessa nova visualidade que se revela são os casos da Igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e da Capela de São Miguel Arcanjo, todas na cidade de São Paulo. A análise dos restauros realizados ou em andamento, permitem um novo entendimento da pintura paulista, posto que ao se realizar tal empreitada, questões diversas são colocadas, desde o entendimento técnico da feitura daquela pintura, tudo que o tempo colocou ou retirou na obra, até o que se espera ver ou mostrar para o apreciador atual, ou seja, é uma nova pintura que se revela. 1. Igre ja da Venerável Orde m Terceira de Nossa Senhora do Carmo A história da construção da igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo é envolvida em incertezas: ao que tudo indica, começou a ser construída em 1697, pelo vigário provincial, reformador e visitador dos frades do Brasil, frei Manoel Ferreira da Natividade. Estava pronta em 1759, quando se inicia a pintura da capela- mor e a confecção da talha dos retábulos, ficando completa por volta de 1763. Mas a igreja atual não é essa, pois segundo registros dos livros de receitas e despesas dos terceiros, no período de 1792-93 ela estava em sua fase de maior atividade construtiva, com a remoção dos antigos retábulos e colocação de novos, além do trono e forro da capela- mor. Em 1906 a capela foi reformada e, em 1922 passou novamente por reformas, ficando pronta em 1927 e, portando, data dessa época o estado atual do edifício (DANON & ARROYO, 1971). A Igreja da Ordem Terceira possui todas as dependências necessárias para suas atividades: capela, sacristia, salões de consistório e reuniões, além do jazigo, formando um conjunto harmonioso completo na sua decoração com as pinturas da sacristia, biblioteca, 1

Doutoranda em Fundamentos e História da Arquitetura e Urbanis mo da FAU/ USP. Bolsista CAPES. 283 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


capela- mor, nave e coro, conforme já afirmado anteriormente (SALOMÃO; TIRAPELI, 2001, p.103). Na sacristia há um painel pintado por José Patrício da Silva realizado entre 1785 – 1786 (CERQUEIRA, 2007) que representa Nossa Senhora do Carmo cercada de querubins com o Menino Jesus no colo, entregando o escapulário a Santa Teresa. A pintura intitulada “Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa”, considerada uma obra-prima do pintor colonial paulista, José Patrício da Silva Manso (1740-1801), foi realizada sobre tela em vez de pintada diretamente nas pranchas de madeira do forro como era costume na época, e fixada no teto da sacristia. Esse fato representou bem mais conforto para o artista, pois o pintar na superfície vertical à sua frente ao invés do andaime, deu- lhe o tempo, a luz e o ângulo que melhor lhe convinha como atesta Júlio Moraes e sua equipe de restauradores, responsáveis pelos trabalhos de restauro iniciado em março de 2006 e concluído em fevereiro de 2007 (CERQUEIRA, 2007, p.7). Segundo os relatórios de trabalho (MORAES, 2007) a metodologia foi relativamente fácil de estabelecer: remover a tela e aplicar-lhe uma reentelagem, emprestando ao tecido original enfraquecido e deteriorado a resistência mecânica de uma tela nova aderida por trás, e fixá- la depois a um novo painel, em substituição às velhas pranchas que a rasgaram com os seus movimentos. Os seguintes critérios foram rigorosamente seguidos: respeitar totalmente gestos e materiais originais, adicionando apenas o imprescindível à estabilização e resgate da mensagem do artista, e o que se adicionou será sempre removível no futuro, em respeito ao progresso técnico que também haverá de prosseguir. Concluindo o restauro, foi devolvida ao seu local de origem, junto com a moldura original também restaurada (FIG. 1), e podemos ver a homogeneidade de tons e superfície, e a integração de formas e cores obtida.

FIGURA 1: Painel “Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa”: à esquerda, antes do restauro em 2006 e, à direita em 2007. Foto: Júlio Moraes Conservação e Restauro. 284 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


Já as pinturas do forro da nave, do coro e da capela-mor foram executadas entre 1796 e 1797 pelo paulista de Santos, Padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) e, de acordo com Mário de Andrade (1945), Jesuíno primeiro pintou a nave, depois a capela-mor e, por último, o coro. Na nave, a pintura sobre o forro tem figuras apoiadas diretamente sobre a cimalha das duas laterais: três grupos de cada lado composto por quatro figuras de corpo inteiro em cada grupo representando santos e santas carmelitas. No centro, há uma pintura de Nossa Senhora da Conceição que até o ano de 2010 estava escondida por outra executada por Pedro Alexandrino no final do século XIX (FIG.2), e só agora, após restauro voltamos a visualizá- la (FIG.3).

FIGURA 2: Fotografia da pintura da nave da Igreja da Venerável Ordem Terceira de N. Sra. do Carmo , co m conjunto de santos e santas carmelitas nas laterais e ao centro Nossa Senhora da Conceição como se via até 2010. Foto: Nenas Medrano, 2003.

FIGURA 3: pintura do centro da nave após início do restauro, já co m a imagem de N. Senhora da Conceição pintada por Jesuíno do Monte Carmelo v isível. Foto: Jú lio Moraes Conservação e Restauro, 2010.

Os serviços executados no forro da nave e coro foram os seguintes, conforme conta no relatório de Júlio Moraes (2010, p.9), restaurador responsável pelo projeto: decapagem das 285 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


camadas de tintas superpostas à pintura original de Padre Jesuíno feita majoritariamente por processos mecânicos, pois esse processo confirmou-se como o mais adequado, tanto por ser o mais efetivo na remoção dos materiais adicionados, como por garantir controle mais fino da remoção e evitar a permanência de produtos químicos. Um item imprevisto de serviço foi executado (a princípio limitado ao restauro da pintura), por determinação e com acompanhamento do IPHAN: a remoção dos arcos de madeira que subdividiam o forro, ao haver-se constatado que a pintura de Padre Jesuíno do Monte Carmelo prosseguia sob os mesmos e, portanto, tratava-se de elementos que escondiam parte da pintura e descaracterizavam o conjunto. Assim, foi encontrada significativa área de pintura original em ótimo estado escondida sob os mesmos. Verificou-se que o arco era de confecção moderna, feito à máquina, e fixado com parafusos. A pintura é a dupla de santos Elias e Eliseu, habitualmente representado nas igrejas carmelitas. Estas figuras foram retocadas e o fundo, parcialmente repintado, indicou uma intervenção começada e inacabada, talvez em função da decisão de instalar-se o arco de madeira. É no conjunto de pinturas do forro da nave e do coro que temos uma das principais renovações na visualidade: a restauração conseguiu resgatar, através de procedimentos técnicos especializados, as pinturas existentes por debaixo das camadas de tintas e vernizes que se lhe sobrepuseram nos séculos XIX e XX. É como um novo conjunto de pinturas que surge revelando o verdadeiro Padre Jesuíno do Monte Carmelo (FIG. 4).

FIGURA 4: Forro da nave após conclusão do restauro. Foto: Myriam Salo mão, 2012.

Diferentemente do forro da nave e do coro, a área da capela-mor possui uma camada a mais de pintura artística sob o painel A Virgem Maria, São José e Santa Teresa (1796) do Padre Jesuíno do Monte Carmelo, que é atribuída a José Patrício da Silva Manso. Portanto, o objetivo da intervenção foi o resgate da área selecionada da primeira (autoria do Padre

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Jesuíno do Monte Carmelo), sem prejuízo da estabilidade da segunda (atribuída a José Patrício da Silva Manso), observando-se e documentando-se a mesma dentro das possibilidades técnicas existentes (MORAES, 2010, p.24). No painel da capela-mor além da Virgem, de São José e de Santa Teresa surgiram após o restauro diversas cabeças de anjos com pares de asas, às vezes em dupla ou às vezes sozinhos (FIG. 5). E mais uma vez surge a pintura de Jesuíno em todo seu estilo afirmado na conclusão de Mário de Andrade no livro dedicado ao padre pintor em 1945: “A obra de pintura do padre Jesuíno do Monte Carmelo deriva da concepção artística do Barroco europeu, imposta à nossa arte colonial. Mas não a exige.” (p.135), ou então: “Mas Jesuíno fica no entremeio malestarento entre a arte folclórica legítima e a arte erudita legítima.” (p.143).

FIGURA 5: Detalhes da pintura do forro da capela-mor após o restauro. Foto: Myriam Salo mão, 2011.

2. Igre ja de Nossa Senhora da Boa Morte Apesar de ser uma irmandade fundada em 1728, a Nossa Senhora da Boa Morte a princípio ficou estabelecida na Igreja do Carmo e não se sabe ao certo quando iniciou a construção de seu templo, apenas que em 24 de julho de 1802 efetuou-se a compra do terreno na Rua do Carmo, onde seria edificada e a inauguração em 25 de agosto de 1810 (MAGALDI et al, 2009, p.29). Durante o trabalho de restauro iniciado em 2006, após permanecer fechada por mais de vinte anos devido a deterioração interna, foi descoberta uma pintura com a cena da Coroação da Virgem no forro da capela- mor, escondida debaixo de grossas camadas de tinta e com partes perdidas. Retirado na década de 1970, as pranchas que compunham o forro estavam desmontadas e depositadas no coro, algumas apodrecidas e outras rachadas no meio (MAGALDI et al, 2009, p.73). Provavelmente do início do século XIX, à medida que se removeu as camadas de tinta, surgiram traços da representação que despertou o interesse por 287 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


seus aspectos pictóricos e formais, acentuados pela boa qualidade técnica e integridade das cores (FIG. 6).

FIGURA 6: Aspecto do conjunto de tábuas do forro da capela-mor encontradas durante o restauro arquitetônico.

As tábuas mais danificadas eram as que representavam partes do rosto de Jesus, a totalidade do rosto de Nossa Senhora e parte do de Deus. Uma equipe de 12 restauradores realizou estudos para a recomposição a partir de dezenas de versões de artistas para o tema da Coroação da Virgem e iniciou-se o trabalho de reintegração da pintura que, a pedido dos integrantes da irmandade, voltou ao local para onde foi concebida originalmente, ou seja, na capela- mor (FIG. 7).

FIGURA 7: Pintura restaurada e recolocada no forro da capela-mo r da Ig reja de N. Sra. da Boa Morte.

3. Capela de São Miguel Arcanjo A Capela de São Miguel Arcanjo está entre os primeiros bens a serem tombados pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (antigo IPHAN) já em 1938, apenas um ano depois da criação do órgão e entre 1939-1941 passou por sua primeira grande restauração

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coordenada pelo arquiteto Luís Saia, que encontrou uma construção à beira da ruína (GONÇALVES, 2007). Foi fundada em 1560 quando um grupo de índios Guaianazes ali se estabeleceu junto com padres jesuítas vindos do colégio de São Paulo. A atual capela foi construída em 1622, pois a antiga foi demolida devido ao seu estado de degradação, sendo que é considerada a mais antiga do estado de São Paulo e marcou a chegada dos jesuítas na região. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, os frades franciscanos assumiram a assistência religiosa do local e frei Mariano da Conceição Veloso, de origem mineira, coordenou uma reforma da capela ampliando-a (BRITO, 2008, p.34). Com as diversas mudanças políticas e econômicas no Brasil e São Paulo, a região de São Miguel Paulista passou por momentos alternados de estagnação e desenvolvimento, assim como a capela teve diversos usos sociais: funcionou uma escola primária do final do século XIX até a década de 40 do século XX no alpendre lateral; abrigou moradores nas décadas de 1950 e 1990; no final da década de 1970 um movimento popular desenvolveu atividades culturais, além de ter abrigado escritórios de Direitos Humanos, do Menor, da Pastoral Operária e uma biblioteca em meados da década de 1980 (BRITO, 2008, p.35). Após a primeira restauração citada anteriormente, somente no início da década de 1980 recebeu nova atenção com uma obra de recuperação estrutural de suas instalações, ficando até 2004 sem intervenções, quando recebeu o apoio financeiro de algumas entidades e iniciou a recuperação física do edifício (interna e externamente) e de seu entorno, bem como o traçado de seu perfil histórico-arqueológico. Para orientar os trabalhos de restauro no interior da capela, a equipe buscou nos documentos do IPHAN relativos a primeira grande intervenção, pistas que indicassem o que haviam encontrado e perceberam, que já nos anos 1940, os relatórios continham o resultado de prospecções em técnicas possíveis para aquela época, apontando a necessidade de serviços de recuperação de pinturas dos altares e elementos diversos de madeira. Dos elementos da decoração interna, restaurados a partir de 2007 e concluídos até 2010, destacam-se na sacristia o oratório e o armário embutido e na capela lateral o conjunto referente ao altar (FIG. 8), cujo colorido de seus ornamentos foram descobertos nesse restauro e vem reforçar uma descoberta recente de que os templos paulistas mais antigos se caracterizavam por serem mais coloridos (MUSEU DE ARTE SACRA, 2005).

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FIGURA 8: Altar da capela lateral, co m detalhes à esquerda, da pintura ornamental.

Mas a surpresa maior para os técnicos restauradores foram pinturas murais nas paredes de taipa atrás dos retábulos laterais da nave (FIG. 9), sendo que se encontram atrás de estruturas de madeira que atualmente são os altares colaterais da nave e que foram descritas pelo restaurador Júlio Moraes responsável pelo trabalho da seguinte forma: “Os traços mais característicos das pinturas encontradas na capela de São Miguel são a notável simplicidade de recursos técnicos e formais, d ispondo de uma paleta limitada a três cores - branco preto e vermelho - e recursos visuais mais gráficos que propriamente pictóricos. Os vestígios encontrados definem perfeitamente a divisão visual da parede, por meio da pintura, em duas áreas horizontais: uma barra inferior, de pouca altura, cerca de 80 cm, co m motivos e co mposição mais pesados e maior uso de cores; e, u m paramento ou sobre-barra dali até o alto das paredes, em que predomina u m fundo branco, amplamente recoberto por motivos ornamentais pintados. Esta divisão, tradição milenar de origem funcional, é encontrada em praticamente todo o mundo.” (MORAES, 2011, p.2).

FIGURA 9: Pinturas murais localizadas atrás dos retábulos laterais da Capela de São M iguel.

Também de acordo com a cronologia elaborada por Júlio Moraes (1996), elas correspondem a um primeiro momento na história da pintura mural em São Paulo compreendido entre 1532-1808, demarcado pelo início da colonização e pela vinda da família 290 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


real portuguesa ao Brasil. É um período longo e também o menos conhecido, devido, por um lado, aos numerosos desaparecimentos e reformas de edificações daquele período e, por outro, à incipiência de prospecções e outros estudos pictóricos nos monumentos restantes. Já consideradas as mais extraordinárias pinturas murais coloniais até agora conhecidas em São Paulo, tanto pela elaboração visual sofisticada que preencheu e movimentou paredes brancas, destacando os singelos nichos nelas existentes com referências pictóricas a alguma arquitetura, como pelos conteúdos simbólicos contidos nos motivos fitomórficos mesclados a elas. Ganham assim uma forte expressão artístico-religiosa-decorativa, que modificava e dava outras dimensões a uma arquitetura muito simples. Trata-se com certeza de uma produção jesuítica, pela sofisticação dos recursos plásticos obtidos dentro de uma extrema limitação técnica. Visando ampliar o debate e colher propostas a respeito de como tornar visíveis essas pinturas ao mesmo tempo em que mantem a integridade dos altares laterais, foi promovido o evento “I Encontro de Arte e Patrimônio: pinturas jesuíticas na capela de São Miguel, um tesouro revelado”, no dia 15 de setembro de 2011 na própria capela. Tratou-se de evento gratuito e aberto ao público, que contou com a presença de pesquisadores da história da arte brasileira e do patrimônio cultural, e de vários representantes da comunidade local. Como conclusão geral, o evento declarou a importância fundamental de se promover a convivência e clara consignação ao visitante de duas diferentes épocas da capela: a jesuítica, representada pelas pinturas, altar- mor e demais elementos mais antigos, e a franciscana, rep resentada pelos retábulos e pela espacialidade atual da capela. Esta breve apresentação do tema que ainda poderá nos reservar muitas surpresas escondidas por debaixo de camadas de tintas, termina lembrando o quanto a tecnologia nos favorece a revelação das pinturas e nos dá uma nova visualidade com condições de ser muito mais próxima à gênese das obras pictóricas e transformando mais uma vez nossa compreensão da história. Referências bibliográficas ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. Rio de Janeiro : SPHAN/ M inistério da Educação e Saúde, 1945. (Pub licação n. 14) ______. Aspectos das artes plásticas no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. BRITO, Paulo Vin ício de (Org.). Capela de São Miguel Arcanjo. São Paulo : [s.n.], 2008. CERQUEIRA, Carlos Gutierrez (Org.). J osé Patrício da Sil va Manso (1740-1801): um pintor de São Paulo colonial restaurado. São Paulo: 9ª Superintendência Regional do IPHAN, 2007. DANON, Diana Dorothéa, ARROYO, Leonardo. Memória e tempo das igrejas de São Paulo. São Paulo: 291 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9


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