O ENTRELAÇAR DA PALAVRA E DA IMAGEM NA ARTE, POESIA E DESIGN Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini1 Resumo: Este artigo é sobre o caminhar da minha pesquisa em artes, por onde comecei, quais foram as minhas motivações, meus questionamentos e quais caminhos vou percorrer para encontrar respostas. Meu objeto de pesquisa é a relação palavra e imagem dentro da poesia visual, artes e design gráfico. Vou fazer entrelaçamentos entre a palavra e imagem nessas linguagens, partindo da análise de obras de artistas, designers e poetas visuais que trabalham a relação verbal e visual. Algumas escolhas são: Aloísio Magalhães, Julio Plaza, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, Lygia Pape, Mira Schendel e Edith Derdyk. Palavras-Chave: Imagem. Palavra. Poesia visual. Design gráfico. Artes visuais.
Abstract: This article is about the construction of my research in arts, its beginnings, my motivations and doubts, and the ways I will go over to find answers. My research subject is the relationship between word and image within the visual poetry, art and graphic design. I will make connections between word and image in these languages, based on an analysis of works by artists, designers and visual poets working verbal and visual relationship. Some choices: Aloisio Magalhães, Julio Plaza, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, Lygia Pape, Mira Schendel and Edith Derdyk. Keywords: Image. Word. Visual poetry. Graphic design. Arts.
1. Introdução Arte e pesquisa: quais relações, imbricamentos, costuras existem entre elas? O pesquisador em arte possui uma vontade enorme de conhecer, questionar e buscar respostas. Mas como conduzir uma pesquisa em uma área subjetiva como o campo das artes? Nesse artigo vou discorrer sobre o caminhar da minha pesquisa, como começou, quais foram as minhas motivações, meus questionamentos e, quais caminhos vou percorrer para encontrar respostas. Meu objeto de estudo é a relação palavra e imagem dentro da poesia visual, artes e design gráfico. Vou fazer entrelaçamentos entre a palavra e imagem nessas linguagens, partindo da análise de obras de artistas, designers e poetas visuais que trabalham a relação verbal e visual, e que tenham obras que são consideradas bons exemplos de valor artístico, como Aloísio Magalhães, Julio Plaza, Mira Schendel, entre outros. Esse tema despertou meu interesse há muito tempo. No mestrado pesquisei a relação texto e imagem no livro de literatura infantil, onde trabalhei a leitura de ilustração e seu diálogo com 1
Doutoranda em Artes pelo Instituto de Artes de São Paulo – UNESP. Orientador: Prof. Dr. Omar Khouri. Participante do grupo de pesquisa pela CNPQ: Arte construtiva e poéticas da visualidade . 301 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
o verbal. Palavra e imagem sempre me encantaram, esse rico universo seduziu tanto meu olhar que direcionou minhas escolhas profissionais e artísticas. Nossa contemporaneidade é marcada por grande proliferação de imagens nas mídias e no cotidiano. E como é feita essa leitura? As pessoas apenas olham sem realmente ver, ou tem um olhar apurado em relação a tantas informações? Acredito na importância do olhar crítico em relação à visualidade, por isso a importância desse estudo.
2. Meus caminhos Começo minha pesquisa com o levantamento bibliográfico, onde farei um embasamento teórico situando a relação arte, design gráfico e poesia visual historicamente e culturalmente, destacando suas transformações ao passar do tempo. O recorte que farei do tempo histórico será a partir do início do século XX, época da eclosão dos movimentos artísticos modernistas, fase de plena revolução industrial e de grande desenvolvimento de recursos materiais, o que possibilitou que designers, artistas e poetas usassem esses mesmos recursos em seus trabalhos. Já meu recorte no Brasil se dá por volta dos anos 50, momento em que a poesia concreta está em seu auge. Poetas e artistas se unem para experimentações visuais, explorando diferentes possibilidades de suporte, materiais e sonoridade. Dentre eles destaco os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Júlio Plaza, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo, que juntos formaram o grupo Noigandres, em 1952. Essas experimentações se refletem na arte e no design. Os ismos estão em pleno desenvolvimento, influenciando artistas e poetas em suas pesquisas visuais. Como essas linguagens caminharam desde seus primórdios até os dias de hoje? Gostaria de relatar seus entrelaçamentos e retomar as origens dessas relações, pesquisando onde palavra e imagem iniciam seus encontros, quais suportes usados e sua exploração, quais as influências dos movimentos artísticos e como isso refletiu nas representações artísticas. Começo minha pesquisa buscando precursores e suas características marcantes dentro de cada movimento artístico. Pretendo relacionar palavra e imagem, mostrando seus possíveis diálogos e apontando que as fronteiras que separam essas linguagens dentro de artes, poesia visual e design, com o tempo, estão desaparecendo. O design gráfico se faz com letras e imagens, usando recursos das mídias e das artes; a poesia visual, além da palavra, usa recursos das artes em suas representações; e por fim, as artes se apoderaram de recursos da 302 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
escrita. São entrelaçamentos contínuos entre essas linguagens, permitindo assim que suas fronteiras se tornem líquidas, não mais tão definidas. E como fio condutor das minhas reflexões acerca do diálogo entre palavra e imagem, vou usar o suporte livro. Finalizo com a análise de obras de artistas, designers e poetas visuais que trabalharam a relação verbal e visual, entre eles Julio Plaza e Augusto de Campos, Lygia Pape, Aloísio Magalhães, Mira Schendel e Edith Derdyk, artistas que possuem trabalhos considerados bons exemplos de valor artístico e cultural. A escolha desses nomes veio de um primeiro recorte, artistas, poetas e designers brasileiros, com trabalhos representativos dentro de suas áreas, e que possa haver possíveis relações entre eles e também com meu tema de pesquisa. Após o levantamento e análise das obras escolhidas, pretendo trabalhar a obra da artista Edith Derdyk com mais profundidade, fazendo um estudo de caso. Edith é uma artista brasileira, contemporânea, com uma obra vasta e muito ligada ao meu tema de pesquisa, além de produzir livros de artista e livros-objetos. Vou fazer entrevistas, acompanhar seu processo criativo e analisar seu trabalho, fazendo possíveis relações e entrelaçando resultados. A ideia é situar as descobertas feitas na pesquisa bibliográfica e na análise das obras num contexto mais amplo. Analisar mais a fundo, buscando mensagens e resultados implícitos, deixando assim a pesquisa instigante para novos olhares, respondendo perguntas e não se encerrando nela, mas abrindo novas janelas para ampliar mentes e pensamentos.
3. Entrelaçamentos... Seria muito complexo buscar pontos de encontro entre palavra e imagem dentro da arte, design e poesia visual? Acredito que na verdade as fronteiras entre essas linguagens estão sendo diluídas com o tempo. Os códigos de uma linguagem são usados na outra o tempo todo. A poesia usa códigos visuais urbanos, assim como a arte. O design usa e formata a escrita e a imagem, dispondo do verbal e visual no espaço gráfico. A revolução industrial permitiu que essas linguagens se aproximassem, havendo uma transgressão dos meios. Palavra e imagem interagem há muito tempo atrás, uma vez que a imagem é uma das expressões mais antigas do homem. As pinturas rupestres poderiam ser consideradas ancestrais dos livros, são narrativas visuais onde os homens transmitiam mensagens. Ao desenhar eles se comunicavam, construíam uma narrativa do seu cotidiano, expressando seus medos e desejos. Estudiosos discutem se, na época das pinturas nas cavernas, a imagem teria, 303 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
além da função mágica, algum fim comunicativo, e se ela teria evoluído dando origem a outras formas de escrita (WALTY; FONSECA e CURY, 2001, p. 15). O homem traça sinais variados usando tábuas de argila, papiros e pergaminhos. Desde os primórdios da escrita que conhecemos hoje, palavra e imagem dialogam e coexistem. “Na evolução da escrita, verbal e visual se complementam, criando padrões estéticos, facilitando a sua reprodução e conseqüentemente a sua compreensão e a comunicação entre os povos” (LINS, 2002, p. 19). Como exemplo dessa interação, temos os Livros dos Mortos (FIG.1), no Egito, que eram ilustrados com cenas muito vivas e acompanhavam o texto com eficácia. Esses livros eram formados de tramas de fibras do tronco de papiro, considerado um dos mais antigos antepassados do papel.
FIGURA 1: Papiro do Livro dos Mortos, XXI Dinastia, por volta de 1070 a.C. FONTE: www.thebritishmuseum.ac.uk/
Na Idade Média (início do século XIV), a iconografia bíblica foi reunida em forma de livro, os manuscritos, e o diálogo entre palavra e imagem começa a se fazer presente com as iluminuras2. Artistas e gravadores começam a representar as imagens em pergaminho e papel. A linguagem escrita era privilégio de uma casta monárquica e religiosa. “Para a grande massa só existia a linguagem oral” (LINS, 2002, p. 19). Esses livros de imagens se tornaram muito populares devido às figuras, com o tempo ficaram conhecidos como “Bibliae pauperum (FIG.2), ou Bíblia dos pobres” (MANGUEL, 1997, p. 123). 2
Arte que nos antigos manuscritos une a ilustração e a ornamentação, por meio de pinturas e cores vivas, ouro e prata, de letras iniciais, flores e folhagens, figuras e cenas, ocupando parte do espaço reservado ao texto, e estendendo-se pelas margens em barras, molduras e ramagens (WALTY; FONSECA e CURY, 2001, p. 19). 304 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
FIGURA 2: Bibliae pauperum, Blockbuch , 1455 FONTE: http://www.unile.it/xil/ols6b.htm#top
Devido à invenção da tipografia por Gutemberg, temos o primeiro livro impresso em 1436. Esses livros caracterizam-se pela letra irregular, ausência de paginação ou assinatura, e imitava o manuscrito, que continuou sendo valorizado por muito tempo ainda. Com o aperfeiçoamento da imprensa depois de 1500, o livro vai se modificando, desde o tipo de papel, disposição das letras, à forma das ilustrações, o que permitiu tiragens e divulgação maiores e mais rápidas. O desenvolvimento da indústria do livro permitiu a expansão da escrita e da cultura. Segundo WALTY; FONSECA e CURY, “a ideia do livro está tão associada à modernidade que chega a conformar a construção do nosso imaginário cultural” (2001, p. 21). Durante o século XX, pode-se constatar um forte diálogo entre as artes visuais e a literatura, colaborando para a diluição dos limites entre as artes visuais, provocando uma aproximação entre essas linguagens. “Poetas se conscientizaram da visualidade da escrita e da página, enquanto os artistas plásticos resgatavam a origem visual das palavras, utilizando elementos textuais nas obras: grafismos, letras de diversos alfabetos, fragmentos de textos, impressos, utilizando a escrita como um elemento gráfico/conceitual” (MIRANDA, 2006, p. 10). Antigas formas de expressão foram retomadas com novos contornos, como novas formas de expressão, é o caso do livro-objeto. Todo livro é um objeto, mas alguns rompem as fronteiras atribuídas aos livros de leitura e se assumem como objetos de arte. Estes livros representam uma terceira linguagem, entre o linear e o visual, entre a literatura e as artes plásticas. Julio 305 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
Plaza escreveu um artigo intitulado O livro como forma de arte (1982), onde discute acerca desse tema, inclusive reunindo categorias de livros de artistas do século XIX e XX. De uma maneira geral, a razão primordial de ser do livro é a de transmitir conhecimentos, mas há tempos estes conhecimentos extrapolaram sua leitura textual e foram potencializados com imagens e vice-versa. Unindo-se às experiências apresentadas, o design gráfico se mostrou como campo de ação importante no sentido de abrir caminho para outras interações e não apenas da leitura do texto. Ao estudar os precursores do livro-objeto, a relação arte, design e poesia visual é bem nítida. Segundo Drucker3 (2004), o livro de artista não surge de maneira linear, há pontos simultâneos de origem. Podemos localizar sua origem nas vanguardas artísticas do início do séc. XX, como o futurismo, o dadaísmo, o surrealismo e o construtivismo russo. Artistas desses movimentos fizeram muitas experimentações entrelaçando texto e imagem. Mas antes disso, já existiam referências de artistas e escritores que realizaram trabalhos em que verbal e o visual dialogavam, como Lewis Carroll (poema The mouses tale, 1865), Gustave Flaubert, William Blake (Songs of Experience), William Morris (movimento Arts and crafts) e os poetas Stéphane Mallarmé (poema Un coup de dês) e Edmund Jabès. Vale destacar a série de gravuras Os Caprichos, de Goya e os manuscritos Noa Noa, de Gauguin, onde ilustração e texto são tratados com cuidado artístico. No Brasil, as experiências dos poetas e artistas visuais no período Concreto (entre anos 1950 e 60), são apontadas como o início de uma preocupação com o verbal e sua relação com a estrutura visual, uso de signos gráficos na poesia. Porém, na década de 20, havia a produção de obras onde artistas plásticos e escritores trabalhavam juntos para a elaboração de livros com preocupação visual e estética elaboradas, como a obra Feuilles de Route (1924), com texto de Blaise Cendrars e ilustrações de Tarsila do Amaral, e a obra Pau Brasil (1925), de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Houve também as experiências do grupo O Gráfico Amador (1954-61), formado em Pernambuco por intelectuais interessados na arte do livro. Seus projetos editoriais possuíam um caráter experimental, com propostas visuais inusitadas para a época, como a obra Aniki Bobo (FIG.3), de 1958, de Aloísio Magalhães e João Cabral de Melo Neto.
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DRUCKER, Johanna. The Century of Artists’ Book. New York: Granary Books, 2004. 306 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
FIGURA 3: Aniki Bobo. FONTE: LEITE, 2003, p. 104.
Em 1952 ocorre a formação do Grupo Noigandres, com Décio Pignatari e Augusto e Haroldo de Campos (São Paulo). Em 1958 produzem a revista Noigandres (FIG. 4), com o manifesto da poesia concreta e propõem os elementos para sua constituição, como o espaço gráfico considerado como agente de estrutura espaço-temporal para o poema; a idéia de ideograma, com sua sintaxe espacial ou visual e a idéia de justaposição de elementos; a palavra como matéria do poema. Poetas se ligam a outras linguagens como as artes plásticas e a música.
FIGURA 4: Revista Noigandres 4. FONTE: BANDEIRA e BARROS, 2008, p. 30.
Em 1956, acontece a I Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM/SP. Nesta exposição mostram um amplo panorama das artes (obras abstratas ou concretas) e da poesia concreta, a mostra foi composta de cartazes-poemas, obras pictóricas, desenhos e esculturas. Por volta de 307 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
1959, ocorrem muitas divergências entre o Grupo Ruptura (SP) e o Grupo Frente (RJ), e da cisão entre eles surge o Grupo Neoconcreto (RJ), que defendia a introdução da expressão na obra de arte e rejeitava o primado da razão sobre a sensibilidade. Das atividades do grupo Noigandres emergiu o movimento da poesia concreta. Este grupo sofre influências de Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound e E. E. Cummings. Na poesia concreta são trabalhados os aspectos formais e sonoros das palavras. Há uma nova sintaxevisual do texto. Os poetas concretos desenvolveram experiências que desencadearam em muitas pesquisas relacionadas ao campo das artes gráficas. Começam a desenvolver seus próprios livros-objetos, como Poemóbiles (FIG. 5), Objetos Poemas e Caixa Preta de Augusto de Campos e Julio Plaza. Os poetas concretos estavam mais para “designers de linguagem” do que para escritores (CAMPOS, 1974, p. 137). Baseando-se nos princípios de relação, justaposição, correlação, escrita ideogrâmica, a poesia concreta trabalha os elementos gráficos explorando os fatores gestálticos de proximidade e semelhança visual.
FIGURA 5 – Poemóbiles, 1968. FONTE – Fotografia da autora.
Durante o Neoconcretismo (década de 70), ocorre uma explosão de livros-objeto, havendo a radicalização com as experiências com esse tipo de manifestação. A forma é explorada enquanto narrativa, havendo a dissolução das fronteiras entre poesia e artes visuais. A própria condição da arte nesse período produziu um transbordamento de limites, fazendo com que os artistas se lançassem em múltiplas direções, explorando as mais diferentes possibilidades de expressão. A produção nesse período é muito rica, texto e imagem interagem de maneiras diversas. Augusto de Campos, Julio Plaza, Arthur Barrio, Lygia Clark, Antonio Dias, Waltércio Caldas, Alex Hamburguer, Delson Uchoa, Liuba, Renina Katz, Lygia Pape, Anesia
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Pacheco, Paulo Bruscky, Luise Weiss, Mira Schendel (FIG. 6) e Jac Leirner são alguns artistas que trabalham a relação entre essas linguagens em suas expressões artísticas.
FIGURA 6 – Obra sem título, da série Objetos Gráficos, 1973. FONTE – Pérez-Oramas, 2010, p.131.
Poesia visual, arte, tipografia, texto, imagem, design se intercambiam de uma maneira que seus limites vão se esvaindo. As fronteiras de nomeações somem: arte ou poesia, livroobjeto ou arte, design gráfico ou tipografia? Verbal e visual se entrelaçam, dialogando.
4. Autores e pensamentos Para situar a relação palavra e imagem historicamente e culturalmente, entrelaçando arte e poesia visual, e destacando suas transformações ao passar do tempo, conto com obras de autores que de alguma forma conversem com meu tema de pesquisa Começo citando Zygmunt Bauman, com a obra Modernidade líquida (2001), acredito que será uma leitura importante para minha hipótese da pesquisa, sobre as fronteiras da arte, poesia visual e design gráfico que estão se diluindo, uma linguagem entra na outra, usa recursos de todas, interagem. Lucrécia D’Aléssio Ferrara, Leitura sem palavras (2007), Donis A. Dondis, Sintaxe da linguagem visual (2000), Martine Joly, Introdução à análise da imagem (1996), Lúcia Santaella e Winfried Nöth, trabalharam a questão da imagem propriamente dita, sua análise, estrutura, classificação e leituras.
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Sobre a poesia visual e concreta, autores como Décio Pignatari, Julio Plaza, Augusto e Haroldo de Campos, fornecerão base para meus estudos. O livro Teoria da Poesia Concreta (2002) traz textos e manifestos publicados entre 1950 e 1960, que prepararam e fomentaram o movimento da poesia concreta. Entre os artigos estão as influências que sofreram da arte concreta, precursores (Mallarmé, Pound, Joyce, Cummings, Apollinaire), referências nacionais (João Cabral, Volpi) e internacionais, além dos procedimentos empregados na construção poética pelos concretistas, sua nova linguagem e visualidade. Também os documentos em Arte concreta paulista (2002) são uma rica fonte de referência desse movimento aqui no Brasil. Para conceituações em design gráfico, pesquisarei os estudos de Vilém Flusser, O mundo codificado (2007), Rafael Cardoso, Uma introdução à história do Design (2008) e Richard Hollis, Design Gráfico: uma história concisa (2000), além de Design: olhares sobre o livro (2010), com organização de Luiz Antonio Coelho e Alexandre Farbiaz e a obra Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil (2005), de André Stolarsky. Vou usar a obra de Giulio Carlo Argan, Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos (1993) e o livro Conceitos da arte moderna (2000), organizado por Nikos Stangos para a contextualização histórica dos movimentos artísticos do séc. XX. Paulo Silveira escreveu o livro A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista (2001) a partir de sua pesquisa para o doutorado, onde traz definições interessantes e relaciona o livro de artista com a arte e o design, sendo uma obra de extrema importância para minha pesquisa, e Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa, com Tendências do Livro de Artista no Brasil (1985), mais um texto esclarecedor para aprofundar os conceitos sobre livro-objeto. Roger Chartier, um estudioso do livro e de suas transformações frente às mídias contemporâneas (A aventura do livro, do leitor ao navegador, 1999), Umberto Eco, que também levanta questionamentos a respeito do livro frente aos novos suportes para a palavra e imagem; e Alberto Manguel, que escreveu duas obras importantes para minha pesquisa, Uma história da leitura (1997) e Lendo imagens (2001). Pretendo relacionar estes autores, seus conceitos, percorrendo os movimentos artísticos e seus reflexos no design gráfico e na poesia visual.
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As imagens têm sido meios de expressão da cultura humana desde as pinturas pré-históricas das cavernas, milênios antes do aparecimento do registro da palavra pela escrita. E embora a palavra escrita tenha se desenvolvido muito já no séc. XV, com a descoberta de Gutenberg, o mundo imagético teve que esperar até o séc. XX para ter sua explosão. Segundo Santaella e Nöth (2008), até hoje, era do vídeo e das novas mídias, com uma vida cercada por mensagens visuais, não temos uma tradição na pesquisa da imagem como ocorreu com a palavra, onde estudiosos foram a fundo investigar a natureza e estrutura da palavra, criando regras e teorias. Para investigar a imagem, não existe um “suporte institucional de pesquisa que lhe seja próprio” (Santaella e Nöth, 2008, p. 13). Diversas disciplinas servem como base nesse tipo de pesquisa, como a semiótica visual, crítica da arte, história da arte, teorias psicológicas da arte, estudos das mídias, entre outras, ou seja, o estudo da imagem é um estudo interdisciplinar. Outra discussão também seria que a imagem não serve como meio de reflexão da própria imagem, o que ocorre com o verbal, a língua pode ter um discurso reflexivo sobre si mesmo, e já a imagem precisa do discurso verbal para o desenvolvimento de uma teoria da imagem. Ferrara também abordou o mesmo assunto em sua obra Leitura sem palavras. Segundo a autora, todo código é constituído de signos, com sintaxe própria e maneira de representar, e para descodificar qualquer sistema, é preciso identificar o signo e a sintaxe que o constituem. A dificuldade de tal caracterização aponta a primeira e maior dificuldade do texto não-verbal, “ao mesmo tempo que é o elemento básico de sua definição” (2007, p. 14). E continua, “o texto não-verbal é uma linguagem sem código” (p. 15). A fragmentação sígnica é sua marca estrutural, nela não há um signo, mas signos aglomerados sem convenções: sons, palavras, cores, traços, tamanhos, texturas, cheiros. As emanações dos cinco sentidos surgem no nãoverbal juntas e simultâneas, porém desintegradas; não há convenção, não há sintaxe que as relacione: sua associação está implícita, precisa ser produzida. Porém, é importante notar que também o código verbal não pode se desenvolver sem imagens. Nosso discurso verbal está permeado por elas. Assim sendo, Santaella e Nöth (2008, p. 14) concluem que uma abordagem teórica seria a mais adequada ao estudo da imagem. Santaella e Nöth (2008) situam a imagem em relação ao texto e seu contexto. Material muito rico e interessante para meu objeto de pesquisa. Os autores escrevem que a relação entre a imagem e seu contexto verbal pode ser íntima e variada, destacando que a imagem pode ilustrar um texto verbal ou o texto pode esclarecer a imagem na forma de um comentário. O 311 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
contexto mais importante da imagem é a linguagem verbal, mas outras mídias e imagens também podem modificar a mensagem da imagem. Santaella e Nöth (2008) discorrem sobre a relação verbal e visual, ponto importante da minha pesquisa, relatando autores que abordaram o tema de alguma forma, como C. S. Pierce e a semiótica da imagem, que apresentou variadas classificações, fornecendo uma gama de ferramentas muito úteis para poder analisar e penetrar a fundo nos signos. Também exploram a relação palavra e imagem, indagando sobre os atributos imagéticos na própria palavra, assim como o contrário, o que a imagem tem comum com a palavra. Estas são apenas algumas das referências que vão embasar e aprofundar o meu objeto de pesquisa. Este estudo será mais trabalhado, farei novas leituras, novos olhares vão surgir, começando assim a construir o entrelaçamento da palavra e imagem, abordando minhas questões, criando novas relações e explorando minhas hipóteses. Referências Bibliográficas ARGAN, Giulio C. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. Denise Bottman e Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. BANDEIRA, João (org.) Arte Concreta Paulista: documentos. São Paulo, Cosac Naify, CUMA da USP, 2002. BANDEIRA, João e BARROS, Lenora de. Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual. São Paulo, Artemeios, 2008. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BERGER, John. Modos de ver. Trad. Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. BONSIEPE, Gui. Design: do material ao digital. Florianópolis: FIESC/IEL, 1997. BRANDÃO, Ana Lúcia de Oliveira. A trajetória da ilustração do livro infantil no Brasil à luz da sombra da semiótica discursiva. 2002. 154 fs. Tese de Doutorado. PUC, São Paulo, 2002. CAMPOS, Augusto de, e CAMPOS, Haroldo de, O grupo concretista in FILHO, Leodegário Amarante de Azevedo (org.) Poetas do modernismo, volume IV, São Paulo, 1974. CAMPOS, Augusto de, PIGNATARI, D. e CAMPOS, H. de. Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002. CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do Design. 3 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2008. CHARTIER, Roger. A aventura do livro, do leitor ao navegador. São Paulo: Editora Unesp / Imprensa Oficial do Estado de SP, 1999. COELHO, Luiz Antonio e FARBIARZ, Alexandre (org.). Design: olhares sobre o livro. Teresópolis: Ed. Novas Idéias, 2010. 312 Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, Brasil. 9 , 10, 11 de outubro de 2012 – ISBN: 978-85-62309-06-9
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