O EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS Faculdade de Artes Visuais Arquitetura e Urbanismo Seminário de Projeto
Orientador: Prof. Me. Bráulio Romeiro Orientando: Arthur Teodoro R. de F. Morais
Goiânia, Brasil 2022
Contexto O seguinte texto possui caráter ensaístico e busca ilustrar inquietações pessoais sobre o exercício de projeto na universidade e contextualizar a premissa geral do trabalho. O projeto acadêmico de arquitetura e urbanismo é, mais frequentemente que não, uma ficção. É possível originar o tema de projeto por meio de uma demanda real, algo que uma pessoa ou comunidade realmente quer ou precisa, mas é mais comum que o tema para um exercício de projeto arquitetônico seja elaborado com bases conceituais e pedagógicas. Por exemplo: a disciplina de Projeto 1 enfatiza aspectos plásticos e formais, Projeto 2 enfatiza aspectos funcionais e ergonômicos, em projeto 3 enfatiza-se a exploração tipológica, sua evolução histórica e relações com a morfologia urbana, projeto 4: habitação de interesse social e a sustentabilidade para soluções habitacionais de baixo custo etc. Cria-se um problema espacial para o qual a solução traz implicações sobre questões como “o que faz ou deveria fazer um arquiteto”, “como um espaço deveria ser projetado”, “quais espaços resolveriam os problemas da cidade”, assim como “quais problemas urbanos são mais relevantes ou urgentes”. Por isso é apropriado se referir ao resultado desses exercícios como ficção. O projeto é um pretexto para se discutir e avaliar pontos fundamentais. Assim como um texto de ficção pode usar uma história verossímil como pretexto para explorar determinados temas.
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Não obstante, uma grande parte da graduação em arquitetura e urbanismo envolve compreender os problemas da cidade, tanto em relação às construções e a legislação sobre construções quanto em relação à configuração urbana, a organização dos edifícios e equipamentos urbanos. Naturalmente, uma abordagem comum ao Trabalho de Conclusão de Curso é a tentativa de responder aos problemas da cidade. Habitação de interesse social, centro cultural, hospital, ginásio esportivo, centro comunitário, casa de apoio. Estes são temas comuns que em alguma capacidade partem da premissa de que “se este espaço existisse, a cidade seria melhor”. Isso por si só não é um problema, mas quando se perde a perspectiva de que essa solução é, ao fim de tudo, apenas uma ficção, perde-se também a oportunidade de explorar o potencial de um espaço fictício ao fingir que estamos lidando com um espaço real. Este trabalho é uma tentativa de aproveitar esse potencial.
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Introdução O presente trabalho consiste no primeiro volume do desenvolvimento de um projeto de edifício de escritórios em altura localizado no Setor Marista, na cidade de Goiânia. O objetivo do trabalho é explorar a ideia de tipologia em sua aplicação na arquitetura e experimentar com a subversão de um tipo específico de edifício. Primeiramente, os termos serão definidos com base na literatura histórica relevante. Em seguida, partindo da tipologia do edifício de escritórios como objeto de estudo, será estabelecida a relação sintática entre diferentes estudos de caso e a prescrição de quais características são convencionais a esse tipo. Ademais, serão explorados os significados e valores político-sociais associados à tipologia do edifício de escritórios, o que será o ponto de partida para estabelecer os parâmetros conceituais de projeto. Serão apresentados também os primeiros passos do desenvolvimento do projeto e a proposta de partido arquitetônico.
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SUMÁRIO 1_ Tema 1.1_ Tipologia.....................................................................9 1.2_ Cartografia tipológica................................................13
2_ Projeto 2.1_ O local.......................................................................21 2.2_ Preocupações pragmáticas.........................................23 2.2_ Preocupações conceituais..........................................27
3_ Bibliografia
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Tipologia A palavra “tipo” vem da palavra grega typos que significa “modelo, matriz, impressão, molde, marca, figura em relevo, forma original” e da palavra latina typus que significa “figura, imagem, forma, tipo”. O entendimento comum de ‘tipo’ refere-se a um objeto ou artefato que pertence a uma classe ou grupo que reúne outros com atributos semelhantes. Na arquitetura, “tipo” é comumente entendido como edifícios agrupados por seu uso, ou seja, escolas, hospitais, prisões, igrejas e assim por diante. No entanto, esse entendimento é limitante, pois o uso de uma edificação tem se mostrado independente de sua edificação e evolui com o tempo. Um armazém pode ser transformado em habitação, uma igreja em casa de shows, habitação em comércio etc. O que isso significa é que entender ‘tipo’ através do uso nos diz pouco sobre as características e traços compartilhados dos artefatos ou objetos que pertencem ao grupo em questão, impedindo o conhecimento que poderia ter sido adquirido de outra forma.
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Para a definição da palavra 'tipo' na teoria da arquitetura podemos recorrer à definição de Antoine-Chrysostome Quatremère de Quincy (1755 – 1849) no Dictionnaire Historique d'Architecture (1825) que também introduziu formalmente a noção de 'tipo' no discurso arquitetônico. Para Quatremère de Quincy, a palavra ‘tipo’ apresenta menos a imagem de uma coisa para copiar ou imitar completamente do que a ideia de um elemento que deve servir de regra para o modelo¹. Para ele, ‘tipo’ é a ideia ou significado simbólico que está incorporado em um elemento, um objeto ou uma coisa. Assim, ‘tipo’ é abstrato e conceitual ao invés de concreto e literal. Seguindo uma tradição neoplatônica, essa ideia para Quatremère de Quincy também pode ser entendida como o ideal que um arquiteto deve buscar no processo de produção criativa, ou seja, uma ideia que nunca poderá ser totalmente materializada no processo de criação artística. Assim, a definição de Quatremère toca e serve como uma teoria metafísica do “tipo”. De acordo com a teoria da imitação de Quatremère de Quincy², essa ideia são as leis que governam a natureza e não o produto da natureza. Essa lei ou princípio abstrato que orienta qualquer produção artística é, portanto, eterna e ideal, embora os modelos que surgem da aplicação desses princípios sejam infinitos em suas variações. Concordando com Quatremère de Quincy na distinção entre ideia e modelo, Gottfried Semper (1803-79) define 'tipo' como a ideia que deve ser compreendida através das potencialidades de quatro elementos essenciais: a lareira (metalurgia, cerâmica), o telhado (carpintaria), o cercamento (tecelagem) e o monte (terraplanagem)³. Essa abordagem materialista de Semper desloca a ideia de “tipo” de uma posição idealista para uma posição prática. Da mesma forma, Giulio Carlo Argan (1909-1992), parte da abordagem de Quatremère de Quincy em derivar princípios da natureza como um ideal. Para Argan, ‘tipo’ é uma ideia que não reside mais na natureza, mas na construção de precedentes e, portanto, na história da arquitetura. Este valor é então relativo, não ideal nem imutável. Para Argan, “o nascimento de um “tipo” depende, portanto, da existência de uma série de edifícios que tenham entre si uma óbvia analogia formal e funcional”⁴. Essa afirmação aponta para o fato crucial de que novos ‘tipos’ podem ser tanto detectados quanto superados, possibilitando um processo de projeto sintático e discursivo na mesma medida. Desse modo, trabalhar tipologicamente é analisar, raciocinar e propor através de ‘coisas que são do mesmo tipo’, considerando-as assim em série. Trabalhar em série⁵ revela os traços compartilhados entre os objetos e aproveita a inteligência incorporada e cumulativa dessa série no fazer arquitetônico. Essa consideração serial emancipa a ideia de tipo de um ideal fixo sem deslocar a necessidade de um “ideal”. Partindo de Argan, podemos analisar o edifício de escritórios como um tipo com base em precedentes históricos.
¹ Quatremère de Quincy, “Type” in Encyclopédie Méthodique, vol. 3, trans. Samir Younés, reprinted in The Historical Dictionary of Architecture of Quatremère de Quincy (London: Papadakis Publisher, 2000). ² Ibid., p. 175. ³ Gottfried Semper, ‘London Lecture of November 11, 1853’, RES: Journal of Anthropology and Aesthetics, no.6 (Autumn 1983) p.5-31 ⁴ Giulio Carlo Argan, ‘On the Typology of Architecture,’ Architectural Design, 33.12 (1963), 564-65. ⁵ Christopher C.M Lee, ‘Working in Series: Towards an Operative Theory of Type’ in Lee, Christopher C.M. & Gupta, Kapil, Working in Series (London: AA Publications, 2010)
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Cartografia tipológica
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Por meio de um processo de deriva pela região central de Goiânia, foram identificados onze edifícios de escritórios tipologicamente pertinentes a este trabalho.
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1. The Prime Tamandaré Office Setor Oeste Ano de construção: 2011 Incorporadora: Brookfield
2. Orion Business & Health
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Setor Marista Ano de construção: 2018 Incorporadora: FR
3. New Times Square Setor Bueno Ano de construção: 2014 Incorporadora: Terral
4. Nasa Business Style Setor Marista Ano de construção: 2011 Incorporadora: EBM / Cyrela
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5. New York Square Setor Marista Ano de construção: 2011 Incorporadora: Terral
6. Executive Tower 17
Setor Marista Ano de construção: 2006 Incorporadora: Opus
7. New Business Style Jardim Goiás Ano de construção: 2009 Incorporadora: EBM
8. JK New Concept Business Jardim Goiás Ano de construção: 2012 Incorporadora: Opus
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9. Metropolitan Tokyo Jardim Goiás Ano de construção: 2015 Incorporadora: EBM
10. Brookfield Towers Jardim Goiás Ano de construção: 2014 Incorporadora: Brookfield
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11. Flamboyant Park Business Jardim Goiás Ano de construção: 2014 Incorporadora: Opus
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O local
N
RUA -A 137
137 A RU
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,00 30
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,0
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,0
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Planta de situação Sem escala
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,72
0
0
57 ,00 30
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,0
07
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A=
² 2m 2,5 9 1.7
. AV 6 13
00
Mapa de usos Residencial Comercial Uso misto Farmácia Edifício público
Mapa de vias Primária Secundária Terciária
Mapa de gabaritos Menos de 5 pavimentos 5 ou mais pavimentos Em construção
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Preocupações pragmáticas
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Malha estrutural
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856
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946
600
1:250
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Divisão de salas
3844 380
484
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380
375
22 200
22 200
375
22 200
200 22
Sala 1 24,86 m²
Sala 2 19,20 m²
Sala 3 20,89 m²
590
Sala 12 24,87 m²
375
380
Sala 7 47,45 m²
Sala 6 47,45 m²
Sala 5 24,62 m²
Sala 4 26,37 m²
380
375
738
Sala 8 24,62 m²
200 22
Sala 9 26,37 m²
200 22
738
1772
Sala 11 19,20 m²
1772
590
Sala 10 20,89 m²
22 200 L NE NM
S
NV
SE
946 3844
O
SO
946
NO
200 22
Pavimento tipo 1:250
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Vagas de estacionamento
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480
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Subsolo 1:250
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N
480
Térreo 1:250
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480
964
480
480
480
480
480
1º Pavimento 1:250
Circulação vertical 925 292929292929292929
156
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200
22 100 22
ELEVADOR
ELEVADOR
ELEVADOR
241 241
A.C.
398 22 220
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398
1210
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ELEVADOR EMERGÊNCIA
DUTO PRESS.
ELEVADOR
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22
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DUTO PRESS.
262
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220
SHAFT
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925
1:125
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Preocupações conceituais
No edifício de escritórios tradicional, o meio de acesso ao interior quem trabalha no edifício, mas não é desprezível que exista um as como a quantidade excessiva de barreiras entre parte interna e exte
O primeiro parâmetro para o projeto é, então, a subversão da conve
Em termos de materiais, o que parece ser comum aos edifícios de es mente os materiais mais comuns à superfície desses edifícios. Pode de edifício é inevitavelmente resultado de uma vasta concentração d a investidores privados que possuem essa renda. O edifício de escr É possível que por essa razão as escolhas convencionais de materiai Subverter o parâmetro de eternidade envolve escolher materiais e
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Acesso
do edifício é algo muito importante. Em parte há uma preocupação genuína e válida com a segurança de specto de segregação social envolvido. O árduo controle sobre quem pode ou não entrar no edifício, bem erna, resultam em um poder administrativo de decisão sobre quais categorias de pessoas são bem-vindas nesse espaço. enção do acesso. O objetivo é que o espaço interno e externo tenham o mínimo de barreiras possível, idealmente borrando a fronteira entre público e privado.
Eternidade
scritório tradicionais é uma certa homogeneidade. Peles de vidro e placas de alumínio são quase exclusivaemos interpretar essa convenção como parte da ideologia à qual esses edifícios estão associados. Este tipo de renda. Estruturas tão monumentais requerem orçamentos na escala de bilhões, o que só é possível graças ritórios tradicional é um ícone do sistema capitalista, uma expressão da utopia que o mercado busca criar. is desses edifícios tenham como objetivo passar a ideia de eternidade, pois esses são os edifícios que pontuam o fim da história (a utopia). técnicas que não escondam seu próprio decaimento. Criar texturas que localizem o edifício no tempo e ajudem a contar uma história através da materialidade.
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Eficiência Outra convenção essencial ao edifício tradicional é a sua eficiência em termos de aproveitamento do espaço. A área útil do edifício deve ser a maior possível, a fim de maximizar o aproveitamento daquele terreno e gerar o máximo de lucro de aluguéis possível. O segundo parâmetro de projeto é subverter a convenção de eficiência. A criação de “vazios” ou “intervalos” espaciais é essencial para a criação de um edifício melhor iluminado, arejado e que crie uma determinada experiência estética.
Flexibilidade O edifício de escritórios tradicional funciona a partir de um programa de uso muito específico: o escritório. Escritórios são espaços genéricos o suficiente para comportarem alguma variedade de trabalhos distintos (medicina, publicidade, arquitetura, contabilidade, advocacia, psicologia etc.), mas existe o potencial de incluir-se ainda mais variedade. Com o parâmetro de flexibilizar o uso do edifício, o objetivo é gerar tipos diferentes de espaço que comportem o máximo de atividades de trabalho possíveis. Podemos dizer que com isso o projeto se torna um “edifício de trabalho”, mais que um edifício de escritórios.
Monumentalidade Algo essencial ao edifício tradicional é a altura. Isso acontece em parte pelo já citado aproveitamento máximo do espaço, mas também é importante considerar as implicações culturais dessa característica. Esse tipo de edifício inclui as estruturas mais altas da cidade, de forma que se tornam uma representação dela. São objetos que identificam a cidade a um nivel global. A monumentalidade é um parâmetro que não será subvertido, apenas aproveitado para dar representar uma identidade diferente do que é feito tradicionalmente.
Complexidade Outro resultado da função ideológica do edifício tradicional, assim como um resultado de processos extremamente simplificados para eficiência, é a criação de modelos que ignoram a escala humana. Não em relação à altura do edifício em si, mas na ausência de detalhes e complexidade em sua forma. As fachadas são caracterizadas exclusivamente por grafismos de faixas brancas e esquadrias. Com o parâmetro de complexidade busca-se gerar uma experiência estética mais caótica, criando contrastes e texturas de materiais e técnicas a fim de manter o edifício interessante não só na perspectiva de modelo, mas também na escala humana.
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Bibliografia ARGAN, Giulio Carlo. El concepto del espacio Arquitectónico desde el Barroco a nuestros días: Curso dictado en el Instituto Universitario de Historia de la Arquitectura, Tucumán, 1961. Buenos Aires: Ediciones Nueya Visión, 1973 ARGAN, Giulio Carlo. Sobre o conceito de tipologia arquitetônica. São Paulo: Editora Ática, 2000 KANEKAR, Aarati. From building to poem and back: the Danteum as a study in the projection of meaning across symbolic forms. Londres: The Journal of Architecture, 2005 LEE, Christopher C.M. Working in Series: Towards an Operative Theory of Type. Londres: AA Publications, 2010 QUINCY, Quatremère de. Type. Encyclopédie Méthodique, vol. 3. Londres: Papadakis Publisher, 2000 SEMPER, Gottfried. London Lecture of November 11, 1853. Londres: Peabody Museum of Archaeology and Ethnology, Harvard University, 1983 TSCHUMI, Bernard. The Manhattan Transcripts. Londres: Architectural Design, 1981