A arquitetura como espaço de memórias: o edifício Arthur da Silva Bernardes da Universidade Federal

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A ARQUITETURA COMO ESPAÇO DE MEMÓRIAS: o edifício Arthur da Silva Bernardes da Universidade Federal de Viçosa.

REIS, LUIZ FERNANDO. (1); FRANKLIN, ARTHUR ZANUTI. (2) 1. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus UFV – Viçosa - MG lfreis@ufv.br 2. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus UFV – Viçosa - MG tucdz@hotmail.com

Resumo O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa que tem por objetivo resgatar as memórias ligadas ao Edifício Arthur Bernardes, que, além de ser uma obra arquitetônica notável, guarda, na memória de muitas pessoas que por ali passaram, momentos de uma Universidade desconhecida pelos atuais estudantes, servidores e visitantes. Para isso investigou-se as memórias que foram construídas em relação ao Edifício Arthur da Silva Bernardes, cujo recorte temporal abarcou o período de 1926 até o tempo presente, a partir de uma abordagem que considerou de um lado os documentos oficiais e os eventos relacionados à história do Edifício (memória oficial) e de outro, as histórias orais, estruturadoras das memórias individuais e coletivas dos grupos sociais. A pesquisa foi estruturada em duas partes: primeiramente foi realizado o levantamento de dados bibliográficos sobre conceitos tratados na pesquisa, principalmente aqueles relacionados à memória coletiva e à história oral, além dos dados relacionados ao Edifício Arthur da Silva Bernardes e à Universidade Federal de Viçosa (história oficial). A segunda parte do trabalho consistiu na pesquisa de campo acerca das memórias e relações de servidores da Universidade (ativos e inativos) acerca do edifício. Para tal finalidade, utilizou-se procedimentos relativos à história oral, mais especificamente a realização de entrevistas temáticas junto aos atores que tiveram ou ainda tem alguma relação com o edifício. Verificou-se que o Edifício Arthur Bernardes, exerce o papel de elemento da identidade “ufeviana”. Desde a finalização de suas obras em meados da segunda década do século passado até os dias atuais, o Prédio Principal tem sido a maior referência da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária, atualmente UFV, mesmo que isso se dê no inconsciente das pessoas.

Palavras-Chave: Memória; patrimônio cultural; arquitetura


Introdução A Universidade Federal de Viçosa, fundada em 1927, tem como marco inicial o Edifício Arthur da Silva Bernardes (EAB), localizado no campus da instituição. Ele sublinha toda a história da UFV, como local de rememoração e comemoração. Sua relação se estende além dos limites do campus, muitas vezes integrando as memórias e as representações dos viçosenses e daqueles que visitam à UFV. Sua presença testemunha os principais eventos que ocorreram na construção da história da instituição. Por isso estabelece, com os grupos sociais, uma relação de identidade. A consolidação da importância do Edifício Arthur Bernardes como espaço de memória ocorreu quando houve seu tombamento, em nível municipal, em junho de 2001, garantindo-se, com essa iniciativa, a sua permanência. O EAB, ou “Bernardão”, como é carinhosamente denominado pelos alunos “ufevianos”, constitui um dos poucos monumentos históricos de Viçosa, cidade que já possuiu belos exemplares da arquitetura eclética e que foram suprimidos pelo crescimento desordenado da cidade, baseado, principalmente, na especulação imobiliária. Investigar quais são as memórias construídas ao longo de sua existência pelos atores que se relacionam com o EAB é também uma maneira de se preservar o lado imaterial desse monumento, posto que essa condição só lhe é verdadeira enquanto associa a sua forma à sua significação histórica. O presente artigo aborda o papel da arquitetura enquanto espaço para a preservação da memória coletiva, quando vinculada aos locais onde elas são evocadas. Inicialmente, busca-se nos conceitos de memória coletiva e da história oral as bases para os procedimentos metodológicos da reflexão objetivada pelo estudo. Além disso, um breve relato da história da instituição tem por objetivo descrever e contextualizar o vetor do estudo. Dessa forma, esta reflexão mostra a importância da arquitetura como um espaço de representação da memória coletiva, neste caso em especial, relativamente às memórias de grupos diversos que convergem para um determinado espaço arquitetônico.

A memória coletiva A memória individual é definida por Maurice Halbwachs como o testemunho que utilizamos para recordar eventos vistos e não vistos. Estes últimos são aqueles sobre os quais, no passado, a partir do testemunho de outras pessoas, tenha se formado uma opinião. Por esta razão não existe, para Halbwachs, uma clara distinção entre memória individual e coletiva. 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


Assim, quando voltamos a uma cidade em que já havíamos estado, o que percebemos nos ajuda a reconstituir um quadro de que muitas partes foram esquecidas. Se o que vemos hoje toma lugar no quadro de referências de nossas lembranças antigas, inversamente essas se adaptam ao conjunto de nossas percepções do presente. É como se estivéssemos diante de muitos testemunhos. Podemos reconstruir um conjunto de lembranças de maneira a reconhecê-lo porque eles concordam no essencial, apesar de certas divergências. (HALBWACHS, 2006, p. 29)

A presença de uma pessoa não é necessária no compartilhamento de suas lembranças. O fato de já termos convivido com essa pessoa permite que se evoque um evento a partir de suas lembranças, ainda que elas não sejam as mesmas que as nossas. Isto porque, “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que trate de eventos que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos (Halbwachs, 2006, p. 30).” Dessa forma, nossa visão de mundo nos é dada por nossas lembranças, que são construídas e reformuladas coletivamente. Tanto quanto as lembranças de outrem participam e alteram as nossas, o mesmo acontece com as nossas lembranças em relação às dos outros. As nossas lembranças entrelaçam-se nos diversos momentos de nossa vida, quer no passado ou no presente. Quer dizer, os acontecimentos do presente se integram ao nosso conjunto de lembranças, ao nosso referencial de experiências vividas, integrando às nossas vivências passadas aquilo que experimentamos no presente. E nesse conjunto de lembranças também se encontram as lembranças de outros. Halbwachs mostra que as lembranças de outras pessoas são fundamentais à nossa memória. Mesmo sem termos vivenciado pessoalmente um determinado acontecimento, é possível fazê-lo através da vivência dos outros. E quando vivenciamos um acontecimento igual ou semelhante, veremos que ele nos é familiar, pois já integra a nossa memória. Nossa memória é composta por lembranças de fatos vividos individualmente e daqueles que vivenciamos com e através de outras pessoas. Ainda na concepção desse autor, existe uma interação das memórias coletivas e individuais. Para cada experiência apresentada observa-se que o interesse desperto, a perspectiva sob a qual se vivencia o momento estabelece analogias com pontos de vista de outras memórias, cada uma na sua especificidade, com seu conhecimento. Esse comungar de lembranças nos coloca em vários grupos e torna possível uma experimentação mais rica, que não seria possível sem a presença das outras memórias. Em todos esses momentos, em todas essas circunstâncias, não posso dizer que estivesse sozinho, pois em pensamento eu me situava neste ou 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


naquele grupo, o que compunha com o arquiteto e com as pessoas a que ele servia de intérprete junto a mim, ou com o pintor (e seu grupo), com o geômetra que desenhou o mapa, com o romancista. (HALBWACHS, 2006, p. 31)

Halbwachs condiciona as lembranças à existência do grupo. Na medida em que o grupo se desvanece, os eventos a ele relativos se perdem em função da inexistência de referência representada pelo grupo. Da mesma forma que essas lembranças estariam relacionadas aos seus membros, que eram individualizados em função do seu espaço nesse grupo. Todas as lembranças que poderiam ter origem dentro da turma se apoiavam uma na outra e não em recordações exteriores. Assim, por força das circunstâncias, a duração de uma memória desse tipo estava limitada à duração do grupo. (HALBWACHS, 2006, p. 31)

E em se considerando a vinculação de um lugar e de um grupo social, entende-se a inexistência da memória individual, visto que, na concepção desse autor, ela adquire referências da memória coletiva, ou seja, as memórias individuais só podem ser evocadas se forem referidas às memórias externas de outras pessoas.

A história Oral: procedimento metodológico Pesquisar as memórias construídas sobre o EAB proporcionou o conhecimento das diferentes visões dos entrevistados, partícipes desse processo. O que justifica a escolha da história oral como método, conforme a sugestão de Alberti: “Deve ser importante, diante do tema e das questões que o pesquisador se coloca, estudar as versões que os entrevistados fornecem acerca do objeto de análise”. (ALBERTI, s/d, p. 30) A partir de narrativas que respondam às questões do pesquisador, a história oral lhe abre um leque de detalhes que, se por um lado exige o apuro na análise, por outro expõe minúcias que passariam despercebidos se a pesquisa fosse feita por meio de questionários estruturados. É interessante, entretanto, ressaltar que o conhecimento do objeto de estudo, como já mencionado, também se faz por consultas às fontes documentais. Se o emprego da história oral significa voltar a atenção para as versões dos entrevistados, isso não quer dizer que se possa prescindir de consulta às fontes já existentes sobre o tema escolhido. (ALBERTI, s/d, p. 30)

Considerou-se na definição dos entrevistados, aqueles que apresentavam maior relação com o EAB buscando-se a maior abrangência possível dentro do recorte temporal proposto. 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


Professores e funcionários de diferentes faixas etárias, além dos estudantes, que se enquadram na faixa relativa aos cursos de terceiro grau. “A escolha dos entrevistados é, em primeiro lugar, guiada pelos objetivos da pesquisa.” (ALBERTI, s/d, p. 30); entretanto segundo a mesma autora: A escolha dos entrevistados não deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma preocupação com amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado de sua experiência. (ALBERTI, s/d, p. 31)

Razão pela qual foi adotado o critério qualitativo relativo a articulação entre as narrativas de forma a se alcançar o objetivo proposto. Assim, a limitação do número de entrevistados foi definida no momento em que essas narrativas não mais apresentavam fatos analíticos relevantes a serem considerados. O que na visão de Alberti é o momento de saturação e que a realização de novas entrevistas não resultará mais em informações relevantes à pesquisa. Quando as entrevistas realizadas em uma pesquisa de história oral começam a se tornar repetitivas, continuar o trabalho significa aumentar o investimento enquanto o retorno é reduzido, já que produz cada vez menos informação. (ALBERTI, s/d, p. 31)

Na opinião de Delgado, as informações obtidas por meio das entrevistas temáticas constituem-se em [...] um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. (DELGADO, 2006, p. 15)

O que realça a importância do narrador e do entrevistador. O primeiro por se constituir o principal meio para se atingir a finalidade do método – história oral – e o segundo por ser o vetor que conduz a construção da narrativa, de forma que esta atenda aos objetivos aos quais se pretende alcançar. A utilização da história oral como procedimento se justifica pelo tema ser definido. Além disso, ela faculta o aprofundamento de detalhes preciosos sobre o tema durante as entrevistas, diferentemente à adoção de uma metodologia baseada em questões fechadas, posto que, mesmo existindo um roteiro-guia sobre o tema, ele permite aos entrevistados ampliar sua narrativa e assim confrontar/verificar as fontes escritas utilizadas.

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Uma das diferenças entre história de vida e a história oral temática, enquanto procedimentos da história oral, é justamente o foco das entrevistas. Na temática, o foco se fundamenta no tema pesquisado, já na de vida as questões específicas à vida do narrador apenas serão úteis se estiverem relacionadas ao tema da pesquisa. Dado o seu caráter específico, a história oral temática tem características bem diferentes da história oral de vida. Detalhes da história pessoal do narrador interessam apenas na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central (MEIHY, 1996, p.163).

A Formação e Expansão do “Campus” da Universidade Federal de Viçosa: a construção de lugares de memórias O culto à própria memória é muito forte na Universidade Federal de Viçosa. Para se entender o significado que a preservação da memória tem para a instituição e como são os espaços que dão lugar às comemorações e rememorações é preciso conhecer um pouco da sua história, onde essas memórias tem sido construídas. A ESAV - Escola Superior de Agricultura e Veterinária foi criada em 1920, através do Decreto 6053 autorizado pela Lei 761 de 06 de setembro de 1920, pelo então presidente do Estado de Minas Gerais, Arthur da Silva Bernardes. Em 1921, por solicitação do governo de Minas Gerais, foi enviado ao Brasil o Dr. Peter Henry Rolfs, diretor do Florida Agricultural College, da Universidade da Flórida, no período de 1915 a 1920, com a incumbência de “fundar, organizar e dirigir uma Escola Agrícola Moderna” BORGES (2000, p. 5). A ESAV foi criada dentro do modelo dos “Land Grant Colleges” definido, segundo BORGES, et ali (2000, p. 6), com seus três campos básicos: ensino, pesquisa e extensão, já sobejamente provados em seu país de origem como responsáveis pelo extraordinário desenvolvimento agropecuário. Chegando ao Brasil em 1921, Rolfs organizou o Plano Geral do Estabelecimento para, em seguida estabelecer o local de implantação. O sítio definido foi o resultado da compra de várias fazendas no município de Viçosa. O Plano inicial para a implantação da Escola definiu a construção do Edifício Principal (Edifício Arthur Bernardes) o Dormitório (Alojamento Velho), abrigos rurais, residência do Diretor (Prédio da Reitoria) e três casas para professores e uma grande avenida (hoje a avenida principal da UFV, conhecida como Reta da UFV, que é o prolongamento da Avenida Peter Henry Rolfs, principal artéria da região central de Viçosa). 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


Importante ressaltar que os principais eixos que estruturaram o “campus” em sua implantação inicial, a se dizer a Avenida Principal (avenida P. H. Rolfs) e a Avenida da Agronomia, permanecem, sem alteração de suas funções, até hoje, mais de 80 anos após a sua construção, constituindo-se também em elementos fortes na memória da instituição. A estrutura urbanística do “campus” tem sido mantida dentro da sua concepção original. A vista da ESAV na década de 30 ilustra bem a estrutura viária (a Av. P. H. Rolfs, a linha férrea, a estrada paralela à Av. P. H. Rolfs e a estrada da Agronomia), com a arborização e a localização dos edifícios principais, dos abrigos rurais ao longo das atuais Av. Purdue e Av. da Agronomia, e da barragem ao fundo. Os mapas seguintes ilustram o “campus” nos primeiros anos da década de 40. Enfim, quase todos estes elementos que faziam parte do primeiro plano de construção da ESAV, e foram construídos até o ano de 1929, ainda permanecem e podem ser facilmente identificados no traçado atual. Constituem, portanto, importantes elementos morfológicos estruturadores da configuração espacial do “campus”. (CARVALHO, 2006)

Após ser transformada em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, em 1948, no período compreendido entre 1948 e 1969, a instituição teve a sua estrutura física ampliada com a construção de novos prédios ao longo da Avenida P. H. Rolfs e Avenida Purdue, construída paralelamente à primeira. Destaca-se no período referido, a construção da Vila Gianetti, destinada à moradia de professores, que passou a constituir-se em um importante elemento da memória do “campus” pelas suas características urbanísticas. A configuração espacial do “campus” neste período, já indica a influência modernista, presente na arquitetura de seus edifícios e no traçado urbanístico

da

Vila

Giannetti.

Todos

os

edifícios

são

alinhados

paralelamente ao eixo das avenidas e mantém-se um gabarito baixo com, no máximo, dois pavimentos. (CARVALHO, 2006)

Em 1969 a universidade foi federalizada, adotando a denominação atual de Universidade Federal de Viçosa. De 1929 a 1970, a tendência de crescimento em torno dos edifícios Arthur Bernardes e Alojamento Velho, o que definia e ainda define o “centro” do “campus”. A partir da década de 1970 com o expressivo aumento do número de cursos, o “campus” da UFV vem sendo ampliado. Entretanto, seu núcleo gerador, assim como outras edificações do período inicial foram preservados.

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O Espaço de Memórias: O Edifício Arthur Bernardes O Edifício Arthur da Silva Bernardes, o “Bernardão” ou simplesmente Prédio Principal, como também é conhecido pela comunidade “ufeviana” e viçosense foi erguido entre os anos de 1922 e 1926 e constitui, juntamente com o Edifício Bello Lisboa (Alojamento Velho), o núcleo gerador do “campus” da Universidade Federal de Viçosa. Sua destinação inicial foi a de abrigar as dependências da ESAV, incluindo aí aquelas destinadas à Escola poropriamente dita e à administração. Conforme descrição contida no Dossiê de Tombamento: O edifício, de planta retangular medindo 87,60 m x 26,00 m, apresenta cinco corpos, três salientes — os dois extremos e o central, o mais importante - e dois reentrantes; possui dois pavimentos de pé direito igual a 5,00 m e um porão habitável de altura variável, entre 2,60 m e 3,20 m. Originalmente, o primeiro pavimento compreendia vinte e oito saias destinadas à Diretoria e Congregação, biblioteca, sala de exposições, secretaria, sanitários e ainda às

instalações

dos

departamentos

de

Agronomia,

Horticultura

e

Pomicultura, Química, Engenharia Rural e Silvicultura (salas de aula, laboratórios, gabinetes de professores e depósitos), além do hall de entrada principal, das cinco caixas de escada e do corredor central de 2,25 m que o percorre longitudinalmente (figs. 1 e 2). No segundo pavimento vinte e cinco salas se abrem igualmente sobre o corredor central; elas eram destinadas às instalações dos departamentos de Economia e Legislação, Matemática, Solos e Adubos, Fitopatologla, Zootecnia e Veterinária (salas de aula, laboratórios, gabinetes de professores), além dos sanitários. Ocupando a metade do corpo central da construção se encontra o Salão Nobre, amplo compartimento medindo 22,00 x 10,80 m, iluminado e ventilado por dez janelas e uma sacada central, e que apresenta como particularidade o teto dividido em tres painéis e decorado com gregas recortadas em madeira. O porão repete a distribuição do primeiro pavimento, descontando-se no tamanho das salas a espessura aumentada das paredes. Nele funcionavam gasômetro a alimentação dos laboratórios, distribuidora de energia elétrica, casa-forte, instalação sanitária com chuveiros e as demais salas estando previstas para futuras novas dependências que o desenvolvimento da escola viria a exigir. (BELLO LISBOA, 1922 – 1929, p. 5-6) As fachadas frontal e posterior do edifício apesentam composição simétrica obedecendo à divisão em cinco corpos. Na fachada principal, o corpo central e mais importante é marcado pela escadaria de acesso, pelos pares 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


de colunas adossadas que enfatizam a entrada e que delimitam a sacada do Salão Nobre, e pelo frontão que coroa todo o conjunto. As fachadas posterior e laterais apresentam composição similar à principal, no entanto mais simples, sendo marcadas apenas pelas escadarias de acesso. A construção é arrematada superiormente por platibanda com balaustrada que percorre todo seu perímetro, escondendo o telhado. A ornamentação é austera, de caráter classicizante, os pavimentos estando diferenciados pelas ordens jônica, no primeiro, e coríntia, no segundo. As grandes janelas retangulares que vazam as fachadas segundo ritmo regular, junto com o desenho geometrizado da ornamentação caracterizam

o estilo da

composição como eclético modernizado. O telhado, em telhas francesas e estrutura em sucupira, obedece à disposição do edifício em cinco corpos, cada qual coberto por estrutura em quatro águas com exceção do corpo central, dividido em dois blocos de quatro águas. (Dossiê de Tombamento, p. 12)

Fig. 1 - Fachada Leste. Fonte: acervo do autor.

Fig. 2 - Fachada Oeste. Fonte: acervo do autor.

Ao longo de sua existência, a edificação passou por alterações internas, sendo adaptada aos usos requeridos. Atualmente, suas dependências abrigam apenas os órgãos administrativos da universidade, destacando-se as sedes dos centros de ciências e as próreitorias. As salas de aula e os laboratórios foram deslocados para outros espaços do “campus”, mais apropriados ao crescimento a quem tem passado a UFV. Apesar dessas modificações de uso, o “Bernardão”, como é conhecido entre os alunos da UFV, permanece como referência para todos os grupos que compõem a comunidade ufeviana e para os moradores de Viçosa, que tem no “Prédio Principal” uma referência que extrapola o “campus”. 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


Em seu interior estão depositadas as memórias das primeiras turmas, através dos Quadros de Formatura que ornamentam o corredor central do segundo pavimento (Fig. 3).

Fig. 3 – Corredor do segundo pavimento com os

Fig. 4 – Vista do interior do Salão Nobre a partir do

quadros de formatura das primeiras turmas de alunos.

palco com vista para a sala de reuniões dos conselhos

Fonte: acervo do autor.

superiores da UFV. Fonte: acervo do autor.

O Salão Nobre, que com o passar dos anos deixou de ser o lugar para as cerimônias mais importantes da instituição, foi restaurado e adaptado a novos usos, passando a abrigar um auditório com 120 lugares e a sala de reuniões dos conselhos superiores da instituição (Conselho Universitário e Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) sendo inaugurado em 2004 e devolvendo a esse local a importância merecida (Fig. 4). A consolidação da importância do Edifício Arthur Bernardes como espaço da memória da Universidade Federal de Viçosa ocorreu quando do seu tombamento, em nível municipal, em junho de 2001. Além do tombamento edifício e seu perímetro, foi definida a área de proteção do seu entorno como forma de se preservar parte do conjunto que caracteriza o núcleo gerador do “campus”, composto pelo Edifício Arthur da Silva Bernardes e o Edifício da Reitoria, antiga residência do seu primeiro diretor, Peter Henry Rolfs.

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As memórias coletivas do Edifício Arthur Bernardes Conforme foi citado no início deste artigo, as entrevistas foram realizadas com professores (na ativa e aposentados) servidores técnico-administrativos e estudantes de graduação. Foram realizadas dezesseis entrevistas divididas entre esses grupos. A análise das entrevistas demonstrou que as memórias construídas em torno do EAB resumem o vínculo das pessoas com a instituição, o que demonstra como a permanência desse edifício é fundamental para a manutenção da identidade desses grupos. A quase totalidade dos entrevistados deixou explícito que o Edifício Arthur Bernardes é a referência da Universidade. Apenas uma entrevistada considerou o edifício como um elemento secundário. Para a mesma,

atualmente exercendo a função docente

(anteriormente foi aluna do Colégio de Aplicação da UFV e também aluna de graduação) o edifício é um ícone de um período passado, de uma ideia de instituição que ela não tem certeza de que ainda existe. Por isso, ainda que ele seja uma edificação bonita, que compõe a paisagem do “campus”, sendo um elemento de fundo, não o principal. Mesmo assim, reconheceu a sua importância para a Universidade Federal de Viçosa. O tópico considerando-o como referência da Universidade foi o que mais apareceu nas entrevistas, concluindo assim que o Edifício Arthur Bernardes é um ícone da Universidade, representando não só um passado grandioso da mesma, em que o edifício era utilizado como salas de aula, sedes de departamentos, sedes dos bancos, sede das comemorações realizadas no salão nobre e setor administrativo da Universidade , mas também o presente dela, já que o mesmo até hoje mantém parte da administração da Universidade, os Centros de Ciências e o Registro Escolar. Com a ampliação da Universidade na década de 70, período em que foi federalizada, o Edifício Arthur Bernardes “ganhou um vizinho” considerado polêmico até os dias atuais: O Edifício do Centro de Vivência, que difere do Arthur Bernardes por sua arquitetura modernista. As opiniões dos entrevistados divergem quanto à presença de um edifício cuja forma é díspar do EAB. Há uma discordância de opiniões, em que alguns concordam com a implantação do edifício, enquanto que outros acham que o mesmo perturba a imagem do Edifício Arthur Bernardes. O EAB e o Centro de Vivência podem assim conviver harmoniosamente em um espaço próximo, apesar de todas as diferenças formais existentes entre eles. Próximo também ao Prédio Principal, há uma construção nova, o Espaço Multiuso, que funciona como restaurante e espaço de festas e cerimônias oficiais da Universidade. Entretanto, quando o mesmo é citado, todos concordam que esse edifício é uma afronta e 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


desrespeita o espaço do Edifício Arthur Bernardes, invadindo o que se considera sua implantação. Outro assunto em que os entrevistados abordaram é o desrespeito com o Patrimônio da Universidade, mais especificamente o Edifício Arthur Bernardes, contando que mesmo após seu tombamento municipal – que também foi um dos temas criticados –, o edifício e seu entorno sofreram depredações, muitas vezes por desconhecimento das pessoas pela história do edifício. Há também aqueles que consideram a divisão atual e o uso de arcondicionado, uma forma de depredar o edifício. O edifício teve sua construção na década de 20, feito todo em blocos de alvenaria com função estrutural, com cada pavimento tendo uma espessura diferente de parede e sendo três pavimentos, todas suas peças foram produzidas na UFV, desde suas madeiras, vidros, alvenaria etc. Logo, conclui-se que foi uma construção árdua, com muito empenho de todos que participaram da mesma. Dos entrevistados, quatorze deles já exerceram alguma função no edifício, como o ministério de aulas cargos administrativos, ou a participação de reuniões administrativas ou acadêmicas. Essa vivência estabelece nessas pessoas um vínculo permanente com o edifício. Ali são construídas amizades, são tomadas decisões que afetam a vida de muitas pessoas. Desde o primeiro contato, seja como aluno, seja como servidor, o Bernardão estabelece uma marca indelével na memória dessas pessoas. Considerando que durante décadas nesse edifício funcionavam as salas de aula, os laboratórios, e a maioria dos órgãos administrativos, a vida da instituição orbitava em torno do EAB. Mesmo depois que a universidade foi ampliada, principalmente na década de 1970, permaneceu no edifício parte das atividades acadêmicas. Com isso, percebe-se que mesmo após quase 80 anos, o mesmo se mantém vivo na memória da Universidade e ainda faz parte de diversas atividades relacionadas à UFV. É um edifício concebido para permanecer vivo na memória de quem o vê.

Considerações Finais O tombamento do Edifício Arthur Bernardes, fato que oficializou a sua condição de monumento histórico, retrata perfeitamente o conceito dado por Francoise Choay. É dada à sua importância para a história da instituição e da cidade que ele foi selecionado entre o conjunto de edificações do “campus” para ser protegido por um dispositivo legal.

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Choay nos leva ao entendimento do significado de monumento histórico através da contraposição com o os conceitos de monumento. A autora estabelece diferenças de noções que muitas vezes levam ao equivoco em se pensar que monumento e monumento histórico se enquadram em único conceito. A primeira diferença estaria na generalidade do monumento, sua presença em todas as épocas e todos os lugares enquanto que o monumento histórico seria uma idéia criada no Ocidente a partir da segunda metade do século XIX. Outro aspecto realçado pela autora, diz respeito à intencionalidade do monumento. Ele é criado com finalidade específica; [...] chamar-se-á monumento tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou familiar (CHOAY, 2001, p.17).

De outro lado, o monumento histórico adquire sua destinação como tal posteriormente. Citando A. Riegl (A. Riegl, Der moderne Denkmalkultus, Viena, 1903, tradução francesa de D. Wieczorek. Le culte moderne des monuments, Paris, Seuil, 1984.), ela observa que: Outra diferença fundamental observada por A. Riegl, no começo do século XX: o monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é, desde o princípio, desejado (ungwollte) e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o selecionam na massa de edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas uma pequena parte (CHOAY, 2001, p.25).

O edifício foi destinado originalmente a usos de ensino e administração. Tornar-se monumento histórico foi condição obtida posteriormente, posto que ao longo do percurso da UFV, desde a sua criação, como ESAV, passando pela condição de universidade estadual – UREMG para tornar-se, nos anos 70 uma instituição federal esse prédio sempre foi um importante espaço para a construção da memória coletiva da UFV. 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015 ISSN 2176-2783


Não se pode separar as memórias ali encerradas com as representações coletivas do prédio. Ele concretiza, por exemplo, o sonho de todo calouro em participar da foto dos formandos, fato marcante desde a primeira turma. Ou, ainda, o fato de a edificação representar as memórias do momento máximo do aluno na instituição que é a sua colação de grau. A concretização desse sonho é a memória de um grupo que possui uma identidade construída ao longo dos anos que estudaram na universidade. E essa identidade comum é representada pelo edifício, cuja permanência lhe dá o sentido de perenidade. Os grupos sociais que se relacionam ao “campus” da Universidade Federal de Viçosa são mais do que alunos, servidores técnico-administrativos e professores. As memórias relacionadas aos espaços do “campus”, em particular aquele abordado neste artigo – o Edifício Arthur da Silva Bernardes estendem-se aos cidadãos viçosenses que, por diversas razões, possuem memórias ligadas a esses espaços. Memórias dos familiares que ali trabalharam; memórias próprias, relacionadas à época em que ali estudaram; as memórias relacionadas ao espaço enquanto área de lazer e outras tantas, aqui não relacionadas. Sejam quais forem as memórias de quais forem os grupos sociais, elas estão relacionadas a algum espaço do “campus” da UFV. É porque ali é o espaço das memórias que o tornam o elemento aglutinador dos atores sociais a ele relacionados. É o espaço, arquitetônico, representado pelo Edifício Arthur da Silva Bernardes ou urbanístico, representado pelo “campus” como um todo, considerado um grande parque urbano, por suas características paisagísticas, que talvez dê à cidade, tão maltratada, a oposição ao caos ali instalado. É, enquanto espaço da memória, talvez um refúgio onde possam ser armazenadas, recicladas e dinamizadas as memórias coletivas, antes que sejam perdidas.

Referências A Universidade Federal de Viçosa no século XX / Editores: José Marcondes Borges, Gustavo Soares Sabioni, Gilson Postsch Magalhães. Viçosa: UFV; Impr. Univ., 2000. ABREU, M. de A. Sobre a memória das cidades. Revista da Faculdade de Letras. Geografia I, Vol. XIV. Porto, 1998, p. 77-97. ALBERTI,

Verena.

Manual

de

história

oral.

Disponível

<HTTP://arpa.ucv.cl/articulos/manualdehistoriaoral.pdf>. Acesso em: 1º fev 2011. p. 30. BELLO LISBOA, J. C. Relatório da construção da ESAV 1922 – 1929.

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em:


CARVALHO, A. W. B. Diagnóstico para o Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental do “campus” da UFV. Viçosa: UFV, 2006. CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Editora UNESP, 2001. DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996. NORA, P. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC–SP, São Paulo, 1981. POLLAK, M. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. RIEGL, A. O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia: UCG, 2006. UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Plano de desenvolvimento físico e ambiental do “campus” da UFV. Viçosa: UFV, 2006. UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Plano de desenvolvimento físico e ambiental de 1970. Viçosa: UFV, 2006. UFV 70 anos: a trajetória da Escola de Viçosa / [organizado por] Antônio Luiz de Lima; texto de Eduardo Lara Coelho. Viçosa: Editora UFV, 1997.

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