Agricultura Familiar e Orgânica Como exemplo de Qualidade de Vida

Ano 9 • nº 2043 Abril/2015 Vitória da Conquista Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Agricultura familiar e orgânica como exemplo de qualidade de vida Lagoa de Maria Clemência é o nome da comunidade quilombola, na região de Vitória da Conquista, que Dona Célia e toda sua família moram desde pequenos. Segundo os mais antigos, Maria Clemência foi uma índia, a primeira moradora da comunidade. Certo dia caçando pelos matos, Maria Clemência encontrou a lagoa e ali próximo começou a morar, construindo sua família e dando origem a toda a comunidade. Maria Clemência foi uma índia tão porreta que há histórias que ela colocava até cabra macho para correr.

Tamanha coragem parece contagiar a comunidade até hoje. Dona Célia é um grande exemplo disso. Mulher de garra, com coragem e força, enfrenta a lida diária e tira o sustento da sua família com a venda de suas hortaliças na feira do Ceasa, em Vitória da Conquista. A agricultora se destaca mais ainda, pois toda sua produção é feita de forma orgânica, sem o uso de nenhum tipo de produto químico.

Seguindo os passos da agricultura familiar, Dona Célia produz para o consumo próprio e o excedente comercializa para contribuir com a renda da casa. Ela conta que aprendeu o ofício da lida com a terra com seu pai: “Meu pai também plantava. A gente vive disso desde criança, a gente trabalha sempre, nasci, criei aqui e não pretendo sair. Eu trabalho com minhas hortinhas, graças a Deus, sempre deu certo, dá pra eu viver, manter minha casa, meus filhos. Toda semana o que precisa aqui dentro de casa eu compro com esse dinheiro da feira, e ainda sobra um pouquinho pra fazer minha economia. Meu marido trabalha com construção, ai é bom que eu tenho o meu dinheirinho pra fazer minha coisas, e ele tem o dele” Plantar sem o uso de agrotóxicos também foi uma lição que Dona Célia aprendeu desde pequena com seu pai, que também comercializava hortaliças e, os fregueses foram passados de pai para filha. “Quando meu pai veio pra essa terra, ele limpou o lugar e já começou a trabalhar, a plantar. Inclusive a gente tem freguês do meu pai, já tem 30 anos que meu pai morreu. Tem freguês que compra até hoje. Tem um freguês nosso que chama Denga, a gente sempre brinca com ele: E aí Denga, você não fica velho não? Aí ele fala: Envelheço não, graças a vocês, porque eu só uso produto de vocês, produto natural”.

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Dona Célia cultiva couve, alface, rúcula, escarola, chicória, coentro. E nas épocas de manga, abacate, acerola, também comercializa essas frutas.

Para cuidar da horta utiliza apenas cobertura morta e o fumo: “Aquela cobertura morta é bom pra terra e pra planta, a gente vai deixando porque serve de adubo natural e mantém a terra sempre molhada. Quando a gente vê que tem pulgão, eu aprendi a usar o fumo. Colocar de molho e depois jogar. Ai a gente tá usando isso. E agora aprendemos a usar o Biogel, eu já fiz, vou começar a usar agora”, explica Dona Célia.

A preocupação com a segurança alimentar de Dona Célia é evidente, ela usa um dito popular pra explicar isso: “O que não passar na sua garganta, não dê ao seu irmão”. É por saber dessa preocupação que Seu Aurino Viana é freguês de Dona Célia há mais de 10 anos. Ele conta que compra tudo com ela porque confia: “E eu compro aqui porque confio nesses. Produto natural, sem agrotóxico, sem veneno. Produto químico prejudica a saúde, tira o inseto, mas prejudica o organismo, porque a gente ingere esse veneno. Todo mundo lá de casa só compra aqui em Célia, ela ajuda a gente cuidar da nossa saúde”.

Dona Célia já trabalha há mais de 15 anos com a venda de hortaliças

Seu Aurino, freguês de Dona Célia

Dona Célia nunca usou nenhum tipo de agrotóxico, mas lembra que certa vez sentiu na pele os malefícios deste, quando tinha 14 anos : “ Desde a época do meu pai, a gente nunca usou nenhum tipo de veneno, mas teve uma vez, quando eu era pequena ainda, que meu irmão comprou. Ele trouxe a màquina que ele tinha aplicado o produto, e colocou dentro do depósito. Ai eu fui e fiquei um tempo sentada perto da màquina, passou um pouco meu estômago começou assim a revirar, revirar, e eu fui parar na cama. E foi assim, e nada ficava no meu estômago e quando foi à tardizinha eu fui parar no médico, fiquei intoxicada só com cheiro”, conta.

Em família - Antes de se casar, Dona Célia já ajudava sua mãe na feira. Mas depois conquistou sua própria banca, que fica ao lado da banca da sua irmã Vilma. Os ensinamentos passados pelos seus pais sobre a lida com a terra e a comercialização de seus produtos na feira continuam em família. Os três irmãos, Dona Célia, Dona Vilma e Seu Milton, que também tem barraca na feira, moram próximos uns dos outros, plantam de forma orgânica e vendem juntos. O transporte dos produtos para a feira também é feito em conjunto, em um carro antigo que receberam de herança do pai.

Sobre esse trabalho em família Dona Célia conta: “Se falta algo na minha banca pego na deles. E sempre foi assim, quando um não Da esquerda pra direita: Dona Célia; Jóelio, seu tem o outro arruma, sem comprar nada. Graças Deus a gente sempre filho; Vilma, sua irmã; Norma, sua cunhada. foi muito unido. Pego deles porque sei que também é produto natural, ai posso vender sem medo pro meu freguês” Dona Célia tem três filhos, Aline (20 anos), Joélio (11 anos) e Davi (7 anos). E assim como seu pai fez, hoje ela passa os ensinamentos da terra para seus filhos. “Os dois maiores já me ajudam com as hortas, mas quando Joélio tem dever da escola eu deixo ele estudando, porque os estudos vem em primeiro lugar”, conta Dona Célia. Sua filha mais velha já vem tirando sua renda com a feira também: “Como Aline já tá mais moça, vi que ela precisava ter o dinheirinho dela, ai na sexta-feira ela toma conta da banca, e a venda é toda dela. E agora ela já tá tirando a carteira de motorista dela, pra ficar mais fácil até ir pra lá”, conta feliz Dona Célia.

A produção orgânica, o viver do campo e a união da família de Dona Célia, servem de inspiração para toda a comunidade e os demais feirantes do Ceasa. A história de convivência com o semiárido é feita assim, passada de geração em geração e contada pelos próprios agricultores.

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