Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Ano 6 | nº 104 | Março | 2012 Baturite - Ceará
Terra, Água, Fé e Vida no Semiárido, a experiência da Comunidade Quilombola Kolping Serra do Evaristo Distante nove quilômetros de Baturité - CE, no alto de uma montanha, está situada a Comunidade Quilombola Kolping Serra do Evaristo. Constituída por cerca de 130 famílias e mais de 500 pessoas. O acesso a serra se limita a uma estreita estrada de pedra e barro, subida com longas curvas e quase coberta pela caatinga. Quando se chega ao topo, a visão é de um lugar belo, com uma paisagem fascinante, quase completa por bananeira, principal atividade econômica. Mesmo diante da beleza exuberante com que a Serra do Evaristo se apresenta, são notáveis as dificuldades que o povo enfrenta. A falta de terra e de água, por exemplo, foram até pouco tempo grandes entraves para o desenvolvimento local, assim como o acesso à cidade, que ainda é um desafio. Mas o olhar e o sorriso expressivo são de uma Associação Comunitária partilha sua experiência gente feliz, que acredita em melhorias. Pelas características físicas e humanas há quem julgue o lugarejo como terras e culturas de outros povos. Traços marcados nas expressões culturais, na pele e no coração, como organização, coragem e resistência, podem ser remanescentes da cultura ancestral. Fragmentos ainda contidos no chão, como grandes potes, ou urnas funerárias também afirmam a presença de indígenas, mesmo que tenha sido há muitos séculos. Correm muitos boatos quanto à formação do povoado. “Ninguém tem certeza, mas os mais velhos contam que o primeiro senhor que chegou era chamado de Evaristo, daí o sentido do nome da comunidade”, diz Francisco Delvane Silva, líder comunitário. É através da disseminação da mistura do belo, da integração mulher, homem e natureza, da organização comunitária, que a comunidade Serra do Evaristo considera sua história de lutas e conquistas. Seu Luiz Marques, membro da Associação Comunitária Kolping da Serra do Evaristo, conta que primeiro formaram a Associação, que deu ao povo autonomia para discutir seus problemas e possíveis soluções. A partir de então passaram a se reunir com frequência e logo perceberam que poderiam conquistar espaços e benefícios. Lutaram pela terra e adquiriram 395 hectares, com o apoio de Dom Aloísio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza na época e recursos oriundos da Obra Kolping e Manos Unidos, da Alemanha. Além da Associação de Moradores, tem outras Cultivo de bananeira é a principal atividade econômica pastorais e movimentos como, a Pastoral da
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Juventude, a dança de São Gonçalo, Capoeira entre outros. “A comunidade credencia essas organizações como instrumentos no processo de construção”, garante Cristina Costa, presidente da Associação. Na “fazenda”, como é chamada a terra conquistada, atualmente muitas famílias trabalham e dela tiram seu sustento. “A experiência que os mais velhos tiveram foi de humilhação, porque trabalhavam nas terras alheias e não tinham o necessário para sobreviver, o que o patrão oferecia em troca do trabalho semanal eram alguns quilos de feijão e farinha”, conta seu Marques. Ainda enfrentam dificuldades. Atualmente a comunidade luta pelo Projeto Pronaf Mais Alimento, para aquisição de um caminhão, um trator e o reflorestamento da fazenda. O intuito é tornar a área mais produtiva. Mas algumas burocracias do Banco do Nordeste tem dificultado o acesso. “O Banco já pediu muitos documentos e agora querem uma ata com assinatura dos primeiros fundadores da associação para poder liberar o projeto. Isso é impossível, porque muitos já morreram”, desabafa Francisco Delvane, que considera a exigência um afronta aos quilombolas.
A luta pela conquista da água Assim como em outras comunidades do Semiárido brasileiro, as Famílias da Serra do Evaristo por muito tempo enfrentaram dificuldades com a falta de água. A principal fonte que dispunham era uma nascente que fica em uma descida, a mais de um quilômetro do centro do povoado. Mas com o passar do tempo a fonte secou, tirando do povo sofrido aquilo que a natureza lhe oferecia. “Quando a fonte secou, por volta dos anos trinta, o sofrimento foi grande”, diz seu Alfredo de Castro membro da Associação. Mas, este não foi um motivo para desânimo, pois acreditavam na providência divina, desceram até a nascente e com vestes brancas e cânticos invocaram São Gonçalo, dançando em torno do local. De acordo com a história contada pelos mais velhos, depois do ato religioso a água voltou a jorrar. “A alegria foi grande e até hoje a gente dança em homenagem ao Santo”, declara dona Socorro Fernandes, considerada Mestre da Cultura. E assim, viverem por muito tempo, descendo a serra para pegar água. E a dança, que se tornou um ato de fé e agradecimento, ainda hoje é bailada em determinado período do ano, ou sempre que alguém faz uma promessa. A luta pela água sempre foi pautada na vida das famílias da Serra do Evaristo. Nos anos noventa com a parceria da Obra Kolping construíram as primeiras cisternas de placas (em torno de vinte), com capacidade para armazenar 16 mil litros de água. Aos poucos as construções iam aumentando. Nos últimos três anos, devido à necessidade de beneficiar um número maior de famílias com água para beber e diante da escassez de recursos dos projetos que vinham da Alemanha, criaram o fundo rotativo. Para cada cisterna construída eram depositadas 15 parcelas de 20 reais na conta da Obra Kolping. O recurso era destinado para a construção de outras cisternas, e assim, cada grupo de família por proximidade geográfica foi sendo beneficiado, chegando a um total de 90 cisternas construídas. Neste ano de 2012 foram beneficiadas/os com 15 cisternas, do Programa Cisternas, do Governo do Estado com a parceria da Articulação no Semi-Árido Brasileiro – ASA, executado pela Organização Barreira Amigos Solidários - Obas. A alegria do povo diante da conquista é notável. E a expressão de fé e organização comunitária, evidencia a bravura de um povo que mesmo em terras Semiáridas vive dignamente. “A mística que encarna fé e vida faz o povo ter amor à Com a cisterna as famílias têm água para beber terra é permanecer nela”, Evandro Ferreira. Apoio:
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