Quem guarda tem "semente boa, apurada, sem veneno"

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Ano 8 • nº2931 Outubro/2014

Utinga Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

QUEM GUARDA TEM ‘Semente Boa, Apurada, sem Veneno’ Seu Manoel Damasceno dos Reis, filho de agricultores, da comunidade Umburanas em Utinga, se destaca na região pela luta para resgatar, conservar e disseminar as sementes crioulas que, segundo ele, quase não se encontra mais na comunidade. A maioria dos agricultores compra sementes modificadas que não se adaptam bem à região e a cada plantio é preciso comprar novamente. Ainda jovem, se casou com Eliete e quando Elma, a primeira filha do casal, estava com 3 meses de idade, por falta de condições de permanecer na roça, migraram para Goiás onde seu Manoel trabalhou no corte de cana e na construção civil. Lá nasceram as outras 2 filhas – Eula e Mariana. As crianças ficavam na creche e sua esposa trabalhava como faxineira em um hotel da cidade. Seu Manoel herdou do pai 5 hectares de terra e decidiu voltar, animado pela possibilidade de viver da agricultura, ser dono da sua produção e ter autonomia para decidir sobre a forma de produzir e comercializar. “Queria usar o dinheirinho que juntamos lá durante 7 anos para arrumar nossa casa e comprar uns móveis, mas Manoel disse que era melhor investir na propriedade, que aumentamos de 5 para 35 hectares”, recorda dona Eliete. Sempre trabalharam com sementes crioulas que a família vinha guardando; ‘No tempo do meu pai, a gente nunca comprou semente pra plantar. Era guardada de um ano pro outro, assim do jeito dele de guardar. De um tempo pra cá, por conta da falta de chuva, a gente foi perdendo esse costume de guardar a semente”, relata seu Manoel.


Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

“Participando dos encontros da Cáritas, da ASA, o pessoal começou a falar em bancos de semente, aí eu me interessei; tô tentando agora ver se a gente faz um banco de semente e também resgatando a nossa cultura que era do meu pai e do pessoal da região”. No encontro de agricultores/agricultoras experimentadores/experimentadoras da ASA, na Paraíba em outubro de 2013, conseguiu algumas variedades de feijão: baitão, feijão branco, feijão rosinha e feijão maracá - uma variedade de fava. “Aqui eu tinha um pouco de semente nativa ainda guardada, quando eu falei do banco de semente meus amigos (vizinhos) me doaram um pouco de feijão quitoco, bage rajada, bage rôcha, carioquinha precoce e eu plantei também”. Todas produziram, apenas com água da chuva, sem precisar retirar água do barreiro. “O modificado, a gente planta ele aqui e quando é no tempo que precisa de chuva, se passar 2 ou 3 dias de sol, ele não aguenta, é muito melindroso”, assegura seu Manoel. As sementes, conservadas em garrafas pet, não são comercializadas e nem consumidas, pois a ideia principal é criar o banco de semente. “Dessa semente eu já doei uma parte para alguns vizinhos agricultores porque se ficar pra mim só, eu posso perder, assim, se eu perder alguém lá na frente já tem”. É nessa perspectiva que seu Manoel multiplica suas sementes a fim de mobilizar a comunidade para essa necessidade. “Estamos plantando e deixando uma reserva, porque se uma perder a gente tem outra para a próxima chuva”, diz seu Manoel. A administração pública municipal não apoia a iniciativa, segundo seu Manoel. O presidente da Câmara chegou a dizer que a agricultura familiar jamais iria colocar comida na mesa dos brasileiros, que a região não servia para produzir. Outra dificuldade é convencer as pessoas que coisas pequenas valem à pena, pois “a maioria hoje prefere acreditar no agronegócio e vende o dia de trabalho nas grandes fazendas de café para no fim do dia sair com seu dinheiro; não quer plantar e produzir pra si mesmo”. O plantio da família é diversificado e consorciado: “na agricultura familiar a gente precisa de tudo, né? Às vezes tem o feijão não tem a abóbora, às vezes tem a abóbora não tem o milho, então é bom ter de tudo um pouquinho”. A preocupação com a comunidade e o desejo de resgatar as sementes impulsionam a luta de seu Manoel, que é apoiado por sua esposa que garante: “A nossa é uma semente boa, apurada, não tem veneno, uma semente que os pais da gente plantava, a gente colhia, comia e não passava mal. Manoel é uma pessoa muito esforçada na comunidade, quando ele vai nos cursos, passa as coisas e tem gente que acha ele um ignorante, que não sabe de nada, e ele sempre diz, aqui na nossa comunidade tem jeito, basta a gente querer”.

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