Ano 8 • nº2030 Julho/2014
Utinga Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Luta e Resistência por uma Vida Melhor Filhos de agricultores, seu Valdir e dona Terezinha aprenderam com os pais a gostar e cuidar da terra e dela tirarem seu sustento.Nascidos na comunidade Umburanas, município de Utinga, sempre enfrentaram dificuldades em relação ao acesso à água. Por essa razão, aos 22 anos e ainda solteiro, Valdir decidiu migrar para a cidade de Rio Verde, em Goiás, onde trabalhou em usinas no corte de cana de açúcar: “Era um sofrimento brabo..., então prometi pra mim mesmo que quando conseguisse voltar só saía daqui para o cemitério”, relata seu Valdir. De volta, se casou com Terezinha, comprou uma pequena propriedade no povoado e construiu uma casa onde nasceram os 3 filhos do casal: Jaqueline, Jadson e Karina. O rio mais próximo fica na cidade, a 16 km. “Na época de seca, a gente ficava esperando chegar o carro-pipa com água não tratada, do jeito que vinha do rio”. Seu Valdir relata ainda que mesmo em períodos chuvosos havia dificuldade: “A gente teve que 'ralar' bastante para criar os filhos; não tinha água para o consumo e quando chovia usava a da chuva, aparada em vasos plásticos, mas como não tinha reservatório uma semana depois da chuva estava sem água de novo”. Dona Terezinha completa dizendo que “quando os meninos eram pequenininhos, eu buscava água na cabeça, às vezes com o barrigão, mas era preciso”. Mesmo com esses problemas, nunca deixaram faltar o necessário para seus filhos e sempre os incentivaram a estudar. Quando estavam em casa ajudavam nos trabalhos da roça. Jaqueline e Jadson, depois que concluíram o 2º grau, mudaramse para São Paulo. Karina mora com os pais, é alfabetizadora de jovens e adultos e, nas horas vagas, confecciona peças artesanais que são vendidas em São Paulo pelos irmãos. Através da Cáritas Diocesana de Ruy Barbosa- ASA Bahia, a família conquistou a cisterna de consumo pelo Projeto Cisternas. “Estou muito feliz porque era um sonho ter minha água perto de casa, estamos no céu, minhas meninas não precisaram buscar água na cabeça como eu, num tanquinho de chão”, recorda dona Terezinha. Dedicada dona de casa, ela se divide entre os afazeres domésticos e os serviços da roça. Com ajuda da filha fabrica sabão ecológico reaproveitando o óleo das frituras do dia a dia. Ao redor da casa, tem várias plantas medicinais como hortelã, manjericão, alecrim, arruda e outras variedades que ela cultiva com amor e dedicação. “Confio muito no poder das ervas, sempre que alguém precisa a gente tem ali pra servir”, afirma. No quintal, construíram canteiros econômicos onde produzem diversas hortaliças. Fora dos canteiros, plantam batata roxa, abóbora, tomate, laranja e banana. “Tudo que a gente planta aqui dá porque a terra é boa, a nossa dificuldade era mesmo a água”, afirma seu Valdir.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia
Produzem para o consumo próprio, totalmente livre de agrotóxicos e praticam a rotação de culturas para não cansar a terra e, segundo eles, nunca tiveram problema com pragas. A chegada do barreiro trincheira com capacidade de armazenar 600.000 litros de água, possibilitou a realização de outros sonhos: “Esse barreiro foi uma grande alternativa porque, quando vem a chuva a gente consegue reservar uma boa parte da água que cai dentro do terreno”. Decidiram, então, investir na plantação de milho, usam a espiga para o consumo da família e a palha para ração dos animais. “Essa plantação salvou a situação de quase 20 cabeças de gado”. Adquiriram um kit para irrigação e assim aumentaram a produção: Colheram mais de 800 espigas e até venderam. Infelizmente utilizaram semente transgênica, comprada no comércio local, devido à dificuldade de encontrar sementes da região. A comunidade tem uma associação de moradores com aproximadamente 70 associados e seu Valdir é o presidente. Através dela conseguiram um trator, em 2004, pelo programa de mecanização agrícola que está em perfeito estado de conservação e, até hoje, beneficia os associados. Seu Valdir relata que a agricultura familiar enfrenta grandes desafios: “O nosso maior problema é o agronegócio, que quer sempre nos jogar para baixo, chegaram a dizer que a nossa região aqui não tinha jeito”. O município recebeu máquinas do Governo Federal pelo PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento) e, segundo ele, a prefeitura não libera para uso dos pequenos agricultores. Várias tentativas foram feitas, via prefeitura e câmara de vereadores, a fim de limpar as aguadas antes da chuva mas infelizmente nada aconteceu. Outro desafio é a questão da semente nativa que a comunidade precisa resgatar.
Seu Valdir entende que as conquistas virão da organização da comunidade na luta por seus direitos e assim, aos poucos, se vai construindo alternativas para viver cada vez melhor e mais feliz. “Quando a gente tem um sonho, a gente luta por ele”.
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