Assentamento Tapera: Uma história de resistência sócio-ambiental, esperanç

Page 1

Ano 9 • n º 1963 Março/2015

A agricultora Elizângela de Aquino, conhecida como Lô, vive no assentamento há 20 anos e relembra o tempo em que havia época certa para as estações do ano. “Antigamente tinha época de frio, da primavera, do verão, das chuvas – de outubro a março - e de seca – de abril a setembro. Hoje, o tempo não é mais o mesmo, as temperaturas estão bem mais altas! A natureza não obedece mais essas datas, o tempo mudou totalmente, vivemos o desequilíbrio ambiental”, explica.

Riacho dos Machados Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Participação das mulheres na construção dos riscos e estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

Os efeitos das mudanças climáticas avançam em todo o mundo e no Semiárido são mais evidentes. A grande preocupação dos agricultores e agricultoras do Assentamento é com relação à escassez das chuvas na região, as famílias acreditam que o que está de fato acontecendo é a má distribuição das águas. Como estratégia para conviver com as mudanças climáticas os agricultores e agricultoras aprenderam numa “Oficina de mudanças climáticas”, realizada em 2011, a identificar os riscos ambientais, sociais e econômicos, que ameaçavam a comunidade. Frente a isso, aprenderam a traçar possíveis estratégias de adaptação e diminuição da vulnerabilidade causada por essas mudanças. A partir desse aprendizado começaram a colocar em prática as estratégias: construção de bacias de contenção, conservação do solo, plantio em diversas épocas na 1º chuva, diversificação e consórcio, armazenamento de sementes, plantio de espécies e variedades mais resistentes e migração. Como segunda proposta, as famílias estão dialogando com outras comunidades envolvidas na luta pela criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, monitorando a dinâmica do clima no Semiárido, avaliando a capacidade de regeneração do ecossistema e das águas; com objetivo de fortalecer a capacidade das comunidades e dos seus sistemas agrícolas para garantir a segurança alimentar no Semiárido Mineiro. Desde essa época, essas estratégias vêm sendo implantadas nas comunidades e as famílias se uniram para fazer desse trabalho fruto de aprendizado para gerar frutos cada vez mais importantes para a convivência com as mudanças climáticas.

Realização

Apoio

Assentamento Tapera: Uma história de resistência sócio-ambiental, esperança e o constante olhar sob os efeitos das mudanças climáticas O assentamento Nossa Senhora das Oliveiras – Assentamento Tapera, situado em Riacho dos Machados, no Norte de Minas é considerado uma das áreas mais produtivas da região. Chegar ao Assentamento é deparar com as belezas do Cerrado, que para muitos agricultores e agricultoras são sinais de esperança e de boa colheita. “O Cerrado é vida e o ar para viver”, é o sentimento das famílias que moram na Tapera. No caminho, a paisagem é diversificada uma mistura de Serra - após o Vale do Rio Comunidade Tapera unida para preservar o Cerrado e suas biodiversidades. Verde Grande, onde é possível visualizar vegetação de Carrasco e Cerrado. Depois se entra nos topos do Espinhaço com eucaliptos traçando uma alternância com formações típicas do Cerrado. A região é território dos Gerais - onde residem povos tradicionais conhecidos como “Geraizeiros”. No assentamento, residem 111 famílias que convivem com o Cerrado e suas biodiversidades.Elas vêm sendo ameaçadas, desde a década de 1970, com a chegada das empresas reflorestadoras. A chapada dos Gerais foi alvo de desmatamentos para dar lugar às grandes monoculturas de eucalipto e às mineradoras, atividades que trazem consequências sociais, econômicas e ambientais devastadoras. O assentamento Tapera sempre foi lembrado pela união e força dos agricultores e agricultoras. Desde a sua construção possui como proposta o desenvolvimento baseado nos princípios da agroecologia, tais como a autossuficiência, a sustentabilidade e a autonomia de direitos para a qualidade de vida. A relação com a produção agroextrativista e gestão ambiental é característica do Assentamento. No entanto, essas são atividades que, ao longo do tempo, estão ficando menos ativas; reflexos diretos dos efeitos das ocupações dos Gerais e da exploração de minério que provoca, entre tantas outras consequências, mudanças no clima, que se acirram cada vez mais, devido à quebra do equilíbrio natural do Cerrado.


Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

. Hoje, o resultado pode ser constatado na conservação das oito nascentes, que têm até ação judicial para a sua preservação, aliada à disposição da vigília permanente da comunidade, para não deixar entrar animais e estranhos nas áreas das nascentes. “As nascentes fazem parte do futuro do assentamento, por isso respeitamos o meio ambiente e ele contribui para a vida das pessoas. As nascentes são o reflexo e o pulmão do assentamento se não preservar sentiremos imediatamente as consequências aqui dentro”, alerta Lô.

Essas práticas reforçam o sistema produtivo do assentamento que está organizado em um conjunto de atividades envolvendo o cultivo de roças, criações de animais, extrativismo e processamento de produtos tirados do Cerrado e da Caatinga. Projeto Sementes Tapera

"As nascentes fazem parte do futuro do assentamento".

Outra estratégia que o assentamento colocou em prática foi a construção de bacias de contenção, com apoio do Programa Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, implantadas em locais de escorrimento de água nas estradas utilizadas para o armazenamento da água de chuvas, matar a sede dos pequenos animais, recarga do lençol freático, evitar que desça lama para as roças, além de contribuir para o desenvolvimento do Cerrado. A conservação do solo também foi citada como estratégia. Para isso, os agricultores e agricultoras constroem curvas de nível, fazem coberturas nas hortas utilizando bagaço de cana, restos de hortaliças e tudo que possa ser aproveitado para manter o solo coberto e adubado. Em sua roça, a família de Lô adotou algumas estratégias: a construção da curva de nível na horta, o cultivo diversificado e o sistema de consórcio. Lá a família planta arroz, milho, feijão, abóbora, maxixe, mandioca e frutas de acordo com a época. "O cultivo agroecológico é qualidade de vida" Ao falar de sua produção, ela relembra que em 2011, chovia nas épocas certas e que sua produção era de 80 a 100 sacos de arroz, por exemplo, e hoje, devido às chuvas insuficientes, a produção é consideravelmente menor. Porém, a comunidade não perde a esperança. A bandeira de luta está presente porque nunca desistiram e não deixaram as práticas agroecológicas de lado. Para fortalecer o agroextrativismo, o Assentamento conseguiu uma pequena fabriqueta, cuja gestão é realizada pela própria comunidade. É na fabriqueta que despolpam as frutas exóticas e nativas do Cerrado, essas geralmente plantadas nos quintais: umbu, manga, coquinho azedo, cagaita, coco, pequi, panã, murici, laranja e acerola – as polpas são para o consumo das famílias e para comercialização, principalmente para a Cooperativa Grande Sertão e para feiras livres. Entretanto, a comunidade explica que há tem impasse para escoar a produção. “Temos que organizar a produção para termos acesso a outros mercados, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA a dificuldade é a estrutura para guardar as polpas”, explica o agricultor e nativo da região, Eduardo Pereira.

O Assentamento Tapera também é conhecido pela atividade de produção e venda de sementes crioulas. Nos últimos anos, devido às alterações climáticas, vêm tendo inúmeras perdas no campo da produção, enfraquecendo assim a independência dos agricultores e agricultoras que não precisavam e não queriam comprar sementes do mercado. Entretanto, com o atual quadro climático, o Assentamento está vulnerável à entrada de sementes híbridas e transgênicas.

Sementes: fonte de vida e esperança para os agricultores e agricultoras.

A produção e garantia de sementes crioulas adaptadas à região foi uma das estratégias traçadas na oficina “Mudanças Climáticas”. Assim, a Associação elaborou um projeto de adequação da Casa de Sementes do Assentamento, que será completado com um recurso do Fundo Nacional de Solidariedade da Cáritas. As nascentes do assentamento são preservadas e motivam

A i n i c i a t i va a vigília de toda a comunidade. que tem como objetivo resgatar, valorizar e assegurar a reprodução das sementes tradicionais da comunidade, além de ser uma estratégia de estoque de várias espécies e variedades. “As sementes não são importantes somente para as famílias que cultivam e mantém esta prática há décadas e séculos. São importantes para toda a comunidade, Cerrado: beleza e biodiversidade. porque não se desvincula as famílias das comunidades. Tudo isso é interessante porque se a família possui as sementes crioulas, ela tem autonomia para garantir a segurança alimentar dos agricultores e agricultoras, Povos e Comunidades Tradicionais”, explica Lô.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.