Ano 7 • nº1097 Dezembro/2013 Porto da Folha
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
A menina da Cisterna A organização política da ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) tem algo muito interessante de se contar. Para realmente fazer sentido a palavra “articulação” a conversa começa com as comissões locais junto com as comissões municipais que fazem parte da coordenação estadual que por sua vez é representada pela coordenação nacional. É uma colcha de retalhos composta pela sociedade civil organizada, o povo que vive e convive com o Semiárido diariamente, que sabe quais as lutas que precisam ser travadas para que aconteça justiça e igualdade no sertão.
Vanistelia, representante da comissão
Então, é essa comissão local que queremos trazer para a conversa e para que a prosa seja boa, nada melhor que a história de uma agricultora arretada que tem em seu coração o amor pela comunidade em que vive e a consciência que só através da organização do povo é que realidades podem ser transformadas. Essa agricultora é a Vanistelia dos Santos, filha única do simpático casal de agricultores Dona Maria de Lourdes e Seu Antônio Francisco, Vânia como é conhecida, tem 37 anos e mora com seus pais na comunidade Ranchinho no município de Porto da Folha-SE desde que nasceu. Ela tem em sua trajetória de formação escolar muita dificuldade e muito choro, as dificuldades são aquelas que acontecem na vida de muitas crianças e adolescentes que querem estudar no Semiáirdo, a falta de transporte, a longa estrada trilhada a pé para chegar até a escola, a falta d'água e muitas outras, mais o choro de Vânia como Dona Maria de Lourdes fala “Ela não conseguia se acostumar, tudo que era pra fazer chorava, tinha medo, mas eu sempre dizia pra ela continuar e o resultado tá aí”.
Vânia e sua mãe Dona Maria de Lourdes
Hoje Vânia tem em seu currículo além da sua grande experiência de vida, o curso de magistério e a graduação em biologia, já ensinou a turma do pré-escolar da sua comunidade
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Articulação Semiárido Brasileiro – Sergipe
e viveu a triste experiência de não ter água na escola onde ensinava, como ela nos conta: “Era uma seca terrível, tinha que ir pegar num bar aqui vizinho uma garrafa de dois litros de água para os meninos beber o dia inteiro”. Então, foi nesse mesmo ano em 2005 que de repente o Seu Antônio pai de Vânia, entra na sala de aula e diz: “Tem uma pessoa aqui para falar com você” e apresentou Dona Netinha, a pessoa que trazia a boa nova da chegada das cisternas de placa da ASA naquela região. “Eu fiquei meia desconfiada, já tinha passado por muita promessa e nada acontecia, o povo também estava desconfiado e mesmo com toda aquela seca terrível custou a acreditar que aquela conversa era verdadeira” diz Vânia. Mesmo assim ela aceitou o desafio e entrou para comissão local junto com seu pai e uma agente de saúde da região. Começaram todo processo de formação e mobilização e as famílias do Ranchinho conquistaram as primeiras cisternas, foram 57 cisternas de placas do P1MCPrograma Um Milhão de Cisternas na primeira etapa. “Tenho amor pela ASA, aqui era muito difícil mesmo, mudou a história do Ranchinho... A ASA é aquela história, faz e não cobra nada”. A história dessa moça que o povo chama de “Menina da Cisterna” estava apenas começando, ela tomou gosto pela coisa e começou a participar de encontros, reuniões, capacitações e intercâmbios da ASA e foi descobrindo que a ASA era ela mesma, era a comissão, eram aquelas famílias agricultoras e a vontade de participar foi só crescendo cada vez mais” Foi outra luta para convencer as pessoas do P1+2- Programa Uma Terra e Duas Águas, no inicio ninguém queria, mas depois quando viram que dava certo, hoje já não param de me procurar para perguntar quando tem mais cisterna-calçadão”. Agora Vânia como diz Dona Maria, sua mãe, “desacanhou”, ela faz tudo, reúne as famílias para falar da ASA, faz seleção e cadastramento junto com a Unidade Gestora e a última novidade são os cursos de GRH- Gerenciamento de Recursos Hídricos que ela diz com maior orgulho: “Foi um show os cursos de GRH, por conhecer a ASA, não tive dificuldade nenhuma de falar nada”. E falando em conhecer a ASA, ela conhece mesmo, tem tudo anotado em um livro de ata, da sua primeira conversa com Dona Netinha até hoje “Anoto tudo aqui, relação de nome das pessoas, nome de pedreiro, relação de material, músicas de entrosamento...100% Eu sou voluntária da ASA”. A menina da cisterna não é só da comunidade Ranchinho, ela hoje já atua em várias outras comunidades com o objetivo de ver a vida melhorar para todos e todas da região “Hoje eu vejo que modifiquei a vida das pessoas, a cada passo dentro da ASA com muita aprendizagem, muito conhecimento” fala Vânia.
O amor em ser voluntária
Realização
A ASA (formada por pessoas como Vânia) já conseguiu alcançar um dos seus objetivos na comunidade Ranchinho, toda família ter acesso a água de qualidade próxima a sua casa para beber, cozinhar e escovar os dentes nos períodos de estiagem e as tecnologias do P1+2 também já conseguem demonstrar bons resultados na região, como diz Vânia “A gente aqui já tem o que contar do P1+2, famílias que não compram mais nada na feira, produzem seu alimento sem agrotóxico, limpo”.
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