Lição de Vida nas Ondas do Rádio

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Ano 9 • nº 1751 Março/2015

Crato Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Lição de Vida nas Ondas do Rádio ‘’Gente amiga, meu abraço, meu bom dia, estamos chegando através da Rádio Sertão FM 96,7, divulgando nossos contatos 99340235 ou 93367056, pode ligar e pedir a sua música, que nós tocaremos com todo carinho para os nossos ouvintes...’’ assim fala Francisco Borges de Lima, 55 anos , chamado pelos mais próximos carinhosamente de Fransquim. Fransquim e seu irmão mais velho, João, são naturais de Pio IX – Piauí, no entanto, seus outros oito irmãos nasceram na comunidade de Cajazeiras dos Borges, distante sete quilômetros da sede do município de Campos Sales – CE, local em que moram desde então. Estando esta região inserida no Semiárido brasileiro, tem a Caatinga como vegetação predominante e a escassez de água uma realidade. Dos dez irmãos, dois têm deficiência visual de nascença, Fransquim é um deles, mas isso não lhe tirou o interesse pelo rádio, sonho que ele alimenta desde a infância. O outro é Geraldo Borges de Lima, 37 anos, que nos intervalos de seus estudos, baixa músicas da internet para ampliar o acervo musical da rádio. Sendo de uma família de agricultores, ele lembra dos tempos em que “ia para a roça pastorar pros bicho não entrar, e rádio era uma coisa difícil, não era todo mundo que tinha, então a gente pegava aquelas latas de óleo quadrada, furava um buraco e colocava um talo de mamona, um botão e brincava falando como se fosse rádio”, conta. Outra brincadeira, era com caixas de fósforo, e Fransquim ensina: “Você pega quatro tampas de caixa de fósforo, coloca duas de um lado e duas do outro, ligadas por um cordão bem esticadinho, coloca uma no ouvido e a outra para falar, e a voz sai certim”. “Passou o tempo, eu fui pegando gosto e tive contato com aqueles microfones sem fio, aí eu pensei: rapaz dá pra gente fazer uma brincadeira com ele. Então comprei um. Botei uma antena, e ficou pegando nas rádios das casas aqui pertinho. Botava em cima da tampa da radiola para pegar o som. Mais um tempo pra frente um cara vendendo um transmissor, eu comprei e fui montando a rádio devagarzinho, só com a radiola. Depois apanhei um gravador de dois deques e foi melhorando. Mesa de som, não tinha. Eu injetava o microfone nesse gravador e servia de mesa de som”(mostra o gravador antigo). E continua, “depois fui ampliando, adquiri uma mesa de som e ficou melhor. Então a gente faz um trabalho na comunidade, divulga, avisa, diverte, sem cobrar um centavo”.


Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Fransquim nunca fez curso de rádio, “esse negócio de operar som, eu fui aprendendo por conta. Quando eu apanhei a mesa de som, levei num eletrônico e perguntei onde era a entrada de som, mas esqueci de perguntar pela saída. Se tem entrada tem saída, eu pensei....”(risos). O bom humor é uma característica cativante dele. As despesas da rádio são todas pagas com recursos de sua aposentadoria. Para ele é um prazer realizar um sonho no quintal de casa, perto de sua família e com ajuda de seu irmão Geraldo. “Eu gosto da comunicação! Isso daqui é como se abrisse as portas. Eu me sentia isolado, para mim foi muito importante”, conclui Fransquim. Geraldo é o homem do computador. Não menos dotado de bom humor, lembra: “ A minha brincadeira preferida era andar a cavalo de jumento”(risos). Desde criança se interessa pelo conhecimento. “Eu não estudei em escola, mas fiz umas letras de plástico. Comecei com uns biscoitos com formato de letras – esse estudo é bom, a gente aprende e come (mais risos) – então comecei a aprender o alfabeto, juntar letras e formar palavras”. “Quando eu comecei a ouvir rádio, ouvia falar em computador nas rádios internacionais que eu sempre gostei, rádios de ondas curtas. Mas eu achava que era um ambiente de trabalho somente visual. Em 2006 uns parentes me fizeram um convite para eu ir à Brasília, aí eu comecei a pegar algumas aulas no INTEGRE – Instituto de Integração Social de computação básica. No começo fiquei um pouco desanimado, mais não desisti, pois é muito complicado para quem nunca imaginou, sentar diante de um teclado com mais de cem teclas. Me dediquei também a estudar braile, no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais”, conta Geraldo. Próximo ao retorno para casa, um amigo que conheceu no curso de informática se prontificou para montar um computador para ele, com o custo apenas das peças. E acrescenta, “A informática tem me ajudado muito na questão do ensino e na busca pelo conhecimento. Baixo vários livros narrados das mais diversas áreas, desde livros de anatomia até livros de filosofia e literatura brasileira. Sempre tive o sonho de ter acesso ao ensino e a informática me deu essa oportunidade”. Geraldo vai prestar ENEM agora em Novembro, e diz: ’’Eu tenho consciência de o que estudei, talvez não seja o suficiente, mas pode ser que que eu erre alguma coisa, e acerte”(risos). Com seu irmão Fransquim, Geraldo nos mostra o quanto a s b a r re i ra s s e to r n a m pontes quando o sonho é maior que as dificuldades. Com inteligência e vontade, um apoia o outro e os dois juntos constroem uma história que precisa não só ser vista e ouvida, mas ser sentida por todos e todas.

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