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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011 - ANO XXV - Nº 512 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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Foto: José Emilio Perillo/ Folha Press

O triunfo do lixo “O Estado não age e o cidadão não se movimenta. O resultado dessa combinação é dramático. A continuar assim, o lixo pode vir a inviabilizar a sociedade humana, pelo menos tal como a conhecemos”. O alerta é do geógrafo e sociólogo Maurício Waldman, autor do livro Lixo: Cenários e Desafios, finalista do Prêmio Jabuti 2011 na categoria Ciências Naturais. A obra é resultado da pesquisa de pós-doutoramento de Waldman, desenvolvida no Instituto de Geociências (IG), sob a orientação do professor Antonio Carlos Vitte. Página 3

Técnicas identificam adulteração de gasolina

Insulina, obesidade e disfunção erétil

Uma viola caipira na sala de concerto

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Livro organizado por docente da Feagri ganha Jabuti

A receita para um óleo de dendê de qualidade

Turismo afeta comunidades potiguares

O pediatra indaga: ‘quem cuidará das crianças?’

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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

ARTIGO

por:

Cristina de Campos

Requalificação das redes de infraestrutura no Brasil: um debate de mais de um século

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m dos desafios atuais enfrentados pelo Brasil neste início de século XXI é o de readequar e estender suas redes de infraestrutura territoriais e urbanas para que ofereçam suporte ao crescimento do país. Dentro desta perspectiva, o país necessita repensar seus sistemas de comunicação, transportes, estradas, sistemas de saneamento, dentre outras tarefas. As tarefas incluem, se tomarmos aqui o exemplo do setor de transportes, a de ampliação/criação de novos terminais (hidrovia/aéreo/portuário) e estradas (ferrovias, rodovias, hidrovias). Há mais de um século, este mesmo tema da requalificação das infraestruturas estava presente na agenda do governo brasileiro, contudo, dentro de um contexto social e político distinto do atual. O país tinha passado por mudanças substanciais. O trabalho escravo havia sido abolido e o trabalhador livre imigrante era introduzido cada vez mais intensamente nos setores produtivos da economia agroexportadora; a monarquia foi substituída pela República federativa, marcada pela autonomia política e financeira das antigas províncias, transformadas em estados autônomos. Sob a República, o país tentava, gradualmente, afastar os tempos da colônia e consolidarse junto ao mercado internacional como exportador. Vários problemas deveriam ser encarados de frente, sobretudo no estado de São Paulo, onde concentrava-se a produção cafeeira do período. Entre estes problemas, destacamos resolução da questão dos transportes (abertura de novas estradas) para o escoamento da produção; enfrentamento do quadro sanitário agravado pelas epidemias; adaptação das cidades para sua nova função enquanto centro de apoio às atividades cafeeiras; construção de novas redes de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário para as principais cidades; definir as fronteiras do estado; modernizar seu porto exportador; e, não menos importante, criar um aparato capaz de gerenciar todas estas novas atividades. Como estes problemas foram enfrentados? O governo do estado de São Paulo, favorecido pela descentralização política, contava com os recursos gerados pelas exportações, o que possibilitou o direcionamento desta massa de dinheiro1 para o financiamento de obras, criação de instituições e a contratação de técnicos especializados para encontrarem a resolução destes problemas. A criação de novas instituições e a introdução de novas tecnologias interessam, sem dúvida, aos estudos desenvolvidos no âmbito do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp nas áreas de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia e de História das Ciências, pois neste período a ciência e a tecnologia eram valorizadas e vistas como fundamentais para que o estado levasse a frente este seu ambicioso plano. Somado aos montantes de recursos disponíveis, havia também uma habilidosa articulação política realizada pela elite, que manobrava a favor de seus interesses de classe, como bem ilustra o caso da crise dos transportes da década de 1890. No início da década de 1890, as estradas de ferro eram incapazes de escoar o grande volume de produção até o porto de Santos. A situação era mais delicada quando as composições alcançavam o “gargalo”, ou seja, quando o fluxo vindo das Companhias Paulista, Mogiana e Sorocabana chegava até as linhas da The São Paulo Railway Company (SPR), em Jundiaí. A “inglesa” mantinha o monopólio da descida ao litoral e contava, desde a sua inauguração em 1867, com ape-

Foto: Militão/Reprodução

Acampamento de operários na construção da ferrovia para o litoral, cuja exploração ficou a cargo da SPR: escoando a produção agrícola Foto: Reprodução

Estação da Mogiana em Ribeirão Preto no início do século 20: acordo com o governo e com a SPR fez companhia desistir de ter linhas para o litoral

nas uma linha para a descida até o porto. A solução era a duplicação da linha da SPR ou a abertura de uma nova linha para o litoral. Nos arquivos da Assembleia Legislativa em São Paulo é possível encontrar uma série de pedidos de concessão de companhias ferroviárias e de outros particulares interessados em construir uma outra via férrea para o litoral. A instabilidade política dos primeiros tempos da República impediu uma rápida solução para a questão. A nomeação do engenheiro Antonio Francisco de Paula Souza para a pasta ministerial da Indústria, Comércio e Obras Públicas do governo de Floriano Peixoto tinha como um dos seus objetivos encontrar uma solução para a crise dos transportes em São Paulo. Enquanto ministro, Paula Souza não obteve êxito e uma das causas para o seu insucesso certamente está atrelada às instabilidades políticas do período. Neste mesmo período, com a eclosão da Revolta da Armada na capital, Floriano Peixoto não pode dedicar atenção aos problemas paulistas, fazendo com que

Paula Souza abandonasse o ministério sem resolver a questão dos transportes. Enquanto isso, o governo do estado de São Paulo estava em negociações com a SPR para a duplicação da linha. Uma das exigências dos ingleses era a manutenção do monopólio de descida até Santos, e em contrapartida, a companhia duplicaria suas linhas, inclusive, no delicado trecho de subida da Serra do Mar. A Assembleia Legislativa, por sua vez, havia concedido à Companhia Mogiana o direito de construir e explorar uma linha de simples aderência até o porto de Santos. As linhas de simples aderência não exigiam o emprego de técnicas mais complexas, ao contrário dos sistemas funiculares utilizados para o controle das composições nas subidas e descidas da serra. Pelos relatórios expedidos por esta companhia durante a década de 1890, verifica-se que as obras estavam em adiantado estágio e em poucos anos a Mogiana teria um caminho exclusivo até Santos. A estabilidade conquistada durante o go-

verno de Prudente de Moraes permitiu que as negociações entre as companhias fossem retomadas, tendo como um dos intermediadores o engenheiro Paula Souza. Por volta de 1895, finalmente a SPR, o governo do estado e a Mogiana concordaram com a seguinte medida: a SPR duplicaria suas linhas e manteria, por mais 90 anos, a exclusividade de descida/subida da Serra do Mar, ao passo que a Mogiana deveria desistir de seu audacioso projeto de descida ao litoral, tendo em troca a garantia de empréstimos com os banqueiros ingleses. A duplicação acordada entre governo e SPR previa a construção de um segundo plano inclinado para a subida/descida da Serra (projeto conhecido como Serra Nova) e a duplicação da linha até Campinas. Optou-se também pelo sistema funicular para a subida da Serra, um dos mais fascinantes e complexos sistemas até então implantados no país. Neste mesmo acordo ficou estabelecido que somente a Companhia Sorocabana poderia construir uma outra linha para Santos de simples aderência, mas o projeto levou mais de 30 anos para ser efetuado, favorecendo assim os ganhos da SPR. Neste episódio da crise dos transportes fica claro que os interesses privados sobrepujaram os públicos. Passadas tantas décadas, ainda é possível enxergarmos várias similitudes entre as ocorrências do final do século XIX e o panorama atual da requalificação das redes de infraestruturas, principalmente no que tange aos interesses privados. 1– Sobre a massa de capital liberado para o estado de São Paulo investir na resolução de seus problemas ver Bernardini. Construindo infra-estruturas, planejando territórios: A Secretaria de Agricultura, comércio e Obras Públicas do Governo Estadual Paulista (1892-1926). 2007. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Cristina de Campos é professora colaboradora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp

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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

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Foto: Antoninho Perri

Livro alerta para o risco de a humanidade gerar mais detritos do que o ambiente pode suportar MANUEL ALVES FILHO

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manuel@reitoria.unicamp.br

e a humanidade vive a era do conhecimento, vive igualmente a era do lixo. Do ponto de vista quantitativo, a natureza movimenta, em seu ciclo normal, 50 bilhões de toneladas de materiais por ano. Os homens, por seu turno, movimentam 48 bilhões de toneladas no mesmo período, sendo que 30 bilhões são de resíduos. “Isso é muito mais do que o ambiente pode suportar”, sentencia o geógrafo e sociólogo Maurício Waldman, especialista no tema. Ele é o autor, entre outros, do livro Lixo: Cenários e Desafios, indicado como um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti 2011 na categoria Ciências Naturais. A obra é resultado da pesquisa de pós-doutoramento de Waldman, desenvolvida no Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, sob a orientação do professor Antonio Carlos Vitte e com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq). O lixo, conforme o pesquisador, tem sido um problema recorrente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Não bastasse a humanidade estar crescendo e gerando cada vez mais resíduos, o quadro vem se agravando graças a inércia das autoridades públicas, que pouco têm feito para reciclar ou dar destinação adequada aos rejeitos. Ademais, a sociedade também não faz a sua parte ao aumentar exageradamente o consumo de bens e produtos e ao descartar sem cerimônia seus detritos em qualquer lugar. “O Estado não age e o cidadão não se movimenta. O resultado dessa combinação é dramático. A continuar assim, o lixo pode vir a inviabilizar a sociedade humana, pelo menos tal como a conhecemos”, adverte Waldman. Aos que possam considerar as suas previsões apocalípticas, o pesquisador rebate com números. De acordo com ele, o Brasil, um dos países que mais sofrem com a problemática, é um grande gerador de lixo.

Sob o signo do lixo Embora sua população seja equivalente a 3,06% do total mundial e seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponda a 3,5% da riqueza global, os brasileiros descartam 5,5% dos resíduos planetários. “Quer outros dados? Pois bem, entre 1991 e 2000 a população brasileira cresceu 15,6%. No mesmo período, o país ampliou seus descartes em 49%. Em 2009, o incremento demográfico foi da ordem de 1%. Entretanto, a geração de rejeitos aumentou 6%. Trata-se de uma expansão perversa”, afirma. No caso brasileiro, insiste Waldman, nada tem sido feito para equacionar a questão. “Infelizmente, não temos políticas públicas para essa área. Os únicos que têm trabalhado verdadeiramente em favor da sociedade são os catadores de lixo, que em vez de serem parabenizados, são discriminados e maltratados tanto pelas elites quanto pelo poder público. Para se ter uma ideia, dos resíduos secos gerados no país, 13% são recuperados. Destes, 98% são coletados pelos catadores e apenas 2% pelos programas de Coleta Seletiva de Lixo [CSL]. Em 2010, pasme, dos 5.565 municípios brasileiros, somente 142, ou 2,5% do total, mantinham algum tipo de parceria com esses trabalhadores. Eles são os grandes heróis nacionais do meio ambiente”, considera o geógrafo e sociólogo, que foi colaborador do sindicalista e ativista ambiental Chico Mendes, assassinado em 22 de dezembro de 1988. Mas, se o problema do lixo é tão grave, por que as autoridades públicas não se preocupam em resolvê-lo? Na opinião de Waldman, o descompromisso ocorre porque, culturalmente, os resíduos sempre são considerados um problema do outro. “A única política adotada no país, se é que podemos classificá-la assim, é a da estética. Ou seja, o interesse primordial das autoridades é tirar os rejeitos da visão das pessoas e levá-los

Foto: Divulgação

Maurício Waldman, autor da obra finalista do Prêmio Jabuti: “A continuar assim, o lixo pode vir a inviabilizar a sociedade humana, pelo menos tal como a conhecemos”

para um lixão ou, quando muito, para um aterro sanitário. A forma como esse lixo será tratado ou monitorado é outra questão. O importante, na concepção dessa corrente, é que a sujeira não fique à mostra”. O pesquisador destaca, ainda, que o lixo é basicamente uma questão conceitual. Na opinião dele, não é fácil identificar hoje em dia o que de fato é um resíduo. A propósito do assunto, o autor do livro Lixo: Cenários e Desafios relata uma breve episódio. Waldman conta que tem na estante da sua sala uma estátua de bronze de Buda, embora não seja budista. Segundo ele, o objeto foi encontrado por um operário que trabalhava numa usina de reciclagem. “O trabalhador estava olhando para a esteira quando viu a imagem. Imediatamente, ele a recolheu e a recuperou. Depois, me presenteou. Ou seja, algum cidadão completamente insensato ousou jogar na lixeira a estátua de Buda, que é um símbolo religioso e que merece respeito por parte de todos nós,

independentemente da religião que professamos. Aí é que eu pergunto: o que é lixo? Existe um padrão cultural que governa a cabeça das pessoas que as ajuda a definir o que é descartável ou não. Nem sempre, infelizmente, esse padrão é o mais sensato”.

Questões Questionado sobre o que deve ser feito para que não ocorra o triunfo do lixo sobre a humanidade, o geógrafo e sociólogo faz algumas ponderações. Para alívio daqueles que estão sobressaltados com a leitura deste texto, ele inicia respondendo que o problema tem solução. Depois, afirma que há três questões a serem pensadas. A primeira delas é a necessidade de as pessoas adotarem um consumo mais consciente de bens e produtos. “Atualmente, cada brasileiro gera 3,5 quilos de lixo proveniente de equipamentos eletroeletrônicos por ano. É muita coisa. O cidadão tem que ter maior consciência de que não vale a pena trocar o celular X pelo Y apenas porque a versão mais recente do aparelho tem uma luz que pisca durante a ligação”, diz. A segunda questão, prossegue Waldman, está no imperativo da mudança de postura da indústria, que trabalha com o conceito da obsolescência precoce, modelo de produção e consumo classificado pelo pesquisador como “pornográfico”. “Havia uma série de TV nos anos 70, intitulada Missão Impossível, na qual uma voz avisava ao personagem que a mensagem que ele estava ouvindo se autodestruiria em cinco segundos. O que a indústria faz é dizer aos consumidores que seu televisor ou lavadora de roupa se autodestruirá em 12 meses. Isso precisa mudar”, defende. Por último, mas não menos importante, o pesquisador avalia que o Estado também tem que dar sua contribuição à causa do controle eficiente do lixo, formulando políticas públicas sérias e consequentes. “Tem gente

Mulher separa material reciclável em lixo doméstico em rua de Campinas: catadores respondem por 98% da coleta dos rejeitos reaproveitáveis no país

idealista que tem trabalhado nesse sentido, como pesquisadores em universidades e institutos de pesquisa, mas isso infelizmente ainda não é regra geral”, lamenta. Deixar de dar aos resíduos tratamento e destinação adequados, conforme Waldman, não representa apenas um desrespeito ao ambiente e à qualidade de vida das pessoas. Significa também desperdício de dinheiro e oportunidades. No entender do especialista, o Brasil poderia ampliar significativamente o índice de reciclagem do lixo, tanto o seco quanto o orgânico. “Aliás, muita gente, até quem se diz especialista no assunto, costuma cometer um erro gravíssimo ao citar unicamente a reciclabilidade do lixo seco. O úmido também é reciclável, visto que pode ser recuperado pelo ciclo da natureza. Algumas estatísticas apontam que a taxa de reaproveitamento dos resíduos no país poderia ser ampliada para 52% ou 59%. Além de menor agressão à natureza, isso representaria a geração de renda e trabalho. Um levantamento do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão vinculado à Presidência da República] aponta que, na linha do tempo, nós já desperdiçamos US$ 8 bilhões por não reaproveitarmos o lixo. É um dinheiro que poderia ter sido aplicado na saúde, na educação e em programas de inclusão social”, imagina Waldman. Retornando ao assunto da solução para o problema dos rejeitos, o pesquisador assinala que a questão não é somente brasileira, mas mundial. “Como dizia o geógrafo Milton Santos, de quem sou admirador, qualquer problemática global nos dias atuais não pode ser tratada por um grupo de ‘iluminados’. Os problemas globais precisam ser pensados coletivamente. É necessário unir conhecimentos e competências, além obviamente de envolver nas discussões os diversos segmentos da sociedade civil organizada. Sem essas iniciativas, dificilmente haverá saída”, alerta.

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Título: Lixo - Cenários e Desafios Autor: Maurício Waldman Editora: Cortez Páginas: 232 Preço sugerido: R$ 34,20

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WALDMAN, Maurício . Educação: Foco Prioritário para as Políticas de Gestão dos Resíduos - Artigo eletrônico disponibilizado a partir de Janeiro de 2011 no site da Cortez Editora. São Paulo (SP): Cortez Editora, 2011 (Artigo Eletrônico). WALDMAN, Maurício . Anátemas do Lixo Nuclear - Artigo eletrônico disponibilizado a partir de 01 de Abril de 2011 no site da Revista Eletrônica Portal Fator Brasil. São Paulo (SP) 2011 (Artigo Eletrônico). WALDMAN, Maurício . O Brasil e os Desafios do Lixo - Artigo eletrônico disponibilizado a partir de 10 de Outubro de 2011 no site da Cortez Editora. São Paulo (SP): Cortez Editora. São Paulo (SP): Cortez Editora, 2011 (Artigo Eletrônico).

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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

Método detecta solvente em gasolina adulterada Fotos: Antoninho Perri

Combinação de técnicas permite que resultados possam ser obtidos em 45 minutos ISABEL GARDENAL

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bel@unicamp.br

esquisa de doutorado do Instituto de Química (IQ) mostrou que a combinação de duas técnicas analíticas – a cromatografia gasosa bidimensional abrangente e a quimiometria – possibilitou identificar amostras de gasolina adulterada com solventes. Depois de construído um modelo de calibração de 25 amostras, o resultado apontou que novas amostras poderão ser obtidas em aproximadamente 40 minutos. O estudo foi capaz ainda de diferenciar amostras de gasolina brasileira e venezuelana em razão do contrabando existente nas regiões de fronteira envolvendo os dois países, além de conseguir prever parâmetros físico-químicos de amostras provenientes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Com a investigação, destaca o autor da tese, Luiz Antonio Fonseca de Godoy Junior, abrem-se novas possibilidades para o controle da produção de gasolina e da comercialização, tanto para verificar se o produto está adequado para consumo quanto para quem o produz. O trabalho foi orientado pelo professor Ronei Jesus Poppi e coorientado pelo professor Fábio Augusto, ambos do Departamento de Química Analítica do IQ. A partir de uma gasolina aprovada pela ANP, Godoy Junior, que é químico de formação, montou um modelo de calibração adulterando a gasolina em laboratório com querosene, aguarrás e tíner. Em seguida, o doutorando preparou novas amostras adulteradas para avaliar o modelo de calibração desenvolvido. Como os resultados obtidos foram concordantes com a quantidade real de gasolina C presente nestas amostras, a metodologia proposta foi validada. Além disso, foram avaliadas gasolinas que foram classificadas como adulteradas pelo controle de qualidade da ANP. O resultado obtido com a metodologia proposta indicou em todos os casos que a amostra estava adulterada. “Esse problema, aliás, é mais comum do que se imagina no Brasil”, comenta o pesquisador. A vantagem do processo adotado pelo pesquisador é que ele expõe a quantidade de gasolina C (gasolina + 20% de etanol) presente na amostra. Para uma amostra adulterada com 20% de algum adulterante, por exemplo, o modelo desenvolvido informa que esta amostra apresenta 80% de gasolina C e 20% de adulterante, enquanto que o método da ANP informa

Caminhão abastece posto de combustível em Campinas: segundo o autor da tese, a adulteração é mais comum do que se imagina no Brasil Foto: Antonio Scarpinetti

O professor Ronei Jesus Poppi (à esq.), orientador, e o autor da tese, Luiz Antonio Fonseca de Godoy Junior: ferramenta para o controle da produção

apenas que a amostra está “conforme” ou “não conforme” (adulterada).

Qualidade Nos testes, uma corrida cromatográfica, para determinar a composição da mistura, demorou cerca de 40 minutos. Já os testes físico-químicos que a ANP põe em execução (para definir a qualidade da gasolina) são mais trabalhosos e demorados, pois exigem operadores e analistas, vários testes e volumes de amostras. “Injetamos 0,001 mililitro (ml) da amostra, ao passo que a ANP necessita de quase 100 ml para a destilação e mais alguns mililitros em outros testes”, refere o pesquisador. A determinação da curva de destilação é um dos testes realizados pela ANP para avaliar uma amostra de gasolina. Conforme Poppi, a ANP mede a temperatura de destilação a

10%, 50%, 90% do volume destilado de amostra e o ponto final da destilação, e avalia se a temperatura obtida está dentro das especificações. O seu orientando conseguiu, através de uma corrida cromatográfica, prever (mediante relações matemáticas do cromatograma com os resultados fornecidos pela ANP) um modelo de calibração para essas temperaturas. “Com uma só medida efetuada, demonstraram-se as quatro temperaturas de destilação da amostra.” Na tese, não menos importante que essa previsão, foi diferenciar as gasolinas brasileira e venezuelana nas regiões fronteiriças. As amostras venezuelanas foram apreendidas no Brasil pela Polícia Federal (PF). “As gasolinas dos dois países têm uma enorme diferença de preço”, sinaliza o químico. Enquanto na Venezuela a gasolina custa R$ 0,17 o litro, na

fronteira do Brasil custa algo em torno de R$ 3,00 o litro. Por serem quimicamente semelhantes, dificilmente os testes físico-químicos da ANP apontariam diferença entre uma amostra e outra, acredita Poppi. Essa metodologia associada poderá interessar às agências de fiscalização como a ANP e a PF, no caso do contrabando, ou quem produz a gasolina, como a Petrobras, que teria à sua disposição um modelo para controlar os combustíveis e fiscalizar os postos credenciados. “Dá indícios de poder ser aplicada a outras gasolinas do mundo”, realça o orientador. Alguns métodos já buscam isso, mas a proposta do autor da tese mostrou-se mais rápida e mais prática. O diferencial do trabalho de Godoy Jr. esteve em agregar o uso da cromatografia gasosa bidimensional abrangente, que obtém muitas informações por

Teste pode ser feito em posto de combustível A preocupação do consumidor para não comprar gasolina imprópria em grande parte pode ser minimizada com um teste requerido nos postos de gasolina, que faz a quantificação do etanol na gasolina em apenas dez minutos. Coloca-se numa proveta metade de gasolina e metade de solução de cloreto de sódio (sal comum). Ao ser agitado, o álcool que está na gasolina passa para a água (a solução de cloreto de sódio), observando-se a

diferença de volume e a porcentagem de álcool – para ver se está dentro do esperado (com a escassez do etanol, o governo baixou para 20% o índice). A falta ou o excesso de álcool, pelos limites dispostos pela ANP, compromete a qualidade do produto levado ao consumidor. Assim, avaliar a sua composição é uma atitude de responsabilidade. “O Brasil possui hoje uma das gasolinas mais caras do mundo”, garante Poppi.

“Com a melhoria do seu processo de obtenção, pode-se diminuir o preço, apesar dos impostos continuarem encarecendo o produto.” De outra via, é preciso ter uma gasolina de qualidade antes de colocá-la no tanque de combustível, afirma ele. As consequências podem até ser leves, como o carro falhar um pouco e o consumidor acabar completando o tanque com uma gasolina de outro posto, re-

solvendo o problema. Mas pode exigir uma limpeza de bico injetor e do sistema de injeção eletrônica. Em casos extremos, pode danificar o motor, quando em uso prolongado. A gasolina adulterada sempre trará prejuízos, salienta o docente. Atualmente no Brasil são comercializadas as gasolinas A – amarela, B – azul, C – gasolina + álcool, e a verde – usada pela aeronáutica.

amostra com a quimiometria, para o tratamento dos dados gerados. Não havia trabalhos nessa linha envolvendo a cromatografia bidimensional e a quimiometria.

Outras pesquisas Além da gasolina, outros focos da tese, associando-se as duas técnicas, foram o perfume e os óleos essenciais. A investigação analisou a ação de alergênicos (que produzem alergia ao organismo) como o álcool benzílico, o geraniol e o citronelol, quantificados dentro de uma amostra de perfume importado. Com base no método quimiométrico empregado, concluiuse pelo potencial de identificar esses três alergênicos em amostras de outras marcas de perfumes, limitando a ação das alergias por essas substâncias. Já na área de óleos essenciais, utilizou-se o método quimiométrico de resolução multivariada de curvas (MCR) em análises obtidas por GCxGC, algo inédito na literatura. A técnica, que trouxe uma contribuição teórica a esse conhecimento, foi adotada para quantificar óleos essenciais em amostras complexas. O assunto gerou recentemente um artigo que foi capa da revista LC-GC Europe.

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Artigos - de Godoy, L. A. F.; Ferreira, E. C.; Pedroso, M. P.; Fidélis, C. H. V.; Augusto, F.; Poppi, R. J. Quantification of Kerosene in Gasoline by Comprehensive Two-Dimensional Gas Chromatography and N-Way Multivariate Analysis. Anal. Lett. 2008, 41, 1603. - Pedroso, M. P.; de Godoy, L. A. F.; Ferreira, E. C.; Poppi, R. J.; Augusto, F. Identification of gasoline adulteration using comprehensive two-dimensional gas chromatography combined to multivariate data processing. J. Chromatogr. A 2008, 1201, 176. - de Godoy, L. A. F.; Pedroso, M. P.; Ferreira, E. C.; Augusto, F.; Poppi, R. J. Prediction of the Physicochemical Properties of Gasoline by Comprehensive Two-Dimensional Gas Chromatography and Multivariate Data Processing. J. Chromatogr. A 2011, 1218, 1663. - de Godoy, L. A. F.; Pedroso, M. P.; Wang, L.; Augusto, F.; Poppi, R. J. Quantitative analysis by comprehensive two-dimensional gas chromatography using interval Multi-way Partial Least Squares calibration. Talanta, 2011, 83, 1302. - Pedroso, M. P.; de Godoy, L. A. F.; Fidelis, C. H. D.; Ferreira, E. C.; Poppi, R. J.; Augusto, F. Cromatografia gasosa bidimensional abrangente. Quim. Nova 2009, 32, 421. - Augusto, F.; Poppi, R. J.; Pedroso, M. P.; de Godoy, L. A. F.; Wang, L. GCxGC-FID for qualitative and quantitative analysis of perfumes LC-GC Europe 2010, 23, 1. - de Godoy, L. A. F.; Wang, L.; Pedroso, M.; Poppi, R. J.; Augusto, F. Quantitative analysis of essential oils in perfume using multivariate curve resolution combined with comprehensive two-dimensional gas chromatography. Anal. Chim. Acta 2011, 699, 120. Tese: “Emprego de métodos quimiométricos em análises por cromatografia gasosa bidimensional abrangente” Autor: Luiz Antonio Fonseca de Godoy Jr. Orientador: Ronei Jesus Poppi Coorientador: Fábio Augusto Financiamento: CNPq Unidade: Instituto de Química (IQ)

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Fotos: Antonio Scarpinetti

Livro identifica oportunidades de pesquisa no campo do etanol

Foto: Antoninho Perri

Plantação de cana-de-açúcar, matéria-prima do álcool: modelo brasileiro de produção pode servir de lição a países da América Latina e África Foto: Antoninho Perri

Organizada por docente da Feagri, obra ganha Jabuti e conta com 126 autores

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MANUEL ALVES FILHO

manuel@reitoria.unicamp.br

livro Bioetanol de Canade-açúcar – P&D para produtividade e sustentabilidade (Editora Blucher), organizado pelo professor Luís Augusto Barbosa Cortez, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, ganhou o Prêmio Jabuti 2011 na categoria “Ciências Naturais”. O anúncio foi feito no último dia 17 de outubro pela Câmara Brasileira do Livro. A premiação é reconhecida como a mais importante da literatura brasileira. Esta é a segunda vez que Cortez vence o Jabuti. Em 1993, o docente foi contemplado na categoria “Ciências Exatas e Tecnológicas” com a obra intitulada Introdução à Engenharia Agrícola no Brasil, publicado pela Editora da Unicamp. “Penso que o Jabuti é um reconhecimento tanto ao livro quanto ao tema nele tratado, visto que o etanol continua se apresentando como uma grande oportunidade para o Brasil”, considera o pesquisador. A entrega do Prêmio Jabuti será no dia 30 de novembro, na Sala São Paulo, em São Paulo. Os primeiros colocados receberão, além de troféu, R$ 3 mil em dinheiro. Cortez revela que esperava que o livro ficasse entre os finalistas da categoria, mas não imaginava que pudesse ganhar o Jabuti. “Possivelmente, a Câmara Brasileira do Livro reconheceu o caráter inédito da obra. É a única que eu conheço que trata o assunto com uma abordagem diferenciada. O livro não pretende ensinar o que é etanol, mas sim identificar oportunidades de pesquisa. Ou seja, é totalmente dirigido a quem faz ou pretende fazer pesquisa na área”, explica. De acordo com o docente da Feagri, o volume, publicado em setembro do ano passado, é resultado de um projeto de três anos na área de políticas públicas financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),

Usina no interior de SP, estado responsável por 60% do etanol gerado no país

do qual foi coordenador. O projeto PPP-Etanol foi coordenado através do Núcleo de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, tendo a Agência Paulista do Agronegócio (APTA) como instituição parceira. Durante o projeto, conta Cortez, foram realizados 20 workshops abordando temas pinçados da cadeia produtiva do etanol. “Quando elaboramos o projeto, ele previa a realização de apenas dez workshops. Entretanto, conforme íamos avançando nas discussões, novos pontos iam sendo colocados. Há temas, porém, sobre os quais sequer tratamos, como é o caso do motor a álcool. Nós até queríamos abordar a questão, mas não encontramos especialistas no assunto. Ou seja, tratamos de tudo relativo à produção, mas o uso, que é um ponto igualmente importante, não. Este tema está sendo objeto de um projeto que estamos elaborando agora”, adianta. No decorrer dos trabalhos, revela o docente da Unicamp, o diretor científico da Fapesp e exreitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, o incentivou a produzir um livro com os resultados alcançados. “Logo em seguida, o professor Brito sugeriu que a obra fosse publicada também em inglês, para possibilitar a sua circulação entre os pesquisadores de outros países interessados na temática abordada”. Ao final, a obra contou com a participação de 126 autores, a maioria brasileiros, sete organizadores e foi dividida em 76 capítulos. Estes trazem dados e análises acerca de dois

campos relacionados à produção do etanol no país: o agrícola e o industrial. Os textos, produzidos por pesquisadores que conduzem relevantes estudos em suas áreas de atuação, traçam um panorama minucioso da cadeia do biocombustível, contemplando desde a questão do melhoramento genético da cana até as técnicas de termoconversão, passando pela questão do uso do solo e das relações sociais e de trabalho. “O livro traz uma importante contribuição às discussões existentes em torno do desafio de produzir mais, de maneira mais barata e de forma sustentável”, resume Cortez. O volume oferece, ainda, uma série de números relativos à produção do álcool da cana. Aponta, por exemplo, que cerca de 60% do etanol gerado no Brasil vem do Estado de São Paulo e que os projetos de P&D desenvolvidos pela academia e indústria têm ajudado a aumentar a produtividade do biocombustível de forma constante ao longo dos últimos 35 anos, a uma taxa de 3,2% ao ano. No período 2009/2010, acrescenta a publicação, a área plantada com cana para produção de álcool foi de 4,2 milhões de hectares. Hoje, são cerca de 5 milhões e 9 milhões de hectares para açúcar e etanol, correspondentes a 1% do total das terras aráveis disponíveis no Brasil. Cortez adianta que o conteúdo do livro deverá ser abordado em um novo curso de pós-graduação em Bioenergia que está sendo montado pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) e que deverá ser oferecido a partir de 2013. “O livro tem a pretensão

de servir como texto introdutório, seja para quem vai fazer pesquisar , seja para quem vai fazer pós-graduação. Assim, o interessado terá a oportunidade de tomar contato com diferentes autores e de ver de que forma o seu assunto está relacionado com o conjunto”, analisa. “Além dessa abordagem de pesquisa, que considero inovadora, o livro também oferece um mapa das principais oportunidades na área agrícola e industrial. Nele, identificamos os principais obstáculos e desafios científicos do setor”, acrescenta. Cortez acredita que a concessão do Prêmio Jabuti dará uma nova visibilidade ao livro, inclusive no exterior. Ele destaca que o tema etanol sempre despertou o interesse de outros países. “Quando estive à frente da Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais da Unicamp, pude notar que os integrantes das delegações estrangeiras que visitavam a Unicamp perguntavam frequentemente sobre a produção e o uso do álcool pelo Brasil”, relata. A esse propósito, o docente da Feagri revela que está organizando, com o apoio da Fapesp, um projeto internacional para estudar a produção de bioenergia na América Latina e África (LACAf-Cane). O principal objetivo da iniciativa é verificar se é possível reproduzir a experiência brasileira de produção do etanol no exterior. O modelo nacional, conforme Cortez, é visto pelos estrangeiros como a mais bem sucedida iniciativa de substituição de fontes fósseis no mundo. “Penso que o Brasil tem a responsabilidade de ajudar os outros países nesse sentido. Não se trata simplesmente de oferecer uma cópia do nosso modelo, visto que as condições climáticas, de solo e de disponibilidade de terra aqui são únicas no mundo. Entretanto, podemos levar lições positivas. Há países na América Central e África, por exemplo, que produzem muito melaço de cana, um produto que é vendido a preços baixíssimos. Estes poderiam incrementar a sua produção e passar a gerar álcool. Isso poderia criar mercado para um produto que tem maior valor agregado”, exemplifica o pesquisador.

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Título: Bioetanol de Cana-de-açúcar – P&D para produtividade e sustentabilidade Autores: Vários Organizador: Luís Augusto Barbosa Cortez Editora: Blucher Páginas: 992 Preço sugerido: R$ 180,00

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Penso que o Jabuti é um reconhecimento tanto ao livro quanto ao tema nele tratado, visto que o etanol continua se apresentando como uma grande oportunidade para o Brasil

Sobre o organizador Luís Augusto Barbosa Cortez é graduado em Engenharia Agrícola pela Unicamp, mestre pela Université Laval em Québec (Canadá) e doutor pela Texas Tech University em Lubbock (EUA). É professor titular na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Foi coordenador do Nipe/Unicamp (1998-2002) e coordenador de Relações Institucionais e Internacionais da Universidade (2002-2009). Atualmente, é coordenador adjunto da Diretoria Científica da Fapesp e assessor da diretoria no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).


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Um óleo de dendê de qualidade. E sem perdas Produto pode ter propriedades afetadas em processos que reduzem acidez MARIA ALICE DA CRUZ

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halice@unicamp.br

óleo de palma (ou de dendê) faz parte do cotidiano de muitos brasileiros, seja na culinária ou em cosméticos. Rico em carotenoides e outros compostos nutracêuticos, o produto pode perder essas propriedades quando submetido a tratamentos térmicos para redução da acidez do óleo. Para se obter um óleo refinado de qualidade, com acidez abaixo de 0,3%, no processo atual, o dendê é submetido a temperaturas muito elevadas, o que pode causar a perda total dos carotenoides e entre 10% e 35% dos esteróis e tocoferóis (antioxidantes). Porém, conforme a qualidade da matéria-prima, diferentes condições de processo podem ser aplicadas para reduzir as perdas nutricionais, de acordo com tese de doutorado de Klícia Araújo Sampaio, primeira pesquisadora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) a obter duplo diploma de doutora (Brasil/Bélgica). Parte da pesquisa foi desenvolvida na Universidade de Ghent-Bélgica, onde Klícia realiza pós-doutorado. De acordo com o orientador da pesquisa, Antonio José de Almeida Meirelles, o trabalho de Klícia apresenta resultados importantes ao estudar vários aspectos da degradação de compostos e aspectos que afetam a qualidade por exigir temperatura alta. A pesquisa não teve como objetivo chegar ao óleo rico em nutracêuticos, mas as informações levantadas podem levar a indústria à redução nas perdas de óleo neutro e também a obtenção de um óleo de maior qualidade. Segundo Klícia, as empresas brasileiras já produzem óleo de palma refinado com índice de acidez abaixo de 0,3%, valor determinado pela Anvisa. Além disso, elas já conseguem produzir um óleo bruto com acidez abaixo de 2%, o que pode significar um avanço no processo de refino. “O fato de ter um óleo bruto com apenas 2% de acidez significa que precisarão utilizar tempo e temperatura menores para chegar a um óleo refinado com menos de 0,3%, preservando os compostos nutracêuticos”, explica. Na Malásia, onde se concentram os maiores produtores de óleo de palma do mundo, as empresas obtêm óleo bruto com taxa de 5% a 6% de acidez, segundo a pesquisadora. “As empresas brasileiras estão preocupadas com a qualidade, enquanto na Malásia eles pensam em produzir em grande quantidade.” Ela acrescenta que apesar da exigência da Anvisa em relação ao óleo de palma refinado, ele também pode ser consumido na sua forma bruta. Um exemplo claro pode ser encontrado na Bahia, onde a famosa moqueca, o acarajé, dentre outros pratos típicos, são produzidos utilizando o óleo de palma na sua forma bruta, conservando sua coloração avermelhada natural. Segundo a pesquisadora, atualmente é relativamente comum encontrar o produto bruto, principalmente nos grandes supermercados, mas a acidez deve ser descrita no rótulo. Um dos aspectos estudados por Klícia é a variação na composição do

óleo de palma, fator que pode ocorrer por causa da sazonalidade das culturas e do período de maturação dos frutos. O manejo do fruto é apresentado por ela como fator determinante para a qualidade do óleo, que processado logo após a colheita terá uma menor acidez, necessitando de um tratamento térmico menos drástico e mantendo os nutrientes. Na tese que rendeu quatro artigos, Klícia conseguiu comprovar matematicamente a relação entre a composição do óleo e a qualidade final do produto, por meio de um planejamento experimental completo. Sua coorientadora, Roberta Ceriani, professora da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, já havia descrito em sua tese de doutorado, por meio de simulação computacional, a existência de uma diferença na qualidade dos óleos de acordo com as diferentes condições de processo aplicadas, porém, não havia na literatura, segundo Roberta, uma equação que colocasse essa influência em termos matemáticos. “Conseguimos ver claramente, agora, essa influência”, acrescenta Klícia. Segundo Roberta, a pesquisadora conseguiu fazer isso experimentalmente, verificando a influência. Daqui por diante, outros pesquisadores terão disponível a equação obtida por Klícia para poder investigar outros óleos ou o próprio dendê, de acordo com Roberta. A segunda parte da tese foi dedicada ao estudo da cinética de degradação dos carotenoides no óleo de palma, também ainda não descrita na literatura. Por meio de técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), utilizando detectores de fluorescência e de arranjo de diodos para diferentes compostos, o artigo resultante da pesquisa mostra que a degradação dos carotenoides no óleo de palma é retardada por causa da presença dos antioxidantes tocotrienóis e tocoferóis. “A degradação ocorre mais lentamente”, reforça Klícia. Neste artigo, ela enfatiza a diferença entre a quantidade de carotenoides presente no óleo de palma e em outros produtos, como, por exemplo, a cenoura e o tomate. No dendê a concentração de carotenoides está em torno de 500 a 1.500 ppm, o que significa que ele possui em torno de 15 vezes mais carotenoides que a cenoura e 300 vezes mais que o tomate, segundo Klícia. Apesar de a cenoura ser rica em betacaroteno, não contém tocotrienóis como o fruto da palma. O tomate também, apesar de ter alto índice de licopeno, não tem outros antioxidantes presentes, resultando em cinética de degradação diferente. Nesta parte do trabalho, realizada em planta piloto na Universidade de Ghent-Bélgica, Klícia conseguiu conhecer a energia de ativação mínima necessária para começar a ocorrer o processo de degradação dos carotenoides no óleo de palma. “Pudemos observar que quanto menor a temperatura (170, 180 graus Celsius) maior foi a retenção dos carotenoides e 85% dos tocoferóis e tocotrienóis”, explica a pesquisadora. Um fator que merece atenção, segundo ela, é que poucos óleos, como o de palma, farelo de arroz e buriti, contêm tocotrienóis – mais potentes antioxidantes que os tocoferóis, normalmente presentes em outros óleos. “Os tocotrienóis possuem três duplas ligações na sua cadeia lateral. Dessa forma, conseguem estabilizar melhor os radicais livres produzidos por nosso corpo por meio do fornecimento dos seus hidrogênios fenólicos”, explica. Sistemas modelo foram utilizados na avaliação da influência da acidez do óleo na qualidade do produto a fim de abranger a faixa de variação de acidez do óleo de palma normalmente processado na indústria. A pesquisadora conseguiu observar que óleos com maior quantidade de acidez inicial terão acidez final um

Fotos: Antoninho Perri/Divulgação

Klícia Araújo Sampaio (centro), com os professores Antonio José de Almeida Meirelles, orientador, e Roberta Ceriani, coorientadora: opções para a indústria

Árvore da palmeira oleaginosa

Frutos da palmeira oleaginosa, que dão origem ao óleo de palma ou dendê

Corte no fruto da palmeira oleaginosa e o óleo refinado

pouco maior. “Não é tão maior, mas a indústria quer óleo com acidez final dentro dos padrões estabelecidos. Se não tiver dentro dos padrões, a indústria enviará o óleo para reprocesso, porém, isso trará problemas para os compostos nutracêuticos presentes no óleo. Então é muito importante ter produto de boa qualidade para obter óleo final com boa qualidade” reforça. Segundo Roberta, é intuitivo saber se obterá produto final com acidez maior, mas o trabalho quantificou isso de maneira exata. De acordo com Klícia, o processo de desacidificação, apesar de ter como objetivo a retirada da acidez do óleo, pode também estimular a formação de acidez (hidrólise dos triacilgliceróis), por causa das condições extremas do refino físico. O quarto artigo, dedicado à avaliação da hidrólise dos triacilgliceróis durante o processo de desacidificação, mostra as condições que levam à formação de acidez e o que pode ser feito para evitá-la, a partir dos resultados experimentais obtidos na tese de Klícia. “É preciso evitar temperaturas,

bem como altas taxas de vapor associadas com longos tempos de processo”, recomenda. Segundo a pesquisadora, a acidez é formada pelo fato de no processo físico serem aplicadas temperaturas elevadas com pressão reduzida, além de ser usado um agente de arraste que geralmente é o vapor. A pesquisadora enfatiza que no refino químico existem perdas de óleo neutro muito elevadas durante o processo de purificação do óleo. De acordo com Klícia, o óleo recebe a atenção de todo o mundo por conter duas frações importantes: uma de estearina e outra de oleína. Ela enfatiza que as duas frações são importantes para consumo. No caso da estearina, pode ser usada para produção de alimentos sem o processo de hidrogenação, causador de ácidos graxos trans, maléficos à saúde.

Compostos cancerígenos Em 2001, foram colocados níveis máximos para os monocloropropanodióis (MCPD), compostos potencialmente cancerígenos, para um grande número de produtos ali-

mentícios, incluindo óleos em geral. Ao extrapolar o conteúdo da tese, Klícia desenvolveu os padrões para uma posterior quantificação direta de tais compostos no óleo de palma, o que não impede que o modelo seja usado para outros óleos. Na Europa, os estudos estão avançados, mas as avaliações são feitas por método de quantificação indireta. No momento, a pesquisadora, ao lado da Universidade de Ghent, trabalha na validação do método. “É preciso ter informação de quanto há de genotóxicos nesse óleo.” Esses resultados são muito importantes, segundo Klícia, pois não há estudos no Brasil, apesar de esses compostos estarem presentes em alimentos como pães e papinhas, entre outros. Um dos efeitos da ingestão é a modificação do DNA, entre outros problemas associados.

Betacaroteno sintético Segundo a pesquisadora, é comum a indústria aplicar altas temperaturas para retirada dos pigmentos e do odor naturalmente presentes no óleo e depois adicionar uma versão sintética de alguns antioxidantes, como é o caso dos carotenóides (β-caroteno) para consumo. Ela explica que nos Estados Unidos, eles usam temperatura muito alta para retirar os compostos (destilado) e os colocam em cosméticos e tabletes e fazem encapsulamento de vitaminas. O orientador endossa a informação explicando que ao tentar chegar a uma cor aceitável, a vitamina A presente no β-caroteno é toda degradada, sendo substituída por β-caroteno sintético após o refino. Segundo o orientador, há informações de que na Bahia o índice de crianças com deficiência de vitamina A é baixo devido à utilização do óleo de palma na culinária. Para a autora, a indústria brasileira ainda precisa usar melhor o conhecimento desenvolvido na academia e isso se dá através de uma maior colaboração. Ela enfatiza que apenas um tipo de óleo de baixa acidez é oferecido para o consumidor popular. “É comum ver no mercado o óleo vermelho de palma, mas geralmente é óleo bruto. Há poucas indústrias que processam o óleo de palma no Brasil. A produção é muito pequena. O Brasil é 11º no ranking mundial. Produzimos 0,1% da produção mundial”, acrescenta. Mas o Brasil começa a investir muito no produto, porque tem produção dez vezes maior que a soja e, além disso, temos área para o cultivo, segundo Meirelles.

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Tese: “Desacidificação por via física de óleo de palma: efeito da composição do óleo, das perdas de compostos nutracêuticos e cinéticas de reação” Autora: Klícia Araújo Sampaio Orientador: Antonio José de Almeida Meirelles Coorientadora: Roberta Ceriani Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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Turismo marginaliza comunidades litorâneas no Rio Grande do Norte Fotos: Antoninho Perri/Divulgação

Cientista social percorreu 33 comunidades em 23 municípios para fundamentar estudo CARMO GALLO NETTO

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carmo@reitoria.unicamp.br

esde as últimas décadas do século XX, o turismo vem sendo proposto como uma das formas mais eficazes de alavancar o desenvolvimento sustentável, em países de economia periférica ou em desenvolvimento, por meio da geração de emprego e renda e da melhoria da qualidade de vida. Desde a década de 1960, o Rio Grande do Norte, ao priorizar o turismo de “sol e mar”, vem sofrendo profundas transformações no seu litoral. O processo se aprofunda a partir de 1990, com o interesse internacional por lugares turísticos, particularmente no seu trecho oriental, que corresponde ao Pólo Costa das Dunas. Ao longo dos anos, as políticas adotadas promovem impactos socioespaciais e ambientais dos mais diversos, principalmente sobre as comunidades litorâneas que habitam os 400 km de praias norte-rio-grandenses. Mas, os empreendimentos turísticos e as atividades daí decorrentes não propiciaram empregos nem geração de renda para as populações locais que pudessem configurar uma alteração significativa na oferta de trabalho. A predominância de atividades vinculadas à agricultura e à pesca constitui forte indicativo de que o turismo não tem gerado as vantagens anunciadas pelo discurso oficial. Esta é a constatação da pesquisa desenvolvida pelo cientista social Antônio Jânio Fernandes, professor do curso de turismo da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, campus de Natal, em tese apresentada ao Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O trabalho foi orientado pela professora Arlêude Bortolozzi, pesquisadora do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais) da Unicamp e docente do programa de pós-graduação do curso de geografia do IG. A tese teve como objetivo analisar como as comunidades litorâneas vêm entendendo o desenvolvimento das políticas implantadas que não as fazem protagonista do processo e nem favorecem o surgimento de um modelo de turismo solidário e comunitário. Para o pesquisador, em nenhuma das iniciativas adotadas as populações afetadas foram consultadas de forma a promover uma participação efetivamente democrática e emancipatória, como prescrevem as orientações de uma política que se afirme sustentável. O estudo pretende contribuir para que os segmentos da sociedade civis mais envolvidos com essa realidade promovam espaços de reflexão solidária. A tese defende uma nova ética para as políticas de turismo promovidas no RN de forma a que passem a ser pautadas nas reais necessidades das populações locais. Fernandes percorreu 33 comunidades das pouco mais de 70 que existem nos 23 municípios visitados, ouvindo as populações, observando, vivenciando situações em uma pesquisa qualitativa. “Queríamos trazer à tona, mais do que a palavra dos teóri-

A professora Arlêude Bortolozzi, orientadora, com Antônio Jânio Fernandes, autor da tese: nova ética para as políticas de turismo

Ocupação irregular no município de Tibau, acima e ao lado

Despejo de esgoto na Praia da Baia Formosa, a 100 km de Natal

Parque das Dunas com edificações no Bairro Petrópolis, em Natal

cos, a voz das comunidades que nunca foram ouvidas. A partir de suas angústias, mostramos a necessidade de um desenvolvimento solidário, resultante de um diálogo coletivo, permanente, processual e não estanque”, diz.

Constatações Mesmo sendo filho desse litoral, ele se surpreendeu com o número de habitantes em uma região considerada vazia. Diferentemente também do que ouvia, encontrou não apenas pescadores, mas também marisqueiros, criadores de camarão, caranguejeiros que vivem do mangue, rendeiras, labirinteiras que praticam certo tipo de arte manual com linhas, pessoas que se dedicam ao artesanato de palha, de búzio, do cipó de mangue e que usam os recursos do meio ambiente sem danificá-lo, conseguindo sobreviver de forma humilde e pacata. “A pesquisa mostrou, e as pessoas externam isso, que o turismo tirou a tranquilidade das suas localidades. Mencionam a questão da violência, da droga, da prostituição que em muitas comunidades não existiam e em outras assumiram maiores dimensões”, afirmou. É visível a ausência de políticas públicas. Na grande maioria das 33 comunidades visitadas não existe posto de saúde, as escolas funcionam

de forma precária, falta saneamento básico, a eletrificação rural atinge apenas as áreas que o turista frequenta. Embora o autor constate a geração de emprego e renda em decorrência do turismo, as populações autóctones de zona litorânea continuam vivendo da mesma forma que antes do seu incremento, conforme mostram outros estudos. “Tentei aprofundar isso na pesquisa, mostrando que as comunidades litorâneas são formadas caracteristicamente por pescadores, mariqueiros, rendeiras, que continuam com vida precária, com ganhos comprometidos por atravessadores que se encarregam de fazer chegar os produtos ao predominante mercado turístico da capital”, afirma. Segundo o pesquisador, o contraste se aprofunda mais quando se confrontam o litoral oriental – que vai do município de Baia Formosa, junto ao estado da Paraíba, até a cidade de Touros – e o litoral setentrional – que vai de Tibau até Pedra Grande – que apesar de apresentar um potencial imenso do ponto de vista socioambiental, ocupa posição secundária nas políticas públicas. Essa diferença de tratamento tem contribuído para um desequilíbrio socioambiental, pois 95% dos turistas restringem-se à região metropolitana de Natal, onde

se concentram empregos e problemas. Embora o incremento do turismo tenha levado à criação de diversas áreas de preservação ambiental, manifesta-se um desequilíbrio resultante da falta de associação da qualidade ambiental com desenvolvimento social que, segundo ele, seria contornado com o envolvimento das comunidades nesse processo. Ocorre ainda uma corrida para a construção de flats, de resorts, de hotéis. Em consequência, as populações litorâneas, que sobrevivem do que o mar oferece, passam progressivamente a habitar áreas mais afastadas do litoral. Com isso, as comunidades apartadas das políticas adotadas não se sentem responsáveis por elas, em que pese o crescimento do emprego e da renda. Não ocorrendo uma co-participação na produção do espaço, o capital imobiliário atua de forma agressiva, gerando grandes contrastes entre as paisagens anteriores e presentes, que perdem as características de um espaço das comunidades locais para atender a outros interesses. O pesquisador reconhece que o planejamento participativo não elimina problemas, mas argumenta que estes ocorrem em proporções menores e os riscos são compartilhados coletivamente. “As políticas públicas têm que garantir maior solidariedade nos

deveres e nos riscos. Têm que propor uma reflexão que chame as populações para uma discussão ampla e profunda”. O trabalho procurou investigar do ponto de vista ético como as políticas públicas interferem no espaço litorâneo pelo fato de o turismo no Nordeste estar voltado especificamente para o litoral. Para Fernandes, o ponto de vista ético, expresso na convenção do meio ambiente, defende a necessidade de planejar hoje com a preocupação com o amanhã. Não se pode pensar apenas no agora, diz. “Vive-se o grande impasse de um planejamento, em qualquer área, voltado para uma visão economicista. É quanto o estado, o município e o agente econômico vão ganhar. Essa ética na minha perspectiva não é sustentável, não é cristã, é um modelo que tende à falência”. Acrescente-se a esse quadro o viés da cultura nacional que orienta as políticas públicas para iniciativas que trazem visibilidade. A urbanização da praia dá muito mais destaque na mídia local e nacional do que envolver a comunidade no processo de criação do turismo. Ademais, o processo de discussão com a sociedade civil é longo e demorado e sofre entraves decorrentes de interesses de grupos que articulam partes das comunidades para atitudes antagônicas, que impedem a geração de políticas públicas mais adequadas às comunidades.

Outros enfoques Outra questão colocada pelo autor é a necessidade de criar políticas que envolvam outras localidades do estado além do litoral, pois considera que o Nordeste tem inúmeras áreas que podem se tornar turísticas. A sugestão remete à sustentabilidade ao propor que os conceitos de turismo de massa e de roteiros de massa sejam desvinculados. “Pode-se ter um turismo sem roteiros massificados. À medida que uma política planejada facilite a diversificação dos destinos, criam-se condições de uma localidade suportar com menos impactos o número de turistas que a visitam”, explica Fernandes destaca a importância da mídia na discussão crítica dos modelos de desenvolvimento adotados no País. Para ele a academia e a mídia precisam promover um diálogo mais intenso sobre a ocupação do litoral. Exemplifica a omissão da mídia através da cacinicultura – criação de camarão no cativeiro – que causa profundos danos em comunidades litorâneas. A mídia destaca o primeiro lugar da fruticultura irrigada na produção do estado e os segundo e terceiro postos ocupados alternadamente pela cacinicultura e o turismo, considerado o maior gerador de empregos no RN. Entretanto, estudos, relatórios e publicações mostram que grande parte dos empregos gerados restringe o desenvolvimento pessoal, pois envolve serviços de camareiras, recepcionistas, agentes de viagem. Além do que, por causa dos períodos de veraneio, a empregabilidade é sazonal, o que gera rotatividade. O pesquisador acredita que o problema poderia ser contornado com a inclusão do turismo no sertão. Lembra que o RN tem 179 sítios arqueológicos não explorados. Ele defende investimentos pulverizados para evitar a concentração turística em áreas já impactadas pela precariedade do fornecimento de água, de serviços sanitários, de transportes e pela falta de segurança.

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Tese: “Transformações socioespaciais no litoral norte-rio-grandense: uma leitura das comunidades sobre os usos dos seus territórios pelo turismo”. Autor: Antônio Jânio Fernandes Orientadora: Arlêude Bortolozzi Unidade: Instituto de Geociências (IG)

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8 Nas n a b Resistência à insulina gera disfunção cas erétil em obesos, aponta dissertação Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

Fotos: Antoninho Perri

Estudo revela ainda que tratamento com a substância metformina restaura a sensibilidade RAQUEL DO CARMO SANTOS

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kel@unicamp.br

ue a obesidade desencadeia vários fatores de risco que, juntos, podem causar a disfunção erétil – doença que atinge boa parte da população masculina, principalmente em idades mais avançadas – já é consenso nos estudos sobre o assunto. O que a pesquisa de mestrado conduzida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) pelo farmacêutico Fábio Henrique da Silva apontou é que apenas um dos fatores, a resistência à insulina associada à obesidade, pode ocasionar a impotência sexual. O estudo feito com camundongos obesos tratados com dieta hiperlipídica no Laboratório de Inflamação e Cardiovascular, do Departamento de Farmacologia, revelou ainda que o tratamento com a substância metformina restaura a sensibilidade à insulina nestes animais e, consequentemente, as alterações na função. A obesidade, explica Silva, é considerada um importante fator de risco para o surgimento não só de resistência à insulina, como também de dislipidemia ou aumento de colesterol, diabetes tipo 2, hipertensão arterial e hipogonadismo (redução dos níveis testosterona). Todos esses são fatores

O farmacêutico Fábio Henrique da Silva: fatores de risco podem atuar de maneira sinérgica nas alterações da função erétil

de risco podem atuar de maneira sinérgica nas alterações da função erétil. Neste sentido, o estudo conduzido pelo farmacêutico sob orientação do professor Edson Antunes investigou, justamente, o papel da resistência à insulina associada à obesidade na fisiopatologia da impotência sexual. “É bom salientar que a obesidade, principalmente a abdominal, contribui para o desenvolvimento de resistência à insulina, altamente prevalente em homens com disfunção erétil e fortemente associada a alterações na via intracelular de sinalização do óxido nítrico. Por isso, decidimos investigar as alterações fisiopatológicas no corpo dos camundongos”, ressalta Silva. Em geral, a disfunção sexual de ordem física tem como causa a baixa produção do hormônio testosterona.

Pode ocorrer também em função de doenças como diabetes e alcoolismo, além de ser provocada pela ingestão de determinados medicamentos. No caso da resistência à insulina associada à obesidade, fator até então desconhecido, a hipótese de Fábio Silva é que o quadro pode prejudicar a função erétil por reduzir a biodisponibilidade de óxido nítrico. Esse é o principal neurotransmissor de um sistema de sinalização intracelular, que atua promovendo relaxamento da musculatura lisa do corpo cavernoso e, consequentemente, a ereção peniana. “O mais incrível foi que o tratamento com o sensibilizador de insulina, metformina, restaurou a função nos camundongos. Como o peso deles se manteve o mesmo durante todo o estudo, podemos sugerir que a resis-

tência à insulina é importante para o desenvolvimento da disfunção erétil, e não apenas o estado de obesidade sozinho” Para chegar aos resultados, num primeiro momento os camundongos foram tratados com dieta hiperlipídica por 10 semanas. Após esse período, os camundongos apresentaram aumento do peso corporal, dos níveis séricos de colesterol total e LDL, além do quadro de resistência à insulina. Os pesquisadores também avaliaram o relaxamento do tecido erétil in vitro e mediram a pressão intracavernosa – aquela que ocorre durante a ereção – dos camundongos in vivo. Foi nesta etapa que os resultados revelaram a resistência à insulina associada à obesidade como causa das alterações na via óxido nítrico/GMPc, ocasionando

a disfunção erétil. Na segunda etapa, os animais receberam tratamento com o sensibilizador de insulina, metformina, por 14 dias. “O tratamento com metformina reverteu o quadro. Daí as conclusões do estudo”.

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Artigo: Toque HA, Silva FH, Calixto MC, Lintomen L, Schenka AA, Saad MJ, Zanesco A, Antunes E. High-fat diet associated with obesity induces impairment of mouse corpus cavernosum responses. BJU Int. 2011 May;107(10):1628-34. Dissertação: “Caracterização da disfunção erétil em camundongos obesos tratados com dieta hiperlipídica” Autor: Fábio Henrique da Silva Orientador: Edson Antunes Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Financiamento: Capes

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Violonista utiliza a web para o ensino de música Conteúdo de curso privilegia a improvisação musical para estudantes de graduação Em busca de uma nova opção para o ensino de música a distância, o violonista Roberto Marcos Gomes de Onófrio deu o primeiro passo para desenvolver uma proposta diferenciada com a utilização da web. Ele projetou um curso totalmente on-line no ambiente Teleduc – recurso destinado à criação, participação e administração de cursos na web, desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) –, cujo conteúdo focou a improvisação musical para estudantes de graduação. Segundo Onófrio, atualmente existem vários sites, vídeos e outros recursos que se utilizam da internet para ensinar a tocar violão. No entanto, nenhuma das alternativas existentes contempla a mensuração do aprendizado do aluno ou avalia se o ensino está sendo efetivo, principalmente em conteúdos para quem já domina o instrumento. “Em qualquer uma das formas, não existe a possibilidade de se fazer uma pergunta ou resolver algum problema em tempo real”, exemplifica.

O violonista Roberto Marcos Gomes de Onófrio: “O objetivo é promover a interação de forma mais eficiente”

A ideia, explica Onófrio, é lançar mão de diversos recursos tecnológicos para desenvolver uma nova proposta de ensino que ele chamou de “estar junto virtual” e apostar em um nível maior de interação entre aluno e professor, uma vez que o ensino da música requer uma abordagem diferenciada, por trabalhar com o desenvolvimento das habilidades, diferentemente de um curso de inglês, por exemplo. “O objetivo é promover a interação de forma mais eficiente, além de abordar de maneira mais abrangente

o ensino de técnicas e de conteúdo teórico necessário para um bom aprendizado. Isto porque o ensino de música reserva desafios de se transpor em um cenário virtual”, esclarece. A experiência desenvolvida no Teleduc será a base da pesquisa a ser desenvolvida por Roberto Onófrio no doutorado. A expectativa é colocar em funcionamento o curso de música on-line para estudantes de graduação e realizar os testes necessários para validação da proposta. No mestrado, apresentado recentemente no Instituto de Artes (IA), sob orientação

do professor José Eduardo Paiva, o violonista reuniu um volume significativo de informações sobre o ensino da música a distância, elencando todos os elementos envolvidos nesta modalidade de aprendizado, abordagens pedagógicas, tipos de mídia e de interação. “Trata-se de uma revisão de tudo o que existe sobre o assunto e a conceituação de ensino a distância (EAD)”, define. A pesquisa de mestrado, intitulada “A web como interface no ensino musical”, traz ainda um levantamento bibliográfico sobre o ensino de música e o seu aprendizado

através da internet. Das categorias de ensino existentes atualmente, Roberto Onófrio destaca a aprendizagem programa, chamada por alguns autores de broadcast. O conteúdo é disponibilizado de forma sequencial e impessoal, sendo proposto para todos os alunos, independentemente do conhecimento musical. Na opinião de Gomes, essa forma de aprendizado é pouco eficiente, pois não há interação, e não há como mensurar o quanto o aluno aprendeu. A segunda categoria é a virtualização da sala de aula. As aulas são passadas no mesmo formato e com os mesmos conteúdos das aulas presenciais, havendo apenas a mudança do ambiente físico para o virtual. As primeiras experiências de Roberto Gomes utilizando a web como forma de interação entre músicos ocorreram no final da década de 1990, mais precisamente em 1996. Naquela época, ele mantinha um contato com os alunos via programas de mensagens, utilizava softwares musicais e, ao longo dos anos, não parou mais de se envolver com o ensino de música e web. Atualmente ele mantém um site com várias informações do cenário musical voltado para os amantes do instrumento. Daí o interesse em desenvolver uma ferramenta capaz de alcançar os interessados que não teriam condições de participar de uma aula presencial. (R.C.S.)

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Dissertação: “A web como interface no ensino musical” Autor: Roberto Gomes Orientador: José Eduardo Paiva Unidade: Instituto de Artes (IA)

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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

9 Foto: Antoninho Perri

Reflexões sobre pais ausentes

O pediatra, ex-reitor e professor emérito da Unicamp José Martins Filho: “Se continuar desse jeito, o futuro será muito incerto”

Pediatra José Martins Filho indaga em livro: ‘quem cuidará das crianças?’ ISABEL GARDENAL

A

bel@unicamp.br

lex acaba de nascer, menino forte e saudável. Apesar de muito felizes, os seus pais ainda não sabem o que fazer após a licença-gestante da mãe, já que os dois trabalham fora e não têm parentes próximos para ajudá-los a zelar pela criança. Essa história, embora não sendo real, se parece muito com a de outros bebês. Num mundo exigente e que relega a infância a um segundo plano, novos desafios se impõem para que os pais consigam de fato educar os seus filhos. Parte desses desafios é lembrada pelo pediatra José Martins Filho em sua obra recém-lançada pela Editora Papirus – Quem Cuidará das Crianças? A Difícil Tarefa de Educar os Filhos Hoje. “Se continuar desse jeito, e a sociedade seguir com outros interesses que não a preocupação com a infância, o futuro será muito incerto”, constata o autor. De acordo com Martins Filho, professor emérito e ex-reitor da Unicamp, esse livro completa uma trilogia voltada para as relações das famílias com as crianças, da sociedade com a criança e da criança na sociedade. Na primeira, presente no livro A Criança Terceirizada, já em sua sexta edição, ele tratou da dificuldade das famílias cuidarem dos filhos, tendo que deixálos sob os cuidados de terceiros. A seguir, o autor percebeu duas grandes necessidades de hoje: que a educação deve vir do lar e que é importante ficar com as crianças. “É preciso dar afeto e carinho, mas também saber educar e colocar limites. A escola informa, a família educa”, expõe o pediatra, o que originou o segundo livro – Cuidado, Afeto e Limites: Uma Combinação Possível, em sua terceira edição,

escrito em parceria com o psicólogo Ivan Capelatto. Na nova obra, o pediatra amplia a discussão em torno das crianças, expondo a problemática dos desvios de conduta, os vícios, a sexualidade e o consumismo exagerado, entre outros. Discute ainda a questão da violência urbana, a qual acredita que tenha raízes na ausência dos pais na educação dos filhos, ao não apontar os limites necessários a um bom desenvolvimento emocional e cognitivo. A situação piorou bastante, pontua o médico, com as mudanças da sociedade nas últimas quatro décadas, isso de modo incipiente já a partir da Segunda Guerra mundial, diante das necessidades econômicas e da tarefa que a mulher passou a exercer no mercado de trabalho, o que é justo, opina o pediatra. Mas à medida que a família começou a não poder cuidar da criança e ela começou a ser entregue em instituições precocemente, sofreu as consequências do desmame fora de hora. “É um sinal dos tempos.” À medida que o tempo corre, verifica-se um distanciamento do cuidar das crianças pela família. E elas, cedo, estão sendo postas à disposição de outros que não as geraram e não fazem parte de suas famílias, sendo que a relação de amor e de afeto marca a personalidade da criança e a cognição, salienta Martins Filho. “Deste modo, é preciso que se tome uma decisão logo no primeiro ano de vida do bebê: dar mais atenção ao filho do que ao próprio trabalho.” Para o pediatra, as leis brasileiras deveriam dar à mulher o direito de ser livre, de trabalhar e de ser mãe. “Algumas não querem ser mães: então não sejam. Se querem, têm que ter tempo para cuidar do filho e não delegar esse cuidado totalmente a outras pessoas. Depois de muitos anos, essa ausência aparece no relacionamento dos pais com os filhos e na família. E aí pode ser tarde demais. Se você não pegar na mão de seu filho de três, quatro anos, não pense que, quando ele for adolescente, isso será fácil. É preciso pegar desde o começo”, aconselha.

Licença Martins Filho esclarece que a licença-gestante é vital no primeiro ano de vida da criança e que, se pudesse, deveria ser de dois anos, como já ocorre em países como a Dinamarca, a Noruega e a Suécia. Nesses países, no primeiro ano, a mãe fica com o bebê para amamentar. Se no segundo ano

o emprego dela for mais lucrativo do que o do pai, ele pode ficar em casa para cuidar da criança. A mãe vai trabalhar. Em alguns países, recorda o pediatra, a licença-gestante é remunerada e em outros há uma pequena redução do salário no período. Quem paga é o Estado. “Os custos ficam até menores porque, quando a criança está inserida num ambiente institucional, ela está mais exposta a doenças, precisando mais de médico e de remédios”, descreve o pediatra. O Estado que percebeu isso, reconhece ele, sabe que é mais econômico deixar a mãe em casa do que pagar creche, cuidadores e tratar as doenças dessas crianças que são afastadas precocemente do leite humano. Por outro lado, a mãe vê que, mesmo o pai tendo o salário reduzido, para o filho o benefício é maior. Uma discussão muito séria na sociedade ainda é que os pais jovens não se dão conta do que é ter um filho. Há quase uma mitificação da maternidade e da paternidade. Em oposição, o bebê exige muito. Ele quer presença, cuidado, acordar de madrugada, ser amamentado. “Criança precisa ser cuidada. E os cuidadores na maior parte do mundo, até pela personalidade, são mulheres, por cuidarem dos bebês prioritariamente”, enfatiza o médico. “Até parece uma figura atávica. Só que não penso que a mulher deva largar tudo para cuidar da casa e da criança tornando-se infeliz.” Se os pais quiserem filhos, afirma o pediatra, então devem saber que isso poderá mudar a vida deles. “Façam tudo para ter uma licença-gestante mais prolongada: usem o máximo das férias e da licença para ficar com o bebê. E, retornando ao trabalho, que a mulher continue amamentando. Vão à escola ver a criança sempre, liguem para lá, vejam a criança na internet (se existir este recurso) e saiam para passear juntos no fim de semana.” Vai aí uma advertência do autor do livro: passeio não é em shopping center e em supermercado, o que pode colaborar para um consumismo futuro. Passeio de criança é em jardim, em praia, no campo. Envolve brincar no quintal, ir ao teatro e à livraria, rezar para a criança – se isso fizer parte da crença. “Fiquem com a criança ao máximo, pois ela precisa lembrar essas coisas dos pais para se sentir bem”, garante.

Superação Nota-se, felizmente, que alguns

adultos passaram por problemas na infância e que conseguiram vencer pela sua capacidade de resiliência. Em geral, tiveram os cuidados de uma avó carinhosa ou de uma babá dedicada. Há bons exemplos na história de pessoas célebres que foram crianças sofridas, como o artista Charles Chaplin e a soprano Maria Callas. Não se sabe se eram emocionalmente felizes, porém foram pessoas extraordinárias, relata o médico. Nos trabalhos científicos, no entanto, verifica-se que, grande parte das crianças que passaram por momentos difíceis, tende a apresentar insegurança, irritabilidade, dificuldades de relacionamento social, depressão e deficit de aprendizagem. Martins Filho sustenta nesse livro que é preciso ter uma sociedade que compreenda o valor da família para o desenvolvimento psicossocial. Quem tem tempo de cuidar dos seus filhos e dar-lhes a devida atenção, vai formar seres humanos que poderão melhorar a sociedade. Segundo o pediatra, impõe-se hoje uma tomada de consciência a fim de resgatar o hábito de amamentar, lidar com as crianças e procurar conversar com elas diariamente, estar presente em suas dificuldades e educá-las, apresentando-lhes o que é o certo (e o que não é) socialmente, dando-lhes noções de filosofia, crescimento, justiça, além de respeito ao próximo, aos superiores e aos mais velhos. A nova geração de pais foi criada dentro do “proibido proibir, não diga não, deixa fazer o que quer”, remete o autor. “Foram filhos que tiveram pais rígidos e que não são assim com os seus. Ao contrário. Os filhos atuais são rígidos com os pais, tiranizando-os por não terem sido preparados para uma relação afetiva, e sentem falta dela.” Ocorre que já foram propostas algumas soluções, assinala Martins Filho, como na Hungria, de enviar crianças para locais em que pai e mãe profi ssionais são pagos para cuidar delas em ‘casas de carinho’. Essa experiência parece não ter logrado êxito, revela. Entretanto, não se trata de uma experiência necessariamente nova, já que na Revolução Francesa, lembra, as crianças já eram colocadas em carroças e levadas ao interior para as mães vivenciarem a política. “Vai chegar o momento em que a sociedade irá robotizar a assistência à criança. Em livros americanos já se fala de alarmes que filmam os bebês e,

quando se mexem no berço, ouve-se a voz da mãe, gravada especialmente para eles. É um absurdo”, queixa o pediatra, que há 44 anos se dedica à criança e ao adolescente na sua profissão. “E vejam que essas crianças provavelmente chegarão aos 100 anos face ao avanço da medicina e dos cuidados gerais, da melhor nutrição e da melhor vacinação.”

Interação Martins Filho dirige há 11 anos o Programa Conexão Brasil, da TV Século 21, pela NET canal 24 em Campinas, pela parabólica para todo Brasil e pela Internet (http://www.tvseculo21.org.br). O programa vai ao ar às terças-feiras das 22h30 às 23h30 e já soma cerca de 500 gravações sobre saúde. É um trabalho voluntário numa TV religiosa, na qual o pediatra entrevista médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, dentistas, dentre outros profissionais. No Facebook, criou-se um grupo Pergunte ao Dr. Martins, que recebe cerca de 300 posts por dia. Ele conta que as pessoas sempre lhe enviam mensagens e o abordam nas ruas, atitude interpretada por ele como de grande interesse pela criança. São dúvidas simples, ao mesmo tempo que cruciais à dinâmica familiar. “Agora, é óbvio que comportamento em saúde, em Medicina e em Psicologia não é matemático. Às vezes para o profissional vale mais como um aconselhamento que se dá a um amigo, de preferência que tenha filho.”

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■ Serviço

Obra: Quem cuidará das Crianças? A Difícil Tarefa de Educar os Filhos Hoje Editora: Papirus Págs.: 160 Preço sugerido: R$ 39,90

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10 Vida Teses da semana Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

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Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

Painel da semana  Renda Básica de Cidadania e Proteção Social - O Núcleo de Estudos de População (NEPP) organiza no dia 31 de outubro, a partir das 9 horas, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), o seminário “Renda Básica de Cidadania e Proteção Social”. Ana Maria Medeiros da Fonseca, Secretária Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Eduardo Suplicy, senador da República (PT-SP); e Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), participam do evento. Às 12h30 será lançado o CD “Transferência de Renda no Âmbito Municipal no Brasil: Renda Básica de Cidadania em Santo Antonio do Pinhal (Convênio CAF/Unicamp). Mais informações: 19-3521-2499.  Construindo a Ouvidoria no Brasil: avanços e perspectivas - A publicação será lançada no dia 31 de outubro, às 9 horas, no Cine Olido, em São Paulo (Av. São João 473), ocasião em que serão celebrados os dez anos da Ouvidoria Geral do Município de São Paulo e da Associação Brasileira de Ouvidores/ombusdman (ABO-SP). O livro traz uma coletânea de trabalhos apresentados durante a realização de um curso de extensão em ouvidoria, oferecido pelo Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Os organizadores da publicação são: Adriana Eugênia Alvim Barreiro, ouvidora da Unicamp; José Roberto Rus Perez, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp), e Eric Passone, pesquisador-associado do NEPP. Mais informações: 19-3521-4482.  Vestibulinho do Cotuca - O Colégio Técnico de Campinas (Cotuca) recebe, até 31 de outubro, as inscrições para o seu Vestibulinho de 2012. Elas podem ser feitas na página eletrônica http://examesel.cotuca.unicamp.br/. São 785 vagas, em 21 opções de cursos. A taxa é de R$55. O Vestibulinho será realizado em 4 de dezembro. Para esta edição, a novidade é que as provas ocorrerão no período da tarde, das 14 às 17h30. Elas serão realizadas em 130 salas, localizadas em 10 prédios, no campus da Unicamp, em Barão Geraldo. Os candidatos devem se apresentar nos locais com uma hora de antecedência.  Vestibulinho do Cotil - O Colégio Técnico de Limeira, o Cotil realiza exame de seleção no dia 27 de novembro, a partir das 14 horas, nas cidades de Campinas, Americana, Limeira, Araras, Cosmópolis, Piracicaba e Rio Claro. Conheça a lista com os cursos oferecidos no link http:// www.cotil.unicamp.br/cursosoferecidos.php  Logotipo para o IB - Até 31 de outubro,

o Instituto de Biologia (IB) receberá as inscrições ao concurso para a criação de seu logotipo. O Edital com o regulamento pode ser acessado no link http://www.unicamp.br/ unicamp/unicamp_hoje/sala_imprensa/concursologotipoib.pdf. Outras informações pelo telefone 19-3521-6358.  Doutorado em Ambiente e Sociedade - O Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) recebe, até 3 de novembro, as inscrições para o seu curso de doutorado em Ambiente e Sociedade de 2012. Elas podem ser feitas mediante preenchimento de formulário eletrônico no link https://www1. sistemas.unicamp.br/siga/ingresso/candidato/ preencher_inscricao_curso_pos_graduacao. xhtml?cid=22. Leia o folder http://www.unicamp. br/unicamp/unicamp_hoje/sala_imprensa/ ambientesociedade.pdf. Outras informações: 19-3521-7690.  ProFIS - A Pró-Reitoria de Graduação (PRG) recebe, até 4 de novembro, as inscrições para o seu Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). Elas podem ser feitas no link http://www.prg.unicamp.br/profis/ficha.html e são gratuitas.  Palestra com Suzana Pereira Nunes - A Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) organiza no dia 1 de novembro, às 13 horas, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), uma palestra com Suzana Pereira Nunes, professora-associada da área de Engenharia Química da Universidade de Ciência e Tecnologia da King Abdullah University. Mais detalhes: zem@ reitoria.unicamp.br  Pagu recebe Raewyn Connel - O Núcleo de Estudos do Gênero (Pagu) recebe no dia 1 de novembro, para palestra, o professor Raewyn Connel, da Universidade de Sydney, Austrália. Ele aborda o tema “Masculinidades e justiça de gênero: perspectiva mundial”. O evento ocorre às 14 horas, no auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A organização é da professora Maria Conceição da Costa (Pagu-Unicamp). Mais detalhes: 19-3521-1704.  Fórum de Esporte e Saúde - Obesidade e diabetes estarão em debate no dia 3 de novembro, a partir das 9 horas, durante a realização do Fórum Permanente de Esporte e Saúde. Inscrições e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/saude/ foruns_saude.php  Vestibular 2012 – A Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) divulga no dia 4 de novembro, os locais de prova da primeira fase do Vestibular 2012. Elas serão aplicadas no dia 13 de novembro.  Como publicar artigos em revistas científicas – Em palestra a ser realizada em 4 de novembro, Chris Pringle, da Editora Elsevier, explica como publicar artigos em revistas científicas reconhecidas internacionalmente. A palestra acontece a partir das 10 horas, no auditório da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). Promoção: Secretaria de Extensão da FEC. Outras informações: rmarques@fec.unicamp.br  Dia da Integração - Caminhada, passeio ciclístico, apresentações de capoeira, de fantoches, etc. Estas são algumas atrações programadas para o Dia da Integração, evento que será realizado em 6 de novembro, das 9 às 13 horas, nas dependências internas e externas do Espaço Cultural Casa do Lago. O Dia da Integração integra as comemorações dos 45 anos da Unicamp e é realizado em parceria com o Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS), Centro de Saúde da Comunidade (Cecom), Prefeitura do Campus e Faculdade de Educação Física (FEF). Todas as atividades são gratuitas. A Casa do Lago fica na rua Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp. Mais informações: 19-3521-7017.

Eventos Futuros  Workshop de Petróleo da Unicamp - O 4° Workshop de Petróleo da Unicamp, evento que acontece de 7 a 10 de novembro, apresentará as tendências tecnológicas nas áreas abrangidas pela Engenharia de Petróleo, além de questões pertinentes ao futuro do setor. As palestras abordarão os seguintes assuntos: reservatórios e gestão, exploração, economia, sistemas marítimos de produção, geologia, entre outros. O evento ocorre na Faculdade de Engenharia Química (FEQ). Organização: Unicamp SPE Student Chapter.  Simpósio nacional - O Grupo de Pesquisa MultiTrad Abordagens Multidisciplinares da Tradução (IEL) organiza, de 7 a 9 de novembro, o seu primeiro simpósio nacional. A conferência de abertura será realizada às 14h15, no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Inscrições e outras informações: grupo.multitrad@gmail.com  SLACA - O Simpósio Latino-americano de Ciência de Alimentos (Slaca) acontece de 5 a 8 de novembro. Mais detalhes no hotsite: http:// slaca.com.br./index.php  Óleos essenciais - O VI Simpósio Brasileiro de Óleos Essenciais ocorre de 9 a 11 de novembro, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). É organizado pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, Instituto Agronômico de Campinas e Embrapa. Informações: 192139-2868.  Síndrome de Burnout - Dentro de seu ciclo de palestras sobre qualidade de vida na sociedade contemporânea, no dia 9 de novembro, das 12h30 às 13h20, o Instituto de Biologia (IB) recebe a professora Maria Elenice Quelho Areias, coordenadora do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Em palestra, ela fala sobre Síndrome de Burnout.  Fórum Extra - “Educação medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”. Temas serão abordados no dia 10 de novembro, das 9 às 17 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Mais detalhes na página eletrônica: http://foruns.bc.unicamp.br/ extras/foruns_extras.php  Enfoco - O Grupo de Estudos e Pesquisas Formar Ciências da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp organiza no dia 25 novembro, a partir das 8h30, no Centro de Convenções da Unicamp, o VII Encontro de Formação Continuada de Professores de Ciências (Enfoco) com o tema “Políticas e práticas de reformas curriculares oficiais de ciências na escola fundamental”. O evento, que prossegue até o dia 26, tem como público-alvo professores da educação básica de Campinas-SP e municípios da região, graduandos de cursos de licenciatura e pós-graduandos em educação e áreas afins. Para participar do Enfoco, as inscrições devem ser feitas até o dia 20 de novembro, no endereço eletrônico http:// www.fe.unicamp.br/enfoco/inscricoes.html. O Enfoco ocorre a cada dois anos e conta com o apoio do Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (Faepex), da Faculdade de Educação (FE), da Prefeitura Municipal de Campinas e da Secretaria da Educação de Itatiba-SP. O professor Edilson Duarte dos Santos, doutorando pela FE, é um dos integrantes da comissão organizadora. Acesse a programação completa no hotsite http://www.fe.unicamp.br/enfoco/. Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail edilson.santos@uol.com.br.

Tese da semana  Biologia - “Padrões de variação da diversidade alfa na floresta pluvial atlântica brasileira” (doutorado). Candidata: Roberta Macedo Cerqueira. Orientador: professor Fernando Roberto

Martins. Dia 3 de novembro, às 14 horas, na sala de defesa de teses da Pós-graduação do IB.  Computação - “Representação de plantas para renderização em tempo real” (mestrado). Candidato: Edgar Vilela Gadbem. Orientador: professor Hélio Pedrini. Dia 4 de novembro, às 14 horas, no auditório do IC (sala 85 - IC 2).  Economia - “Infraestrutura urbana da região metropolitana da grande Vitória: o caso da serra” (mestrado). Candidato: Rafael Silva Barbosa. Orientador: professor Claudio Schuller Maciel. Dia 31 de outubro, às 15 horas, na sala IE-23.  Educação Física - “Análise quantitativa da distribuição de jogadores de futebol em campo durante jogos oficiais” (doutorado). Candidato: Felipe Arruda Moura. Orientador: professor Sérgio Augusto Cunha. Dia 4 de novembro, às 9 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Amplificador e misturador de baixo ruído integrados para comunicação sem-fio na faixa de 50MHz a 5GHz” (mestrado). Candidato: Augusto Ronchini Ximenes. Orientador: professor Jacobus Willibrordus Swart. Dia 4 de novembro, às 9 horas, na sala PE11 da CPG/FEEC.  Física - “Estudo das propriedades magnéticas e magnetocalóricas em compostos RZN (R=Gd, Tb, Ho, Er)” (mestrado). Candidato: José Carlos Botelho Monteiro. Orientador: professor Flávio César Guimarães Gandra. Dia 31 de outubro, às 10 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW. - “Métodos dos estados coerentes acoplados com trajetórias complexas” (mestrado). Candidato: Matheus Veronez. Orientador: professor Marcus Aloizio Martinez de Aguiar. Dia 31 de outubro, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW. - “Contribuição para os métodos de identificação das componentes eletromagnética e muônica de chuveiros atmosféricos extensos no observatório Pierre Auger” (mestrado). Candidata: Vanessa Menezes Theodoro. Orientador: professor José Augusto Chinellato. Dia 3 de novembro, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW.  Linguagem - “A fundação e o funcionamento do discurso jornalístico brasileiro: os sentidos de nação, liberdade e independência (1821-1822)” (doutorado). Candidata: Giovanna Gertrudes Genedetto Flores. Orientadora: professora Claudia Regina Castellanos Pfeiffer. Dia 31 de outubro, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL - “Metapoesia e confluência genérica nos amores de Ovídio” (doutorado). Candidata: Lucy Ana de Bem. Orientador: professor Paulo Sérgio de Vasconcellos. Dia 31 de outubro, às 14 horas, no anfiteatro do IEL.  Medicina – “Estudo dos mecanismos moleculares relacionados à expressão gênica diferencial em portadores de persistência hereditária da hemoglobina fetal não delecional tipo brasileira” (doutorado). Candidata: Fernanda Marconi Roversi. Orientador: professor Fernando Ferreira Costa. Dia 31 de outubro, às 9 horas, no anfiteatro do Hemocentro.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Controlabilidade de sistemas de controle em grupos de lie simples e a topologia das variedades flag” (doutorado). Candidata: Ariane Luzia dos Santos. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 31 de outubro, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. - “Simetrias de lie da equação de burgers generalizada” (mestrado). Candidato: Junior Cesar Alves Soares. Orientador: professor Igor Leite Freire. Dia 3 de novembro, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. - “Dispersão de material impactante em meio aquático: modelo matemático, aproximação numérica e simulação computacional - Lagoa do Taquaral, Campinas, SP” (mestrado profissional). Candidato: Manoel Fernando Biagioni Prestes. Orientador: professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer. Dia 4 de novembro, às 16 horas, na sala 253 do Imecc.

Livro

da semana

Avaliação de quarta geração Organização: Lygia Eluf Tradução: Beth Honorato ISBN: 978-85-268-0936-9 Ficha técnica: 1ª edição, 2011; 320 páginas; formato: 16 x 23 cm; Área de interesse: Ciências biológicas e da saúde Preço: R$ 78,00 Sinopse: A Avaliação de quarta geração representa uma mudança monumental na atividade de avaliação. Os autores ressaltam os problemas inerentes enfrentados pelas gerações precedentes de avaliadores — opiniões políticas, dilemas éticos, imperfeições e lacunas, deduções inconclusivas — e atribuem as falhas e a não utilização da avaliação à confiança inquestionável no paradigma de pesquisa científico/positivista. A avaliação de quarta geração, uma abordagem mais fundamentada e esclarecida, transcende a ciência para incluir uma miríade de elementos humanos, políticos, sociais, culturais e contextuais que estão envolvidos nessa atividade. Egon G. Guba e Yvonna S. Lincoln publicaram Effective evaluation (1981) e Naturalistic inquiry (1985). O presente livro é uma atualização das ideias anteriores de ambos que salta para um nível de construção mais fundamentado e esclarecido — a avaliação de quarta geração. Em 1987 ganharam o Prêmio Paul Lazarsfeld da Associação Americana de Avaliação por suas “significativas contribuições para a pesquisa e a teoria da avaliação”. Autores: Egon G. Guba, doutor em investigação quantitativa pelo Departamento de Educação da Universidade de Chicago (1952), é professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade de Indiana, na qual trabalhou durante 23 anos antes de aposentar-se em 1989. Yvonna Sessions Lincoln, doutora em educação pela Universidade de Indiana (1977), lecionou na Universidade de Kansas, na Universidade de Indiana e no Stephens College. É professora adjunta de ensino superior na Universidade de Vanderbilt.

DESTAQUES do Portal da Unicamp

Unicamp apresenta seus estudos de caso no Projeto InterPares 3 24/10/2011– Ocorreu entre os dias 24 e 26, na Unicamp, o 9º Encontro Plenário do Team Brasil do Projeto InterPares 3 – projeto de pesquisa internacional que tem como objetivo determinar modelos e padrões que permitam a gestão e a preservação de documentos digitais por longo prazo. O InterPares foi criado em 1997 pela Universidade de British Columbia (UBC) do Canadá e hoje envolve instituições de dez países, diante da preocupação de evitar danos à informação decorrentes da fragilidade dos meios de armazenamento e a perda de documentos em consequência da rápida obsolescência tecnologia. A Unicamp participa do projeto por meio de convênio de cooperação com o Arquivo Nacional, sendo que também fazem parte do Team Brasil a Câmara dos Deputados, o Ministério da Saúde, o Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo (Saesp) e o Portal da Prefeitura de Porto Alegre. Neste 9º Encontro Plenário, na Casa do Professor Visitante, as instituições apresentaram estudos de caso com ações definidas ou já implementadas para a preservação de seus arquivos, baseados nos conceitos desenvolvidos pelo InterPares. A ideia é gerar um conjunto de módulos para treinamento em instituições arquivísticas ou cursos universitários da área de arquivo. Claudia Lacombe, especialista em informática e gestão de documentos digitais do Arquivo Nacional e coordenadora do Team Brasil, informa que o projeto termina oficial-

Fotos: Antonio Scarpineti

Cláudia Lacombe, do Team Brasil: “Aprendemos a desenvolver estratégias de preservação”

Neire Martins, do Siarq: “Estudos servirão como subsídio para a preparação de um plano de preservação digital”

O professor Pedro Paulo Funari: ressaltando o papel de destaque da Unicamp no Projeto InterPares

mente no dia 31 de março de 2012. “Esta é a última reunião de trabalho e esperamos, até fevereiro, ter prontos todos os relatórios finais, que serão apresentados num simpósio internacional em maio na Turquia. Acho que todas as instituições ganharam muito. Com a metodologia do InterPares, aprendemos a olhar para esses conjuntos de documentos e, em cima dos problemas, desenvolver estratégias de preservação e

mesmo de melhores formas de produção para a apresentação digital. Os resultados teóricos e práticos serão publicados no website, na língua do país e em inglês, facilitando o intercâmbio de informações”. Segundo Neire do Rossio Martins, diretora do Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (Siarq), a Universidade está apresentando cinco estudos de caso: da Assessoria de Comunicação e Imprensa

(Ascom), com seu arquivo de fotografias; da Rádio e TV Unicamp (RTV), com seus filmes; a Biblioteca Central Cesar Lattes (BCCL), com as teses e dissertações digitalizadas; da Diretoria Acadêmica (DAC), com documentos digitais dos alunos; e da Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH), com a documentação dos funcionários. “Esses estudos servirão como subsídio para a preparação de um plano de preservação digital

para a Universidade. Assim, o Siarq vai ter maiores condições de orientar as unidades na preservação de seus documentos”. O professor Pedro Paulo Funari, presidente do Grupo de Trabalho de Documentos Eletrônicos (GDAE), lembra que a Unicamp ocupa papel de destaque no InterPares por possuir uma preocupação de longa data com o tema, primeiro com a criação do Siarq para o tratamento de documentos tradicionais, e depois com a constituição do próprio GDAE, em 2003, transpondo a mesma preocupação para os documentos digitais. “Cada vez mais, a Universidade vem produzido documentação apenas em formato digital, o que é um grande desafio em termos de preservação, tanto por problemas de hardware e software, como de armazenamento, renovação e disponibilização”. Neste processo, Funari observa duas consequências, uma jurídica e outra histórica. “A jurídica é a obrigatoriedade legal de que as informações acadêmicas sobre um aluno, ou dos holerites para efeito de aposentadoria de um funcionário, estejam disponíveis daqui a cinquenta anos. Do ponto de vista histórico, a questão é que agora temos uma produção imensa de documentos, a exemplo das fotos digitais, que eram bem menos numerosas quando precisavam ser reveladas; não sendo possível preservar todas as fotos, é preciso selecioná-las, mas de um universo muito maior: é preciso saber não apenas como, mas quais preservar.” (Luiz Sugimoto)


Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

Incômodo passageiro Estudo mostra que “dormência” ocasionada por cirurgia desaparece após 6 meses ISABEL GARDENAL

A

bel@unicamp.br

crítica mais comum feita à osteotomia sagital dos ramos da mandíbula (maxilar inferior), uma das técnicas cirúrgicas ortagnáticas mais empregadas no mundo – que busca a correção das deformidades dentofaciais –, é que após este procedimento ocorre uma espécie de adormecimento nos lábios e no mento (parte inferoanterior da face que forma o queixo) do paciente. Mas uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) mostrou que a capacidade de sentir o local da incisão ocorre de maneira espontânea e gradual em poucos meses. Esta foi a conclusão da tese do pesquisador Marcelo Silva Monazzi, que teve orientação do professor Luis Augusto Passeri, cirurgião bucomaxilofacial do Hospital de Clínicas (HC) e docente da Área de Cirurgia Plástica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Os testes foram conduzidos na Unesp-Araraquara e em hospitais credenciados da cidade. A sensibilidade voltou entre 30 dias e seis meses em 20 dos 30 pacientes estudados, tempo máximo da avaliação. Nos outros dez pacientes, nem todas as áreas voltaram rapidamente ao seu estado normal, porém o índice de retorno à sensibilidade, que inicialmente era 1 (antes da cirurgia), três meses após a cirurgia foi de 1,3. Esta escala varia de 1 a 7, onde 1 corresponde à sensibilidade intacta e o escore máximo significa perda total da sensibilidade. “Logo, este índice foi muito próximo de 1”, comenta Monnazzi. Para ele, se esses pacientes tivessem sido avaliados por um tempo maior, provavelmente retomariam por completo a sensibilidade inicial. “Isso representa que o tempo de resposta deles difere e que tal sensibilidade em parte pode ser explicada pelo trauma cirúrgico.” A cirurgia ortognática trata deformidades dentofaciais por excesso ou deficiência de crescimento das bases ósseas da face (maxila e/ou mandíbula), que carregam grande potencial de comprometer a estética facial e as funções relacionadas. “São pacientes

que têm problemas de mordida e que não raro apresentam problemas mastigatórios, fonatórios e respiratórios, justamente por causa dessa deformidade”, comenta Luis Passeri. As deformidades analisadas são resultado de alguma falha no posicionamento ou desenvolvimento satisfatório das arcadas dentárias e ossos da face em relação à base do crânio, comprometendo com frequência o correto funcionamento dos maxilares. Os tipos de deformidade são classificados não somente no sentido anteroposterior, mandíbula ou maxila para frente ou para trás, mas também nos sentidos verticais e transversais. Nas deformidades verticais, existem os excessos ou deficiências de altura, como nos pacientes que mostram muita gengiva ao sorrir, o chamado ‘sorriso gengival’, ou o inverso – aqueles que não expõem os dentes mesmo ao sorrir, além das ‘mordidas abertas’, onde os dentes não se tocam. Dentre as alterações transversais, destacamse as assimetrias faciais, que podem atingir ambos os maxilares. De acordo o orientador da tese, a estimativa é de que 5% da população mundial tenha indicação para alguma cirurgia desta natureza. Após determinar como será feita a cirurgia ortognática, o cirurgião terá pela frente o trabalho de reposicionar a mandíbula ou a maxila, sendo que muitas vezes ambas são reposicionadas na mesma cirurgia. A maxila ou a mandíbula são então fixadas através de miniplacas de metal (em geral de titânio) ou materiais bioabsorvíveis.

Técnicas A osteotomia sagital dos ramos da mandíbula foi descrita há mais de 50 anos. Essa técnica não deixa cicatrizes na face, por ser totalmente executada por dentro da boca. Outras técnicas também em uso são a osteotomia vertical e a osteotomia em ‘L’ invertido do ramo mandibular. A grande vantagem da primeira em relação às demais é que ela propicia uma maior área de contato durante o procedimento cirúrgico, em razão do seu corte biselado (cortado obliquamente). “Com isso, o cirurgião pode avançar e recuar na mandíbula com maior segurança, além da técnica permitir uma melhor fixação no procedimento”, afirma Luis Passeri. Antigamente, descreve ele, os pacientes com deformidades dentofaciais, ao passarem por cirurgia com uma das técnicas disponíveis, lidavam com o inconveniente de permanecer com a boca amarrada até por seis semanas. Isso lhes trazia complicações como eventuais vômitos, problemas na higienização dos dentes ou na alimentação. Na técnica avaliada, o paciente sai do procedimento já com a boca aberta e, embora com restrições

11 Fotos: Divulgação

Paciente antes e depois de osteotomia sagital dos ramos da mandíbula: correção de deformidades dentofaciais Foto: Antoninho Perri

O professor Luis Augusto Passeri, orientador da tese: “Técnica permite uma melhor fixação no procedimento”

A osteotomia sagital da mandíbula é indicada assim que cessa o crescimento ósseo, que habitualmente acontece por volta dos 18 anos em homens e 14 em mulheres. Esta cirurgia eleva a estima do paciente e o reconduz ao processo de socialização. “Além dessa pessoa arrumar a sua oclusão, ela melhora a questão estética”, informa o pesquisador. A cirurgia agradou plenamente a cerca de 90% dos pacientes, um percentual bastante significativo, na sua opinião. “Infelizmente não há no país muitos centros que oferecem tal procedimento pelo SUS”, lamenta ele.

Marcelo Silva Monazzi: “Sensibilidade em parte pode ser explicada pelo trauma cirúrgico”

alimentares, em menos tempo ele volta a comer quase em sua plenitude. Monnazzi avaliou o retorno da sensibilidade com um teste objetivo: o teste de Semmes-Weinstein, o mesmo instrumento empregado para pacientes com hanseníase. Ele mostrou-se uma ferramenta segura, barata e prática de aplicação, devendo ser encorajada na clínica diária, tanto nos consultórios quanto nos hospitais.

Avanço Algumas deformidades da face não chocam tanto os seus portadores e eles mal imaginam que existe um tratamento para o seu caso. São inclusive imperceptíveis aos observadores. Uma paciente de 15 anos, atendida por Luis Passeri, sofreu um procedimento cirúrgico após ter realizado um tratamento ortodôntico, para corrigir o excesso vertical da maxila. Tinha uma exposição gengival e deficiência anteroposterior da mandíbula e do mento. Desde a infância, ela sabia que era respiradora bucal, uma alteração que ocorre na passagem do fluxo aéreo que deveria ser feita através das fossas nasais mas

que, por algum motivo, passa a ser feita pela boca. Ela conviveu com o problema por anos. Fez uma cirurgia bem-sucedida. A maxila moveu para cima e um pouco à frente, e a mandíbula e o mento avançaram. Conforme o docente, a particularidade dessa cirurgia é que ela deve ser feita sempre após o paciente ter passado por tratamento ortodôntico. “Não existe cirurgia ortognática sem ortodontia”, enfatiza ele. O ideal é que o cirurgião e o ortodontista façam um planejamento, já que o emprego de aparelhos ortodônticos se faz necessário tanto no pré quanto no pós-operatório. Já o tempo de cirurgia depende muito do tipo de deformidade. Em geral, pode ter duração de uma a quatro horas e é efetuada em hospital, explica Monnazzi, que é cirurgião bucomaxilofacial e que atua como professor voluntário na Unesp de Araraquara há quatro anos.

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Tese: “Avaliação clínica do grau de sensibilidade cutânea, na região mentoniana e de lábio inferior, em pacientes tratados por meio de osteotomia sagital bilateral da mandíbula” Autor: Marcelo Silva Monnazzi Orientador: Luis Augusto Passeri Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

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Primeira cirurgia foi feita em 1848 Diversos autores realizaram estudos sugerindo modificações na osteotomia sagital do ramo mandibular. Procuravam aperfeiçoar a técnica, a despeito deste ser um procedimento rotineiro, versátil e previsível. Mas o reconhecimento das deformidades faciais não permitia qualquer tipo de tratamento até o aparecimento da anestesia geral moderna.

O primeiro procedimento cirúrgico de deformidade de mandíbula foi feito por Simon Hullihen, na Virgínia, em 1848, em uma moça de 20 anos. Nas últimas décadas, o desenvolvimento de instrumentais eficientes, drogas e protocolos de tratamento aprimoraram os resultados. Hoje a cirurgia ortognática está bastante consolidada.

A osteotomia sagital é a técnica mais usada para a correção das deformidades que atingem a mandíbula. Descrita inicialmente em alemão, em 1955, foi publicada na literatura norte-americana em 1957, por Obwegeser e Trauner. A osteotomia sagital dos ramos mandibulares sofreu importantes modificações no seu desenho, propostas por Dal

Pont (1961), Hunsuck (1968) e Epker (1977). Tal técnica é feita por meio de serra ou de broca. O corte ósseo atinge apenas a porção mais resistente (cortical) da mandíbula. Inicia-se pela parte interna do ramo, acima da entrada do nervo alveolar inferior e segue pela face anterior até chegar à altura do pri-

meiro molar. Neste ponto, desce perpendicularmente em direção à base da mandíbula. São inseridos instrumentos neste corte, que fazem a separação dos segmentos. Isso é efetuado em ambos os lados, permitindo que a parte dentada da mandíbula seja avançada, recuada ou mesmo girada assimetricamente.


12 Jornal daUnicamp Campinas, 31 de outubro a 6 de novembro de 2011

Foto: Reprodução

O instrumentista mineiro Renato Andrade: técnica de execução peculiar e passagens virtuosísticas

MARIA ALICE DA CRUZ

C

halice@unicamp.br

om traje de músico concertista, o exviolinista sobe ao palco empunhando um novo instrumento. Acomoda-se e começa a executar com uma técnica diferente nas mãos e com interpretação ímpar sua viola caipira. Foi assim, pronto para um grande concerto, que Renato Andrade (1932-2005), instrumentista que surgiu na década de 1970, tirou a viola caipira do acompanhamento dando a ela interpretações de solos instrumentais. “Já no primeiro LP, Fantástica Viola de Renato Andrade, disco inteiramente instrumental, ele consegue desenvolver uma técnica de execução na qual demonstra muita habilidade com passagens virtuosísticas, muito rápidas, chegando a usar mais dedos no dedilhar da viola”, ilustra o compositor e também instrumentista Vinícius Muniz, autor da dissertação Entre o Sertão e a Sala de Concerto: um estudo da obra de Renato Andrade, desenvolvida no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob orientação do professor José Roberto Zan. Instrumentista que prova do sabor de fazer solos de viola, Muniz diz que um ponto curioso na análise das músicas de Renato Andrade está no jeito diferente que ele encontrou de tocar viola, quando comparado a Tião Carreiro ou Heraldo do Monte, ou a todo vasto repertório da música sertaneja. Muniz explica que, na década de 1970, a viola era tocada, quase sempre, usando somente com dois dedos na mão direita, mas Renato passa a usar pelo menos quatro ao dedilhar as cordas do instrumento. “Uma técnica que se aproxima da técnica do violão erudito, mas aplicada à viola caipira”, explica Muniz. Segundo o pesquisador, foi difícil encontrar indícios ou gravações de repertório semelhante. No formato escolhido para suas composições, a viola está sempre em evidência, sendo acompanhada por um violão. Mesmo sendo uma diferença perceptível ao bom ouvinte de viola, faltava uma análise musical aprofundada de suas músicas a fim de entender melhor a técnica utilizada pelo compositor para executar suas músicas, assim como a maneira como construía o solo de viola. Horas quase intermináveis, mas prazerosas, de audição aproximaram Muniz das nuances da música de Renato Andrade e o fizeram constatar a qualidade ímpar de suas peças, geradas somente na viola. “Ele não escrevia partituras, compunha diretamente na viola”, explica Muniz. Sendo assim, para estudá-las, o pesquisador teve de transcrevê-las. Aliás, é comum entre os violeiros, pela falta de acervo de partituras, ouvir criteriosamente uma peça antes de executá-la, segundo o musicista. A observação de vídeos permitiu a Muniz aprofundar sobre os desdobramentos que a maneira peculiar de Andrade compor poderia fazer referência ao mundo erudito, da música caipira e dos toques de viola. O autor acredita que o universo cultural

Um sertanejo na sala de concerto

Foto: Divulgação

Vinícius Muniz, autor da dissertação: análise musical aprofundada

do compositor em Abaeté, quase região central do estado de Minas Gerais, tenha influenciado o interesse por outras cordas que não a de um violino. Gêneros musicais como as folias de reis, lundu, quatragem, folia do divino, congada, cururu e a própria manifestação forte da viola caipira na região foram fundamentais na concepção musical de Renato Andrade. Tão curiosa quanto sua técnica foi a forma curiosa como surgiu no cenário da música brasileira. A trajetória, observada pelo pesquisador a partir de vídeos guardados por amigos e fãs do compositor, começa como ator coadjuvante no filme do cineasta Schubert Magalhães intitulado O homem do corpo fechado, no qual ele fazia um violeiro. Mais tarde, a música, que constituiu a trilha da produção, converteu-se em uma das faixas de um de seus discos. Ao mudar para o Rio de Janeiro para finalizar as gravações, Andrade conheceu alguns compositores da música erudita brasileira, entre eles Edino Krieger, Francisco Mignone e GuerraPeixe. “Eram compositores de grande destaque naquele momento. E Renato acaba tendo um estreito laço com eles”, acrescenta Muniz. É nessa época que surge A Fantástica Viola de Renato Andrade e, a partir dele, uma produção que parecia não acabar, a não ser por sua morte em 2005. Suas composições e interpretações renderam mais cinco discos (1979, 1984, 1987, 1999 e 2002). Mas a erudição não ficou somente na fina estampa usada nas apresentações: entre um acorde e outro é possível ouvir trechos de Canzonetta, de

Tchaikovsky, Für Elise, de Beethoven, além de pedacinhos de Paganini. Além disso, a música não era a única manifestação artística de Andrade. Como bom mineiro e ainda por cima com pé nas artes cênicas, causos de sua própria criação conduzem um personagem presente em concertos e ilustram os encartes de suas gravações. Ator e instrumentista se encontram e trazem um espetáculo enriquecido com textos literários em que lembra grandes literatos, entre eles Guimarães Rosa. Sempre com uma instigação à curiosidade, um dos causos versava sobre um pacto com o diabo para tocar viola melhor. “Renato criou um personagem em cima do palco. O mais curioso é que ele tratava a música e os textos como elemento único. O solo interrompido geralmente tinha ligação com a história Foto: Antoninho Perri

O professor José Roberto Zan, orientador: estudo musicológico

a ser contada”, segundo Muniz. Muniz acrescenta que a viola caipira sempre ocupou espaço na música popular e principalmente na música caipira, mas Renato Andrade e Tião Carreiro encontraram a maneira de usar o instrumento para criar música instrumental, apesar de terem origens diferentes, segundo o orientador. “Tião vem da música caipira, Norte de Minas, Montes Claros. E é popular. Os dois eram reconhecidos por faixas de público diferentes”, explica Zan. Na opinião de Muniz, Renato Andrade e Tião Carreiro abriram caminho para que a viola ganhasse notoriedade pelas mãos de alguns violeiros de décadas posteriores à sua, como Paulo Freire, Ivan Vilela, Almir Sater, Tavinho Moura, Roberto Corrêa, e tantos que levaram a viola para além do campo. Inclusive o trabalho de Tião Carreiro foi reconhecido por esses violeiros pela qualidade. Recentemente, Carreiro foi tema da tese defendida na Unicamp pelo músico e professor João Paulo Amaral. De acordo com o orientador da dissertação, José Roberto Zan, hoje existe um número considerável de violeiros instrumentistas, alguns até graduados em música, como Ivan Vilela, mas Andrade foi quase um pioneiro na década de 1970. Os músicos da década de 1980 e 1990 já tinham uma formação musical mais formal, dentro dos moldes da academia, dos conservatórios e, num determinado momento, abandonaram seus instrumentos e passaram a se dedicar à viola caipira, conforme o professor. “Na década de 1980, Paulo Freire, que era violonista, estudou na França e depois se enveredou

para a viola caipira”, acrescenta Zan. Mesmo sendo divulgada por tantos nomes, a viola demorou a entrar na academia, na opinião de Muniz. “Ela levou muito tempo para ocupar espaço dentro dos estudos de música nas universidades. Somente recentemente se criou o curso de música caipira na USP, com Ivan Vilela como professor, e agora na Faculdade Cantareira, com João Paulo Amaral”, informa o compositor. Para ele, João Paulo Amaral, que dedicou sua tese à obra de Tião Carreiro, é um bom exemplo de como a viola se insere na academia. “Agora que está na academia, onde pode passar por formalização das técnicas dos procedimentos de composição e execução, é fundamental que ocorram mais pesquisas”, pontua Muniz. Para ele, os trabalhos dedicados a Renato Andrade e Tião Carreiro já são um passo importante para que outros músicos entendam a técnica de execução e a mecânica das mãos desses violeiros. Zan lembra que antes de despontarem na academia, os estudos sobre viola foram desenvolvidos por folcloristas, entre eles Alceu Maynard Araújo, Rossini Tavares de Lima e Mário de Andrade, mas o diferencial dos trabalhos acadêmicos atuais é o olhar de instrumentistas sobre a obra desses compositores e intérpretes de viola caipira. “Autores como o Vinícius fazem um estudo musicológico. Rossini talvez tenha feito um estudo mais bem acabado, assim como Alceu Maynard, mas com o olhar de folclorista”, explica. Um aspecto importante da pesquisa de Muniz destacada por Zan é que Renato Andrade surge num momento em que a viola ganha novos sentidos, passando a circular em outro segmento da música gravada mais ligado à MPB. Ele lembra que na década de 1960, com o ideário nacional popular que mobilizou artistas de várias modalidades – poetas, cinema teatro música –, a viola começa a fazer parte de trilhas do cinema novo. Geraldo Vandré foi um dos cantores engajados nessa proposta, a ponto de vencer o festival de 1966 com a música Disparada, em que explorava a viola como acompanhamento. Neste cenário, surge Heraldo do Monte, que, ao lado de Hermeto Paschoal, Théo de Barros e Airton Moreira, monta o Quarteto Novo, com um som agreste, rural e com elementos jazzísticos, de acordo com o orientador. “E Heraldo passou a tocar viola, mas com característica peculiar, afinada como guitarra e violão. Ele explorava o timbre do instrumento, mas não era viola caipira rigorosamente”, acrescenta Zan. Ao final dos anos 1960, também surge o Quinteto Armorial, ligado ao movimento de mesmo nome, em que a viola aparece na formação. Segundo Zan, foram momentos de popularização da viola, mas ligada à música sertaneja, à moda de viola, que era segmento importante no mercado.

........................................................... ■ Publicação

Dissertação: “Entre o sertão e a sala de concerto: um estudo da obra de Renato Andrade” Autor: Vinícius Muniz Pereira Orientação: José Roberto Zan Unidade: Instituto de Artes (IA)

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