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Campinas, 14 a 20 de maio de 2012 - ANO XXVI - Nº 526 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
do pai Tese desenvolvida por Sabrina Finamori no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) avalia narrativas de quatro filhos que buscam reconhecimento de paternidade. A autora fundamentou o seu trabalho nas leis e nos métodos de investigações desde o início do século XX até os dias atuais, entre os quais os exames de sangue e de DNA, tidos em épocas diferentes como fundamentais para o reconhecimento. A tese foi orientada pela professora Heloisa Seixas.
Fotos mostram resultado de perícia odonto-legal de investigação de paternidade: método era comum no início do século passado
Páginas 6 e 7
Avatar reproduz símbolos da Libras Página 3
Engenheira desenvolve quebra-mar feito com PET Página 4
Genoma de linhagem de bactéria é sequenciado Página 5
Pesquisa traz à tona individualismo de morcegos Página 9
O servidor que fez brotar um bosque no IE Página 11
Hilda Hilst cansada de guerra Página 12
Foto: Cedae/IEL
IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Fotos: Divulgação
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Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
ARTIGO
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por: Cristina de Campos
As ferrovias estratégicas no Estado de São Paulo
s primeiras companhias ferroviárias surgiram a partir da década de 1860 em São Paulo. A abertura da São Paulo Railway (1867), entre Santos e Jundiaí, estimulou a formação de outras empresas como as Companhias Paulista, Ituana, Sorocabana e Mogiana, cujas linhas atendiam demandas por transporte vindas de regiões do interior da então Província de São Paulo. Muitos autores que estudaram as ferrovias paulistas são unânimes em afirmar que a principal característica destas primeiras linhas era a ausência de um plano mais preciso de sua implantação, que seguiam as plantações de café em produção na Província. Por esta razão eram chamadas de ferrovias cata-café. Esta lógica permeou a instalação de outras companhias ferroviárias, panorama que mudaria apenas no decorrer da década de 1890, juntamente com os novos tempos republicanos. É neste final de século que o bom resultado obtido pelo café nos mercados internacionais estimula a abertura de novas frentes produtoras para além das regiões já estabelecidas, atingindo porções do Estado ainda recobertas por matas nativas. A extensão das plantações para regiões tão distantes somente foi possível devido à existência da ferrovia, aparato tecnológico que viabilizava plantações em zonas tão remotas. Ao contrário de suas antecessoras, estas novas ferrovias passaram por um processo de planejamento e implantação mais apurado, pois suas linhas deveriam atingir pontos pré-determinados no território, considerados estratégicos seja do ponto de vista militar como também político e econômico. Por este motivo é que estas ferrovias são denominadas, segundo o engenheiro Adolpho Augusto Pinto1, como ferrovias de cunho estratégico. Assim, se antes a ferrovia seguia a marcha do café, agora é a ferrovia que abre o caminho para as novas plantações. As ferrovias estratégicas surgiram dentro de um amplo debate nacional que ocorria desde o final da Guerra da Tríplice Aliança, a de construção de um caminho rápido e seguro até o Estado de Mato Grosso. O acesso mais rápido a este Estado situado no Centro-Oeste brasileiro continuava a ser por mar, via bacia do Prata, sendo que por terra o trajeto era longo e precário. Por ser um caminho estratégico, esta nova estrada foi amplamente debatida em seus vários aspectos pela engenharia nacional, como por exemplo, qual seria o melhor ponto de partida: sair da capital federal, Rio de Janeiro, do Estado de Minas Gerais ou da região central do Estado de São Paulo? Nas discussões do Club de Engenharia, o parecer emitido foi favorável a que o ponto de partida fosse na região central de São Paulo. Já o Anuário da Escola Politécnica reunia uma série de artigos nos quais engenheiros defendiam igualmente que o ponto de partida deveria ser a região central do interior paulista, destacando também os pontos estratégicos por onde a nova ferrovia passaria, como Itapura, sede do antigo arsenal da Marinha, na foz do Rio Tietê. Em meio aos debates dos engenheiros, o governo brasileiro publicou o Decreto n°862 de 1890, que concedia ao Banco União de São Paulo o direito de construir e explorar um caminho de ferro até o Estado de Mato Grosso, tendo como ponto de partida a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, e término em Coxim (hoje, Mato Grosso do Sul). Na verdade, a escolha de Uberaba foi
Fotos: Divulgação
Mapa produzido por Olavo Hummel: relatório foi entregue ao Banco União
estava o engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza e outros profissionais como Olavo Hummel e o geológo norte-americano Orville Derby que, sediado em São Paulo, analisou o material geológico recolhido ao longo da jornada. O relatório conclusivo deste levantamento foi entregue ao Banco União em 1892, logo se iniciando os trabalhos da nova linha. Entretanto, as instabilidades econômicas da década de 1890 atingiram duramente o Banco União, obrigando-o a desistir do direito de exploração da nova ferrovia. Tal ocorrência não significou o final do projeto da estrada estratégica. A concessão foi repassada ao grupo que formou a Companhia Noroeste do Brasil (NOB). As obras foram iniciadas em 1905, mas com uma outra proposta de traçado, tendo como ponto de partida a cidade de Bauru, no interior paulista. É interessante notar que a construção da linha da Noroeste desencadeou a construção de outras vias estratégicas no Estado de São Paulo. Ainda na década de 1890, outras companhias ferroviárias de São Paulo solicitaram o direito de explorar linhas com destino ao Estado de Mato Grosso, que atravessavam regiões ainda não inseridas no sistema produtivo do Estado. E assim o fizeram as companhias Araraquarense, Sorocabana e Paulista. A abertura das linhas estratégicas descortinava novas possibilidades de negócios para as companhias ferroviárias, como as ligadas ao lucrativo mercado de terras. O aparato tecnológico representado pela ferrovia possibilitou não somente a conexão da malha ferroviária com outras regiões como também desencadeou um processo de colonização e consequente urbanização do Oeste paulista. O engenheiro civil Antonio Francisco de Paula Souza: à frente de expedição
devido à proximidade com os trilhos da Companhia Mogiana, que finalizavam na região, possibilitando conexão com a malha ferroviária paulista.
O Banco União deu passos importantes logo após a conquista do decreto, montando uma expedição para realizar o primeiro levantamento da linha. À frente da expedição
1 PINTO, A.A. História da Viação Pública em São Paulo. São Paulo: Tipografia Vanorden, 1903.
Cristina de Campos é professora colaboradora junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp
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Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
Comunicação estabelecida Foto: Antoninho Perri
Sistema de transcrição leva a Língua de Sinais para o ambiente digital
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MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ados do Censo Demográfico de 2000 indicam que o Brasil possui 5,7 milhões de habitantes com algum grau de deficiência auditiva, contingente que equivale à população do Estado de Goiás. Parcela significativa desse segmento enfrenta muitos obstáculos para ter acesso a recursos computacionais, notadamente os que adquiriram surdez antes de serem alfabetizados. Estes, com frequência, encontram sérias dificuldades para compreender materiais escritos em português. Pesquisa conduzida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp desenvolveu uma tecnologia que pode contribuir para superar esse tipo de barreira. Orientada pelo professor José Mario De Martino, a doutoranda Wanessa Machado do Amaral concebeu um sistema de transcrição capaz de reproduzir, por meio dos gestos de um avatar, os símbolos utilizados pela Língua Brasileira de Sinais (Libras). De acordo com Wanessa Amaral, existem diversos trabalhos na área da computação voltados à acessibilidade. Ocorre, porém, que a maioria é dirigida aos cegos. Assim, já foram desenvolvidos aplicativos como leitores de tela e até calculadora programável. “Entretanto, há pouco estudo relacionado aos deficientes auditivos. Isso possivelmente está associado à impressão de que eles não enfrentam problemas nesse campo, uma vez que as informações disponíveis no computador são basicamente visuais. Mas não é bem assim. Pessoas que adquiriram surdez antes de terem sido alfabetizadas têm muita dificuldade em compreender material escrito em português. De certa forma, elas ficam excluídas do meio digital”, explica. Pensando nas dificuldades enfrentadas por esse grupo, a pesquisadora resolveu utilizar os recursos proporcionados pela computação gráfica para transportar a Libras para dentro do ambiente digital. Para isso, Wanessa Amaral concebeu um sistema de transcrição que utiliza o que os especialistas denominam de agente virtual, popularmente conhecido por avatar. A figura, que pode ser alterada de acordo com a necessidade ou conveniência do usuário, reproduz os sinais utilizados pela Libras. Para isso, basta digitar numa caixa de diálogo a palavra desejada. “Como a figura humana é apresentada em 3D, o usuário pode aproximar ou mudar o ângulo do avatar, caso queira compreender melhor a mensagem”, detalha. Embora possa parecer, num primeiro momento, uma solução simples, tanto Wanessa Amaral quanto o professor De Martino tiveram muito trabalho até chegar ao modelo atual, que o docente prefere classificar de “prova de conceito”. De acordo com o ele, não foi uma tarefa trivial definir o que o avatar precisaria fazer para interpretar uma palavra grafada em português. “Foi preciso descrever com o máximo de minúcias o movimento e a posição das mãos, uma vez que uma pequena variação pode alterar o significado da mensagem. Além disso, no Brasil, o conhecimento sobre aspectos ligados à Libras, como questões linguísticas, ainda é pequeno. É diferente do que ocorre com a língua portuguesa, que vem sendo estudada há séculos. Felizmente, contamos com a colaboração de professores da USP que trabalham com a Libras, que nos ajudaram em muitos pontos”, relata o docente da FEEC. Na opinião de De Martino, o sistema desenvolvido pela sua orientanda represen-
O professor José Mario De Martino e a doutoranda Wanessa Amaral: usando a computação gráfica em favor da acessibilidade
de exigência. Como o processo ocorre praticamente em tempo real, basta digitar a palavra e apertar o botão de comando, para que o avatar converta imediatamente o texto em sinais de Libras. Nada é prégravado”, detalha. O professor De Martino informa que o sistema já foi objeto de um pedido de depósito de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), procedimento que teve a assessoria da Agência de Inovação Inova Unicamp. “Nossa expectativa, agora, é que alguma empresa se interesse pelo licenciamento da tecnologia. Penso que a ferramenta pode ser uma forte aliada em ações que tenham como objetivo garantir maior acessibilidade aos portadores de deficiência auditiva aos recursos computacionais”, considera. Na visão do especialista, o sistema pode ser adaptado a quaisquer equipamentos computadorizados, tais como tablets e celulares.
Avatar criado pelos pesquisadores da FEEC reproduz sinais da Libras
ta um grande passo no que toca à geração e manipulação de dados voltados à acessibilidade. Ele observa, no entanto, que a tecnologia pode e deve ser aperfeiçoada. “É bom deixar claro que estamos apenas no começo. Por analogia, é o mesmo que aconteceu com a conversão texto-fala. Quando ela teve início, a voz empregada tinha aquele tom robótico. Hoje, está muito diferente. Nós já percebemos que precisamos aprimorar algumas coisas. O mais importante, porém, é que os testes feitos com a colaboração de deficientes auditivos comprovaram que estamos conseguindo nos comunicar via sistema. Ou seja, estamos passando a informação”, diz. Conforme Wanessa Amaral, a ferramenta pode vir a ser importante não somente para facilitar o acesso dos surdos ao ambiente virtual, mas também para os ouvintes que desejam aprender Libras. O professor De Martino vai ainda mais longe e entende que
o sistema pode contribuir até mesmo para consolidar a língua de sinais no país. “Em algum momento, será necessário definir um padrão e sistematizar a língua. Se a evolução for nesse sentido, espero que o sistema ajude”. Wanessa Amaral destaca que uma das alternativas utilizadas para levar conteúdos em Libras para o ambiente digital é a produção de vídeos. Esse tipo de solução, porém, apresenta algumas desvantagens. Ela exige condições especiais de gravação, como luz e cenário adequados. Além disso, é preciso garantir a continuidade, ou seja, há que se usar o mesmo intérprete, que obviamente precisa estar usando as mesmas roupas. Ademais, se houver a necessidade de corrigir um erro ou fazer uma atualização no conteúdo, não há outra saída a não ser gravar novamente e submeter o material a nova edição. “No caso do nosso sistema, não há esse tipo
Animação facial Outra linha de pesquisa coordenada pelo professor De Martino, relacionada à animação facial, também pode vir a ser utilizada para estabelecer um link com o sistema desenvolvido por Wanessa Amaral. De acordo com o docente da FEEC, os estudos atuais buscam cada vez mais conferir sincronia e realismo à movimentação articulatória dos avatares. Desse modo, acredita o especialista, é possível que esse recurso possa contribuir igualmente para facilitar o acesso dos surdos aos conteúdos digitais. “Se conseguirmos transmitir ao deficiente auditivo informações visuais associadas à movimentação articulatória da fala, é provável que facilitemos a compreensão, por parte desse público, do que está registrado em áudio. Uma vantagem adicional dessa solução é que estabeleceríamos uma ponte interessante entre surdos e ouvintes”, avalia. Outra ideia que o professor De Martino considera exequível em curto prazo é a utilização do sistema de conversão para o registro de conteúdos específicos. Esse tipo de recurso poderia ser utilizado, por exemplo, em repartições partições públicas como postos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou em agências bancárias. “Nesse caso, nós produziríamos mensagens para esclarecer as principais dúvidas dos usuários e clientes surdos. Por analogia, funcionaria da mesma forma como as secretárias eletrônicas utilizadas por algumas empresas, que fazem o encaminhamento do pedido ou reclamação do cliente à medida que ele vai informando, de forma oral, a sua necessidade. No caso em questão, a fala seria substituída por um toque num botão”, antevê.
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Campinas, 14 a 20 de maio de 2012 Fotos: Antonio Scarpinetti
QUEBRA-MAR
PET
Estudos têm demonstrado que a elevação do nível do mar resulta em tendência erosiva das linhas costeiras
Modelo feito com garrafas descartáveis consegue, em simulação, dissipar 98% da energia da onda
acordo com o que nós determinamos como objetivo”, diz a pesquisadora.
PATRICIA LAURETTI
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patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
eunir em um só projeto eficiência, sustentabilidade e atrativos comerciais. Com essa premissa, a engenheira Luana Kann Kelch Vieira desenvolveu um quebra-mar flutuante de garrafas PET para o mestrado na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), sob orientação do professor Tiago Zenker Gireli, do Departamento de Recursos Hídricos. Os resultados foram tão positivos que a pesquisa deverá ter continuidade em seu trabalho de doutorado, a ser realizado em campo. O modelo do quebramar, em seu melhor resultado, dissipou em mais de 98% a energia da onda gerada artificialmente em um canal. Essa é a ação desejada para este tipo de barreira, utilizada para a proteção da costa contra a erosão ou para abrigar áreas para a construção de píeres, portos e marinas. Trata-se de obra de extrema importância, sobretudo quando sopram os bons ventos da economia e há incremento no transporte marítimo e fluvial. Ademais, estudos realizados em todos os continentes têm verificado uma forte tendência erosiva das linhas de costa atuais, em razão do efeito da subida do nível do mar como consequência do aquecimento global ou de ações do homem que modificam o equilíbrio dinâmico que mantém as praias em suas posições atuais. “Temos perdido anualmente para o mar, não só faixas de praia, mas também áreas urbanizadas, com arruamentos e residências inteiras, o que gera grandes prejuízos às economias dos municípios litorâneos, seja pelo custo da recuperação dessas regiões, seja pela diminuição do interesse dos turistas devido à degradação”, afirma Gireli. O quebra-mar que boa parte das pessoas conhece é do tipo “talude”, feito com concreto ou pedras naturais e fixado no solo. Segundo a pesquisadora é a primeira vez que se desenvolve um modelo com garrafas PET. Houve um experimento norte-americano com pneus, mas que não obteve os mesmos resultados devido à percolação. “As obras fixas normalmente
A engenheira Luana Kann Kelch Vieira, autora da dissertação: um ano de estudos teóricos para o desenvolvimento do modelo
são mais caras. Nesse caso, desenvolvemos um quebra-mar com garrafas PET, que são facilmente encontradas ou podem ser compradas em cooperativas de lixo reciclável”, complementa Luana. As garrafas de Politereftalato de Etileno (PET) demoram até 400 anos para se degradar na natureza. Além do fator econômico, o uso da garrafa está justificado nas leis da física. De acordo com Luana, “a garrafa PET é o elemento flutuante, porque, quando cheia de ar, gera o empuxo, que é a força que vai resistir à passagem da onda”. O modelo elaborado na escala de 1:25 foi construído com 1.260 garrafas de 500 mililitros. Os recipientes foram vedados e presos com fita adesiva para depois serem agrupados em 21 blocos amarrados com arame e compactados com barras de aço de construção. A extensão dos blocos no canal chegou a quatro metros e meio de altura e noventa centímetros de largura. Em escala real, o modelo teria 112 metros de extensão. A ancoragem foi feita com cordas de PET reciclado. Para aqueles que estranham o fato de o quebra-mar flutuante ficar “ancorado”, Luana explica que o dispositivo precisa ser preso para ficar parcialmente submerso. “Se a estrutura flutuasse, a onda passaria por ela, sem resistência. Dessa forma, o quebra-mar fica tensionado, criando um obstáculo físico. O nome ‘flutuante’ é só porque, quando não ancorada, a obra flutua”.
Testes Após um ano de estudos teóricos para a construção do modelo, os testes foram feitos no canal do Centro Tecnológico de Hidráu-
lica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que apoiou o projeto. O canal de ondas funciona com uma placa geradora que se movimenta de acordo com a calibragem inserida em um programa de computador. Uma onda, tanto a natural como a simulada, tem sua energia medida pela altura, o que não significa, no entanto, que, quanto mais alta, maior será sua força. Esta relação está condicionada ao seu comprimento e também ao período da onda, ou seja, a distância e o tempo necessários para que a ondulação se repita. São estes os fatores que determinam a eficiência do quebra-mar. Para projetos de engenharia costeira são simuladas ondas entre 3 e 5 metros de altura. O ensaio com cada onda no canal durou dez minutos. Foram programadas ondas de 0,5 metro até 3 metros de altura (de 20 a 120 milímetros no modelo), e período real de 4,5 até 8,5 segundos (0,9 até 1,7 segundo na escala reduzida). O melhor resultado, quando a energia da onda foi dissipada em 98%, foi na altura de 60 e 80 milímetros e período de 0,9 segundo. Se os valores fossem transportados para a natureza, seria o equivalente a uma onda que chegou ao quebra-mar com 2 metros de altura e, depois de atravessá-lo, não passou de 4. O resultado mais baixo, por sua vez, foi para ondas de 1metro (escala real) e período de 8,5 segundos, quando a redução não atingiu 25% da altura da onda. “Não quer dizer que este resultado é ruim. Há barreiras que são construídas para esta faixa de atuação. O que nós podemos dizer é que a onda ‘curta’ é melhor reduzida no modelo do que a onda longa. O quebra-mar funciona bem de
Percolação “O mais relevante neste projeto é o fato de termos conseguido a redução de altura da onda por meio da percolação”, avisa Luana. Pela primeira vez, segundo ela, o princípio foi utilizado neste sentido. A inovação está em processo de patenteamento junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), por intermédio da Agência de Inovação Inova Unicamp. O processo é bastante simples. O quebramar é constituído de garrafas PET agrupadas e, portanto, há espaço entre elas. A onda passa justamente por estes caminhos para atravessar a barreira. Com as turbulências e o atrito entre o fluido e as paredes da garrafa PET, a energia da onda diminui. Segundo a pesquisadora, no quebra-mar comum a onda é reduzida por arrebentação ou reflexão. “O modelo desenvolvido ‘deixa a água passar’, gerando turbulência e atrito com as garrafas. A onda perde energia durante sua percolação”. A continuidade da pesquisa agora deverá levar em conta algumas questões cruciais para o projeto. O protótipo se mostrou inviável para instalação em campo por vários motivos. Em primeiro lugar, o problema da corrosão que descartou logo de princípio o aço de construção sem revestimento. A falta de rigidez, ocasionada pelas barras de aço que foram amarradas, também foi um problema. O material utilizado em uma próxima etapa terá que resultar numa armação mais firme. “O ideal é usar barras corridas porque a estrutura não pode ter nenhum ‘jogo’. Precisamos estudar quais materiais devemos escolher para os testes em campo” acrescenta Luana. Ela também enfatiza que o canal é diferente da natureza, onde as ondas são irregulares e o corpo d´água, seja de um rio ou do mar, é bem menos estreito. O tamanho de um novo modelo para aplicação em campo também será redefinido. Para o orientador da pesquisa, “os resultados obtidos até o momento são extremamente animadores, pois com a adoção de um quebra-mar cerca de três vezes mais comprido que a onda, obtivemos uma redução de quase 100% da sua altura, o que é muito melhor do que qualquer resultado divulgado até hoje para estruturas deste tipo. Além disso, a perda de energia por percolação diminui os impactos ambientais gerados pela reflexão de ondas ocasionada pelos quebra-mares flutuantes tradicionais.”
......................................................................... ■ Publicação
Dissertação: “Desenvolvimento e análise de desempenho de um quebra-mar construído a partir de garrafas de Politereftalato de Etileno (PET) Autor: Luana Kelch Vieira Orientador: Tiago Zenker Gireli Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
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Biólogos promovem cerco à bactéria que infesta granjas Fotos: Antonio Scarpinetti/Divulgação
Sequenciamento do genoma de linhagem da Escherichia coli é tema de artigo no Journal of Bacteriology LUIZ SUGIMOTO
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sugimoto@reitoria.unicamp.br
Journal of Bacteriology aceitou para publicação um artigo assinado por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) referente ao sequenciamento do genoma de uma linhagem da Escherichia coli , causadora de processos infecciosos em frangos de corte e galinhas poedeiras. O artigo tem como autora principal Thaís Cabrera Galvão Rojas, doutoranda orientada pelo professor Wanderley Dias da Silveira, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes. Trata-se do segundo trabalho publicado sobre o tema (à exceção de outro nos EUA) e o primeiro na América Latina e Europa. Thaís Cabrera explica que linhagens APEC (Avian Pathogenic Escherichia coli) causam doenças extra-intestinais em diferentes espécies de aves. “Nesse trabalho estamos apresentando o draft genoma – que é o resultado da montagem de porções sequenciadas do genoma – de uma linhagem brasileira (SCI-07) isolada de lesões peri-orbitais de tecidos de uma galinha poedeira portadora da ‘síndrome da cabeça inchada’. Genes de virulência foram localizados na sequência de nucleotídeos que constitui o genoma, com o objetivo de caracterizar essa linhagem como sendo APEC”, resume a pesquisadora. Os dados do sequenciamento foram depositados no banco de dados de genomas do National Center for Biotechnology Information (NCBI). Há apenas um ano, Wanderley Silveira falou ao Jornal da Unicamp sobre outro trabalho coordenado por ele, visando igualmente linhagens vacinais a partir da E. coli APEC. “Antes procurávamos genes ao acaso e verificávamos se estavam relacionados com patogenicidade. Agora, fizemos o contrário: sequenciamos a amostra inteira e, no genoma da mesma, procuramos os genes possivelmente relacionados a doenças para promover uma mutação dirigida, que é mais eficiente no processo de obtenção de linhagens vacinais”, esclarece o professor. Na opinião de Silveira, a publicação dos dados referentes ao genoma ajudará no desenvolvimento de novas vacinas e servirá a outros pesquisadores. “A publicação do genoma facilitará a detecção, em meio a aproximadamente cinco mil genes presentes na E. coli, daqueles relacionados a doenças – e, nestes, fazer uma mutação sítio-dirigida para verificar quais linhagens mutadas perdem a patogenicidade e podem ser utilizadas como vacina. Estes resultados também indicam produtos gênicos (proteínas) que podem ser utilizados para o desenvolvimento de vacinas contendo epítopos antigênicos. É um método mais eficiente do que aquele que descrevi na outra entrevista”. As doenças causadas por E. coli, em aves comerciais, vão desde uma septicemia (infecção) generalizada, que leva à sua morte, até outras localizadas, como a síndrome da cabeça inchada (objeto específico do trabalho
Granja no Estado de São Paulo: setor é responsável por 1,5% do PIB, movimentando 5 bilhões de dólares por ano A pesquisadora Thaís Cabrera Galvão Rojas: “Confirmamos que a bactéria é realmente patogênica para aves”
Vacina deve chegar ao mercado em até 4 anos
O professor Wanderley Dias da Silveira: “Nosso sonho é obter linhagens vacinais brasileiras que possam ser utilizadas em plantéis de todas as regiões”
de Thaís Cabrera), que implica em condenação da carcaça nos abatedouros; a bactéria também produz celulite, onfalite e coligranulona. “Este tipo de E. coli tem uma importância econômica bastante grande para o Brasil, que é o terceiro maior produtor mundial de carne de aves e o primeiro exportador. O setor responde por 1,5% do PIB, num valor anual de 5 bilhões de dólares. Isso sem considerar o enorme consumo interno de um produto de grande valor nutricional e o emprego direito e indireto de milhares e milhares de pessoas”, afirma Wanderley Silveira.
Pesquisa maior Thaís Cabrera está na metade do doutorado, sendo que o artigo a ser publicado no Journal of Bacteriology é apenas parte de uma pesquisa maior, dentro do Laboratório de Biologia Molecular Bacteriana. Na verdade, o grupo do IB possui mais três linhagens bacterianas com o DNA sequenciado, cada uma delas causadora de um tipo de doença. “O que anunciamos no artigo é que sequenciamos esse genoma e confirmamos que a bactéria, devido à presença de determinados genes já bastante estudados e relacionados à doença, é realmente patogênica para aves. Agora faço um trabalho de comparação com os outros três genomas sequenciados, que ainda está muito no começo”, diz a autora. Ela observa que a quantidade de informações obtidas num sequen-
ciamento é extremamente grande e a maior dificuldade vem depois, na verificação do que é cada gene e a sua utilidade. “Sempre vamos achar coisas novas em bactérias, mas o trabalho de prospecção ainda é muito árduo. Por isso, normalmente se faz o contrário, sequenciando determinado gene, que é um trabalho menor. Os pesquisadores ainda estão aprendendo a organizar todos os dados de um genoma para que se possa descobrir e extrair o que realmente tem relevância.” Segundo Wanderley Silveira, a pessoa habilitada para fazer esta prospecção de genes é essencialmente o bioinformata. “O Brasil vem mostrando um avanço em diferentes áreas das ciências biológicas, principalmente por causa do advento de técnicas como a biologia molecular e a bioinformática. Mas, apesar de todos os estímulos que são oferecidos, ainda não existem pesquisadores formados em número suficiente nesta área. Thaís está aprendendo e, só nesse tempo de aprendizagem, já conseguiu ter um trabalho aprovado por uma publicação internacional.” O professor do IB ressalta que há falta de recursos humanos em sua área de pesquisa como um todo, visto que o enfoque maior, de maneira geral, é dado a linhagens bacterianas de origem humana. “Temos no país grupos trabalhando em microbiologia, dentro dela os envolvidos com bacteriologia e, mais especificamente, os interes-
sados em E. coli. É um nicho ainda pequeno, mas alguns grupos estão se fortalecendo e o nosso vem formando várias pessoas que atuam na área e já estão em outras universidades. O que faz o sistema científico funcionar é a disponibilidade de verba. Esse tipo de publicação vai dar maior visibilidade ao grupo, a fim de atrairmos mais recursos e alunos para serem formados nas diferentes especialidades, inclusive em bioinformática.”
Colaboradores Para viabilizar seu trabalho, Thaís Cabrera contou com recursos da Capes, CNPq e Fapesp, além da colaboração de Gonçalo Guimarães Pereira, do Laboratório de Genômica do IB, na parte de bioinformática. O artigo para o Journal of Bacteriology, intitulado “The draft genome of a Brazilian Avian Pathogenic Escherichia coli (APEC) strain and in silico characterization of virulence related genes”, tem ainda os seguintes autores: Lucas Pedersen Parizzi, Monique Ribeiro Tiba, Gonçalo Amarante Guimarães Pereira e Wanderley Dias da Silveira, todos do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do IB; Lihong Chen e Jian Yang, do Instituto de Biologia de Patógenos do Union Medical College de Pequim (China); e JunYu e Vartul Sangal, do Instituto de Farmácia e Ciências Biomédicas da Universidade de Strathclyde (Glasgow, Reino Unido).
O professor Wanderley Silveira afirma que os estudos realizados pelo seu grupo não têm importância apenas localizada, mas nacional, pois envolvem bactérias causadoras de processos infecciosos em aves de todo o país. “Temos linhagens das regiões Sul, Nordeste e Sudeste: Rio Grande do Sul e Paraná são grandes produtores de aves e Pernambuco tem este setor como segunda economia, enquanto no Estado de São Paulo há grande produção de ovos e aves de corte. Nosso sonho é obter linhagens vacinais brasileiras que possam ser utilizadas em plantéis de todas as regiões. O ideal seria uma linhagem única, contra o maior número de doenças, mas quatro linhagens talvez possam abarcar todas as patogenias. Pretendemos lançar esses produtos no mercado em três ou quatro anos.” Em relação a possíveis colaborações com o setor privado, o pesquisador admite que tem feito contatos, mas considera que o desenvolvimento de ciência na indústria ainda é muito incipiente. “Geralmente, eles querem um trabalho já pronto, não têm paciência para esperar algum resultado. Tenho conhecimento de que produtos desenvolvidos em outros países podem ser trazidos para comercialização no Brasil. Entretanto, como não são linhagens brasileiras, não possuem necessariamente os mesmos mecanismos de patogenicidade que as nossas. Mas estão prontas para serem usadas, que é o que a indústria deseja.”
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Fotos: Antoninho Perri/Divulgação
Em busca da origem Tese do IFCH analisa fenômeno do reconhecimento de paternidade a partir de narrativas, das mudanças nas leis e dos métodos de investigação ISABEL GARDENAL
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bel@unicamp.br
uatro narrativas de filhos adultos que buscam o reconhecimento de paternidade à luz das mudanças nas tecnologias de investigação e nas leis brasileiras. Eles têm em comum um percurso de abandono, de sofrimento, e perseguem um desfecho para as suas histórias. Nessas narrativas, o reconhecimento é visto como um direito humano e uma questão de cidadania, como reparo por um passado associado ao estigma da ilegitimidade ou mesmo uma fonte de informação sobre a própria origem. Foi o que concluiu a antropóloga Sabrina Finamori em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Além disso, lembrou a autora da tese, as categorias presentes nas leis em diferentes períodos históricos – entre as quais a paternidade – acabam reverberando no modo como os filhos pensam sobre suas relações atuais ou passadas. Sabrina chegou a essa premissa ao revisitar a infância e o grupo familiar desses filhos. O trabalho foi orientado pela docente do IFCH Heloisa Pontes. A doutoranda fez entrevistas aprofundadas com os filhos e foi compondo narrativas de vida. A primeira entrevistada, relata, passava por um longo processo judicial no momento da pesquisa. O segundo esperava um reconhecimento voluntário do pai e, ao longo dos três anos de entrevista, acabou decidindo entrar com a ação judicial. O mesmo ocorreu com a
Perícia odonto-legal de investigação de paternidade da primeira metade do século XX: análise fisionômica era prática comum à época
terceira entrevistada. O único caso que se referia a um processo de fato encerrado era o do quarto entrevistado, cujo exame de DNA deu negativo.
Histórico Conforme Sabrina, para entender as narrativas, foi preciso recorrer ao contexto de dois momentos cruciais de mudança nas tecnologias de investigação de paternidade. Um deles teve entrada com os primeiros exames de sangue (ABO), em 1927, no Instituto Oscar Freire, em São Paulo. O sistema sinalizava a exclusão da paternidade, não a sua determinação. Mais aplicado entre 1930 e 1940, esse exame conviveu por anos com a técnica de análise fisionômica, baseada na medição de crânio, análise de nariz e formato de orelha pelos odonto-legistas. O debate social era o impacto que essa técnica teria juridicamente para o reconhecimento. O segundo momento, descreve ela, foi a inserção do exame de DNA, nos anos de 1980, alargado na década seguinte como o principal instrumento de investigação. Entre 1990 e 2000, a discussão legislativa passava invariavelmente pelo DNA, visto como um facilitador para resoluções rápidas de disputas jurídicas. Veio o Código Civil de 1916, o primeiro marco legal do século 20. Com ele, os próprios filhos podiam entrar com ação de investigação de paternidade. Eram apenas três os motivos para conseguir isso: se tivessem um escrito do pai confirmando a filiação; o testemunho das relações sexuais do homem com a mulher; e o concubinato. Sabrina destaca que, por meio desta lei, os filhos somente podiam entrar com a ação de investigação de paternidade se o pai ou a mãe não fossem casados na época da concepção e se não houvesse parentesco próximo (fruto de incesto). Na década de 1940, pequenos avanços legais trouxeram o reconhecimento de filhos após o desquite. Mas, somente em 1977, a lei do divórcio contemplou os filhos de relações extraconjugais, ainda que por testamento cerrado (aberto após a morte). Com essa lei, o direito à herança foi igualado, inclusive para os adotivos. Antes, os filhos tinham direito só à metade dos bens dos legítimos. O debate jurídico ficou menos centrado na proteção às famílias legalmente estabelecidas e mais nos direitos dos filhos, e na ideia de que o casamento não era indissolúvel e sim uma
A antropóloga Sabrina Finamori, autora do estudo: conjugalidade, contexto histórico e narrativas de vida
escolha individual de adultos. A maior mudança, expõe Sabrina, veio com a Constituição de 1988. “Não importava mais o tipo da união dos pais.” Proibiu-se a discriminação nos termos das leis, como as terminologias ‘filhos legítimos’ e ‘ilegítimos’. O centro do debate legal era a ampla garantia do direito dos filhos, fortalecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei da paternidade de 1992, outro marco jurídico, colocou a investigação como um direito não apenas privado. Abriu as portas para o Ministério Público entrar com ações. Depois disso, os projetos do governo, entre os quais o Pai Legal na Escola, em parceria com a Procuradoria Geral de Justiça, vieram na
direção de universalizar o reconhecimento da paternidade e facilitar o acesso à justiça para a população de menor renda.
Conjugalidade Sabrina conta que, ao recortar o tema do DNA para a definição do parentesco e da paternidade, desenvolveu um pré-campo na Internet para sondar os diálogos e as posturas dos filhos mais livremente. Ela visitou comunidades e fóruns de discussão nos quais os filhos expunham a experiência de não ter um pai reconhecido em termos de dor, sofrimento. Isso lhe chamou a atenção porque, como mostram as pesquisas antropológicas de parentesco, muitos são os modelos não tradicio-
nais de família socialmente bem aceitos e que são reconhecidos pelo Estado. Mas o que a intrigava é que muitos filhos aspiravam o reconhecimento, apesar da rejeição dos pais. Quais seriam suas motivações? A pesquisadora percebeu o quanto as experiências dos filhos estavam imbricadas com as alterações legais e as técnicas de investigação. Daí concluiu que a conjugalidade é um dos elementos que liga o contexto histórico e as narrativas de vida. “Ela foi fundamental para entender a paternidade no século 20.” Ao investigar as leis, Sabrina notou que os filhos de relações fora do casamento estiveram por longo tempo excluídos do reconhecimento de paternidade.
Até meados do século 20, uma das circunstâncias mais comuns para um filho entrar com ação era sob o argumento de que os pais tinham vivido em concubinato (como eram chamadas as uniões estáveis). Como a prova de sangue era pouco usada, os processos se baseavam em testemunhos da convivência do casal e da fidelidade da mulher. Muitos processos focavam o julgamento sobre a moral da mulher. De acordo com a pesquisadora, o que se falou com a chegada do DNA foi que o exame tiraria esse julgamento da sexualidade feminina ao fornecer uma resposta direta e científica para a dúvida de paternidade. “A realidade, entretanto, nem sempre é esta, já que em muitos julgamentos o comportamento sexual da mulher ainda está em questão”, relativiza. Segundo a antropóloga Cláudia Fonseca, da banca examinadora de Sabrina, o exame do DNA também tem fomentado dúvidas em homens casados sobre a paternidade de seus filhos. A doutoranda observou que, apesar da dissociação que há nas leis entre conjugalidade e filiação depois da Constituição de 1988, a questão ainda continua a permear a experiência pessoal dos filhos. Nas narrativas sobre a infância e o grupo familiar, a desigualdade em relação aos que tinham pais reconhecidos era localizada na forte carga valorativa presente no termo ‘mãe solteira’ e mesmo na comparação que eles próprios faziam entre sua experiência e a dos primos, por exemplo, que tinham pai reconhecido. Essa relação persiste igualmente no argumento dos pais que dizem não reconhecer esses filhos para não arruinarem seus casamentos. Sabrina enfatiza que “o padrão de conjugalidade é ainda contextualmente
acionado dentro do grupo de parentesco para atribuir maior valor a certas pessoas e relações”.
Parentesco Outro elemento central na pesquisa foi a análise da informação de parentesco sob o aspecto regulativo, apoiado pela técnica biológica. Na primeira fase, mesmo sem grande impacto na década de 1930, o exame de sangue trazia um debate ético. “A técnica era acionada não somente por filhos, mas sobretudo por maridos ciumentos que procuravam o Instituto Oscar Freire para
tirar dúvida sobre a infidelidade feminina. Esta é uma das situações mais cruéis para os filhos – de ter a paternidade questionada após ter sido criado pelo pai”, opina a autora da tese. Além dos aspectos regulativos trazidos pela técnica, acrescenta ela, existe um outro aspecto: a informação de parentesco também constitui o que as pessoas sabem sobre elas mesmas. Na medida em que vão atrás dessa informação e a conseguem, alteram o conhecimento que têm sobre sua origem e o seu passado. Esse ponto de vista se fortalece com o exame de DNA, que passa a prometer não apenas a exclusão de paternidade, mas a definição de quem é ou não o pai. Um dos entrevistados, cuja única informação sobre o suposto pai era sua origem árabe, criou gosto por essa cultura. Quando a mãe morreu, entrou com um processo na justiça. O DNA deu negativo. Tudo mudou. Até o que sabia sobre si próprio. Ele contou que “a parte árabe desapareceu de repente e toda a narrativa sobre a ascendência paterna perdeu o seu sentido”, afirma Sabrina. “Logo, é algo mais profundo do que o aspecto regulativo – de dizer quem é o pai e que tem direito à herança. São questões que dizem respeito à constituição social de pessoas.” Normalmente, esses filhos esperam um reconhecimento voluntário, expõe a doutoranda, contudo, depois de uma longa espera, marcada por sofrimento, muitos deles procuram dar um desfecho à sua história indo à justiça. O exame de DNA positivo daria um novo status para a decisão desses homens em ter ou não uma relação com esses filhos. “A partir daí, a rejeição passa a estar marcada pelo fato de se dirigir a alguém biológica e legalmente identificado como filho”, comenta Sabrina. No caso dos quatro filhos avaliados, eles não lograram êxito em suas empreitadas. A despeito da primeira entrevistada ter ganhado a causa, o pai entrou com recurso antes de falecer, e o processo continua tramitando na justiça. O pai do segundo entrevistado teve uma convivência com o filho, não reconhecendo-o sob o argumento de que destruiria o seu casamento. A ação ainda não está encerrada. O processo da terceira entrevistada aguarda decisão legal porque o pai não comparece às audiências. Os parentes dele não lhe revelam o paradeiro. Já o quarto entrevistado, cujo exame de DNA foi negativo, chegou a cogitar uma nova alternativa de paternidade. Mas acabou desistindo da busca e deu o caso por encerrado.
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Tese: “Os sentidos da paternidade: dos ‘pais desconhecidos’ ao exame de DNA” Autora: Sabrina Finamori Orientadora: Heloisa Pontes Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
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Do anonimato à vida pública Sabrina também recorreu a pesquisas em jornais. Procurou investigar a influência do exame de DNA no modo como socialmente se pensa sobre as relações de parentesco. Escolheu avaliar dois exemplos públicos: os casos envolvendo Pelé e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O caso Pelé, salienta a pesquisadora, teve grande repercussão como uma das primeiras situações no Brasil em que se utilizou o DNA para comprovar vínculo de parentesco. “Foi tudo muito intenso. O pai não quis reconhecer Sandra Regina como filha. Após uma batalha judicial, ela conseguiu ganhar o processo em 1996. Dez anos depois, ela morreu e acabou tornando-se, para a opinião pública, uma heroína nacional.” Além da história em si, que tem aspectos de sobra para se explorar, a autora da tese viu como os leitores julgaram os diálogos na época. Foi unanimidade, por exemplo, que Pelé já deveria ter feito o reconhecimento quando o DNA deu positivo. A sua justificativa para o não reconhecimento foi que não tinha proximidade com a filha “porque não tiveram uma relação ao longo da vida”. Ao atribuir isso a uma questão relacional, a paternidade biológica ficou para segundo plano. Recentemente, os seus netos (filhos de Sandra Regina e também jogadores de futebol) cogitavam mudar do Santos Futebol Clube para o São Paulo. A notícia gerou intermináveis comentários na Internet, relembrando o passado. “O caso ainda é visto como uma mancha na vida do maior jogador de futebol do mundo”, realça Sabrina. Mais tarde, uma nova filha apareceu, reconhecida pelo jogador na idade adulta. Nas declarações à imprensa, Pelé falou que enxergou a família dele nos traços dela. “Ele também não tinha tido relação com essa filha ao longo da vida”, contra-argumenta a autora da tese. Os fatos biológicos com relação à Sandra Regina eram por ele descartados, ao passo que, com outra filha, eram justamente as semelhanças físicas que confirmavam o parentesco. “Logo, a escolha entre fatos sociais ou biológicos de parentesco é também uma escolha entre relacionamentos e entre pessoas, o que amplifica o impacto
nos filhos de uma rejeição”, contextualiza a doutoranda. No caso FHC, a notícia de que ele teve um filho fora do casamento, quando senador, veio à tona após a morte de sua esposa, Ruth Cardoso, e depois de já ter saído da presidência da República. Ele reconheceu o filho de uma jornalista e com ele teve uma relação de afeto. Deu-lhe sustento e o devido suporte, não duvidando da autenticidade da história. Mas os filhos do seu casamento requereram um exame de DNA, que resultou negativo. A história teve uma ampla polêmica por ter sido escondida, não por pairar dúvida sobre a sua legitimidade, esclarece Sabrina. Quando o exame deu negativo, FHC demorou para dar uma declaração à imprensa e, quando deu, foi algo muito rápido, falando que nada iria mudar – nem em termos de afeto e nem de recursos para o filho. A polêmica foi diferente do caso Pelé, situa ela, cuja repercussão foi mais homogênea. Uma série de pessoas achava a atitude de FHC correta e outras diziam que ele teria o direito de recusar o filho, uma vez que o exame havia derrubado a paternidade. Em casos desse tipo, pesa também a traição da amante na avaliação dos leitores sobre o caso. Ainda que seja sujeita a controvérsias, pondera a pesquisadora, parece socialmente mais aceitável a atitude de um homem traído que renega um filho, mesmo que ele o tenha criado como seu. Sabrina conclui que os impactos do resultado de um exame de DNA são importantes não só para os envolvidos, mas também para o modo como socialmente se avaliam as decisões de um homem em ter ou não um relacionamento com o filho. As ações do Ministério Público que visam à universalização da legitimação dos filhos, localiza a doutoranda, também trazem elementos para fomentar esse debate. Se de um lado essas ações têm fortalecido os direitos dos filhos, de outro, adverte ela, é preciso estar atento para que não levem à reafirmação de uma ideia modelar de família, como se todo filho necessitasse ter um pai reconhecido. “Assim, o que é um direito dos filhos – de buscar o reconhecimento de paternidade – pode se tornar também uma obrigação social”, considera.
Nas n bas Pesquisa demonstra interação em ca 8
Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
agente causador da doença de Chagas Foto: Antoninho Perri
Farmacêutico investiga sistemas mitocondrial e antioxidante citoplasmático de protozoário SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
U
m estudo inédito conduzido no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp pode abrir perspectivas para o desenvolvimento de nova terapia para a cura da doença de Chagas. Parasitose provocada pelo Trypanosoma cruzi, o mal de Chagas, como também é conhecido, acomete cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Passados mais de 100 anos após a descoberta da enfermidade pelo sanitarista brasileiro Carlos Chagas, ainda não há vacinas e tratamentos eficazes para a doença, que atinge, principalmente, a população dos países latino-americanos. A pesquisa da Unicamp foi desenvolvida pelo farmacêutico Eduardo de Figueiredo Peloso como parte de seu doutoramento junto ao Departamento de Bioquímica do IB. A docente Fernanda Ramos Gadelha coordenou o estudo como orientadora de Peloso. O trabalho foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que concedeu bolsa ao aluno; e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que custeou o projeto. A investigação foi elaborada no âmbito da linha de pesquisa “Bioenergética e mecanismos de defesas antioxidantes em tripanosomatideos”, liderada por Fernanda Gadelha desde 1995. A docente coordena no IB o único laboratório do gênero no país.
O farmacêutico Eduardo de Figueiredo Peloso, autor da tese, e a professora Fernanda Ramos Gadelha, orientadora: perspectiva de nova terapia
Os resultados obtidos pelos cientistas mostram, pela primeira vez, que há uma interação entre os sistemas antioxidante citoplasmático e mitocondrial do Trypanosoma cruzi, protozoário e agente causador da doença de Chagas. O Trypanosoma cruzi tem apenas uma mitocôndria, organela fundamental para a viabilidade celular e relevante para a produção de energia. Já o sistema antioxidante é responsável pela defesa do protozoário contra as espécies reativas de oxigênio e hidrogênio. “Buscamos compreender o sistema bioenergético mitocondrial e o antioxidante do Trypanosoma cruzi a fim de identificar novos alvos para o desenvolvimento futuro de uma terapia mais específica. Até o momento da tese do Eduardo não havia dados sobre sistema antioxidante mitocondrial, pois ele é muito pouco estudado. A ideia foi elucidar a sua importância para a viabilidade do parasita juntamente com o sistema citoplasmático. Nós também avaliamos o possível envolvimento destes mecanismos”, explicou a orientadora Fernanda Gadelha.
Os dados do trabalho reforçam os componentes do sistema de defesa antioxidante do Trypanosoma cruzi como alvo em potencial para o desenvolvimento de uma terapia mais eficiente para a doença de Chagas. Eduardo Peloso acrescenta que foi possível consolidar estes alvos porque a pesquisa identificou diferenças bioquímicas entre o parasita Trypanosoma e o hospedeiro vertebrado (homem, animais silvestres e outros mamíferos em geral). “O sistema antioxidante do parasita é diferente do hospedeiro em termos de composição e funcionamento. O objetivo para se obter um tratamento mais eficiente é conseguir um fármaco que tenha efeito apenas sobre o parasita, de modo a não afetar o hospedeiro vertebrado. Isto vai diminuir a toxidade ou efeito colateral da terapia”, explicou. O tratamento para a doença de Chagas no Brasil conta praticamente com um tipo de droga, o benzonidazol (Rochagan®), medicamento com alto efeito colateral e pouco eficiente, sobretudo na fase crônica da doença. “Esta droga foi introduzida como
medicamento entre as décadas de 1960 e 1970. Na época os cientistas que a formularam não sabiam que ela produzia efeitos colaterais também no hospedeiro. É importante ressaltar que ela não foi direcionada para um alvo terapêutico específico”, avalia Fernanda Gadelha. Além da interação entre os dois sistemas, a pesquisa também apontou que as formas infectantes do parasita conseguem se adequar para se protegerem frente a uma situação de estresse oxidativo. Este é outro ponto inédito do trabalho, destacou Gadelha. “A pesquisa foi elaborada com as duas formas do Trypanosoma, a infectante e não infectante. Pela primeira vez mostrou-se na literatura que a forma infectante consegue modular a expressão das enzimas antioxidantes, assim como a forma não infectante. Pela segurança, facilidade em se obter um maior número de células, e também relevância, a maior parte dos estudos é feita com as formas não infectantes”, reconhece. Estes experimentos com as formas infectantes e não infectantes do para-
sita foram desenvolvidos em parceria com a docente Maria Júlia Manso Alves, do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP). Manifestada de forma aguda e crônica, o mal de Chagas é uma doença debilitante. Os infectados apresentam, frequentemente, comprometimento nos sistemas cardíacos, digestório e nervoso. Os sintomas da moléstia, de acordo com Eduardo Peloso, geram um problema socioeconômico porque o doente, muitas vezes, tem dificuldade de trabalhar. “A pessoa pode viver anos com a doença, mas em condição debilitante. Quando, por exemplo, há comprometimento cardíaco, qualquer esforço deixa o doente cansado”, exemplifica. A enfermidade ainda é agravada pela diversidade genética que há dentro da população do Trypanosoma cruzi. Estas variações podem levar a diferentes resistências do parasita ao tratamento, representando também grande complexidade para o desenvolvimento de um fármaco eficaz. A transmissão ocorre pela via vetorial, quando o inseto conhecido como barbeiro deposita suas fezes contendo o parasita na lesão feita no local da sua picada. O contágio, então, acontece no momento em que o parasita penetra no hospedeiro vertebrado por meio da ferida causada pela picada ou através de alguma membrana mucosa, como a conjuntiva. A enfermidade também é transmitida de forma oral, pela ingestão de alimentos contaminados pelo parasita. No Brasil, este tipo de contágio foi registrado em 2005, no Estado de Santa Catarina, com o caldo de cana contaminado e, recentemente, no Amazonas pela ingestão de suco de açaí. Podem acontecer ainda contaminações congênitas, de mãe para filho, e por transfusão de sangue.
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Tese: “Sistema antioxidante de Trypanosoma cruzi: expressão protética nas diferentes formas, ao longo da curva de proliferação e o seu envolvimento na bioenergética mitocondrial” Autor: Eduardo de Figueiredo Peloso Orientadora: Fernanda Ramos Gadelha Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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A universidade e os educadores do campo Pesquisa analisa o peso da formação universitária para os movimentos sociais ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
Pesquisa de doutorado da Faculdade de Educação (FE), sobre o curso superior de pedagogia para educadores do campo, apurou que o significado que a formação universitária tem para os movimentos sociais se vincula aos valores, história, cultura e formação de identidade dos trabalhadores rurais sem terra, numa perspectiva emancipatória. Esses movimentos compreendem que o acesso à formação é um direito do cidadão e que o conhecimento obtido na universidade não deve necessariamente mudar a realidade desses educadores. Sem ele, porém, isso também não será possível.
O trabalho, da pedagoga Yolanda Zancanella e orientado pela docente da FE Maria da Glória Gohn, foi feito com duas turmas do curso na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Foram 41 universitários (dez egressos e 31 graduandos) de acampamentos e assentamentos dos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Eles foram entrevistados a fim de compreender o significado dessa formação para os movimentos sociais do campo, como estão as escolas rurais e até que ponto tal formação contribuirá para elas. No Brasil, hoje há 13 universidades públicas parceiras do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e dos movimentos sociais do campo, os quais oferecem o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo/Pedagogia da Terra. O Pronera, criado em 1998, visa à educação dos jovens e adultos assentados em comunidades rurais mediante processos de reforma agrária. Eles têm despesas, como alimentação e transporte, custeadas ao longo do curso. A sua formatação difere dos cursos regulares, tendo como foco a Pedagogia da Alternância, articulada entre dois tempos educativos: o Tempo
Escola (TE) e o Tempo Comunidade (TC). No primeiro, o aluno estuda e permanece no espaço da universidade e, no segundo, transita dela para o seu contexto. Além disso, frequenta um curso de férias ou em período fora da colheita. Quanto à legalidade, tem duração de quatro anos na modalidade Licenciatura, com carga horária de 2.800 horas-aula, como os cursos regulares de Pedagogia. Trata-se de um projeto novo no país, porém as universidades que o ofertam em geral estão na segunda turma. Destina-se aos integrantes dos movimentos sociais do campo, beneficiários da reforma agrária e que tenham ligação com a educação nos acampamentos e assentamentos. Yolanda apontou que os participantes são em especial militantes do MST. Logo nos primeiros assentamentos, informa ela, notou-se que a instituição da escola era fundamental para as crianças. A pesquisadora se propôs a interpretar o contexto dos cursos da Unioeste e viu que já existe um movimento com uma forte expansão na área das Licenciaturas de Educação do Campo. O interesse nesses cursos foi manifestado ao Ministério da Educação (MEC), com ênfase para a região Nordeste. Dela foram 13 das 24 propostas entre as instituições públicas de
ensino superior – para locais carentes de professores com capacitação nas escolas rurais. Os estudos voltados à Educação Rural, notou Yolanda, confirmam que a educação escolar seguiu a cultura e padrões urbanos em sua expansão, desconsiderando as questões sociais e os desafios do homem do campo. Permeava a ideia de que, para “pegar na enxada”, não era preciso estudo. A pesquisa sugeriu que os cursos universitários para a formação de educadores do campo contemplam especificidades da cultura do campo e constituem renovação pedagógica diante da Educação Rural até então mantida pelo Estado. Os novos cursos propõem recriação do conhecimento a partir dos saberes coletivos dos movimentos sociais. O motivo alegado para se buscar a formação universitária é a precariedade da educação do campo. Os jovens almejam a melhoria das escolas públicas do campo e a sobrevivência nos acampamentos e assentamentos. “E, para que possam lidar com a terra, precisam do conhecimento sistematizado: Sociologia, Geografia e ciências que auxiliem na lida com a terra e na sobrevivência do movimento”, pondera Yolanda. A qualificação de educadores foi muito citada pelos entrevistados.
Mas, mesmo com os esforços de luta, reivindicações e parcerias para que os militantes dos movimentos tenham a formação universitária, não há garantia de que eles continuarão trabalhando nas escolas ou no campo, realça a pedagoga.
Vertente O Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC, indicou que havia no Brasil em 2009 mais de 80 mil escolas de Educação Básica na área rural. Yolanda lamenta que elas tendam à nucleação, o que implicaria a retirada de muitas delas das comunidades rurais, transferidas para as sedes dos municípios. Há ainda questões estruturais como as condições das estradas rurais, do transporte dos alunos e, nas etapas iniciais do processo, adequação de horários e condicionamento para estudar longe das comunidades. O processo tem causado reações adversas nos movimentos sociais.
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Tese: “Cursos superiores universitários: formação de educadores do campo” Autora: Yolanda Zancanella Orientadora: Maria da Glória Gohn Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Individualismo permeia hábitos de morcegos, revela dissertação Fotos: Antoninho Perri/Divulgação
Estudo de bióloga demonstra que animais têm suas predileções palatais
S
MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
eres escondidos à luz do dia e senhores da noite. Somente por essa característica, os morcegos já instigam mitos, medos ou admiração. Apesar de ter apenas três espécies hematófagas numa lista de 172 distintas no Brasil, são temidos por “se alimentar de sangue”. Ao contrário dos mitos, esses mamíferos são pouco convencionais e, a julgar pela dieta diferenciada, têm hábitos individuais, segundo a bióloga Patrícia Kerches Rogeri, mestre pelo Instituto de Biologia (B) da Unicamp. Ao monitorar, por um sistema denominado radiotelemetria, 13 indivíduos de uma população do morcego frugívoro Sturnia lilium, presente em uma área fragmentada de cerrado em São Carlos (São Paulo), ela constatou que, assim como o ser humano, os animais têm suas predileções palatais, explorando espaços e recursos diversos para garantir sua sobrevivência. A pesquisa, que norteou a dissertação de mestrado apresentada por Patrícia no IB, teve como objetivo comprovar a existência de variação entre os indivíduos com relação à exploração do ambiente. Segundo Patrícia, a diferença no uso do ambiente por indivíduos de uma mesma espécie pode ter implicações ecológicas significativas, como na dispersão de sementes e na conservação de paisagens fragmentadas. Ao chegar a noite, os morcegos saíam da posição de repouso (de ponta cabeça), numa mesma área de mata ciliar, para garantir alimento, mas ao contrário do que diria a lenda, não iam em bandos, mas cada um voando individualmente, de acordo com os dados registrados em transmissores acoplados aos 13 indivíduos monitorados por Patrícia. Isso, segundo a pesquisadora, corrobora a hipótese de que os morcegos não saboreiam o mesmo fruto, adotando cada um sua própria dieta. A especialização pode estar relacionada à variedade de oferta de plantas no ambiente onde vivem. As sementes são dispersas durante a noite. Outra informação nova e importante é a de que enquanto alguns indivíduos têm um só destino, outros exploram todo o ambiente, alimentando-se de vários recursos. A autora observou que, enquanto dois indivíduos concentraram sua atividade em subáreas com maior ocorrência de Solanaceae (família do tomate), quatro procuravam subáreas ricas em Piperaceae (família da pimenta do reino), e apenas um explorava subáreas com maior densidade de Cecropiaceae (embaúba). “Foi possível observar que na mesma população existe um gradiente de um indivíduo que é mais especialista e de outro que é mais generalista”, informa.
Filhotes Além de ser o único grupo de mamíferos capazes de voar, de acordo com os registros da radiotelemetria, os morcegos utilizam amplas áreas e sobrevoam grandes distâncias em busca de seu alimento predileto. Outra hipótese, mas esta ainda sem confirmação, é de que os filhos aprendam com a mãe a escolher determinado trajeto ou recurso, pois é comum que as mães os carreguem, enquanto filhotes, durante a procura pelo alimento. “Quando estudamos a cadeia alimentar, aprendemos, por exemplo, que todos os grilos comem tal planta, o sapo, por sua vez, come o grilo, a cobra come o sapo. Mas será que todas as cobras comem sapos
Acima, transmissor é colocado em um dos 13 indivíduos monitorados, à esq., a área pesquisada, e à dir., mãe carrega filhote: morcegos sobrevoam grandes distâncias em busca de seu alimento predileto
e todos os sapos comem grilos? Esse é o diferencial do meu trabalho”, sustenta Patrícia. Estudar a dieta é relativamente mais simples, na opinião da bióloga, mas estudar o uso do espaço é mais complexo, pois envolve mapeamento, fixação de transmissor e acompanhamento das atividades. Nesse sentido, uma das contribuições da dissertação, acredita Patrícia, é a motivação de estudos que extrapolem a observação da dieta, considerando o ambiente como um todo. Os resultados, segundo a bióloga, mostram que a diferença na utilização das áreas pelos indivíduos pode estar relacionada à diferença na distribuição das plantas que cada um prefere. A história de Patrícia com os morcegos teve início na iniciação científica, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com o mapeamento de dispersão de sementes. A proposta foi avaliar se os indivíduos da população estudada levavam as sementes para locais bons para aquelas plantas. “As plantas dispersas por animais precisam contar com o serviço deles para que esse transporte seja bem-sucedido”, observa Patrícia. Por manterem trajetos diferentes, apesar de até dormirem na mesma árvore, eles acabam dispersando sementes em áreas diferentes. “O próximo passo do trabalho é saber se essa diferença implica diferença nas eficiências como dispersores, no nível individual. O que pode acontecer com as plantas? Os morcegos, como um todo, são dispersores eficientes. Mas será que todos os indivíduos são eficientes da mesma forma, isto é, levam sementes para locais bons para as plantas germinarem e se estabelecerem?”, antecipa. Algumas espécies frutíferas são consideradas pioneiras na sucessão da floresta, segundo Patrícia. “Quando há distúrbios nas florestas, como clareiras ou desmatamentos, algumas plantas têm condições de se desenvolver em ambientes mais inóspitos e, com isso, propiciar que outras plantas se desenvolvam lá também. E os morcegos são dispersores dessas plantas, chamadas de primárias Diante disso, eles são muito importantes para a regeneração da floresta”, explica. É preciso e porém, saber para onde as sementes são levadas, já que as plantas precisam de elementos ambientais essenciais para sobreviver. “Não adiantaria fazer dispersão de sementes no cimento, por exemplo,” pontua Patrícia.
Fragmentos Ao mostrar que os indivíduos utilizam diferentes áreas da paisagem, a dissertação questiona a preservação de seus fragmentos em detrimento de outros. Segundo Patrícia, um indivíduo que explorava um fragmento da paisagem, ora excluído, tende a ser prejudicado com essa prática. “De alguma forma, está sendo tirado um recurso que aquele indivíduo utilizava. A manutenção de um fragmento de uma área e não de outro pode selecionar indivíduos dentro da população e diminuir a variabilidade dentro dela com relação ao uso daquele recurso”, pontua. Além de frutos e sangue, existem morcegos que se alimentam de insetos, pólen e outros animais. Há muitos mitos a ser quebrados e os estudos permitem que a importância ecológica do morcego seja mais conhecida pelas pessoas. Patrícia lembra que, na cidade, eles têm papel importante no controle de pragas e também na polinização. De acordo com Patrícia, a radiotelemetria tem sido usada com frequência para determinar áreas de uso de uma espécie e tem se mostrado muito eficiente para isso, mesmo sendo muito trabalhoso. Segundo a pesquisadora, há pesquisas com roedores, aves e outros animais. Por exemplo, uma pesquisa realizada nas Bahamas com monitoramento de espécies de peixes importantes para a atividade pesqueira da região mostrou que, na época da cheia, os indivíduos da população estudada saem de suas piscinas naturais e buscam espaços diferentes para se alimentar.
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A bióloga Patrícia Kerches Rogeri: diferença no uso do ambiente por indivíduos de uma mesma espécie pode ter implicações ecológicas significativas
Dissertação: “Especialização individual no uso do espaço em morcegos frugívoros” Autora: Patrícia Kerches Rogeri Coorientador: Marco Aurelio Ribeiro de Mello Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
DESTAQUES do Portal da Unicamp
Unicamp e Canadá selam acordos Foto: Antoninho Perri
O�icialização de convênios contou com a presença de 30 reitores de instituições canadenses
Representantes da Unicamp e do Canadá em foto oficial feita na Casa do Professor Visitante: intercâmbios de docentes, estudantes e servidores técnicoadministrativos
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
LUIZ SUGIMOTO
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sugimoto@reitoria.unicamp.br
Unicamp assinou no último dia 28 nove convênios de cooperação com oito universidades canadenses. Os acordos, que terão vigência de até cinco anos, com possibilidade de renovação, estabelecem intercâmbios de docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos, além de colaborações em projetos educacionais e de pesquisa. A oficialização das parcerias ocorreu na sala do Conselho Universitário (Consu), e contou com a presença de 30 reitores de instituições de ensino do Canadá, além do governador-geral daquele país, David Johnston. Na sequência, foi realizado um painel no qual representantes da Unicamp e integrantes da missão estrangeira falaram sobre as oportunidades de novas colaborações entre os dois países, notadamente nas áreas da pesquisa e inovação. Os convênios firmados neste sábado foram com a McGill University, Dalhousie University, University of Victoria, Brock University, Simon Fraser University, York University, University of Manitoba e McMaster
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Painel da semana PIBID - A Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp, através da Subcomissão Permanente de Formação de Professores, organiza nos dias 14 e 15 de maio, no Centro de Convenções da Unicamp, o I Seminário e o II Encontro PIBID-Unicamp. Mais detalhes: http:// www.prg.unicamp.br/pibid/evento ou telefone 19-3521-4126. Semana de Enfermagem - Os Departamentos de Enfermagem do Hospital de Clínicas (HC) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e a Associação Brasileira de Enfermagem (Regional Campinas) promovem, de 14 a 18 de maio, a Semana de Enfermagem. As atividades acontecem no anfiteatro do HC (3º andar) e no auditório da FCM. O evento é apoiado pelo Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) e pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Enfermagem da FCM. Informações: 19-3521-4848 ou 3521-5101. Palestra com Andrea Bueno - O mundo azul está se tornando lilás? A questão será respondida no dia 16 de maio, por Andrea Bueno, vice-presidente de Supply Chain
University (dois termos). No âmbito científico, os acordos abrangem áreas consideradas estratégicas pelas instituições, como engenharias, humanidades, negócios, Biologia, Química e Ciência da Saúde, entre outros. Na abertura dos trabalhos, o reitor da Unicamp, professor Fernando Ferreira Costa, fez uma breve apresentação da Universidade aos visitantes. Fernando Costa destacou o grande esforço de internacionalização que a instituição tem feito nos últimos anos, com vistas à qualificação das suas atividades. “O momento não poderia ser mais oportuno para receber uma delegação tão seleta quanto esta do Canadá. Estamos convencidos de que os acordos que assinamos hoje trarão grandes benefícios para as instituições envolvidas”, previu. O governadorgeral do Canadá concordou com a visão do reitor da Unicamp. Segundo ele, Brasil e Canadá têm muito a oferecer um ao outro. “Eu acredito no trabalho cooperado. Penso que temos uma agenda positiva no sentido de estabelecer novas colaborações. Saio daqui com um profundo respeito pelo seu país”, disse.
Para Gary Goodyear, ministro da Ciência e Tecnologia do Canadá, os resultados dos acordos assinados no Brasil, entre eles os firmados com a Unicamp, “deverão proporcionar grandes benefícios para empresas que buscam crescer por meio da inovação, bem como maior qualidade de vida aos nossos cidadãos, através da criação de empregos de alta qualidade, crescimento econômico e prosperidade em longo prazo”. O diretor geral da École de Technologie Supérieure, Yves Beauchamp, afirmou que as parcerias estabelecidas com o Brasil são importantes não somente pela quantidade, mas principalmente pela qualidade. “Tenho certeza que chegaremos a bons resultados”, adiantou. “Vale lembrar que essas parcerias entre Brasil e Canadá serão importantes também para a troca de experiências no campo social, tema de grande interesse para os dois países”, acrescentou o reitor da McMaster University, Patrick Deane.
da América Latina da L’oreal. Ela profere palestra, às 12h30, na Sala da Congregação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC). A organização é do Grupo IEEE de Mulheres na Engenharia. O evento é aberto ao público em geral. Mais detalhes: 19-9702-1108 ou site http://ewh. ieee.org/r9/south_brazil/wie/
maio, às 14 horas, na sala de seminários do IFGW. - “Estratégias computacionais para escolha de monõmeros funcionais para síntese de polímeros molecularmente impressos (MIP)” (mestrado). Candidato: Francisco Alírio Almeida Gomes. Orientador: professor Douglas Soares Galvão. Dia 15 de maio de 2012, às 10 horas, na Sala de Seminários do IFGW. Humanas - “A lógica de Aristóteles: problemas interpretativos e abordagens contemporâneas dos ‘Primeiros Analíticos’” (doutorado). Candidato: Mateus Ricardo Fernandes Ferreira. Orientador: professor Lucas Angioni. Dia 17 de maio, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IFCH. Linguagem - “Práticas sociais de letramento no acampamento Lourival da Costa Santana: representações e construção de identidades em discursos de adultos não alfabetizados” (mestrado). Candidata: Maria Cristina Macedo Alencar. Orientadora: professora Roxane Helena Rodrigues Rojo. Dia 17 de maio, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Odontologia - “Precisão do posicionamento maxilar em cirurgias bimaxilares utilizando sequência cirúrgica convencional e sequência invertida” (doutorado). Candidato: Fabio Gambôa Ritto. Orientador: professor Marcio de Moraes. Dia 15 de maio, às 14 horas, na FOP. - “Ação do ácido undecilênico liberado por material reembasador sobre os biofilmes de cândida albicans ou candida glabrata “(mestrado). Candidata: Leticia Machado Gonçalves. Orientador: professor Wander José da Silva. Dia 18 de maio de 2012, às14 horas, na Congregação da FOP. Matemática, Estatística e Computação Científica – Modelos matemáticos de emergência na organização social para ação coletiva: forrageamento de formigas” (mestrado). Candidata: Marcela Reinecke Bonin. Orientador: professor Wilson Castro Ferreira Junior. Dia 18 de maio, às 10 horas, na sala 121 do Imecc. - “Geometria e topologia de Cobordos” (doutorado). Candidato: Llohann Dallagnol Sperança. Orientador: professor Alcibiades Rigas. Dia 18 de maio, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.
Tese da semana Teses de 7 a 13/5 Física - “Impacto de estações irregulares sobre a reconstrução de eventos do observatório Pierre Auger” (mestrado). Candidato: Bruno Daniel. Orientador: professor Ernesto Kemp. Dia 7 de maio, às 14 horas, no auditório do IFGW. Matemática, Estatística Computação Cientifica - “Um estudo de reticulados qários com a métrica da soma” (mestrado). Candidata: Luciana Yoshie Tsuchiya. Orientadora: professora Sueli Irene Rodrigues Costa. Dia 11 de maio, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. Teses de 14 a 20/5 Artes - “A primazia da palavra e o refúgio da memória: O cinema de Eduardo Coutinho” (doutorado). Candidato: Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues. Orientador: professor Francisco Elinaldo Teixeira. Dia 17 de maio, às 9h30, na Sala 3 da Pós-graduação do IA. Biologia - “O papel da Interleucina-1β produzida no Gânglio da Raiz Dorsal no desenvolvimento da Hiperalgesia Inflamatória” (doutorado). Candidata: Dionéia Araldi. Orientador: professor Carlos Amilcar Parada. Dia 14 de maio 2012, às 9 horas, na sala de defesa de teses do IB. Economia - “Gênero e trabalho na Tanzânia Contemporânea” (mestrado). Candidato: Hawa Mchafu. Orientador: professor Carlos Salas Páez. Dia 16 de maio, às 17 horas, na sala 23 do Pavilhão da da Pósgraduação do IE. Física - “O campo eletromagnético quantizado acoplado a um oscilador mecânico submetido a ruído” (mestrado). Candidato: Maicon Zaniboni Siqueira. Orientador: professor Antonio Vidiella Barranco. Dia 14 de
Governador-geral O governador-geral do Canadá, David Johnston, reservou o seu último dia de visita oficial ao Brasil para vir
conhecer a Unicamp, sendo recebido pelo reitor Fernando Costa, e também o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. À frente de uma delegação de 30 reitores de instituições de ensino e pesquisa, considerada a maior missão acadêmica canadense já organizada e que chegou no dia 22 ao país, o chefe de Estado ministrou palestra sobre “Transferência de pesquisa universitária para o setor privado visando criar comunidades inovadoras”, na sala lotada do Consu. Antes, David Johnston participou de uma cerimônia mais reservada com o reitor Fernando Costa, quando foi convidado a assinar o Livro de Ouro da Unicamp. E, em rápida entrevista, comentou a expectativa que leva para o Canadá depois desta semana de atividades intensas. “Quero aprender bem mais sobre o Brasil e espero muita colaboração na área de ciência entre os dois países. Temos muito em comum e seria bastante proveitoso nos unirmos para um ajudar o outro”, disse, acrescentando sobre esta visita em particular: “A Unicamp é uma universidade extraordinária, muito jovem, mas que já realizou grandes feitos acadêmicos. Espero uma ótima
colaboração”. O governador-geral do Canadá veio acompanhado de Diane Ablonczy, ministra de Relações Exteriores, e Gary Goodyear, ministro de Ciência e Tecnologia. Seu primeiro compromisso oficial foi com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília, no dia 22, quando anunciou a aceitação pelo Canadá de 12 mil bolsistas brasileiros no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras. No dia seguinte, encontrou-se com a delegação de reitores canadenses no Rio de Janeiro e abriu a Conferência das Américas sobre Educação Internacional. Em São Paulo no dia 16, Johnston deu palestra na Fapesp sobre “Parcerias Brasil-Canadá e o aprimoramento do ecossistema de inovação”, que foi seguida de um painel para discutir capacidades e oportunidades de colaboração institucional. Na sexta-feira, 27, o chefe de Estado participou com os reitores canadenses do Fórum de Nações Inovadoras e, no final da tarde, fez visita de cortesia ao governador Geraldo Alckmin, antes de recepcionar os primeiros bolsistas do Ciência sem Fronteiras que estão indo para o Canadá.
Livro
da semana Registro
Crônicas da Belle Époque carioca Autor: Olavo Bilac Organização, introdução e notas: Alvaro Santos Simões Jr. Ficha técnica: 1a edição, 2011; 496 pág.; formato 16 x 23 cm; peso 0,720 kg ISBN: 978-85-268- 0954-3 Área de interesse: Literatura Preço: R$ 40,00 Sinopse: Sinopse: Este volume reúne crônicas publicadas por Olavo Bilac (1865-1918) no vespertino carioca A notícia, de 1900 a 1908. Graças ao cuidadoso trabalho de Alvaro Santos Simões Junior, é possível conhecer uma faceta ainda pouco valorizada do poeta parnasiano. Em estilo seguro, claro e elegante, vai-se configurando, ao longo de quase uma década, um sugestivo e nuançado quadro do Rio de Janeiro do início do século XX. Conhecido pela sua habilidade de tornear versos que se tornaram antológicos, Bilac demonstra que, ao dedicar-se intensamente ao jornalismo, não ficou alheio às questões de seu tempo. O ensaio introdutório do organizador, neste sentido, é iluminador, ao explicar as diversas
facetas dos textos e ponderar sobre suas implicações na obra do poeta. Autor: Olavo Bilac é autor de Poesias (1888, ed. definitiva e ampl. em 1902), Conferências literárias (1906) e Ironia e piedade (1916), entre outras obras. Parte representativa de sua vasta produção jornalística encontra-se recolhida por Antonio Dimas em Bilac, o jornalista (Editora da Unicamp / Edusp / Imesp, 2006). Organizador: Alvaro Santos Simões Junior é professor de literatura brasileira na Unesp (campus de Assis) e pesquisador do CNPq. Publicou A sátira do Parnaso (2007) e organizou a coletânea de ensaios Intelectuais e imprensa (2010).
Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
Pedro Biffi, o funcionário que povoou o IE de árvores
Foto: Antonio Scarpinetti
Secretário da Pós do Instituto faz as vezes de ‘jardineiro’ desde 1985
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MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
alma “ecobotânica” fez com que Pedro Antonio Biffi sentisse falta dos pássaros como companheiros de trabalho no ambiente do então jovem Instituto de Economia (IE) da Unicamp, em 1985. Ao chegar ao IE, em 1985, aprovado em concurso público para o cargo de oficial de administração, deparou com fileiras intermináveis de pés de eucalipto, mas faltavam plantas frutíferas que atraíssem algumas aves cantadoras para acompanhar as longas horas de trabalho. Diante disso, assumiu a jardinagem como uma segunda missão durante sua trajetória de 27 anos no IE. Em horário contrário ao expediente, começou imediatamente a plantar várias mudas de árvores frutíferas, entre as quais estão cerejas, nêsperas, amoras, pitangas e jambos amarelos, com o intuito de aumentar a fauna local. “Nunca gostei de pássaros na gaiola. Acho que podemos tê-los perto de nós com liberdade”, pontua o secretário de apoio à Pós-Graduação do IE. Hoje, a comunidade do IE agradece. Durante a entrevista, Pedro pede licença para atender ao telefone e é surpreendido com a pergunta do interlocutor, que relatava as características de alguns pássaros entre os galhos de uma paineira. Sem titubear, Pedro responde, rapidamente, que são periquitos, pois adoram passear e fazer das sementes seu alimento predileto. Esta foi apenas uma demonstração das orientações constantemente dadas a funcionários, estudantes e professores de sua unidade. O tempo de permanência possibilitou o plantio de 111 árvores, que dada a diversidade atrai diversas espécies de pássaros. Pedro encontrou no IE sua segunda casa, onde diz ter uma convivência gostosa com professores, alunos e funcionários. “Nunca pensei em mudar para outro instituto; tenho comigo uma filosofia de que não faz muito sentido mudar, pois o tempo amadurece a convivência. A pessoa faz seu ambiente”, acentua. Mais que se realizar com a jardinagem do IE e de sua atual casa, na cidade de Americana (SP), onde também é responsável pelo cuidado com as plantas, Pedro almeja um ambiente saudável, onde as pessoas possam respirar ar puro, como aquele deixado em Birigui, onde nasceu e cresceu com a família na zona rural. A sabedoria herdou no campo, onde aprendeu a preservar a natureza e escolher o que ficaria bem na mesa do almoço e do jantar. Os pais sempre incentivaram seus dez filhos a se dedicar ao cultivo de árvores frutíferas e de hortaliças. Uma lembrança muito viva é a exigência do pai pelo consumo diário de mamão. “Em casa não podia faltar fruta”, recorda, esboçando um sorriso.
Doações Se alguém ousa perguntar o preço de determinada muda, ele prontamente responde: “Tenho prazer de fazê-las e doar. Se você levar e tornar o ambiente mais saudável, já me sinto recompensado”. Se um dia os filhos dessas pessoas que vêm aqui pedir muda puderem respirar ar puro, um pouquinho
Pedro Antonio Biffi caminha entre as árvores do Instituto: “A pessoa faz seu ambiente”
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que seja, será graças à iniciativa deles de plantarem mais árvores e, por consequência, atraírem a fauna, na opinião de Pedro. O funcionário tem clientela cativa, inclusive um docente do instituto conta com suas mãos sábias para arborizar uma área. Alunos da moradia estudantil também aprimoram o ambiente externo com as mudas doadas por Pedro. As mudas são procuradas por estudantes de vários cursos, segundo o funcionário. Formado em letras e pedagogia pela faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Lins, interior de São Paulo, Pedro sempre estimulou em seus alunos a preocupação com o ambiente onde vivem. “A escola deve discutir sobre preservação ambiental. Não é preciso ter uma disciplina específica para discutir questões ambientais no ensino médio. Com boa vontade, o professor pode dar embasamento teórico e prático sobre ecossistema e ambiente”, afirma. A preocupação com o ecossistema fez com que Pedro recortasse de grandes jornais brasileiros flagrantes de pessoas jogando objetos nos rios, inclusive aparelhos de tevê, para usar como ilustração em busca de conscientização de seus alunos. O técnico acredita que entre os adultos, a conscientização está melhorando, mas ainda precisa ser ampliada. Ele mesmo, em seu bairro, em Americana, se surpreende com pessoas limpando a calçada e a sarjeta com água tratada, em vez de vassoura. Ou até mesmo pessoas lavando calçada protegidas por um guarda-chuva. Preocupado com o futuro dos recursos naturais, Pedro questiona: “Você já parou para pensar que seu neto pode sentir falta dessa água quando tiver sua idade?” Evidentemente, o vizinho não gostou, mas passou a varrer a calçada. A caminho de casa ou do trabalho, sempre observa as pessoas jogando o lixo da calçada em bueiros ou boca-de-lobos. “Depois aparecem em reportagem reclamando que a água invadiu a casa”, questiona Pedro. É impossível evitar a confusão. Muitas vezes foi chamado de jardineiro por funcionários novos do instituto. “Como sempre chego antes do horário de expediente, começo a cuidar das plantas. Um dia, um segurança novato não sabia orientar alguns visitantes sobre a localização do auditório e orientou-os a pedir informações ao jardineiro.” Confusão que ele não faz questão de desfazer, pois é tratada naturalmente por ele. Mas a “dupla personalidade” também revela o preconceito velado de algumas pessoas. Certo dia, exercendo as funções de “jardineiro”, encontrou um pós-graduando com o qual se relacionava muito bem como responsável pela secretaria de apoio, mas este não emitiu nem um bom-dia. “Percebi que as pessoas ainda têm preconceito com certas profissões. Ele nem imaginou que o ‘jardineiro’ pudesse ser um amigo dele”, pontua.
Rosas Mas como até para as boas amizades é preciso estabelecer limites, que ninguém no tão hospitaleiro Instituto de Economia ouse tocar nas roseiras ou nas flores da espirradeira. Um dia, o desejo de um aluno de presentear a namorada com uma linda rosa foi frustrado por uma funcionária, amiga de Pedro. “Não deixe que o Pedro o veja tocando nas rosas”, relembra o secretário. Além de plantar, Pedro também se dedicou a cuidar da vegetação já existente antes de sua chegada. Na longa história com esses vislumbrantes seres vivos somente de uma coisa se ressente: ainda não conseguiu experimentar gabiroba bem madura, como sugere o cancioneiro brasileiro na música “Nas penas do tiê”. A árvore cresce portentosa, mas ainda não deu frutos, como prometera o fornecedor da muda. “O importante é que é uma árvore bonita e ajuda a ornamentar e melhorar a qualidade ambiental”. De longe, é possível observar que o IE, além da excelência acadêmica, tem uma paisagem privilegiada ao redor e em seu interior. Uma paisagem na qual ainda é possível olhar pela janela e avistar um colorido de rosas vermelhas e espirradeiras rosas e brancas. Agora todos sabem de quem são as mãos generosas que “pintaram” este quadro: do secretário-jardineiro.
12 Jornal daUnicamp Campinas, 14 a 20 de maio de 2012
Foto: Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae)/IEL
HILDA FURACÃO? A escritora Hilda Hilst na sala de sua casa, em Campinas: desassossego com a condição humana Foto: Antonio Scarpinetti
SILVIO ANUNCIAÇÃO
U
silviojp@reitoria.unicamp.br
ma série de entrevistas concedidas pela escritora Hilda Hilst (1930-2004) foi objeto de análise do pesquisador Cristiano Diniz para fundamentar sua dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O estudo mostra que a imagem de uma Hilda excêntrica e despreocupada com etiquetas sociais reflete justamente o momento de uma escritora cansada. Foram quase cinco décadas de produção poética e três de prosa ficcional, além de oito peças teatrais e um conjunto de crônicas publicadas no jornal Correio Popular, de Campinas, entre 1992 e 1995. Hilda Hilst tornou-se reconhecida pela crítica literária como uma das mais importantes escritoras contemporâneas do país. A partir da investigação de mais de uma dúzia de entrevistas concedidas pela escritora entre 1950 e 2003, o pesquisador Cristiano Diniz sustenta que Hilda esteve desde sempre interessada em provocar, mas no sentido de despertar a sensibilidade do leitor por meio da sua poesia e literatura. É no final dos anos de 1990 que a obra da escritora se volta à produção tida por alguns críticos como pornográfica ou erótica. Essa produção, explica o estudioso, é associada a um suposto comportamento obsceno e agressivo da escritora, formando uma imagem oposta à da Hilda dos anos 1960 e 1970. “A década de 1990 é justamente o momento das entrevistas em que Hilst não está mais a fim de conversar. Ela é muito evasiva, os entrevistadores perguntam, ela muda de assunto, faz brincadeira, conta uma piada, fala um palavrão para desconcertar. É uma imagem muito diferente da cultivada nas décadas de 1960 e 1970, em que Hilda tem a preocupação de tentar dizer para o público leitor a sua intenção de passar uma mensagem com a literatura. Ela estava querendo provocar, mas não nesse sentido de provocar que ficou conhecida no final de sua vida – uma provocação ‘pornográfica’, vamos dizer assim. Mas uma provocação o tempo todo chamando a atenção de que a sua literatura está interessada em abrir um canal para a sensibilidade, que na visão dela estava completamente perdida”, opina o pesquisador. Hilda Hilst demonstra também em suas entrevistas a luta contra o que chama de “banalização da vida humana”, amplia Diniz. “A
O sociólogo Cristiano Diniz, autor da dissertação: “Hilda soube criar um discurso sobre si e sobre sua obra”
Segunda Guerra foi deflagrada na sua adolescência. Depois, percebe-se, nos seus escritos, que ela está atenta e preocupada com a Guerra do Vietnã e outros conflitos e violências na sociedade. Ela também está atenta à agressividade do homem com os animais, vendo estes como seres indefesos em meio à crueldade humana. O núcleo central da sua literatura é justamente desenvolver uma sensibilidade poética para que os leitores observassem a vida e a relação humana de uma maneira mais sensível, não tão banal e automática. Só que esta não é a imagem que ficou de Hilda”, lamenta. Para o seu estudo, o cientista selecionou 17 entrevistas representativas de cada período da vida de Hilda, entre cerca de cem concedidas pela escritora. O interesse foi mapear o discurso sobre ela mesma e sua obra, compondo as construções imagéticas em torno de sua figura. Nesse sentido, ressalta Diniz, sua pesquisa traz elementos inéditos porque não se deteve na análise da obra hilstiana como a maioria dos trabalhos acadêmicos. “A escritora tem um percurso longo dentro da literatura. Ela começa em 1950 e vai até o final dos anos 1990 escrevendo. E, desde cedo, já em 1952, ela começa a dar entrevistas. Ao ler uma sequência dessas entrevistas percebe-se que ela soube criar um discurso sobre si e sobre sua obra”, justifica. O pesquisador foi orientado pelo docente do IEL Eric Mitchell Sabinson, que pontua sobre a importância da obra de Hilst. “Ela vai além do modernismo brasileiro, com métodos de fluxo de consciência extremamente avançados e uma temática mais abrangente e audaz. Questões de estilo e de temática
presentes em sua obra tornam Hilda Hilst, a meu ver, o autor brasileiro mais significativo e interessante, sem rivais a partir dos anos 1970”.
Reconhecimento tardio Os trabalhos acadêmicos sobre Hilda Hilst tiveram um crescimento, sobretudo após a morte da escritora, em abril de 2004. Mas somente em 1989 tem-se a primeira publicação acadêmica sobre a sua obra, assegura Cristiano Diniz. “Para uma escritora atuante desde os anos 1950, isso já é muito tardio. Desde o incremento das pesquisas até agora, foram mais de 80 trabalhos acadêmicos sobre Hilda. Pelo levantamento que fiz junto à Plataforma Lattes, da Capes, existem muitos trabalhos em andamento, tanto de mestrado como de doutorado. Academicamente, pode-se dizer que obra e trajetória tiveram reconhecimento”, analisa. Já em relação ao mercado editorial e de leitores, o pesquisador afirma que o reconhecimento ainda está longe, embora o relançamento das Obras reunidas de Hilda Hilst (Editora Globo) seja merecedor de destaque. O trabalho foi coordenado pelo crítico e docente do IEL Alcir Pécora, referência em estudos sobre a escritora. “O professor Pécora foi membro da minha banca, fazendo sugestões valiosas à pesquisa. Além disso, ele me colocou em contato com a Editora Globo, me convidando a trabalhar no final do projeto de reedição. Fiz o estabelecimento do Teatro completo de Hilda Hilst, partindo das versões manuscritas que temos na Unicamp. Depois, escrevi junto com duas de suas orientandas – as pesquisadoras Luisa Destri e Sonia Purceno – para o
livro Por que ler Hilda Hilst, que ele organizou para a Globo”, revela.
Provocação “Paris era bom quando eu @§#!$...”, o título utilizado por Cristiano Diniz em sua dissertação, foi uma das pérolas extraídas de uma entrevista dada por Hilda Hilst para a revista Cult em 1998. O elemento gráfico usado no título para ocultar uma palavra que “não poderia ser dita” é, segundo o autor, uma provocação à crítica literária. “O título tem ‘o que não se pode dizer’, que é uma tentativa de sintetizar também o pensar de Hilda dentro da academia. É uma provocação à crítica literária. Quando, por exemplo, os críticos vão analisar um trecho obsceno da obra da Hilda, eles fazem todo um rodeio para não usarem os termos que a escritora usou. Há, implícita, a carga de pudor. A própria Hilda narra em algumas entrevistas a relação dela com a academia, de momentos em que ela falava o que vinha à cabeça e chamavam a sua atenção, dizendo: ‘Hilda, aqui você não pode dizer isso, aqui você está dentro da academia’”, conta. Além disso, segundo Diniz, o título também expressa a relação de algo que passou e não foi aproveitado. São uma constante nas entrevistas de Hilda Hilst suas queixas por não ter sido reconhecida enquanto jovem. “Mesmo quando a Editora Globo faz a reedição de toda a sua obra, tem entrevistadores que falam: ‘Bom, enfim, né Hilda, agora você vai ser totalmente publicada, agora sim chegou o reconhecimento, você está feliz?’ E ela respondia: ‘Mas chegou tarde.’ Tem a ver justamente com esse cansaço de brigar, de escrever poesia, de escrever teatro, de escrever prosa
de ficção, de escrever crônicas e ter esta certa mágoa de nem mesmo a crítica se posicionar”, lembra.
Onde tudo começou Em 2004, o profissional de arquivos Cristiano Diniz era um dos responsáveis na Unicamp pela organização do acervo documental de apenas mais uma escritora importante para ele. Agora, o que era uma escritora importante, tornou-se Hilda Hilst. Foi naquele ano, durante uma rotina de trabalho no Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae) do IEL, que Diniz teve contato, pela primeira vez, com a obra e a história da escritora. O fato despertou o interesse do cientista social formado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “A pesquisa começou com este contato com a massa documental. Eu não conhecia a obra de Hilda até então. Comecei a trabalhar com a documentação justamente no ano de falecimento da Hilda”, lembra. “Considero-me privilegiadíssimo porque fui o responsável pela organização do acervo da escritora no Cedae”, reconhece. O Cedae detém o “Fundo Hilda Hilst”, um arquivo pessoal da escritora que está disponível a pesquisadores de todo o mundo. “É uma documentação riquíssima em correspondências, manuscritos, agendas em formato de diários e anotações de leitura. Foi esse material que despertou o meu interesse pela Hilda”, evoca Diniz. No momento, ele trabalha na inserção dos materiais da escritora na base de dados arquivística da Unicamp (Sahu), que fornece acesso eletrônico ao patrimônio documental da Universidade. A partir de 1982, Hilda Hilst, que morava em Campinas, integrou o Programa Artista Residente, do Núcleo de Desenvolvimento Cultural (Nudecri) da Unicamp. Entre os anos de 1986 e 1988, ela foi responsável na Unicamp pelo Laboratório de Textos do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes (IA). O pesquisador também utilizou para sua dissertação materiais abrigados na biblioteca do IEL, no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), do IFCH, na biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), e no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Dissertação: “Paris era bom quando eu @§#!$...” Autor: Cristiano Diniz Orientador: Eric Mitchell Sabinson Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
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