EC IA L ES P ED IÇ ÃO
Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju
Campinas, 11 a 17 de junho de 2012 - ANO XXVI - Nº 529 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
entre as
melhores
50
IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Foto: Antoninho Perri
com menos de
Rankings do Times Higher Education (THE) e da Quacquarelli Symonds (QS), ambos divulgados no final de maio, colocam a Unicamp entre as 50 melhores universidades do mundo no âmbito das instituições com menos de 50 anos.
Laboratório no Instituto de Física “Gleb Wataghin”: qualidade das pesquisas desenvolvidas na Universidade pesou nos dois rankings
Antonio Félix Duarte Carlos Henrique de Brito Cruz Carol Collins Carlos Vogt Doris Kowaltowski Francisco Magalhães Gomes Elizabeth Balbachevsky Euclides de Mesquita Neto Fernando Ferreira Costa Hermano Tavares João Luiz de Carvalho Pinto e Silva João Frederico da Costa Azevedo Meyer Jocimar Archangelo José Ellis Ripper Filho José Martins Filho José Tadeu Jorge Marcelo Knobel Maurício Kleinke Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Phil Baty Renato H. L. Pedrosa Rogério Antunes Pereira Filho Rogério Cezar de Cerqueira Leite Ronaldo Aloise Pilli Roy Bruns Simon Schwartzman
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Campinas, 11 a 17 de junho de 2012 Foto: Felipe Christ
No grupo de elite da
nova geração Unicamp figura entre as 50 melhores universidades com menos de 50 anos em dois rankings internacionais
O reitor Fernando Costa: “A capacidade de inovar e procurar novos caminhos são aspectos peculiares da Unicamp” DENIZE ASSIS Especial para o JU
ois dos mais prestigiosos rankings internacionais de avaliação sobre educação no ensino superior, do Times Higher Education (THE) e da Quacquarelli Symonds (QS), classificaram a Unicamp entre as cem melhores universidades jovens do mundo, com menos de 50 anos. No ranking da QS, divulgado dia 29 de maio, a Unicamp, de 46 anos, ocupa a 22ª posição e é a única instituição da América Latina a constar no grupo de elite. No THE, publicado em 30 de maio, a Universidade figurou na 44ª posição. Nesta classificação, também consta a Unesp (Universidade Estadual Paulista), de 36 anos, em 99ª. As duas instituições são as únicas brasileiras e latino-americanas a aparecer. A Rússia e outros países emergentes, como Índia, ficaram de fora. Os dois institutos adotam critérios diferentes. Enquanto no THE a pesquisa tem peso maior, na QS conta mais a reputação de uma universidade no meio acadêmico mundial. Nas avaliações é considerado o desempenho das instituições em diferentes indicadores, entre os quais número de alunos, demanda em processos seletivos, número de artigos publicados, número de teses produzidas, satisfação de estudantes, prêmios recebidos por seus pesquisadores ou ex-alunos, prestação de serviços e transferência de tecnologia (patentes e licenciamentos). O reitor da Unicamp, Fernando Ferreira Costa, comemora o fato de a Uni-
camp estar entre a elite da nova geração de universidades globais. Para Costa, a produção científica e a capacidade de inovação contaram muito para que a instituição pudesse alcançar êxito em tão poucos anos de existência. O reitor ressalta que a Unicamp tem que continuar a incrementar as características que a marcaram desde a sua fundação. “Procurar, de maneira intensiva, buscar os melhores professores no Brasil e no exterior. Buscar os melhores alunos e as condições para que ocorram inovações que dificilmente ocorreriam em universidades tradicionais do País”, diz. A Unicamp tem 98% do seu corpo docente com doutorado, condição que atrai excelentes alunos. Seu programa de pós-graduação obteve a melhor média de todas as universidades brasileiras. Anualmente, são formados 800 doutores e 1,2 mil mestres. Entre os artigos publicados em revistas indexadas no país, 8% são oriundos da Unicamp, o que faz da instituição a mais produtiva no Brasil, quando a produção é calculada em relação ao número de docentes. Fernando Costa afirma que, para continuar a galgar o caminho da excelência, é fundamental que a Unicamp acompanhe as mudanças que ocorrem no ensino superior no mundo. De acordo com o reitor, também é importante intensificar o grau de internacionalização, com intercâmbio de alunos e pesquisadores e aumentar a atração de estudantes estrangeiros para realizar cursos completos na Unicamp. “Isto é o que caracteriza uma universidade moderna, de classe mundial e que faz com que a produção científica seja comparada à das melhores instituições de ensino”, afirma o reitor. Ademais, acentua, também é necessário manter e aumentar a interação com a sociedade, principalmente com o setor
produtivo, com empresas privadas e públicas, bem como com o setor público. Segundo Costa, os alunos precisam ser incentivados a participar da inovação em empresas juniores e, desta forma, incrementar a possibilidade de empreendedorismo, mesmo na graduação. Para ele, a trajetória da Unicamp mostra que, apesar das dificuldades da universidade brasileira em relação a problemas de governança, é possível fazer com que objetivos principais, como atrair bons professores, excelentes servidores e os melhores alunos, sejam atingidos. Esta trajetória, conforme explica, mostra ainda que é possível atrair bons alunos com base no mérito, mas também contemplando a diversidade. Como exemplo, ele cita o ProFIS (Programa de Formação Interdisciplinar Superior), programa de seleção que leva em conta o mérito e também a diversidade social das escolas públicas. “São aspectos peculiares da nossa Universidade a capacidade de inovar e procurar novos caminhos que precisam ser mantidos, como os critérios de avaliação dos professores”, ressalta o reitor. A Unicamp exige de todos os docentes relatórios a cada três, quatro ou cinco anos, para avaliar o desempenho nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, que são julgados em diversas instâncias. Entre os desafios que se apresentam para que a Unicamp avance em grau de internacionalização e se torne uma universidade de classe mundial, Costa comenta que é necessário disponibilizar cursos em língua inglesa não só na área de pós-graduação, mas também na graduação, sem prejuízo do ensino em português, “oferecendo oportunidades para que alunos do mundo inteiro possam vir estudar aqui”.
UNICAMP EM NÚMEROS INFORMAÇÕES GERAIS
Recursos (R$) 2.272.727.757 Orçamentários (R$)1.694.562.173 Extra-Orçamentários (R$) 578.165.584 Campi 6 Unidades e Outros Órgãos 75 Unidades de Ensino e Pesquisa 22 Hospitais 3 Centros e Núcleos Interdisciplinares 21 Colégios Técnicos 2 Bibliotecas 27 Área Física Total 3.518.602 m2 Área Construída 626.597 m2
RECURSOS HUMANOS
ATIVOS 10.019 Docentes - Carreira MS 1.727 Docentes - Outras Carreiras 298 Não Docentes 7.994 APOSENTADOS 3.185 Docentes - Carreira MS 965 Docentes - Outras Carreiras 121 Não Docentes 2.099 TITULAÇÃO DOCENTES ATIVOS Porcentagem de MS - Doutores ou acima 98%
GRADUAÇÃO
NÚMERO DE CURSOS (opção por ingresso) 66 Diurno 42 Noturno 24 Vagas na Graduação 3.320 Vagas no Vestibular - Noturno 1.140 ALUNOS MATRICULADOS (inclui os especiais) 17.650 Formados 2.284 Taxa de Evasão 8,38%
PÓS-GRADUAÇÃO
NÚMERO DE CURSOS 142 Mestrado 66 Doutorado 60 Especialização 16 ALUNOS MATRICULADOS 26.869 Mestrado 5.322 Doutorado 5.779 Especialização 12.337 Especiais 3.431 CONCLUINTES 2.671 Dissertações de Mestrado 1.354 Teses de Doutorado 818 Especialização 499
PRODUÇÃO CIENTÍFICA E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Linhas de Pesquisa 1.056 Projetos com Financiamento 5.382 Produções 23.466 Livros Publicados 183 Artigos Publicados em Periódicos 4.473 Capítulos de Livros Publicados 1.027 Trabalhos Completos Publicados em Anais de Congressos 1.869 Resumos Publicados 3.739 Publicações Indexadas (ISI-EUA) 2.981
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - ÁREA DE SAÚDE Número de Leitos 858 Internações 36.687 Consultas Atendidas 859.745 Intervenções Cirúrgicas 55.409 Partos 5.053 Imagenologia 298.379 Procedimentos Odontológicos 182.989 Exames Laboratoriais 5.364.668
PROGRAMA DE BOLSAS E ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL
Programa de Apoio Didático - PAD/Auxílios* 935 Programa de Estágio Docente - PED/Auxílios * 1.488 Bolsas de Iniciação Científica ** 1.410 Bolsa Auxílio Social 833 Bolsa Pesquisa 244 Bolsa Alimentação e Transporte 508 Bolsa Emergência 344 Bolsa Auxílio Moradia (FCA/FOP/FT) 210 Bolsas Oferecidas por Agências de Fomento (CAPES/CNPq/FAPESP) 4.385 Mestrado 2.198 Doutorado 2.637 Moradia Estudantil - Número de Moradores 1.087 *Somatório do 1º e 2º Semestres ** Inclui Bolsa Pesquisa
PUBLICAÇÕES EDITADAS Obras editadas/títulos 67 Tiragem 79.720 Edição Própria 64.720 Coedição 15.000
Fonte: Anuário Estatístico da Unicamp de 2012 - Base de dados 2011 | Veja em: www.aeplan.unicamp.br
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali
Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab (kassab@reitoria.unicamp.br) Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos (kel@unicamp.br) Reportagem Carmo Gallo Neto Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografia Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Felipe Barreto e Patrícia Lauretti Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju
ARTIGO Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
Unicamp, um modelo FERNANDO F. COSTA ois tipos de classificação sobre as melhores universidades do mundo criadas há no máximo 50 anos, divulgados no final de maio, merecem atenção e análise. No primeiro, elaborado pela Quacquarelli Symonds (QS), e que relacionou as “top 50 under 50”, a Unicamp é a única brasileira a aparecer na lista, ocupando o 22º lugar. No segundo, desenvolvido pelo Times Higher Education (THE), com a lista das “top 100 under 50”, a Unicamp aparece na 44ª posição no contexto global e em 1º na América Latina. No ranking do THE, além da Unicamp, também está relacionada a Universidade Estadual Paulista (Unesp), na 99ª colocação. Não obstante as diversas limitações e problemas existentes em classificações desse tipo, as posições alcançadas pela Unicamp são relevantes e significativas. Não por acaso, os primeiros lugares são dominados por universidades asiáticas, uma vez que os países daquela região têm levado a efeito pesados investimentos em educação nas últimas décadas. É importante, porém, saber quais qualidades levaram as instituições brasileiras, em especial a Unicamp, a figurar num círculo restrito de universidades de classe mundial. No caso da Unicamp, pesaram fortemente na indicação a qualidade da educação na graduação e pós-graduação, a densidade de seus programas de pesquisa, a inserção internacional de seus pesquisadores e a capacidade de inovação. De fato, a Unicamp responde hoje por 8% da pesquisa brasileira e pela formação de 10% de todos os mestres e doutores no país, resultados obtidos a partir do esforço contínuo na contratação dos melhores professores e na formação de estudantes que possam atuar de maneira criativa e com elevado grau de iniciativa e pensamento crítico nas diversas áreas do conhecimento. Seus 1,8 mil docentes, dos quais 98% com titulação mínima de doutor, lideram a produção per capita de artigos científicos publicados em revistas internacionais indexadas, fato que levou a universidade a conquistar, em 2011, o Prêmio SciVal Brasil da Editora Elsevier por sua produção científica. Graças a uma política de grande interação com a sociedade, incluindo empresas públicas e privadas bem como órgãos governamentais, a Unicamp é hoje a
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que deu certo
universidade com o maior número de patentes reconhecidas e licenciadas do país. O contexto favorável à inovação e ao empreendedorismo possibilitou, nos últimos anos, o surgimento no entorno da universidade de aproximadamente 120 empresas formadas por ex-alunos ou professores. As chamadas “filhas da Unicamp” empregam cerca de 7 mil profissionais e faturam cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. Todos esses indicadores apontam para o sucesso do modelo implantado por seu fundador, Zeferino Vaz, que fazia da pesquisa um elemento de qualificação do ensino em todos os níveis, e das relações com a sociedade um componente intrínseco da atividade acadêmica. Foi também a partir desse modelo que a Unicamp consagrou-se como uma universidade talhada para a invenção, antecipando-se às políticas públicas para enfrentar os desafios no campo da educação, da pesquisa e da extensão de forma propositiva. Nesse aspecto, basta citar a criação do seu vestibular próprio em 1987; o Projeto Qualidade, que a partir de 1990 passou a exigir titulação mínima de doutor para os docentes contratados e avaliação periódica dos docentes nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, independentemente do grau de hierarquia na carreira; o lançamento, em 2003, da primeira agência de inovação brasileira; a criação, em 2004, do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), destinado a ampliar o número de alunos procedentes de escolas públicas nos cursos de graduação; e, mais recentemente, a implantação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), que criou 120 novas vagas destinadas aos alunos que mais se destacarem nas escolas públicas; do Programa Professor Especialista Visitante do Exterior, que consiste em trazer profissionais de notório conhecimento em suas áreas de atuação; do Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA)2, cujo objetivo é contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de graduação; do Centro de Estudos Avançados
(CEAv), que discute temas estratégicos para o Brasil e formas de inserção crítica nos debates do contemporâneo; e a criação de grandes laboratórios multidisciplinares. Outro fator importante é a constante responsabilidade na gestão dos recursos públicos, principalmente após a implantação, em 1989, do regime de autonomia de gestão financeira com vinculação orçamentária, adotado pelo governo estadual nas três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp). A Unicamp respondeu ao estatuto da autonomia com uma contrapartida que resultou no crescimento de todos os seus indicadores. De lá para cá, o número dos cursos de graduação cresceu 83%, passando de 36 para 66 e o contingente de alunos matriculados aumentou 140%, saltando de 7.280 para 17.650. Já na pós-graduação, o número de alunos teve um incremento de 124%, saindo de 6.466 para 14.532, e metade dos 144 cursos apresenta nível de excelência internacional, melhor resultado obtido por uma universidade brasileira até o momento, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Nesse contexto, merece menção o cuidado que a administração tem tido com os servidores da Unicamp. Nos últimos 12 anos, os salários foram reajustados em 152,52% contra uma inflação de 98,15% (IPCFIPE). De fato, hoje, o salário real dos servidores da Unicamp é o maior nos últimos 12 anos. As conquistas alcançadas revelam, portanto, um inequívoco amadurecimento institucional, mas não se pode perder de vista os desafios quanto ao futuro. Enquanto universidade pública, a Unicamp orgulha-se de pertencer ao grupo de instituições cuja atuação resulta em indiscutível contribuição à sociedade, mas sem dúvida numerosas ações são necessárias para incrementar ainda mais a excelência acadêmica e o grau de internacionalização da universidade brasileira. É fundamental citar que nenhum país conseguiu atingir um ritmo progressivo e sustentável de desenvolvimento econômico e social sem a construção de um sólido sistema universitário. No atual contexto brasileiro, no qual menos de 14% dos jovens na faixa entre 18 e 24 anos estão matriculados num curso de nível superior, reconhecer, valorizar e incentivar o esforço da universidade pública e contribuir para a expansão do ensino superior público e sua diversidade, constituem não apenas um ato de justiça, mas, sobretudo, uma medida estratégica para o desenvolvimento do país.
Fernando F. Costa é reitor da Unicamp.
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to:
Pesquisadores em laboratório da Faculdade de Ciências Médicas: densidade de programas de pesquisa pesou na classificação da Unicamp
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Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
Relação entre
ensino e pesquisa CLAYTON LEVY clayton@reitoria.com.br
O bom desempenho da Unicamp nos rankings do Times Higher Education (THE) e da Quacquarelli Symonds (QS) está diretamente relacionado à qualidade do ensino e à intensidade no campo da pesquisa. No ranking do THE, considerado o mais prestigioso, estas duas áreas compõem 60% da nota atribuída às instituições avaliadas. Mas ainda há espaço para crescer nos quesitos “citações” e “internacionalização”, que somam 37,5% da nota. Se o ranking do THE fosse elaborado com base apenas no quesito “ensino”, a Unicamp seria a quinta melhor universidade jovem do mundo. E se o levantamento considerasse apenas a “pesquisa”, ela estaria na 27ª posição. A explicação para esses resultados pode ser atribuída à relação histórica entre ensino e pesquisa, que desde o início caracterizou-se como o grande diferencial da Unicamp. “Os alunos têm sua atenção despertada para a ciência desde os primeiros anos da graduação”, diz o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel. Os professores que ensinam nas salas de aula são os mesmos que atuam nos laboratórios. “Isso faz com que os produtos da investigação científica sejam repassados aos estudantes na forma de conhecimento novo”, completa Knobel. “Uma universidade que pesquisa proporciona uma formação muito mais sólida, abrangente e atualizada, tanto na graduação quanto na pós-graduação”, pondera o pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli. Um bom termômetro desse modelo é o Programa de Iniciação Científica (IC). O número de trabalhos apresentados saltou de 664 em 2001 para 1,3 mil em 2011. No mesmo período, o número de bolsas concedidas para IC subiu de 929 para 1.410. Com o interesse pela pesquisa despertado desde cedo, é natural que os resultados também apareçam na pós-graduação, considerada a melhor do Brasil pela Capes, e onde se concentram 48% dos estudantes. A cada ano são formados 800 doutores e 1,2 mil mestres, índice comparável ao das melhores universidades norte-americanas. Essa vocação natural para a investigação científica faz da Unicamp uma verdadeira usina de ideias, onde atuam cerca de 700 grupos de pesquisa, envolvendo a participação de aproximadamente 4 mil pesquisadores, responsáveis pelo desenvolvimento de algo em torno de 5 mil projetos. Para manter o fôlego, a Universidade tem investido pesado. Os recursos totais destinados à pesquisa pularam de R$ 218,2 milhões, em 2005, para 350,6 milhões, em 2011, aí incluídas fontes orçamentárias, de agências financiadoras e empresas públicas e privadas. Os números são respeitáveis, mas para Pilli é possível avançar ainda mais. “Nem tanto em termos quantitativos, mas qualitativamente”, diz. Segundo o pró-reitor, as novas gerações de alunos já têm consciência de que as pesquisas devem ser divulgadas e validadas pela comunidade acadêmica. “Também é preciso aprimorar o foco dos projetos, buscando aqueles que possam gerar
é diferencial
maior impacto no conhecimento”. Se mantiver a curva ascendente registrada nos últimos 20 anos, tudo indica que a meta será alcançada. Um bom indicativo disso é a constante liderança da Unicamp na produção per capita de artigos publicados em revistas internacionais indexadas, fato que rendeu à Universidade em 2011 o Prêmio SciVal Brasil da Editora Elsevier. Em média, os pesquisadores da Unicamp produzem 1,7 artigo indexado na base de dados da Thomson Reuters por ano, ou seja, se a produção acadêmica fosse medida por pesquisador, a Unicamp seria a universidade mais produtiva do país. A relevância dessa produção científica pode ser verificada, por exemplo, na participação direta da Unicamp em pesquisas que alcançaram repercussão nacional e internacional. Entre elas, o desenvolvimento da primeira fibra óptica nacional (1979); o Programa Biota-Fapesp, criado para identificar, mapear e investigar as características da fauna, da flora e dos microrganismos do Estado de São Paulo (1999); o Projeto Genoma, financiado pela Fapesp, que decifrou o sequenciamento genético da bactéria Xyllela fastidiosa, causadora da praga do amarelinho, doença que afeta 30% dos laranjais paulistas (2000); e o sequenciamento genético da levedura Saccharomyces cerevisiae, que responde por 30% da produção de etanol no Brasil (2009). A universidade também vem se destacando no ambiente de inovação nacional. Solidificando sua atuação nessa área, a Unicamp é, de acordo com a última pesquisa do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), a universidade brasileira com o maior número de pedidos de patentes depositados entre 2004 e 2008. São ao todo 643 pedidos de patentes vigentes, o que lhe garante a segunda posição entre os maiores detentores de patentes em todo o país, atrás apenas da Petrobras. Entre os anos de 2004 e 2011, foram celebrados 80 contratos de licenciamento de tecnologias desenvolvidas na Unicamp para empresas de diversos Estados brasileiros. O contexto favorável à inovação e ao empreendedorismo também gera impactos na economia. Nos arredores da Unicamp, empresas de professores, ex-professores e ex-alunos, idealizadas nas salas de aula da universidade, formam a versão brasileira do Vale do Silício, o pólo de inovação científica e tecnológica criado em torno de universidades americanas. Essa “Califórnia campineira” é formada por cerca de 120 grupos, a maioria do setor de tecnologia da informação. Juntos, movimentam R$ 1,2 bilhão por ano. Apesar de comemorar a boa colocação da Unicamp nos rankings, Pilli pondera que também é preciso tirar lições importantes. “Acredito que nosso desempenho pode ser melhorado no que diz respeito a citações de trabalhos produzidos por pesquisadores da Unicamp”, observa. “Também precisamos ampliar o grau de internacionalização da Universidade”, completa. Dos 29 mil
Investigação científica é repassada aos alunos na forma de conhecimento nos primeiros anos da Graduação
Fotos: Felipe Christ
O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite: “Trabalhávamos na fronteira do conhecimento” artigos publicados desde o ano 2000, 126 alcançaram cem ou mais citações; 499 tiveram 50 citações; e 2.446 foram citados 20 vezes. Já em relação à internacionalização, Pilli observa que os critérios de avaliação do THE não se limitam ao intercâmnbio de alunos e professores. Os avaliadores também analisam o número de artigos científicos escritos em colaboração com autores de outros países. “É nisso que precisamos melhorar”. Segundo Pilli, a Universidade já tinha essa percepção antes da divulgação dos rankings e por isso vem desenvolvendo diferentes ações para atacar as duas frentes. Uma delas, em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) e a Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori), é o estímulo à internacionalização das atividades de pesquisa. “Estamos no terceiro edital do Programa Professor Visitante Estrangei-
ro, que vem participar de disciplinas de pós-graduação por um período de 15 a 60 dias, com direito a trazer um aluno. Também financiamos a ida de nosso professor ou aluno ao laboratório do visitante, dando oportunidade para que esses parceiros elaborem projetos a ser apresentados a agências de financiamento de lá ou daqui.” A PRP, particularmente, idealizou o Programa do Professor Visitante do Exterior, a fim de atrair docentes que atuam em outros países, brasileiros ou estrangeiros, mas para fixação no quadro permanente da Unicamp. “A unidade indica um professor de alta qualificação e se compromete a abrir concurso público para que ele concorra à vaga. A bolsa é de um ano, renovável por mais um ano. “Já temos oito pesquisadores nesta modalidade, distribuídos pela FCM, IFGW, IMECC, IG e FT, e deverão chegar mais três professores até agosto”.
A gênese da inovação
O engenheiro José Ellis Ripper Filho: “Voltar para o Brasil era a chance de fazer a diferença no meu país”
Atrair os melhores professores, brasileiros ou estrangeiros, não chega a ser uma novidade na Unicamp. Na verdade, essa prática é uma das bases do modelo que deu origem à instituição. Para seu fundador e primeiro reitor, o médico Zeferino Vaz, a receita para se formar uma universidade de ponta era simples: “primeiro, cérebros; em segundo, cérebros; e em terceiro, cérebros”. Fiel a esse lema, nos primeiros anos que se seguiram ao lançamento da pedra fundamental, em 1966, Zeferino chegou a trazer 180 brasileiros e 200 estrangeiros para compor os quadros da universidade. Entre eles, estavam o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite e o engenheiro eletrônico José Ellis Ripper Filho. No início dos anos 70, ambos trocaram o Bell Labs, nos Estados Unidos, até então o laboratório de pesquisa mais importante do mundo, pelo desafio de ajudar na formação da massa crítica que imprimiria à Unicamp a marca de universidade voltada para a pesquisa. Ambos tiveram papel fundamental nos primeiros passos para que o Brasil alcancasse independência na área de telecomunicações, ao lado de outros nomes de peso, como o físico Sergio Porto e o engenheiro eletrônico Rege Romeu Scarabucci. As primeiras turmas formadas pelos dois pesquisadores no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) constituíriam o time de profissionais que daria forma, em 1976, ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebras (CPqD), mais tarde transformado numa fundação de direito privado. Cerqueira Leite veio para a Unicamp em 1971 na condição de chefe do Departamento de Estado Sólido, depois de recusar proposta da USP. No mesmo ano, assumiu a direção do IFGW. Sua linha de ação priorizou sobretudo duas frentes. A primeira consistia no recrutamento de professores e docentes em universidades e laboratórios do Brasil e
do exterior (sobretudo dos EUA, na Europa, na Índia e na Argentina). A outra frente era a prospecção de recursos em bancos e agências de fomento. Um dos recrutados era Ripper, que deixou a Bell em 1974. “O número de pesquisadores que atuavam no Bell Labs era tão grande, que mesmo que algum deles ganhasse o prêmio Nobel não faria a menor diferença”, recorda Ripper. “Voltar para o Brasil representava, para mim, a chance de fazer a diferença no meu país”. Uma vez na Unicamp, ele criou o primeiro Departamento de Físca Aplicada do Brasil e impulsionou as pesquisas que resultariam no desenvolvimento da primeira fibra óptica nacional. “Trabalhávamos na fronteira do conhecimento, mas de olho nas possíveis aplicações das pesquisas”, conta Cerqueira Leite. Uma das ações constituiu em estudar o laser e suas posssíveis aplicações nos semicondutores. Essa nova postura, segundo ele, era um dos grandes diferenciais da unidade em relação aos demais centros de pesquisa no Brasil. “Nesse processo, o IFGW chegou a formar cem doutores, que na época representava um terço de todos os doutores da área no país”. Ao cabo de cinco anos, o número de professores no IFGW saltaria de uma dúzia para quase uma centena. Foram implantados cerca de 30 laboratórios independentes. O período foi marcado também por expressiva vinda de recursos para financiamento de pesquisas e compra de equipamentos. O governo federal passou a ter a Unicamp como estratégica no seu projeto de modernização do parque industrial e no domínio de novas tecnologias, sobretudo nas áreas de física de plasma, separação isotópica com laser, telecomunicações e física da matéria condensada. Hoje, a Unicamp é conhecida como um “celeiro de cérebros”. A lição de Zeferino não foi esquecida.
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Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
Para permanecer no topo Especialistas apontam desafios que a Unicamp deve enfrentar para manter seu nível de excelência Fotos: Antonio Scarpinetti
DENIZE ASSIS Especial para o JU
s indicadores e a classificação obtida pela Unicamp nos rankings do Times Higher Education (THE) e da Quacquarelli Symonds (QS) atestam a sua excelência e avalizam seu ingresso no seleto grupo das melhores universidades do mundo. Mas, na visão de três especialistas ouvidos pelo Jornal da Unicamp, ainda existem alguns desafios para que a instituição consolide sua projeção internacional. Para Elizabeth Balbachevsky, professora-associada do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do Grupo de Estudos de Educação Superior do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, um desses desafios é a internacionalização. Segundo a pesquisadora, a internacionalização é uma questão bastante complexa, que transcende as iniciativas de enviar alunos para o estrangeiro e atrair excelentes estudantes de fora. “Implica, sobretudo, colocar a pós-graduação no cenário internacional, principalmente o doutorado”, afirma. O doutorado, segundo a docente, já vem sendo considerado um mercado mundial. E, embora seja considerada de qualidade, a pós-graduação brasileira está fora deste mercado porque ocorre predominantemente na língua portuguesa. Isso estabelece, sugere Elizabeth, dificuldades para atrair pesquisadores e estudantes de primeiro nível. “Este é um fator importante, normalmente desconsiderado pelo governo nas suas políticas de pós-graduação”, diz. Uma outra questão que a pesquisadora destaca é o fato de o mestrado no Brasil estar, muitas vezes, acoplado ao doutorado. “Essa articulação muito estreita faz com que, no país, não se consiga produzir um doutorado realmente competitivo internacionalmente”, afirma. Elizabeth cita o segredo do que chamou de “milagre asiático”, quando se refere ao sucesso da política que colocou as universidades da Ásia entre as mais bemavaliadas no mundo. O topo do ranking do Times Higher Education, por exemplo, ficou com a Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang, na Coreia do Sul. Já a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong figura em terceiro lugar. “Houve muito investimento para torná-las competitivas internacionalmente. A Universidade de Cingapura oferta doutorado em inglês para os mercados nacional e internacional. Na Coreia, o sistema de pós-graduação é voltado ao modelo de intercâmbio de professores e alunos. Aos poucos, eles estão criando uma rede que acelera o processo de internacionalização da ciência”, explica a professora. Elizabeth avalia que as universidades paulistas, em particular a Unicamp, alcançaram uma grande visibilidade em razão do foco na pós-graduação. Conforme a pesquisadora, na experiência brasileira, a pós-graduação é a porta pela qual são atraídos professores com perfil mais competitivo do ponto de vista da produção acadêmica. “Ela é um lócus onde você articula grupos de pesquisa mais fortes, criando um ambiente coletivo de investigação”, expõe. Ela ainda ressalta que a pesquisa é a dimensão mais relevante nos rankings e, em última instância, nos debates acerca da universidade de padrão mundial. Outro ponto destacado pela pesquisadora é a autonomia financeira das universidades paulistas, fator que tem possibilitado às instituições a implementação de ações que planejem o crescimento de longo prazo. “Esta é uma questão importante para dar à instituição o dinamismo necessário para se posicionar bem nos rankings e para se tornar uma universidade de classe mundial.”
INTERAÇÃO O diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique de Brito Cruz, também aponta que a maior integração internacional é um dos desafios da Unicamp para se tornar uma instituição de nível mundial. De acordo com ele, o progresso da ciência, em todas as áreas do conhecimento, depende muito da interação entre os pesquisadores mais originais e mais capazes. Brito, que foi reitor e pró-reitor da Unicamp, e diretor do Instituto de Física da Universidade – onde atua como professor –, avalia que o que levou a Unicamp a ter uma posição vantajosa no mundo foi uma conjugação de fatores. Um deles foi o fato de a Universidade ter constituído um corpo docente que, desde a sua fundação, é muito comprometido com a pesquisa de categoria internacional, com a criação de conhecimento que seja relevante mundialmente e, portanto, também localmente. Para Brito, também contou a característica da Unicamp de atrair alunos muito capazes. E é por isso mesmo que a Universidade, entre os desafios para se tornar uma universidade de classe mun-
Carlos Henrique de Brito Cruz: progresso da ciência está condicionado à interação entre pesquisadores mais originais e mais capazes que se espera é que não vá sofrer limitações de recursos.” O professor Renato Pedrosa, do Programa de PósGraduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) e coordenador do Grupo de Estudos em Educação Superior do CEAv também aponta a internacionalização como ponto fundamental para a universidade se manter em nível de excelência. Em consonância com a professora Elizabeth, Pedrosa reforça que a internacionalização tem que ser entendida em um sentido bem amplo, para além do intercâmbio de estudantes, professores e pesquisadores. “A participação em grupos de universidades e em atividades internacionais é importante e faz com que a Unicamp passe a ter prestígio, a ser conhecida”, diz.
A professora Elizabeth Balbachevsky: “A pós-graduação precisa ser colocada no cenário internacional” dial, necessita, a seu ver, conseguir manter a condição de atrair excelentes alunos na graduação e na pós-graduação e excelentes professores de qualquer lugar do mundo. “É preciso trazer os melhores cérebros para fazer parte desse desenvolvimento”, acredita. Brito ressalta, ainda, que a Unicamp tem tido uma forma de financiamento muito positiva para o desenvolvimento da instituição acadêmica, que é a sistemática de autonomia com vinculação orçamentária. A Universidade é financiada com um percentual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e tem autonomia completa para a gestão de recursos (leia matéria na página 10). “Essa forma de atuação tem permitido estabelecer prioridades, fazer esforços e programas que durem muitos anos, até uma década ou mais. Ademais, tem possibilitado um compromisso da Unicamp com valores competitivos mundialmente”, comenta ele.
Ele afirma que atualmente a universidade pública é “chamada” a fazer, entre outras atividades, pesquisa, pósgraduação e cursos de graduação de diferentes níveis. Também há uma grande pressão para admitir mais gente. Por isso, assinala o pesquisador, é necessário ter clareza sobre qual é sua missão, concentrando-se nela. “Isso, evidentemente, tem que ser negociado com o Estado, que é o agente financiador. Existe o risco de perda de clareza das suas prioridades. A rigidez burocrática também pode afetar. Na medida em que a universidade conseguir enfrentar estas duas situações, terá condições de continuar numa posição importante, inclusive porque o
A Unicamp, junto com a USP e a Unesp, tem se destacado e tem promovido um projeto de internacionalização muito forte também na proposta de se projetar como interlocutora nos fóruns internacionais de educação superior, onde se discute política de acesso, de qualificação e de pesquisa em todas as áreas. De acordo com o professor, além da internacionalização, há outros aspectos, ligados ao prestígio, voltados para como a universidade interage com interlocutores da sua região. Salienta-se o fato dela responder às demandas, principalmente de países como o Brasil, que estão em um nível de industrialização e desenvolvimento intermediários. Gradativamente, nesses países, aumenta a demanda por mais gente das universidades e de todos os níveis socioeconômicos. “Isto tem um forte impacto local para a economia e para a educação do país. É importante que universidades mais seletivas, como a Unicamp, mantenham este tipo de projeto, sem se descuidar do acesso e do investimento na qualificação dos estudantes.”
FLEXIBILIDADE O sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador e professor do Instituto de Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro, concorda com Brito. Em sua opinião, para que a Unicamp mantenha o nível de excelência e torne-se uma universidade de classe mundial, é necessário preservar as características que a marcaram desde o início. “A Unicamp se caracterizou pela flexibilidade, pela liberdade de poder buscar e atrair talentos e de proporcionar condições para eles trabalharem”, relata. Ele avalia que é necessário que a Universidade continue a atrair profissionais de primeira linha. “Atualmente, a Universidade está mais constituída, tem um acervo de pessoas e recursos. Neste sentido, é natural que fique um pouco mais lenta do que uma instituição que está se formando. O desafio é manter ou recuperar a flexibilidade de ação, principalmente na área de recursos humanos, sem perder de vista sua vocação”, comenta o sociólogo.
O sociólogo Simon Schwartzman: “O desafio é manter ou recuperar a flexibilidade de ação”
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ARTIGO Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
O que significam e para que servem
Emergentes podem roubar a cena, diz editor
os rankings internacionais
O jornalista britânico Phil Baty, editor do Times Higher Education World University Rankings, vê como um “grande avanço” a colocação da Unicamp na 44ª posição entre as 100 melhores universidades com menos de 50 anos. Segundo o editor, a classificação sugere que a Unicamp tem potencial para se destacar em rankings prestigiosos quando comparada a instituições mais antigas. Nesta entrevista, Phil Baty fala sobre o ranqueamento, analisa as perspectivas do ensino superior no Brasil e projeta os rumos da universidade contemporânea. Foto: Felipe Christ
RENATO H. L. PEDROSA
Com a divulgação de dois rankings internacionais (THE e QS ) para universidades fundadas nos últimos 50 anos, renova-se o debate sobre o que essas listas significam, sobre sua validade e sua utilidade. Neles só aparecem a Unicamp (44º no THE1 e 22º no QS2) e a Unesp (99º no THE), entre todas as instituições brasileiras ou da América Latina. Inegavelmente, apesar das restrições e críticas que dirigentes universitários, acadêmicos e especialistas em educação superior ou em políticas públicas apresentam, os rankings estão na pauta de praticamente todos esses grupos, e de órgãos de governo. Como coloca Ellen Hazelkorn3, os rankings afetam significativamente a percepção sobre instituições, anteriormente calcada na experiência local, regional ou nacional, “protegida pela história, missão e governança”. Assim, uma instituição, considerada muito importante e desempenhando um papel relevante para sua região ou país, se vê, subitamente, comparada a instituições do mundo todo e, possivelmente, nem chega a constar das listas das 100, 200 ou 500 “melhores” instituições em nível mundial. Mas, afinal, o que dizem os rankings? A resposta é muito simples, os escores utilizados pelos rankings são resultado da média ponderada de índices derivados de indicadores de desempenho bem conhecidos: número de alunos, relação alunos/docente, demanda em processos seletivos, número de artigos publicados, citações, número de teses produzidas, enquetes sobre prestígio, financiamento para pesquisa, satisfação de estudantes, prêmios recebidos por seus pesquisadores ou ex-alunos (Nobel, Medalha Fields), prestação de serviços, transferência de tecnologia (patentes e licenciamentos), grau de internacionalização e outros. Esses são, essencialmente, os itens que qualquer universidade usa nas suas brochuras de divulgação. Pesquisadores utilizam alguns deles ao avaliar um programa de PG ou um projeto sobre o qual deve dar parecer. O Sinaes, sistema utilizado pelo MEC para avaliar programas e instituições, utiliza dados semelhantes das universidades para criar os indicadores do sistema. Portanto, o interesse que os rankings despertam não deveria ser considerado algo estranho ao mundo acadêmico ou ao ambiente de avaliações institucionais. Uma análise mais detalhada mostrará que, em geral, indicadores de desempenho na pesquisa são bastante valorizados, depois vem ensino (graduação e pós-graduação); e menor impacto têm serviços à comunidade e transferência de tecnologia. O THE usa 13 indicadores de desempenho, agrupados em cinco áreas (com os pesos): Ensino – o ambiente de aprendizagem (30%); Pesquisa – volume, financiamento e reputação (30%); Citações – influência da pesquisa (30%), receita de licenciamentos – inovação (2,5%); e Internacionalização – docentes, alunos e funcionários (7,5%). Notase que os segundo e terceiro índices são sobre pesquisa, compondo 60% do total da nota da instituição. E o que se considera pesquisa está diretamente atrelado ao sistema de divulgação das pesquisas, em periódicos e livros que circulam internacionalmente. O sistema do QS é semelhante em relação aos temas, porém difere no sentido de usar pesquisas sobre reputação de forma mais significativa, incluindo uma com empregadores. Sendo assim, não causa espanto que o Brasil e a América Latina tenham baixa performance nessas avaliações, pois boa parte da sua produção cultural e científica se dá na língua local, sendo baixa sua chance de ser lida ou citada internacionalmente, já que a
maioria dos periódicos mais qualificados publica majoritariamente em língua inglesa. Esse ponto, por seu intrínseco viés em favor de países de língua inglesa, é usado para desqualificar os resultados dos rankings. No entanto, a avaliação realizada pela Capes, dos cursos de pós-graduação, segue lógica parecida: parte significativa da avaliação vem da análise da produção científica publicada em periódicos que são classificados pela própria Capes (sistema Qualis), com base em índices de impacto desses periódicos, que nada mais são do que indicadores gerados a partir do número de citações dos artigos ali publicados. É conhecido o debate sobre como se dá essa classificação, mas nem por isso se desconsidera a avaliação realizada pela Capes. Universidades utilizam o conceito Capes em suas políticas internas e na divulgação de seus programas de pós-graduação. Pesquisadores fazem o mesmo para convencer órgãos financiadores de que vale a pena investir em seus projetos de pesquisa. E, apesar das críticas, muitos especialistas consideram que a criação da avaliação da Capes foi fundamental para que a pós-graduação brasileira tenha chegado ao nível atual de boa qualidade, demonstrada pela relação direta entre o crescimento do número de teses e de artigos publicados em periódicos internacionais indexados. Assim, podemos concluir esse breve comentário sobre rankings com algumas observações. 1) Os rankings utilizam indicadores de desempenho próximos daquilo que acadêmicos, instituições e governos vêm utilizando há muito tempo, inclusive no Brasil; 2) esses indicadores, lidos e interpretados apropriadamente, ajudam a entender em que direção uma instituição ou um sistema de ES está indo, onde é mais deficiente, onde se poderia atuar para aprimorá-lo (naquilo que se considere relevante); 3) a Unicamp, no cenário nacional e da América Latina (assim como a USP e a Unesp), é uma das principais referências e modelo de instituição e está bem posicionada internacionalmente, considerando-se que é uma instituição bastante jovem; 4) o Brasil e a América Latina têm um longo caminho a percorrer; talvez entender como o Reino Unido, Austrália, Hong Kong e a Coreia têm trabalhado o assunto seja um bom começo; 5) para isso, os rankings, com suas perspectivas internacional e comparada, podem ser bastante relevantes.
Renato H. L. Pedrosa é professor do Programa de Pós-Graduação de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (DPCT/IG) e coordenador do Grupo de Estudos em Educação Superior do CEAv/Reitoria.
1 Times Higher Education http://europe.nxtbook. com/nxteu/tsl/100under50/index.php
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2 Quacquarelli Symonds http://www.topuniversities. com/university-rankings/top-50-under-50
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2 1 3 20
2 Estados Unidos
2 – Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong
Hong Kong
6 – Universidade de York 7 – Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang 8 — Universidade de Maastricht 9 — Universidade da Cidade de Hong Kong 10 — Universidade da Califórnia – Irvine
Áustria
mente balanceados, cuja finalidade é cobrir todos os principais aspectos das atividades globais das universidades: ensino, pesquisa, transmissão de conhecimento e internacionalização. Nossa metodologia pode ser consultada no endereço http://www.timeshighereducation.co.uk/world-university-rankings/2011-2012/ analysis-rankings-methodology.html. JU – Que avaliação o sr. faz da posição da Unicamp na lista? Phil Baty – A Unicamp ocupa a 286ª posição na World University Rankings. No entanto, neste último ranking sobre as melhores universidades com menos
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Finlândia
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1
Holanda
Irlanda
Reino Unido
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França
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Espanha
Japão
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Arábia Saudita
Suíça
Grécia
1
Brasil
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1 1
1
Malásia
Austrália
2
Holanda
Nova Zelândia
Hong Kong Brasil
ONDE ESTÃO E QUANTAS SÃO EM CADA PAÍS AS 100 MELHORES UNIVERSIDADES ‘JOVENS’ DO MUNDO Ranking do THE (Times Higher Education)
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Times Higher Education
Cingapura
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Coreia do Sul
Estados Unidos
Colaborou Suelli Loures Abson
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Hong Kong
1
1
Egito
Taiwan
1
Irã
Itália
Singapura Reino Unido
JU – Que análise o sr. faz quando se compara o desempenho das instituições emergentes com o daquelas universidades mais antigas e de prestígio consolidado? Phil Baty – Penso que essa nova lista do Times Higher Education esclarece uma coisa: as universidades consideradas mais antigas, já estabelecidas, não detêm o monopólio da excelência. Essas instituições possuem vantagens óbvias – têm tradição, foram capazes de acumular riqueza, em muitos casos ao longo de séculos, e são detentoras de redes extremamente enraizadas de contatos de alunos e ex-alunos, que vêm de muitas gerações passadas. Porém, elas não podem se acomodar e ficar apenas a reboque da história. O ranking das universidades jovens vem mostrar que há muitas instituições emergentes – algumas como a Postech, na Coreia do Sul, ou a HKUST, em Hong Kong, com somente 20 anos de idade – que já podem ser vistas como sérias competidoras para as universidades globais de elite. JU – Quais foram as grandes surpresas do ranking acerca das melhores universidades mais jovens? Phil Baty – O mais surpreendente – e empolgante –, sem dúvida, é que temos 30 países representados no âmbito das cem primeiras mundiais, o que é muito mais do que existe nas 200 primeiras do tradicional World University Rankings. Isto vem mostrar que existem muitas nações se desenvolvendo, esperando pela oportunidade de roubar a cena dos países tradicionalmente dominantes, tais como os Estados Unidos e o Reino Unido.
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Coréia do Sul
Reino Unido Coreia do Sul
1
de 50 anos, a Unicamp mostrou um excelente desempenho, se comparada com outras instituições, digamos, da mesma “faixa etária”, classificando-se como a número 44 no mundo. Trata-se de um grande avanço e sugere que há um verdadeiro potencial no futuro para ela se destacar em rankings mais tradicionais, quando cotejada com instituições mais antigas. A Unicamp obteve excelente pontuação nos cinco indicadores de performance referentes ao ensino, e tem potencial suficiente para melhorar o impacto de sua pesquisa. JU – O fato de o Brasil ser uma nação emergente tem algum peso neste ranking e, já projetando, nos futuros levantamentos? Phil Baty – As perspectivas para o Brasil são extremamente interessantes. O mundo está assistindo ao seu crescimento econômico com muita atenção – crescimento este que vem acompanhado do incremento de pesquisas básicas. Há evidências, no momento, de investigações de primeira linha oriundas do Brasil. São muitas as demonstrações de uma crescente colaboração internacional também, o que é muito promissor. No entanto, em minha opinião, existem ainda muitos obstáculos cruciais a serem vencidos antes que as universidades brasileiras possam alcançar a próxima etapa. JU – Quais seriam? Phil Baty – Creio que as estruturas governamentais precisam ser mais flexíveis e dinâmicas. Ademais, acredito que ainda falta autonomia institucional.
Portugal
1 Hong Kong
5 – Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia
Dinamarca
O jornalista britânico Phil Baty, editor do THE: “As universidades consideradas mais antigas, já estabelecidas, não detêm o monopólio da excelência”
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Noruega
Turquia
1 – Universidade Chinesa de Hong Kong
4 – Universidade Tecnológica de Nanyang
Jornal da Unicamp – Fale um pouco sobre sua contribuição para esta pesquisa. Phil Baty – Estou incumbido de planejar a metodologia e promover quaisquer outros ajustes que desejarmos fazer na lista. Todos os dados são coletados e analisados em nosso nome pela companhia Thomson Reuters, uma das agências de informação mais respeitadas em todo o mundo. Como editor, meu papel é assumir toda a responsabilidade pela metodologia. Ademais, é minha tarefa como jornalista interpretar os resultados, anualmente, por meio de inúmeros artigos analíticos. Também recruto analistas especializados para a publicação do ranking, atuo no desenvolvimento de novos projetos fundamentados em dados desses levantamentos e contribuo com conferências sobre o ensino superior, analisando mudanças e tendências na educação. Sou ainda editor-chefe da revista THE (Times Higher Education), publicação semanal voltada a todos aqueles que trabalham com ensino superior em âmbito internacional. Trata-se da maior publicação sobre ensino superior do mundo. Publicamos uma edição impressa semanal e também temos um site que vem crescendo exponencialmente, difundindo notícias diárias e promovendo e participando de debates. Este site, cujo endereço é www.timeshighereducation.co.uk, tem uma audiência internacional em constante crescimento, refletindo a acelerada ascendência da globalização no ensino superior. JU – Há quanto tempo o ranking é publicado? Seu formato mudou ao longo dos anos? Phil Baty – O Times Higher Education tem publicado o ranking anual das universidades mundiais (World University Rankings) há oito anos, desde 2004. Seu formato sofreu, sim, alterações. Quando começamos, publicávamos os rankings com dados recolhidos pela QS – Quacquarelli Symonds. Nossos rankings eram, então, conhecidos como Times Higher Education – QS World University Rankings. Porém, em 2009, tomamos a decisão de terminar nossa parceria com a QS. Trouxemos, a partir de então, a agência Thomson Reuters para trabalhar conosco. Desenvolvemos uma metodologia sofisticada. Apenas para efeito de comparação, enquanto a QS usava seis indicadores, o Times Higher Education World University Rankings passou a adotar 13 indicadores cuidadosa-
Suécia
Quacquarelli Symonds 3 – Universidade de Warwick
Alemanha
Canadá
3 E. Hazelkorn. Os rankings e a batalha por excelência de classe mundial: estratégias institucionais e escolhas políticas. Ensino Superior Unicamp, n.1, pp. 43-64, Unicamp, 2010. http://www.revistaennosuperior.gr.unicamp.br/noticia.php?id=5
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22 – Unicamp
Reprodução: http://61.57.40.108/
DENIZE ASSIS Especial para o JU
1 – Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang 2 – Escola Federal Politécnica de Lausane 3 – Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong 4 – Universidade da Califórnia – Irvine 5 –Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia 6 – Universidade Pierre e Marie Curie 7 – Universidade da Califórnia – Santa Cruz 8 – Universidade de York 9 — Universidade de Lancaster 10 – Universidade da Ânglia Oriental 44 – Unicamp 99 – Unesp
Coreia do Sul Suíça Hong Kong Estados Unidos Coreia do Sul França Estados Unidos Reino Unido Reino Unido Reino Unido Brasil Brasil
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Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
Um projeto, DENIZE ASSIS Especial para o JU
notícia do excelente desempenho da Unicamp em dois rankings internacionais foi recebida pelos ex-reitores da Universidade como um indicativo de acerto na linha adotada por diferentes gestões ao longo da história da instituição. Para o professor e linguista Carlos Vogt, reitor entre 1990 e 1994 e atual coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), várias iniciativas foram fundamentais para a consolidação da Unicamp nos cenários nacional e internacional. Segundo ele, a Unicamp tem conseguido estruturar-se e cumprir sua vocação para o ensino, a pesquisa e as atividades de extensão por meio de diferentes etapas desde sua fundação, em 1966. Vogt ressalta o pioneirismo do professor Zeferino Vaz com “a aventura criadora” da fundação da Universidade no meio de um canavial, no distrito de Barão Geraldo; a abertura do processo de institucionalização, com José Aristodemo Pinotti, entre 1982 e 1986, fase da criação das normas, estatutos, regimentos e do Conselho Universitário e Pró-Reitorias; e a conquista desta etapa de institucionalidade pelo ex-reitor Paulo Renato Costa Souza, entre 1986 e 1990. “Participei deste processo como professor, representante do Conselho, como vice-reitor na administração do professor Paulo Renato e, depois, como reitor, entre 1990 e 1994”, conta. Na avaliação de Vogt, outra preocupação da Universidade e que continua entre os grandes desafios é trabalhar olhando para o futuro. Ele ainda ressalta a busca pela qualidade no ensino de graduação e destaca o que chama de “marca” da Unicamp, que é a manutenção da qualidade dos cursos de pós-graduação.
TRABALHO E DEDICAÇÃO O professor titular emérito da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) José Martins Filho, que foi reitor entre 1994 e 1998, também associa o reconhecimento da Unicamp no cenário mundial à qualidade do ensino de graduação e pósgraduação, além da pesquisa de alto nível, metas sempre perseguidas pela Universidade desde sua criação. “A pesquisa desenvolvida na Unicamp, quando se analisa a publicação por docente, é a maior do Brasil. A dedicação integral à docência e à pesquisa também é muito importante para essa qualidade e reconhecimento. Não podemos perder de vista o papel fundamental de técnicos e funcionários especializados que participam ativamente da pesquisa e da extensão”, diz. Martins acredita que a Unicamp deve continuar a valorizar o trabalho em dedicação exclusiva dos professores e pesquisadores, mantendo uma atividade de extensão de grande interesse para a população. Segundo ele, é isso que leva até o público em geral o resultado altamente positivo do trabalho dos docentes e estudantes. “Além disso, é preciso garantir, como a Universidade tem feito, o bom preparo dos estudantes, condição que depende da qualidade do aluno que ingressa, por meio de vestibulares altamente competitivos e de professores focados no trinômio ensino-pesquisa-extensão”, diz. Daí, segundo Martins, para tornar-se uma universidade de classe mundial, é apenas uma questão de reconhecimento e tempo. “Acho que estamos perto disso. Para tanto, devemos manter a mesma linha de trabalho e dedicação”, diz.
cinco linhas de ação Ex-reitores destacam compromisso da Unicamp com a qualidade do ensino e da pesquisa ao longo de diferentes gestões Fotos: Felipe Christ
Vogt: manutenção da qualidade dos cursos de pós-graduação é uma das marcas da Unicamp Hermano avalia que a Unicamp conta com uma respeitável folha de serviços prestados ao país. “A universidade, que é parte de uma força-tarefa na construção da nação, não pode se afastar desta trajetória que promove educação de qualidade, com acesso amplo, gerando oportunidades para todos”, diz. O ex-reitor ressalta que a Unicamp, nos seus 46 anos, conquistou participação expressiva na produção científica nacional e obteve reconhecimento no país e no exterior. “Não podemos perder de vista este foco.” Segundo Hermano, a instituição, ao projetar o futuro, deve evocar o passado, pois é desta forma que “se ganha clareza”. No seu entender, é preciso considerar que o país sofre com problemas estruturais, entre os quais a má distribuição de renda, e convive com questões cruciais como a necessidade de reparar injustiças sociais.
“Não é possível construir uma nação sem ter uma educação de qualidade, de acesso amplo que gere oportunidade para todos. Esta é a principal responsabilidade cidadã”, afirma. Hermano acredita que o Brasil tem condições favoráveis de crescimento. Ele dá o exemplo da exploração de recursos minerais, como o pré-sal, no entanto, faz questão de ressaltar que essas fontes são esgotáveis e que a saída definitiva é investir em ações que criem emprego de qualidade e que ajudem a inovar e prosperar os parques tecnológicos. “Mas também é necessário mergulhar nos traumas recentes da história para não correr o risco de repetir os mesmos erros. O objetivo é alcançar desenvolvimento social com progresso material. Para cumprir tal objetivo, a parte que cabe à universidade é a educação. Se houver sucesso, poderemos chegar à universidade de classe mundial”, diz.
RESPONSABILIDADE SOCIAL Para o professor Hermano Tavares, reitor da Unicamp entre 1998 e 2002, a trajetória da Unicamp demonstra que a instituição foi construída com seriedade e clareza quanto ao seu compromisso primordial que, segundo ele, é com o povo brasileiro.
Martins: “Professores devem estar focados no trinômio ensino-pesquisa-extensão”
COMPROMISSO COM O SABER Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor entre 2002 e 2005, atual diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW), atribui a boa colocação da Unicamp nos rankings a um conjunto de fatores perseguidos pela Universidade desde sua criação. “São décadas de esforço e de trabalho de muitas pessoas”, diz. De acordo com Brito, o ponto de partida foi constituir um corpo docente comprometido com a pesquisa de categoria internacional, com a criação de conhecimento de relevância mundial. Ao lado disso, segundo avalia, a Unicamp sempre manteve a característica de atrair bons alunos. “Isso é decisivo para fazer uma universidade prosperar”, afirma. O docente acredita que, em busca da excelência global, a Universidade precisa manter a condição de atrair bons alunos na graduação e pós-graduação e excelentes professores advindos de todos os lugares do mundo. Outro ponto ressaltado por Brito é a maior integração internacional, com interação com pesquisadores mais capazes e originais. O professor acredita que a boa visibilidade do Brasil no mundo se deve também às boas universidades, como a Unicamp, a USP, a Unesp e outras que formaram gerações de profissionais em áreas essenciais porque, segundo ele, quem move a indústria e o agronegócio é gente formada nas boas universidades.
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO O professor da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp entre 2005 e 2009, ressalta que um fator importante para o sucesso acadêmico da Unicamp, que deve ser mantido, é o conceito adotado pela Universidade, que faz da produção do conhecimento novo e da relação com a sociedade os elementos qualificadores da formação de recursos humanos em todos os níveis e nas diversas áreas. Também foi fundamental, segundo Tadeu Jorge, o processo de autonomia com vinculação orçamentária, que desde 1989 garante recursos para a Unicamp assegurar suas atividades, com responsabilidade e planejamento. Outro aspecto relevante, segundo ele, é a busca constante pelos melhores docentes, funcionários e estudantes. Para Tadeu, avançar na busca pela excelência exige fidelidade ao conceito adotado pela Universidade de ampliar as relações com a sociedade e intensificar a geração do conhecimento em todas as áreas. “Tais ações deverão ser apoiadas por meio da expansão do quadro docente e do suporte ao desenvolvimento das atividades, com a desoneração da carga burocrática e a viabilização do crescimento do número de funcionários de apoio ao ensino, pesquisa e extensão”, afirma. Tadeu Jorge acredita que a Unicamp deve, ainda, ampliar a relação com as instituições de outros países, em especial aquelas que possuem mais experiência e resultados melhores. Para ele, pesquisas em conjunto são fundamentais, assim como envio e recebimento de estudantes, tanto de graduação como de pós-graduação. “É necessário, também, assumir um papel de liderança. Afinal, a Unicamp é exemplo para outras universidades”, afirma. Foto: Antoninho Perri
Hermano: “Objetivo é alcançar desenvolvimento social com progresso material”
Tadeu: “É necessário assumir um papel de liderança, já que a Unicamp é exemplo para outras universidades”
Campinas, 11 a 17 de junho de 2012
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À frente do seu tempo DENIZE ASSIS Especial para o JU
Ações inovadoras gestadas na Universidade servem de modelo para outras instituições e inspiram políticas públicas Fotos: Felipe Christ
esde sua fundação, em 1966, a Unicamp tem desenvolvido medidas e projetos que fizeram dela uma universidade de excelência. Em muitos casos, a Universidade antecipou-se às políticas públicas para enfrentar desafios no campo da educação, da pesquisa e da extensão de forma propositiva. Muitas destas iniciativas serviram como modelo para outras instituições, tanto no plano público como privado. Em 1982, na gestão do então reitor José Aristodemo Pinotti, foi implementado um amplo processo de institucionalização interna da Universidade, que até então funcionava com estatutos emprestados da USP. O processo, que contou com ampla participação da comunidade, teve continuidade na gestão do economista Paulo Renato Costa Souza, reitor entre 1986 e 1990. Sua gestão incluiu a criação do Conselho Universitário como órgão máximo da Universidade, a criação das pró-reitorias de Graduação, de Pesquisa, de Extensão, de Desenvolvimento Universitário e de Pós-Graduação; a inauguração do Hospital de Clínicas; e a implantação do quadro de carreira dos servidores.
VESTIBULAR Em meio ao processo de institucionalização, a Unicamp introduziu uma significativa mudança no processo de seleção dos estudantes pelo vestibular. Numa iniciativa inédita, desvinculou-se da Fuvest, aboliu os testes de múltipla escolha e passou a valorizar as questões dissertativas. O principal argumento para a criação de um modelo próprio era que os vestibulares convencionais tendiam a discriminar as classes de menor poder aquisitivo, tornando o seu acesso ao estudo universitário mais difícil. Segundo o professor Jocimar Archangelo, um dos idealizadores do novo modelo e o primeiro coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), mais do que a memorização dos conteúdos, a proposta estabeleceu a necessidade de promover, no segundo grau, o desenvolvimento de uma série de habilidades, entre as quais a capacidade de expressão e o raciocínio. “Foi uma mudança muito significativa, corajosa”, afirma o professor. Em 2009, após um amplo processo de revisão, a Unicamp voltaria a anunciar mudanças no seu vestibular, desta vez substituindo as questões dissertativas pelas de múltipla escolha, além de ampliar de um para três os textos referentes à redação. Segundo os autores da mudança, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e com o advento das novas orientações dos parâmetros curriculares, ocorreu a reestruturação da educação básica, impondo-se a necessidade de adequar o Vestibular a essa nova realidade. De acordo com o professor Maurício Kleinke, atual coordenador executivo da Comvest, a principal característica deste vestibular é que ele se preocupa com leitura e interpretação. “O objetivo é buscar candidatos capazes de se expressar”, diz.
PROJETO QUALIDADE Em 1990, na busca por uma fórmula para solucionar o processo de formação de desenvolvimento acadêmico dos docentes, foi criado o Projeto Qualidade. Elaborado para promover a qualificação acadêmica do corpo docente, a medida constituiu um divisor de águas neste aspecto. “À época da criação do Projeto Qualidade, a Unicamp tinha perto de um terço de seus professores sem doutoramento, situação que merecia uma ação efetiva por parte da Universidade para ser melhorada”, recorda o ex-reitor Carlos Vogt, em cuja gestão o projeto foi elaborado e aprovado. Passados 22 anos, o contingente de professores com doutorado chega a 98%. E os outros 2% estão a caminho. Segundo Vogt, havia um contexto específico a ser considerado naquele instante. De um lado, crescia a exigência por parte do setor produtivo por profissionais com curso de pós-graduação. De outro, a Unicamp carecia de mais docentes titulados para ministrar os programas que qualificariam essas pessoas. A medida gerou efeitos imediatos. Primeiramente, elevou o contingente de docentes envolvidos nas atividades de pós-graduação, o que provocou consequentemente o crescimento do número e da qualidade dos programas oferecidos neste nível de ensino. A segunda influência, consequência da ampliação do contingente de docentes titulados e atuantes nos programas, foi o vertiginoso aumento do número de alunos matriculados e das teses e dissertações produzidas. “Seguramente, o Projeto Qualidade foi essencial para conduzir a pós-graduação da Unicamp à condição de liderança acadêmica que ela exerce hoje no cenário nacional e mesmo internacional”, analisa o pró-reitor de Pós-Graduação, Euclides de Mesquita Neto. Em 2011, foram defendidas na Universidade 1.354 dissertações de mestrado e 818 teses de doutorado.
O professor Jocimar Archangelo: vestibular aboliu os testes e passou a valorizar as questões dissertativas
INOVAÇÃO A Unicamp também é pioneira no meio universitário brasileiro no que diz respeito à inovação tecnológica. Inaugurada em 2003, a Agência de Inovação Inova Unicamp – primeira do gênero no País – nasceu para ser uma porta de entrada para as demandas tecnológicas e de serviços do empresariado e do setor público, com ênfase para as chamadas parcerias estratégicas. O objetivo é estabelecer redes de cooperação com a sociedade, capazes de incrementar as atividades de ensino e pesquisa no interior da Universidade, além de estimular e orientar o registro de patentes por pesquisadores da Unicamp, ampliando assim a liderança da universidade nessa área. Nesse contexto, a Inova vem obtendo resultados expressivos: Com o apoio da Inova, a Unicamp é a universidade brasileira com o maior número de pedidos de patentes depositados entre 2004 e 2008, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Com uma média de 55 pedidos de patentes por ano, a Universidade possui 643 pedidos de patentes vigentes, o que lhe garante a segunda posição entre os maiores detentores de patentes em todo o país, atrás apenas da Petrobras. A Unicamp também é uma das universidades brasileiras mais bem sucedidas em número de licenciamentos de tecnologias. Entre os anos de 2004 e 2011, foram fechados 80 contratos de licenciamento de tecnologias desenvolvidas na Unicamp para empresas de diversos Estados brasileiros. Desse total, dez foram assinados em 2011. Antes da Inova, a Unicamp já havia criado, em 1990, na gestão de Vogt, o Escritório de Transferência de Tecnologia (Cenapad). Com o objetivo de diminuir a distância entre a instituição e o setor produtivo em geral. “Desde o início, a Universidade tinha vocação para a interação com o setor produtivo”, lembra o ex-reitor. “Esta foi uma característica que eu procurei acentuar, mas que já constava nos traços da criação da instituição, pelo professor Zeferino Vaz”, afirma.
Francisco Magalhães Gomes, professor do IMECC e coordenador do ProFIS: projeto promove inclusão social e oferece formação sólida e abrangente
PAAIS Em 2004, se antecipando à questão das cotas, a Unicamp instituiu o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS). Segundo o professor Renato Pedrosa, do Programa de Pós-graduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG) e Coordenador do Grupo de Estudos em Educação Superior da Unicamp, o PAAIS é um modelo de inclusão social que valoriza a parte acadêmica. “Trata-se de uma iniciativa que surgiu da percepção de que os estudantes das escolas públicas, apesar de não terem completado sua formação, têm potencial”, diz. O programa visa estimular o ingresso de estudantes da rede pública na Universidade, ao mesmo tempo em que estimula a diversidade étnica e cultural. O aspecto mais importante do PAAIS é a adição de pontos à nota final dos candidatos no vestibular. Podem participar os alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Os estudantes que atenderem ao requisito e optarem pelo PAAIS recebem 30 pontos a mais na nota final, ou seja, após a segunda fase. Candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas terão, além dos 30 pontos adicionais, mais 10 pontos acrescidos à nota final.
PROFIS Em 2010, a Unicamp deu início a mais uma inovação, o ProFIS (Programa de Formação Interdisciplinar Superior), iniciativa inédita no país, que criou 120 novas vagas de graduação destinadas aos melhores alunos das 96 escolas públicas de ensino médio de Campinas. Os ingressantes são selecionados segundo o desempenho obtido no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado pelo Ministério da Educação. O objetivo da iniciativa é oferecer a esses jovens uma formação sólida e abrangente. Segundo o professor Francisco Magalhães Gomes, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), o ProFIS é um projeto que inova porque proporciona, além da inclusão social, a formação geral dos alunos, que atualmente está muito difundida. Ele analisa que, em geral, os cursos de graduação brasileiros propiciam uma formação excessivamente técnica e criam dificuldades para um grande número de formandos que não encontram empregos em suas áreas de formação. “Mesmo os que trabalham na área em que se graduaram precisam, cada vez mais, atuar e interagir com pessoas de outras especialidades. Um currículo de formação geral contribui para que os profissionais transitem com mais facilidade entre áreas e que façam análises levando em conta questões que fogem dos tópicos específicos de sua formação”, diz. “Trata-se de um programa que reúne mérito acadêmico e inclusão social, que é inédito no Brasil”, diz o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel, um dos mentores do programa. “O ProFIS visa oferecer aos estudantes uma visão geral do conhecimento universitário, antes de se decidirem por uma carreira específica. Assim, o programa prevê que, durante dois anos, os estudantes cursarão disciplinas de caráter amplo, em todas as áreas do conhecimento”, afirma Knobel.
PROFESSOR VISITANTE Resgatando sua tradição de receber profissionais experientes do exterior, em 2009 a Unicamp deu início ao Programa Professor Visitante para atrair pesquisadores brasileiros ou estrangeiros com experiência internacional. A medida visa incrementar o grau de internacionalização da Unicamp. Para viabilizar o programa, um grupo de trabalho coordenado pela PRP publicou, de outubro de 2009 a abril de 2010, cinco anúncios de oportunidades de emprego na Unicamp em revistas de grande importância e circulação no meio científico, como Nature e Science. Posteriormente, após consulta aos diretores de unidades, também foram publicados anúncios nas versões on-line da Chemical & Engineering News (Química), Communications of the ACM (Ciência e Engenharia da Computação), Physics Today (Física) e Nature Materials (Engenharia de Materiais). Os estrangeiros poderão ficar um ou dois anos na Unicamp. Se a unidade mantiver o interesse pelo professor após esse período, deverá abrir concurso na área de pesquisa do docente, para dar a ele – e a outros que se interessem – a oportunidade de se fixar na Universidade. Até agora, oito pesquisadores já passaram a atuar na Unicamp, distribuídos pela FCM, IFGW, IMECC, IG e FT. Até agosto, deverão chegar mais três.
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Autonomia assegura independência Sistemática garante percentual de recursos provenientes da arrecadação de ICMS Foto: Antonio Scarpinetti
DENIZE ASSIS Especial para o JU
autonomia institucional, orçamentária e financeira conquistada pela Unicamp a partir de 1989 é apontada como um dos fatores que deram o dinamismo necessário para a instituição se desenvolver e, desta forma, se posicionar bem nos rankings mundiais de avaliação do ensino superior. A condição de autônoma – que também favoreceu as outras duas universidades estaduais paulistas, USP (Universidade de São Paulo) e Unesp (Universidade Estadual Paulista) – tem possibilitado o crescimento planejado no curto, médio e longo prazos. Embora consagrada como princípio constitucional na Carta Magna de 1988, foi nas universidades estaduais paulistas que a autonomia universitária foi aplicada em sua plenitude, mediante a instituição do regime de autonomia financeira com vinculação orçamentária. A sistemática instalada no Estado de São Paulo, através de decreto do governador, garante um percentual de recursos provenientes da arrecadação de ICMS, cabendo às universidades executar o orçamento de acordo com o planejamento aprovado por seus órgãos colegiados, sem restrições burocráticas ou políticas, submetendo suas ações à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado. Inicialmente, foram destinados 8,4% para as três universidades, percentual que foi aumentado em 1992 para 9% e em 1995 para 9,57%, índice que desde então se mantém. Ao contrário do modelo anterior, em que os recursos eram repassados sob demanda, a autonomia tornou possível incorporar conceitos de gestão que antes eram impossíveis de serem aplicados às universidades públicas, dada sua dependência do controle centralizado e da política de liberações financeiras em conta-gotas. Seu escopo, arrojado para a época e ainda hoje singular no país, é permitir que as universidades paulistas se autoadministrem tendo como parâmetros o comportamento da economia, a escolha de prioridades e, principalmente, a responsabilidade no uso dos recursos públicos. Graças a essa configuração, as mudanças burocráticas do Estado, normais de um governo para outro, não têm o poder de interferir no princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. “A autonomia foi um marco”, reconhece o médico Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva, pró-reitor de Desenvolvimento Universitário. Há 40 anos na Unicamp, desde que ingressou como aluno na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), ele afirma que acompanhou de perto todo o processo de construção e expansão da Unicamp em diferentes momentos. “O modelo da autonomia paulista tornou-se referência em todo o país e suas três universidades públicas expressam um exemplo de vinculação real com a sociedade, de compromisso com os problemas sociais e com a lisura no trato do bem público”, diz. “De maneira objetiva, elas podem demonstrar isso por meio de indicadores de qualidade e de produtividade, que abrangem o ensino, a pesquisa e os serviços prestados à comunidade”, completa. Até a concessão da autonomia, o orçamento da Universidade era definido anualmente pela Secretaria Estadual de Economia e Planejamento baseado no histórico passado. Ou seja, a Secretaria fixava um orçamento que era vigente para o ano inteiro. A partir da autonomia, a Universidade passou a gerir seus próprios recursos e teve que aprender a fazer esta gestão considerando
as flutuações da atividade econômica e seus reflexos sobre a arrecadação do ICMS. Segundo Rodrigues, no início da autonomia os recursos eram suficientes para pagar a folha de funcionários e fazer novos investimentos. “Tanto que, nessa fase, foram desenvolvidos inúmeros projetos”, lembra. Pouco tempo depois, porém, passamos por uma fase de alta inflação e, por maior que fosse a arrecadação, o dinheiro se desvalorizava diariamente. A situação só se estabilizou cinco anos após a implantação do novo modelo. “A partir daí, passamos a fazer tudo absolutamente dentro do planejado”, conta. Esse planejamento também foi estudado com base na média dos anos anteriores. Dessa forma, a Unicamp passou a trabalhar com a previsão de gasto de 85% com a folha de pessoal. “Pode parecer muito, mas é preciso levar em conta que a coisa mais importante da Universidade é pagar as pessoas oferecendo bons salários porque o mercado é muito competitivo”, explica Rodrigues. Os outros 15% são necessários para fazer a Universidade funcionar, para o custeio e investimentos. É por isso, segundo Rodrigues, que a gestão dos recursos precisa ser muito bem feita. Com o passar dos anos, especialmente na segunda metade da década de 90, a Unicamp aperfeiçoou a forma de gerir os recursos, estruturando uma proposta de distribuição orçamentária bastante discutida internamente e com base nos parâmetros econômicos da Secretaria da Fazenda. A Secretaria faz uma previsão mensal de arrecadação de ICMS e repassa os recursos a cada 15 dias, no 4º dia útil e no dia 20 de cada mês. Se a previsão se confirma, os valores são mantidos. Se a arrecadação for maior ou menor que o valor previsto, a diferença é creditada ou debitada do repasse do próximo mês. De acordo com Rodrigues, o orçamento da Universidade além de conter uma distribuição detalhada dos recursos, que é debatida em vários fóruns, é também revisado a cada três meses. Se as receitas forem maiores
O pró-reitor Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva: “O modelo da autonomia paulista tornou-se referência em todo o país” Foto: Felipe Christ
Antonio Félix Duarte, assessor de planejamento orçamentário: número crescente de aposentadorias foi um desafio Foto: Antoninho Perri
do que estava previsto, os recursos são redistribuídos. Se forem menores, são adotadas medidas de contenção de despesas. A análise das movimentações serve de referência para as negociações salariais na data-base da categoria em maio, e também para propor investimentos, após a segunda revisão orçamentária no meio do ano. “A Universidade é que estabelece as prioridades, de forma democrática, sempre considerando que o mais importante é valorizar seus servidores e preservar o poder aquisitivo dos salários”, afirma. Também é importante atrair bons professores e bons profissionais, por meio de salários competitivos. Segundo avalia Rodrigues, a Unicamp e as outras universidades paulistas nunca teriam alcançado o grau de desenvolvimento em que se encontram se não tivessem autonomia. Os resultados desse modelo podem ser aferidos pelos indicadores obtidos após a implantação da autonomia. Ele ressalta que a Unicamp atrai os melhores alunos por meio de um vestibular competitivo e conta com a menor evasão nos cursos de graduação. Além disso, os alunos que se formam na instituição têm emprego praticamente garantido, os cursos de pós-graduação são os mais bem avaliados do País e, a produção científica per capita da Unicamp é maior que das outras universidades. “Os resultados apontam que no Brasil é possível fazer educação superior e pesquisa de qualidade”, diz. De acordo com Antonio Félix Duarte, assessor de planejamento orçamentário da Unicamp, um dos grandes desafios a ser enfrentado no período pós-autonomia foi a questão do número crescente de aposentadorias. Quando a autonomia foi implantada, a Unicamp tinha pouco mais de 20 anos e 157 aposentados. Atualmente, são 3.185, um crescimento de 1.929%, fato que ampliou a participação desses dispêndios na folha de pagamento de 2,78% em 1989 para os atuais 25,6%.
ÊXITO
Laboratório no Instituto de Física: condição de autônoma colaborou para liderança nacional da Unicamp em indicadores de pesquisa
Paulo Rodrigues informa que a Unicamp, atualmente, só recruta professores com titulação mínima de doutorado e funcionários com pelo menos nível médio. “Nossos servidores já entram sabendo informática e muitos dominam outra língua. “O quadro foi reduzido, mas é mais qualificado. Essa é a fórmula que encontramos”, afirma. Rodrigues avalia que o balanço dos últimos anos aponta que a autonomia é um projeto bem-sucedido. Atualmente, a Universidade produz mais e tem mais estabilidade no seu quadro de pessoal. “Se esse modelo for mantido, a Universidade só tende a crescer”, afirma. Para Rodrigues, entre os desafios oriundos da autonomia estão aumentar os recursos extra-orçamentários e manter o compromisso social da Universidade. Em relação aos recursos extra-orçamentários, a Unicamp tem condições de buscá-los no setor produtivo, com o qual tem um bom relacionamento. “Prova disso é que a Unicamp é líder de patentes entre as universidades brasileiras”, diz. “Por outro lado, isso demonstra sua preocupação em gerar novos conhecimentos para o setor produtivo e, desta forma, aumentar a riqueza do País”, completa.
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Atraindo cérebros de fora A trajetória de três professores estrangeiros que construíram suas carreiras na Unicamp Foto: Felipe Christ
DENIZE ASSIS Especial para o JU
s melhores instituições de ensino superior no mundo, tanto as seculares como as novatas que têm despontado como potências acadêmicas, buscam atrair professores estrangeiros para integrar seu quadro docente. A vocação cosmopolita sempre foi um das características da Unicamp, desde sua fundação até os dias de hoje, com a adoção de programas que visam recrutar professores de outros países. A professora Doris Kowaltowski, do Departamento de Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) foi contratada pela Unicamp em 1988, quando a instituição lançou o Programa Qualidade, com o objetivo de aumentar o número de doutores docentes. Doris, que nasceu na Alemanha e se formou em arquitetura na Austrália, em 1969, havia concluído o doutorado nos Estados Unidos, na Universidade de Berkeley, onde conheceu e se casou com um brasileiro que, na ocasião, também fazia doutorado na mesma instituição, na área de computação. Ela conta que, ao desembarcar no Brasil, não havia planejado ser professora universitária. Morou primeiramente em São Paulo, até seu marido ser contratado pela Unicamp. Em Campinas, chegou a trabalhar como arquiteta autônoma e no Laboratório de Luz Síncroton, até ser, como ela mesma conta, “descoberta” pela Unicamp. Segundo Doris, a Universidade, em razão do Programa Qualidade, pretendia contratar doutores. O diretor da Faculdade de Engenharia Civil – na época o curso funcionava no campus de Limeira – soube que havia uma “mocinha” com PhD em arquitetura em Berkeley circulando pela Unicamp. Depois de chamá-la para uma entrevista, acabou contratando-a. “Éramos quatro arquitetos como professores nas áreas de desenho, planejamento urbano e projeto arquitetônico, porque o engenheiro civil precisa ter uma base destas questões também”, relata. De acordo com Doris, na ocasião já circulavam boatos sobre a criação de um curso de Arquitetura. Logo que obteve esta informação, ela reuniu-se com os outros arquitetos professores da Engenharia Civil e elaborou a proposta do curso que, conforme explica, foi rejeitada principalmente porque a Engenharia Civil estava sediada na cidade de Limeira. “Havia um movimento para trazer o curso para Campinas, já que era importante que os alunos dos cursos de engenharia civil tivessem contato com estudantes de outras engenharias e da Matemática. Principalmente por este motivo, a proposta do curso de Arquitetura em Limeira não vingou”, afirma. Um ano depois de ter sido contratada, a Engenharia Civil foi transferida para Campinas, e Doris começou a fazer pesquisas, não só na área de arquitetura. Com outras pessoas, desenvolveu o primeiro projeto pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), formando um grupo com espírito de pesquisa. “Sempre tive o intuito de fazer pesquisa em grupo, porque considero que há um bom retorno. A crítica, propiciada pelo conjunto, melhora o resultado final”, argumenta. Conforme Doris, quando o grupo passou a realizar pesquisas na área de arquitetura, mesmo que envolvendo físicos e engenheiros, veio à tona novamente a proposta do curso de Arquitetura na graduação. Quando surgiu a proposta dos cursos noturnos – a legislação determina um terço das vagas de graduação em cursos à noite –, novamente Doris, com mais três docentes do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas (IFCH) e do Instituto de Artes (IA), propôs a criação do curso noturno de Arquitetura. “O reitor nos deu três semanas para apresentar a
A professora Doris Kowaltowski, alemã formada na Austrália: ajudando a implantar o curso de Arquitetura Fotos: Antoninho Perri
O professor Roy Bruns: “Quando vou aos Estados Unidos e fico mais do que dez dias, já sinto saudades do Brasil” proposta, que foi aprovada. Houve muita discussão. Alguns achavam que era muita ousadia, quatro pessoas lançando um curso de arquitetura. E à noite. Em 1999, nasceu o curso e os resultados da primeira turma foram tão bons que ninguém mais protestou. Os primeiros cinco anos não foram fáceis. Foi uma luta para defender e consolidar a proposta. Eu tive papel interessante nesta luta. Sinto-me feliz e recompensada”, comemora Doris. O curso de Arquitetura tornou-se tão popular que, por várias vezes, foi o segundo mais procurado no vestibular. Depois, quando o curso de graduação se consolidou, Doris também contribuiu para a criação do programa de pós-graduação na área. “Fizemos pesquisas e orientamos alunos da Engenharia Civil no âmbito das áreas de engenharia e construção”, relembra. A falar dessa iniciativa, a professora observa que o contando parece simples, mas as críticas foram muitas. Alguns chegavam a questionar como era possível um aluno da engenharia civil pesquisar “coisas esquisitas” da arquitetura. Mas Doris foi categórica e defendeu a “importância da multidisciplinaridade na contemporaneidade”.
Ela avalia que teve um papel importante na Universidade. Por várias vezes foi coordenadora do curso de Arquitetura. E diz que o reconhecimento extrapola os muros da Universidade. Atualmente, é coordenadora de projeto Fapesp e líder de grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de integrar grupo de trabalho da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (Antac). “Tudo isso mostra que a arquitetura pode desenvolver pesquisa científica e não apenas discursos e projetos”, diz. Também lançou dois livros, um dos quais ela organizou. Neste momento, faz pesquisa em arquitetura escolar. “Sou convidada a dar palestras em todos os lugares. É gratificante. As pessoas estão conhecendo nosso trabalho e reconhecendo a Unicamp”, afirma. Sobre o fato de ter vindo de fora, ela diz que isso proporciona uma visão mais aberta. “Ao conhecer outras culturas, você não tem tantos preconceitos. Tem mais abertura para observar, olhar, ver mais coisas positivas que negativas. Ajuda o fato de falar outras línguas, conhecer outros países”, diz. Segundo Doris, a Unicamp tem feito um esforço para se internacionalizar, o que, no seu entender, “é muito bom porque a Universidade tem que se inserir no mundo globalizado”.
DOS EUA
Carol Collins, professora do IQ: “A Unicamp me deu liberdade para implantar uma linha de pesquisa própria”
Diferentemente da alemã Doris, Carol Collins, professora titular do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, conta que veio dos Estados Unidos para o Brasil especialmente para dar aulas na Unicamp. Ela chegou com o marido em 1974. Os dois vieram como professores convidados para pesquisar cada um em sua área de atuação. Carol desenvolve pesquisa sobre métodos cromatográficos de separação, com destaque para cromatografias líquida e gasosa. Também atua em química radioanalítica, sendo professora titular do Instituto desde 1988. A trajetória de Carol na Unicamp ganhou mais um capítulo com o título de professora emérita recebido no último dia 14 de maio, em cerimônia realizada no Conselho Universitário (Consu). Ela conta que sua vinda para a Unicamp foi resultado de uma conjunção de fatores. “Primeiro, porque nos Estados Unidos as universidades costumam proibir marido e mulher ou pais e filhos de trabalharem na mesma instituição. Eu e meu marido, também professor, queríamos atuar na mesma universidade. Segundo, porque
na época a Unicamp estava trazendo gente de fora do Brasil. E também porque meu orientador se envolveu num programa de intercâmbio.” “Minha vinda demorou um ano para se concretizar. Quando chegamos, não havia laboratório nem biblioteca. Nós montamos os laboratórios. Foram vários anos de dificuldades. Cada vez que íamos para os Estados Unidos, trazíamos duas malas cheias de produtos importados, inclusive reagentes. Meu primeiro aluno veio de Manaus. Cheguei a dar aulas para um ou dois alunos”, diz. Ao rever o caminho percorrido, ela afirma, sem dúvidas, que valeu a pena. “Meu marido e eu fomos aceitos, trabalhamos em coisas de que gostamos”, afirma. No total, Carol já orientou 24 alunos no mestrado e 34 no doutorado. Vários são professores universitários, sendo dois da própria Unicamp. Sobre a Universidade, ela garante que a trajetória foi “impressionante”, ainda mais por ser uma instituição ainda jovem. “Estamos bem. Hoje tem curso noturno, dez vezes mais alunos de pós-graduação do que em 1975. Os professores doutores triplicaram. A Unicamp me deu liberdade para implantar uma linha de pesquisa própria, da qual muito me orgulho, sobretudo por tê-la iniciado”, afirma.
PROPOSTA Roy Bruns, que também recebeu o título de professor emérito dia 14 de maio, chegou ao Instituto de Química da Unicamp em 1971. Recém-formado, com doutorado e pós-doutorado nos Estados Unidos, ele estava procurando um emprego em universidade e queria formar seu próprio grupo de pesquisa. “Entre as propostas, a da Unicamp foi a melhor. Cheguei no primeiro dia em que o IQ ocupou este espaço em que estamos até hoje. Só havia uma dezena de professores, e eu tinha muita dúvida sobre o sucesso desta empreitada. Não havia nem biblioteca nem facilidades de computação, fundamentais na minha área de pesquisa. Eu ia entre duas a três vezes por semana para a USP, em São Paulo, que na época era o centro mais importante em química. Sem a Universidade de São Paulo, eu não teria feito nada por pelo menos dois anos”, afirma. Bruns diz que o contexto político do Brasil, sob ditadura militar, também era complicado quando ele chegou. Ele recorda que era uma época difícil, em que não havia como prever o que estava por vir. Tudo começou a melhorar, segundo ele, quando o professor José Aristodemo Pinotti foi reitor. E, depois dessa época, ele avalia que, gradualmente, tudo foi mudando para melhor. “Inclusive, nos últimos 20 anos, a Unicamp e o Brasil melhoraram muito. Tenho muita esperança no futuro, sinto-me realizado. Já formei mais de 50 alunos mestres e doutores e sei onde cada um está”, diz, com a convicção de que o bom professor deve saber o que aconteceu com cada um de seus discípulos. “Meus alunos conseguiram empregos muito bons, a maioria no sistema universitário. E conseguiram fazer bom trabalho. Eu tenho orgulho disso”, afirma. Sobre a trajetória da Unicamp, ele considera que, em termos de pesquisa, de ciência em química, a Universidade é uma escola de “muito vigor”. Ressalta que é possível constatar o resultado pelo número de artigos científicos publicados, além da competência dos alunos formados na instituição. O professor Bruns considera que vir para a Unicamp, para o Brasil, apesar das limitações, foi muito bom. Ele conta que, na época em que chegou, nos Estados Unidos a situação também era difícil. Ele era bolsista da Nasa, que havia dispensado metade do pessoal. “Quando cheguei, pensei: fico dois anos. Se não der certo, volto. Mas tudo funcionou e acabei criando laços com o país, família, etc. Agora, quando vou aos Estados Unidos e fico mais do que dez dias lá, já sinto saudades do Brasil.”
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Da graduação à docência
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Alunos formados nas primeiras turmas viram professores e são testemunhas de todas as fases da Universidade Fotos: Felipe Christ
esde sua implantação e ao longo de sua história, a Unicamp sempre contou com um corpo docente cuja marca foi a excelência. Por ser uma universidade jovem, alunos das primeiras turmas formadas na instituição dão hoje sua contribuição na docência, dedicando-se há quase meio século à instituição.
O professor Rogério Antunes Pereira Filho, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), foi aluno da primeira turma de medicina. Ele entrou na Universidade aos 18 anos, em 1963, quando a unidade ainda se chamava Faculdade de Medicina de Campinas – em 28 de dezembro de 1962, era criada oficialmente, pelo então governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, aquela que seria o embrião da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas (UEC), à qual foi incorporada a Faculdade de Medicina. Pereira fez residência em clínica médica, doutorado e tornou-se professor assistente. Segundo o médico, os primeiros alunos eram chamados de “caipiras”, porque a turma, de 50 alunos, contava com uma maioria de alunos oriundos de cidades do interior paulista. “Campinas era vista como uma cidade tradicionalista, de médio porte. A referência para estudantes do interior, até então, era Ribeirão Preto, considerada mais aberta. Até por isso, a maior parte do tempo dos alunos era vivida na faculdade, embora naquela época a instituição não dispusesse de boas acomodações”, afirma. O curso funcionava na Maternidade de Campinas, cujo prédio ainda estava sendo construído. “Eram 50 cadeiras, tipo ‘Cinema Paradiso’, piso de cimento”, lembra.
O pró-reitor João Frederico da Costa Azevedo Meyer: “Estou na Unicamp porque tive espaço para o meu desenvolvimento”
Depois de dois anos no prédio da Maternidade, a unidade foi transferida para a Irmandade Santa Casa de Misericórdia, no Centro de Campinas. “Adorávamos aquele local, apesar de o prédio ser totalmente inadequado e a construção histórica não permitir reformas. O primeiro reitor foi Cantídio de Moura Campos, que era professor da USP e não conseguiu realizar muita coisa”, recorda. Com o golpe militar de 1964, a universidade formalmente acabou. Sua implantação só voltou a ser discutida alguns meses depois graças a Zeferino Vaz, que instituiu uma comissão para tocar o projeto de sua implantação. Os alunos da Medicina estavam inseguros quanto ao futuro. “Mas Zeferino reuniu-se com a gente e nos convenceu de que o investimento seria no campus, em detrimento daquele espaço que a escola ocupava. Dessa forma, foram sendo constituídas as outras faculdades, instalando-se a partir daí a Universidade. Anos depois, já saudosos, saímos da Santa Casa, mas fomos para um lugar maravilhoso. Atualmente, quando a gente olha a grandiosidade deste campus, quase não dá para acreditar”, afirma.
“MINHA CASA” A ligação de Rogério com a Unicamp já data de quase meio século. Além de aluno e professor, ocupou cargos de gestão, um dos quais como diretor do Hospital de Clínicas (HC). Ele afirma que sua história pessoal está entrelaçada à da instituição. Casou-se com uma egressa da terceira turma de Medicina, na capela da Santa Casa, com os pacientes testemunhando a cerimônia do mezanino da igreja. Seus três filhos também estudaram na Universidade, sendo que um deles é professor da FCM e outro, dentista do HC. “Aqui também é minha casa, conheço todo mundo. Vou me aposentar no ano que vem, de forma compulsória, com muito pesar. Ainda hoje tenho imenso prazer em acordar e ir para a FCM”, testemunha. Como Rogério, o professor João Luiz Carvalho Pinto e Silva, da FCM, também é médico formado na própria Unicamp, só que na segunda turma do curso. Na Unicamp, ele fez residência em ginecologia e obstetrícia, tornou-se mestre e doutor, chegando a professor titular. Sua história na instituição começou em 1964. “O que tem de marcante na minha chegada é que, na semana em que ingressei na faculdade, em março de 1964, as aulas foram interrompidas porque os tanques estavam nas ruas. Foi um período difícil da história, muito complicado do ponto de vista político”, lembra. Ele conta que Zeferino Vaz, fundador e primeiro reitor da Unicamp, conseguiu, desde o início, compor um quadro docente de qualidade. “Ele tinha uma boa conexão com os militares, o que viabilizou a vinda de muita gente boa de fora. Zeferino gostava de talentos e recrutava professores renomados”, conta. Paulistano, João Luiz lembra que, para os estudantes das primeiras turmas de Medicina, morar em Campinas foi complicado porque era a época em que se buscava a instalação da FCM, da Universidade e do campus. “Quando o Hospital de Clínicas foi inaugurado no campus, em 1986, eu já
O professor Rogério Pereira, formado na 1ª turma da Medicina: trajetória pessoal entrelaçada à da instituição era professor e superintendente do hospital. Já havia me formado, feito residência, saído para o exterior, morado em Montevidéu, e voltado. Naquele ano, foram internados os primeiros pacientes. Nesta época, já havia outras faculdades e institutos, entre os quais de Física, Matemática, Biologia e Química. O campus começava a crescer”, declara. Ao lançar um olhar para o passado, o professor reconhece o vigor do desenvolvimento da FCM, do complexo hospitalar e da Unicamp como um todo. Na área médica, ele gosta de lembrar especialmente da atenção dada à área de ginecologia, que cresceu muito dentro do HC, tanto que, como ele mesmo diz, constituiu-se no que atualmente é o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism). A unidade leva o nome do médico e ex-reitor José Aristodemo Pinotti, seu idealizador. Na época em que foi criado, o Caism foi uma inovação. Segundo João Luiz, inicialmente, os gestores da faculdade resistiram à implantação do projeto, proposto por um grupo de docentes do Departamento de Tocoginecologia. “Diziam que nem bem havia sido construído um hospital e já se planejava outro. Felizmente, o projeto foi em frente. A Unicamp passou a ter um hospital dedicado à mulher, que se tornou referência para o Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma.
João Luiz de Carvalho Pinto e Silva, professor da FCM: enfatizando o papel pioneiro das iniciativas desenvolvidas no Caism
No âmbito do Caism, as inovações foram muitas: a forma de organização, a prevenção do câncer do colo do útero e de mama – as primeiras mastectomias conservadoras, sem tirar a mama inteira, reconstruindo-a –, a área de maternidade, com foco na parte estrutural do parto, além da humanização do atendimento. Além disso, o hospital destacou-se por desenvolver em 1978 o primeiro programa do país voltado para grávidas adolescentes. “O modelo serviu como referência para a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Também foi desenvolvido no Caism o programa de assistência às mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. E a unidade conta com uma residência de muita qualidade, a única no país avaliada com nota 6 pela Capes”, afirma o professor. Ele lembra ainda que, no Caism, as pesquisas estão atreladas às necessidades da população. Outro ex-aluno da Unicamp que se tornou docente na instituição é João Frederico da Costa Azevedo Meyer, mais conhecido na comunidade acadêmica como professor Joni. Ele ingressou na Universidade em 1967 cursando Matemática na primeira turma. Hoje é professor do Departamento de Matemática Aplicada e pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários. Segundo o professor, sua trajetória profissional está “costurada à barra da Unicamp”. Ele participou ativamente da luta política, tanto na busca pela democracia do país como pela consolidação da Unicamp. Como aluno, integrou o Centro Acadêmico e participou das equipes que promoviam atividades esportivas, de cultura e lazer. “Era uma época efervescente e de intensa vida universitária, portanto, não era de estranhar que muitos dos alunos quisessem ficar no campus assim que se formassem. Foi o meu caso. Alguns foram para o exterior. Além disso, no contexto político, a Universidade, de certa forma, se constituía num lugar seguro. Meu pai teve que sair do país. Eu achava que era minha obrigação ficar, não apenas pela luta contra a ditadura. Por uma questão ética, achava que tinha que resistir na luta estudantil”, relata. O pró-reitor revela que foi uma opção pessoal seguir carreira na Unicamp, onde fez mestrado e doutorado. Quando se formou, ele poderia ter ido embora, aproveitando que seus pais levavam uma vida bem melhor que a dele fora do país – eram professores nas universidades de Genebra (seu pai) e Princeton (sua mãe). Mas seguir carreira na Unicamp foi a opção. Ele afirma que, na ocasião, já estava “seduzido” por professores que falavam com entusiasmo sobre seus temas de pesquisa, entre os quais Eduardo Sebastiani Ferreira, Paulo Boulos, Mauro de Oliveira César e Ubiratan D’Ambrosio, que fez com que a etnomatemática fosse respeitada internacionalmente. “Estou na Unicamp porque tive espaço para o meu desenvolvimento. O único jeito de a gente viver é quando vale a pena. E valeu”, afirma o próreitor. Jony está aposentado desde 1998, mas garante que só vai deixar a Universidade aos 70 anos, quando sua saída será compulsória. “Porque, daí, não terá mais jeito”.