JU534

Page 1

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012 - ANO XXVI - Nº 534 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

O que falta para a rede elétrica inteligente?

Para saber o grau de picância da pimenta

Imagem: sxc.hu

IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Nanopartículas menores e com melhor dispersão Foto: Antoninho Perri

Imagem: sxc.hu

Página 3

Página 4

Página 5

As rosas que florescem do lodo do esgoto

Câncer infantil: dados para políticas públicas

Gênero na imprensa do início do século 20

Ilustração: Reprodução/ Google Images

Foto: Antoninho Perri

Página 9

Página 11

Foto: Reprodução

Página 12

O labirinto de

Chávez Dissertação de mestrado de Flávio da Silva Mendes, orientada pelo professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), deu origem ao livro Hugo Chávez em seu Labirinto: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela (Alameda-Fapesp). A obra revela como nuances do processo histórico forjaram a ascensão e a conduta do presidente venezuelano, cujo ideário está ancorado no Movimento Bolivariano.

Foto: Manoel Messina

Páginas 6 e 7

Desde a sua eleição, em 1998, Hugo Chávez atrai a atenção da imprensa mundial


2

ARTIGO

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Luiz Thomaz Reis:

das selvas à metrópole FERNANDO DE TACCA

Cândido Mariano da Silva Rondon, recém-saído da academia militar como oficial-engenheiro, participou como ajudante do major Gomes Carneiro nas primeiras comissões de linhas telegráficas formadas a partir de 1889. A partir de 1891, com a Proclamação da República, na qual atuou, o então jovem capitão assumiu a chefia da Comissão Construtora de Linhas Telegráphicas do Araguaia e também a Comissão Construtora de Linhas Telegráphicas no Estado de Matto-Grosso (de Cuiabá a Corumbá, prolongando-se até as fronteiras de Paraguai e Bolívia, 1900-1906). Outra grande empreitada de Rondon foi a chefia da Comissão de Linhas Telegráphicas Estratégicas de Matto-Grosso ao Amazonas, encerrada em 1916, na qual o colocou frente a frente dentro do sertão com vários grupos indígenas de pouco contato com a “civilização”, levando-o a criar o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910. Chamado inicialmente de Serviço de Proteção ao Índio e Localização do Trabalhador Nacional, esse órgão governamental esteve ligado ao Ministério da Agricultura e já trazia a ideia de integração das populações indígenas ao processo produtivo nacional. Influenciado fortemente pelo positivismo, Rondon deu uma característica humanística ao SPI. O espírito científico das grandes expedições do século passado influenciou Rondon a levar junto botânicos, zoólogos e outros cientistas para fazerem levantamentos da fauna e da flora. O levantamento topográfico e geográfico foi feito pelo próprio Rondon e seus ajudantes, e ele também fez levantamentos etnográficos da cultura material de alguns grupos indígenas e medições antropométricos dessas populações. Todos esses trabalhos foram publicados com o título de “Publicações da Comissão Rondon” em pequenos e grandes volumes no total de cem publicações. As diversas comissões chefiadas por ele ficaram conhecidas mais tarde simplesmente como “Comissão Rondon”, e sua atuação na Inspetoria de Fronteiras está inserida nesse contexto na nossa análise. O mito rondoniano foi sacramentado por uma ampla produção biográfica e indicado ao Prêmio Nobel da Paz por Albert Einstein. Depois de vários insucessos, Rondon aceitou a proposta de um jovem oficial que o acompanhava, então tenente Luiz Thomaz Reis, para formar a Secção de Cinematographia e Photographia da Comissão Rondon, em 1912. Major Reis, como ficou conhecido, viajou para a Europa para comprar equipamentos, começando seus primeiros registros em 1914. Reis será o principal cineasta da Comissão Rondon e a criação de uma seção especializada em documentação em material fotossensível foi uma ação inovadora para os padrões da época, necessitando altos investimentos e apropriação de uma tecnologia especializada inexistente no país, principalmente se levarmos em conta que o uso desse material se daria em péssimas condições ambientais, no sentido das dificuldades de transporte e também da alta umidade. Se, por um lado, a persuasão atingia as autoridades através das fotografias presentes nos muitos relatórios, as apresentações dos filmes e os artigos publicados nos principais jornais do país visavam principalmente outro grupo formador de opinião, a elite urbana sedenta de imagens e informações sobre o sertão brasileiro, e Rondon alimentava o espírito nacionalista construindo etnografias fílmicas de um ponto de vista estratégico. O material fotográfico mais consistente foi publicado em três volumes nos respectivos anos de 1946, 1953 e 1956, com o título de “Índios do Brasil”, assinado pelo próprio Rondon, e boa parte da publicação são de fotogramas cinematográficos. A documentação fotográfica dos grupos indígenas da Amazônia foi feita quando Rondon estava na chefia da Inspectoria de Fronteiras, entre 1934 e 1938 (para ele... “A filha mais dileta da Comissão Rondon”). Rondon tinha forte apoio dos órgãos de imprensa nos quais sempre publicou artigos sobre seus trabalhos e completando seu marketing projetava os filmes de Reis em apresentações públicas, seguidas de conferências. Um dos poucos álbuns que pude examinar no Forte de Copacabana, “A Campanha do Paraná. 1924-1925”, com 211 fotografias

do então capitão Thomaz Reis, mostra aspectos tomados durante a ação das Forças em Operações de Guerra contra os rebeldes da Coluna Prestes, nos estados do Paraná e Santa Catarina, sob o comando de Rondon. O filme realizado nessa campanha nunca foi encontrado. A imagética rondoniana é um produto em si mesmo, com um desenvolvimento semiótico da imagem cinematográfica e fotográfica que escapou das esferas específicas de atuação de Rondon para persistir como uma permanência retiniana até os dias de hoje pela sua dinâmica visual interna: uma imagem-conceito. A produção cinematográfica de Reis aponta para uma tríade base ideológica da construção imagética do índio na Comissão Rondon e no período inicial do SPI pautada na perspectiva de uma construção de uma imagem oficial do índio, principalmente pela produção cinematográfica, que destacamos abaixo:

Fotos: Divulgação

1º Recorte: O índio como “bom selvagem”. Filme: “Rituais e Festas Bororo” (1917). Neste filme, o objeto cinematográfico é o índio e sua cultura específica. A documentação do ritual funerário Bororo tornou-se um pioneirismo de Reis no campo do filme etnográfico e demonstrou sua capacidade cinematográfica no registro da cultura. Estamos aqui defronte um índio indicial referente às nossas origens antes dos portugueses; um mito de origem para a nação. 2º Recorte: O índio “pacificado”. Filme: “Ronuro, Selvas do Xingu”(1924). Neste filme, a natureza da documentação é a ação da expedição de desbravamento do Rio Ronuro e os índios são personagens que aparecem nesse caminho e caracterizados no final como existindo por semelhança aos civilizados depois que são vestidos um a um. 3º Recorte: O índio “integrado/aculturado”. Filmes: “Os Carajás” (1932), “Inspetorias de Fronteiras- Alto do Rio Negro” (1938), “Viagem ao Roraimã” (1927) e “Parimã, Fronteiras do Brasil” (1927). Nestes filmes, encontramos a documentação oficial de uma expedição de inspeção das fronteiras e a integração via Estado (SPI) e via religião (Missionários Salesianos). Entretanto, a imagem do índio aparece como um guardião de nossas fronteiras, sendo índio na sua gênese e brasileiro na sua nacionalidade. O índio simbólico foi assim construído como uma superposição de construções imagéticas. O que mais nos chamou a atenção em Reis foi a sua amplitude cinematográfica, começando na aventura de documentar aspectos do sertão brasileiro, revelando e montando seus filmes, muitas vezes em condições adversas da selva. Reis criou encadeamento de planos, com justaposição de pontos de vistas e a articulação de cartelas, característica do cinema mudo, que prenunciavam as ações, dominando a linguagem cinematográfica. Sua viagem inicial para a Europa por volta de 1912 para comprar os equipamentos e, posteriormente, sua viagem para os EUA, em 1918, para tentar distribuir internacionalmente seus filmes, o colocou frente à cadeia cinematográfica, da realização à distribuição. No ano passado foi publicado relatório sobre sua viagem aos EUA encaminhado para Rondon, em 1918. O relatório aparece completo no livro “Viagem ao cinema silencioso do Brasil” (Org. Samuel Paiva & Sheila Schvarzman, Editorial Azougue, 2011), infelizmente sem outras informações sobre sua origem, entretanto, é um documento importante no qual Reis relata suas relações com o campo cinematográfico da cidade de Nova Iorque, quando consegue articular e mostrar um programa cinematográfico de média duração para uma palestra de Theodor Roosevelt, atividade esta ligada à Sociedade Americana de Geografia, na qual o ex-presidente relatou sua viagem ao Brasil entre 1914-1915, acompanhado por Rondon e o próprio Reis. O cineasta também apresenta uma análise do campo cinematográfico nos EUA, e assina um acordo com uma distribuidora de filmes (Interocean), depois de muitas tentativas com outras em-

Cenas dos filmes “Rituaes e Festas Bororo” (1917), “Ronuro, Selvas do Xingu” (1924) e “Inspectoria de Fronteiras” (1938): Reis foi o principal cineasta da Comissão Rondon

presas, todas relatadas com detalhes no relatório, tornando-se provavelmente o primeiro cineasta brasileiro a fazê-lo. Outro relatório posterior, em 1919, também encaminhado para Rondon, Reis relata com detalhes as dificuldades de filmar o ritual funerário Bororo em 1916, descreve tentativas de filmar caçada a onça em Mato Grosso, e apresenta um longo roteiro para ser realizado nas comemorações do centenário da Independência em 1922 (filme não realizado). Nesse relatório informa que no caminho de Cuiabá apresentava os filmes em cidades como Bauru e Corumbá, negociando salas de projeção e bandas de música, com a contabilidade geral, demonstrando os custos e lucros para financiar novos filmes. A extensa produção de Reis, associada à sua visão da complexidade do campo cinematográfico, perpassando sua habilidade técnica na captação e na montagem, assim como na confecção de roteiro, observações sobre a recepção, e articulação do cinema como empreendimento, e mais ainda, mostrando uma capacidade crítica sobre modelos de distribuição cinematográfica, indica que Reis não era somente um cineasta militar perdido na selva, e sim, além de pioneiro, um cineasta com ampla visão do campo cinematográfico.

Fernando de Tacca é professor do Departamento de Multimeios, Mídia & Comunicação, do Instituto de Artes (IA), e autor do livro A Imagética da Comissão Rondon

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http:// twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab (kassab@reitoria.unicamp.br) Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos (kel@unicamp.br) Reportagem Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Editor de fotografia Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editoração Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

rede elétrica inteligente Rumo à

Tese analisa os desafios que o Brasil tem de superar para modernizar o setor

Foto: Antoninho Perri

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

mbora tenha tomado algumas providências, o Brasil ainda precisa fazer uma extensa lição de casa para poder criar as condições necessárias à implantação da chamada smart grid (rede inteligente) no seu sistema elétrico. A opinião é de Carlos Alberto Fróes Lima, que acaba de defender tese de doutorado sobre o tema, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, sob a orientação do professor Gilberto de Martino Jannuzzi. De acordo com o autor do trabalho, questões ligadas à legislação e regulação do uso dessa nova tecnologia seguem aguardando soluções. “A previsão é de que os testes em âmbito nacional possam começar em 2013. Até agora, porém, não foram definidos pontos cruciais como as especificações dos novos medidores e nem mesmo os valores das tarifas. O país ainda está se organizando para estabelecer essas diretrizes”, analisa. Fróes afirma que tais providências são urgentes e fundamentais porque o advento da smart grid proporcionará uma “revolução” do ponto de vista de controle e efetividade dos serviços tanto nos setores de geração, transmissão e distribuição da energia elétrica, quanto no comportamento do consumidor e na relação deste com as concessionárias do setor. “O conceito de smart grid ainda não está disseminado no Brasil, sendo um assunto novo por aqui. Entretanto, ele é muito abrangente, envolvendo muito da eficiência energética e já vem sendo aplicado há algum tempo nos Estados Unidos, Japão e países europeus. A tecnologia cria uma série de possibilidades técnicas, operacionais e também de negócios”, elenca o pesquisador. Dito de modo simplificado, o que se pretende com a introdução da smart grid é dotar a rede elétrica de inteligência, de modo que ela possa ser operada e controlada de forma digital (usando equipamentos com tecnologia de comunicação de dados em cada ponto da rede) e com mais eficiência. Atualmente, explica o autor da tese, a geração já dispõe de tecnologias inteligentes, que ajudam a manter a oferta em níveis adequados, mas também tem seus desafios de inovação. A disposição, agora, é fazer com que a transmissão e a distribuição também atinjam um patamar de operação e supervisão superiores. Uma das alternativas, segundo Fróes, é instalar sensores nos diversos pontos da rede. Com isso, as concessionárias teriam como monitorá-la remotamente, identificando em tempo real eventuais interrupções no fornecimento, perdas técnicas e até mesmo furtos de energia. Mais do que isso, por meio do medidor eletrônico, que deverá substituir o conhecido “relógio” eletromecânico, tanto a empresa fornecedora quanto os próprios clientes terão como acompanhar de maneira mais próxima e frequente o consumo. “Atualmente, um funcionário vai uma vez ao mês até a residência do cliente para registrar o quanto foi consumido no período anterior. Com os recursos da smart grid, isso poderá ser feito a cada 15 minutos, por exemplo, pelas duas partes. Isso fará com que as pessoas possam ter maior controle sobre seus gastos com energia e a concessionária conheça melhor os hábitos dos seus clientes”, detalha Fróes. Além dessas vantagens, prossegue ele, a tecnologia também permitirá que sejam estabelecidas tarifas diferenciadas conforme o período do dia e conforme o consumo. O pesquisador observa que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reguladora do setor, já estabeleceu uma primeira resolução nesse sentido. O documento prevê que o custo da energia no horário de pico será cinco vezes maior do que nos momentos de baixo consumo. “Com isso, o consumidor poderá programar melhor o uso da energia elétrica e, eventualmente, baixar o valor da sua conta. Em vez de tomar banho entre 18h e 21h, por exemplo, ele poderá deixar para fazer sua higiene pessoal depois desse período, quando a tarifa será menor”, exemplifica Fróes. Ocorre, entretanto, que as tarifas a serem praticadas ainda dependem de regulamentação. “Ou seja, a tarifa no horário de pico vai ser cinco vezes maior em relação a que valor? Isso ainda não foi definido”, acrescenta o autor da tese. Segundo ele, uma consequência dessa possível mudança de atitude por parte dos consumidores poderá ser a redução dos investimentos em geração de energia. Ele esclarece que a oferta do serviço não é estimada a partir de uma demanda média, mas com base no pico de consumo. “Ora, se houver uma redução importante do consumo no horário de pico, a geração poderá ter um planejamento operacional diferenciado. Ou, dito de outra maneira, o país poderá crescer e se desenvolver sem que haja a necessidade de investimentos tão grandes em novas gerações”, imagina.

Carlos Alberto Fróes Lima, autor do trabalho: país ainda precisa definir questões ligadas à legislação e regulação do uso da smart grid

Outra alteração que a smart grid poderá introduzir diz respeito à atuação das concessionárias. Fróes diz que, assim como acontece em outros países, as empresas brasileiras poderão ser autorizadas a fornecer outros produtos e serviços além da energia elétrica. Nos Estados Unidos, por exemplo, as companhias do setor podem vender o serviço de operar eletrodomésticos considerados “inteligentes”. Além de serem eficientes e apresentarem um baixo nível de consumo de eletricidade, os aparelhos podem ser operados à distância pelas concessionárias. “Nesse caso, o cliente autoriza a empresa a desligar remotamente o seu aparelho quando chega o horário de pico e quando a oferta de energia não é suficiente para atender toda a população. Isto pode evitar apagões. O cliente também pode acionar ou pedir à concessionária para que o aquecedor seja acionado uma hora antes de ele chegar em casa, durante o inverno”. Ainda no campo das possibilidades, a smart grid pode criar também a figura do consumidor-fornecedor. Desse modo, aquela pessoa que dispõe de um sistema doméstico de geração de energia eólica ou fotovoltaica poderá transferir o excedente da sua produção para a rede, sendo remunerado por isso. “Nessa hipótese, o medidor eletrônico registrará tanto a entrada quando a saída de energia. Mas, para que isso aconteça, será necessário ainda o estabelecimento de normas para não haver interferências de frequências na rede de energia. Do mesmo modo, é preciso estabelecer as especificações técnicas dos medidores, para que os aparelhos executem as funções desejadas”, adverte Fróes. Por fim, o pesquisador lembra que a smart grid poderá se constituir em uma grande oportunidade de negócios no Brasil. Ele observa que os aproximadamente 58 milhões de medidores domésticos convencionais terão que ser substituídos por equipamentos mais modernos. “Esses aparelhos precisão ser fabricados, instalados e consertados, quando for o caso, por alguém. Isso representará a criação de novas empresas e de um importante número de empregos, com a consequente geração de riquezas para o país”, entende o autor da tese. Ao ser questionado sobre quem pagará a conta por toda essa “revolução”, Fróes é direto: “Todos pagaremos, de alguma forma”. De acordo com ele, não se pode afirmar, num primeiro momento, que haverá redução do preço de tarifa por causa da adoção da rede inteligente. Ao contrário, a fase inicial exigirá altos investimentos, o que deve trazer algum tipo de impacto para o bolso do consumidor. “O Brasil vai ter que decidir como isso será feito. No Reino Unido, ficou definido que os clientes é que arcariam com o custo de instalação dos novos medidores. Aqui, a solução terá que ser discutida, inclusive com a participação da sociedade”, pondera. Um aspecto que parece claro, completa Fróes, é que a implantação da smart grid no sistema elétrico brasileiro é uma medida inevitável, em razão das vantagens que ela trará. “Atualmente, nossa rede, que começou a ser implantada na primeira metade do século 20, está obsoleta. É preciso atualizá-la. Penso que esse avanço em direção a uma rede inteligente será feito aos poucos. Afinal, não é possível mudar o setor da noite para o dia. Assim, vamos introduzir alguns neurônios progressivamente, de modo que ela fique cada vez mais inteligente. Outros países já fizeram isso com sucesso. Nós também devemos chegar lá, mas é preciso reafirmar

que muitas questões legais, técnicas e operacionais ainda não foram estabelecidas. Sem essas diretrizes, não iremos a lugar algum. Se a lição de casa não for feita com urgência e competência, os consumidores e o país sairão perdendo”, analisa. Atualmente, a smart grid tem tido alguns de seus recursos testados, de forma piloto, em duas cidades brasileiras: Sete Lagoas, em Minas Gerais, e Parintins, no Amazonas. Na cidade mineira, foram instalados novos medidores e modernos sistemas de telecomunicação, que permitem a troca de dados entre os equipamentos de campo e as centrais computadorizadas. Com isso, a concessionária local tem como monitorar os níveis de consumo da população, bem como identificar, em tempo real, eventuais interrupções no fornecimento de energia. Já no município amazônico, foram instalados sensores em vários pontos da rede de distribuição, que também permitem a intervenção imediata da fornecedora em caso de falhas no sistema. São testes como estes que poderão ser realizados em dimensão nacional em 2013. No ano seguinte, a tecnologia deverá entrar em operação comercial.

Publicações Fróes Lima, Carlos A., Jannuzzi, Gilberto M., Planejando o mercado de smart grid: regulamentação e compromissos com o cliente-consumidor, SNPTEE 2011, outubro 2011, Florianópolis-SC, disponível em http://www.xxisnptee.com.br/ site/ Fróes Lima, Carlos A., Jannuzzi, Gilberto M., Smart Grid will be a Reality. For Developing Countries, Energetic Matrix, Socio-cultural Issues, Regulatory and Local Development Shaping Outcomes, Incomes and Viable the Efficiency Awareness, The 24th International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems, julho 2011, Novi Sad, Serbia, disponível em http:// www.ecos2011.com Fróes Lima, Carlos A., Jannuzzi, Gilberto M., Smart Grid Implementation in Developing Countries: analysis focussing consumer behaviour, markets and regulation, 6o Dubrovnik Conferences on Sustainable Development of Energy, Water and Environment Systems, setembro 2011, Dubrovnik, Croatia, disponível em http://wwwdubrovnik2011.sdewes.org/ Fróes Lima, Carlos A., Jannuzzi, Gilberto M., Smart grid could improve energy business and environmental sustainability in developing countries, 6o Dubrovnik Conferences on Sustainable Development of Energy, Water and Environment Systems, setembro 2011, Dubrovnik, Croatia, disponível em http://wwwdubrovnik2011.sdewes.org/ Tese: “Revolução tecnológica na indústria de energia elétrica com smart grid, suas consequências e possibilidades para o mercado consumidor residencial brasileiro” Autor: Carlos Alberto Fróes Lima Orientador: Gilberto de Martino Jannuzzi Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)


4

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Método quantifica alcaloides que dão picância a pimentas Técnica mostra potencial para eliminar a subjetividade de escala comumente utilizada Fotos: Antoninho Perri

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

esquisa de mestrado do Instituto de Química (IQ) propõe método de análise para quantificação de capsaicinoides (Caps), alcaloides responsáveis pela pungência ou picância das pimentas pertencentes ao gênero Capsicum. Trata-se de um método espectrofotométrico que foi desenvolvido no estudo e que mostrou potencial para eliminar a subjetividade do método mais usado hoje, que se baseia em uma escala organoléptica (que é percebida mediante os sentidos) – a escala Scoville. A técnica empregada pela autora do estudo, Patrícia Tonon de Souza, fornece a concentração dos capsaicinoides totais presentes no fruto e pode ser usada mundialmente, “até onde a pimenta não é apreciada, mesmo porque os Caps não são adotados somente como aditivos alimentares”, salienta a docente do IQ Adriana Vitorino Rossi, orientadora da dissertação. Com isso, para além da culinária, abre-se espaço para novas aplicações de Caps, inclusive para fins terapêuticos, provavelmente na futura produção de medicamentos. Há, nessa direção, estudos sendo feitos no momento acerca das propriedades biológicas dos capsaicinoides em processos metabólicos, e alguns já expressam uma tendência benéfica para a prevenção de doenças cardiovasculares devido às suas propriedades vasodilatadoras. Um deles em particular, publicado na revista Nature de 2007 por Binshtok, A.M. e colaboradores, relatou o estudo da capsaicina (o Caps mais abundante nas pimentas) como agente carreador de uma substância anestésica para as células neurológicas sensíveis à dor. Por outro lado, os Caps estão também na composição das armas químicas. O gás de pimenta é utilizado como sprays manuais e causa grande ardência e desconforto aos olhos. É feito à base de capsaicina, que é comercializada no Brasil na categoria de arma química. As pimentas também são muito valorizadas nos espaços produtores, sendo alvos de disputas pelas mais raras para colecionar, pelas mais picantes e saborosas e pelas novas variedades, comenta a pesquisadora. Para diferentes finalidades, quantificar os Caps será fundamental para o avanço do conhecimento, dimensiona ela. Na sua investigação, foram estudadas diferentes espécies de pimentas Capsicum, o processo de extração dos Caps e a sua quantificação em diferentes estágios de maturação dos frutos. Essas pimentas, que partem de vagens vermelhas, conta a professora, são originárias das Américas. O seu cultivo é feito em hortas, dado que não são espécies arbustivas, sendo as mais populares a dedo de moça, a cumari, a biquinho, a malagueta e a Cambuci, entre outras, que passam por diferentes estágios de maturação. A diferença em relação às pimentas obtidas de grãos (como a pimenta do reino e a da Jamaica, que se formam em árvores) é que os frutos das Capsicum, também conhecidas como “Chilli”, são consumidos por inteiro. Podem ser fatiados e triturados, porém não se trata de grãos. A sua produção é lucrativa e crescente, principalmente no Estado de São Paulo, com uma tendência, hoje, ao uso mais decorativo, presente em lindos potes que ocultam sabores picantes em favor da beleza.

CURIOSIDADE

Atualmente é consensual que as pimentas mais picantes são as mais valiosas. Daí o interesse de avaliar no trabalho se havia uma relação entre o conhecimento popular, ou o que se atribui à picância, e a concentração dos compostos que quimicamente são responsáveis por essa pungência, os Caps. Além do interesse de Patrícia, de estudar as pimentas, de avaliar a popularidade do consumo e dos diferentes usos, outro motivo ainda a inspirou de modo especial: o seu pai tem um restaurante em Joaquim Egídio e sempre nutriu o gosto de cultivar pimentas e de fazer compostas em cachaça ou embebidas em azeite. Ele percebia as variações de sabores das pimentas, “isso porque os vários métodos de conservar e de extrair Caps acabam, de certo modo, por alterar o seu sabor”, ensina a mestranda. A curiosidade do pai era quantificar a pimenta mais

A autora do estudo, Patrícia Tonon de Souza, e a professora Adriana Vitorino Rossi, orientadora: espaço para novas aplicações de Caps

A técnica empregada fornece a concentração dos capsaicinoides totais presentes no fruto

ardida, fato que provocou nela o desejo de saber mais sobre o assunto. Estava então desenhada a ideia inicial do projeto, relata a autora. Em seguida, veio o desenvolvimento do método analítico por espectrofotometria, avaliado em conjunto com o método oficial por cromatografia líquida de alta eficiência. A intenção era conferir se os resultados seriam iguais estatisticamente. E foram. “Chegamos a um método mais simples, mais barato e com resultados comparáveis ao cromatográfico”, revela. Ter chegado a esse método de análise pode levar à possibilidade de oferecê-lo a cooperativas de pequenos produtores. Desse modo, eles teriam à sua disposição um teste rápido para comparação ou indicação a respeito da quantidade de capsaicinoides e da pungência das pimentas. Ainda que não tenham feito um estudo de viabilidade econômica, Patrícia e Adriana apontam que os equipamentos do método proposto são mais acessíveis. “Fizemos isso com o espectrofotômetro, que deve ter um custo em torno de R$ 8 mil, mas também é possível fazer o teste com adaptação colorimétrica com um dispositivo já patenteado e que foi desenvolvido por especialistas do laboratório do IQ [entre eles pela orientadora da dissertação], permitindo fazer medidas análogas com uma simplificação do processo e considerável redução de custo”, realça Adriana. A quem o método poderia interessar? Segundo a docente, além de às cooperativas, aos processadores de molhos. O intuito seria fazer um screening e ter uma estimativa rápida semiquantitativa da ordem de concentração de Caps em pimentas. O processo em si não é complicado: envolve uma reação química modificada pelos Caps e, uma vez conhecendo a reação e sabendo controlar as variáveis envolvidas, é perfeitamente possível de ser aplicada. O solvente, por exemplo, é a cachaça, diferente de outras técnicas que envolvem medidas

espectrofotométricas feitas em ultravioleta e/ou visível. “As nossas estão sendo realizadas na faixa de comprimento da onda do visível, o que, em termos de instrumental, facilita muito, porque qualquer lâmpada simples emite na região do visível. No ultravioleta, não”, compara a professora. Reduz-se assim a interferência de compostos que absorvem no ultravioleta, que é outra faixa de radiação adequada para métodos espectrofotométricos. O método proposto não sofre efeito dos carotenoides, aspecto, aliás, que merece ser destacado devido à abundância destes compostos nas pimentas e que também absorvem na região do visível. Existe um “mito” de que o “extrato de pimenta”, quanto mais vermelho, mais ardido. Isso não é verdade, retruca Adriana, pois a pigmentação vem dos carotenoides, não dos capsaicinoides, que se apresentam incolores em solução. Outra coisa ainda: no estudo houve uma observação dos carotenoides degradarem os Caps nos extratos obtidos, o que pode ser ruim para a sua conservação. A mestranda notou que, quando se extrai muito carotenoide, há diminuição da concentração de Caps e um subproduto é formado durante a conservação dos extratos, podendo decorrer da degradação dos Caps. Logo, não se sabe se esse produto é saboroso, se vai conferir um gosto ruim, se deixará de ter uma propriedade metabólica interessante ou se terá um efeito tóxico. Apesar de não ter essa resposta, Patrícia foi além do seu projeto inicial, dando vazão à sua curiosidade. Ela então avaliou a concentração de Caps em diferentes pimentas, para ver se realmente a mais ardida teria mais capsaicinoides do que a mais suave. A mestranda obteve pimentas verdes, coloridas (amarelas, laranjas e esverdeadas) e maduras (as vermelhas). A maior quantidade de capsaicinoides, verificou, esteve na pimenta madura. Mas não obstante isso, o método demonstrou que pode quantificar Caps de pimentas em qualquer fase de maturação. “Se a pimenta estiver verde ou colorida, não há garantia de que seja tão ardida e a ordem de picância comparativa entre espécies pode não ser a mesma que na fase madura”, descreve.

Publicação Dissertação: “Determinação espectrofotométrica indireta de capsaicinoides em pimentas” Autora: Patrícia Tonon de Souza Orientadora: Adriana Vitorino Rossi Unidade: Instituto de Química (IQ) Financiamento: Capes

Como é a escala Scoville No trabalho, a pesquisadora estabeleceu uma escala de concentração de capsaicinoides proporcional à organoléptica, usual no mercado, que envolve a atribuição de características por provadores treinados para indicar a picância das pimentas. A escala mais usual no momento é a Scoville. Nela, as pimentas são classificadas por números. A mais ardida é a Bhut Jolokia, também utilizada no estudo, que figura com mais de um milhão de Unidades de Calor Scoville.

Nesse método, o provador que vai atribuir a Unidade Scoville tem que experimentar um extrato da pimenta feito em álcool. Ao provar e sentir o ardor do extrato de pimenta, vai diluindo-o numa solução com água e açúcar até não sentir mais nada. “Um milhão de unidades Scoville significa que o provador obtém uma parte do extrato de pimenta e precisa colocar 1 milhão de partes de água com açúcar para não sentir

mais o ardido”, esclarece a professora. O processo é prático, sobretudo por ser realizado por provadores com muita experiência. “Não há como excluir o mérito desse teste, contanto que seja aplicado com critérios”, admite Adriana, pois depende muito do paladar e é em grande parte intuitivo. “Era justamente esse o ponto que queríamos superar – a subjetividade do provador. Assim, o teste independeria do gosto.”


Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

5

Pesquisa estabelece nova rota para a síntese de

nanopartículas de prata

Metodologia desenvolvida no IQ proporciona partículas menores e com melhor dispersão Fotos: Antonio Scarpinetti

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

esquisa desenvolvida para a tese de doutorado do químico Luiz Pereira da Costa, defendida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp, estabeleceu uma nova rota para a síntese de nanopartículas de prata em sistema coloidal. No método proposto, os agentes de redução e de estabilização utilizados nos processos anteriormente conhecidos são dispensados. “Nós empregamos somente um solvente, que responde sozinho pela síntese. A vantagem desta metodologia é que ela proporciona partículas menores e com melhor dispersão do que as obtidas pela rota convencional descrita na literatura”, explica o professor Italo Odone Mazali, que orientou o trabalho juntamente com o colega de IQ, professor Fernando Aparecido Sigoli. De acordo com Italo Mazali, quando se faz a síntese de nanopartículas de prata em suspensão coloidal, normalmente se usa nitrato de prata em associação com um solvente, um agente redutor e outro estabilizador. “Esse agente que promove a estabilização é importante porque, no método convencional, as partículas de prata, que são muito pequenas, tendem a crescer, o que faz com que percam a dimensão manométrica. A função do estabilizador é, portanto, criar uma espécie de proteção química e física em torno das partículas, impedindo desse modo que elas cresçam”, detalha o docente. A redução propriamente dita do metal se dá quando essa composição é submetida a uma fonte de luz ou a um agente químico redutor. Na síntese já conhecida, o solvente utilizado é a dimetilformamida, também conhecida como DMF. No experimento realizado no IQ, porém, essa substância foi substituída pela dimetilacetamida (DMA). O estudo que demonstrou porque o DMA tem um melhor desempenho para a obtenção das dispersões coloidais de nanopartículas de prata contou com o apoio do professor André Formiga, também do IQ. “Com esse solvente, nós conseguimos obter partículas de prata altamente dispersas, estáveis em suspensão por longos períodos e com tamanho da ordem de cinco nanômetros. Esse resultado é superior ao alcançado pelas rotas convencionais. É preciso lembrar que o tamanho, a morfologia e a estrutura do material interferem diretamente nas suas propriedades”, observa Fernando Sigoli. Segundo ele, o fato de as nanopartículas de prata obtidas pela nova metodologia terem formato esférico, apresentarem tamanhos sem grande variação e permanecerem dispersas por longos períodos possibilita a exploração da propriedade plasmônica desse material em experimentos ópticos. Um dos aspectos estudados pelos pesquisadores do IQ relacionado com essas partículas é o efeito SERS, que intensifica o espalhamento do efeito Raman. Este último é uma técnica que utiliza uma fonte de luz monocromática (laser), a qual, ao atingir um determinado objeto, é espalhada por ele, gerando uma luz que pode apresentar energia igual ou diferente da incidente. Outro ponto investigado é a capacidade das partículas de prata de intensificar a luminescência dos íons lantanídeos, que estão presentes, por exemplo, nas lâmpadas fluorescentes. Dito de maneira simplificada, o que os cientistas fazem é promover a ligação do íon lantanídeo com uma molécula orgânica, para gerar uma transferência de energia, que, ao final, juntamente com as nanopartículas de prata, podem intensificar a emissão dos íons lantanídeos. A idéia, conforme os docentes da Unicamp, é empregar esse material para o desenvolvimento de sensores para aplicação em diferentes áreas. “Nós estamos desenvolvendo sensores de temperatura e de oxigênio em colaboração com o professor Ivo Raimundo Júnior, aqui do IQ. Nosso objetivo, agora, é direcionar as pesquisas para o desenvolvimento de tecnologias aplicadas a outros tipos de sensores e a biossensores”, adianta Fernando Sigoli. O professor do IQ destaca que o trabalho ainda está no começo, mas que as pesquisas têm se mostrado muito promissoras. “Podemos dizer que estamos criando uma plataforma para poder dar sequência a um projeto mais amplo”, acrescenta. Italo Mazali destaca que a equipe de pesquisadores tem se voltado também para o melhor entendimento do mecanismo de redução da prata pelo solvente. Ele esclarece que essa preocupação é importante, pois está diretamente relacionada com a educação dos alunos de pós-graduação. “Como mencionado anteriormente, a compreensão dos conceitos de tamanho, morfologia e estruturação dos materiais são indispensáveis e estão no estado da arte nessa área do conhecimento. Assim, trabalhos como este dão aos estudantes uma formação que está em sintonia com o que ocorre nos melhores centros de pesquisas do mundo”, analisa o docente do IQ. Acerca dos trabalhos desenvolvidos no Instituto, tanto Italo Mazali quanto Fernando Sigoli consideram que eles estão repercutindo bem entre a comunidade científica. Os trabalhos envolvendo as nanopartículas de prata têm sido apresentados em congressos internacionais. Nesses eventos, os cientistas estrangeiros sempre demonstram muito interesse em relação à rota proposta pelo IQ para a síntese do nano-

Os professores Italo Mazali (à esq.) e Fernando Sigoli: partículas têm propriedades ópticas interessantes

Espectrômetro Raman, equipamento utilizado para analisar o efeito SERS das partículas

material. “Temos alunos nossos de pós-graduação que estão complementando a formação em universidades importantes da Alemanha, Suíça e Canadá. Um quarto está indo agora para os Estados Unidos. A aceitação deles por essas instituições significa que estamos trilhando o caminho certo”, diz Italo Mazali. Os dois docentes do IQ lembram que as partículas de prata não têm somente propriedades ópticas interessantes. O material também é conhecido por agir como bactericida, tema esse de interesse de outros grupos de pesquisas do IQ. Esse atributo tem sido explorado há algum tempo pela ciência, que desenvolveu inúmeras tecnologias a partir dele. Atualmente, estão disponíveis no mercado diversos produtos que utilizam as nanopartículas como agente bactericida, como geladeira, máquina de lavar roupa, ar-condicionado, roupas e palmilhas de sapato.

SÍLICA Depois de estabelecerem uma nova rota para a síntese de nanopartículas de prata, os pesquisadores do IQ desenvolveram um estudo complementar, a partir da metodologia. Eles utilizaram um material poroso (sílica), cuja estrutura apresenta uma série de pequenos canais que estão perfeitamente ordenados em arranjo hexagonal, para servir como uma espécie de cápsula para abrigar as diminutas frações do metal. “Nós usamos a nova rota para produzir as nanopartículas de prata dentro desses canais. Encapsulada numa matriz desse tipo, a prata pode ser aplicada, por exemplo, em catálises. Agora, nós também pretendemos introduzir os íons lantanídeos nesses canais, de modo a promover a interação entre eles com as partículas de prata. O objetivo é intensificar a emissão desses íons”, detalha Italo Mazali. Segundo Fernando Sigoli, boa parte desses experimentos tem sido desenvolvida no Laboratório Multiusuário de Espectroscopia Óptica Avançada (LMEOA), instalado no IQ. A

implantação da unidade foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De acordo com Italo Mazali, o LMEOA é dotado com dois equipamentos altamente avançados, um Espectrômetro Raman e um Espectrofluorímetro. Juntos, custaram aproximadamente US$ 800 mil. São eles que permitem as análises do efeito SERS das nanopartículas de prata, bem como o efeito antena em relação aos íons lantanídeos. O LMEOA é coordenado pelo Professor Yoshitaka Gushikem, do IQ, sendo que Italo Mazali e Fernando Sigoli participaram ativamente da sua implementação e fazem parte do Comitê Gestor. Além deles, outros 20 docentes do Instituto estão agregados ao projeto. “O objetivo deste laboratório é fornecer à comunidade científica dois equipamentos importantes no estudo de materiais, racionalizando o tempo e o uso dos mesmos. A unidade procura atender a demanda qualificada de forma adequada e dentro do estado da arte das abordagens científicas. Assim, o laboratório está à disposição dos pesquisadores de todo o Estado de São Paulo. Estes, para utilizá-lo, precisam apresentar uma proposta de pesquisa que será julgada pelo Comitê Gestor, a fim de credenciá-la para a utilização dos equipamentos, com agendamento prévio”, esclarece Fernando Sigoli.

Publicações MARONEZE, C.M., COSTA, L.P., SIGOLI, F.A., GUSHIKEM, Y., MAZALI, I.O. One-step preparation of silver nanoparticles confined into functionalized-free SBA-15 channels. Synth. Metals, v.160, p.2099-2103, 2010. COSTA, L.P., FORMIGA, A.L.B., MAZALI, I.O., SIGOLI, F.A. Spontaneous formation of highly dispersed spheroidal metallic silver nanoparticles in surfactant-free N,N-dimethylacetamide. Synthetic Metals, v.161, p.1517-1521, 2011.


6

7

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Livro esquadrinha processo que levou Hugo Chávez ao poder Foto: Manoel Messina

Fundamentada em dissertação, obra evita maniqueísmo e mostra como o Movimento Bolivariano norteia as escolhas do presidente venezuelano CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

uando cursava ciências sociais na USP, Flávio da Silva Mendes surpreendia-se com o antagonismo dos discursos sobre o governo de Hugo Chávez, da Venezuela, que permeavam os meios acadêmicos e aqueles veiculados na grande imprensa. Intrigado e motivado pelo interesse que sempre manifestara pela política na América Latina, ele se propôs a estudar o que determinava essa dicotomia. A oportunidade surgiu ao receber uma bolsa de mestrado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Mendes admite que muitas dúvidas o perseguiam ao elaborar o projeto, em parte dirimidas ao longo dos três meses em que esteve em Caracas, no início de 2009. Lembra que ao chegar recebeu um choque e somente com as pesquisas e os contatos começou a entender o que realmente estava acontecendo no país. Foi quando se deu conta de que, tanto os discursos mais politizados, que ocorrem nos meios acadêmicos do Brasil, quanto os vinculados na imprensa, são distorcidos por várias razões e não refletem a realidade. É o que procura mostrar em sua dissertação de mestrado, orientada pelo professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, financiada pelo CNPq, que deu origem ao livro Hugo Chávez em seu Labirinto: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela, recém-lançado pela editora Alameda e publicado com o apoio da Fapesp. O titulo faz clara referência ao livro O general em seu Labirinto, de Gabriel Garcia Márquez (1989), que trata dos últimos dias da vida de Simón Bolívar [1783-1830], de cujos ideais estão supostamente impregnados a cultura da Venezuela e o discurso de Hugo Chávez. Para o autor, o país tem também o seu “general” e o seu “labirinto”, mas como no romance de Garcia Márquez, o personagem principal não conhece seu final nem tem poderes ilimitados, como parece, para conduzir o seu enredo. No estudo, ele considera fundamental entender a ascensão de Chávez como produto histórico. “Não é ele que produz o processo; é o processo que leva a ele”, diz convicto. Por isso, se propôs a entender a origem do Movimento Bolivariano, que aglutinou o nacionalismo militar e a esquerda. Em decorrência do estudo, ele constata que, apesar das muitas tentativas e projetos do governo Chávez, as mudanças econômicas pretendidas tiveram pequeno avanço. Os resultados mais interessantes envolvem a política social, de que resultou a melhoria da condição de vida da população mais pobre. Apesar das especulações sobre a saúde de Chávez, ele acredita que apenas uma ocorrência muito grave ou uma tragédia o levaria à derrota nas eleições de 8 de outubro próximo. Para ele, “o processo da revolução bolivariana tende a continuar, embora tenha atingido certa estabilidade depois de vários anos de confronto mais acirrado com as oposições. A mobilidade desse processo vai depender do crescimento do grau de consciência da população, que constitui a própria base do governo”. Entre algumas das principais impressões decorrentes de sua estada na Venezuela, Mendes menciona a polarização das opiniões em relação ao governo: não há matizes, ou se é chavista ou antichavista. Constatou nas ruas que qualquer tentativa de relativizar a opinião resulta inútil e determina a classificação de contra ou a favor. Na Universidade Central da Venezuela, os professores se revelam opositores em sua maioria. A classe média e os intelectuais participam das marchas organizadas pela oposição, ao contrário dos pobres, revelando uma divisão social de classes. Para o autor do livro, a adesão dos mais pobres decorre da melhoria de suas condições materiais, redução do custo de vida, ampliação da rede de proteção social, e de uma economia que gera mais renda. A população sente-se representada pelo governo, identificação que ocorre até em relação às feições de Chávez, semelhantes aos povos do sul do país, diferentes dos políticos anteriores cujos traços remetem à “elite”. No apoio a Chávez está subjacente a visão de que a Venezuela depende dele e de seu projeto de governo, que os partidos aliados e o exército não conseguem implementar. Com efeito, a coalizão de grupos muito diferentes que apoia o governo acirra as disputas internas e leva à troca constante de ministros na tentativa de atender às bases de apoio. Na opinião de Mendes, a classe média não conseguiu retomar o poder de consumo que detinha anteriormente. Chávez não se mostra sensível a tais descontentamentos e às reivindicações desses segmentos que pleiteiam melhoria nos transportes, aumento da segurança e eficiência na coleta de lixo, problemas sensíveis particularmente nas cidades maiores. Essas críticas repercutem nos jornais e na televisão, nos quais o governo é mostrado sem capacidade administrativa, corrupto e autoritário. O autor diz que essas críticas ocorrem até na base do governo. De um professor favorável a Chávez, ele ouviu que “o governo está muito preocupado em fazer a revolução, mas se esquece de tirar o lixo”. Ressalva, entretanto, que Chávez não é o responsável por esses e outros problemas históricos, mas que efetivamente ele encontra muita dificuldade em revertê-los. Na orelha do livro, o professor Marcelo Ridenti diz que a obra vem preencher uma lacuna nos estudos brasileiros sobre a América Latina, pois, com base em ampla bibliografia e uma pesquisa de campo em Caracas, o autor explica as origens sociais e políticas do bolivarianismo e do chavismo, seus dilemas e perspectivas. O trabalho remonta-se à ascensão da democracia representativa na Venezuela – com a queda do ditador Pérez Jiménez – fundada economicamente na exploração do petróleo, que levou à articulação de diferentes forças sociais e políticas. Esse período de quarenta anos se sustentou com base no Pacto de Punto Fijo, estabelecido em 1958 entre os dois partidos mais destacados, a Ação Democrática (AD) e o Copei, respectivamente socialdemocratas e democratas cristãos, que se revezaram no poder até a crise que levaria à eleição de Chávez em 1998.

‘Percebi o quanto os olhares de um estrangeiro e de um nativo sobre a história de um país tendem a divergir’

HISTORIOGRAFIA

O livro de Flávio Mendes mostra como a partir de um processo social conturbado surgiram dentro do exército, a partir dos anos 70, o Movimento Bolivariano e a liderança do tenente-coronel Chávez. A ideia subjacente ao movimento era a de que o projeto libertador de Simón Bolívar fora traído ao longo da história da Venezuela e precisava ser retomado. Ele analisa como o discurso liberal utópico de Bolívar se converte em um discurso de esquerda. Desde sua implantação, a democracia do Pacto de Punto Fijo se sustenta no petróleo, e o país é inundado por produtos importados a baixo custo, criando a falsa impressão de uma nação em pleno desenvolvimento. O Estado mantinha uma grande rede de proteção social para os mais pobres, a classe média viajava muito e fazia compras em Miami e os ricos não tinham do que reclamar. Acontece que, com o desaquecimento global da economia, nos anos 80, o PIB venezuelano, em grande parte dependente do petróleo, desaba. Com isso, a rede de proteção social encolhe, cai a capacidade de compra da classe média no exterior, os ricos ligados às atividades petrolíferas assistem à queda dos seus rendimentos e, em consequência, os dois partidos que se revezavam no poder sofrem contestações. O ponto alto dessa crise ocorreu em 1989, quando a reação popular contra um pacote econômico recessivo do então presidente, Carlos Andrés Pérez, resultou numa imensa onda de protestos de rua e saques contra estabelecimentos comerciais que ficou conhecida como Caracazo. Após uma semana de distúrbios, duramente reprimidos pelo exército, centenas de pessoas morreram, segundo dados oficiais até hoje contestados por entidades de direitos humanos do país. O governo passa a ser acusado de populista, corrupto e sem capacidade de promover os avanços sociais necessários. Ressurge então a grande questão que se remete aos anos 20: a pequena capacidade de produção da Venezuela. Com efeito, desde o período democrático se discutia a necessidade de converter a renda petrolífera em investimentos para o desenvolvimento da indústria nacional e da agricultura. Por que essa política não foi implementada? O autor explica que os royalties originários do petróleo fazem do Estado o indutor e investidor da atividade econômica, resultando daí uma economia de escassos investimentos internos. Com a supervalorização da moeda nacional, ocorrem a facilidade das importações e o encarecimento das exportações, levando a um fenômeno que Celso Furtado denomina de doença holandesa. “Ocorre quando um país detém um produto muito rentável no mercado externo e não consegue converter essa renda em investimentos. A minha hipótese é a de que o custo político para isso seria grande. É muito mais fácil importar os bens necessários, investir na rede social, adotar soluções mais imediatas em vez de conscientizar a população sobre a importância de utilizar o dinheiro abundante na indústria de base para depois colher os frutos. Aparentemente é um processo que permeia a dinâmica de todos os segmentos da sociedade e não apenas os quadros dirigentes. O governo Chávez continua enfrentando em grande medida essa mesma questão”, diz Mendes. A crise dos anos 80 se estende até 1998, quando Chávez é eleito com o esgotamento definitivo da democracia de Punto Fijo. O autor procura mostrar que Chávez assumiu um país esfacelado por sucessivas crises, as quais propunha reverter, apoiado por uma coligação de vários movimentos de esquerda que se opunham aos dois partidos então hegemônicos, já sem força eleitoral, e que foi eleito por uma população impulsionada por forte desejo de mudanças. Durante o novo governo, a renda proveniente do petróleo voltou a aumentar com a entrada da China no mercado internacional, no início dos anos 2000, e posteriormente com a nacionalização das empresas petrolíferas, que ocasionaram várias tentativas de golpes, derrotados com o apoio popular.

CENÁRIO

Que cenário se delineia na Venezuela? Ao chegar ao país, o autor se deu conta de que a esquerda, que em tese seria a responsável pelas propostas de um novo modelo social e econômico, nunca conseguiu se desvincular da imagem de Chávez e não tem condições de conduzir nenhum projeto sem ele. Igualmente nada se espera de uma oposição muito dividida. Com Chávez fora do cenário, pode haver o caos. Ele acredita que o crescimento econômico e a ampliação dos benefícios sociais nos últimos anos decorrem em grande parte da renda petrolífera. A população carente tem acesso a produtos subsidiados, ao sistema de saúde gratuito, se beneficia da queda do custo de vida. Confirmada essa dependência, uma nova queda no preço do petróleo conduziria a Venezuela a uma crise semelhante àquela dos anos 90, que levou à derrocada a democracia de Punto Fijo. O governo tenta ampliar a produção agrícola, investir na indústria, procura parcerias tecnológicas com a China, comercializa petróleo em troca de tecnologia, porém essas mudanças não dependem apenas do Estado, mas envolvem segmentos sociais importantes. Entretanto, o pesquisador identifica avanços políticos na Venezuela. Lembra que, no final dos anos 80 e início dos anos 90, uma boa parte da população não sentia a possibilidade de mudanças sociais e não acreditava na política como via de transformação. Considerava-se no fundo do poço e sem saída. “Entendo que, a partir dos anos 90, o surgimento de uma nova via conduziu a uma politização muito grande. Considero esse fato muito importante tanto para a base de apoio de Chávez como para a oposição. Saiu-se daquela democracia pactuada, incontestada, para um cenário com várias possibilidades para a sociedade. A população ganhou consciência de que tem direitos, que deve defendê-los, independentemente de qual seja o governo no poder. Depois de uma análise histórica do que ocorreu ao longo das últimas décadas no país, não se pode acreditar que Chávez tenha sido eleito em1998 manipulando as massas. Não se pode ignorar todas as crises anteriores e o acúmulo de necessidades de mudanças esperadas pela população”, conclui ele.

FLÁVIO DA SILVA MENDES*

SOLÓRZANO, Francisco; GRILLO, Tomás. El Caracazo. Memoria Fotográfica del 27. Caracas: Fundación Museos Nacionales, 2007

Hugo Cháves exibe exemplar da Constituição venezuela: autor analisa como o discurso liberal utópico de Bolívar se converte em mote da esquerda

Foto: Antoninho Perri

Em 1989, o Caracazo evidenciou a crise da sociedade venezuelana: centenas de manifestantes que saíram às ruas (acima) para protestar foram mortos

Flávio Mendes, autor do livro e da dissertação: “O processo da revolução bolivariana tende a continuar”

Após estudar um pouco da história recente da Venezuela, tem-se a impressão de que aquele país conheceu, no final dos anos 1980, uma realidade que só pode ser bem traduzida com uma palavra: barbárie. Esse sentimento foi despertado pelos relatos que li e ouvi sobre a repressão aos protestos populares ocorridos em fevereiro de 1989, sobretudo na capital Caracas, que ficaram conhecidos como Sacudón ou Caracazo. Os fatos impressionam pelo grande número de manifestantes, pelas características dos protestos e pela força utilizada pelo Estado para derrotá-los, que resultou em mais de 300 vítimas fatais, de acordo com contagens oficiais imprecisas. Isolado, esse evento já seria suficiente para despertar o interesse de um cientista social, mas ele se torna ainda mais atrativo à luz dos fatos posteriores, que culminaram na eleição para presidente de Hugo Chávez, no final de 1998. Foi nesse período de 10 anos que busquei concentrar minha atenção ao longo da pesquisa de mestrado que deu origem a este livro, realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp entre 2008 e 2010. O objetivo inicial – extrapolado ao longo da investigação – era analisar e descrever as relações entre a agitação popular e a trajetória do Movimiento Bolivariano Revolucionario 2001 (MBR-200), que saiu da derrota de um golpe militar, em 1992, para a vitória eleitoral, em 1999. Há um amplo acordo quanto ao fato de que a política na América Latina mudou sensivelmente na primeira década do século XXI. A eleição de Chávez à frente do MBR200, em 1998, ainda aparecia como um evento isolado, que a maioria dos críticos se contentou em classificar como mais um fenômeno populista entre tantos outros a que assistimos na história do continente. Com o passar dos anos, novas eleições em outros países fizeram com que aquela aparente exceção mudasse de significado, tornando-se o ponto de partida de um fenômeno político mais amplo, que passou a atrair a atenção de jornalistas, governantes e militantes políticos de todo o mundo. Misturadas a todos esses discursos encontramos as ciências sociais, com suas fronteiras permeáveis a tudo o que se produz ao seu redor. Quando o tema é polêmico, como é o caso da política na América Latina, essa permeabilidade é ainda maior, ao ponto de ser difícil distinguir onde começa e onde termina um enunciado “científico”. Os esforços para fechar os poros que permitem esse intercâmbio parecem tão antigos quanto as ciências humanas, mas pode-se dizer que por mais que se caminhe o objetivo nunca se mostrará satisfatoriamente próximo. Se muitos dos pressupostos que estimularam o início dessa pesquisa se perderam ao longo do caminho, ao menos um se manteve: não era possível realizar este trabalho dissociado em absoluto das várias polêmicas que envolvem seu objeto. Tornar explícita a influência daquilo que convencionalmente se chama de “senso comum” sobre as ciências humanas não foi tarefa tomada como um exercício à parte nesta investigação. Pelo contrário: quando me dediquei mais atentamente aos clássicos da sociologia política na América Latina percebi que não discutir sob quais influências tais textos se produziram limitaria muito o alcance deste trabalho. Notei a necessidade de considerar a relação entre “senso comum” e as ciências sociais como um processo dinâmico, de avanços e recuos, disputas e contágios permanentes. Só assim foi possível expor a trajetó-

ria de conceitos muito difundidos, como o de populismo. Acredito que assumir essa postura me permitiu ir mais longe. A escolha do tema da pesquisa também passa por essa questão: ela reflete o interesse pela rica tradição da sociologia política na América Latina, que atravessou um período de águas calmas após décadas num mar agitado, entre os anos 1950 e 1970 do século passado. Não parece mera coincidência o fato de que esses anos também correspondem a períodos de grande fervor político no continente. Se a impressão inicial estiver correta, nos próximos anos muitos cientistas sociais deverão voltar seus olhos novamente para questões políticas e econômicas que sobrevivem na América Latina e veremos, cada vez com maior frequência, temas como o populismo, o desenvolvimentismo, a nação, o Estado e o socialismo aparecerem nas páginas de artigos e livros. Mas esse retorno à centralidade de velhos temas não deve ocorrer através da repetição do que foi produzido há décadas. Creio que seja necessário fazer a crítica e assimilar – também com uma saudável desconfiança – reflexões que foram feitas nos anos 1980 e 1990 e que traduziram um momento cultural e político específico. Podemos dizer que dessa crise – entendida também pelo seu lado positivo, como abertura de possibilidades – muitas questões novas surgiram, elementos que lançaram nova luz sobre a história. É evidente que este trabalho não abarca todas as polêmicas que envolveram as ciências sociais nessas últimas décadas de grandes mudanças, até porque tal procedimento seria impossível. Mas aqui aparecem alguns problemas que contribuem para a compreensão da vida política recente na Venezuela e, como pano de fundo, da América Latina. Durante essa pesquisa percebi o quanto os olhares de um estrangeiro e de um nativo sobre a história de um país tendem a divergir. Questões a princípio de difícil compreensão para alguém alheio a determinada cultura muitas vezes são encaradas com enorme naturalidade por pessoas que a compartilham, ainda que essas tenham perfis muito diferentes. Talvez o maior exemplo dessa dessintonia seja a centralidade do culto a Bolívar na sociedade venezuelana, a princípio de difícil compreensão para um brasileiro, mas facilmente justificável por boa parte daqueles que nasceram e vivem naquele país. O estranhamento causado por esse e outros fenômenos com os quais tive contato ao longo deste trabalho me alertou sobre a necessidade de ampliar o foco dessa investigação, ou seja, recuperar eventos anteriores e posteriores ao período que correspondia ao objetivo original, com a finalidade de apreender continuidades e rupturas sem as quais a experiência do MBR-200 poderia ser apresentada como um evento isolado e contingente na história da Venezuela. O efeito colateral dessa incursão histórica é nítido em passagens que às vezes parecem trazer um excesso de informação. Afirmo, porém, que tomei o máximo de cuidado para que a narração de episódios históricos não extrapolasse o estritamente necessário para alcançar o objetivo principal dessa pesquisa, e, sempre que possível, busquei combinar tais informações com reflexões teóricas pertinentes. 1 O número “200” é uma referência ao bicentenário do nascimento de Simón Bolívar, comemorado em 1983, próximo à fundação do movimento. *Trecho de apresentação do livro Hugo Chávez em seu Labirinto: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela Foto: Flávio da Silva Mendes

SERVIÇO Título: Hugo Chávez em seu Labirinto: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela Autor: Flávio da Silva Mendes Preço: R$ 44,00 Páginas: 302 páginas Editora: Alameda

Publicação Dissertação: “Do consenso ao dissenso: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela” Autor: Flávio da Silva Mendes Orientador: Marcelo Ridenti Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Atos de rua pró e contra Chávez movem multidões desde sua eleição, em 1998


8

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Nas n bas ca

Do lodo,

Estudo comprova que alternativa é ambientalmente segura e economicamente viável

roseiras em flor Fotos: Antoninho Perri

RAQUEL DO CARMO SANTOS kel@unicamp.br

lodo proveniente de lagoas facultativas de estação de tratamento de esgoto se mostrou um eficiente substituto ao adubo químico na plantação de roseiras. O lodo contém matéria orgânica e nutriente ricos para o solo e a sua reciclagem traz benefícios valiosos para o meio ambiente. Estudo desenvolvido na Faculdade de Engenharia Civil Arquitetura e Urbanismo (FEC) pelo tecnólogo em saneamento ambiental Jorge Luiz da Paixão Filho revela que a alternativa é ambientalmente segura e economicamente viável, pois traz vantagens para o produtor de flores, que poderia minimizar o impacto ambiental dos fertilizantes químicos. Já para as estações de tratamento, seria uma proposta de destinação correta do resíduo. Com tudo isso, a pesquisa de mestrado, orientada pelo professor Adriano Luiz Tonetti, reúne vários argumentos favoráveis à utilização do lodo de esgoto na agricultura. É importante lembrar, na opinião de Jorge Paixão, que grande parte dos municípios brasileiros realiza o tratamento do esgoto pelo processo de lagoas e a remoção do lodo deve ser frequente para melhorar a eficiência do tratamento. “Felizmente, cada vez mais aumenta o número de estações de tratamento de esgoto. A opção por lagoas é usada desde a década de 1980 por ser a mais simples para os pequenos municípios com grandes áreas. Há alguns anos não se acreditava que o lodo acumulado pudesse reduzir a eficiência do processo. Mas, recentemente, a remoção do resíduo tem sido necessária”, destaca o tecnólogo. A questão, no entanto, consiste em como e para onde levar o lodo de esgoto. Os custos com transporte são muito elevados e a sua disposição no meio ambiente deve ser criteriosa, preferencialmente em aterros sanitários, se transformando, desta forma, em um problema ambiental sério. “Por isso, a opção de utilizá-lo nas plantações de rosas resolveria as duas questões principais”, argumenta. A pesquisa realizada na FEC não é a primeira a demonstrar o potencial do lodo para utilização em plantações de culturas não comestíveis. Mas foi a primeira vez que o resíduo foi aplicado em um canteiro de rosas, mercado expressivo no Estado de São Paulo. Ele explica que a opção pela roseira deve-se ao fato de que este tipo de plantio necessitar de elevado volume de fertilizante químico, pois requer

muitos nutrientes para se desenvolver de forma saudável. Vale destacar que o lodo possui naturalmente matéria orgânica, nitrogênio, fósforo e potássio, estes dois últimos em menores concentrações. Os testes realizados com o lodo indicaram um crescimento adequado da planta. Nas avaliações de lixiviação de nitrato – indicador do quanto de nitrogênio na forma de nitrato é perdido para abaixo da zona de absorção das raízes da planta–, por exemplo, os testes mostraram que o tratamento com lodo alcançou a porcentagem de 5%, enquanto que a adubação mineral foi 10%. “Isto quer dizer que a adubação com lodo teve uma menor lixiviação de nitrato quando comparada com a adubação mineral e, por isso, menor probabilidade de contaminação da água subterrânea e, consequentemente, menor impacto ambiental”, esclarece. O lodo utilizado na pesquisa foi proveniente da lagoa facultativa da cidade de Coronel Macedo, no Estado de São Paulo. Uma vez classificado como tipo A – que pode ser utilizado para outros fins por não possuir metais pesados e contaminantes –, foi realizada a sua aplicação em vasos para facilitar as análises do tamanho das folhas, da massa seca das raízes e da parte aérea. Foi avaliado, ainda, o volume das raízes. O estudo traz ainda os cálculos para a fração de mineralização do lodo de lagoa, um parâmetro importante para o cálculo do volume do lodo a ser aplicado na agricultura, e que ainda não havia sido estudado. “Deve ser a dose correta para que não sofra com nutrientes a mais ou de menos. Estes testes foram importantes para que o produtor consiga determinar a necessidade da sua plantação”, explica. A variedade utilizada na pesquisa foi a rosa “carola”, que possui um alto grau de resistência à contaminação, além de ser a preferida do consumidor.

Publicação

Jorge Luiz da Paixão Filho, autor da dissertação, ao lado de roseiras, em canteiro da FEC: flor precisa de muito fertilizante

Dissertação: “Aplicação de lodo de lagoa facultativa em roseira” Autor: Jorge Luiz da Paixão Filho Orientador: Adriano Luiz Tonetti Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) Financiamento: Capes

Adolescentes conhecem métodos contraceptivos, aponta dissertação Pesquisa foi feita com jovens da cidade mineira de Poços de Caldas Pesquisa de mestrado realizada com 1.193 adolescentes de Poços de Caldas, Minas Gerais, apontou que tanto garotos como as garotas estão bem informados em relação aos métodos contraceptivos, em especial no que diz respeito à pílula anticoncepcional e ao preservativo masculino, os métodos mais conhecidos por eles. Pelo estudo, 41% dos entrevistados já haviam iniciado a prática sexual e, destes, 87% relataram ter utilizado algum método anticoncepcional durante a primeira relação sexual. Os dados são significativos, segundo a autora do trabalho, a enfermeira Angela Ferreira Silva Miranda Alves, visto que há alguns anos não era comum este tipo de comportamento. Por outro lado, a pesquisa demonstrou ainda que os adolescentes possuem mais conhecimento do que prática contraceptiva. “A prática desses adolescentes precisa ser mais assertiva. A grande maioria, 82,2%, não planeja a relação sexual, e 59,5% dos entrevistados saem de casa desprevenidos”, destaca a enfermeira. Em sua opinião, apesar de os adolescentes terem acesso às informações, é preciso medidas educativas que façam com que eles estejam mais atentos. Outro dado curioso, neste sentido, foi a porcentagem de 96,5% dos entrevistados buscarem informações sobre contracepção na família. “Isto quer dizer que está mudando a fonte de informação destes adolescentes. A família está dialogando mais sobre o assunto dentro de casa”, explica. A dissertação desenvolvida por Angela Alves foi apresentada na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e teve orientação da professora Maria Helena Baena de Moraes Lopes. O estudo serve de base para programas educacionais realizados nas escolas. Todos os adolescentes da pesquisa compõem o universo das

Foto: Divulgação

Angela Alves: “A prática desses adolescentes precisa ser mais assertiva”

Levantamento foi realizado em sete escolas públicas da rede de ensino de Poços

sete escolas estaduais existentes em Poços de Caldas. “Acredito que o trabalho pode abrir caminhos para a parceria entre pais, educadores e profissionais da saúde, para que se amplie ainda mais o acesso à informação para este público”, destaca. A motivação para a pesquisa surgiu do fato de Angela ser enfermeira da Rede Básica de Saúde da cidade. Durante as suas atividades, ela percebe que a gravidez na adolescência ainda é um assunto em pauta, pois testemunha frequentemente muitos casos que chegam aos postos. Sem contar, os riscos que o comportamento inadequado pode oferecer para se contrair doenças sexualmente transmissíveis. Para Angela, é fundamental que a família seja incluída neste processo e que se amplie o acesso aos serviços especializados. “Não há dúvida de que é

grande o número de adolescentes que iniciam a atividade sexual precocemente”. (R.C.S.)

Publicação Dissertação: “Locus de controle, conhecimento, atitude e prática em relação à pílula anticoncepcional e ao preservativo masculino entre adolescentes de ensino médio” Autora: Angela Ferreira Silva Miranda Alves Orientadora: Maria Helena Baena de Moraes Lopes Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


9

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Do pergaminho ao Excel

O bibliotecário Roberto Pereira é o terceiro funcionário mais antigo da Universidade na ativa Fotos: Antoninho Perri

MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br

uita terra vermelha. Assim funcionários que participaram do período pré-edificação da Unicamp se referem ao campus de Barão Geraldo. A maioria deles hoje é aposentada, mas outros, por opção, ainda figuram no topo da lista da Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) da Unicamp por data de admissão. É o caso do terceiro colocado dessa lista, o bibliotecário da Biblioteca Central Cesar Lattes Roberto Orlando Pereira, que há 44 anos ingressava na área de compras da Universidade, na época instalada no prédio do Colégio Técnico da Unicamp, no centro de Campinas. Há 27 anos morador da Cidade Universitária, ele reconhece que a Unicamp é o seu lugar. Onde conheceu a esposa, criou as filhas e viu o conhecimento científico se desenvolver. Com a transferência para a Biblioteca Central pouco antes de se formar em biblioteconomia, em 1973, Pereira chegou a fazer manualmente as estatísticas para controle e acompanhamento das assinaturas de periódicos. Ao recontar sua trajetória e ver a transformação de um grupo de 13 bibliotecas dispersas em um complexo sistema integrado por 27 bibliotecas, não hesita em arriscar: “Fui um tijolinho no processo de desenvolvimento do Sistema de Bibliotecas [SBU] dentro da Universidade”. Apesar de alguns cursos de biblioteconomia esvaziarem-se e a tecnologia facilitar o método de consulta aos acervos, Pereira não deixa de reconhecer que é ali, entre tintas e pergaminhos, que o conhecimento germina. E para que isso ocorra, é preciso de pessoas que cuidem para que o acervo se mantenha atualizado e qualificado. Numa época em que informática e Excel em biblioteca nem eram sonho, Pereira foi incumbido de fazer estatística anual para garantir verba para manutenção e aquisição de novos periódicos sempre que novos cursos eram criados. O jeito era recorrer à calculadora para um planejamento anual de compras bem-sucedido que evitasse que a biblioteca ficasse sem alguma assinatura. Cabia às Comissões de Bibliotecas fazerem a avaliação dos periódicos, classificando-os por prioridade. Os mais importantes, segundo Pereira, eram assinados antes, numa época em que os recursos orçamentários para essa finalidade não eram disponibilizados na sua totalidade no início. “O planejamento era necessário, pois as editoras geralmente reajustavam o valor da assinatura de um ano para outro”, explica. Hoje, ao olhar para a facilidade em se comunicar com outras instituições, eletronicamente, Pereira se orgulha da transformação que teve oportunidade de assistir. A mesma logística foi aplicada quando a Universidade passou a adquirir livros para graduação. E Pereira mais uma vez cuidou dos cálculos para distribuição, de acordo com critérios estabelecidos pelo Colegiado. “A forma de aquisição pode ter mudado, atualmente é feita por pregão, mas os critérios, com algumas adequações, continuam os mesmos, o que garante a compra e a distribuição das obras a todas as bibliotecas, conforme as prerrogativas e necessidades da sua comunidade acadêmica”, diz. O tempo de permanência na Universidade o fez vivenciar histórias para as quais muitos funcionários atuais são simplesmente ouvintes. É como a imagem de um médico chamado Zeferino Vaz que um dia idealizou uma universidade brasileira que se aproximasse de instituições as quais admirava. A imagem e o discurso de Vaz são muito vivos para Pereira, no início de sua história no campus de Barão Geraldo. Quando entrou na Universidade, como escriturário, a administração funcionava no prédio do Colégio Técnico (Cotuca), na Rua Culto à Ciência, mas os funcionários foram trazidos para participar da inauguração do primeiro edifício do campus de Barão Geraldo, prédio que atualmente sedia a DGA, com a presença do então governador Abreu Sodré, que se referiu ao mesmo como “barracão”. Da cerimônia, algumas palavras de Zeferino ficaram em sua memória: “Recordo-me que Zeferino enfatizava não ser importante para a Unicamp uma edificação suntuosa, mas ter como base o conhecimento humano. Por isso se empenhou em trazer os melhores profissionais para a Universidade. Ele já dizia que uma universidade se faz com pessoas”.

COM ZEFERINO

Outro episódio em que se surpreendera com o fundador da Unicamp se deu no ermo da Avenida Romeu Tórtima. Com uma circulação de veículos e uma habitação bem menores que as de hoje, a avenida foi palco do primeiro encontro dele com o reitor. Minutos depois de estacionar seu carro para auxiliar uma funcionária da copa da Reitoria, cujo carro havia quebrado, o bibliotecário percebeu que um Galaxy preto reduzia a velocidade até acostar-se atrás de seu automóvel. Prontamente, Zeferino pediu ao motorista que o acompanhava para ir a Barão Geraldo buscar um mecânico. Maior foi a surpresa de Pereira quando o então reitor pagou o serviço. Enquanto esperava o mecânico, Zeferino dedicou seus minutos a uma boa conversa com os funcionários que

O bibliotecário Roberto Orlando Pereira em sua sala e na parte externa da BC: “Fui um tijolinho no processo de desenvolvimento do SBU”

acabaram estacionando para oferecer ajuda. Quando entrou na Unicamp, Pereira concluía o curso de técnico de contabilidade e tinha como pretensão fazer ciências contábeis e em seguida administração de empresas, mas uma proposta do governo do Estado de equiparação de cargos de nível superior fez com que optasse pela formação em biblioteconomia. “Fui incentivado por uma amiga que era bibliotecária e trabalhava na Seção de Protocolo que ficava no mesmo ambiente da Seção de Compras”. Em 1972, no segundo ano do curso, Pereira procurou a primeira bibliotecária da Unicamp, Cibele Martins Domingues, no prédio do Ciclo Básico 1, onde funcionava a BC, para tentar se realizar em sua área de formação. Apesar da resposta positiva de Cibele, ele foi informado de que teria de encontrar um substituto para sua vaga na área de compras. “Batalhei um ano para que alguém me substituísse, mas consegui”. Porém, ao chegar à BC, em 1973, Cibele também teria sido substituída por Maria Alves de Paula Ravaschio, professora de Pereira na faculdade, o que serviu para aprimorar seus conhecimentos na área pela qual se decidira. As fichas catalográficas foram os primeiros produtos confeccionados por ele na Seção de Preparação da BC. Ainda guarda algumas, mimeografadas após serem datilografadas em estêncil, e outras, impressas em formulário contínuo, com a chegada da informática na biblioteca. “Os livros eram catalogados, tombados e as fichas eram preparadas e dispostas em fichários de aço. Computador nem na imaginação. Isso perdurou por anos, até a consulta online chegar”, diz Pereira. Ele conta que em uma “Semana de Estudos de Biblioteconomia da PUC”, alguns participantes, inclusive de outros estados, ficaram encantados com a duplicadora de fichas, pois em suas bibliotecas nem isso havia. Uma das primeiras missões de Pereira como bibliotecário foi auxiliar na catalogação de obras do acervo Paulo Duarte, em 1974. Depois disso, foi designado para registrar e distribuir para as bibliotecas uma grande coleção de periódicos adquirida do Instituto Politécnico da Universidade de Nova York, colocada numa sala do Instituto de Química. Este foi seu primeiro contato com periódicos. “Depois desse trabalho, a BC foi transferida para o barracão onde hoje é o Siarq”, relembra. E no barracão, participou também de uma das tantas transformações da

biblioteca ao desenhar a divisão das áreas internas do prédio em vários ambientes, colocando em prática a formação em desenho mecânico. “O projeto da circulação interna da BC, de acordo com um engenheiro do Escritório Técnico de Construções (Estec), na época responsável pela construção dos prédios, acabou inspirando a distribuição de outros barracões da Universidade.” Em 15 de dezembro de 1983, foi aprovado o Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU), formado pelas bibliotecas dos institutos e faculdades, sob a coordenação da Biblioteca Central. Era o embrião do atual sistema cujo passo mais importante foi, a partir da constituição do Órgão Colegiado, em 8 de agosto de 1985, o estabelecimento de uma política biblioteconômica para a Universidade, com a participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica. Quando o SBU foi finalmente criado, em 25 de novembro de 2003, por meio de deliberação do Conselho Universitário (Consu), Pereira ocupava o cargo de diretor administrativo e participou de todas as reuniões para a implementação do sistema. O funcionário também participou, ao lado de outros colegas bibliotecários e com apoio dos professores do Colegiado, da elaboração do regimento interno do SBU, conforme estava previsto na deliberação. Participou também da elaboração do regimento interno da BC, como os demais regulamentos internos para que se completasse o ciclo de institucionalização do sistema. Momento especialmente importante para ele foi a elaboração de uma série de projetos para a Biblioteca Central dentro do programa de fomento para melhoria da infraestrutura de bibliotecas da Fapesp. Nessa época, a biblioteca já estava instalada no prédio atual. “Queríamos melhorar a infraestrutura da biblioteca, adquirindo divisórias, placas, estruturas de metal, troca de piso, pintura do prédio, instalações elétricas, sanitárias e até mesmo a troca do sistema de telefonia”. De um total de sete projetos, a fomentadora aprovou seis na íntegra. Em 44 anos de Unicamp, Pereira encontrou somente uma dificuldade: desvencilhar-se de um sonho que viu se construir. Apesar de ter tempo de sobra para a aposentadoria, ele trocou as tarefas de diretor administrativo pelas atribuições da área de circulação da BC para se aproximar mais dos usuários do sistema.


10 Vida Teses da semana Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

aa c dêi ma c

Campinas, 6 a 12 de agosto de 2012

Painel da semana  “Filosofia e Matemática da Incerteza e da Vaguedade”- O Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) organiza, de 6 a 15 de agosto, o evento “PMUV - Filosofia e Matemática da Incerteza e da Vaguedade”. A atividade é parte do Projeto “MaToMUVI - Mathematical Tools for the Management of Uncertain and Vague Information”, da União Europeia. MatoMUVI é um projeto de pesquisa da “Marie Curie International Research Staff Exchange Scheme” (IRSES), que envolve 14 universidades da Argentina, Brasil, Itália e Espanha. “Semântica da Incerteza e do Raciocínio Vago”, “Lógica e Matemática da Incerteza e Vaguedade” e “Filosofia da Inexatidão” serão os tópicos abordados no encontro. Mais detalhes na página eletrônica http://www.cle.unicamp.br/ principal/pmuv/#. Outras informações: 19-3521-4911 ou e-mail fabio.bertato@reitoria.unicamp.br  Casa do Lago abre inscrições para oficinas - O Espaço Cultural Casa do Lago abre inscrições para as oficinas oferecidas no 2º semestre de 6 a 10 de agosto, com confirmação entre 13 e 17 de agosto. Para realizar a confirmação, há necessidade da doação de um dos itens: cinco kg de arroz, cinco kg de feijão, cinco pacotes de macarrão (500 g cada) ou duas latas de leite em pó (500g cada). Caso haja interesse em mais de uma oficina, a doação deverá ser realizada para cada inscrição. A entrega dos alimentos ocorrerá na administração da Casa do Lago e a confirmação será efetivada somente após a entrega da doação, de segunda a quinta-feira, das 9 às 20 horas ou na sexta, das 9 às 17 horas. No período de inscrição será disponibilizado um formulário on line. Mais informações pelo telefone 19-3251-0168 ou e-mail casadolago@ reitoria.unicamp.br. As vagas oferecidas são para Dança do Ventre - terça, 19h30 (70 vagas); Capoeira - terças e sextas, 12 horas (100); Forró - sexta, 17h30 (170); Fotografia - quarta, 11 horas (50); Música (Canto) - terça, 18 horas (70); Meditação, sexta, 19h40 (livre); Livre Sahaja Yoga, quarta, 17 horas (livre); Taekwondo, segundas e quintas, 10 horas (60); Tantra Yoga, segundas e quintas, 8h30 (60); Alfabetização Musical (flauta), segunda, 9 horas (20); Tango, terça, 11 horas (60); Improvisação em Dança, quarta, 14h15 (75); Oficina DJ, quarta, 14h15 (50).  “O grande inquisidor: figura essencial na visão distópica”, tema de Daphne Patai no IEL - A palestra “O grande inquisidor: figura essencial na visão distópica” será apresentada pela professora Daphne Patai, do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas, da University of Massachusetts Amherst (EUA), no dia 6 de agosto, às 14 horas, na Sala de Colegiados do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Daphne pesquisa cultura brasileira, tradução, ficção utópica, teoria literária, história oral, feminismo e problemas relacionados ao ensino superior. Publicou uma série de livros, entre os quais os mais recentes são a coletânea de ensaios What Price Utopia?’ Essays on Ideological Policing, Feminism, and Academic Affairs (2008) e História Oral, Feminismo e Política (2010, publicado no Brasil.  Fórum Permanente de Meio Ambiente e Sociedade - Gestão Ambiental em Universidades é o tema a ser abordado na próxima edição do Fórum

Permanente de Meio Ambiente e Sociedade. O evento será realizado dia 7 de agosto, das 8h30 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Mais informações na página http://foruns.bc.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/energ38.html.  XIV Colóquio Kant da Unicamp - O XIV Colóquio Kant da Unicamp será realizado de 8 a 10 de agosto, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.  Exposição “Corpo Delével: Uma poética da autoimagem distorcida” - Lindsay Ribeiro expõe “Corpo Delével: Uma poética da autoimagem distorcida” na Galeria de Arte da Unicamp, de 8 a 17 de agosto, das 9 às 17 horas, como conclusão de mestrado em Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais/IA/Unicamp, sob orientação e curadoria da professora Marta Strambi. A dissertação propõe um relacionamento entre pesquisas prática e teórica, por meio de análise crítico/reflexiva sobre produção visual própria, que tem ênfase na problemática da autoimagem, uma distorção da aparência física, que surge como mais um sintoma das neuroses contemporâneas. A abertura será no dia 8 de agosto, às 12 horas. Lindsay Ribeiro é artista e mestranda em Artes Visuais do Programa de Pós-Graduação em Artes do IA, graduada e bacharel em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais/Escola Guignard e professora do Curso de Artes Visuais da Faculdade de Educação e Artes da Universidade do Vale do Paraíba. Mais informações: lindsaycbr@gmail.com.  Conferência “A História no escuro: O ‘Toque de Aragão” e a vida noturna do Rio de Janeiro do século XIX” - A Conferência A História no escuro: O ‘Toque de Aragão” e a vida noturna do Rio de Janeiro do século XIX, com exposição da professora Amy Elyse Chazkel (City University of New York), será realizada no dia 8 de agosto, às 14 horas, na Sala da Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Mais em http://www.ifch.unicamp.br/eventos/ index.php?p=mostra_evento&codevenot=2222  Fórum Administração segura de medicamentos - O tema “Administração Segura de Medicamentos” será abordado na próxima edição do Fórum Permanente de Esporte e Saúde, a ser realizado dia 8, das 8h30 às 17 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. As inscrições podem ser feitas na página do fórum, em http:// foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/ htmls_descricoes_eventos/saude49.html.  Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia: Projeto Interpares 3 - preservação e acesso - O Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia: Projeto Interpares 3 - preservação e acesso de documentos arquivísticos digitais autênticos: os resultados do TEAM Brasil será realizado no dia 9 de agosto, das 8h30 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento, com inscrições abertas, é organizado nesta edição pelo Siarq. Mais informações: 19-3521-4759 ou e-mail sonia.mazzariol@reitoria.unicamp.br.  22° Congresso Paulista de Extensão Universitária - O 2° Congresso Paulista de Extensão Universitária (Copex) e o 1° Congresso de Extensão Universitária da Unifesp ocorrem nos dias 9, 10 e 11 de agosto. O Copex é produto de parceria das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (Unicamp, Unifesp, UFSCar, UFABC, Unesp, USP, Unitau e USCS) e tem por finalidade incentivar a troca de experiências entre as universidades . As atividades do evento serão organizadas na forma de conferências, mesas-redondas, exposições de trabalhos (em forma de pôsteres) e apresentações orais. Mais detalhes no link http://www.proex.unifesp. br/eventos/eventos12/copex/.  Ciclo de Palestras Doenças do Século XXI - No segundo semestre de 2012, o Instituto de Biologia realizará, na sala IB-03, das 12h30 às 13h30, o Ciclo de Palestras Doenças do Século XXI. A programação tem finalidade de abordar alguns temas envolvendo enfermidades que se manifestam com grande intensidade no século atual. O objetivo é despertar hábitos de promoção e proteção da sua saúde para a obtenção de uma vida mais saudável. O Ciclo é aberto a toda a comunidade Unicamp. No Ciclo serão abordados quatro temas: 9 de agosto: Diabetes - Mário José Abdalla Saad, diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; 16 de agosto, Obesidade e Câncer - José Barreto Campello Carvalheira, docente do Departamento de Clínica Médica Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; (a confirmar) 30 de agosto, Doenças; 6 de setembro, DST - Francisco Aoki, chefe da Disciplina de Moléstias Infecciosas Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O Ciclo

de Palestras Doenças do Século XXI é organizado pelo professor Everardo Magalhães Carneiro e por Fátima Alonso. Mais informações: 19-3521-6359, e-mail falonso@unicamp.br  4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil - O Museu Exploratório de Ciências – Unicamp convoca estudantes e professores de todo o país a participarem da 4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil. As inscrições estão abertas e podem ser realizadas pelo site até dia 10 de agosto. A Olimpíada Nacional em História do Brasil é uma iniciativa única na área de ciências humanas em todo o Brasil. Em 2011, a Olimpíada contou com mais de 65 mil inscritos, com representantes de todos os estados do território nacional. Composta por cinco fases online e uma presencial, a competição envolve professores de história e alunos do oitavo e nono anos do Ensino Fundamental e das séries do Ensino Médio em um trabalho coletivo de estudar não apenas o conteúdo das questões propostas, mas de desenvolver um olhar crítico para a história. Dessa forma, é valorizado o processo de aprendizagem e construção do conhecimento. O contato direto com documentos históricos permite aos participantes trabalharem como historiadores, à medida que processam as informações exigidas nas respostas das questões em cada fase. Este ano, a primeira fase terá início em 20 de agosto e a fase final presencial acontecerá nos dias 20 e 21 de outubro, na Universidade Estadual de Campinas. O Museu Exploratório de Ciências custeará as passagens de avião de 37 equipes para participarem da final, selecionadas de acordo com sua pontuação nas fases online. Serão selecionadas: para cada estado da federação, a equipe com maior pontuação; a equipe de escola pública com maior pontuação em cada uma das cinco regiões do país (norte, nordeste, sudeste, sul e centro-oeste) e as cinco equipes de escola pública com maior pontuação, independente da região. Os professores responsáveis por essas equipes serão convidados a permanecer na Unicamp para realizar um curso de capacitação de uma semana, com custos de hospedagem cobertos também pelo Museu, após a final da Olimpíada. A Olimpíada premiará escolas, alunos e professores, com 60 medalhas de ouro, 100 de prata e 140 de bronze, além de certificados de participação para todos os inscritos e todas as escolas participantes.

Tese da semana Dia 6  FACULDADE DE EDUCAÇÃO -“Laços de família e expertise jurídica – uma análise da construção do direito dos filhos ao afeto” (mestrado). Candidato: Vinicius Parolin Wohnrath. Orientadora: professora Agueda Bernardete Bittencourt. Dia 6 de agosto de 2012, às 14 horas, na Faculdade de Educação.  FACULDADE DE ENGENHARIA ELÉTRICA E DE COMPUTAÇÃO - “Algoritmos para o planejamento da operação de sistemas modernos de distribuição de energia elétrica” (mestrado). Candidato: Ricardo Augusto de Araújo. Orientador: professor Madson Cortes de Almeida. Dia 6 de agosto de 2012, às 9 horas, na sala PE12, prédio da CPG da FEEC, no térreo. -“Uma metodologia baseada em algoritmos genéticos para melhorar o perfil de tensão diário de sistemas de potência” doutorado). Candidato: Marcos de Almeida Leone Filho. Orientador: professor Takaaki Ohishi. Dia 6 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala de defesa de tese da FEEC.  FACULDADE DE ENGENHARIA QUÍMICA “Incorporação e avaliação imunológica de antígenos tumorais incorporadas em nanopartículas lipídicas sólidas e nanocarreadores lipidicos sólidos” (doutorado). Candidata: Patrícia Severino. Orientadora: professora Maria Helena Andrade Santana. Dia 6 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala de defesa de teses, Bloco D.  INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - “A ponta de um mistério - a voz média em primeiras estórias” (doutorado). Candidato: Julio Aragoni de Santi. Orientadora: professora Suzi Frankl Sperber. Dia 6 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - “A territorialização como prática de gestão da atenção primária à saúde no sistema único de saúde. Perspectiva de adequação aos perfis do território urbano” (doutorado). Candidato: Rivaldo Mauro de Faria. Orientador: professor Arlêude Bortolozzi. Dia 6 de agosto de 2012, às 9h30, no auditório do IG.

Dia 7  INSTITUTO DE ARTES - “A experiência e a composição em processos criativos nas artes da cena” (mestrado). Candidata: Karina Campos de Almeida. Orientador: professor Eusébio Lobo da Silva. Dia 7 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala 3 da CPG do IA.  INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - “A problemática da constituição da ofensa no ato de insultar: a injúria como prática linguística discriminatória no Brasil” (doutorado). Candidata: Karla Cristina dos Santos. Orientador: professor Kanavillil Rajagopalan. Dia 7 de agosto de 2012, às 10 horas na Sala de defesa de teses. Dia 8  FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS - “Análise das características tumorais, da sobrevida e da recidiva neoplásica em pacientes submetidos a transplante hepático por carcinoma hepatocelular: associação com perfil imuno-histoquímico” (doutorado). Candidata: Elaine Cristina de Ataide. Orientadora: professora Ilka de Fátima Santana Ferreira Boin. Dia 8 de agosto de 2012, às 9 horas, no anfiteatro do Gastrocentro.  INSTITUTO DE BIOLOGIA - “Formulações em gel para liberação sustentada de benzocaína: composição, estabilidade, citotoxicidade e permeação na pele” (mestrado). Candidata: Viviane Roberta Vieira Sobral. Orientadora: professora Eneida de Paula. Dia 8 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala de defesa de tese da CPG do IB.  INSTITUTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E COMPUTAÇÃO CIENTÍFICA - “Impacto do sedimento sobre espécies que interagem: modelagem e simulações de Bentos na Enseada Potter” (doutorado). Candidato: Paulo Cesar Carmona Tabares. Orientador: professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer. Dia 8 de agosto de 2012, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. - “Raio de empacotamento de códigos Poset” (mestrado). Candidato: Rafael Gregorio Lucas D’Oliveira. Orientador: professor Marcelo Firer. Dia 8 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Dia 9  FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS - “Saúde ocular escolar de alunos do ensino fundamental” (mestrado profissional). Candidata: Monalisa Jaime Sbampato Souto. Orientadora: professora Maria Elisabete Rodrigues Freire Gasparetto. Dia 9 de agosto de 2012, às 9 horas, no anfiteatro da CPG da FCM.  FACULDADE DE ENGENHARIA MECÂNICA - “Medição de tensões em bielas utilizando interferometria laser” (mestrado). Candidato: Bruno Filipe Vaz. Orientador: professor Auteliano Antunes dos Santos Junior. Dia 9 de agosto de 2012, às 10 horas, no auditório do DPM.  INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - “O pio do pássaro: uma análise das funções prototípicas do tweet” (mestrado). Candidata: Lilian Mara Dal Cin dos Santos. Orientadora: professora Anna Christina Bentes da Silva. Dia 9 de agosto de 2012, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  INSTITUTO DE FÍSICA GLEB WATAGHIN - “Correlações quânticas entre dois osciladores conectados por um acoplamento dependente do tempo” (mestrado). Candidato: Thales Figueiredo Roque. Orientador: professor José Antonio Roversi. Dia 9 de agosto de 2012, horário 14 horas, na sala de seminários do DEQ do IFGW. Dia 10  FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS - “Famílias de crianças com paralisia cerebral: subsídios para a elaboração de uma proposta de intervenção centrada na família” (mestrado profissional). Candidata: Liduina Maria Solon Rinaldi. Orientadora: professora Maria de Fatima de Campos Francozo. Dia 10 de agosto de 2012, às 14h30, no anfiteatro da CPG da FCM.  FACULDADE DE ENGENHARIA ELÉTRICA E DE COMPUTAÇÃO - “Approximation and higher order statistics for the Kappa-Mu fading model” (mestrado). Candidato: Iury Bertollo Gomes Porto. Orientador: professor Michel Daoud Yacoub. Dia 10 de agosto de 2012, às 10 horas, na FEEC.  INSTITUTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E COMPUTAÇÃO CIENTÍFICA - “Escoamentos incompressíveis com viscosidade pequena em torno de obstáculos distantes” (doutorado). Candidato: Luiz Alberto Viana da Silva. Orientadora: professora Helena Judith Nussenzveig Lopes. Dia 10 de agosto

Livro

da semana

Vestibular Unicamp Redações 2010

Autor: Robert W. Slenes Organização: Comvest ISBN: 978-85-268-0942-0 Ficha técnica: 1a edição, 2011; 208 páginas; formato: 10 x 14 cm; peso 0,130 kg Coleção: Vestibular Unicamp Área de interesse: Redação Preço: R$ 10,00 Sinopse: Esta é a 12a edição do volume com as melhores redações do Vestibular Nacional Unicamp. O tema geral da prova de redação do vestibular 2010 foi “Gerações” e poderia ser abordado pelos vestibulandos sob vários pontos de vista, incluindo conflitos, compartilhamento de conhecimento e memórias. Eles poderiam, ainda, mostrar que a idade não implica, obrigatoriamente, posturas antiquadas, rígidas e inflexíveis, e que pessoas mais idosas poderiam estar “antenadas” com novas tecnologias e instrumentos. A prova de redação, na verdade um problema proposto na forma de leitura e escrita, tem sido central no processo de seleção do corpo discente da Unicamp. Os 30 textos incluídos neste volume, representativos de cada uma das três propostas da redação, foram selecionados por uma comissão de docentes de diferentes áreas disciplinares. de 2012, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  INSTITUTO DE QUÍMICA - “Desenvolvimento de novas propostas para análise de biodiesel e estudo da relação entre ponto de fulgor e o teor de álcool residual” (doutorado). Candidata: Eva Lúcia Cardoso Silveira. Orientador: Professor Matthieu Tubino. Dia 10 de agosto de 2012, às 14h00min, no miniauditório.

DESTAQUES do Portal da Unicamp Foto: Antonio Scarpinetti

Daniel Shechtman ministra conferência O israelense Daniel Shechtman, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2011, ministrou conferência na tarde do último dia 1°, na sala do Conselho Universitário (Consu) da Unicamp. O cientista falou para uma plateia formada por dirigentes, professores, estudantes e funcionários da Universidade. A descoberta dos quase-cristais, feito que lhe rendeu reconhecimento mundial, constituiu o tema central da sua palestra, que foi transmitida ao vivo pela internet. Shechtman é físico de formação e está vinculado ao Instituto de Tecnologia de Israel, em Haifa. O cientista israelense chegou à Unicamp pela manhã, quando foi recebido pelo reitor Fernando Costa e por integrantes da Administração Central. No encontro, o reitor fez uma breve apresentação da Unicamp ao visitante, destacando alguns aspectos da estrutura e dos indicadores de produtividade da instituição. Em seguida, o descobridor dos quase-cristais visitou, na companhia do cônsul-geral de Israel em São Paulo, Ilan Sztulman, a Agência de Inovação Inova Unicamp. Durante a conferência, Shechtman fez

um breve histórico dos estudos feitos na área da cristalografia, ciência que pesquisa a disposição dos átomos em sólidos. Ele também destacou as dificuldades que teve para dar prosseguimento às suas investigações, por serem consideradas não convencionais pela comunidade científica. Mesmo depois de ter confirmado a existência dos quase-cristais, seguiu enfrentando o descrédito por parte de muitos colegas. Um dos críticos mais contundentes, lembrou, foi químico Linus Pauling, laureado duas vezes com o Nobel. Somente depois de alguns anos e de muita persistência, disse Shechtman, foi que finalmente a comunidade científica aceitou os seus resultados, que indicavam que os átomos poderiam se organizar em um padrão que não se repetia, contrariando assim a crença de que teriam sempre um arranjo simétrico. Em 1992, a União Internacional de Cristalografia alterou a sua definição sobre o que é um cristal, admitindo consequentemente a descoberta dos quase-cristais. Atualmente, esses materiais têm inúmeras aplicações, que vão de utensílios domésticos a motores a explosão.

Shechtman, ganhador do Nobel de Química de 2011, durante conferência no Consu: descoberta dos quase-cristais no centro do debate


Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

11

crianças e jovens com câncer em Campinas

Estudo traça perfil de

Fotos: Antoninho Perri

Investigação da FCM poderá resultar em políticas públicas no município SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

rianças e adolescentes residentes no município de Campinas diagnosticadas com câncer maligno podem levar até cem dias, dependendo do tipo de tumor, para serem encaminhadas ao tratamento adequado. No município, o atendimento de referência para estes casos é realizado, sobretudo, pelo Centro Infantil Boldrini, serviço responsável por 85%, em média, da assistência a estas ocorrências. O dado, correspondente ao início das queixas até a primeira consulta no serviço de referência, foi identificado pela enfermeira Jane Kelly Oliveira Silva em seu estudo de mestrado defendido junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Embora apresente baixa incidência quando comparado a outros tipos de população, o câncer infantil é altamente letal, principalmente em casos com diagnóstico tardio. No estudo, a pesquisadora constatou que a taxa de morte da população analisada foi de 37%. Jane Kelly Oliveira Silva traçou detalhado perfil epidemiológico das crianças e adolescentes (até 19 anos) residentes em Campinas e tratadas no Hospital Boldrini. A enfermeira utilizou 180 prontuários do Hospital no período de 10 anos, de 1996 a 2005. O trabalho foi financiado pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foram adotadas, inclusive, técnicas de georreferenciamento, que permitiram apontar, por exemplo, as regiões do município com maior incidência destes tipos de casos. Além de nortear novas pesquisas, o estudo consiste em um importante documento para apoiar o planejamento de políticas públicas nesta área, avalia o médico epidemiologista Djalma de Carvalho Moreira Filho, docente do Departamento de Saúde Coletiva da FCM e orientador da dissertação. “Em dez anos, a população de Campinas sofreu um processo demográfico dinâmico evidente. Ela aumentou, mudou de lugar, envelheceu… E os serviços médicos foram alterados ao longo deste período. Em algumas regiões, houve ganhos; em outras, perdas. A pesquisa apontou o local do domicílio e do diagnóstico dessa população. Além disso, detectou como essas crianças e adolescentes foram incluídas no serviço de saúde de referência que cuidou delas. Identificando, por exemplo, em qual região do município a frequência de novos casos é maior, pode-se definir o planejamento e traçar políticas públicas, que vão auxiliar na detecção precoce do câncer infantil”, avalia o docente. Os sistemas de informação georreferenciados são muito utilizados na área da saúde, especialmente nos casos de doenças transmissíveis, como o controle da dengue e da malária. Na pesquisa conduzida pela enfermeira, o georreferenciamento de dados foi empregado de modo pioneiro, permitindo apontar, por exemplo, que a frequência da doença é maior nas regiões sul, sudoeste e noroeste do município. “Isso decorre porque há uma maior concentração de crianças e adolescentes naquelas áreas e não pelo fato de, necessariamente, haver um risco maior de incidência de tumores malignos nas populações destas regiões”, ressalva a pesquisadora. “Deste modo, o estudo aponta que, nestas áreas, onde há um crescimento populacional mais intenso, o poder público deve estar atento, seja quando for construir um serviço de saúde na cidade, seja no treinamento dos profissionais da unidade básica de saúde da região”, acrescenta. O docente Djalma Moreira Filho, que coordena na Unicamp linha de pesquisa sobre epidemiologia, metodologia e análises quantitativas, explica que os Registros de Câncer de Base Populacional partem da observação de novos casos diagnosticados nos serviços básicos de saúde. No Brasil, estes Registros são regulados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e também pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IAR), entidade internacional sediada em Lyon, na França. Ainda de acordo com o professor, o controle do fluxo de atendimento nos diferentes momentos do tratamento é importante por manter atualizada a informação a respeito dos casos novos, permitindo que se garantam melhores resultados na terapia. “A unidade de saúde suspeita e encaminha para um serviço terciário, um hospital, por exemplo. No caso do câncer infantil em Campinas, é o Centro Boldrini. O município tem o privilégio de contar com um hospital de câncer infantil extremamente atento e ligado a este tipo de problema. Por ter um serviço com esta característica, o diagnóstico em Campinas é muito mais rápido do que em outras regiões do Brasil, chegando mesmo a poucos dias, em certos casos. E

Centro Infantil Boldrini, referência no tratamento do câncer na Região Metropolitana de Campinas

A enfermeira Jane Kelly Oliveira Silva, autora da dissertação: poder público deve ficar atento aos locais de crescimento populacional mais intenso

O epidemiologista Djalma de Carvalho Moreira Filho, orientador: planejamento pode ser feito a partir de dados

quanto mais rápido o diagnóstico, melhores são os prognósticos”, pondera o médico.

dos os tumores registrados. É também neste grupo que a pesquisadora identificou a média mais baixa do tempo decorrido das queixas até a chegada ao serviço de referência, em torno de 27 dias. Por outro lado, os tumores do sistema nervoso e linfático atingiram uma média de 97 dias para o encaminhamento adequado. “Para o grupo das leucemias, uma alteração evidenciada por um exame sanguíneo já pode levantar suspeitas a respeito de um câncer hematológico. Porém, quando o diagnóstico necessita de métodos como biópsia ou exames de imagem, como ressonância magnética ou tomografia, há um período maior para que se efetive o encaminhamento ao Boldrini”, conclui a pesquisadora. No momento ela dá sequência aos trabalhos com novas investigações que farão parte de sua tese de doutorado.

EPIDEMIOLOGIA

As análises epidemiológicas são fundamentais para o monitoramento de novos casos da doença. A epidemiologia dedica-se ao estudo quantitativo da distribuição de doenças e agravos à saúde, bem como seus fatores condicionantes e determinantes na população. As pesquisas nesta área são consideradas imprescindíveis para a saúde coletiva. Apesar disso, no Brasil as investigações epidemiológicas sobre o câncer infantil são escassas, afirma a estudiosa. “Conforme levantamento realizado sobre a abordagem do câncer infantil na saúde coletiva, verificou-se que, até o ano de 2011, somente sete artigos brasileiros foram publicados e indexados na Lilacs, Scielo e Medline, sendo estas as bases de dados científicas mais representativas para o país”, confirma Jane.

GRUPOS ESTUDADOS

A dissertação de Jane Kelly Oliveira Silva deteve-se à análise de quatro grupos de tumores mais frequentes na população infantil: leucemias; câncer do sistema linfático e retículo endotelial; tumores do sistema nervoso central, intracranianos e intraespinhais; e tumores de partes moles. O grupo das leucemias representou no estudo 50% de to-

Publicação Dissertação: “Descrição dos casos atendidos em um serviço de referência do município de Campinas – SP” Autora: Jane Kelly Oliveira Silva Orientador: Djalma de Carvalho Moreira Filho Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Financiamento: Capes


12

Campinas, de 6 a 12 de agosto de 2012

Questões de gênero LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ma enquete sobre o uso do bigode, dirigida ao público feminino e publicada no Correio da Manhã em fevereiro de 1907, chamou a atenção da historiadora Lerice de Castro Garzoni ainda quando desenvolvia sua pesquisa de mestrado. Sua dissertação tratou de casos de mulheres que eram reincidentemente presas e processadas por vadiagem no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX. “Trabalhava com a documentação da polícia e minha leitura da imprensa era pontual, ia aos jornais apenas quando um caso de maior repercussão me interessava. A enquete me fez pensar que poderia observar muito mais sobre as mulheres da época se trabalhasse com os jornais de forma extensiva”, recorda a pesquisadora. Fruto de profunda garimpagem nas edições do mesmo diário carioca, desde sua fundação em 1901 até meados da década de 1910, Lerice Garzoni defendeu no início de junho a tese de doutorado “Arena de combate: gênero e direitos na imprensa diária (Rio de Janeiro, início do século XX)”, orientada pela professora Maria Clementina Pereira Cunha, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Para isso, contou com bolsas da Fapesp e da Capes (bolsa sanduíche) e o apoio de professores do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult), tendo feito quase toda a pesquisa no Arquivo Edgar Leuenroth (AEL). “Investiguei como aquela matéria de jornal estava inserida em um debate maior e como ela dialogava com os textos ao redor.” Lerice afirma que o Correio da Manhã, assim como outros grandes diários, estava se estruturando como empresa no início do século passado, vindo daí o interesse em disputar o público feminino com as revistas que tratavam de moda, beleza e outras amenidades. A enquete perguntando se as leitoras aprovavam ou não o bigode nos homens gerou 106 cartas, todas publicadas com destaque nas edições dominicais. “Uma questão aparentemente boba, frívola, acabou levando a outras mais sérias, como por exemplo, a respeito de higiene, problema então preocupante na capital do país; ou de identidade nacional, visto que a cara raspada seria um hábito copiado dos ingleses.” O assunto ficou mais interessante quando a historiadora descobriu que a mesma enquete ocupou página inteira da Femina, requintada revista francesa dirigida à elite, quase um mês antes. O Correio fez simplesmente a transposição e tradução da página, talvez esperando popularizar o debate em um diário. “Na França, o debate era outro: certas categorias, como de mordomos, mensageiros e padeiros, estavam sendo impedidas de usar bigode, numa forma de distinção social. Trabalhadores entraram em greve e um deputado chegou a apresentar projeto de lei assegurando o bigode como um direito inalienável do homem – por trás da enquete havia a defesa da igualdade.” A partir dos episódios selecionados no jornal, Lerice Garzoni procurou analisar como homens e mulheres mobilizaram os conceitos de feminino e masculino no início da República. “A discussão sobre direitos era pungente naquele contexto histórico: qual seria o limite da intervenção do Estado na vida das pessoas, como as leis republicanas estavam organizando as relações sociais e de trabalho no pós-abolição, como eram apropriadas as representações femininas neste debate. E o Correio da Manhã, que foi lançado como ‘um jornal de opinião’, para provar sua imparcialidade, reservou a seção de honra (espaço nobre em todos os diários) para colaboradores bastante distintos: republicanos, monarquistas, juristas, professores, artistas, mulheres.”

PROFISSÃO DE MULHER

No primeiro capítulo da tese, a autora trata da desavença entre o dono do Correio da Manhã, Edmundo

Fotos: Reprodução

Enquete sobre o bigode na revista francesa Femina e, um mês depois, no Correio da Manhã: conceitos de feminino e masculino em jogo

Bittencourt, um republicano, e o colaborador monarquista Carlos de Laet. De uma discordância no campo das ideias, ainda respeitando o princípio inicial do jornal de imparcialidade, os atritos passaram para o campo das ofensas pessoais. “Dois aspectos da vida de Laet vieram à tona. Primeiramente, o fato de ser professor primário, o que foi usado para questionar não apenas a sua masculinidade, como a sua inteligência.” Lerice esclarece que, em 1897, baixou-se uma lei municipal impedindo o ingresso de homens na Escola Normal do Rio de Janeiro. A justificativa era de que as mulheres eram mais capacitadas para o magistéFoto: Antoninho Perri

rio, concebido como extensão da maternidade. “Mas, acompanhando esta feminização, vinha uma desvalorização da profissão, que exigiria menos esforço intelectual. Como antes o magistério era exercido por homens, um debate sobre direitos entrou de forma tangencial: de quais seriam as profissões masculinas e femininas.” A vida íntima de Carlos de Laet também foi explorada, com a denúncia de que frequentava casas de prostituição e abusava das criadas domésticas e de meninos da redação. “No começo da República, existe uma forte discussão em torno da família como base da nação. Atingido em sua honra sexual, Laet ficou caracterizado como um ser amoral e, logo, sem legitimidade para expor suas ideias em público. Esta desavença não estava pautada em cima de direitos masculinos e femininos, mas vinha permeada por tais representações.” A historiadora segue pela década de 1910, explorando como noções de honra e de nação foram mobilizadas por leitores, jornalistas e colaboradores para criar no jornal um espaço onde fossem atendidas demandas específicas. “Jornalistas se apresentam como protetores de ‘órfãs exploradas por patrões’ e algumas mulheres, como Elisa Scheid e Leolinda Daltro, saem em defesa dos índios, caracterizando-os como sujeitos incapazes de reivindicar seus direitos.”

Publicação

A historiadora Lerice de Castro Garzoni: “Investiguei como aquela matéria de jornal estava inserida em um debate maior”

Tese: “Arena de combate: gênero e direitos na imprensa diária (Rio de Janeiro, início do século XX)” Autora: Lerice de Castro Garzoni Orientadora: Maria Clementina Pereira Cunha Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Defendendo o divórcio na ‘arena de combate’ Presente no título da tese, a expressão “arena de combate” foi cunhada pela escritora Emília Moncorvo Bandeira de Melo, como metáfora para a imprensa. “Diante de críticas de um leitor ao seu trabalho, ela respondeu que estava numa arena de combate, com todas as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que expõem publicamente as suas ideias, mas também por estar só como mulher”, conta a pesquisadora. Em 1907, sob o pseudônimo de Carmem Dolores, a escritora usou a seção de honra do Correio da Manhã para defender a total dissolução do casamento pelo divórcio, repercutindo uma polêmica tese apresentada pelo advogado Marcílio Teixeira de Lacerda no Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro. Lerice lembra que constituída a República, o governo provisório baixou um decreto separando Estado e Igreja – e consequentemente casamento civil e religioso. “Ocorre que o casamento civil continuou orientado pelo princípio da indissolubilidade, que é um princípio religioso. A lei utilizava o termo divórcio, mas significando a separação de corpos e de bens, sem abrir a possibilidade de as pessoas se casarem novamente.” A polêmica em torno do divórcio em 1907 serviu de

mote para o jornal promover nova enquete dirigida ao público feminino. “Era colocada a discussão sobre o significado do casamento: se seria um contrato, como de trabalho e outros estabelecidos na esfera pública, e, portanto, podendo ser dissolvido; ou se seria um vínculo especial, envolvendo honra sexual e outros aspectos dizendo respeito à esfera privada e, portanto, não orientado pela premissa dos contratos.” A partir disso, conforme Lerice Garzoni, as leitoras discutiriam outras questões, como a ideologia do “homem provedor” e noções sobre o trabalho feminino. “Algumas mulheres, ironicamente, responderam que gostariam de ocupar cargos públicos. O que é interessante, pois em 1910 haveria a disputa pela presidência entre Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, a primeira com dois candidatos. Grupos de mulheres se organizaram de um lado e de outro, participando indiretamente do pleito.” No intuito de romper com a ideia de que houve uma conquista progressiva de direitos pelas mulheres, a historiadora incluiu na tese a personagem de Selda Potocka, escritora polo-

nesa que colaborou no Correio da Manhã. “Se antes se escreveu tanto no jornal sobre caráter do casamento, divórcio e trabalho da mulher, Potocka voltava aos assuntos da moda, beleza e comportamento. A leitoras que perguntavam como eliminar pelos no rosto, respondia que o tratamento correto não era com cremes depilatórios, mas por meio de corrente elétrica contínua, serviço que só o seu instituto de beleza oferecia.” A pesquisa de Lerica Garzoni chega até a Primeira Guerra Mundial, que para alguns analistas promoveu o trabalho feminino e a valorização da mulher, enquanto outros questionam que trabalho seria este, já que elas eram chamadas para ocupar o lugar de grevistas. “Mas aí está, efetivamente, a base do movimento feminista organizado. Bertha Lutz, ao voltar para o Brasil em 1916, manifesta-se pela primeira vez como feminista na imprensa, discutindo as consequências da guerra. Ela se insere num debate que vem sendo gestado há muito tempo. Dos estudos sobre periódicos emancipacionistas no final do século XIX, parece existir um vácuo até o movimento organizado do final da década de 1910. No entanto, vemos que muita coisa era discutida na imprensa diária.”


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.