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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012 - ANO XXVI - Nº 540 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
IMPRESSO ESPECIAL
9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Imagem: sxc.hu
MAPEANDO O cérebro
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Fotos: Antoninho Perri
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Ferramentas para neuroimagens tornam os diagnósticos mais precisos.
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A inovação
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Projeto avaliou as interações de universidades e institutos de pesquisa com empresas no Brasil.
A restinga Foto: José Elvino do Nascimento Júnior
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Cerca de 350 espécies da flora foram identificadas em ecossistema no norte de Sergipe.
Microrganismo converte bagaço de cana em ácido lático O papel do milho na história da cultura alimentar paulista Cirurgia para pacientes com diabetes tipo 2 tem efeito temporário Medidas inovadoras marcam acesso aos cursos de graduação Os impactos da distrofia muscular no sistema nervoso
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
Conversão de bagaço da cana abre frente para produção de polímero verde Pesquisa conduzida na FEQ obtém microrganismo que transforma açúcares em ácido lático Fotos: Antonio Scarpinetti/Divulgação
SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
esquisa da Unicamp obtém um microrganismo eficiente para converter os açúcares presentes no bagaço da cana em ácido lático, um composto químico com alto valor agregado e com versatilidade em aplicações. A produção biotecnológica do ácido lático abre perspectiva, no futuro, para o desenvolvimento de um polímero totalmente biodegradável, o polilactato (PLA), capaz de substituir os plásticos derivados do petróleo. A biotecnologia é a manipulação ou modificação de organismos vivos para a obtenção de produtos específicos. O polilactato poderia, por exemplo, ser empregado na produção de garrafas para água mineral, copos e sacolas descartáveis, tecidos, fibras para preenchimento de estofamento, utensílios plásticos em geral e, até mesmo, em próteses e enxertos ósseos. Além de utilizar uma fonte renovável – no caso o bagaço da cana-de-açúcar, o processo tem a vantagem de não competir com a produção de alimentos, que explora amplamente o ácido lático. O estudo foi conduzido na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp em parceria com o Instituto Leibniz de Engenharia Agrícola da cidade de Potsdam na Alemanha. O trabalho é fruto de pesquisa de doutorado de Giselle de Arruda Rodrigues, que atua no Laboratório de Engenharia Bioquímica, Biorrefinaria e Produtos de Origem Renovável (Lebbpor) da FEQ. O Lebbpor é coordenado pela docente Telma Teixeira Franco, orientadora do estudo no Brasil. Pelo lado alemão, o pesquisador Joachim Venus, do Departamento de Bioengenharia do Leibniz, coorientou a pesquisa. O ácido lático foi descoberto pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele (1742-1786) no século XVIII a partir de pesquisas com o leite talhado. Na indústria, a sua produção é comumente obtida com microrganismos que atuam na fermentação dos açúcares presentes no leite e seus derivados. As propriedades acidulantes, capazes de deixar certos alimentos com gostos azedos, tornaram o ácido lático indispensável na indústria alimentícia, principalmente para os queijos, iogurtes, refrigerantes, sucos artificiais e cervejas. Os seres vivos também produzem ácido lático, que é liberado durante a realização de atividades físicas. “Recentemente o ácido lático tem sido utilizado também para a produção do biopolímero polilactato (PLA), um poliéster bastante versátil. Este polímero possui muitas vantagens do ponto de vista de processos industriais. Ele possui atributos como transparência, brilho, resistência mecânica, termorresistência e biodegradabilidade”, enumera a pesquisadora e engenheira de alimentos Giselle Rodrigues. Para a produção de PLA, o ácido lático é frequentemente obtido a partir de açúcares de seis carbonos encontrados no melaço da cana-de-açúcar no Brasil e no amido do milho nos Estados Unidos. É a primeira vez, no entanto, que se obtém o ácido lático a partir de açúcares de cinco carbonos presentes no bagaço da cana. “O desafio é não usar o melaço da cana ou o amido do milho nesta produção. Fica difícil pensar em produzir, por exemplo, sacolas plásticas destas de supermercados a partir de uma matéria-prima que pode servir na alimentação humana. O ácido lático obtido do bagaço – uma fonte renovável – não irá competir com o fornecimento de alimentos
A engenheira de alimentos Giselle Arruda Rodrigues: “O ácido lático obtido do bagaço não irá competir com o fornecimento de alimentos”
Bagaço antes (acima) e depois do tratamento térmico (abaixo): processo de hidrólise libera os açúcares
e pode, ao mesmo tempo, ser utilizado para a produção de materiais biodegradáveis”, reforça a engenheira de alimentos. Ela ficou um ano e meio no Instituto alemão, que possui características pluridisciplinares e usa a biotecnologia para a produção de alimentos, matérias-primas renováveis e energia. Lá, a pesquisadora selecionou a bactéria utilizada no estudo – a cepa Bacillus coagulans 162, dentre a rica variedade do banco de microrganismos alemão.
“A maioria dos microrganismos que produzem ácido lático utilizando açúcares de cinco carbonos também gera outros compostos secundários, como o ácido acético, o que não queríamos por vários motivos. Além de desperdiçar a matéria-prima para produzir algo que não tínhamos interesse, o ácido acético é tóxico para o crescimento da bactéria.”, explica Giselle Rodrigues. Após a seleção do Bacillus coagulans 162, a pesquisadora deu início aos testes no Labora-
tório da Unicamp. Para que o microrganismo pudesse atuar, o bagaço da cana-de-açúcar passou por um processo de hidrólise, a fim de liberar os açúcares. “São estes açúcares que utilizamos na fermentação, em uma via homofermentativa, ou seja, que fornece um único produto, o ácido lático, a partir de açúcares de cinco carbonos”, esclarece. Os microrganismos em geral usam a rota metabólica heterofermentativa que produz mais de um composto, o ácido lático e o ácido acético por exemplo. “Neste caso teríamos uma etapa a mais no processamento que seria a purificação, isto é, a separação do ácido lático dos outros compostos. Mas essa bactéria que obtivemos consegue metabolicamente utilizar todos os átomos de carbono presentes no açúcar para a produção apenas de ácido lático. Isso é um ganho muito grande do ponto de vista produtivo”, revela. A pesquisa demostrou que o Bacillus coagulans 162 testado produziu ácido lático com 99% de pureza. O microrganismo também apresentou ótima eficiência, próxima a 90%, chegando a acumular mais de 100 gramas/litro de ácido lático em fermentação semicontínua. “Tal bactéria se destacou em produtividade e eficiência nos testes sequenciais que incluíam procedimentos de fermentação em biorreator”, confirma a pesquisadora. Os estudos foram financiados por meio de acordo bilateral entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq) também custeou a pesquisa.
Publicação Tese: “Produção de ácido lático a partir do bagaço da cana-de-açúcar” Autora: Giselle de Arruda Rodrigues Orientador: Telma Teixeira Franco Coorientador: Joachim Venus Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ) Financiamento: Capes, DAAD e CNPq
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
3 Foto: Antoninho Perri
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
issertação de mestrado defendida por José Elías Yauri Vidalón na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp desenvolveu três ferramentas destinadas a auxiliar médicos no diagnóstico de lesões cerebrais sutis, por meio da exploração de neuroimagens de ressonância magnética 3D (MRI) no padrão DICOM, sem recorrer a processamento prévio complexo. Graças aos recursos propostos, que foram integrados ao protótipo denominado Visual Manipulation ToolKit (VMTK), os usuários podem interagir com as imagens no seu espaço nativo, promovendo cortes não convencionais e ampliando, destacando e realçando as regiões de interesse. “As ferramentas foram testadas por neurocientistas, e os resultados foram animadores”, afirma Vidalón, observando que a interface para as ferramentas ainda precisa sofrer aperfeiçoamentos. De acordo com o pesquisador, que foi orientado pela professora Wu Shin-Ting e contou com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação, o objetivo do estudo foi criar ferramentas para facilitar o diagnóstico de lesões cerebrais, especialmente aquelas mais difíceis de serem visualizadas nas imagens geradas por ressonância magnética, como as lesões displásicas no córtex cerebral. Estas lesões são responsáveis por uma parcela significativa de epilepsias refratárias ao tratamento medicamentoso. Ele destaca que a complexidade estrutural do cérebro humano e as diferenças anatômicas individuais do crânio muitas vezes interferem na interpretação das neuroimagens. “Quando a lesão é muito pequena, e dependendo do ponto onde ela está localizada, o diagnóstico se torna ainda mais complicado de ser feito”, explica. As técnicas desenvolvidas por Vidalón procuram justamente superar essas dificuldades. A primeira é denominada de “função de transferência” ou “janelamento”. Por intermédio dela, o usuário consegue criar diversas formas de mapeamento dos valores de intensidade das imagens de ressonância magnética em escalas de cinza ou paletas de cores, o que favorece a percepção de variações sutis que dificilmente poderiam ser observadas pelas técnicas convencionais. “Através do editor interativo de funções de transferência não monotônicas, o especialista pode criar, por exemplo, contrastes. Na mesma tela, ele também pode observar os cortes laterais convencionais, que lhe servem de referência. Assim, o usuário tem como explorar livremente a amostra, até perceber alguma eventual variação”, detalha o autor da dissertação. A segunda ferramenta é uma sonda volumétrica que pode ser posicionada em qualquer ponto do espaço nativo das imagens de ressonância magnética pelo mouse. Esta, apresentada na forma de esfera, tem a função de delimitar a área de interesse, destacando-a do conjunto. Ao usá-la em associação com a função de transferência, o usuário pode, então, realçar somente a região destacada, propiciando uma classificação localizada dos tecidos cerebrais. “No estágio atual, esse tipo de interatividade é importante, dado que ainda não conseguimos produzir algoritmos que segmentem os tecidos cerebrais de modo totalmente automático”, afirma a professora Wu Shin-Ting, orientadora do trabalho. Como existem lesões sutis localizadas em áreas de difícil visualização, Vidalón concebeu, ainda, uma lente móvel, que funciona como uma espécie de lupa. Colocada sobre o ponto investigado, a ferramenta permite perscrutar regiões na sua resolução nativa, preservando dessa maneira a informação original, sem perda do contexto. Dito de outro modo, o usuário consegue inspecionar o elemento mais básico da imagem tridimensional, que é o voxel, o que tende a tornar o diagnóstico mais preciso. “A percepção de níveis de cinza varia de indivíduo para indivíduo. Então, recursos que permitam realçar, estabelecer contrastes e tornar a visualização da amostra mais nítida constituem importante ajuda para que os médicos identifiquem as eventuais anomalias”, reforça a professora Wu Shin-Ting. Vidalón assinala que as técnicas desenvolvidas por ele foram testadas por um grupo de especialistas do Laboratório de Neuroimagem (LNI) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, coordenado pelo professor Fernando Cendes, que tem sido um ativo colaborador da equipe liderada pela professora Wu Shin-Ting. “Os resultados dos testes de usabilidade, como chamamos, foram animadores. Através das ferramentas
José Elías Vidalón e a professora Wu Shin-Ting: técnicas favorecem a identificação de eventuais anomalias no cérebro, que seriam visualizadas com maior dificuldade pelos métodos convencionais
Em busca da
interatividade
Ferramentas permitem a manipulação de neuroimagens, tornando mais preciso o diagnóstico de lesões cerebrais sutis propostas, os médicos conseguiram identificar, por exemplo, uma suspeita de lesão bem sutil na região frontal direita de uma imagem considerada”, relata o autor da dissertação. A orientadora do trabalho concorda que, enquanto permanecem os desafios associados ao processamento de neuroimagens, é válido desenvolver tecnologias que permitam aos médicos interagir com as imagens, que consistem em uma das alternativas para promover o diagnóstico de doenças. Ela reforça, entretanto, a análise feita por Vidalón de que ainda será preciso não somente aperfeiçoar a interface para as atuais ferramentas, como criar novas funcionalidades para serem agregadas ao protótipo VMTK. “A percepção dos médicos é de que esses recursos podem vir a ser importantes. Entretanto, precisamos realizar mais testes, para melhorá-los. O protótipo ainda não está pronto para virar um produto. Atualmente, ainda precisamos fazer muitos clicks para acionar uma determinada função, o que não é bom. Além disso, precisamos implementar códigos que permitam desfazer e refazer o histórico das ações, que salvem uma sessão de trabalho, que possibilitem troca de informação entre a equipe médica e que gravem ou imprimam as imagens manipuladas para geração de laudos. Isso não é difícil de fazer, mas exige tempo e recursos humanos apropriados.”, pondera a docente da FEEC.
HISTÓRICO
A professora Wu Shin-Ting desenvolve estudos em torno da visualização interativa desde o seu doutorado. Foi ela quem deu início à linha de pesquisa envolvendo o tema na FEEC, em 1993. Num de seus primeiro trabalhos, ela desenvolveu um kit de ferramentas para visualizar e interagir com objetos de estrutura de arame 3D. Nos anos seguintes, a docente aprofundou as investigações, embora ainda não pensasse em aplicar tais técnicas à área médica. “No meu doutorado, trabalhei com um grupo na Alemanha que estava fortemente focado na interface homem/máquina. Nessa época, eu comecei a perceber que os modelos matemáticos que estavam por trás dessa interação não eram únicos, o que tornava a interface gráfica muito pesada. A
hipótese que formulei foi de que seria possível simplificar essa interação, concebendo um sistema intermediário que unificasse os modelos geométricos em um único modelo geométrico de interação”, relata. Na época, conforme a docente, seus estudos não foram bem compreendidos, pois a tendência no final dos anos 90 era integrar à interface gráfica classes customizáveis de objetos geométricos dotados de funções de imageamento e de respostas às ações dos usuários. Ainda assim, ela conseguiu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para dar prosseguimento aos trabalhos. Um desses estudos foi apresentado por Wu Shin-Ting num evento científico nacional (Sibgrapi 2007), que tinha entre os seus palestrantes convidados o professor Thomas Ertl, da Universidade de Stuttgart (Alemanha). Ao ver que ela tinha conseguido colocar um cursor sobre uma esfera e intervir na imagem, o cientista estrangeiro “desafiou” a professora da Unicamp a fazer o mesmo em relação a um crânio. “Eu jamais havia pensado nisso, mas concluí que seria possível e comecei a trabalhar nesse sentido junto com o meu então orientando de doutorado, hoje docente da UFABC [Universidade Federal do ABC], Harlen Costa Batagelo”. No mesmo evento, o professor Marcelo Ferreira Siqueira, hoje na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), convidou a professora da FEEC a participar de uma reunião técnica que ele estava organizando na USP de São Carlos, como uma das atividades da visita técnica do professor James C. Gee, da Universidade de Pensilvânia, (EUA). “O contato com o professor Gee foi muito importante, porque ele me chamou a atenção de que era preciso compatibilizar o nosso modelo com o formato utilizado pelos médicos para visualizar imagens de ressonância magnética. Ele considerou nosso trabalho muito interessante e se dispôs a nos fornecer imagens para seguir com nossas investigações, se comprometendo a receber um de meus orientados na sua instituição, para um período de estudos. O professor Gee foi muito prestativo, mas percebi que seria difícil trabalhar de forma cooperada à
distância, pois eu não conhecia nada da área médica. Também houve a preocupação de minha parte de desenvolver tudo aqui no Brasil, para não ficar dependente de nada do exterior”, detalha a pesquisadora. Por intermédio do professor Wagner C. Amaral, também docente da FEEC, Wu ShinTing foi apresentada ao professor Fernando Cendes, coordenador do Laboratório de Neuroimagem (LNI) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “O professor Fernando foi incrível. Além de se entusiasmar com as nossas pesquisas, ele e alguns seus orientandos, em especial Clarissa Lin Yasuda e Ana Carolina Coan, passaram a colaborar intensamente comigo. Muito do que desenvolvemos até aqui foi baseado nas orientações e nas inspirações dele. Foi do professor Fernando, por exemplo, a sugestão para que trabalhássemos com cortes curvilíneos paralelos ao escalpo da cabeça, de modo a tornar os giros e sulcos presentes no cérebro mais perceptíveis”, conta. Conforme a docente da FECC, além de continuar trabalhando para aperfeiçoar as ferramentas já desenvolvidas, seu grupo tem outras ambições. “Também sob a inspiração do Fernando, estamos pensando em partir, futuramente, para um sistema integrado incluindo o planejamento neurocirúrgico e a neuronavegação em uma mesma plataforma, o que poderia não só minimizar ainda mais as dimensões de vias de acesso às lesões, como também aumentar a precisão nas intervenções cirúrgicas. Isso representaria uma quantidade razoável de degraus acima do que estamos fazendo hoje.”, adianta.
Publicação Dissertação: “Ferramentas interativas de auxílio a diagnóstico por neuroimagens 3D” Autor: José Elías Yauri Vidalón Orientadora: Wu Shin-Ting Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) Financiamento: Capes
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
Projeto mapeia interação de universidades e institutos de pesquisa com empresas no país ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
Levantamento abrangeu 1.005 pesquisadores da base de dados do CNPq e 326 profissionais de P&D
s interações de pesquisadores das universidades e dos institutos de pesquisa, ou da ciência com os profissionais de P&D do setor industrial, não acontecem da noite para o dia no Brasil. Elas requerem persistência, a exemplo de outros relacionamentos. Foi o que apontou pesquisa de fôlego resultante do projeto temático da Fapesp “Interação de universidades e institutos de pesquisa com empresas no Brasil”, que chegou ao fim após quatro anos de investigação. O projeto foi coordenado pelo professor colaborador do Instituto de Geociências (IG) e economista Wilson Suzigan. Esse projeto teve âmbito nacional, embora desde o início estivesse vinculado a um projeto de cunho internacional encabeçado pelo IDRC (International Development Research Center) do Canadá, que se propôs a financiar vários projetos sobre o processo de catching up tecnológico dos países em desenvolvimento, buscando um emparelhamento com as tecnologias mais avançadas na ordem internacional em vários setores e em várias indústrias. Trata-se de uma pesquisa inédita, desenvolvida no período de 2008 a 2012, do tipo Survey, uma metodologia quantitativa em geral feita por meio da aplicação de questionários. Nela, procurou-se fazer um amplo levantamento, Os professores Wilson Suzigan e Renato Garcia: abrindo novos campos de interesse ao qual responderam 1.005 pesquisadores de universidades que figurade engenharia metalúrgica e de engenharia de vam na base de dados do CNPq e 326 profisminas. Exemplo típico é a Escola de Minas de sionais de P&D das empresas. Ouro Preto”, lembra Renato. O projeto, conforme Suzigan, confirmou Essa instituição, criada no século 19, a percepção de que a conexão entre a C&T é quando a indústria siderúrgica ainda era basum fator-chave para o desenvolvimento tectante primitiva, ganhou um grande impulso nológico e para o processo de catching up de no século 20, passando a ser exploradas as setores econômicos e do país como um todo, primeiras jazidas de minério de ferro descoalém de implicar o desenvolvimento simulbertas por geólogos formados no século 19. tâneo da capacitação na área acadêmica e da As primeiras empresas criadas no Brasil capacidade de absorção de novos conhecipara explorar jazidas de ferro estabelecerammentos pelas empresas. se aqui em princípios do século 20. Depois, o Mas o padrão de interação que há no país próprio Estado tomou a iniciativa de formar hoje (entre a área científica e a área tecnolóa Companhia Siderúrgica Nacional, a maior gica das empresas) ainda é relativamente poempresa siderúrgica do Brasil e da América bre, apesar de não ser um desastre. “Notou-se Latina, e uma das mais renomadas do mundo. um histórico que é uma espécie de processo Nesse processo, em que a industrialização coevolutivo, tanto da instituição de pesquisa e a formação de capacitação científica foram acadêmica quanto da empresa, no aprendizamais ou menos simultâneas, a entrada em do de como estabelecer relações entre a cicena do Departamento de Engenharia Metaência e a tecnologia e como desenvolvê-las”, lúrgica e de Materiais da Universidade Fedeassinala o coordenador da pesquisa. ral de Minas Gerais (UFMG) foi um marco para a indústria siderúrgica brasileira. MINAS Esse departamento passou a cooperar formando pesquisadores para as empresas e faEle relata que os questionários sinalizazendo projetos conjuntos de desenvolvimenram fortes evidências de processos interato tecnológico. “Este fato foi capaz de gerar tivos entre agronomia e produção agropevárias inovações”, conta Suzigan. E esse é um cuária, florestal e de alimentos; entre a área setor exemplar que sugere como a interação acadêmica de química e produtos de petróé produtiva não só para o desenvolvimento leo; entre engenharia elétrica e fabricação de tecnológico e industrial, mas também para a equipamentos elétricos; entre engenharia capacitação científica dos pesquisadores acamecânica e produção de veículos; e entre endêmicos. Esse departamento manteve a nota genharia de materiais e metalúrgica, e produmáxima da Capes durante o tempo em que tos metalúrgicos. ocorreu o processo de interação entre as duas Também colaborador nesse projeto tepartes.” mático, o professor da Escola Politécnica da “Em todos os produtos nos quais o BraUSP Renato Garcia – ex-aluno do Instituto de sil apresenta vantagens competitivas no ceEconomia (IE) da Unicamp – comenta que a nário internacional”, avalia Suzigan, “é posinvestigação também indicou que, no Brasil, sível identificar um longo processo histórico existe um caso curioso relacionado às áreas de aprendizagem e acumulação de conhecide engenharia de minas e engenharia metamentos científicos e competência tecnológica lúrgica com as indústrias de metais básicos e envolvendo importantes articulações entre produtos metalúrgicos. esforço produtivo, governo e instituições de “Observou-se uma ampla capacitação tecensino e pesquisa.” nológica nesses setores ligada à formação de Outra coisa: a área de Agronomia também geólogos e engenheiros de minas, e à criação se apresentou mais destacada em sua interade departamentos de engenharia mecânica,
Foto: Antoninho Perri
pergunta feita aos grupos cujo entrevistado em geral era líder de pesquisa. “Indagamos quais foram os resultados desta interação para o seu grupo”, pontua Suzigan. A resposta foi que produtos tipicamente acadêmicos – como teses, dissertações, publicações e formação de RH nas unidades acadêmicas imbricadas na cooperação – apareceram como principais frutos dessa interação. Esse achado, salienta ele, desmistifica uma ideia preconcebida contra esse tipo de interação com o setor produtivo, segundo a qual a interação pode prejudicar a atividade científica. Em sua opinião, o projeto temático sugeriu inclusive que os departamentos com maior envolvimento nessas interações ampliaram a sua pauta de pesquisa, incrementaram a formação de pesquisadores e as publicações, abrindo novos campos de interesse para responder às demandas surgidas nas empresas. De acordo com Renato, essa pesquisa revelou igualmente a relevância do contexto histórico. Isso porque no debate brasileiro sempre se relativizou o valor da universidade para a formação de capacitações científicas e tecnológicas da indústria.
FRUTOS
ção com institutos de pesquisa, produtores agrícolas, empresas produtoras de sementes e formação de pesquisadores com expertise para selecionar sementes. Os institutos de pesquisa e as universidades que se destacaram nessa linha foram o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Esalq da USP e a Universidade Federal de Viçosa, isso antes mesmo do surgimento da Embrapa, na década de 1970, que já encontrou um conhecimento científico encorpado e uma desenvolvida produção brasileira de soja e derivados. Por outro lado, o professor Renato realça que, enquanto nos EUA a universidade interage basicamente com setores de alta tecnologia, como a indústria farmacêutica, a de eletrônica e de equipamentos de computação, no Brasil os setores que mais se relacionam são os de média-baixa e baixa tecnologia como papel, celulose, produtos metalúrgicos, produtos siderúrgicos, alimentos, têxtil. Isso ilustra então o fato de o Brasil ter características diferenciadas. Não significa, porém, na análise de Suzigan, que não haja empresas de alta tecnologia no país que também recorram às universidades e aos institutos de pesquisa para adquirir conhecimento, para cooperar, entretanto ainda se trata de um conjunto pouco expressivo que não aparece nos resultados. Ademais, no caso brasileiro, a interação da universidade com as empresas está mais associada a ações de adaptação, melhoramento, mudanças incrementais, produtos e processos nas empresas do que a inovações radicais. Renato afirma que essas constatações, por outro lado, não devem dar margem para entender como fraca a relação universidadeempresa no Brasil, a despeito das empresas investirem pouco em P&D. “É, antes, diferente”, reforça. Ao invés de estar associada a inovações de ruptura e à quebra de paradigmas, a nação não põe ênfase em novos produtos ou novos processos para o mercado mundial, mas sim adaptação e melhoramento. Outra revelação no estudo resultou de uma
O conteúdo desse “inquérito” acaba de dar à luz um livro – Em Busca da Inovação: Interação UniversidadeEmpresa no Brasil – de 463 páginas, que é uma tentativa de mapear o conhecimento científico disponível no país a partir de questionários aplicados. O passo seguinte foi conjugar as respostas dos pesquisadores acadêmicos e das empresas para avaliar canais de relacionamento, diferenças setoriais, padrões regionais, etc. Isso foi feito em artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais e num livro internacional em fase de preparo envolvendo a rede de pesquisadores criada no projeto. “Essa rede é bastante atuante e soma cerca de 50 pesquisadores de universidades de todas as regiões do país”, comemora Suzigan. Além disso, o projeto colaborou para a formação de jovens pesquisadores, tanto que foram defendidos, ou estão em andamento, mais de 70 trabalhos acadêmicos incluindo teses, dissertações e projetos de iniciação científica. Na Unicamp, juntamente com o Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG, o projeto reuniu estudantes do Instituto de Economia (IE), que participaram como pesquisadores juniores. O projeto abrangeu ainda, no Estado de São Paulo, instituições de ensino superior como a USP e a UFSCar, que receberam financiamento da Fapesp e do CNPq. Suzigan acredita que essa pesquisa produziu conhecimentos sistematizados que serão bastante úteis à formulação de políticas públicas na área de C&T, sobretudo porque indicam as áreas do conhecimento científico mais demandadas pelas empresas. Dentre todas as áreas, as engenharias se mostraram as mais importantes. “E são elas justamente o ponto fraco do Brasil no momento atual”, constata ele.
Publicação Projeto temático: “Interação de universidades e institutos de pesquisa com empresas no Brasil” Coordenador: Wilson Suzigan Financiamento: Fapesp e CNPq
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Milho, alimento de uma civilização em movimento Cultura alimentar paulista é tema de dissertação de mestrado defendida no IFCH Foto: Antoninho Perri
LUIS SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
constatação da pesquisadora Rafaela Basso de que a famosa culinária mineira – tão valorizada pelo milho e a carne de porco – tem sua origem em São Paulo foi considerada uma “blasfêmia” por um graduando da aula sobre o Brasil Colônia, no curso de História da Unicamp. “A motivação do historiador é buscar um pouco dessas origens”, diverte-se a autora da dissertação de mestrado intitulada “A cultura alimentar paulista: uma civilização do milho?”, orientada pela professora Leila Mezan Algranti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Foi ao estudar as práticas alimentares dos habitantes do Planalto do Piratininga, no período que vai da segunda metade do século 17 à primeira metade do século 18, que Rafaela pôde acompanhar os bandeirantes pelas trilhas marcadas por grãos de milho até as minas descobertas em Goiás, Mato Grosso e nas Gerais. “Nunca tive muito talento na cozinha, mas sempre gostei de comida e, daí, meu interesse pela história dos alimentos. A ideia de pesquisar os hábitos alimentares na São Paulo do período colonial surgiu ainda na graduação.” Diante da escassez de estudos acadêmicos focando a história da alimentação no Brasil, a pesquisadora foi trabalhando com autores da São Paulo Colonial que em certos momentos descreviam a cultura e os hábitos da população, tocando também na alimentação. “Esses autores atentaram sempre para uma especificidade de São Paulo, que teria uma cozinha colonial diferente das outras regiões da América portuguesa, por conta da presença do índio e do milho, que é um cultivo ameríndio.” Entretanto, ainda na graduação, Rafaela Basso desenvolveu duas iniciações científicas sobre o tema e notou uma contradição: se os historiadores descreviam o milho como fundamental, quando ela foi buscar efetivamente os documentos históricos, o alimento não aparecia. “Defini então a hipótese para o meu mestrado: haveria uma civilização do milho na São Paulo colonial? Trabalhar com o conceito de civilização significava abordar os alimentos segundo a sua importância econômica e cultural para os habitantes.” De acordo com a historiadora, o milho começa a aparecer na documentação em um período bem específico, por volta de 1670, sobretudo em requerimentos aos camaristas (vereadores) solicitando o envio do grão para as expedições sertanistas dos paulistas. “As atas da Câmara foram fundamentais para a pesquisa. Eram sempre pedidos de socorro para expedições no sertão do Sacramento e nas regiões das minas que iam sendo descobertas. O primeiro aspecto que chama a atenção, portanto, é que a importância econômica do milho estaria no abastecimento de pessoas em situação de vida provisória: nas incursões ao interior e na colonização das novas áreas.” A ideia de que a culinária mineira é uma ex-
PRÁTICAS CULINÁRIAS
A pesquisadora Rafaela Basso: “Minha fonte mais rica foram os relatos de viajantes para as regiões das minas” Foto: Reprodução
Em relação às práticas culinárias e aos usos do milho em si, Rafaela Basso observa que a documentação do período é muito árida e que apenas no século 19 viriam os menus, livros de receitas e manuais de cozinha. “Por isso, minha fonte mais rica foram os relatos de viajantes para as regiões das minas – Relatos Sertanistas, Relatos Monçoeiros e o Códice Costa Matoso. O Códice, particularmente, reúne documentos referentes às expedições paulistas e aos primeiros núcleos de povoamento em direção às Gerais, descrevendo a vida no sertão e também os usos do milho na região.” De acordo com a autora da pesquisa, os colonos consumiam muita canjica, que é o milho simplesmente pilado (sem farinação), cozido em água e que dispensava condimentos. Também consumiam o grão na forma de broa, doce ou a própria espiga assada na brasa, como faziam os indígenas. “Posteriormente, viajantes descreveriam o milho como comida típica dos paulistas, por causa da pobreza daqueles habitantes – pobreza que deve ser relativizada, já que o hábito se devia mais à situação de vida provisória. O milho podia não ser o ‘pão da terra’ dos paulistas, mas na mobilidade, era.” Rafaela ressalta, ainda, que naquelas condições o milho sempre esteve associado com o feijão e a carne de porco. “Toda pessoa tinha um porco no quintal. Era uma carne acessível aos pobres e mais saudável, já que podia ser mais bem conservada, como no caso do torresmo dentro da farinha. Já a carne de vaca era cara, sendo que a documentação mostra muitos moradores reclamando do preço e do produto estragado. Fazendo um contraponto com os dias hoje, temos a comida da fazenda (o tutu e a carne de porco), culinária que se tornou regional porque os mineiros souberam valorizar este patrimônio.”
Publicação
A Partida da Monção, de Almeida Júnior, 1897 (acervo do Museu Paulista da USP)
O grão no âmbito da questão cultural Ao mesmo tempo em que ia localizando o milho nas regiões de minas descobertas pelos paulistas, a historiadora Rafaela Basso observou que na Vila de São Paulo se comia muito pão de farinha de trigo, vinho, azeite e aguardente, num padrão de consumo semelhante ao de outras regiões da América portuguesa. “Isso me levou a problematizar se a alimentação dos paulistas era tão específica como diziam os autores do período colonial. Nos inventários – documentação que utilizei para pesquisar a alimentação dentro das residências da Vila –, o milho quase não aparecia.” A explicação encontrada pela pesquisa-
tensão da culinária paulista condiz com o fato de que os bandeirantes levaram também para as Gerais as práticas alimentares da vida em movimento. “Eram alimentos de trato e consumo rápidos; culturas rotativas como milho, feijão e abóbora. Os bandeirantes perceberam que o milho, além de barato, se reproduzia em ciclo vegetativo de três meses, dispensava cuidados da terra e podia ser levado em grãos nas expedições. Ao passo que a mandioca, cujo ciclo é bem maior, tinha que ser levada em ramas, dificultando o transporte. Eles plantavam o milho sertão adentro e depois alguns voltavam para colhê-lo, quando isso não era feito por outra expedição que vinha atrás no comboio. Era um processo dinâmico.”
dora é que, quando pessoas morriam, nos inventários eram arrolados somente alimentos de importância comercial: havia muitos registros de roças de trigo e botijas de azeite e de vinho, todos com alto valor atribuído. “O milho, quando arrolado, estava em sítios onde se colhia alimentos para os plantéis de escravos indígenas. Da mesma forma, os inventários não trazem utensílios como o pilão, em contraposição aos moinhos construídos pelos mais abastados. A ausência de utensílios de origem europeia significava que o grosso dos moradores consumia o milho da mesma forma que os índios: pilado na canjica ou assado.”
Também havia, segundo Rafaela, uma questão cultural: a necessidade dos portugueses que chegavam ao novo mundo de se distinguir em todo momento dos nativos e depois dos africanos. “A comida também servia como fator de diferenciação e, quando eles podiam, evitavam consumir milho, feijão ou mandioca. É possível perceber esta faceta também nas atas da Câmara, em que moradores protestam contra o preço do trigo, que os impede de consumir o pão branco, restando no mercado apenas o pão de rala (de trigo misturado a cereais inferiores como mandioca e milho).” A historiadora informa que em várias ocasiões, sem a opção do trigo e de outros alimentos europeus, a elite tinha que comer o mesmo que os nativos, mas ainda assim de forma diferenciada, como uma canjica mais fina, adossada, salgada ou temperada. “Os inventários sugerem que a mandioca era preferida frente ao milho, por conta do benefi-
Dissertação: “A cultura alimentar paulista: uma civilização do milho?” Autora: Rafaela Basso Orientadora: Leila Mezan Algranti Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
ciamento mais elaborado e por ser mais alva. Se tinham que escolher, eles desprezavam o milho, amarelado e pilado. Isso significa que a ideia da aclimação – de que os europeus se adaptaram aos alimentos nativos – não foi devidamente problematizada por Gilberto Freyre. Não foi bem assim, havia um conflito, uma resistência.” Um dos poucos documentos registrando a vida em residências da São Paulo colonial, de acordo com Rafaela Basso, é de autoria do padre memorialista Manuel Fonseca, que descreve o dia-a-dia de outro padre, enaltecendo sua bondade e santidade, além da abstinência: “Era o seu comer parco e vil, usando muitas vezes o feijão e a canjica, guisado especial de São Paulo e muito pobre de nutrientes”, lê em voz alta a pesquisadora. O projeto de doutorado de Rafaela Basso deve versar sobre a comida dos paulistas no século 19, com a chegada da Corte portuguesa, dos viajantes estrangeiros e dos livros de culinária.
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012 Foto: Antoninho Perri
Os médicos José Carlos Pareja (à esq.) e Bruno Geloneze Neto: pacientes vêm sendo acompanhados há pelo menos cinco anos
Funciona, mas por pouco tempo Pesquisa conclui que é temporário efeito de cirurgia para pacientes com diabetes tipo 2 PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
acientes com diabetes do tipo 2 não obesos que passaram pela cirurgia Duodeno-jejuno Bypass (DJB) tiveram melhora significativa na redução dos níveis de glicemia e, na grande maioria dos casos, eliminaram a necessidade de insulina. O efeito é, no entanto, temporário, e não justifica a padronização da cirurgia. Os resultados, alcançados pela pesquisa realizada pelo Gastrocentro da Unicamp, abrem perspectivas para novos estudos que podem levar à descoberta de medicamentos que resultem o mesmo efeito para o tratamento do diabetes, porém sem a necessidade da intervenção cirúrgica. O diabetes do tipo 2 corresponde a mais de 90% dos casos da doença, que, no Brasil, atinge 12 milhões de pessoas. O diferencial do trabalho realizado na Unicamp em relação a outros estudos semelhantes divulgados na imprensa é que todos os 18 pacientes operados, com Índice de Massa Corporal (IMC) inferior a 30, tomavam insulina. Além ainda da comparação entre o grupo cirúrgico e o grupo controle, este submetido a um tratamento apenas clínico. Dessa forma é possível saber se os avanços são devido à cirurgia, ou resultante apenas de maior atenção e cuidado com o tratamento. Os dois grupos receberam as mesmas recomendações de medicação, exercícios e dieta, e ambos melhoraram, mas o grupo cirúrgico de maneira bem mais efetiva. Os dados publicados são de um ano após a intervenção. Entre os pacientes do grupo cirúrgico, as unidades de insulina tomadas baixaram de 49 para 4, em média, ou 93% menos. No grupo controle, as unidades diminuíram de 39 para 33, ou 40%. O grau de resistência à insulina, que é outro fator analisado, caiu naqueles que se submeteram a DJB, enquanto permaneceu estável no grupo controle. As cirurgias foram realizadas entre 2006 e 2007, ou seja, os pacientes vêm sendo acompanhados há pelo menos 5 anos. Hoje, entre os 18 pacientes que fizeram a cirurgia, apenas um continua sem a necessidade de insulina. A expectativa inicial da equipe coordenada pelo endocrinologista Bruno Geloneze Neto e pelo cirurgião José Carlos Pareja, ambos do Laboratório de Investigação em Diabetes e Metabolismo (Limed), era de que a DJB pudesse até mesmo reverter a doença, com base em estudos realizados pelo cirurgião italiano Francesco Rubino, que obteve sucesso com modelos animais. Após a cirurgia, os ratos tiveram a remissão do diabetes. O estudo da Unicamp teve ainda a participa-
ção dos docentes Marcos Antonio Tambascia, chefe da disciplina de Endocrinologia, e Elinton Adami Chaim, do departamento de Cirurgia, ambos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
TÉCNICA
Bypass em inglês significa atalho. A técnica é utilizada tradicionalmente na cirurgia bariátrica e consiste na realização de um desvio da primeira porção do intestino, conhecida como duodeno e parte do jejuno. O primeiro metro do intestino é “desconectado” do estômago, órgão que se liga à porção intestinal restante. A parte “excluída” do intestino tem a base costurada e não recebe alimento ou suco gástrico. Com isso, modifica seu funcionamento. Ao fazer o bypass há um acréscimo nas substâncias chamadas incretinas, em especial o hormônio GLP1, que estimula a produção de insulina.“Percebemos a melhora de sensibilidade à ação da insulina e também melhorou um pouco a produção, ou seja, essa primeira porção do intestino tem uma função reguladora do metabolismo em geral e reguladora da produção, não apenas de hormônios gastrointestinais, como também da produção de insulina que ocorre no pâncreas”, diz Geloneze. Esse dado abre tanto a possibilidade do desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas como de novos medicamentos. Os resultados não foram duradouros porque há uma contra-regulação do organismo. “Provavelmente, com a DJB, também houve o aumento da enzima que degrada o GLP1, o que não ocorre em pacientes obesos”, relata. O cirurgião José Carlos Pareja complementa que como não há redução do estômago, permanece a produção da Grelina, que é o hormônio da fome. “O paciente produz pouco GLP1 e não perde a gordura visceral que tem a substância que piora a função do pâncreas”, enfatiza.
CIRURGIA METABÓLICA
O estudo também permite afirmar, segundo Geloneze, que existe um tipo de cirurgia puramente metabólica. Ele acrescenta que embora a cirurgia bariátrica tenha também este sobrenome, não havia ainda evidências que garantissem a possibilidade do procedimento ser exclusivamente de efeito metabólico, melhorando alterações da triglicéride e glicose dos pacientes não obesos, de forma independente da perda de peso ocorrida nas cirurgias bariátricas. Geloneze faz referências ao final da década de 1950, quando os médicos começaram a perceber que o obeso, depois da cirurgia bariátrica, melhorava ou revertia o diabetes, constatação sistematizada décadas depois, porque
até então acreditava-se que a mudança seria em função apenas do emagrecimento do paciente. No início dos anos 2000, notou-se que a melhora no diabetes ocorre antes da perda de peso, às vezes até na alta do hospital, uma semana ou um mês após a intervenção. “Havia um debate se existia de fato um efeito metabólico ou se a melhora nas alterações metabólicas dependia da cirurgia bariátrica”, complementa o endocrinologista. A cirurgia bariátrica metabólica provoca o emagrecimento, pois além da técnica do bypass inclui a gastroplastia, ou redução do estômago. A alternativa seria realizar uma cirurgia com técnica semelhante à bariátrica mantendo o estômago intacto. Mas ainda que na cirurgia DJB não ocorra a gastroplastia, havia o temor de desnutrição caso pacientes diabéticos não obesos fossem submetidos à intervenção, em razão da possibilidade de diminuição da absorção de alimentos com a exclusão do duodeno. A pesquisa indicou que não há alteração significativa no peso dos pacientes que fizeram a cirurgia. De acordo com Geloneze, o primeiro passo da pesquisa foi selecionar diabéticos não obesos para quem a proposta de emagrecimento não era primordial. 186 pacientes se ofereceram para o procedimento, dos quais 103 foram excluídos por critérios médicos, tais como a presença de anticorpos contra o pâncreas (comum aos diabéticos tipo 1). Restaram 83 pacientes habilitados para a cirurgia que finalmente foi realizada em 18 diabéticos do tipo 2. O efeito metabólico da cirurgia é, segundo Geloneze, “semelhante a uma combinação de medicações e envolvimento com a dieta e os exercícios que melhoram o diabetes”. Por não resultar na cura da doença, acrescenta ele, a indicação da cirurgia “puramente metabólica” para o controle da doença está descartada. “A cirurgia bariátrica metabólica sem perda de peso, puramente metabólica, existe e seu efeito é efetivo, porém não suficientemente impactante para justificar a introdução do método no tratamento dos diabéticos”, reforça. Sobre o questionamento de que a cirurgia poderia curar quem estivesse tomando pouca medicação, a resposta de Geloneze é sim, porém ele adverte que não há razão para submeter um paciente com o diabetes controlado ao risco anestésico e de desnutrição no longo prazo. Pareja afirma que, para um estudo dessa complexidade, o número de doentes submetidos ao procedimento cirúrgico na pesquisa foi suficiente. “É muito difícil fazer um estudo melhor do que o que foi feito pela Unicamp do ponto de vista metabólico”, diz. Ele complementa que o assunto era controverso na literatura. Por esta razão, inclusive, uma
das principais revistas científicas do mundo, a Annals of Surgery, trouxe em julho a publicação do grupo.
INDICAÇÃO
Os coordenadores da pesquisa relembram as indicações de cirurgia bariátrica metabólica que já existem, tendo sido padronizadas pelo International Diabetes Federation (IDF) em 2011. A intervenção é recomendada para as pessoas com IMC maior que 40, que são obesos mórbidos do grau III. Aqueles que têm IMC entre 35 e 40 são pacientes não prioritários, mas elegíveis. Com IMC entre 30 e 35, que abrange a maioria dos diabéticos, a indicação depende de um minucioso estudo de cada paciente em particular, sendo reservada para poucos casos. Na faixa de IMC abaixo de 30, que foi o caso do estudo realizado no Gastrocentro, o IDF propõe a realização de estudos que comprovem se é possível fazer a cirurgia em quem não é obeso. “Nós estamos propondo que não se faça, além das pesquisas científicas para o diabetes do tipo 2 não obeso”, salienta Geloneze. O cirurgião José Carlos Pareja ressalta que há outros estudos em andamento na Unicamp para a remissão ou controle do diabetes do tipo 2 em pacientes com o IMC entre 30 e 34.9, a maioria tomando insulina (até 70% dos doentes). “Temos teses defendidas e trabalhos que ainda serão publicados com resultados bastante satisfatórios em relação a este último apresentado”. O cirurgião se refere a intervenções que utilizam técnicas da cirurgia bariátrica interferindo no peso do paciente. “Por causa da ação dos hormônios, o resultado da cirurgia não é independente da perda de peso. Nesse caso o paciente vai emagrecer proporcionalmente ao seu peso inicial, não é como a perda de peso do obeso de grau mais elevado, de modo que os resultados são melhores”.
Publicações Surgery for nonobese type 2 diabetic patients: an interventional study with duodenal-jejunal exclusion. Geloneze B, Geloneze SR, Fiori C, Stabe C, Tambascia MA, Chaim EA, Astiarraga BD, Pareja JC. Obesity Surgery 2009 Aug;19(8):107783. Metabolic surgery for non-obese type 2 diabetes: incretins, adipocytokines, and insulin secretion/resistance changes in a 1-year interventional clinical controlled study. Geloneze B, Geloneze SR, Chaim E, Hirsch FF, Felici AC, Lambert G, Tambascia MA, Pareja JC. Annals of Surgery 2012 Jul;256(1):72-8
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
Inovações marcam sistema de ingresso aos cursos de graduação da Universidade CLAYTON LEVY clayton@reitoria.unicamp.br
m menos de três anos, o sistema de ingresso aos cursos de graduação na Unicamp apresentou duas inovações de grande impacto: reformulação nas provas do vestibular e implantação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). A estes, somaram-se outros dois importantes passos, desta vez voltados para estudantes estrangeiros: adesão ao Programa Estudante Convênio–Graduação (PEC-G) e participação no Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior. Juntas, estas iniciativas consolidam um modelo que reúne mérito acadêmico, ação afirmativa e expansão da internacionalização. As mudanças no vestibular tiveram como objetivo promover a atualização acadêmica e programática, além de aprimorar a seletividade do processo seletivo. Aprovadas em dezembro de 2009, as alterações entraram em vigor no vestibular 2011. Com o novo modelo, a avaliação de leitura e escrita a partir da prova de redação foi ampliada. O candidato passou a produzir três textos de gêneros diversos, todos de execução obrigatória, a partir de textos-fonte. No modelo anterior, o candidato selecionava uma de três propostas e preparava apenas um texto. “O novo formato reforçou a integração entre leitura e escrita e ampliou as possibilidades de avaliação, aumentando a confiabilidade da seleção para níveis apropriados para uma prova de pré-seleção, como é a nossa primeira fase”, pondera o coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), Maurício Kleinke. Além disso, como os gêneros dos textos a serem elaborados podem variar muito, reduziu-se a possibilidade do treinamento em apenas uma proposta de texto, contribuindo para que a formação nessa área, no ensino médio, buscasse também se aprimorar. Já na prova de Conhecimentos Gerais o número de questões a serem respondidas também mudou, passando de 12 dissertativas para 48 de múltipla escolha. “Essa mudança ampliou a diversidade de conceitos a serem avaliados e melhorou o processo seletivo, diminuindo os efeitos de sorte ou azar”, analisa Kleinke. As provas da segunda fase foram agrupadas de maneira a estimular a avaliação integrada do conhecimento e a interdisciplinaridade na formulação das questões. O novo modelo passou a aplicar três provas de 24 questões dissertativas, realizadas durante três dias consecutivos, com quatro horas a cada dia. Os dados disponíveis indicam que as mudanças implantadas tiveram impacto positivo. O número de estudantes da rede pública matriculados em cursos da Unicamp bateu recorde já no vestibular de 2011. Foram 1.111 alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas da rede pública, o que equivale a 32,1% dos matriculados naquele ano, contra 1.003 em 2010, ou 29,4% dos admitidos naquele período. Praticamente o mesmo índice foi alcançado no vestibular de 2012, quando 32% dos alunos matriculados na graduação haviam feito o ensino médio em escolas públicas. Já entre os inscritos, o percentual de estudantes da rede pública atingiu a marca de 27% em 2011 e 28% em 2012. O vestibular 2012 registrou recorde de inscritos, com 61.500 candidatos, o que confirma a Unicamp como referência nacional. As mudanças no vestibular vieram se somar ao Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS). Implantado em 2005, o programa confere a estudantes que tenham cursado o ensino médio integralmente na rede pública, 30 pontos adicionais à nota final da segunda fase e mais 10 pontos aos candidatos autodeclarados negros e indígenas que também tenham feito o ensino médio em escolas públicas. Em 2012, os candidatos deste segmento
Acesso contempla mérito acadêmico e ações afirmativas
Foto: Antoninho Perri
Foto: Antoninho Perri
O coordenador da Comvest, Maurício Kleinke: “Novo formato reforçou a integração entre leitura e escrita” Foto: Antonio Scarpinetti
Estudantes no vestibular da Unicamp: mudanças aprimoraram a seletividade e promoveram a atualização acadêmica e programática
representaram 8,3% dos inscritos e 8,9% dos matriculados. Outra medida significativa foi a implantação do ProFIS, uma das respostas da Universidade em relação à inovação curricular e à igualdade no acesso e permanência no ensino superior. Aprovado em setembro de 2010, o programa criou 120 novas vagas de graduação destinadas aos melhores alunos das 94 escolas públicas de ensino médio em Campinas. A seleção ocorreu pela nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a primeira turma ingressou já em 2011. “O ProFIS constitui uma iniciativa inédita para selecionar alunos que eram excluídos ou tinham chance reduzida no sistema tradicional de seleção, sem abdicar do mérito acadêmico”, define o próreitor de Graduação e idealizador do programa, Marcelo Knobel. Em 2008 e 2009, por exemplo, 55% das escolas públicas da cidade não tiveram nenhum aluno matriculado na Unicamp. Além de criar uma nova forma de ingresso na universidade pública, o ProFIS visa oferecer aos estudantes uma visão geral do conhecimento universitário, antes de se decidirem por uma carreira específica. Para isso, durante dois anos os alunos cursam disciplinas de caráter amplo, em todas as áreas do conhecimento. “São cursos especialmente organizados para que os estudantes adquiram uma formação cultural e científica, além de se preparem para escolher a sua área específica de formação acadêmica e profissional”, diz o coordenador do ProFIS, Francisco Gomes. Após esses dois anos iniciais, os alunos podem escolher um curso de graduação na Unicamp para ingressar sem necessidade de prestar o vestibular. A primeira seleção, em 2011, trouxe alunos de 76 das 94 escolas da cidade, de um total de 705 inscrições válidas. Já em 2012 foram selecionados candidatos de 82 escolas, de 925 inscrições válidas. “O ProFis está mudando minha visão de mundo”, garante Alexandre Lorca Serafini, de 20 anos. Ele ingressou na primeira turma, em 2011, depois de cursar o ensino médio na Escola Estadual Jamil Gadia, que fica no Parque da Figueira. “A mudança é muito grande, porque na escola o ensino era muito fraco”, diz o estudante. “Mas aqui os professores são incríveis, estou aprendendo o que é estudar de verdade, a interpretar textos, a argumentar cientificamente e até a conversar melhor”, conta. Fã de Steve Jobs, a ponto de ter lido duas vezes a biografia do criador da Apple, ele já decidiu que vai fazer Engenharia da Computação. No intuito de viabilizar a permanên-
cia dos alunos e a conclusão dos cursos, o programa oferece uma ampla rede de assistência estudantil que inclui ajuda de custo com a alimentação dentro do campus e bolsas de estudo para todos, no valor de R$ 670,00. Além disso, no início de 2011 foi oferecida uma turma específica da Oficina de autorregulação da aprendizagem para os alunos desenvolverem habilidades de estudo, entre outras ações. “Desta forma, o curso busca não só possibilitar a equidade no acesso, mas principalmente a permanência no ensino superior”, diz o coordenador do ProFIS.
BALANÇO
Para acompanhar a implantação do programa, seus resultados e impactos, foi desenhada uma metodologia de avaliação continuada que tentará seguir os beneficiários por pelo menos uma década. Essa função vem sendo desempenhada pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), sob a coordenação da pesquisadora Ana Maria Carneiro, que vem produzindo informações relevantes para a gestão do programa. Um balanço de resultados preliminares dos dois primeiros anos de atividades aponta um saldo positivo. Segundo Ana Maria, dois objetivos foram plenamente alcançados. “O primeiro foi a própria implantação do programa num prazo exíguo, e o segundo foi a inclusão social no ingresso ao ensino superior”, explica. No que se refere ao aspecto raça/cor/ etnia, cerca de 40% dos alunos do ProFIS são não brancos (pardos, pretos e indígenas), um percentual 2,7 vezes superior ao percentual de matriculados através do vestibular e ligeiramente acima da distribuição de raça/cor da população de 18 a 24 anos do Estado de São Paulo, que possui 38% de indivíduos não brancos segundo dados do Censo 2010. “Em relação ao histórico escolar, além de terem cursado o ensino médio completo em escola pública, o que é um prérequisito do programa, 92,5% cursaram também o ensino fundamental na rede pública”, constatou Ana Maria. O ProFIS também ampliou as admissões de egressos da rede pública na Unicamp em cerca de 2,2% em 2011 e em 3,4% em 2012. Em relação à renda familiar mensal, os alunos matriculados do ProFIS apresentam renda média 3,6 vezes menor que a renda média da população de 18 a 24 anos do Estado de São Paulo com acesso ao ensino superior. A renda dos alunos do ProFIS é também bastante inferior à renda dos demais alunos da Unicamp. Enquanto a maioria dos alunos do ProFIS tem renda mensal familiar de até 5 salá-
rios mínimos (82,4% em 2011 e 74,2% em 2012), estes percentuais entre os alunos que ingressaram pelo vestibular são 60,4% em 2012 e de 82,3% entre os que ingressaram pelo vestibular usando o PAAIS. Atenção especial vem sendo dada ao quesito “permanência dos alunos”. Em relação à primeira turma, dos 120 matriculados, 22 saíram até junho de 2012, significando, portanto, uma taxa de evasão de 18,3%, o que estaria dentro dos níveis médios de evasão da Unicamp (entre 15% e 20%). Destes 22, pelo menos 7 ingressaram em algum curso de graduação regular, sendo 6 deles na própria Unicamp através do vestibular, o que não deixa de ser um resultado positivo do programa. As ações voltadas para acesso à graduação envolvem ainda outras duas iniciativas destinadas a estudantes estrangeiros. O Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior, desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação, permite o ingresso de estudantes do Haiti para uma graduação “sanduíche” em diversas áreas, com duração de um ano e meio e bolsa de R$ 750 mensais da Capes. O acordo visa contribuir na reconstrução daquele país, arrasado pelo terremoto de janeiro de 2010. Desde o ano passado, 41 jovens haitianos passaram a estudar na Unicamp. A outra iniciativa diz respeito à adesão da Unicamp ao Programa Estudante Convênio– Graduação (PEC-G), um dos instrumentos de cooperação que o governo brasileiro oferece para outros países em vias de desenvolvimento, especialmente da África e da América Latina. Atualmente, estão matriculados 30 estudantes provenientes de 13 países: 3 de Guiné Bissau, 3 de Angola, 7 de Cabo Verde, 1 do Congo, 1 da Argentina, 1 da Bolívia, 1 da Costa Rica, 5 do Equador, 1 do Haiti, 1 do Panamá, 1 da Nicarágua, 1 da Venezuela e 4 do Paraguai.
O professor Francisco Gomes, coordenador do ProFIS: equidade no acesso e a permanência no ensino superior Foto: Antoninho Perri
O estudante Alexandre Lorca Serafini: “O ProFIS está mudando minha visão de mundo”
Foto: Antonio Scarpinetti
A pesquisadora Ana Maria Carneiro: balanço dos dois primeiros anos de atividades do ProFIS tem saldo positivo
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
Fotos: Antoninho Perri
A pedagoga Andrea Rosa durante cerimônia na Unicamp e no destaque: “Os alunos da EJA formam meu maior público”
Sinais que incluem e iluminam
A trajetória de Andrea Rosa, tradutora do Cepre e funcionária da Unicamp desde 1984 MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
ndrea Rosa trabalhou e estudou dobrado para se tornar pedagoga e tradutora de língua de sinais. Deu início às traduções, como ela mesma diz, “fazendo por gosto”, como voluntária. Durante muito tempo, mesclou as tarefas da área de Serviço Social do Hospital de Clínicas (HC) com as traduções de Libras em eventos da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, estas em horário contrário ao de trabalho. Hoje mestre em educação, pedagoga e tradutora no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Dr. Gabriel Porto” (Cepre), o gosto virou missão, mas o sabor continua o mesmo. Exibe um largo sorriso ao falar da responsabilidade de poder integrar à sociedade alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), surdos que não participaram do início do processo de inclusão escolar no Brasil, no final da década de 1990. No Cepre, centro de referência nacional, esses estudantes têm a oportunidade de aprender não apenas a se comunicar em Língua Brasileira de Sinais (Libras), ler e escrever, mas exercem o direito de conhecer a língua portuguesa. “Os alunos da EJA formam meu maior público porque muitos profissionais ainda se sentem mais preparados para promover a inclusão da criança”, reflete Andrea, que também se orgulha de inserir a língua de sinais na vida de muitas crianças que atende no Cepre. A sociedade paga uma dívida com essas pessoas que, sem ter acesso à língua portuguesa, tinham como forma de comunicação apenas gestos caseiros, o que os colocava à margem da sociedade. “Como centro de pesquisa de referência nacional, damos essa devolutiva para a sociedade”, diz Andrea. Ela ressalta que as pessoas pensam em inclusão hoje como se todos os excluídos tivessem as mesmas oportunidades, mas é preciso pensar que este processo é recente no Brasil. Ela reflete que, quando esses alunos do EJA eram crianças, qualquer diretora tinha o direito de dizer aos pais que o filho com deficiência não ficaria na escola, mas hoje há intervenção do Ministério Público. “E eles vêm com muita disposição porque têm consciência de que não sabem e querem aprender. Chegam de diferentes regiões do País.” O atendimento, extensivo à família, muda a relação do adulto em casa, pois a partir da língua de sinais eles podem se comunicar, segundo Andrea. Ao ser alfabetizados, esses adultos passam a ter noção do que acontece a sua volta, no jornal, na televisão. “Não ficam mais tentando imaginar o que estaria acontecendo”, diz Andrea. A vida sempre surpreende. Mas quem disse que ela teria de ser fácil? O cresci-
mento na maioria das vezes emana dos desafios e foi diante das surpresas que Andrea Rosa se negou a retroagir. Entrar na Unicamp aos 15 anos, em 1984, com toda responsabilidade pertinente ao mundo do trabalho foi ao mesmo tempo sofrido e divertido, como diz a pedagoga e tradutora. Se de um lado havia o encontro diário com os colegas adolescentes e o contato com a rotina da pesquisa no Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia, do outro, havia uma infinidade de exigências a forçarem seu amadurecimento. Mas quem conheceu Andrea naqueles idos anos 1980 sabe que responsabilidade e determinação eram palavras comuns a seu vocabulário, construído a partir de sua história de vida e da educação provida pelos pais, Alcides e Elisa Rosa, que também deixaram saudades no IB. “Desistir de meu projeto de vida com a morte de meus pais seria abrir mão do projeto deles para mim. Eu teria de continuar, por eles.” Até porque se viu sozinha com dois irmãos, de 15 e 16 anos. Hoje Andréa saboreia a realização de muitos dos sonhos que em 1986, quando ingressou no curso de Pedagogia da PUC-Campinas, já começavam a florescer. A convivência com pesquisadores como Humberto de Araújo Rangel, Antônio Fernando Pestana de Castro e Silvia Gatti estimulava o gosto por pesquisa. Na graduação, já sabia que se especializaria em educação de surdos e manifestou o desejo de atuar no Cepre, na época instalado na Cruzada, no centro de Campinas. Depois de quase 30 anos na Universidade, em fase de pesquisa de doutorado, é exemplo de que ninguém deve desistir de seus objetivos sem antes lutar por eles. Quando ingressou no curso de pedagogia, tinha apenas 17 anos. Mesmo sabendo que a transferência para outra área seria difícil, nunca desistiu de fazer o que gosta dentro da própria Universidade. Buscou aperfeiçoamento dentro e fora da Unicamp, atuando voluntariamente até surgir a oportunidade, em 2001, de se tornar funcionária efetiva do Cepre. Valia tudo para aprimorar sua formação. Até mesmo conciliar períodos de férias com datas de congressos. E foi em um desses eventos que Andrea foi descoberta pela FE, mais precisamente pela professora da faculdade Regina Souza, que se tornou sua orientadora no mestrado. “Nesse processo de inclusão, a universidade começava a fazer encontros e convidar surdos para participarem das discussões na Unicamp. Como eu era funcionária da área, era chamada para traduzir as comunicações. Nisso, me tornei visível para o Cepre porque aqui também tinha curso de especialização e eles convidavam algumas pessoas surdas para dar palestra”, relata. Somente um aspecto de sua busca não
fora avaliado enquanto se multiplicava: a projeção. De tanto fazer pela causa – tanto do usuário quanto do profissional –, acabou virando referência na fase adulta. Sua dissertação de mestrado, que virou e-book pela Editora Arara Azul, seria a responsável pela visibilidade da Andrea pesquisadora. Autora do primeiro trabalho em que o próprio intérprete de língua de sinais reflete sua prática, é convidada a participar de congressos de tradução. “Quando o Brasil iniciou o processo de inclusão educacional, começaram a convocar intérpretes para trabalhar em sala de aula e havia muita confusão entre o trabalho do intérprete e do professor. Isso me trouxe uma inquietação: professor ou tradutor? Mas concluo que devemos ser enquadrados no campo da tradução, já que, em sala de aula, fazemos a tradução na comunicação entre o professor ouvinte e o aluno falante de língua de sinais”, acrescenta Andréa. O resultado da dissertação abriu portas para que o Cepre participasse de eventos de tradução. “Nos congressos dou conta de que sou conhecida pela leitura da dissertação. Nunca pensei em visibilidade porque não tive tempo de pensar em divulgação enquanto pesquisava. Eu trabalhava e estudava”, responde.
ÉTICA
Em 2006, a Justiça de Campinas e região pediu à Unicamp que indicasse um nome para a interpretação de réus surdos durante julgamento, e o nome de Andrea foi encaminhado. Esta atividade instigou a tradutora a abordar a ética na tradução de línguas de sinais em seu doutorado, partindo de sua experiência com a interpretação de réus. “Essa questão da Justiça é séria, pois interpreto surdos que são réus ou vítimas. A responsabilidade é muito grande. Como tradutora, posso condenar um inocente e absolver um culpado, pois o que eu interpretar o juiz tomará como certo. Quando ele imprime o depoimento, eu e o réu assinamos. Por isso deve ser indicado um tradutor de muita confiança. O Juiz confiou na Unicamp e ela, em mim”, diz Andrea. A partir de 2004, outra incumbência de grande responsabilidade: a interpretação de vestibulares da Unicamp em provas de candidatos surdos. “A coordenadora do Comvest ligou solicitando alguém que tivesse vínculo com a Universidade, e mais uma vez o Cepre me indicou”, recorda. Pela solicitude e pela competência, Andrea assume uma agenda carregada de atividades. Atuou como intérprete em congressos de leitura (Coles) da Associação de Leitura do Brasil (ALB) e em muitas edições do Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec), com o objetivo de levar aos servidores da Universidade também a importância de falar a língua de sinais. Na Universidade Paulista (Unip), onde
lecionou durante seis anos no período noturno, ela tornou-se coordenadora nacional da disciplina de língua de sinais, respondendo por esta área em todos os cursos da instituição, tanto na educação a distância quanto em aulas presenciais. “Quando o MEC visitava a unidade de Manaus, por exemplo, eu tinha de saber quem era a professora de libras de lá. Se houvesse questionamento, eu tinha de responder.” Andrea também foi responsável pela criação do curso de especialização em Tradução e Interpretação da Língua de Sinais na modalidade EAD. Para ela, tudo o que colhe é reflexo de seu trabalho na Unicamp, onde deu seus primeiros passos sem exigir remuneração e sem prejudicar a dinâmica do trabalho. Andrea é grata ao reconhecimento do Cepre, principalmente por confiar a ela o trabalho com crianças e adultos e a escolha para representar um centro e uma Universidade de referência internacional em eventos e projetos importantes, como a autoria do capítulo “Presença do intérprete de língua de sinais na mediação social entre surdos e ouvintes” do livro Cidadania, Surdez e Linguagem, organizado pelos professores Ivani Rodrigues Silva, Zilda Maria Gesueli e Samira Kaushue. A obra é muito utilizada em cursos de graduação e formação de intérpretes de língua de sinais. “Fiquei honrada em saber que os cursos usam meu texto”, comemora Andrea. Se não teve oportunidade de estudar em colégios renomados e caros, Andréa teve o privilégio de ter até seus 22 anos o casal Alcides e Elisa por perto, incentivando, apesar do pouco estudo, a prática da leitura e a importância de um projeto de vida, ainda que esta nem sempre lhe servisse o melhor dos pratos. Estudou numa escola pública de boa qualidade, garante a pedagoga. “Meus pais acreditavam em mim e diziam que eu era capaz, mas que para chegar onde desejava teria de fazer por merecer, pois teria um caminho a percorrer. Minha mãe, principalmente, sempre trabalhou a autoestima de forma a não elevá-lar nem despencar e não admitia diferença entre os filhos. Quando percebia que eu ‘viajava’, me trazia de volta ao chão”, brinca. A própria Elisa, depois de passar em um concurso na Unicamp e ter um emprego estável, decidiu estudar. Isso fez com que a dedicação aos estudos fosse um processo natural em sua casa, conforme Andrea. Quando [morreu de amor], um ano depois de o marido também partir, Andréa passou a ser espelho para os irmãos mais novos, assumindo um papel de irmã e mãe ao mesmo tempo. “Não poderia abrir mão deles. Tinha de conduzi-los, assim como meus pais fizeram conosco. Para mim, era natural seguir em frente. Não teria outro jeito.” Hoje fala com orgulho da família na qual nasceu, viu nascer e terminou de criar.
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3D: estudo alerta para necessidade de teste de acuidade para crianças Avaliação com 128 estudantes demonstra que 60 deles tinham dificuldades Foto: Antoninho Perri
RAQUEL DO CARMO SANTOS kel@unicamp.br
ilmes, jogos de videogame, aparelhos de televisão e, até mesmo, material didático. O universo de imagens tridimensionais (3D) está cada vez mais em expansão. Se por um lado a tecnologia agrada a todo tipo de público, por outro, desperta a preocupação de profissionais. É o caso da enfermeira e ortoptista Monalisa Jaime Sbampato Souto. Ela avaliou 128 estudantes de uma escola estadual de ensino fundamental de Campinas e detectou que 60 deles possuíam algum grau de dificuldade para enxergar imagens em profundidade. “Os exames foram realizados independentemente se a criança apresentava algum sintoma, utilizava óculos ou havia feito consulta oftalmológica prévia. Ou seja, é fundamental o trabalho de prevenção, principalmente nas escolas. Estamos falando de 47,6% dos avaliados com algum tipo de alteração”, destaca a enfermeira. Monalisa Souto defende um protocolo para a inclusão preventiva do teste de acuidade estereoscópica na avaliação da saúde ocular dos estudantes ao ingressarem na escola. Este teste permite detectar algum tipo de alteração visual para imagens tridimensionais, independentemente das queixas. Em geral, explica ela, são adotados apenas exames de acuidade visual tradicionais em que se identificam alterações mais básicas como a necessidade ou não de utilização de óculos para miopia ou hipermetropia. “Ainda assim, estes testes não obedecem a um cronograma contínuo. Com a invasão forte de materiais em 3D, minha inquietação é que não existem ações em relação às prevenções acerca das perdas visuais”, alerta. Segundo a ortoptista, o teste de acuidade estereoscópica é relativamente simples, rápi-
A enfermeira e ortoptista Monalisa Jaime Sbampato Souto, autora da dissertação: “Muitas crianças podem até ser classificadas como incapazes”
do e pode ser feito até mesmo por um professor bem treinado. O custo dos instrumentos é baixo – em torno de R$ 500,00 – perto dos benefícios que pode oferecer para a criança que, uma vez detectada alguma alteração, seria encaminhada para um exame especializado com o oftalmologista. “Com a inserção de materiais didáticos tridimensionais, muitas crianças podem até ser classificadas como incapazes de acompanhar alguma atividade, quando na verdade o problema está na dificuldade de reconhecer a tridimensionalidade”, analisa a enfermeira, lembrando que as lousas eletrônicas estão cada vez mais presentes em sala de aula. A pesquisa de mestrado apresentada por Monalisa na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) teve a orientação da professora Ma-
ria Elisabete Rodrigues Freire Gasparetto. A questão central do estudo foi, justamente, fazer um alerta para a população sobre as capacidades visuais individuais e detecção das alterações precocemente. A enfermeira percebeu que poderia oferecer uma contribuição com o estudo ao deparar com uma cena no cinema em que estava projetando um filme em 3D. Uma senhora pediu para trocar várias vezes os óculos com o recepcionista. “Percebi que não era defeito dos óculos, e sim uma alteração que esta senhora tinha para enxergar em profundidade”, esclarece. As causas são as mais variadas e as alterações são mais fáceis de encontrar do que se imagina. Um exemplo, conforme a enfermeira, são as pessoas estrábicas, monoculares e com algum tipo de desvio ocular. “É uma
espécie de doença silenciosa, pois a pessoa pode não atentar para o problema que tem. Aliás, no caso de estudantes, muitas vezes nem o professor ou os pais atentam para a questão”, analisa. No estudo, Monalisa fez entrevistas com os professores dos voluntários e observou que eles tinham a percepção de que apenas seis crianças tinham dificuldades para enxergar. Outra vertente do trabalho realizado por Monalisa Souto destaca a importância do profissional ortoptista para a avaliação das perdas visuais e o acompanhamento de condutas terapêuticas para correção dos problemas. A profissão não possui regulamentação e a sua especialização está desaparecendo das faculdades. “O ortoptista é pouco conhecido pela população, mas deve ganhar destaque nos próximos anos com as tendências da tridimensionalidade”, acredita. Monalisa lembra que a profissão surgiu, justamente, a partir de uma epidemia de tracoma que atingiu os pilotos ingleses na Segunda Guerra Mundial causando baixa visual em um dos olhos e consequentemente a perda da noção de profundidade. Foi notado que se envolviam em acidentes sempre que aterrissava o avião por não reconhecerem a terceira dimensão. “Daí surgiu o teste ortóptico e, consequentemente, a profissão de ortoptista, que atua auxiliando o oftalmologista”.
Publicação Dissertação: “Saúde ocular de alunos do ensino fundamental” Autor: Monalisa Jaime Sbampato Souto Orientador: Maria Elisabete Rodrigues Freire Gasparetto Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Quando o preconceito entra em campo Dissertação de educadora física mostra como meninas enfrentam barreiras em escolinhas Ao analisar o comportamento nos treinos conjuntos de meninas e meninos de uma escola de futebol franqueada em Campinas, a educadora física Aline Viana constatou que o preconceito de gênero ocorre de forma silenciosa. Ela ressalta que as meninas até foram aceitas no espaço de treino do futebol, diferentemente do que ocorre no ambiente escolar nas aulas de educação física. No entanto, não participavam ativamente do jogo como os meninos, mal tocavam na bola e não protagonizavam as principais cenas da partida, ainda que pagassem a mesma mensalidade e, portanto, tivessem os mesmos direitos. “Em campo, elas representavam um papel de coadjuvante”, define. Durante quatro meses, Aline observou os treinos, filmou e registrou em diário de campo todas as atividades realizadas no período. Além disso, alunos e alunas foram entrevistados, assim como o professor. A pesquisa etnográfica permitiu que observasse as diferenças que levaram, inclusive, as meninas a desistirem de praticar futebol naquele espaço. “Algumas desanimaram por causa do preconceito de gênero e da metodologia utilizada pelo professor e, também neste aspecto, reside um dos motivos de a escola ter um contingente insignificante de adolescentes do sexo feminino”, destaca. Na turma observada, Aline registrou uma média de 25 meninos e cinco meninas matriculadas. Uma das surpresas ao longo do estudo de mestrado que Aline apresentou na Faculdade de Educação Física (FEF), com a orientação da professora Helena Altmann, foi o papel do professor para reforçar os estereótipos em torno das mulheres no futebol. Em alguns momentos a educadora física ouviu frases jocosas, entre as quais “já lavou a lou-
Foto: Antoninho Perri
A educadora física Aline Viana: “É preciso respeitar as características individuais”
ça antes de vir para o treino?”. Em outras situações, as meninas eram preteridas como, por exemplo, para jogar como goleiras, por serem consideradas mais frágeis que os meninos e incapazes de realizar os fundamentos exigidos nesta posição. “Há uma falsa legitimação de que todos os meninos são hábeis e todas as meninas, inábeis. Com isso, o ensino do futebol acaba por não atingir a todos”, avalia. Um aspecto curioso foi observar que os pais e as mães das meninas não permaneciam durante o treino de suas filhas, enquanto as mães dos meninos compareciam durante todo o período de jogo. As questões de feminilidade e de masculinidade também foram notadas pela pesquisadora. Fora do
campo, as meninas eram mais “femininas” e apresentavam um comportamento diferente daquele observado dentro do campo, com os meninos. “Em campo, elas imitavam os trejeitos masculinos, como cuspir no chão e proteger os órgãos genitais e não os seios enquanto aguardavam, na barreira, uma cobrança de falta. Por outro lado, os meninos eram vaidosos e não entravam em campo sem gel no cabelo. Também eram eles que utilizavam as chuteiras rosa”, descreve. Aline Viana teve em sua história a principal motivação para a realização da pesquisa. Aos 12 anos de idade ela trocou as sapatilhas do balé pelas chuteiras. Sonhou em ser jogadora de futebol, mas logo acordou para a dura realidade da prática do futebol feminino no Brasil.
A ausência de patrocínio e os preconceitos a fizeram desistir. “Em muitas situações que me deparei durante o estudo enxergava também a minha própria história quando cheguei a treinar em um time e sonhar em ser uma jogadora profissional”, afirma. Ela lembra que, no início da década, a carreira no futebol era sonho inatingível para os meninos, quanto mais para as meninas. Mas, Aline insistiu e tentou a arbitragem. Também esbarrou no preconceito e, com as dificuldades e desafios, não persistiu. Partiu para a carreira como técnica, na qual desenvolveu alguns projetos de iniciação esportiva e permanece até hoje. Para a educadora física, ainda que as mulheres conquistem diversos espaços na mídia, é visível a hegemonia masculina na prática do futebol. Em sua opinião, é necessário primeiramente desmistificar os preconceitos oriundos das concepções de gêneros. “Do ponto de vista pedagógico, o jogo só será possível quando meninos e meninas forem vistos dentro dos ambientes de ensino e aprendizagem como corpos esportivos, quando as experiências forem reconhecidas e as características individuais respeitadas”. (R.C.S.)
Publicação Dissertação: “As relações de gênero em uma escola de futebol: quando o jogo é possível?” Autor: Aline Edwiges dos Santos Viana Orientador: Helena Altman Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Financiamento: Capes
10 Vida Teses da semana Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp
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Painel da semana PRG recebe inscrições para o ProFIS - A Pró-Reitoria de Graduação (PRG) recebe, até 2 de novembro, as inscrições para o Programa de Formação Interdisciplinar (ProFIS). Elas podem ser feitas no link http:// www.prg.unicamp.br/profis/ficha.html. Além da realização das inscrições, os estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas de Campinas devem fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), tendo em vista que a classificação será baseada no desempenho desta avaliação. Para cada escola pública, o ProFIS disponibiliza uma vaga. O currículo do Programa inclui disciplinas das áreas de ciências humanas, biológicas, exatas e tecnológicas, distribuídas por dois anos de curso. O objetivo é oferecer aos alunos uma visão integrada do mundo contemporâneo, capacitando-os para exercer as mais distintas profissões. Concluído o ProFIS, o aluno pode ingressar, sem vestibular, em um curso de graduação da Unicamp. Além disso, os formandos recebem um certificado de conclusão de curso sequencial de ensino superior. Conheça os detalhes do processo de seleção no hotsite http://www.prg.unicamp. br/profis/. Outras informações podem ser obtidas por meio de contato com o telefone 19-3521-6538. Semana de Engenharia Civil - A 16ª Semana de Engenharia Civil, evento da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, acontece de 1º a 5 de outubro com o tema “Os desafios da engenharia na construção de soluções”. A abertura será às 8 horas, na FEC. Visitas técnicas, painéis de debate, encontro com ex-alunos e mini-cursos fazem parte da programação do evento, que será encerrado com um enduro a pé, aberto à comunidade da Unicamp. Organização: CAXD e Projec Jr. Mais informações: www.secunicamp. com.br ou 19-3521-2331. Trajetórias Urbanas - O Projeto Trajetórias Urbanas do Núcleo de Estudos da População (Nepo) organiza no dia 1 de outubro, às 9 horas, no Auditório do Nepo, o seminário “A questão metropolitana: uma discussão conceitual e a situação no estado de São Paulo”. O evento é apoiado pelo CNPq. Mais informações: 19-3521-5898.
A plastinacão no Brasil e o ensino da anatomia - A convite do professor José Angelo Camilli, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia (IB), no dia 1 de outubro, o professor Carlos Baptista, atual presidente da International Society for Plastination (ISP), profere a palestra “A plastinacão no Brasil e o ensino da anatomia”. O encontro ocorre às 14 horas, na sala de defesa de teses (prédio da Pós-graduação) do IB. Baptista é responsável pelo The Plastination Laboratory at University of Toledo, em Ohio (EUA). Radicado nos Estados Unidos há mais de 20 anos, possui dois pós-docs e é considerado uma das maiores referências mundiais em plastinação. Mais informações: 19-3521-6110. Conferência – “O Pensamento Econômico dos Escolásticos” está marcada para o dia 1 de outubro, às 14 horas, no auditório II do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCH). Tem como expositor Sylvain Robert Piron, com organização da professora Neri de Barros e promoção do Programa de Pósgraduação em História - Capes-Proex. Mais detalhes: http://www.ifch.unicamp.br/eventos/ index.php?p=mostra_evento&codevenot=2232 Emissões de gases, ventilação e bem-estar na produção animal - Primeiro workshop internacional sobre o assunto acontece de 2 a 4 de outubro, no Anfiteatro da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Neste evento, autoridades científicas brasileiras, americanas, europeias e chinesas irão compartilhar experiências na área e discutir novas tendências tecnológicas relacionadas à quantificação de emissões de poluentes atmosféricos, tais como amônia, gases de efeito estufa e matéria particulada, oriundos dos sistemas de produção animal. A abertura do workshop será às 9 horas. O evento é organizado pela professora Daniella Jorge de Moura. Mais informações no link http://emissoes.feagri.unicamp.br/ ou telefone 19-3521-2900. Prêmio Bunge - A cerimônia de entrega do Prêmio Fundação Bunge 2012 será realizada no dia 2 de outubro, no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Os agraciados receberão prêmios de R$ 135 mil e medalha de ouro (categoria Vida e Obra) e R$ 50 mil e medalha de prata (categoria Juventude). Débora Cristina Jeffrey, da Faculdade de Educação, foi contemplada na categoria “Juventude”. Mais informações: http:// www.fundacaobunge.org.br/novidades/novidade. php?id=10526&/premio_fundacao_bunge_anuncia_contemplados_do_ano6 Recital de flauta e piano - Um recital de flauta e piano acontece no dia 2 de outubro, às 12h30, no Auditório do Instituto de Artes (IA). Participam: André Sinico, mestrando em Música (flauta) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Stefanie Freitas, doutoranda em Música (piano) pela mesma universidade. O repertório será composto por obras para flauta solo dos compositores Sigismund von Neukomm, Toru Takemitsu e Gabriel Penido, além da Sonata em Ré Maior Op. 94 para flauta e piano do compositor Sergei Prokofiev. Organizador: professor Ney Carrasco. Site do evento: http://www.iar.unicamp.br/ceprod/ index.php. Mais informações: 51-81931278. Chat com Maria Cristina Dias Tavares - O IEEE (Institute of Electric and Electronics Engineers) está promovendo uma campanha global para aumentar o número de mulheres na engenharia e em campos como ciência, tecnologia e matemática. Para apresentar o campo
da engenharia a mulheres de todas as idades e inspirá-las a seguir uma carreira na área, o IEEE irá promover chats ao vivo com mulheres especializadas do IEEE nos Estados Unidos, Reino Unido, Brasil e Índia. Um bate-papo com a especialista brasileira Maria Cristina Dias Tavares, membro sênior do IEEE e professora da Unicamp, está marcado para o dia 2 de outubro, às 17 horas, no link http://www.ustream. tv/user/IEEEWIE 6th International Workshop on Hydrogen and Fuel Cells – Evento será realizado de 3 a 6 de outubro, na Unicamp. A organização é do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe). Outras informações: 19-3521-1718. Unicamp Ventures - Reunir empreendedores e executivos de empresas nascidas da Unicamp para trocarem experiências e estimular a geração de novos negócios e captação de recursos. Este é o objetivo do Encontro Unicamp Ventures, que acontece em 4 de outubro. O encontro é um evento anual que teve a primeira edição em 2006. Conta com apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, órgão da Reitoria responsável pela proteção e transferência das tecnologias gerada na Unicamp, bem como iniciativas de estímulo ao ensino em empreendedorismo e à criação de novos empreendimentos de base tecnológica. Mais: http:// www.unicamp.br/unicamp/noticias/2012/09/24/ unicamp-ventures-realiza-vii-encontro-anual-ereune-empresarios-renomados Aulas Magistrais - No próximo “Aulas Magistrais”, dia 4 de outubro, a professora Debora Cristina Jeffrey, professora-doutora pela Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, aborda o tema “Os ciclos e a progressão escolar: uma análise de suas implicações no espaço escolar”. A aula acontece na sala CB05 do Ciclo Básico I, às 12h30. O Aulas Magistrais é organizado pela Pró-reitoria de Graduação (PRG). Mais detalhes no link http://www.prg.unicamp.br/aulas/ index.php/aulas Lançamento - O livro “Lepidoptera Borboletas e Mariposas do Brasil” será lançado no dia 4 de outubro, às 14 horas, na Biblioteca do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. A publicação é de de Almir Cândido de Almeida e André Victor Lucci Freitas. Mais informações: falonso@ib.unicamp.br IG recebe Robert Frodeman - O Instituto de Geociências (IG) recebe, em seu auditório, dia 4 de outubro, às 14 horas, o professor Robert Frodeman, do Departamento de Filosofia e Religião da Universidade do Norte do Texas (UNT). Ele ministra a conferência “Rethinking nature: essays in environmental philosophy”. No dia 5, no mesmo local, o docente ministra o curso “Philosophy, geological disciplines and interdisciplinaryé”. Frodeman é diretor do Centro de Estudos Interdisciplinares da UNT e especialista em questões interdisciplinares relativas à Filosofia e Ética Ambiental. Possui estudos e publicações sobre elementos epistemológicos das Ciências da Terra. O evento é organizado pelo professor Pedro Wagner Gonçalves. Inscrições e informações pelo e-mail regina@ige.unicamp. br. Mais detalhes: 19-3521-4653 Pesquisa de moda no Brasil - O Grupo de Estudos Arte Design Moda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) organiza, dia 5 de outubro, o evento Pesquisa de Moda no Brasil, no Instituto de Artes (IA) da Unicamp.
O público esperado para o evento será formado por estudantes, pesquisadores, empresários e interessados em moda, design e arte contemporânea. O evento será gratuito, com capacidade de receber 200 pessoas, aproximadamente. Mais informações: 19-3521- 4992. Sinfônica e Lulu Santos na Red Eventos - No dia 5 de outubro, às 23 horas, na Red Eventos, em Jaguariúna, a Orquestra Sinfônica da Unicamp (OSU) apresenta-se com o cantor Lulu Santos. O evento é apoiado pelo Ministério da Cultura e pela 3M. A renda do show será destinada ao Centro Infantil Dr. Domingos Boldrini. Informações e ingressos: 19-3867-7000.
Livro
da semana
Teses da semana Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Avaliação da presença de metais pesados nos locais de disposição de resíduos sólidos da cidade de Campinas (SP) empregando a fluorescência de raios x por reflexo total com radiação síncroton” (doutorado). Candidata: Bruna Fernanda Faria. Orientadora: professora Silvana Moreira. Dia 4 de outubro, às 9 horas, na sala de defesa de teses da CPG/FEC. Engenharia Elétrica e de Computação - “Estudo de paralelismo de alimentadores radiais de sistemas de distribuição de energia elétrica” (doutorado). Candidato: Alexandre Soares. Orientador: professor Ernesto Ruppert Filho. Dia 5 de outubro, às 9 horas, na sala da congregação da FEEC. - “Avaliação de um sensor capacitivo para o monitoramento de perdas durante a colheita mecanizada da cana-de-açúcar” (mestrado). Candidata: Ana Ravena Alcântara da Costa. Orientador: professor Carlos Alberto dos Reis Filho. Dia 5 de outubro, às 10 horas, na sala PE12 do prédio da CPG/FEEC. Engenharia Química - “Análise dos processos de polpação do bagaço de canade-açúcar: estudo termocinético da influência da antraquinona do tratamento alcalino” (doutorado). Candidata: Fernanda Guerreiro Rossi. Orientador: professor Elias Basile Tambourgi. Dia 5 de outubro, às 14 horas, na sala de defesa de teses (bloco D) da FEQ. Medicina - “Marcadores do sistema hemostático e sua associação com parâmetros clínicos e laboratoriais em mulheres com síndrome dos ovários policísticos” (mestrado). Candidata: Maria Raquel Marques Furtado de Mendonça Louzeiro. Orientadora: professora Cristina Laguna Benetti Pinto. Dia 3 de outubro de 2012, às 14h30, no anfiteatro da Comissão de Pós-Graduação da FCM. Química - “Géis supramoleculares: aspectos químicos e físicos de redes nanofibrilares constituídas por agentes gelificantes baseados em glicosídeos” (doutorado). Candidato: Marlon de Freitas Abreu. Orientador: professor Paulo Cesar Muniz de Lacerda Miranda. Dia 4 de outubro, às 14 horas, no miniauditório do IQ. - “Padrões de sinais de RMN de hidrogênios metilênicos diastereotópicos em alguns haloésteres” (mestrado). Candidato: Raphael Bellis de Sousa. Orientador: professor Cláudio Francisco Tormena. Dia 5 de outubro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.
Contradições da modernidade: o jornal Aurora brasileira (1873-1875) Autores: Marcus Vinicius de Freitas Ficha técnica: 1a edição, 2011; 168 páginas; formato 16 x 23 cm; acompanha um CD com a reprodução dos 18 exemplares do Jornal Aurora brasileira. ISBN: 978-85-268-0960-4 Área de interesse: Crítica literária Preço: R$ 52,00 Sinopse: O liberalismo, a educação universal — com destaque para a educação feminina —, a educação tecnológica, o império das leis, a livreiniciativa, a liberdade religiosa, a poesia como construtora da imagem da nação livre, a modernidade, enfim, todos esses temas percorrem o jornal Aurora brasileira, com sua carga de fatos e imagens, projetos e frustrações, utopia e realidade. A compreensão da diferença e a necessidade de um acordo entre a realidade e as imagens que dela construímos constituem condição sine qua non para a superação do impasse moderno. No último quartel do século XIX, esse impasse abarcava toda a extensão da sociedade brasileira, e dele ainda somos herdeiros. Autor: Marcus Vinicius de Freitas é professor titular de teoria da literatura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ensaísta e escritor. Publicou, entre outras obras, Hartt: expedições pelo Brasil Imperial, 1865-1878 (ensaio, 2001), Charles Frederick Hartt, um naturalista no Império de Pedro II (ensaio, 2002), No verso dessa canoa (poesia, 2005) e Peixe morto (romance, 2008).
DESTAQUES do Portal da Unicamp
AEL ensina comunidade a restaurar fotografias antigas Toda animada, Carmen Fonseca, secretária da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, mostrava uma foto antiga e amarelada datada de 1937, na qual seu pai, Nei Almir, aparece ainda de fraldas. “Era um bebê bem bonito”, orgulhava-se. “Pediram que eu trouxesse uma foto antiga para aprender a recuperá-la de manchas e ranhuras. Gosto desse trabalho de reconstituição de documentos e quero fazer isso não só na minha casa, acho interessante levar também para a unidade.” Carmen fez parte da quinta turma de funcionários da Unicamp que conseguiram uma vaga na disputada Oficina de Preservação de Documentos oferecida pelo Arquivo Edgar Leuenroth (AEL). No curso realizado em parceria com o Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS), os participantes recebem noções básicas de conservação de fotografia em papel e instruções gerais para a sua reprodução e armazenamento em meio digital. São apenas 12 vagas por edição e a fila de espera é grande. A manhã desta quinta-feira foi reservada para a aula prática no Laboratório de Preservação e Difusão, com a supervisora Castorina
de Camargo e equipe de técnicos. “Estamos ensinando o processo de higienização”, explicou a especialista. “É uma limpeza manual com pó de borracha, a fim de remover toda sujidade que possa levar à degradação da fotografia, como poeira, excremento de inseto, marca de adesivo. Depois vem o trabalho de restauração propriamente, utilizando papel japonês e cola metilcelulose, finalizando com o acabamento e acondicionamento em jaquetas de poliéster. E todos vão sair com sua fotografia restaurada”. Elaine Marques Zanatta, diretora técnica do AEL, disse que a oficina surgiu da preocupação do Arquivo em se aproximar mais da comunidade universitária, mostrando-se como instituição aberta a todos e não apenas de conservação e disseminação da informação. “A ideia é usar nossos recursos técnicos e estruturais para oferecer algo atrativo e motivador para os funcionários da Universidade, ao mesmo tempo em que valorizamos o potencial do AEL. A proposta de que trouxessem fotos antigas de família, para que aprendessem a tratá-las e digitalizá-las, foi um mote muito bom.” Uma grata surpresa, segundo Elaine, é
Foto: Antonio Scarpinetti
Elaine Zanatta, diretora técnica do AEL: mais perto da comunidade
que o curso tem sido procurado por funcionários das mais diferentes unidades, seja por interesse pessoal em recuperar e preservar lembranças de família, ou porque trabalham em áreas que demandam certo conhecimento da técnica. “A oficina dura um dia e meio. Antes das aulas práticas, os participantes aprendem um pouco sobre o AEL e também sobre a importância da identificação e descrição da fotografia, pois muitas vezes já não nos lembramos das pessoas e dos lugares. À tarde, com a foto restaurada, eles verão como digitalizar e armazenar as imagens. E ainda levarão um kit completo de materiais para que continuem fazendo o trabalho em casa.” Vivian Helena da Silva, estagiária de biblioteconomia da PUC de Campinas, trabalha na organização dos arquivos do Lume (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais) da Unicamp, e se inscreveu na oficina com mais duas colegas. “O Lume possui um acervo importante de fotografias e precisamos aprender a conservar esses arquivos. Viemos à oficina para tirar algumas dúvidas. Além disso, aprender um pouco sobre restauração é bom também para o meu curso na faculdade”. (Luiz Sugimoto)
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Pesquisa mensura impactos da
distrofia muscular em neurônio Doença genética provoca alterações importantes no Sistema Nervoso Central
Foto: Antoninho Perri
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
distrofia muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais comum e mais severa de distrofia muscular, ligada ao cromossomo X e que afeta exclusivamente crianças do sexo masculino. É uma doença genética que leva à degeneração progressiva e irreversível dos músculos esqueléticos, culminando em fraqueza muscular generalizada, tendo como causa a mutação do gene responsável pela produção de distrofina, uma proteína que auxilia na manutenção da integridade das fibras musculares. Resultados de pesquisas indicam que a evolução da doença leva a alterações importantes no Sistema Nervoso Central (SNC). Embora atualmente se saiba muito sobre o acometimento muscular da DMD, poucos estudos se voltam para os efeitos da degeneração muscular sobre os neurônios presentes no SNC. Pesquisa desenvolvida pelo educador físico e fisioterapeuta Gustavo Ferreira Simões, orientada pelo professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira e realizada junto ao Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, indicam que a evolução da doença provoca alterações importantes no SNC, o que pode piorar o quadro clínico e agravar os sintomas da doença. O estudo experimental permitiu comprovar que o emprego de fator estimulador de colônias granulocitárias (no caso o fármaco G-CSF - que possui efeitos neuroprotetor e antiinflamatório), reduziu essas alterações, melhorando a capacidade regenerativa dos neurônios. Para o docente, os resultados indicam que o emprego de fármacos com potencial neuroprotetor pode contribuir para uma melhor adaptação do SNC às alterações musculares durante o curso da doença, amenizando os seus sintomas. O trabalho deu origem a artigo publicado na revista PlosOne, de reconhecido impacto, que atinge público amplo e que se dedica à publicação de trabalhos de áreas como neurociência, biologia, medicina. Os autores creditam o interesse da revista ao fato de a pesquisa ater-se às consequências da DMD no SNC, faceta pouco estudada. O estudo do neurônio motor medular também pode trazer subsídios para a aplicação e compreensão de outras estruturas do sistema nervoso. Além disso, a publicação do mestrado de Gustavo na revista Neuropathology and Applied Neurobiology despertou o interesse da intech, uma editora “open access” sediada na Croácia e nos EUA (www.intechopen.com/ books/muscular-dystrophy), que convidou os pesquisadores para redigir um dos capítulos do livro Muscular Dystrophy, cujos editores são professores da Emory University Scholl of Medicine, Atlanta, EUA.
A DOENÇA Aproximadamente 2/3 dos casos advêm de herança ligada ao cromosso X materno mutado. Por ser uma doença genética do tipo recessiva, as mães são portadoras assintomáticas da doença, pois a presença de outro cromossomo X as protege da manifestação da DMD. Isto se deve ao fato do cromossomo X, geneticamente alterado, ser inativado pela presença de outro cromossomo X normal. No entanto, é comum o aumento de creatina-quinase (marcador indireto de dano muscular) nos níveis séricos das mulheres portadoras de DMD, com a possibilidade de anormalidades no tecido muscular esquelético e cardíaco. Em casos mais raros, podem desenvolver fraqueza muscular, sendo geralmente mais lenta e branda em relação a que se desenvolve no sexo masculino. O outro 1/3 dos casos ocorre por mutação espontânea do gene. As manifestações clínicas da DMD costumam surgir por volta dos 3 a 5 anos de vida e são caracterizadas pela debilidade e/ou fraqueza muscular dos membros inferiores e quadril. Tal debilidade leva a dificuldades do paciente em subir escadas, de correr, de se levantar, e principalmente de andar, além de provocar quedas frequentes. As crianças portadoras da DMD apresentam sinal característico para se levantar, conhecido como Sinal de Gowers (levantamento miotático), em que realizam um rolamento para ficarem de joelhos e com os
Gustavo Ferreira Simões (a esq.) e o professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira: preservação de neurônios motores melhora integridade de todo o sistema
antebraços estendidos se apoiam no chão, com o objetivo de levantar as nádegas e um joelho para poderem ficar de pé. Em decorrência da doença, as fibras musculares degeneradas são substituídas por tecido fibroso e adiposo. Consequentemente, a criança acaba necessitando de uma cadeira de rodas, começa a apresentar desvio de coluna, torna-se flácida, tem dificuldade de engolir, de respirar e desenvolve cardiopatia. O agravamento desse quadro conduz, inexoravelmente, à morte, geralmente entre os 20 e 30 anos de idade. Existem medicamentos que protelam esse desfecho, minimizam os sintomas e melhoram a qualidade de vida dos portadores. Para entender o desenvolvimento da doença, sua biologia e possíveis tratamentos, foram desenvolvidos modelos de estudo com base em animais caninos, peixes e camundongos nos quais os comprometimentos apresentam uma série de similaridades com o que se observa no ser humano, embora existam diferenças. Por questões práticas, o estudo utiliza camundongos, embora o modelo canino esteja mais próximo do homem.
A PESQUISA
Não constitui campo de estudo dos pesquisadores o sistema muscular, mas sim o sistema nervoso, particularmente no que tange ao controle muscular. “Então o nosso interesse foi o de estudar o impacto da evolução da doença muscular no sistema nervoso e determinar como ele reage e se comporta em relação à evolução da doença, porque esse conhecimento pode de alguma forma gerar estratégias para amenizar o seu curso e os seus sintomas ao longo do tempo. É nesse objetivo que nos focamos. À medida que a doença evolui, causa certo efeito sobre o sistema nervoso e esse efeito é pouco conhecido e estudado, e é ai que reside a importância do trabalho desenvolvido pelo Gustavo”, diz o docente. Com efeito, no mestrado Gustavo dedicouse a uma análise morfológica do impacto da DMD no sistema nervoso, ou seja, de como a estrutura do SNC é comprometida ao longo da doença. No doutorado, a ideia foi intervir com um fármaco que pudesse exercer um efeito neuroprotetor. Os pesquisadores haviam constatado uma série de alterações no SNC, sabiam que o fármaco a ser testado, além do efeito anti-inflamatório periférico, apresentava também a ação neurotrófica, ou seja, capacidade de proteger os neurônios responsáveis pela inervação dos músculos dos membros posteriores de camundongos MDX (modelo animal para o estudo da distrofia muscular de Duchenne). Aliás, esse duplo papel é que determinou a escolha do fármaco. O professor Alexandre detalha esse efeito neuroprotetor. Na parte ventral da medula se encontram os corpos dos neurônios motores, caracteristicamente células de grandes dimensões e que emitem um axônio, um prolonga-
amenizar o efeito da doença no sistema nervoso humano, embora a droga tenha efeitos colaterais significativos e deva ser aplicada por períodos curtos. Por seu duplo efeito, neuroprotetor e anti-inflamatório, ela se mostra eficiente na preservação da estrutura do sistema nervoso e na contenção da velocidade de evolução da DMD. De fato, nos camundongos estudados eles observaram a diminuição da velocidade de degeneração das fibras musculares e também o aumento do grau de preservação dos circuitos nervosos na medula, mesmo com a morte de certa quantidade de fibras musculares. “Imaginamos que o efeito nos seres humanos leve ao prolongamento e à melhora na qualidade de vida, amenizando a agressividade da evolução da doença”, acrescenta Gustavo. O professor Alexandre ressalta a importância de desenvolver estratégias de tratamento do sistema nervoso em um individuo distrófico e não só tratar a degeneração e inflamação muscular, mas também preservar os neurônios motores, melhorando a integridade de todo o sistema. Esse é o escopo do trabalho. Capa do livro “Muscular Dystrophy”, editado por professores norte-americanos
mento dessa célula, que faz parte da constituição do nervo periférico e chega ao músculo para fomar a placa neuromuscular. A degeneração muscular determina uma alteração na medula espinhal, pois o neurônio é afetado secundariamente ao perder contato com o órgão alvo que tem como referência, o músculo. Ao sofrer desconexão do axônio, após a degeneração muscular, o neurônio perde a função e, em consequência, ocorrem alterações na medula espinal. A partir do conhecimento dessas alterações nos circuitos nervosos, estudadas durante o mestrado, Gustavo aplicou em camundongos durante a evolução da DMD o fator estimulador de colônias granulocitárias (G-CSF), que potencializa a atividade da medula óssea e funciona como fator protetor do sistema nervoso, atenuando as respostas decorrentes da perda da conexão do axônio como o órgão alvo pela degeneração do músculo esquelético. As evidências são de que esse fármaco diminui a inflamação na musculatura e a velocidade com que as fibras musculares degeneram ao mesmo tempo em que, até certo ponto, preserva a integridade do sistema nervoso. Além disso, paralelamente estimula a formação de células tronco na medula óssea, que podem migrar para os sistemas muscular e nervoso. Se essa terapia não trata a doença pelo menos constitui uma estratégia para amenizá-la tanto nos efeitos musculares quanto nas repercussões no sistema nervoso. Por meio do acompanhamento da ação do fármaco em camundongos MDX, os pesquisadores levantam a hipótese da possibilidade de
DECORRÊNCIAS
A pesquisa também avaliou o potencial de os neurônios regenerarem os axônios após esmagamento do nervo isquiático. Esse tipo de lesão é capaz de causar paralisia muscular temporária. A recuperação muscular do paciente nesses casos depende do potencial dos neurônios regenerarem o axônio, que precisa atingir novamente o músculo. Nesses casos, a droga efetivamente facilitou esse processo, provocando uma regeneração mais rápida do neurônio afetado pela lesão. Em decorrência do trabalho, os pesquisadores vaticinam que drogas com características semelhantes também venham a ser testadas experimentalmente com o objetivo de preservar o sistema nervoso e, conjuntamente com outras drogas já utilizadas, possam de alguma forma conseguir amenizar os efeitos da doença. Com base nessa expectativa, eles se propõem dar sequência às pesquisas testando outras drogas que obedecem o mesmo mecanismo de atuação, que se revelam menos agressivas, com menos efeitos colaterais e que possam ser usadas de forma crônica em fases mais precoces da DMD.
Publicações “Granulocyte-colony stimulating factor improves MDX mouse response to peripheral nerve injury”, PlosOne Synaptic chenger at the spinal cord level peripheral nerve regeneration during the course of muscular dystrophy in MDX mice, capítulo do livro Muscular Dystrophy
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Campinas, 1º a 7 de outubro de 2012
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ara preservar, é preciso conhecer. Foi partindo dessa premissa que o biólogo José Elvino do Nascimento Júnior decidiu pesquisar a riqueza florística de um trecho de restinga localizado na região norte de Sergipe para a sua dissertação de mestrado. O trabalho foi apresentado ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob orientação da professora Maria do Carmo Estanislau do Amaral. Depois de dois anos de coletas e análises, o pesquisador identificou cerca de 350 espécies no local, número considerado alto em comparação à diversidade normalmente encontrada nesse tipo de ecossistema. “Dentre as espécies identificadas, não havia o conhecimento da ocorrência de cerca de 150 delas em Sergipe. Além disso, também localizamos duas espécies raras”, informa Nascimento Júnior. Um dos resultados do trabalho foi a criação de um site que dispõe de ferramentas que tornam a identificação das plantas mais simples. Natural de Sergipe, o autor do trabalho afirma que pouco se conhece sobre a biodiversidade do Estado, por causa da carência de pesquisas científicas sobre o tema. Nascimento Júnior conta que decidiu pesquisar um trecho de restinga, entre os municípios de Barra dos Coqueiros e Santo Amaro das Brotas, por se tratar de uma área bem preservada, mas que já corre riscos em razão da especulação imobiliária. Além de projetos de construção de condomínios de luxo, o local também está ameaçado por causa das atividades de exploração de areia para uso na construção civil, que ocorre bem ao lado. O pesquisador lembra que a área incluída no estudo deverá fazer parte do futuro Parque Estadual das Dunas. Entretanto, depois de a medida ter sido discutida pela sociedade e aprovada pelas diversas instâncias competentes, o governador do Estado ainda não assinou o documento criando a área de preservação. “A sociedade está esperando há três anos por essa decisão. Até o momento, o governador não deu qualquer justificativa para essa demora”, lamenta. A partir da constatação da vasta riqueza florística daquele trecho, Nascimento Júnior espera ampliar o argumento em favor da instituição do parque. “Devo voltar brevemente para Sergipe, para me reunir com representantes de organizações não governamentais e Ministério Público. Queremos pressionar o governo do Estado a aprovar logo a unidade de conservação”, adianta. Retornando ao trabalho acadêmico, o pesquisador conta que durante um ano e meio percorreu os cerca de 2,5 mil hectares da área para coletar amostras de plantas. O trabalho foi executado em diversas épocas do ano. Em seguida, ele levou o material para ser analisado e identificado no herbário da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “O resultado do trabalho nos surpreendeu. Nós tínhamos ideia de que aquele trecho de restinga seria muito rico em termos de biodiversidade, mas não esperávamos tanto. Enquanto lá nós identificamos 350 espécies, outras áreas no Nordeste com a mesma formação vegetal registram entre 70 a no máximo 200 espécies”, detalha Nascimento Júnior. Segundo ele, ainda não se sabia que em Sergipe ocorriam pelo menos 150 das espécies encontradas. “Algumas delas eram consideradas endêmicas de trechos do litoral da Bahia. Sobre outras, sabia-se que ocorriam em trechos do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Nós acreditamos que o desconhecimento em torno delas deva-se ao fato de existirem poucas pesquisas sobre o tema no Estado”, arrisca o autor da dissertação. Ainda conforme ele, durante o trabalho também foram encontradas duas espécies consideradas raras, cujos nomes científicos são Cissus pinnatifolia e Manihot breviloba, ambas trepadeiras e conhecidas até o momento apenas da área litorânea de Sergipe.
Raridades da
restinga Foto: Aantonio Perri
José Elvino do Nascimento Júnior, autor da dissertação, espera que o trabalho contribua para ações de conservação da restinga sergipana Fotos: José Elvino do Nascimento Júnior
Hypenia salzmannii (barrigudinha)
Vellozia dasypus (canela-de-ema)
Psittacanthus dichroos (erva-de-passarinho)
Bonnetia stricta (mangue-doce)
Blutaparon portulacoides (pirrixiu), planta típica das restingas brasileiras
Epistephium lucidum (orquídea)
Marcetia ericoides (quaresminha)
Manihot breviloba (mandioca-brava), espécie coletada até o momento apenas na região estudada
FLORA ELETRÔNICA
Uma das consequências práticas da pesquisa feita por Nascimento Júnior foi a criação de um site que conta com ferramentas que facilitam a identificação das plantas. Esse trabalho contou com a colaboração do pesquisador Denis Filer, da Universidade de Oxford (Inglaterra), que veio a Campinas como pesquisador visitante para desenvolver um sistema que facilite a elaboração de floras eletrônicas. Essa colaboração com a orientadora da dissertação, professora Maria do Carmo Estanislau do Amaral, foi apoiada pela Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O site está localizado em um servidor no Cenapad/Unicamp, que também foi adquirido pela professora com apoio da Fapesp. O objetivo da iniciativa é divulgar mais amplamente os conhecimentos gerados pelos estudos em botânica, notadamente na área da taxonomia. Segundo Nascimento Júnior, a vantagem do site sobre uma publicação em papel, por exemplo, é que o primeiro pode ser atualizado continuamente. “Além disso, se o pesquisador estiver realizando um trabalho de campo, ele poderá trocar as publicações que leva para consulta por um tablet, que é muito mais leve de ser carregado”, compara. O autor da dissertação acrescenta que a busca no site é marcadamente intuitiva e que a identificação das espécies é facilitada graças à possibilidade de usar chaves interativas de entradas múltiplas em substituição às convencionais chaves dicotômicas. “Por isso, o site pode ser consultado tanto por um cientista quanto por um botânico amador ou um estudante do ensino médio”, sustenta. Explicando melhor, as chaves interativas de entradas múltiplas possuem a vantagem de não seguir um caminho rígido. Assim, a identificação não depende da análise de caracteres específicos da planta, como o número de estames ou a posição do ovário, como ocorre nas chaves dicotômicas. “Com as chaves interativas, se você tiver uma amostra que não contém estames, por exemplo, você pode considerar qualquer outra parte da planta para identificá-la”, explica Nascimento Júnior. Uma das dificuldades enfrentadas por pesquisadores que trabalham com ecologia, continua o biólogo, é entender os termos usados pela taxonomia. Frequentemente, esses pesquisadores são forçados a recorrer a um glossário ou dicionário para encontrar uma definição. Para esses casos, o site, que atende ao conceito de flora eletrônica ou eFlora, oferece um recurso muito útil. “Ao deparar com uma palavra desconhecida na chave de identificação, basta que o usuário coloque o cursor sobre ela, para que surja imediatamente na tela um quadro com a definição do termo, acompanhado de uma foto da estrutura pesquisada”, esclarece Nascimento Júnior. O autor da dissertação lamenta apenas que sites como o criado por ele ainda não mereçam total reconhecimento por parte das agências de fomento. Isso ocorre, de acordo com ele, porque ainda se tem a ideia de que essa ferramenta pode ser desenvolvida por qualquer pessoa e que o seu conteúdo seja frequentemente superficial. “Nós pensamos de maneira diferente. Tanto é assim que, no último capítulo da dissertação, nós propomos ações para evitar que haja essa superficialidade. A nossa sugestão é que as floras eletrônicas sejam vinculadas a periódicos científicos ou a instituições acadêmicas e de pesquisa. Assim, do mesmo modo como ocorre com as publicações impressas, elas também poderão ser continuamente avaliadas pelos pares científicos”. Além das vantagens já mencionadas por Nascimento Júnior, o pesquisador lembra que a construção de uma eFlora fica muito mais barata do que a publicação de um livro. “Além disso, desde que esteja abrigada em um servidor estável e com bom espaço de armazenamento, a flora eletrônica pode conter um grande número de fotos, o que não seria possível em um livro. O site que criamos a partir da pesquisa na restinga de Sergipe já está em operação e conta com 270 espécies cadastradas e aproximadamente 3 mil imagens. Brevemente, chegaremos às 350 espécies identificadas e a um número ainda não estimado de fotos”, adianta o autor da pesquisa, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fapesp. Conforme o biólogo, como o site ainda não é avaliado pelas agências de fomento, o trabalho também deverá ser transformado em livro. “Como a dissertação ficou extensa, com mais de 500 páginas, estamos buscando financiamento para viabilizar a sua publicação”. Conforme o biólogo, o estudo revela mais uma vez que a flora do Brasil de uma maneira geral, e não apenas a da Amazônia, é ainda mal conhecida.
Publicação
Riacho e campo de tiriricão (Lagenocarpus rigidus)
Tese: “Flora eletrônica de um trecho do litoral norte de Sergipe, Brasil” Autor: José Elvino do Nascimento Júnior Orientadora: Maria do Carmo Estanislau do Amaral Unidade: Instituto de Biologia (IB) Financiamento: Fapesp