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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013 - ANO XXVII - Nº 571 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
IMPRESSO ESPECIAL
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Medicina ganha aliado contra a
cegueira em diabéticos 3
Software em desenvolvimento no Instituto de Computação (IC) da Unicamp faz computador “entender” imagens de exame de retina, identificar traços de seis tipos diferentes de lesões de retinopatias diabéticas, principal causa de cegueira irreversível no Brasil, e recomendar se o paciente precisa ou não passar por um especialista no período de um ano para tratar precocemente a doença e evitar a perda de visão.
À esquerda, retinas saudáveis e, à direita, com sinais de lesões: recorte da pesquisa é inédito no país
Fósseis revelam
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‘Amazônia mineira’
Uma região quente, com temperatura média anual de 28o C, e com grande concentração de chuvas. Assim era o clima na região centrosul de Minais Gerais há 30 milhões de anos, nas regiões de Gandarela e Fonseca, perto da Serra do Caraça, segundo pesquisa do Instituto de Geociências (IG). Fósseis de plantas desse período indicam que existiu ali uma floresta com características semelhantes às da Amazônia. À esq., folha fóssil de uma provável Combretaceae com lâmina grande, larga e sem dentes nas margens, características que podem indicar condições de maior calor e umidade; no destaque (à dir.), é possível observar detalhes como as aréolas delimitadas por minúsculas nervuras
O apoio da imprensa a degredo de hansenianos
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Economia solidária insere marginalizados
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Science dedica seção especial ao futuro dos pesticidas O “paradoxo dos pesticidas” é o título do editorial com que a revista Science introduz a seção especial de sua edição de 16 de agosto, dedicada aos produtos que às vezes são chamados de defensivos agrícolas e, outras vezes, de agrotóxicos, uma escolha de palavras que ajuda a definir bem o “paradoxo” a que os editores da publicação se referem. O editorial começa mencionando os “grandes benefícios” que os produtos químicos que matam insetos, fungos e outras pragas trouxeram para a humanidade, do controle de doenças como a malária ao aumento da produção agrícola, a simples ganhos de conforto, com o controle de populações incômodas de formigas, moscas, baratas. “Mas”, ressalva o texto, “eles também trazem graves ameaças em potencial para a saúde humana e o meio ambiente”. O editorial chama atenção para tecnologias genéticas que aumentam a imunidade das plantas às pragas, ao mesmo tempo em que diz que, a despeito desses avanços, talvez seja impossível abandonar de vez o uso de pesticidas. No entanto, afirma que novas descobertas tendem a tornar o controle de pragas mais preciso e menos danoso para a saúde e o ambiente. Um dos artigos da série especial chama atenção para as dificuldades de rastrear o destino dos pesticidas, uma vez inseridos no meio – onde as moléculas vão parar, e como afetam diferentes populações. Outro cita os desafios à frente da indústria, como o aumento da resistência natural das pragas e a necessidade de se levar os efeitos da mudança climática em consideração.
Nanotecnologia cria janela que bloqueia luz ou calor Uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos e da Espanha apresenta, na edição de 15 de agosto da revista Nature, um novo tipo de vidro que, submetido a uma pequena voltagem, pode se tornar opaco a parte do espectro infravermelho – bloqueando a entrada de calor no ambiente, mas mantendo a iluminação – ou também à luz visível. De acordo com o artigo, o efeito foi obtido graças à incorporação de nanocristais de óxido de índio “dopados” com estanho (ITOs) a um vidro de óxido de nióbio. Os ITOs são normalmente usados na criação de telas de cristal líquido para equipamentos eletrônicos. Já o nióbio (Nb) é um metal usado em diversas aplicações, de ligas de aço reforçado a equipamentos supercondutores. O Brasil é o principal produtor mundial. O vidro produzido reagiu à aplicação de baixas voltagens – numa escala de 1,5 V a 4 V – permitindo que “radiação solar fosse bloqueada de forma seletiva”, escrevem os autores.
criando populações com diferentes “estratégias de investimento” – no caso, diferentes prioridades de uso dos recursos disponíveis para “consumo” (reprodução) ou “poupança” (resistência ao estresse) – com o objetivo de criar um modelo matemático de “bolhas” e “estouros” de mercado. Lançando as bactérias programadas com diferentes estratégias em ambientes com níveis de estresse – salinidade e acidez – também diversificados, os pesquisadores observaram quais estratégias se adaptavam melhor a cada situação, no que um deles definiu como “darwinismo econômico”. Em nota distribuída pela Universidade de Exeter, uma das autoras do trabalho, Ivana Gudelj, disse que a simulação revelou “sutilezas (...) que geralmente são invisíveis, ou ignoradas, nos mercados reais”. O trabalho foi publicado no periódico Ecology Letters, na edição de 31 de julho.
Mudança climática e o colapso da civilização na Era do Bronze Há cerca de 3.200 anos, uma série de invasões por parte de um grupo misterioso conhecido apenas como os Povos do Mar jogou as civilizações do Mediterrâneo – gregos micênicos, egípcios, levantinos – no caos. A identidade desses “Povos do Mar” ainda é alvo de disputa: tentativas já foram feitas de ligá-los, por exemplo, à Guerra de Troia e ao Êxodo bíblico. Agora, pesquisadores da França e da Bélgica usam dados obtidos na análise de amostras de pólen antigo resgatadas de escavações em Chipre e na Síria para argumentar que as invasões coincidiram com um período de mudança climática na área, marcado por chuvas escassas de 1200 aC a 850 aC. “Essa mudança climática causou quebra de safras, morte e fome, o que precipitou ou acelerou crises socioeconômicas, forçando migrações humanas”, escrevem os autores. Eles prosseguem afirmando que a grande crise das civilizações mediterrâneas da época foi um “evento complexo, no qual disputa política, decadência socioeco-
nômica, escassez de alimentos provocada pelo clima e fluxos de migração” atuaram em conjunto. O trabalho foi publicado no periódico online PLoS ONE.
A palavra certa permite ver o invisível Imagens de objetos mascaradas por interferência visual tornam-se claras quando o nome do objeto é ouvido, mostra estudo publicado pelo periódico PNAS. Num experimento realizado por Gary Lupyan, da Universidade de Wisconsin-Madison e Emily J. Ward, de Yale, voluntários tiveram uma imagem – por exemplo, de uma abóbora – apresentada a um dos olhos, e um ruído visual, formado por flashes de luz em alta velocidade, ao outro. Quando as duas imagens são intregradas no cérebro, os flashes mascaram a abóbora. No entanto, quando os voluntários ouviam o nome do objeto apresentado, tornavam-se capazes de vê-lo, a despeito do ruído. Já o uso de nomes falsos – dizer “canguru” quando a imagem era de uma abóbora – prejudicou a percepção. Para os autores, o resultado demonstra que “a linguagem afeta a detecção de objetos invisíveis”, possivelmente por meio de “mudanças específicas na percepção espacial”. Eles avançam a hipótese de que a ajuda dada pela palavra não vem do nível semântico, envolvendo a interpretação da imagem, mas do nível perceptual: a palavra afetaria não a forma como a imagem é analisada, mas, de modo mais imediato, a forma como é vista. Os pesquisadores admitem, no entanto, que a explicação semântica também é viável.
Ratos à beira da morte têm visões do além? A ideia de que algumas pessoas, à beira da morte, chegam a ter uma visão da passagem para o “outro mundo” ganhou Foto: Reprodução/Creative Commons
Rússia aposta em ‘cidade da inovação’
Cientistas usam bactérias para simular o mercado Assim como seres humanos, bactérias precisam resolver o problema da administração de recursos escassos em ambientes hostis. Pensando nisso, pesquisadores da Universidade de Sydney (Austrália) e da Universidade de Exeter (Reino Unido) manipularam bactérias E. coli geneticamente,
popularidade na década de 70, após a publicação do livro Life after Life, do médico americano Raymond Moody. Desde então, vários investigadores debruçaram-se sobre a questão dessas “experiências de quase morte”, ou NDEs, como são chamadas na sigla em inglês. Pesquisadores como a psicóloga britânica Susan Blackmore levantaram várias hipóteses neurológicas para explicar a origem das visões, como a reação do cérebro à perda de oxigênio ou ao acúmulo de dióxido de carbono. Agora, pesquisadores americanos publicam, no periódico PNAS, um estudo sobre a indução de NDEs em ratos. Se, por um lado, esses animais não têm como relatar as experiências subjetivas que tiveram à beira da morte, por outro é possível induzir neles condições de quase morte sem os mesmos embaraços éticos que seriam encontrados se o experimento fosse realizado com seres humanos. Os cientistas monitoraram o eletroencefalograma (EEG) de ratos submetidos a parada cardíaca. De acordo com o artigo na PNAS, cerca de 30 segundos após a parada e antes que o EEG se tornasse plano, os animais experimentaram um “surto” de atividade cerebral. “As ondas gama, durante a parada cardíaca, foram globais e altamente coerentes”, escrevem. E prosseguem: “A atividade neurofisiológica no estado de quase morte excedeu os níveis encontrados durante o estado consciente de vigília. Estes dados demonstram que, ainda que de forma paradoxal, o cérebro mamífero pode gerar os correlatos neurais de processamento consciente elevado à beira da morte”. O artigo nota, ainda, que “oscilações neuronais na faixa gama têm sido associadas à consciência em vigília, estados alterados de consciência durante a meditação e durante o sono de movimento rápido dos olhos”, quando ocorre a maioria dos sonhos. O artigo, que tem como principais autores Jimo Borjigin e UnCheol Leed, da Universidade de Michigan, Ann Harbor, tem como título Surge of neurophysiological coherence and connectivity in the dying brain (Surto de coerência e conectividade neurofisiológica no cérebro moribundo).
Cena da Guerra de Troia, retratada em ânfora atualmente na coleção do Louvre
O governo russo trabalha para concluir o Centro Skolkovo de Inovação, um campus nos arredores de Moscou, numa tentativa de revitalizar o papel do país como produtor de novas tecnologias. A ideia, de acordo com a revista Nature, é “construir uma universidade tecnológica de classe mundial a partir do zero”. As instalações, que cobrem uma área de 400 hectares (4 quilômetros quadrados), devem estar prontas até o ano que vem, com um financiamento público de US$ 2,6 bilhões, mais a perspectiva de verbas públicas extras de US$ 4 bilhões até 2020. A ideia é atrair cientistas de todo o mundo e jovens empresas de inovação tecnológica para o complexo, que já conta com o apoio de instituições como Intel e Microsoft. O núcleo do empreendimento será a Skoltech, uma universidade de pesquisa criada em parceria com o MIT. No entanto, céticos levantam questões quanto à viabilidade da parte comercial, não acadêmica, do projeto, e denúncias de corrupção já atingem a fundação responsável pelo centro.
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
Programa faz computador ‘entender’ imagens digitais em exame de retina Pesquisa desenvolve soluções algorítmicas para a triagem de pacientes diabéticos ALESSANDRO SILVA alessandro.silva@reitoria.unicamp.br
m segundos, uma pessoa com diabetes tem o fundo dos olhos “fotografado”, analisado por um equipamento, portátil e de baixo custo, capaz de revelar automaticamente se é preciso agendar uma consulta médica para ela porque apresenta sinais de uma retinopatia diabética, ou seja, possui lesões na retina causadas por complicações decorrentes da doença, hoje a principal causa de cegueira irreversível no Brasil – segundo o Ministério da Saúde. Com o apoio de um programa que aprendeu a “entender” essas imagens, profissionais de uma unidade básica de saúde ou equipes volantes podem levar aos consultórios, precocemente, quem precisa de atendimento e tratamento, reduzindo o número de consultas desnecessárias, a fila de espera e os custos com a doença que pode ter o avanço controlado pelos médicos. Em um futuro, não muito distante, essa pode ser a realidade do atendimento de pacientes com diabetes, como resultado de uma nova ferramenta que está em desenvolvimento no Instituto de Computação da Unicamp: um programa capaz de adquirir imagens digitais da retina, analisar a qualidade, verificar a existência de traços de lesões, combinar diversos tipos de respostas para um conjunto de diferentes problemas, indicar se a pessoa precisa de uma consulta com especialista dentro de um ano e ainda classificar a situação conforme a gravidade, para auxiliar no diagnóstico. As “habilidades” desse software, que integra a análise simultânea de seis diferentes indícios de retinopatia diabética, são inéditas entre as pesquisas similares no país. Graças a elas, o tamanho e o custo dos atuais retinógrafos poderão diminuir, facilitando a ampliação do número de postos de triagem e acompanhamento de pacientes. “No futuro, teremos um retinógrafo equipado com técnicas de aprendizado de máquina, de inteligência artificial, capaz de, automaticamente, analisar a qualidade de uma imagem adquirida e verificar se um determinado paciente com diabetes precisa ver o médico dentro de um ano ou não. O mais importante é que o médico ainda dará o diagnóstico”, explica o professor Anderson Rocha, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, orientador da dissertação de mestrado que construiu a nova técnica e os algoritmos que sustentam o programa, de autoria do agora doutorando José Ramon Trindade Pires. A pesquisa, realizada desde 2009 na Unicamp, já contou com recursos do Instituto Microsoft e, mais recentemente, financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Participam ainda do projeto os professores Jacques Wainer e Siome Klein Goldenstein, ambos do Instituto de Computação, além de Eduardo Valle, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), e do médico Herbert Jelinek, da Charles Sturt University, na Austrália, além de colaboradores na Universidade Federal de São Paulo, como os professores Ivan Pisa, Michel Eid Farah, Paulo Schor e Eduardo Dib. Na prática, a partir de uma parceria com especialistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que captam imagens de exames de retina e identificam pontos de interesse nelas para o diagnóstico médico de retinopatia diabética, pesquisadores da Unicamp desenvolveram soluções para que o computador “aprenda” a examinar precocemente
se o paciente apresenta ou não alguma das mais comuns lesões associadas à retinopatia diabética, medida que pode fazer a diferença entre ter ou não a visão. Resumidamente, o software desenvolvido pela Unicamp transforma pixels (menor ponto que forma uma imagem digital) em informações médicas que serão interpretadas a partir do conhecimento disponível sobre diferentes tipos de lesões. “Temos uma precisão, hoje, de 92,4% e que será aprimorada”, afirma Pires, aluno de doutorado e autor da dissertação de mestrado “Diabetic retinopathy image quality assessment, detection, screening and referral”. O objetivo do trabalho é criar uma ferramenta para a triagem automática de pacientes com diabetes. O mapeamento de retina, realizado por oftalmologista, permite analisar todas as estruturas da retina, do nervo óptico e vítreo, para o diagnóstico, rastreamento e monitoramento das retinopatias diabéticas. Mesmo com resultado considerado normal em um exame, esse paciente deve realizar nova reavaliação a cada período de até dois anos, como recomenda publicação do Ministério da saúde (“Cadernos de Atenção Básica”). Se avaliados números recentes de aumento da doença para os próximos anos, a pesquisa da Unicamp ganha ainda mais importância. Hoje, mais de 5% da população no Brasil, cerca de dez milhões de brasileiros, são diabéticos, segundo a pesquisa do Ministério da Saúde (Vigitel 2011). No mundo, existem 366 milhões de doentes, de acordo com a Federação Internacional de Diabetes, e esse número deve chegar a 552 milhões até 2030. A retinopatia diabética é um problema assintomático, que acomete a maioria dos portadores de diabetes após alguns anos de doença (tipicamente 20 anos). A presença de lesões na retina também é um marcador precoce de complicações microvasculares e do risco de comprometimento renal, razões que demandam acompanhamento médico. Em 1997, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que, após 15 anos, 2% dos diabéticos estarão cegos e 10% terão deficiência visual grave. A entidade também avaliou que, no mesmo período, até 45% dos doentes terão algum tipo de retinopatia. Apesar disso, o controle da glicemia e da pressão arterial são formas efetivas de prevenir e controlar a progressão da doença. Também é possível tratamento com fotocoagulação (aplicação de laser para cauterização). “O grande trabalho a ser feito pelo médico, de forma geral, é analisar periodicamente pacientes que tenham diabetes para verificar se a retina dele está evoluindo para um quadro de retinopatia diabética. Se estiver, deve tomar medidas apropriadas para que essas pessoas não percam a visão”, explica o professor Rocha, orientador da pesquisa. Hoje, os médicos não usam o computador para o diagnóstico e analisam diretamente as imagens de fundo de olho adquiridas pelo retinógrafo. “O que fizemos foi desenvolver algoritmos que capturam as propriedades que os médicos analisam para fazer com que o computador consiga dizer se a imagem é normal ou se o paciente precisa procurar um especialista.”
PESQUISA Neste momento, a pesquisa do Instituto de Computação da Unicamp já resultou na elaboração de um algoritmo capaz de “ensinar” o computador a “entender” cerca de centenas de pontos de interesse em apenas uma imagem digital coletada, levando em
Foto: Antonio Scarpinetti
O professor Anderson Rocha (primeiro plano), orientador, e José Ramon Trindade Pires, autor da dissertação: tamanho e custo dos atuais retinógrafos poderão diminuir
conta sinais de diferentes tipos de lesões mais comuns em retinopatias diabéticas, como: exsudatos duros, manchas algodonosas, drusas maculares, lesões vermelhas e hemorragias superficiais e profundas. A precisão está em torno de 90%, ou seja, de cada 100 pacientes que tiveram uma imagem de fundo de olho analisada e houve recomendação do programa de computador para que procurassem atendimento com especialista, porque apresentavam sinais da doença, de fato, 90 precisavam realmente de atendimento. De acordo com os protocolos médicos vigentes, apenas um pequeno número de pessoas seriam classificadas de modo diferente, mas os pesquisadores trabalham para reduzir esse número dado que a margem de acerto da triagem automática aumenta à medida que outras imagens da retina do mesmo paciente podem ser captadas e analisadas. A economia do tempo médico, hoje, de acordo com os autores da pesquisa, já poderia ser de 85%, graças ao apoio da ferramenta. Para o doutorado, o desafio de Ramon será integrar todas as habilidades do programa para a triagem de pacientes diabéticos, além de aprimorar a precisão dessa seleção, de ampliar o número de lesões detectadas e de classificar a gravidade do caso analisado. “O grande objetivo é integrar tudo num retinógrafo de uma empresa, colocar todos os algoritmos em um único aparelho para que todas as etapas sejam automáticas. Temos alguns parceiros em potencial. A pesquisa passará a contar, também, com o apoio da Samsung”, comenta o professor Anderson Rocha. O trabalho deve ser concluído nos próximos três anos. Segundo ele, a grande inovação da pesquisa, e que a difere de outras que trabalham nessa linha, é que todos os detectores desenvolvidos funcionam de forma unificada – normalmente, cada problema possui uma técnica específica. O programa da Unicamp ainda possui a habilidade de avaliar a qualidade da imagem capturada e informar, de imediato, se há necessidade da coleta de nova “fotografia” do fundo do olho. Desse modo, o paciente não corre o risco de voltar para casa e ter que repetir o exame depois, tampouco será necessário manter um monitor acoplado ao aparelho – hoje uma das peças que encarece o equipamento, de acordo com o autor da dissertação de mestrado. A rotina simplificada do aparelho, apoiada no novo software, permitirá que enfermeiros realizem o exame e o resultado ajudará a montar a fila de atendimento médico para a realização do diagnóstico final.
Entenda mais sobre o diabetes Diabetes Mellitus É um grupo de doenças metabólicas caracterizas por hiperglicemia e associadas a complicações, disfunções e insuficiência de vários órgãos, especialmente nos olhos, rins, nervos, cérebro, coração e vasos sanguíneos
Epidemiologia Estima-se que, em 1995, o dia-
betes atingia 4% da população adulta mundial e que, em 2025, alcançará a cifra de 5,4% (a maior parte desses doentes em países em desenvolvimento)
Mundialmente, os custos diretos para o atendimento ao diabetes variam de 2,5% a 15% dos gastos nacionais em saúde, dependendo da prevalência local de diabetes e da complexidade do tratamento disponível No Brasil, o diabetes e a hiperten-
são arterial são a principal causa de mortalidade e de hospitalizações, de amputações de membros inferiores e de diagnósticos primários em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à diálise
Fonte: Ministério da Saúde/Cadernos de Atenção Básica
Publicação Dissertação: “Diabetic retinopathy image quality assessment, detection, screening and referral” Autor: José Ramon Trindade Pires Orientador: Anderson Rocha Unidade: Instituto de Computação (IC) Financiamento: Capes/Fapesp
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
Biólogo encontra vestígios da
‘Amazônia mineira’
PISTAS Há 30 milhões de anos (na transição da época do Eoceno para o Oligoceno), a disposição dos continentes era outra (esqueça o mapa que está na sua cabeça): a Cordilheira dos Andes estava se levantando (soerguendo), importantes rios corriam para o Oceano Pacífico, as Américas do Norte e do Sul estavam separadas (o istmo do Panamá ainda não existia), não havia tanto gelo nos polos, o mar avançava sobre regiões do Norte e Nordeste do Brasil e a Antártica tinha acabado de se desconectar Foto: Antonio Scarpinetti
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Fotos: Reprodução/Divulgação
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ara quem conhece o interior “montanhoso” de Minas Gerais, onde a temperatura é amena, até faz frio, fica difícil imaginar uma floresta quente e úmida ali, com características parecidas às da Amazônia ou da Mata Atlântica. Uma pesquisa realizada na Unicamp, no Instituto de Geociências (IG), analisou fósseis de plantas que existiram no centro-sul do Estado, para reconstruir como era o clima da região há cerca de 30 milhões de anos. Pois a “Amazônia mineira” que existiu ali, que não é a floresta Amazônica de hoje, mas uma ancestral da Mata Atlântica, pode ter registrado temperatura média anual de até 28º C e grande concentração de chuvas. A constatação faz parte da tese de doutorado do biólogo Jean Carlo Mari Fanton, realizada na área de paleobotânica sob a orientação da professora Fresia Soledad Ricardi Torres Branco, na pós-graduação do Instituto de Geociências da Unicamp, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Paleobotânica é uma das subdivisões da paleontologia, voltada ao estudo dos fósseis de plantas. Durante a pesquisa, foram analisados 64 fósseis de folhas de 25 tipos diferentes de plantas angiospermas (plantas com sementes protegidas por frutos) da região das bacias de Gandarela e Fonseca (veja mapa nesta página), entre as cidades de Ouro Preto, Mariana e Belo Horizonte, perto da Serra do Caraça. O material faz parte dos acervos do Museu de Ciências da Terra, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM-RJ), e do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas também foram realizadas novas coletas de fósseis na região estudada. As análises foram realizadas com o apoio de equipamentos do IG, em Campinas. Trata-se de uma região com potencial paleontológico e ainda pouco estudada, explica o autor, ao justificar a escolha da área para o trabalho de doutorado. As folhas fósseis ficaram preservadas em depósitos de rios e lagos, resultado de um processo especial e natural de preservação que só ocorre sob determinadas condições. Durante as décadas de 30, 60 e 90, foram realizados trabalhos nessa localidade, o que resultou na coleta dos principais fósseis considerados para a pesquisa. “Esse tipo de estudo é importante para conseguir entender o nosso clima de hoje em dia e tentar fazer previsões, cenários futuros, sobre as mudanças climáticas. Esta discussão é pertinente pois a humanidade está queimando combustíveis fósseis em um ritmo acelerado, sem conhecer muito bem as consequências deste aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Fazemos isso por nossa própria conta e risco.” O biólogo escolheu estudar as angiospermas porque “várias famílias deste grupo estão associadas a condições específicas, tornando-as bons indicadores climáticos, como é o caso das famílias tropicais”. As angiospermas formam hoje o maior grupo de plantas, com mais de 250 mil espécies estimadas, vivendo em todos os tipos de ambientes. Mas a sua maior diversidade é encontrada justamente nas florestas da região tropical.
Pistas de 30 milhões de anos indicam que a região de Gandarela e Fonseca já foi mais quente e úmida
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ALESSANDRO SILVA alessandro.silva@reitoria.unicamp.br
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“Folha fóssil de uma possível mirtácea: seu ápice longo e acuminado, mesmo que parcialmente destacado, preservou detalhes finos como pelos (tricomas) e gotas de óleo (produzidas por glândulas); estas estruturas epidérmicas deviam evitar a ação de insetos herbívoros, tão comuns em florestas tropicais úmidas”
Área ampliada “Localização dos depósitos de fósseis de plantas de Fonseca e Gandarela (estrelas), em Minas Gerais”
da América do Sul “A dinâmica do clima era diferente naquela época”, explica o biólogo. Além disso, havia grande concentração na atmosfera de gás carbônico (CO2), resultado da intensa atividade tectônica daquele período. Os fósseis coletados foram analisados com estereomicroscópios e microscópios. Os detalhes das imagens (veja ao lado) impressionam. É possível ver a cutícula das folhas: glândulas e pelos, por exemplo. Verdadeiros “carimbos” e “impressões” foram deixados nas rochas, revelando, em detalhes, a morfologia da epiderme, além da forma de suas folhas. “A estrutura epidérmica auxilia a entender o ambiente no qual a planta habitou. As formas encontradas foram moldadas pela seleção natural, para que a espécie vivesse o melhor possível naquele ambiente”, explica o autor da pesquisa. No caso da pesquisa realizada na Unicamp, a existência de folhas grandes e largas, com ápice estreito e alongado, indica que chovia muito na região. A análise decorre da comparação com espécies das mesmas famílias e que existem hoje – ao longo da evolução, as formas e estruturas mais vantajosas foram sendo selecionadas. Em florestas tropicais úmidas, por exemplo, as plantas têm folhas em formato de “pingadeiras” para conduzir as gotas de água até o solo, para serem usadas depois, diferentemente do que acontece com plantas de regiões mais frias, como tundras. Na pesquisa, o biólogo analisou o tipo morfológico das folhas, as nervuras encontradas, entre outros elementos, para identificar a família à qual pertenceram e, para estimar as temperaturas da época, utilizou a análise da margem foliar, comparando essas folhas fósseis com as folhas de outras espécies de angiospermas semelhantes, que existem em dada localidade conforme algumas condições específicas de temperatura.
ANCESTRAIS
O biólogo Jean Carlo Mari Fanton: “As formas encontradas foram moldadas pela seleção natural”
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Embora as plantas do passado guardem diferenças em relação às de hoje, elas compartilham ancestrais com várias espécies que atualmente povoam a Mata Atlântica, das famílias das mirtáceas (como as jabuticabeiras e as goiabeiras) e das leguminosas (como o guapuruvu e o pau-brasil), entre outras. “Provavelmente, tínhamos ali em Minas Gerais uma floresta sempre verde, parecida com a floresta Amazônica, ou com a floresta atlântica tropical ombrófila que temos aqui na metade norte do Brasil, em condições quentes e úmidas”, afirma o biólogo. Com a elevação de parte do território brasileiro, entre as transformações registradas ao longo de milhares de anos, a região centro-sul do Estado de Minas Gerais ficou mais fria e menos úmida – surgiram serras e cerrados.
“Também relacionada à família das mirtáceas, esta folha não teve a mesma sorte de sua parente da foto 2: em sua borda direita, a margem parcialmente danificada por insetos herbívoros. Já o formato de seu ápice, em “pingadeira”, é mais um indício da elevada umidade nessa antiga floresta tropical”
Hoje, a média anual de temperatura ali varia de 17 a 22o C, bem abaixo da possível média de 28o de 30 milhões de anos atrás, de acordo com o estudo da Unicamp. “Naquela época, provavelmente, existiram florestas tropicais úmidas na região Sudeste. Isso pelo tipo de folhas que analisei, do mesmo tipo morfológico que encontramos na região Amazônica. Não era a Amazônia moderna, mas sim uma floresta com características ambientais semelhantes, em outra região do país, e precursora da atual Mata Atlântica”, explica o autor da tese. Segundo a Paleobotânica, o registro mais antigo de angiospermas é de 140 milhões de anos atrás, quando ainda os dinossauros e as gimnospermas (plantas com semente desprotegida, como as coníferas) reinavam absolutos na Terra. Somente entre 100 e 60 milhões de anos atrás é que as angiospermas (com os mamíferos) passaram a dominar a maioria dos ambientes. Não é de hoje que elas ajudam pesquisadores a “viajar no tempo” em busca de pistas e evidências sobre as mudanças climáticas ocorridas no planeta. Por exemplo, a localização de vestígios de uma floresta em uma área, hoje, desértica, pode ajudar a avaliar as dinâmicas de transformação que ocorreram naquela região há milhões de anos, alterando drasticamente o cenário.
Publicação Tese: “Reconstruindo as florestas tropicais úmidas do Eoceno-Oligoceno do sudeste do Brasil (bacias de Fonseca e Gandarela, Minas Gerais) com folhas de Fabaceae, Myrtaceae e outras angiospermas: origens da Mata Atlântica” Autor: Jean Carlo Mari Fanton Orientadora: Fresia Soledad Ricardi Torres Branco Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp
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Memórias do degredo Foto: Antoninho Perri
Dissertação mostra como jornais de SP endossaram isolamento compulsório de hansenianos LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
arcos Rey era o pseudônimo de Edmundo Donato (1925-1999). Escritor já considerado de respeito nos anos 1960 (ganhou o Jabuti em 1968), ele passou a vender muitos livros para o público juvenil nos 80, tendo adaptado clássicos como A Moreninha e o Sítio do Pica-Pau Amarelo para a televisão – além de Memórias de um Gigolô, grande sucesso de Ibope em 1985. Morreu aos 74 anos, devido a complicações de uma cirurgia. Um mês depois de cremado, a viúva Palma Bevilacqua Donato sobrevoou de helicóptero o centro de São Paulo para espalhar as cinzas sobre a metrópole que foi palco da sua obra. E só então se tornou público que o pseudônimo escondia uma doença que Marcos Rey revelou para pouquíssimos, por conta do estigma e da ameaça de ser internado à força: a hanseníase. “Isolamento compulsório de hansenianos: o papel dos jornais paulistas na manutenção do degredo (1933-1967)” é o título da dissertação de mestrado de Guilherme Gorgulho Braz, apresentada no Instituto de Estudos da Linguagem, no âmbito do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), sob a orientação da professora Germana Barata. “Eu me envolvi com o tema ao fazer um trabalho voluntário na catalogação do acervo do Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, cidade onde nasci e onde foi construído o Asilo Santo Ângelo, o primeiro dos cinco leprosários que constituíram a rede asilar do Estado de São Paulo.” O autor da pesquisa lembra que a hanseníase é uma doença estigmatizada desde os templos bíblicos, quando o doente já era isolado da sociedade devido à aversão provocada por lesões nos nervos e na pele responsáveis por deformidades severas. “Cientificamente, nada se sabia sobre a doença, se era hereditária ou transmitida por insetos, se contagiosa ou não. O bacilo causador, Mycobacterium leprae, foi descoberto por Gerhard Hansen apenas em 1873, na Noruega.” Segundo Guilherme Gorgulho, até o século 19, no Brasil, os doentes sem condições financeiras eram abrigados em asilos ou hospitais de lázaros, mas sem que fossem obrigados a isso – o primeiro “asilo de leprosos” surgiu no Recife, em 1714. “O isolamento compulsório se tornou efetivamente uma política pública com a construção de asilos-colônia devido ao crescimento da endemia nas duas primeiras décadas no século 20. São Paulo era um dos estados com maior incidência, por conta do grande fluxo de imigrantes vindos no período do café, no final do século 19 – grande parte dos doentes era de italianos e descendentes.” O modelo de internação adotado pelo governo paulista, afirma o pesquisador, foi justamente o norueguês, decisão tomada não de um consenso científico, mas pelo grupo político que galgou o poder a partir de 1930, início da Era Vargas. “Com poucas vozes dissonantes no meio acadêmico, a política isolacionista viria a perseverar por quatro décadas em São Paulo. E o apoio dos jornais foi fundamental para que o degredo dos doentes no Estado fosse extinto apenas em 1967, cinco anos depois do decreto baixado pelo então primeiroministro Tancredo Neves.” A questão, de acordo com Gorgulho, é que São Paulo adotou uma política muito mais restritiva do que Estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro, chegando ao extremo de acionar a polícia sanitária para capturar “leprosos” a laço em suas casas. “Foi como uma caçada a animais, com o isolamento em asilos que funcionavam como campos de concentração. Esse modelo de profilaxia internava não só os pacientes contagiantes, mas também os não contagiantes, privando-os de direitos civis e políticos básicos.” Para implantar sua política, o governo paulista inaugurou uma rede de cinco leprosários: o Sanatório Padre Bento, em Guarulhos (1931); o Asilo-Colônia Pirapitingui, em Itu (1931);
Guilherme Gorgulho Braz, autor da pesquisa: “Asilos funcionavam como campos de concentração”
o Asilo-Colônia Cocais, em Casa Branca (1932); o Asilo-Colônia Aimorés, em Bauru (1933); e o Asilo-Colônia Santo Ângelo, em Mogi das Cruzes (1928), que tinha sido construído pela Santa Casa de São Paulo mas acabou encampado pelo Estado.
IMPRENSA COMPROMETIDA
A hipótese apresentada por Guilherme Gorgulho na dissertação é que a mídia impressa se engajou na defesa dos interesses do governo estadual, apesar dos descontentamentos dos pacientes e das vozes divergentes de cientistas. “Defendendo a crença de que São Paulo cumpria um papel de ‘grande potência’ no Brasil, os jornais paulistas se mostraram comprometidos com as medidas de controle social que queriam excluir a parcela doente da sociedade. Até os anos 1950, as críticas ao modelo não tiveram espaço nos veículos locais, apenas na imprensa carioca.” O pesquisador selecionou 199 textos dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha de S. Paulo, entre 1933 e 1967, período em que vingou a política de isolamento. “Optei por esses jornais porque estavam entre os dez principais paulistas e, também, por possuírem o acervo digitalizado, permitindo a busca por palavras-chave. Fiz uma análise de conteúdo de reportagens, notas, artigos e editoriais. Ao longo do período, 37% dos textos apoiavam a política de isolamento compulsório e apenas 16% eram contrários, enquanto 47% ficaram neutros.” Gorgulho também foi a campo para entrevistas, uma delas com a médica Maria Augusta Tibiriçá Miranda, filha de Alice Tibiriçá, uma ativista em prol dos hansenianos. “Ela vivenciou com a mãe o momento da implantação da rede de leprosários paulista e sua luta pelo tratamento humanitário aos doentes, através da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Alice Tibiriçá morreu em 1950 e teve sua biografia escrita por Maria Augusta, que se mantém bastante lúcida aos 96 anos.” A biografia detalha o trabalho da ativista que levava informações sobre a hanseníase por todo o país e também de um atrito com Júlio Prestes em 1928. “Alice foi chamada ao gabinete para que diminuísse a campanha a favor dos hansenianos, pois estaria passando a imagem, sobretudo ao exterior, de que São Paulo era um estado de ‘leprosos’, quando se fazia um esforço para atrair imigrantes. Diante da recusa, o governador mandou fechar as portas do Correio Paulistano para ela, que manteve as atividades de divulgação por meio do boletim da sua entidade.” A segunda entrevista de Gorgulho foi com o médico André Cano Garcia, que começou a trabalhar com hanseníase em 1947, tendo atuado como clínico em um dos cinco leprosários e dirigido outros três. “Ele contou que os médicos só podiam Foto: Reprodução
ser contratados do Estado, pois o atendimento particular era proibido por lei. O ambiente fechado restringia a opinião dos médicos críticos do modelo, que Garcia considerava exagerado. Como das três formas de hanseníase apenas uma é contagiosa, ele achava que os doentes em fase inicial deviam ser tratados nos dispensários (espécie de postos de saúde). Para o médico, que entrevistei em 2011 e faleceu no ano passado, o isolamento acabava com a vida do sujeito.”
COMIDA NA LATA
O terceiro entrevistado, o médico e jornalista Julio Abramczyk, repórter da Folha de S. Paulo na última década do recorte temporal da pesquisa, teve algumas reportagens incluídas no corpo da dissertação. O jornalista disse a Gorgulho que nunca sofreu restrições quanto a abordar a hanseníase no jornal e que o fazia do ponto de vista jornalístico, sem dar a devida atenção à questão social e humanitária dos internos nos leprosários e dos egressos. “Provavelmente, por falta de uma visão social. Ou melhor, por indiferença, porque a coisa estava muito bem escondida”, admitiu Abramczyk. “Eu me lembro que uma vez uma pessoa comentou comigo que havia bandos de hansenianos andando pelas cidades e pedindo comida, que era fornecida em latas pregadas em uma vassoura ou em um pedaço de pau comprido, para não chegar perto.” Guilherme Gorgulho recorda que em 1943 foi publicado nos EUA o primeiro artigo demonstrando a eficiência das sulfonas para a cura da hanseníase, e que São Paulo acompanhava de perto aquelas pesquisas. “Ainda no final da década de 1940, o Instituto Butantan começou a produzir e distribuir o medicamento aos leprosários e muitos pacientes tiveram alta. Entretanto, os egressos dos asilos continuaram rejeitados, passando a viver como párias da sociedade. A verdade é que, mesmo com a severa política de isolamento compulsório, a endemia acabou crescendo, por causa dos doentes que se escondiam e a alastravam ainda mais pelo Estado.”
REY E OS “GATEIROS”
Uma exceção encontrada por Gorgulho na imprensa paulista foi uma série de seis reportagens publicadas pela Folha da Manhã em 1949, intitulada “O problema da readaptação social dos egressos dos leprosários”. A série era assinada por um tal Lucas d’Ávila e ilustrada por Waldemar Cordeiro. “Eram matérias fora do comum por causa do tom humanitário, tratando da rejeição aos hansenianos e da falta de moradia e de emprego. Havia muitas citações literárias – o que também era totalmente incomum – como de Maupassant, Hemingway, Michael Gold e Theodore Dreiser.” De acordo com o pesquisador, esses escritores eram os favoritos de Marcos Rey e o título de uma das reportagens, “Os Cavaleiros da Praga Divina”, é o mesmo de um romance que permanece inédito. “Várias coincidências apontavam para o verdadeiro autor das reportagens, que tinha o irmão Mário Donato como editor-chefe do jornal. Marcos Rey viu-se com lepra ainda adolescente. Foi capturado em casa em 1941e levado à força para o Santo Ângelo e depois para o Padre Bento, onde começou a escrever o romance em 1943. Fugiu em 1945 para o Rio de Janeiro, de onde voltou cerca de um ano depois, terminando a obra em 1948. O livro trata dos ‘gateiros’, hansenianos que esmolavam na beira das estradas de São Paulo, dormindo em acampamentos e fugindo da polícia sanitária depois da implantação da política de isolamento compulsório.”
Publicação
Na imagem reproduzida de jornal da época, acampamento de hansenianos em beira de estrada no Estado de São Paulo, na década de 1930: egressos de asilos viviam como párias
Dissertação: “Isolamento compulsório de hansenianos: o papel dos jornais paulistas na manutenção do degredo (1933-1967)” Autor: Guilherme Gorgulho Braz Orientadora: Germana Barata Unidades: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)/ Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) I
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
Empreendimentos solidários têm papel na inserção social de grupos marginalizados CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
mpreendimentos de economia solidária – com gestão pelos próprios trabalhadores e um foco menor no lucro financeiro que o das empresas tradicionais – podem ter um importante papel a desempenhar para inserir, na sociedade e no mercado, grupos de pessoas que têm ficado à margem do desenvolvimento. Mas, para isso, essas iniciativas precisam do apoio de políticas públicas, diz o doutor em economia Leandro Pereira Morais. “Há alguns segmentos que, ao se incorporarem para atender a vendas públicas, depois conseguem abrir a venda para o mercado em geral. Graças a terem começado com venda para o Estado, que garantia mercado, garantia demanda. Com isso, as pessoas podiam projetar o que fazer com o excedente”, disse Morais ao Jornal da Unicamp. Ele é o autor da tese de doutorado As Políticas Públicas de Economia Solidária: Avanços e Limites para a Inserção Sociolaboral dos Grupos-Problema, defendida em fevereiro deste ano no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob orientação do professor Miguel Juan Bacic. Morais reconhece que o conceito de “economia solidária” (ESOL) ainda é alvo de disputa no meio acadêmico, mas em sua tese ele faz um recorte particular: “São experiências, instituições, organizações que trabalham e que lidam com a inserção de grupos desfavorecidos no mercado de trabalho”, explicou, acrescentando que sua tese está mais especificamente ligada às formas que as pessoas desfavorecidas utilizam pra gerar renda. Para apontar a necessidade de uma estratégia alternativa de inserção no mercado de trabalho dos chamados “gruposproblema” – analfabetos, analfabetos funcionais, pessoas sem capacitação técnica – a tese de Morais cita dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), segundo os quais o desemprego entre os 10% mais pobres da população aumentou, ao mesmo tempo em que o desemprego geral na economia caía, entre2005 e 2010. Pata os mais desfavorecidos, a taxa passou de23% para 33%. O desemprego dos 10% mais pobres passou a ser 37 vezes maior que o dos 10% mais ricos na segunda metade da década passada. Mas, se o mercado formal não é capaz de encontrar ocupação para essas pessoas, por que as iniciativas de ESOL seriam? “As experiências de economia solidária não necessariamente darão todas certo”, disse Morais. “Mas, pelo grau de informalidade em que essas pessoas vivem, elas poderiam encontrar, pelo menos por um momento, formas de obter mecanismos de subsistência”. De acordo com ele, a experiência mostra que alguns grupos organizados como ESOL e que se firmam seguem no modelo solidário, enquanto que, em outros casos, o empreendimento solidário opera apenas como um estágio intermediário para a entrada no mercado tradicional. “A gente vê esses grupos e a economia solidária como uma forma imediata de tentar sair da ausência de renda. Agora,
tem uns que chegam nesse ponto e optam por sair para o emprego formal. Outros, por outro lado não: dizem, consegui, estruturei meu negócio de economia solidária, vou me manter com isso e quero disseminar esse tipo de sociedade, que lida com outros valores que não os valores dessa economia tradicional”, descreve. Embora não veja a ESOL como uma alternativa capaz de substituir o modelo de desenvolvimento capitalista, ou de resolver, por si só, a questão da inserção social dos desfavorecidos, Morais aponta para os empreendimentos solidários como parte de uma disputa simbólica em torno dos rumos da sociedade atual: “Não acredito que a economia solidária seja algo que vá se constituir num novo modelo de desenvolvimento. Mas acho que é um dos elementos que contribuem para repensar o modelo de desenvolvimento atual. A ESOL não é o novo modelo de desenvolvimento, não vai mudar o mundo, mas é um elemento constitutivo para repensar esse modelo, mostra que é possível haver outras formas de organizar a produção e o mercado, que não a economia tradicional voltada para o lucro, para o aspecto financeiro”. Nos empreendimentos solidários, disse Morais, o lucro, ou excedente, é reinvestido no negócio ou usado para melhorar as condições de trabalho dos colaboradores. “Sempre há espaço para melhorar isso”, afirmou. “O que se faz, com a visão de lucro capitalista, numa empresa tradicional, é ou investe no mercado financeiro, para ter um lucro financeiro sobre o lucro produtivo, ou aguardar meios de rentabilizar isso aí de outras formas que não na própria atividade, e não na melhoria das condições do associado ou do empreendimento”. O diferencial entre a ESOL e a companhia tradicional não estaria, portanto, na presença ou ausência de lucro com a atividade, mas no que se faz com ele.
SEM AUTONOMIA O Brasil conta com uma Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), órgão do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Morais lamenta, porém, que a secretaria não conte com autonomia financeira, dependendo de parcerias com outros órgãos e ministérios para desenvolver seus projetos. O economista chama atenção para a necessidade de transversalidade e colaboração entre diferentes setores da administração pública, para que oportunidades de inserção social por meio de estímulo à economia solidária sejam detectadas e frutifiquem. Ele cita casos, no Brasil, de parcerias entre a Senaes e os ministérios da Justiça, para a inserção social de ex-presidiários, e do Desenvolvimento Social, para atuação em áreas de seca do Nordeste, como exemplos. E também há exemplos no exterior. “Há experiências que estão utilizando na África, em lugares que não tinham eletricidade, saneamento, e estão começando a construir isso usando cooperativas da localidade”, descreveu Morais. “Então, eles garantem ali a inserção dessas pessoas, que ganham alguma experiência laboral nessas respectivas áreas e que vão se inserindo nessas atividades”. Foto: Antoninho Perri
Com a ajuda de políticas públicas, iniciativas de autogestão e sem foco no lucro podem ajudar pessoas pouco qualificadas a obter renda No caso brasileiro, além de uma maior integração entre os órgãos públicos – “há prefeituras onde uma secretaria não sabe do trabalho de outra” – Morais também vê, como necessária, uma revisão da legislação. Segundo ele, há brechas legais que abrem espaço para a formação de “cooperativas espúrias”, ou “coopergatos”, que se valem da estrutura legal para precarizar a situação da mão-de-obra. ”Muitos não aceitam a economia solidária: acham que é uma forma de precarizar o mercado de trabalho, e que não tem nada a ver com uma forma mais solidária de levar a produção e o consumo”, reconhece o autor. “Agora, há cooperativas sérias trabalhando, e fazendo valer valores cooperativos, no Brasil e no exterior. Tem países em que a questão jurídica pega mais pesado, onde se faz um pente mais fino que aqui. Então, acho que tem de separar as autênticas das espúrias”. Morais não encara formas de apoio mais direto, como uma política de preferência em compras públicas, como ilegítimas ou criadoras de vínculos de dependência entre o empreendimento solidário e o governo. “Quando o governo dá apoio aos bancos ou à indústria automobilística, isso não gera dependência”, exemplifica. “Por que não ajudar? Não ajuda banco? Claro que tudo é mais difícil para a economia solidária, mas há experiências que mostram que isso vem dando certo: começa-se com vendas públicas, e depois passa-se a outros nichos de mercado e isso vai estruturando a forma de atuar do empreendimento”. No Brasil, o BNDES conta com um Departamento de Economia Solidária. Morais vê a necessidade de as políticas de apoio ao setor se tornarem políticas de Estado, a não apenas de governo, que mudam com a alternância dos governantes. “Muitas das experiências se regem com políticas de governo, e não políticas de Estado. Quando muda o governo, aí é outro partido, determinados projetos não são levados adiante, projeto que podem até estar dando certo”, disse ele. Um impulso maior para o desenvolvimento da ESOL, no entanto, ainda depende de mais estudos e da criação de indicadores quantitativos confiáveis. “É bom dizer que essa é uma área ainda em experimentação, que carece de estudos, acompanhamento, avaliação”, afirmou o autor. “Foram investidos tantos milhões, no projeto tal. Que retorno isso trouxe? Não sei, ninguém sabe, porque não tem avaliação e monitoramento. Sabemos que houve mudanças, mas não sabemos quantificá-las”. A criação de ferramentas de monitoramento é uma missão que cabe tanto ao governo quanto à academia. “Há um nicho aí para as universidades, e algumas já estão debruçando-se sobre isso. Criando laboratórios, estabelecendo, em seus projetos de pesquisa e extensão, formas de calcular isso, produzir uma massa crítica para gerar indicadores que possam avaliar isso. E por que não ter parceria com o governo, financiando parte dessas pesquisas? É um tema que vem, cada vez mais, entrando na agenda das universidades e do poder público”. O trabalho da tese foi desenvolvido, em partes, a partir de uma consultoria-pesquisa que Morais faz junto ao Centro de Formação Internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da ONU, sobre o mapeamento de políticas públicas na área. Esse esforço deu origem à Academia Internacional da OIT sobre Economia Social e Solidária, que já teve três edições realizadas, em Turim (Itália), Montreal (Canadá) e Agadir (Marrocos). “O trabalho continua e estamos estruturando a 4ª Academia que, provavelmente, será no Brasil”, disse o autor.
Publicação Tese: “As políticas públicas de economia solidária: avanços e limites para a inserção sociolaboral dos grupos-problema” Autor: Leandro Pereira Morais Orientador: Miguel Juan Bacic Unidade: Instituto de Economia (IE) Leandro Pereira Morais, autor do estudo: “Economia solidária pode contribuir para repensar o modelo de desenvolvimento atual”
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A caminho da autonomia Foto: Divulgação
VALÉRIO FREIRE PAIVA valerio.paiva@reitoria.unicamp.br
uito se fala nos efeitos que os programas de erradicação da pobreza e transferência de renda causam nas comunidades nas quais estão inseridos. Mas qual é o impacto na vida das mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), do governo federal? Pensando nisso, a cientista social Luciana Ramirez da Cruz passou a investigar, ainda durante a graduação, o tema que originou sua pesquisa de mestrado em sociologia, defendido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp sob orientação da professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa. O foco na cidade de Santo Antônio do Pinhal surgiu depois de Luciana realizar um trabalho de consultoria para o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp. Com pouco mais de 6.500 habitantes, a cidade está encravada na Serra da Mantiqueira, no Vale do Paraíba, em São Paulo. Diferentemente das vizinhas da região, trata-se de uma cidade de passagem, sem indústrias e com agricultura incipiente. A principal fonte de renda são os serviços públicos e uma espécie de turismo eventual por conta das pessoas que se dirigem para Campos do Jordão, distante 15 quilômetros do município. Ao estudar mais a fundo a realidade social da cidade, Luciana verificou que cerca de 27% da população local (445 famílias) é beneficiada pelo Programa Bolsa Família, sem contar outros 34 programas sociais desenvolvidos na cidade. Segundo dados do censo 2010 do IBGE, 75% da população de Santo Antônio do Pinhal vive com uma renda de até dois salários-mínimos. Gerenciado desde 2004 na cidade pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, em parceria com o Centro de Referência de Assistência Social, o Bolsa Família tem três eixos principais: a transferência de renda diretamente para as famílias, as ações complementares (como cursos profissionalizantes de acordo com a realidade local), e condicionalidades pré-determinadas (frequência escolar, acompanhamento de saúde e frequência em programas socioeducativos). As ações complementares mais frequentes em Santo Antônio do Pinhal são as oficinas de artesanato, que buscam incentivar a geração de renda e a capacitação das beneficiárias. A ideia é que as beneficiárias possam pavimentar a saída do programa, com a perspectiva de terem a sua própria renda. Mas Luciana enxerga algumas falhas: “O valor que elas recebem do Bolsa Família e a falta de ingresso de renda por outras vias tornam difícil começar um negócio próprio, mesmo com artesanato. É um impasse do programa na cidade em outros locais do Brasil também”, afirma.
Vista parcial do bairro de José da Rosa, que concentra o maior número de beneficiárias do Programa Bolsa Família: nova realidade
IDENTIDADE A pesquisadora estudou as mulheres beneficiadas pelo programa Bolsa Família em Santo Antônio do Pinhal a partir de questões levantadas pelo feminismo, como a autonomia, a igualdade de gênero e a construção da própria identidade. Esse foco ocorre porque dentro do PBF a prioridade para a titularidade do cartão é das mulheres. Em quase todos os casos avaliados na pesquisa, Luciana constatou que foi a primeira vez em que as mulheres tiveram acesso a dinheiro e ao sistema financeiro sem passar pela renda de seus maridos. Para quase metade das famílias, os valores recebidos pelo programa Bolsa Família eram o arrimo. Mesmo assim, parte delas acredita que a renda principal do domicílio é a proveniente do marido, considerando o benefício como complementar ao trabalho precarizado dos homens em serviços gerais. No entanto a prática é outra, pois elas passaram a ter condições de melhorar as condições de vida da família sem ter que negociar dinheiro com o marido. “Elas tinham falta de clareza sobre a compreensão da sua própria pobreza, mas algumas delas já chegam a falar que o dinheiro do Bolsa Família é a garantia que elas poderão contar para comer”, afirma. Quem tem melhor percepção das mudanças ocorridas em suas famílias são as mulheres que estão há mais tempo no programa, em especial por poderem pela primeira vez realizar o planejamento dos gastos familiares. Foto: Antoninho Perri
Com os valores recebidos por meio do programa, elas passaram a adquirir materiais escolares, remédios e alimentos mais diversificados, entre os quais carnes e iogurtes. Segundo Luciana, para as beneficiárias “o dinheiro do Bolsa Família é uma mudança de perspectiva quase impossível de ser dimensionada, como passar a ter condições de alimentar os filhos com carne. Boa parte dessas mulheres gasta a bolsa com alimentação para os filhos”. O que ajuda a aceitação por parte delas é a postura das gestoras do programa na cidade, que tratam como positivo a transferência de renda e seus condicionantes, além de atuarem como mediadoras de conflitos nas relações familiares. “As reuniões socioeducativas acabam se tornando espaços de sociabilidade aos quais muitas das beneficiárias nunca puderam ter acesso”, diz Luciana. Esses encontros são parte das complementaridades realizadas pelo município com o intuito de acompanhar a situação das famílias beneficiárias, embora quase sempre apenas as mulheres participem. São discutidas questões referentes ao programa, saúde, violência doméstica e outros temas que afligem as mulheres, com esforço por parte das gestoras municipais de que elas se sentissem acolhidas e à vontade. Em Santo Antônio do Pinhal não existe transporte público e, por causa da topografia da cidade, a maioria da população mora afastada da região central, o que faz com que as beneficiadas andem distâncias de até 12 km para chegar ao local dos encontros ou então arrisquem carona com veículos escolares.
PROBLEMAS DIAGNOSTICADOS
A cientista social Luciana Ramirez da Cruz: “As mulheres tinham falta de clareza sobre a compreensão da sua própria pobreza”
A maioria das beneficiárias do PBF na cidade tem a perspectiva de sair do programa, com a conquista de empregos formais com carteira assinada ou com o desenvolvimento de outra fonte de renda a partir das oficinas de capacitação. O perfil das beneficiadas do município é composto de mulheres em idade economicamente ativa, com baixa escolaridade, que se tornam mães muito jovens e com dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal. Por isso os valores recebidos por meio do Bolsa Família, em média de R$ 100,00 por família, acabam fazendo uma grande diferença no orçamento doméstico. “Muitas famílias de classe média gastam isso por final de semana para ir ao cinema e fazer compras. Para elas esse valor é para viver o mês. Receber esse valor muda completamente a vida dessas pessoas”.
Pesquisa mostra impacto positivo do Bolsa Família na vida de mulheres de cidade do interior de SP A forma como está direcionado o programa acaba levando a uma reprodução da divisão do trabalho doméstico, no qual os filhos são de responsabilidade da mulher e não do homem. Para Luciana Ramirez, existe ainda a necessidade de o programa ser repensado de forma a fazer com que os homens compreendam que o PBF é para toda família, e não apenas para a mulher. Os espaços socioeducativos e a grande maioria dos cursos de capacitação são voltados para o público feminino. A realidade da assistência social de Santo Antônio do Pinhal colabora para essa situação. Existe um deficit de vagas em creches e não há nenhuma escola em período integral, obrigando as mulheres a ficar cuidando de seus filhos em casa e as impedindo de procurar um emprego em que possam melhorar as condições de vida da família. Apesar de ser federal, o programa é descentralizado e a execução é de responsabilidade dos municípios. Falta capacitação das gestoras nas cidades, que em muitos casos depende de voluntarismo de servidores públicos que acreditam no programa e se esforçam muito mais do que os recursos disponibilizados possibilitam, usando até bens pessoais em seus trabalhos. A prefeitura de Santo Antônio do Pinhal disponibilizou cinco funcionárias de carreira para cuidarem do programa, sem dedicação exclusiva. Luciana Ramirez avalia que, mesmo com as dificuldades de capacitação e o acúmulo de tarefas, o fato de serem servidoras públicas dá segurança e estabilidade para a realização de suas atividades e para proporem novas iniciativas para o programa ao poder executivo municipal. Mas isso não esconde a necessidade de contratar mais funcionários e melhorar as condições de trabalho. Mesmo com os problemas, a pesquisadora acredita que o programa é positivo por exigir como condicionante o acompanhamento educacional e da saúde de toda a família, em especial dos filhos, e por tentar romper com o ciclo de miséria de geração para geração de cada família. Outro ponto destacado é a perspectiva de que as famílias beneficiárias possam construir a própria saída do programa. Ademais, os espaços socioeducativos e oficinas acabaram dando oportunidade para que essas mulheres se identificassem socialmente. “Muitas dessas mulheres não têm noção de que estão no programa por serem pobres, mas para elas é motivo de orgulho e status ter um cartão do Bolsa Família. É um sentimento de estar incluído. Isso retira o estigma negativo da pobreza”, declara a autora da pesquisa. E um dos diagnósticos que chamam a atenção nessa pesquisa é a forma com que essas mulheres em situação de pobreza encaravam a sua situação. “Eu perguntei ‘qual a sensação que você teve ao receber o dinheiro do programa?’, e muitas não compreenderam essa pergunta. Mesmo explicando se o sentimento era de alegria, tristeza ou outro do tipo, estranharam a indagação. Essa é uma questão que chamou atenção – o fato de muitas não terem a compreensão de si mesmas. Um fato positivo é o dinheiro estar em poder da mulher. Hoje elas sorriem, falam mais e a sua autoestima melhorou”.
Publicação Dissertação: “As portas do Programa Bolsa Família: vozes das mulheres beneficiárias do município de Santo Antonio do Pinhal/SP” Autora: Luciana Ramirez da Cruz Orientadora: Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
Beatriz Caputo, funcionária do HC, critica a falta de generalistas no país
Do PS na Unicamp à aldeia no Amazonas
Foto: Divulgação
MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
o norte do estado do Amazonas, na região conhecida como Cabeça do Cachorro, a cidade de São Gabriel da Cachoeira abriga uma população de cerca de 40 mil pessoas, a maioria indígena. A alguns quilômetros do centro, a cidade exibe um ambiente paradisíaco, um verde e um azul conservados que encantaram a médica generalista e neurologista Beatriz Caputo, que atua no Centro de Saúde da Comunidade, desde 2006, e no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp desde 1994. Lá, o povoado de Iauaretê tem comida, tem água, porém, seus moradores recebem pouca atenção à saúde. A falta de generalistas chamou a atenção da médica, que chegou aos indígenas por sua participação em duas das expedições do Projeto Amazonas, coordenado por um grupo de padres salesianos do Colégio Kennedy, apoiados por soldados do Exército brasileiro. A quantidade de água que escorre dos Andes torna o terreno do povoado de Iauaretê muito alagado, a ponto de impossibilitar o transporte por terra. Os 300 quilômetros de distância do centro de São Gabriel foram percorridos em seis horas por Beatriz e seus companheiros de expedição a bordo de uma pequena embarcação motorizada. Trajeto este que os nativos, com seus barcos movidos a motor de mobilete (chamado motor de rabeta), levam quatro dias para ser percorrido. Chegar ao atendimento médico na maioria das vezes é possibilidade descartada por esta dificuldade. E, por sua vez, os generalistas também chegam somente em missão. Não há quem olhe pela saúde dos nativos constantemente, lamenta Beatriz. No hospital, apenas atendentes de enfermagem. E muitas vezes se contentam com prescrições dos farmacêuticos do Exército, os quais, muitas vezes, se encarregam de exames de sangue, testes de malária e, se precisar, até dão tratamento de malária. Os rostos da realidade mais uma vez reforçaram a importância de formar médicos que saibam usar o conhecimento desenvolvido na academia para curar doenças que pareçam simples. Apesar de experimentar a realidade do pronto-socorro logo depois da formatura no curso de medicina da Unicamp, em 1989, Beatriz quis ver de perto como se organizam os brasileiros que estão à margem do sistema de saúde. Observou que, enquanto em algumas regiões as pessoas lutam para melhorar o atendimento público, há cidadãos que nem têm acesso. De olho nos avanços tecnológicos noticiados pelos meios de comunicação, aos quais têm acesso, os indígenas têm consciência da falta de atenção, por exemplo, na área de ortopedia. Entre eles, é comum encontrar pessoas com joelho quebrado e não reabilitado. “Alguns deles se locomovem com muita dificuldade. Acabam fazendo o que podem”, relata Beatriz. A formação para atuar num lugar tão carente como Iauaretê, na opinião da médica, precisa incluir peculiaridades que parecem pequenas, mas são muito importantes como fazer um parto, pequenas cirurgias e outros procedimentos. “Mas nossa formação não é assim. Viramos especialistas. Ou sou só cirurgião, só ginecologista, só clínico geral. Falta formação profissional para este tipo de médico. E o médico de família seria a especialidade que mais se aproximaria disso, mas o Brasil ainda é muito carente nesse aspecto.” Os dias difíceis e ao mesmo tempo prazerosos, pela hospitalidade do povo daquele lugar, fizeram Beatriz refletir sobre a vida e sobre a prática médica. Num país em que doenças do trato gastrointestinal ainda levam a óbito e aumentam a mortalidade infantil em alguns Estados, por falta de saneamento, entre outras carências, ela chama atenção para o que de fato faz falta: “As pessoas se vangloriam ao se dizer especialistas em determinadas áreas da medicina e, de fato, precisamos de especialistas e de tecnologia, mas onde está, por exemplo, o especialista em doenças secundárias ocasionadas pela falta de saneamento? Não parece, mas isso é muito sério. É mais fácil ver sintoma raro de doença comum, que sintoma comum de doença rara.
Beatriz ao lado do gastroenterologista Ademar Yamanaka, durante atendimento em Iauaretê: outra realidade
Mas hoje todo mundo quer ser um especialista em doença rara. Não adianta formar 300 especialistas em doença rara. Precisamos formar 299 generalistas também. Porque não é só a tecnologia que cuida das pessoas. Não é só remédio”, reforça. Por outro lado, o governo não apresenta soluções em termos de estrutura de carreira para os médicos, em sua opinião, pois quem dá assistência médica lá, além do Exército, é o Departamento de Saúde Especial Indígena, o DSEI. Mas por se tratar de uma ONG, a estrutura de funcionamento se complica. As pessoas são contratadas, no final do ano são demitidas e no começo do ano seguinte são contratadas. “Por que se faz isso? Por questões trabalhistas. As pessoas não têm férias nem décimo terceiro, nem carreira. Como o médico fará quando ficar velho? Não terá aposentadoria? As pessoas até trabalham por um período do tempo, mas essas questões também dificultam a permanência.” A oportunidade de dar atenção aos povos indígenas foi proporcionada pelo gastroenterologista Ademar Yamanaka, que a convidou para a primeira expedição em 2012. Este trabalho voluntário a faz abrir aspas sobre sua própria experiência como clínica-geral: “Aprendi muito no pronto-atendimento do HC da Unicamp. Vi muita coisa, muita gente. Se há uma coisa que não sei, tenho uma equipe inteira para recorrer. Não tenho vergonha de perguntar a opinião de um colega. O contato com os mais jovens me atualiza. Se não me relacionar com eles, fico desatualizada, perco a mão. Sou muito grata por trabalhar esses anos todos no Pronto-Socorro da Unicamp.” Beatriz teme que a medicina esteja, nos últimos anos, se rendendo à pressão da tecnologia e da indústria farmacêutica. No caso da Amazônia, ela destaca para a possibilidade de usar remédio natural (ervas utilizadas pela própria comunidade indígena há centenas de anos), mas os pacientes habituaram-se a procurar um profissional que prescreva remédios. “A propaganda da indústria farmacêutica é muito forte, e o paciente pensa que o médico não é bom por não indicar tratamento medicamentoso. Acaba recorrendo a outro profissional que prescreva.” Desde 1900, segundo Beatriz, os salesianos mantêm escola no local, e a iniciativa sempre teve boa aceitação entre os índios. Como estão em área de fronteira, são os soldados que garantem comida,
Foto: Antoninho Perri
Alguns dias fora de casa entre os indígenas são suficientes para mudar certos conceitos, segundo Beatriz. Quando precisam se instalar em São Gabriel, os índios levam pouquíssimos objetos na bagagem: madeira e lona para se abrigar, fogão de uma boca para cozinhar e um cachorro para avisar se tem bicho perigoso. “Nós precisamos de mala, mochila nova, sapato especial? Não. A gente não precisa de tanta coisa assim. Os índios, apesar da carência em que vivem, estão felizes.” Beatriz também ressalta a organização dos nativos. “Todos têm a função de limpar, cuidar da aldeia.” Sobrevivem com a caça e também se alimentam com porcos, galinhas e contam com muitas frutas, além do principal componente da dieta, a mandioca. A pesca não está entre as principais atividades por conta da acidez da água. “Para se ter ideia, eles bebem água da chuva”, acrescenta Beatriz. Preferem gasolina a dinheiro. “Não se faz nada com dinheiro na aldeia.” A médica encanta-se com a preservação da cultura, principalmente a língua, mesmo com o acesso à televisão. O horário da novela é sagrado, quando o gerador de energia elétrica fica em funcionamento. “Hoje em dia, não há A generalista e neurologista Beatriz Caputo, em consultório na Unicamp: aldeia que não tenha televisão.” “Não é só a tecnologia que cuida das pessoas” Entre as crianças, a atração é o playstation. “Isso também é proo hospital também é do Exército. É ele blemático por causa da identidade cultural. Hoje, há índios que se identificam mais com também quem define onde os profissioa cultura do branco. Alguns querem estudar, nais devem atender e dão apoio logístico. sair de lá. Têm outros que não.” Uma mãe Por causa da distância, os soldados checonfidenciou que, em sua família, a filha gam a ficar seis meses sem voltar para está se formando em São Gabriel, enquanto São Gabriel. o filho só quer andar de rabeta. De acordo com Beatriz, o carro-chefe do A participação da médica é elogiada por trabalho é a odontologia. A equipe abriga enum dos coordenadores do projeto, Fabricio tre oito e dez dentistas, a maioria da Unesp Lubrechet. “É preciso evidenciar o brilhantisde Araçatuba. “É interessante levar jovens mo, o profissionalismo, o carisma e o amor profissionais para conhecer esta realidade. com que a Bia realiza suas ações. Espero que Porque é um jeito de a pessoa se interessar. mais profissionais possam se identificar e Se eles não forem até lá conhecer, por que dedicar seu tempo às ações humanitárias tão iriam se interessar?” No Pronto Socorro do imprescindíveis como esta.” Hospital de Clínicas da Unicamp, ela tenta Permanecer na aldeia por dez dias em transmitir aos médicos mais jovens sua ex2012 e dezesseis dias em 2013, foi gratifiperiência no Amazonas e também a rotina cante para a médica, que não tinha ideia de do Pronto Socorro. Se houver uma próxima que encontraria tantos povos, tantas etnias. “É um prêmio conhecer esse lugar. Ao cheoportunidade e um estudante ou médico gar lá, vemos que é possível fazer algum tramais jovem quiser ir em seu lugar, Beatriz balho. E nada mais significativo que notar a abre mão da viagem por desejar que outros gratidão das pessoas, o respeito, o carinho. médicos sejam tocados pelas necessidades É um lugar de tão difícil acesso que não tede uma parcela da população brasileira que ria como conhecê-lo se não fosse por meio vive uma realidade muito diferente do que a dessa ação, da iniciativa dos salesianos e a maioria pode imaginar. dedicação dos soldados do Exército.”
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Infovia, uma alternativa contra a exclusão digital MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
mbora seja vital para promover a inclusão digital no Brasil, o acesso à banda larga continua inacessível para um expressivo número de brasileiros. Atualmente, perto de 45% da população do país (85 milhões de pessoas, número equivalente à população da Alemanha), que tem renda média de até dois salários mínimos por mês, não dispõe de recursos financeiros para pagar pelo serviço, situação que mantém esse contingente excluído tanto digital quanto socialmente. A constatação faz parte da dissertação de mestrado do engenheiro eletricista José Umberto Sverzut, defendida recentemente na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. No trabalho, que teve orientação do professor Leonardo de Souza Mendes e coorientação do professor Gean Davis Breda, o autor propõe mudanças na política pública e no marco regulatório do setor, de modo a permitir que as cidades construam suas próprias redes públicas de telecomunicações, as chamadas infovias municipais (Rede Metropolitana de Acesso Aberto – RMAA). De acordo com Sverzut, a infovia municipal tem se mostrado uma alternativa importante para democratizar o acesso ao serviço de banda larga. A iniciativa que tem servido de exemplo no país é a que foi concretizada pela Prefeitura de Pedreira, localizada a 40 quilômetros de Campinas. A infovia municipal foi idealizada pelo professor Leonardo Mendes em 1999, tendo como base os projetos Multicom 21 da FEEC e RMAA, de Berlim, na Alemanha. A concepção da infovia municipal foi realizada pela FEEC, que contribuiu nos desenvolvimentos das plataformas de rede (hardware) e de software. Na cidade, a administração pública instalou uma rede de fibra ótica interligando as repartições públicas. Por meio da intranet, os órgãos se comunicam uns com outros, via telefone ou pelo computador, sem qualquer custo. O projeto deu tão certo que a Prefeitura decidiu instalar no que os técnicos classificam de última milha, ou seja, na ponta dos acessos físicos da rede, uma tecnologia sem fio para dar acesso gratuito a toda população à internet de banda larga. Atualmente, os moradores da cidade podem usufruir de uma velocidade de 512 kilobits por segundo, o dobro da oferecida pelo serviço mais barato do país, cuja assinatura custa R$ 29,90, valor que continua fora das possibilidades dos já mencionados 85 milhões de brasileiros. “Graças a essa iniciativa, a administração agregou vários serviços que melhoraram a qualidade do serviço social prestado à comunidade. A infovia municipal pode suportar uma gama enorme de serviços, tais como videofone, cursos a distância e pagamento online de tributos municipais, que melhoram de forma significativa a vida das pessoas”, relaciona Sverzut. A infovia municipal de Pedreira, observa o autor da dissertação, é autossustentável. O dinheiro economizado com o aperfeiçoamento das rotinas administrativas e com as contas de telefone, por exemplo, banca o sistema. “Este é um modelo que pode tranquilamente ser levado a outras cidades brasileiras, a despeito do tamanho e da localização delas. Ocorre, porém, que para que isso seja viável é preciso promover alterações tanto na política pública quanto no marco regulatório das telecomunicações. Uma medida fundamental em termos de política pública é a criação de linhas de financiamento para que os municípios possam implantar as suas infovias”, defende. Outro ponto fundamental, este vinculado à regulamentação, acrescenta Sverzut, é a definição de faixas de frequências exclusivas para o uso das infovias municipais, de maneira a superar as dificuldades de tráfego existentes. O autor da dissertação lembra que as faixas atuais são usadas indisFoto: Antonio Scarpinetti
José Umberto Sverzut, autor da dissertação: “O modelo da infovia pode tranquilamente ser levado a outras cidades brasileiras, a despeito do tamanho e da localização delas”
Estudo formula propostas para garantir acesso à internet de alta velocidade a 85 milhões de brasileiros Foto: Divulgação
Antena utilizada pela Prefeitura de Pedreira para oferecer gratuitamente sinal de internet aos moradores da cidade: projeto é modelo no país
tintamente por todos os operadores, que adotam a última milha baseada nas tecnologias sem fio. Isso é feito inclusive pelos operadores clandestinos, que mantêm os conhecidos “gatonets”. Por causa desse “congestionamento” é que a velocidade despenca e, não raro, o serviço fica instável. A ação dos clandestinos, assinala o engenheiro eletricista, é a que mais contribui para a “poluição” do espectro. E os “gatos” não são poucos. Conforme Sverzut, colocar uma rede clandestina de telecomunicação em operação é relativamente simples no Brasil. Basta o interessado fazer uma assinatura de serviço de banda larga com velocidade de 10 megabits por segundo, investir aproximadamente R$ 5 mil em equipamentos e distribuir o sinal para um bairro inteiro. O passo seguinte é cobrar mensalidades mais baratas que as fixadas pelas operadoras devidamente autorizadas. “Por causa dessa prática, cada vez mais comum, a frequência vai se tornando mais e mais poluída. É por isso que as infovias municipais precisam de uma faixa exclusiva para operar”, reforça o pesquisador. Tecnicamente, assegura Sverzut, não há limitação à construção de redes públicas de telecomunicações pelos municípios. “O modelo desenvolvido pela Unicamp em parceria com Pedreira tem funcionado muito bem. Atualmente, ele tem servido também à implantação das infovias de Paulínia, Vinhedo, Itatiba, Itapira e Guará. As questões de engenharia e de tecnologia estão totalmente equacionadas. O que falta é estímulo ao projeto, que sem dúvida alguma pode contribuir para democratizar o acesso à banda larga. Esse objetivo, vale frisar, é fundamental para promover a inclusão digital e social de uma ampla faixa da população, bem como incrementar o desenvolvimento do país”, entende. Para sustentar sua posição, o engenheiro eletricista cita um estudo internacional ao qual teve acesso durante a elaboração da sua dissertação, realizado pela Consultoria McKinsey. Segundo este trabalho, um crescimento de 10% na taxa de penetração da banda larga pode proporcionar um aumento de até 1,4% no PIB [Produto Interno Bruto] de um país. “Em outras palavras, estamos dizendo que a democratização da banda larga pode fazer com que o Brasil fique mais rico e sua população, melhor situada socialmente”. Nessa mesma linha, Sverzut observa que a própria infovia municipal pode ser geradora de empregos e riquezas em âmbito local. O engenheiro eletricista chama a atenção para outras possibilidades propiciadas pelo modelo além das já mencionadas. De acordo com ele, o sistema permite, por exemplo, que sejam instaladas câmeras de monitoramento pela cidade, que podem ser operadas a partir de uma central conectada à infovia. “Toda a estrutura de hardware e de software necessária ao funcionamento dos diversos serviços associados ao sistema certamente exigirá recursos humanos qualificados para sua produção, instalação, manutenção e operação. É uma oportunidade de a Prefeitura criar programas para treinar a mão de obra local para ocupar esses postos de trabalho”, pontua.
RESISTÊNCIA Mesmo defendendo a democratização do acesso ao serviço de banda larga e entendendo que a infovia municipal pode ser um importante passo nesse sentido, o autor da dissertação reconhece que não será fácil avançar na proposta, visto que ela contrariará os interesses das grandes empresas que atuam no setor de telecomunicação. “A definição de uma política pública de Estado é fundamental para garantir a disseminação da infovia municipal e evitar a formação de lobbies que possam inviabilizá-la”, considera Sverzut. Ele também admite que as discussões em torno das propostas contidas em seu trabalho acadêmico ainda são incipientes no Brasil. “Entretanto, já saímos da inércia. Penso que a minha dissertação trará contribuições ao debate. Esta entrevista também ajudará a levar a questão a novos públicos. Quanto mais pessoas estiverem envolvidas com o tema, melhor. Isso fará com que a sociedade tenha mais força para negociar com os tomadores de decisão”. Questionado sobre se oferecer banda larga de graça para toda a população, inclusive àqueles que podem pagar, não seria um equívoco, Sverzut disse que o princípio tem por base a isonomia. “Todos têm o mesmo direito perante a lei e devem ser tratados como ‘iguais’”, justifica. Concluído o mestrado, Sverzut já começa a formatar o projeto do doutorado. O objetivo do trabalho, dessa vez, será transformar cada cidadão num regulador dos serviços de telecomunicação. “Quero oferecer ferramentas para que os brasileiros possam cobrar por serviços de melhor qualidade. A ideia é que cada cidadão deste país tenha uma ferramenta capaz de aferir a qualidade dos serviços prestados e tenha seus direitos e garantias preservados e respeitados. O objetivo final é tornar a política pública na área de telecomunicações mais eficiente”, adianta o pesquisador, que também pretende escrever um livro sobre a democratização da banda larga no Brasil.
Publicação Dissertação: “Democratização do acesso à banda larga nos municípios brasileiros: propostas de mudanças no marco regulatório para promover a inclusão digital e social da população pela construção da Infovia Municipal” Autor: José Umberto Sverzut Orientador: Leonardo de Souza Mendes Coorientador: Gean Davis Breda Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
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aa c dêi m ca
Painel da semana Deleuze e Nietzsche - Entre os dias 20 e 23 de agosto, a partir das 9 horas, na Faculdade de Educação (FE), acontece V Seminário ‘Conexões – Deleuze e Território e Fugas e...’ e o ‘XII Simpósio Internacional de Filosofia – Nietzsche/Deleuze’. A organização é do Laboratório de Estudos Audiovisuais (OLHO) e do Grupo Diferenças e Subjetividades em Educação (DiS) da FE. Mais detalhes: telefone 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br Conferência com Gilvan Müller - O Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) organiza, dia 21 de agosto, às 10h30, em seu anfiteatro, uma conferência com o professor Gilvan Müller de Oliveira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele fala sobre “Língua portuguesa: policentrismo e internacionalização no século XXI”. Gilvan é doutor em Linguística pela Unicamp. Mais informações: 19- 19-3521-1520. Antiguidade Greco-romana - Seminário acontece no dia 22 de agosto, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento é parte integrante do Fórum Permanente de Ensino Superior e está sob a organização das professoras Patrícia Prata e Isabella Tardin Cardoso, ambas do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Inscrições e outras informações: 19-3521-5039. Talento - Feira de Recrutamento e Seleção “Talento” será realizada no dia 22 de agosto, das 9 às 12 horas, em uma tenda montada especialmente para o evento, no Estacionamento da Biblioteca Central César Lattes. Trata-se de uma oportunidade para que os estudantes da Unicamp fiquem por dentro dos diversos processos seletivos, programas trainees e oportunidades de emprego em Campinas e região. A organização é do Núcleo das Empresas Juniores da Unicamp. Conheça o site do evento: www.talentounicamp.com.br. Mais detalhes pelo telefone 11-99855-0992 ou e-mail comunicacao@nucleoejunicamp.com.br Inauguração - A cerimônia de inauguração do Laboratório de Geologia Isotópica acontece no dia 22 de agosto, às 10 horas, no prédio de laboratórios do Instituto de Geociências (rua Cora Coralina s/n), no campus da Unicamp. Mais detalhes: 19-3521-5150 ou e-mail claudiasilva@ige.unicamp.br Por uma arqueologia histórica libertária - O Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte e o Programa de Pós-graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) promovem no dia 23 de agosto, às 9 horas, na Sala Multiuso do IFCH, a palestra “Por uma arqueologia histórica libertária”, a ser ministrada pelo professor Charles Orser Jr, da Vanderbilt University (USA). As inscrições podem ser feitas até 22 de agosto pelo e-mail lapunicamp@ gmail.com. O inscrito deve informar “nome completo” e “instituição”. Geociências e Ensino - O Instituto de Geociências (IG) organiza nos dias 23 e 24 de agosto, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), o encontro “Interfaces Geociências e Ensino: 40 anos de experiências (1973-2013)”. O evento, cuja abertura ocorre às 9 horas, comemora os 40 anos de experiências e pesquisas em ensino de Geociências do Programa de Pós-graduação em Ensino e História de Ciências da Terra (PEHCT) do IG. O objetivo é refletir sobre a trajetória de implantação de atividades sistemáticas voltadas para difundir o conhecimento sobre a Terra, o ambiente e suas transformações sociais e econômicas. Na primeira mesa-redonda, às 10 horas, o professor Ivan Amaral, da Faculdade de Educação (FE), apresenta um histórico do movimento de renovação no ensino de Geociências. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-4562 ou e-mail cedrec@ige.unicamp.br Seminário com Jorge Katz - O professor Jorge Katz, da Universidade do Chile, ministra o seminário “Crecer en base a recursos naturales - una nueva fase en el desarrollo evolutivo de America Latina: creación de capacidades, bienes públicos e instituciones”, dia 23 de agosto, às 9h30, no Auditório da Agência para a Formação Profissional
da Unicamp (AFPU). O Seminário ocorre no âmbito das comemorações dos 25 anos do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG). O seminário é aberto a interessados no assunto. A organização é dos professores André Furtado e Maria Beatriz M. Bonacelli. Mais informações pelo e-mail dpct@ige. unicamp.br ou telefone 19-3521-4555.
A aventura de contar-se Feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade
Eventos futuros Capacitação do Nepo - No dia 27 de agosto, às 9 horas, no auditório do Núcleo de Estudos da População (Nepo), acontece a abertura do IV Programa de Capacitação: População, Cidades e Políticas, coordenado pela professora Rosana Baeninger. Após a abertura oficial haverá a palestra “A Importância de Informações e Indicadores Sociais para o Planejamento”, a ser proferida pela professora Maria Helena Guimarães de Castro, diretora executiva da Fundação Seade. No evento serão lançados livros da Coleção Por Dentro do Estado de São Paulo, com doze volumes, e um Atlas Temático do Projeto. Mais informações: 19- 19-3521-5913. Fórum de Desafios do magistério - Tema será debatido durante a realização do Fórum Permanente de Desafios do Magistério. O evento ocorre no dia 28 de agosto, às 9 horas, no auditório do Centro de Convenções da Unicamp. Será transmitido (ao vivo) pela RTV-Unicamp. A organização é da Faculdade de Educação (FE-Unicamp), Associação de Leitura do Brasil (ALB) e Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) com apoio da Associação Mais Diferenças. Inscrições e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/ htmls_descricoes_eventos/magis43.html Cidades criativas - III Congresso Internacional será realizado de 28 a 30 de agosto, na Unicamp. O objetivo é debater o papel da juventude, das políticas públicas sociais como educação e a cultura, práticas para a solução dos problemas urbanos e excelência para as cidades de modo inovador e criativo. As edições anteriores ocorreram na Espanha, com três linhas principais de trabalho que se repetem este ano: mesas de discussão, apresentações de trabalho de pesquisadores e fórum de cidades nacionais e internacionais. A organização é da Universidade Complutense de Madri, Associação Científica ICONO14 (Espanha) e do Laboratório de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação (Lantec) da Faculdade de Educação da Unicamp. Mais detalhes no site www.ciudadescreativas.es/ Ser ou não ser, eis a questão - Oferecida pelo Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), a palestra “Ser ou não ser, eis a questão: Como se tornar um leitor estratégico e potencializar sua aprendizagem” acontece no dia 28 de agosto, às 12h30, na sala PB014 do Pavilhão do Básico. As inscrições podem ser feitas no site http://www.sae.unicamp.br/portal/index.php?option=com_wrapper&v iew=wrapper&Itemid=180. Mais informações: 19-3521-6539. Lançamento - O Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) e o Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da Universidade de São Paulo (USP) lançam, dia 28 de agosto, às 19 horas, na Livraria Cultura, em São Paulo, o livro A Desconfiança Política e os seus Impactos na Qualidade da Democracia. A publicação é organizada pelos professores José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e conta com a contribuição de vários pesquisadores. O livro apresenta os resultados da pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas, realizada com o apoio da Fapesp e do CNPq, e complementa o quadro analítico introduzido pelo primeiro volume com resultados da pesquisa Democracia e Confiança porque os Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas, lançado pela Edusp, em 2010. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 193521-7093. Segurança alimentar e nutricional - No dia 29 de agosto, às 8h30, na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira-SP, acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Esporte e Saúde. “Segurança alimentar e nutricional: da biodiversidade às políticas públicas” é o tema a ser tratado na sala UL 12 da FAC. O evento será transmitido pela RTV-Unicamp. Informações adicionais podem ser obtidas no site http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/ htmls_descricoes_eventos/saude66.html Jovem cientista - Estão abertas, até 30 de agosto, as inscrições para o XXVII Prêmio Jovem Cientista. Estudantes do ensino médio, estudantes do ensino superior, mestres e doutores de todo o país podem concorrer. Alunos do ensino médio têm também a opção de enviar suas pesquisas pelos Correios. O Jovem Cientista aborda em 2013 o tema “Água: desafios da sociedade”. Mais detalhes no site http://www.jovemcientista.cnpq.br/ Cultura indígena - O artista plástico Elvis da Silva expõe, até 30 de agosto, no Espaço das Artes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, quadros sobre a cultura indígena. A exposição, denominada “Diversidades”, celebra o Dia Internacional dos Povos Indígenas, proclamado no dia 9 de agosto pela Organização das Nações Unidas (ONU). Leia mais em http://www.unicamp.br/unicamp/ noticias/2013/08/09/exposicao-na-fcm-celebra-o-dia-internacional-dospovos-indigenas Livros com descontos - Até 30 de agosto, a Livraria da Editora da Unicamp, localizada no Instituto de Estudos de Linguagem (IEL), promove a venda de livros da Companhia das Letras com 25% de desconto e da Jorge Zahar com 20% de desconto. Já nos livros publicados pela Editora da Unicamp, docentes tem 40% de desconto, alunos, 30%, e funcionários, 20%. A Livraria da Editora da Unicamp no IEL fica à rua Sergio Buarque de Holanda 571, no campus Unicamp. Funcionamento: de segunda à sexta, das 9 às 18 horas. Mais informações: 19-3521-4041.
Livro
da semana
Sinopse: Como as mulheres têm transformado o mundo e se transformado a si mesmas? Estas questões norteiam o presente trabalho, que busca entender como os feminismos, nas últimas quatro décadas, possibilitaram profundas e positivas mudanças na cultura e na sociedade brasileiras. Partindo das narrativas autobiográficas de sete militantes feministas, nascidas entre os anos 1940 e 1950, a autora investiga a maneira como essas mulheres abriram novos espaços na esfera pública e na vida política do Brasil, desde os violentos anos da ditadura militar. Mais do que isso, visa dar visibilidade aos processos de invenção da subjetividade pelos quais puderam afirmar novos modos de existência, mais integrados e libertários. Nessa direção, opera com os conceitos de “estéticas da existência” ou “artes do viver”, “parresia” e “escrita de si” da filosofia de Foucault, assim como com operadores de Deleuze e da teoria feminista pós-estruturalista. Autora: Margareth Rago Ficha técnica: 1a edição, 2013; 344 páginas; formato: 14 x 21 cm ISBN: 978-85-268-1017-4 Área de interesse: História Preço: R$ 54,00
Teses da semana Artes - “Comédia do desajuste: as dramaturgias de Martins Pena e Arthur Azevedo como expressão de especificidades sociais brasileiras” (doutorado). Candidato: Manoel Levy Candeias. Orientadora: professora Neyde de Castro Veneziano Monteiro. Dia 20 de agosto de 2013, às 15 horas, na sala 3 da CPG do IA. “Resquícios e rosas: as memórias na criação em dança contemporânea” (mestrado). Candidata: Rosely Conz. Orientadora: professora Júlia Ziviani Vitiello. Dia 23 de agosto, às 14h30, na sala AD-01 do Departamento de Artes Corporais do IA. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Estudo comparativo entre dois tipos de lâmpadas de descarga de baixa pressão - Análise de viabilidade econômica” (mestrado). Candidato: Gustavo Duarte Neves. Orientador: professor Paulo Sergio Scarazzato. Dia 23 de agosto, às 14 horas, na sala CA22 da FEC. Engenharia Elétrica e de Computação - “Hamming DHT e Hcube: arquiteturas distribuídas para busca por similaridade” (doutorado). Candidato: Rodolfo da Silva Villaça. Orientador: professor Mauricio Ferreira Magalhães. Dia 21 de agosto, às 10 horas, na CPG da FEEC. Alimentos - “Obtenção de extratos de folhas de pitanga (Eugenia uniflora L.) e de alecrim-pimenta (Lippia sidoides Cham.) por extração sequencial em leito fixo usando CO2 supercrítico, etanol e água como solventes” (mestrado). Candidata: Tábata Tayara Garmus Diniz. Orientador: professor Fernando Antonio Cabral. Dia 21 de agosto, às 9h30, na sala 31 do DEA da FEA. Engenharia Mecânica - “Concepção de implantes ortopédicos com rigidez gradual: transformações de fases e relação microestrutura/ propriedades mecânicas de ligas biomédicas Ti-Nb-Fe” (doutorado). Candidato: Éder Sócrates Najar Lopes. Orientador: professor Rubens Caram Junior. Dia 19 de agosto, às 9 horas, no auditório KD da FEM. “Influência da temperatura do combustível nos parâmetros de atomização de um atomizador utilizado em bicos injetores automotivos” (mestrado). Candidata: Renata Fajgenbaum. Orientador: professor Rogério Gonçalves dos Santos. Dia 30 de julho, às 14 horas, na sala KE da FEM. “Análise técnica e econômica da produção de hidrogênio eletrolítico no Paraguai” (doutorado). Candidato: Michel Osvaldo Galeano Espínola. Orientador: professor Ennio Peres da Silva. Dia 23 de agosto, às 9 horas, na sala JE2 da FEM. “Reforma de gás de gaseificação por meio de tocha de plasma: ensaios preliminares” (mestrado). Candidato: Renato Cruz Neves. Orientador: professor Caio Glauco Sánchez. Dia 23 de agosto, às 9 horas, no auditório KD da FEM. Odontologia - “Avaliação de monômeros funcionais acídicos com cadeias espaçadoras de diferentes hidrofilias e comprimentos” (doutorado). Candidato: Victor Pinheiro Feitosa. Orientador: professor Américo Bortolazzo Correr. Dia 23 de agosto, às 8h30, na sala de seminários da Periodontia da FOP. Geociências - “Variabilidade da precipitação pluvial da região sudeste do Brasil no período chuvoso e desastres naturais” (mestrado). Candidato: Leônidas Mantovani Malvestio. Orientador: professor Jonas Teixeira Nery. Dia 19 de agosto, às 10 horas, no auditório do IG.
“Mapeamento de áreas de preservação permanente na alta bacia do Rio Jaguari, MG, a partir da hierarquia fluvial e da estimativa da largura de canais em imagens de altíssima resolução espacial” (mestrado). Candidato: Edson Antonio Mengatto Junior. Orientador: professor Marcos César Ferreira. Dia 20 de agosto, às 14 horas, no auditório do IG. “A comunidade científica, o governo e a agenda de pesquisa da universidade” (de doutorado). Candidato: Rogério Bezerra da Silva. Orientador: professor Renato Peixoto Dagnino. Dia 21 de agosto, às 9 horas, no auditório do IG. “As políticas de inovação da indústria de energia eólica: uma análise do caso brasileiro com base no estudo de experiências internacionais” (doutorado). Candidata: Edilaine Venancio Camillo. Orientador: professor André Tosi Furtado. Dia 22 de agosto, às 9 horas, no auditório do IG. “Urbanização e vulnerabilidade na região metropolitana da baixada santista” (doutorado). Candidato: Robson Bonifácio da Silva. Orientadora: professora Lucí Hidalgo Nunes. Dia 22 de agosto, às 13 horas, no auditório do IG. “Magnetometria e métodos geoelétricos aplicados à caracterização das unidades litológicas na região Flor da Serra, Paaf (MT)” (mestrado). Candidata: Ethiane Agnoletto. Orientador: professor Emilson Pereira Leite. Dia 23 de agosto, às 14 horas, na sala B do DGRN do IG. Linguagem - “De Latinis sermonibus: A diversidade linguística segundo Quintiliano” (mestrado). Candidata: Manuela Ayres Batista Benedicto. Orientador: professor Marcos Aurélio Pereira. Dia 19 de agosto, às 14 horas, no anfiteatro do IEL. “Possibilidades narrativas de sujeitos com afasias severas de produção: o papel dos signos não-verbais para alcançar o “querer-dizer” (mestrado). Candidata: Tainara Lemes Conde Nandin. Orientadora: professora Rosana do Carmo Novaes Pinto. Dia 19 de agosto, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Exílio, ficção e memória em Mario Benedetti: uma leitura introdutória” (mestrado). Candidata: Natalia Ruggiero Colombo. Orientador: professor Francisco Foot Hardman. Dia 21 de agosto, às 10 horas, na sala dos colegiados do IEL. “Um estudo sobre o funcionamento semântico-enunciativo de enunciados definidores constituídos por “é quando”” (mestrado). Candidato: Marcel Caldeira da Silva. Orientadora: professora Monica Graciela Zoppi-Fontana. Dia 21 de agosto, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científica - “Métodos de pontos interiores aplicados à Basis Pursuit” (mestrado). Candidata: Paula Aparecida Kikuchi. Orientadora: professora Daniela Renata Cantane. Dia 23 de agosto, às 9 horas, na sala 253 do Imecc. “Geometria da informação: métrica de Fisher” (mestrado). Candidata: Julianna Pinele Santos Porto. Orientador: professor João Eloir Strapasson. Dia 23 de agosto, às 14 horas, na Sala 253 do Imecc. Medicina - “Contribuição das espécies reativas de oxigênio para hiperreatividade plaquetária de ratos tratados com dieta hiperlipidica” (mestrado). Candidata: Priscila Fukumura Monteiro. Orientador: professor Edson Antunes. Dia 21 de agosto, às 8 horas, no anfiteatro do Departamento de Farmacologia da FCM. Química - “Síntese, caracterização e estudo das atividades antibacterianas de complexos de Au(I), Ag(I) e Pd(II) com Rimantadina” (mestrado). Candidato: Suelen Ferreira Sucena. Orientador: professor Pedro Paulo Corbi. Dia 19 de agosto, às 14 horas, no miniauditório do IQ.
Destaque do Portal
Unicamp recomporá seu quadro docente Conselho Universitário (Consu) da Unicamp, órgão máximo deliberativo da instituição, aprovou em sua última sessão ordinária, ocorrida no dia 6 de agosto, medida para promover uma significativa recomposição do quadro docente da Universidade. De acordo com a decisão do Consu, a partir de agora todas as aposentadorias de professores serão repostas automaticamente. Antes, somente as aposentadorias compulsórias, que atingem aqueles que completam 70 anos, eram objeto desse procedimento. “Essa mudança trará um enorme impacto para o futuro da Unicamp, pois promoverá o estancamento do decréscimo do número de professores registrado ao longo dos últimos anos”, analisa o coordenador-geral da Universidade, Alvaro Crósta. De acordo com levantamento solicitado pelo Consu, a Unicamp contava em 1994 com um quadro formado por 2.055 docentes. No final de 2012, esse número era de menos de 1.800. “Vale destacar que nesse período, apesar da redução do quadro, nós registramos uma importante ampliação no
Foto: Antoninho Perri
O coordenador-geral da Universidade, Alvaro Crósta: “Mudança promoverá o estancamento do decréscimo do número de professores registrado ao longo dos últimos anos”
número de alunos, bem como do índice de produtividade de nossos professores”, assinala Crósta. Além da medida aprovada pelo Consu, acrescenta o coordenador-geral, há uma decisão da atual Reitoria de fechar 2013 com um corpo de 2.000 docentes na carreira MS (Magistério Superior). “A este contingente, devemos somar mais 57 vagas de outras carreiras que também atuam no ensino superior. Ou seja, vamos encerrar este ano com um quadro semelhante ao verificado em 1994”, afirma. Crósta informa que as aposentadorias registradas a partir de 1º de janeiro deste ano já serão repostas segundo os novos critérios. “Com base no número de docentes que tínhamos em 31 de janeiro de 2012, temos 59 vagas a serem distribuídas entre as unidades de ensino e pesquisa, o que é um dado muito significativo”. Ademais, prossegue o coordenador-geral, a Universidade tem feito esforços para incorporar critérios acadêmicos ao processo de atribuição de vagas, de modo a qualificar ainda mais as atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Paralelamente a essas ações, um grupo de trabalho do Consu presidido pelo coordenador-geral tem analisado alternativas para acelerar o processo de preenchimento das vagas docentes. “Estamos revendo as rotinas relacionadas aos concursos públicos, com a missão de identificar quais pontos podem ser alterados para acelerar os trâmites. Atualmente, entre a alocação da vaga e a contratação do docente decorrem cerca de nove meses, o que é um tempo muito longo; é quase um ano letivo inteiro”, constata Crósta. Outra iniciativa que está sendo estudada é deixar a maior parte dos procedimentos relacionados aos concursos sob os cuidados das unidades de ensino e pesquisa e a menor parte com os órgãos superiores, também como forma de tornar o processo mais célere. “Nossa ideia é reduzir o tempo ao máximo. Ainda não sabemos exatamente de quanto será o ganho, mas imaginamos que ele deverá ser de alguns meses”, estima o coordenador-geral. (Manuel Alves Filho)
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013
Qual o futuro das pilhas a combustível? Estudo avalia potencial e expõe problemas que precisam ser superados para viabilizar produto Foto: Antonio Scarpinetti
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
mercado de pilhas a combustível revela-se em pleno crescimento, mostra-se promissor e com possibilidade de vir a fazer parte do cotidiano em futuro próximo. A expectativa é a de que nos próximos anos os principais problemas que limitam o uso dessas pilhas tenham sido superados. É o que mostra o estudo envolvendo a prospecção tecnológica, em médio prazo, sobre o uso de pilhas a combustível e seu mercado, realizado pela engenheira química Ana Beatriz Alves Borges. O trabalho, que contou com a participação de cerca de oitenta especialistas da área, de várias regiões do mundo, tanto do meio acadêmico como da indústria, utilizou a Metodologia Delphi. Os especialistas consultados receberam um questionário, através de correio eletrônico, com doze perguntas que visavam caracterizar suas experiências profissionais, campos de atuação e obter seus pareceres quanto à viabilidade da presença no mercado, dentro de 20 anos, de seis pilhas a combustíveis mais conhecidas, delineando vantagens e problemas a serem superados. Os depoimentos apontaram duas delas como mais promissoras. Os resultados da pesquisa foram confrontados com os dados divulgados pelas indústrias nos últimos cinco anos. Para a pesquisadora, a avaliação do futuro constitui uma preocupação desde a antiguidade e a previsão de caminhos vaticinados possibilita medidas que garantam a própria sobrevivência da humanidade. Quanto à ciência e tecnologia, ela considera que a previsão do futuro constitui importante balizamento para a adoção de estratégias pelo mercado e pelos governos na definição de investimentos tecnológicos. Especificamente em relação ao tema por ela estudado, lembra que a crescente preocupação com a poluição atmosférica gerada pelo uso de combustíveis fósseis, e o seu sempre temido esgotamento, têm levado empresas e cientistas à procura de fontes alternativas de energia, preferencialmente limpas e renováveis. Uma das soluções aventadas, já há décadas, é o emprego de pilhas a combustível. Na dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Engenharia de Materiais e Bioprocessos da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), da Unicamp, orientada pelo professor Wagner dos Santos Oliveira, a pesquisadora apresenta as características das seis principais pilhas a combustível existentes no mercado, as opiniões dos especialistas respondentes sobre seus usos, particularmente em relação às duas apontadas como mais promissoras, e expõe os problemas que precisam ser superados para viabilizá-las técnica e economicamente. Como principais objetivos da prospecção tecnológica, a autora aponta a promoção das seguintes possibilidades: aprimoramento do setor de pesquisa e desenvolvimento; avaliação de novos processo ou produtos; desenvolvimento de planos e estratégias para a elaboração de novas tecnologias; programação da distribuição de recursos; maximização de ganhos e diminuição de perdas; orientação do planejamento da tecnologia; e verificação e identificação de oportunidades.
PERSPECTIVAS
Muito estudadas na segunda metade do século XX, as pilhas a combustível têm se mostrado de eficiência satisfatória e em certas circunstâncias até maior que a dos meios convencionais, quando comparadas às fontes de energia menos poluentes. Nelas a energia oriunda de reação química é transformada diretamente em energia elétrica com a utilização de eletrodos porosos. A arquitetura do sistema possibilita que a corrente elétrica contínua gerada seja trans-
por utilizarem basicamente hidrogênio e oxigênio, que se convertem em água e calor ao gerarem eletricidade; tempo de recarga menor em relação às baterias; manutenção menor e menos dispendiosa; funcionamento silencioso e tamanho e pesos adequados às potências e utilidades desejadas. Ela ressalta, entretanto, a necessidade de que sejam superadas algumas desvantagens, como a utilização de uma tecnologia ainda bastante complexa, que demanda simplificação e redução de custos. Destaca a necessidade de utilização de eletrodos e catalisadores mais baratos e menos dispendiosos, fatores que poderão viabilizar uma produção em alta escala. Inclui nesses avanços a melhoria da estocagem de hidrogênio, simplificação da construção, aprimoramento da eficiência dos eletrodos utilizados.
PANORAMA
A engenheira química Ana Beatriz Alves Borges: em duas décadas, pilhas a combustível terão ampla gama de aplicações
ferida de um polo a outro por um circuito externo, o que permite seu aproveitamento de forma limpa e eficiente. O hidrogênio utilizado pode ser conseguido a partir de substâncias como gás natural (metano), propano, álcool metílico, entre outras, em um processo denominado reforma. As pilhas a combustível podem ser classificadas com base em vários parâmetros tais como temperatura de operação, tipo de eletrólito utilizado, eficiência de conversão, tipo de catalizador, funcionalidade, entre outros. Cada uma delas tem suas características e oferece benefícios em determinadas situações mais específicas. Podem ser empregadas no comércio e na indústria, como a aeroespacial e automobilística, em pequenas edificações e também em telefones celulares, notebooks e pequenos veículos. As do tipo portátil encontram aplicações em equipamentos eletroeletrônicos de pequeno porte, como câmeras, MP3, celulares, aplicações militares, lanternas, etc. As estacionárias destinam-se à geração de energia elétrica em postos fixos como indústrias, prédios, hospitais, universidades, etc. As de transporte são utilizadas embarcadas para a locomoção ou aprimoramento da energia de veículos, como carros elétricos, caminhões, ônibus. Os participantes da pesquisa acreditam que investimentos em P&D permitirão, no espaço de 10 a 20 anos, a simplificação de suas estruturas e a utilização de componentes mais econômicos nessas pilhas, em substituição aos formatos robustos e caros de hoje, de forma a torná-las utilizáveis em veículos movidos a hidrogênio, por exemplo. Dos seis tipos mais comuns e submetidos à consulta dos especialistas pela autora do trabalho, dois foram apontados como de utilização promissora nos próximos anos. O primeiro é a chamada pilha a combustível
de membrana de troca de prótons, PEMFC, “Proton Exchange membrane Fuel Cell”. Foi desenvolvida nos anos 1950 e utilizada pela Nasa nos projetos Gemini e Apollo. Opera a baixas temperaturas, utiliza metais nobres nos eletrodos e hidrogênio de alta pureza, fatores que elevam seu custo. A PEMFC já compete no mercado de pilhas estacionárias para situações que não exigem grande potência, como pequenas edificações. O segundo tipo é a denominada pilha a combustível de óxido sólido, SOFC, “Solid Oxide Fuel Cell”. Embora sua concepção date dos anos 1930 e tenha voltado a ser estudada nos anos 1950, somente a partir de 1980 chamou novamente a atenção dos pesquisadores que avançaram no seu estudo. Atualmente é uma das pilhas a combustível em maior evidência no mercado por sua eficiência e capacidade de gerar uma grande quantidade de energia. Trata-se de uma pilha estacionária que opera a altas temperaturas, entre 800 a 1000 graus Celsius, e pode atender às necessidades, desde pequenas construções, como residências, até grandes indústrias, face às diferenças nas potências dos vários modelos disponíveis.
PRÓS E CONTRAS
Por apresentarem várias especificidades que superam as tecnologias convencionais de conversão de energia, Ana Beatriz acredita que as pilhas a combustível em duas décadas terão ampla gama de aplicações e usos. Ela menciona algumas características que sugerem essa expectativa. Aumento da vida útil, que hoje é de três mil a cinco mil horas, para 40 mil a 80 mil horas; autonomia, por serem capazes de operar com o fornecimento de combustível; confiabilidade, por manter a tensão ao longo do tempo; eficiência maior que a dos motores de combustão interna; redução na emissão de poluentes,
Empilhadeira movida a pilha combustível (à esq.) e um dos modelos de PEMFC: preocupação com fontes de energia limpa abre perspectivas para o produto
Todos os especialistas consultados pela autora defendem a necessidade do investimento em P&D para alavancar a produção dessas pilhas em escala. O catalizador empregado no processo de reforma do combustível utilizado e a produção do hidrogênio necessário ao seu funcionamento são os principais fatores que ainda as encarecem. Para eles, a grande vantagem oferecida por elas reside na eficiência de conversão, ou seja, no índice de aproveitamento da energia produzida, que pode atingir 80%. Suas tecnologias são consideradas viáveis para emprego dentro dos próximos vinte anos, mais particularmente os modelos PEMFC e SOFC. A pesquisadora ressalta, entretanto, que o emprego das pilhas a combustível não elimina totalmente a poluição, embora contribua para sua redução em relação à provocada por combustíveis fósseis, o que as leva a ser consideradas como fontes de energia limpa. A prospecção realizada pela autora a autoriza a afirmar que as pilhas a combustível são, de maneira geral, bem aceitas no mercado. Mesmo assim, para muitos respondentes há necessidade de investimentos na divulgação dos seus benefícios para estimular a utilização. Eles consideram, entretanto, que não haverá mercando para elas enquanto não ocorrer saturação dos combustíveis fósseis, face à defasagem de custos na geração de energia desses dois meios. Somem-se a isso as necessidades de aumentar-lhes a densidade da corrente elétrica, a vida útil e simplificar o processo.
Publicação Dissertação: “Prospecção tecnológica a médio prazo sobre pilhas a combustível e seu mercado” Autora: Ana Beatriz Alves Borges Orientador: Wagner dos Santos Oliveira Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ) Fotos: Divulgação
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Campinas, 19 a 25 de agosto de 2013 Fotos: Reprodução
As obras O Último Tamoio (à esq.) e Marabá, de Rodolfo Amoedo: processo de ressignificação do índio
outros Índios SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
esmo pertencendo à Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), o pintor brasileiro Rodolfo Amoedo (18571941) subverteu a retórica nacionalista sustentada pela escola fundada por dom João VI no Rio de Janeiro. Durante a segunda metade do século XIX, a política da AIBA visava promover as bases para uma identidade brasileira baseada na mítica do índio, ‘verdadeiro herói nativo’. Ao investigar duas das principais obras de Amoedo, o artista visual e historiador da Unicamp Richard Santiago Costa constata que o pintor promoveu um processo de ressignificação do índio, até então símbolo da pátria no período do Império do Brasil (1822 e 1889). As obras O Último Tamoio (1883) e Marabá (1882) manifestam traços de um indianismo tardio, sem fôlego, esgotado às vésperas da proclamação da República, conclui o pesquisador da Unicamp. “O estudo destas pinturas revela que o tema do indianismo ganha uma configuração diferenciada na última década do Império. Amoedo percebe que esta retórica de exaltação já está desgastada e procura dar uma nova roupagem”, sustenta Richard Costa, que defendeu recentemente mestrado sobre o tema junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A orientação coube à docente Claudia Valladão de Mattos. De acordo com ele, em O Último Tamoio e Marabá Rodolfo Amoedo atribui aos índios o signo da contemporaneidade. “O artista ‘desmonta’ esse índio herói, e faz isso expressando o que estava vendo naquele momento, que era o cotidiano de exterminação racial. O índio deixa de ter, portanto, um status mítico e passa a ser humanizado”. A dissertação produziu uma abordagem nova sobre o tema. “Estas pinturas nunca foram investigadas detalhadamente. Infelizmente, a obra do Rodolfo Amo-
edo ainda é pouco estudada. E os estudos existentes são muito fragmentados”, justifica Richard, que recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ele acrescenta que não há, até hoje, uma catalogação das pinturas de Amoedo. Muitas obras pertencem a acervos públicos, principalmente, ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Mas há também várias telas em acervos privados, o que torna a obra do artista pouco conhecida. “Ele é um pintor intrigante, pois promove uma renovação da temática da Academia Imperial de Belas Artes, junto com esta última geração de artistas do Segundo Reinado, como os irmãos Henrique e Rodolfo Bernardelli”, opina. O artista visual formado pelo Instituto de Artes (IA) também analisou outras obras indianistas do período, comparando com as pinturas de Rodolfo Amoedo. Uma correlação relevante no estudo é estabelecida entre Marabá e a escultura Faceira (1880), de Rodolfo Bernardelli. As duas obras possuem forte proximidade ao manifestarem a figura de uma índia mestiça provocante.
LITERATURA Para pintar Marabá e O Último Tamoio, Rodolfo Amoedo parte de referenciais literários do mesmo período: respectivamente, o poema homônimo de Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) e A Confederação dos Tamoios, de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882). O poema A Confederação dos Tamoios, publicado em 1856, é considerado como a grande epopeia nacional daquele período. A obra foi financiada pelo imperador para divulgar o começo heroico e mitológico do Brasil, tento o índio como referência. O objetivo era simbolizar a autonomia política e cultural do país em relação a Portugal. Na tela, Amoedo inverte, no entanto, a representação deste heroísmo. Ao invés de apresentar o protagonista da ação numa siFoto: Antoninho Perri
Richard Santiago Costa: para autor do estudo, Rodolfo Amoedo subverteu retórica de exaltação do nativo durante o Império
tuação de bravura, a obra exibe o personagem num momento de morte, apodrecendo afogado. É quando o padre José de Anchieta o acolhe na Baía de Guanabara. “Isso expõe a decadência do Império, mostrando os primeiros sinais de falência do regime. As políticas indigenistas também faliram porque a realidade era de extermínio e apartamento social do índio”, relaciona Richard Costa. Em O Último Tamoio, toda a atenção da crítica se voltou para o fato do padre Anchieta estar representado como um monge capuchinho e não como um jesuíta. “A crítica considerou um delito grave porque um dos parâmetros da pintura histórica era a verdade, ela tinha que estar rigorosamente ligada ao seu referencial. Na medida em que o Amoedo faz um Anchieta capuchinho e não jesuíta, ele dá sinais de que alguma coisa está errada, pois é difícil acreditar que isso não tenha sido proposital”, particulariza o pesquisador. Ele explica que, ao longo do século 19, o indígena foi o símbolo da nação. Isso aconteceu, sobretudo, a partir da independência. “O índio era visto como um elemento essencialmente brasileiro, pois ele estava aqui antes da chegada do homem branco. Portanto, vai haver toda uma literatura baseada neste indígena heroico que forma a nação. E a partir da década de 1860 com o Vitor Meireles, que foi professor do Amoedo na Academia Imperial de Belas Artes, isso ganha as artes visuais de uma maneira mais consistente”, esclarece. Quando se torna aluno da escola fundada por Dom João, Rodolfo Amoedo ganha o direito de fazer um pensionato artístico em Paris a partir de 1879 após vencer um concurso interno na academia. Foi em terras francesas que o artista produziu Marabá e O Último Tamoio. As telas estão entre as mais importantes obras do pintor, que nasceu na Bahia e viveu no Rio de Janeiro. No caso de Marabá, a presença do elemento mestiço é notável. “Muitos intelectuais passaram a ver não mais o indígena como um símbolo da nação, mas o mestiço, porque ele era a mistura das raças que formavam o Brasil. A tela de Amoedo é baseada num poema curto em que uma índia se lamenta pelo fato de ser mestiça. No poema, ela chora por não poder usufruir do encontro amoroso, já que nenhum guerreiro a desejaria justamente por estar mais próxima do branco do que do indígena”, observa Richard Costa. Conforme o pesquisador, o artista não segue rigorosamente a descrição que Gonçalves Dias faz desta mestiça. No poema, Dias a descreve como loira de olhos azuis. Já a Marabá que Amoedo pinta é morena e tem os cabelos enrolados. Richard Costa ressalta que Amoedo fez um estudo preparatório para esta obra, bastante diferente da pintura oficial. “Na pintura oficial, Marabá é, de fato, uma mestiça melancólica que chora e que se parece, em essência, com a descrição de Gonçalves Dias. Mas no estudo ela é uma mulher quase femme fatale do final do século 19. Ela encara o espectador. Acredito que Amoedo tinha em mente que a Marabá não era esta mestiça coitadinha que o Gonçalves Dias descreveu. Mas como ele ia expor no salão parisiense e mandar a obra para a Academia como uma espécie de prova do seu aprendi-
Faceira (1880), escultura de Rodolfo Bernardelli: inspiração com índia mestiça provocante
Publicação Dissertação: “O corpo indígena ressignificado: Marabá e O Último Tamoio de Rodolfo Amoedo e a retórica nacionalista do final do Segundo Império” Autor: Richard Santiago Costa Orientadora: Claudia Valladão de Mattos Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
zado, ele preferiu minimizar essa originalidade que ia dar ao tema. Produziu, então, uma mestiça de acordo com o que o poeta tinha descrito”, conclui. Para o autor do estudo, a postura subversiva de Rodolfo Amoedo não objetivava deliberadamente criticar o regime que, justamente, o patrocinava. Richard lembra que a trajetória artística de Amoedo é bem sucedida, seu pensionato é prorrogado por três anos e sua obra tem boa acolhida na crítica. Além disso, logo após a sua volta ao Brasil, o artista é nomeado professor da Academia de Belas Artes. “Fica evidente que Amoedo não é uma figura marginal no cenário artístico brasileiro, e, igualmente, não quer essa condição para si. O fato de ter sido aceito pelo regime só faz crer na qualidade plástica de suas obras. É por meio da alta qualidade de suas pinturas, comprovada e consagrada, que ele dará intensidade à sua mensagem artística”, sinaliza.