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Campinas, 8 a 14 de abril de 2013 - ANO XXVII - Nº 556 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Divulgação

Veneno no ar, na terra e na água Pesquisador em trabalho de campo na Amazônia: mensurando o impacto ambiental

Pesquisas inéditas coordenadas pela oceanógrafa Anne Hélène Fostier, docente do IQ, concluíram que as queimadas na Amazônia estão lançando, anualmente, 12 toneladas de mercúrio na atmosfera. Segundo a professora, a emissão contamina, além do solo, os corpos aquáticos, locais em que o mercúrio passa pelo processo de metilação, tornando-o ainda mais nocivo.

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Foto: Said Magomiédov

Por dentro da

Rússia xenófoba 5

Pesquisa de Cristina Antonioevna Dunaeva, historiadora envolvida com o movimento pela autodeterminação da Chechênia, traz à tona o aumento do preconceito racial e da xenofobia na Rússia contemporânea.

Refugiados chechenos da Vila Kenkhi, fugindo para o Daguestão após bombardeios aéreos do exército da Rússia em 2002

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Estudo demonstra organização das fibras de colágeno

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Chumbo é detectado em embalagens de 3 marcas de iogurte

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Estética, imagens e ativismo em redes de comunicação digital


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Campinas, 8 a 14 de abril de 2013 Foto: Valmir Perez

Valmir e a arte iluminada MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br

esde o início dos tempos, a luz ilumina o mundo. Dá cor à água, modifica os tons do mato ao entrar e ao sair, colore as coisas da Terra, prateia a lua e ilumina a cabeça de gênios como Thomas Edison, que, ao descobrir a lâmpada incandescente, começa a mudar a cor da própria luz. Com o passar do tempo, cria o cinetoscópio, mais tarde aprimorado e chamado de cinematógrafo pelos irmãos Lumiére. A ideia chamou a atenção do dramaturgo Georges Méliès, que decidiu procurar algo semelhante para gravar suas performances cênicas no Théatre Robert Houdin, em Paris, França. Naquela época, muitas pessoas já faziam teatro, mas poucas pensavam em iluminar o teatro, modificar a cor das cenas, colorir o palco e interferir no resultado da peça por meio da luz. Para isso acontecer, foi preciso aparecer gente que unisse conhecimento técnico e estético para utilizar a luz como linguagem essencial e determinante no refinamento do espetáculo. Este é hoje o papel do lighting designer, profissão de Valmir Perez, funcionário do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unicamp. Quando descobriu que a arte é a ciência do subjetivo, algo a ser pensado e não simplesmente executado, as produções teatrais da Unicamp passaram a ter um resultado ainda mais profissional. Hoje responsável pelo Laboratório de Iluminação do Instituto de Artes (IA) da Universidade, tem seu nome na ficha técnica de muitos espetáculos e eventos. Artista plástico e mestre em multimeios formado pela Unicamp, construiu uma trajetória iluminada pelas artes, principalmente naquela que aprimora o resultado das cenas, muitas vezes também responsável por intensificar a emoção e aprimorar a compreensão por parte do público: a iluminação cênica. Em seu artigo “Técnica e Estética: opostos complementares”, publicado na Revista “Luz e Cena”, em agosto de 2003, Perez aprofunda a explicação da dialética entre conhecimento técnico e estético. Ao debruçar em literaturas de grandes mestres da iluminação cênica e de outros ambientes, Perez começou a planejar sua própria literatura, muitas vezes experimentada antes na prática com recursos alternativos que pudessem aprimorar a iluminação oferecida pelo acessório incandescente criado por Thomas Edison. Para Perez, a participação do iluminador tem de acontecer desde a concepção do projeto ou do espetáculo, assim como também no ambiente construído. “Não é recomendável chamar o iluminador somente depois do projeto pronto. A luz faz parte da linguagem, total, que é a linguagem da cena.” Em alguns casos, como no espetáculo de Teresa Ranieri, no programa artista-residente, nem precisou criar grupo de discussão, como costuma fazer, porque já havia um grupo on line. Esses grupos são importantes para a troca de informações entre os diversos profissionais envolvidos num projeto. Em outros casos, o próprio diretor se responsabiliza pela criação da linguagem visual e iluminação, segundo o artista. “Mas como diz Roberto Gill Camargo, ‘a iluminação é co-criadora do espetáculo’. A luz faz parte da linguagem total, que é a linguagem da cena”, enfatiza. Sua experiência de mais de 20 anos em projetos de iluminação, design e artes, revela-se em inúmeros projetos de iluminação cênica, iluminação arquitetural de interiores e exteriores, projetos de estruturas cênicas, computação gráfica, desenvolvimento de software na área de iluminação, ensino e pesquisa em design de iluminação arquitetural e artes plásticas. Atualmente, além de ser responsável pelo Laboratório de Iluminação do Departamento de Artes Cênicas, é membro honorário da Associação Brasileira de Iluminação (Abil) e membro fundador da Associação Brasileira de Iluminação Cênica (Abric). Este é o dia a dia de Perez que, com cal-

Funcionário do IA reúne conhecimento técnico e estético como iluminador de espetáculos

Cena de espetáculo cuja iluminação cênica ficou a cargo de Valmir Perez: dando cores à emoção

ma, simpatia e competência vai convencendo que a arte é, de fato, uma ciência do universo subjetivo do homem. As imagens da lista inumerável de espetáculos acompanhados por ele desde a concepção mostram o avanço dos projetos de iluminação de acordo com o desenvolvimento tecnológico. E desde que ingressou na Unicamp como aluno do curso de extensão em teatro criado pelo ator e diretor Celso Nunes, em 1982, Perez tem sido um espectador deste avanço tecnológico. Transformou-se ao longo dos anos em um dos principais colaboradores do Brasil em discussões e ações que favoreceram o desenvolvimento da área de iluminação. Sua dissertação de mestrado teve como produto o software LabLux 1.0, desenvolvido em parceria com o aluno do curso de matemática Cláudio Martinez, funcionário do Centro de Computação da Unicamp falecido em 2007. Conferencista e palestrante em eventos sobre iluminação, tornou-se um difusor e divulgador dessa ciência como articulista da Revista Lume Arquitetura desde 2007. Vinte dos artigos publicados no periódico foram organizados no livro Luz e Arte – um paralelo entre as ideias de grandes mestres da pintura e o design de iluminação, lançado em 2012 pela De Maio Comunicação e Editora. Dos instrumentos convencionais aos de tecnologia LED, muita coisa mudou na iluminação e, com o avanço da internet, Perez começou a compartilhar novos conhecimentos a partir do site do Laboratório de Iluminação. Além disso, também administra a lista de “Dicas de Iluminação Cênica”, com mais de 2.5 mil inscritos, na qual oferece informações para profissionais da área ou até mesmo para quem pretende se aventurar na arte de entender ou assumir a carreira de . As orientações abordam desde o tipo ideal de instrumento para cada projeto ou até mesmo cena específica. No site, o lei-

tor pode encontrar informações específicas sobre cada um desses instrumentos, entre eles o Plano-convexo, muito utilizado por sua versatilidade, pois pode ser eficiente em planos gerais, banhos, luz dura (quando há definição de luz), focos indefinidos (soft), ou contraluzes (back lights), etc. Por trabalhar numa universidade pública, Perez não se incomoda em trocar informações e orientar na rede, sem retorno financeiro. “As pessoas geralmente precisam de informações sobre equipamentos, fotometria, estética, e nós procuramos orientar, pois estamos numa universidade pública e a literatura nesta área é escassa no Brasil e também cara”, declara. Acentua o funcionário que há alguns anos foi procurado para auxiliar na iluminação de uma tradicional árvore de natal que enfeita anualmente uma cidade do sul do País com luz de jardim. Esse é apenas um exemplo das consultorias que oferece. Ao lado de outros profissionais, montou o grupo virtual de discussão: Campinas Lighting Designers (CLD), que hoje conta com mais de cem membros, entre eles Renata Meirelles, responsável pelo projeto de iluminação interna do Teatro Castro Mendes, do Jockey Club de Campinas, e o professor Paulo Sergio Scarazzato, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. A ideia inicial era envolver apenas profissionais da região para troca de informações, mas o interesse veio de toda parte do país. “Temos consultores da Phillips, da Osram, pesquisadores de outros estados e instituições, estudantes, profissionais, empresas de consultoria e projetos, etc. A orientação principal do grupo é a troca de informações nas diversas áreas da iluminação e é expressamente proibida a propaganda de produtos. Isso torna o ambiente mais agradável e mais educativo. Foto: Antoninho Perri

Valmir Perez: “Não é recomendável chamar o iluminador somente depois do projeto pronto”

De olho em tudo que envolva novos desafios em sua área, há algum tempo foi atraído por um anúncio no qual uma médica oferecia tratamento de câncer de pele por meio de terapia fotodinâmica. Antes de qualquer sinal de dúvida, agendou uma consulta e foi conhecer o trabalho. “O procedimento consiste em jogar luz sobre um creme que é passado na pele do paciente. A reação físicoquímica faz com que luz atinja somente as células doentes”, explica. Ao ouvir da médica a resposta de que o custo do tratamento é encarecido pela necessidade de importação das lâmpadas, Perez tomou como tarefa de casa a missão de mostrar à dermatologista que era possível obter o mesmo resultado com material de custo bem menor. “Era LED. Comecei então a pesquisar”. Enquanto busca nos mestres a inspiração para dar prosseguimento as suas pesquisas, encontra resposta também nos ensinamentos do pai de que não se compra o que é possível construir ou consertar. “Era uma cultura dos anos 1970, mas trago até hoje. Aliás, até hoje aprendo na oficina de meu pai, ao mesmo tempo em que ele pode aprender ao visitar meu ateliê”. A participação nos cursos do Centro de Pesquisa teatral da Unicamp, criado por Celso Nunes, num momento em que o curso de artes cênicas ainda estava no papel, foi apenas o começo de uma carreira de mais de 25 anos na Unicamp. O convite para ser iluminador partiu do ex-professor Reinaldo Santiago no ano de 1988. Em 2001, formou-se em artes plásticas pela Unicamp, apesar de sua trajetória sugerir que tenha nascido iluminador. Naturalmente, aproveitou todas as oportunidades oferecidas e, como ele diz: “Trabalho atrai trabalho”. Assim, as indicações e os convites para projetos além da Unicamp também se avolumaram com o tempo e o aproximaram de nomes importantes não só do cenário das artes cênicas, mas da arquitetura e, principalmente da iluminação. “Aprendi muito com várias pessoas. Fazer iluminação para Marcio Aurélio Pires de Almeida, por exemplo, foi enriquecedor”, enfatiza ao lembrar o período em que os espetáculos de conclusão de curso eram dirigidos por artistas convidados, como Marcio Aurélio, Francisco Medeiros, Renato Cohen, Iacov Hillel, Márcio Tadeu, Marília Rosário, Waterllo Gregório, entre outros. A vontade de viver aprendendo o levou a frequentar, atualmente, o curso de pósgraduação em iluminação e design de interiores pelo IPOG.

Iluminação cênica Leia mais na página do laboratório (http://www.iar.unicamp.br/lab/ luz/ e no) e no hotsite do livro Luz e Arte (http://www.luzearte.net.br/).

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Campinas, 8 a 14 de abril de 2013

Grupo revela que queimadas lançam 12 t de mercúrio por ano na atmosfera Pesquisas inéditas desenvolvidas na Amazônia mensuram impactos ambientais Fotos: Divulgação/ Antoninho Perri

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

desmatamento provocado por queimadas na região amazônica brasileira pode gerar um agravante ainda desconhecido. A ameaça acaba de ser esclarecida por uma pesquisa inédita da Unicamp. O estudo revelou que, além da destruição do bioma, as queimadas na região provocam elevadas emissões de mercúrio na atmosfera, elemento altamente tóxico aos seres vivos. A investigação demonstrou que são liberados, anualmente, 12 toneladas de mercúrio com a queima da vegetação e do solo superficial da floresta. O cálculo considerou a taxa anual de desmatamento da região, estimada em 1,7 milhão de hectares no período entre 2000 e 2010. O trabalho foi coordenado pela oceanógrafa Anne Hélène Fostier, docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

PROJETO TEMÁTICO

“O mercúrio emitido pela ação das queimadas pode ser transportado em escala local, regional ou mesmo global. Isso acontece porque o elemento possui um longo tempo de residência na atmosfera, onde permanece, em média, um ano. Durante este tempo, ele é capaz de ‘rodar’ todo o planeta, razão pela qual é considerado como um poluente global”, alerta a pesquisadora. Ela desenvolve estudos nesta área há mais de uma década. As primeiras investigações sobre o assunto foram realizadas no final dos anos de 1990 no Estado do Amapá. O último trabalhou de campo na floresta aconteceu em setembro de 2011, em uma estação experimental da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada no Acre. Anne Hélène Fostier adverte que, uma vez lançado na atmosfera, o mercúrio pode ir para o solo ou para os corpos aquáticos. Nos rios, lagos e oceanos o elemento nocivo passa por um processo de metilação, que o torna ainda mais tóxico. “A metilação acontece no meio ambiente por via biológica e transforma o mercúrio inorgânico em orgânico, principalmente em metilmercúrio, uma das formas mais tóxicas deste elemento. Quando o metilmercúrio é incorporado pela cadeia alimentar, os riscos de intoxicação são muito grandes. É uma ameaça, sobretudo, para as populações ribeirinhas, que encontram nos peixes a sua principal fonte proteínica”, expõe a docente. Ainda de acordo com ela, qualquer processo que favoreça a incorporação de mercúrio na cadeia alimentar eleva os riscos imediatos de intoxicações para a população, tornando-se um problema local e regional. Em âmbito global, a preocupação com o poluente impulsionou a assinatura de um tratado em fevereiro último. Conhecido como Convenção de Minamata, o acordo objetiva reduzir as fontes de emissão de mercúrio do planeta. O Brasil é um dos signatários desta convenção. Para entrar em vigor, o acordo necessita da aprovação de 50 países. O nome do tratado é uma referência ao desastre na cidade de Minamata, no Japão, que intoxicou, por meio do mercúrio na água, centenas de pessoas. A tragédia ocorrida na década de 1920 deu origem à Doença de Minamata, uma síndrome neurológica causada pela intoxicação com o elemento químico. “A assinatura desta convenção internacional mostra o quanto a problemática das emissões de mercúrio na atmosfera continua sendo uma questão extremamente importante para a qualidade do meio ambiente”, sublinha a docente da Unicamp. Ela cita pesquisas internacionais que mostram uma multiplicação por três das concentrações de mercúrio na atmosfera no século passado em relação àquelas existentes na era pré-industrial. “Isso aconteceu devido a todas as emissões geradas pela ação do homem”, aponta Anne Hélène Fostier.

30 toneladas de mercúrio por ano podiam ser removidas da atmosfera somente por florestas da região da Bacia do Rio Negro. O atual estudo, desenvolvido pelo Javier Perez, veio justamente refinar todos estes dados. A região amazônica é uma área extremamente diversificada. Torna-se necessário, portanto, realizar investigações em vários lugares ao longo do tempo”, fundamenta Anne Hélène Fostier.

A professora e oceanógrafa Anne Hélène Fostier em trabalho de campo e com José Javier Melendez Pérez, seu orientando: transporte em escala global

REMOÇÃO A floresta amazônica tem papel imprescindível na remoção global do mercúrio da atmosfera, considera a cientista da Unicamp. Ela esclarece que as partículas de mercúrio presentes no ar são retidas na copa das árvores da floresta, que possuem uma grande área superficial. Outra parte do mercúrio é incorporada pelas folhas, por meio de troca gasosa com o ambiente. O elemento químico é pouco solúvel em água e possui alta volatilidade na temperatura ambiente. “A floresta é um sumidouro do mercúrio presente na atmosfera, proveniente tanto de fontes naturais, como antrópicas. Hoje, as maiores fontes antrópicas – aquelas geradas pela ação do homem – são a queima de combustíveis fósseis e as atividades de mineração, sobretudo a extração do ouro. O mercúrio está presente, naturalmente, nos oceanos e no solo”, explica. A queima da floresta emite de volta para a atmosfera o mercúrio contido no solo e na vegetação. Conforme Anne Hélène Fostier, pesquisas mundiais mostram que esta é a segunda maior fonte de emissão de mercúrio entre aquelas consideradas naturais. A ação dos oceanos é tida como a primeira. “Atualmente existem informações sobre a emissão pela queima de florestas em várias regiões do mundo. Porém, na Amazônia brasileira, os dados ainda são escassos, embora a região corresponda a 10% de toda a área coberta por floresta no mundo”, dimensiona a professora da Unicamp. Ela orientou estudo de mestrado que permitiu um refinamento dos dados obtidos nos últimos anos. A dissertação foi defendida em fevereiro de 2013 pelo engenheiro químico José Javier Melendez Pérez. Entre os principais resultados do trabalho, está o que calcula em oito toneladas a taxa anual de emissão de mercúrio na atmosfera devido à queima da floresta amazônica. Os dados empregados neste estudo foram adquiridos a partir de experimentos com queimadas programadas realizadas na estação da Embrapa na cidade de Rio Branco, capital do Acre. Foram coletadas e analisadas amostras de solos e vegetação da área experimental.

SOLO

A queima da floresta potencializa em pelo menos 50% a transferência do mercúrio para a atmosfera. Tal propagação ocorre no primeiro ano depois do desmatamento. Este é outro resultado importante das investigações coordenadas por Anne Hélène Fostier. O processo seria responsável por lançar mais quatro toneladas de mercúrio por ano na atmosfera, totalizando a emissão de 12 mil quilos do elemento tóxico no ambiente. O aumento desta transferência acontece porque o solo fica mais exposto à radiação solar devido à queima da floresta. Com isso, a troca gasosa do mercúrio presente no solo para a atmosfera torna-se mais favorável. “Por ser um elemento muito volátil, o mercúrio é liberado como consequência da queima da vegetação e do solo superficial. Mas isso acontece também após a queimada porque o solo está sem cobertura vegetal. Esta falta de vegetação favorece a troca gasosa entre o solo e a atmosfera. Quanto maior a intensidade luminosa, maiores são as emissões de mercúrio pelo solo quando este não está coberto por floresta”, explica. Estes resultados foram obtidos pelo pesquisador norte-americano Anthony Carpi, professor do John Jay College, da Universidade da Cidade de New York (Cuny), nos Estados Unidos. O norte-americano passou seis meses no Instituto de Química da Unicamp como pesquisador visitante. Ele contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Seu objetivo foi quantificar o mercúrio emitido pelo solo da floresta antes e depois de ter sido desmatada. A quantificação de mercúrio realizada por Anthony Carpi confirmou indícios de outra investigação realizada no início de 2000 por Anne Hélène Fostier na Bacia do Rio Negro, também na região amazônica. O estudo apontou que uma área desmatada do solo, independentemente se foi por queimada ou não, emite até 20 vezes mais mercúrio do que uma área coberta por vegetação. O mercúrio presente no solo pode ser originário de depósitos minerais naturais, mas também das partículas absorvidas da atmosfera pelas folhas das árvores. “Nesta época calculamos que cerca de

Os resultados das pesquisas coordenadas por Anne Hélène Fostier integram amplo programa de estudos destinado a quantificar as principais emissões provenientes das queimadas da floresta amazônica. O objetivo é dimensionar o impacto sobre as emissões atmosféricas, bem como estudar os parâmetros de combustão da mata. O projeto temático financiado pela Fapesp conta com a participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal do Acre (Ufac), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UNB), Universidade de Taubaté (Unitau) e Universidade Federal do Rio Grande (Furg). O programa é coordenado pelo docente João Andrade de Carvalho Jr., da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá (SP). “Há ainda, neste amplo projeto, outros estudos sobre a regeneração da floresta depois de uma queimada, além de formas de propagação do fogo. O projeto temático foi muito importante para nos dar o suporte logístico e de infraestrutura que uma pesquisa deste porte exige”, retribui a oceanógrafa. Ela também informa que obteve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

TÉCNICA

A determinação do elemento químico presente nas amostras coletadas na área experimental da Embrapa foi realizada por meio de um analisador direto de mercúrio. Conforme José Javier Pérez, o equipamento permite uma quantificação mais precisa, rápida e segura em relação aos métodos convencionais, executados por meio de reação química. “Esta técnica é mais robusta, o que permite a obtenção de resultados cada vez mais exatos. Infelizmente, ainda são escassos os dados sobre emissões de mercúrio decorrentes de queimas de florestas na região da Amazônia. Acredito que outros estudos similares deveriam ser realizados para aumentar a representatividade das informações obtidas”, observa. “Também estamos trabalhando com investigações visando obter mais dados sobre as concentrações de mercúrio em regiões industriais. O hemisfério norte possui levantamentos densos sobre isso. Em contrapartida, o hemisfério sul – Brasil em particular – tem poucos dados. E se o Brasil quiser, realmente, participar desta nova Convenção de Minamata, mostrando que está reduzindo suas emissões, primeiro vai ter que saber o quanto está emitindo”, completa a orientadora. Com a entrada em vigor do tratado, ela espera que os países signatários promovam ações de redução, principalmente nas atividades relacionadas à mineração e queima de carvão pelas termelétricas. Anne Hélène Fostier também aponta a necessidade de substituição de equipamentos que ainda utilizam o elemento químico, como termômetros, barômetros, lâmpadas fluorescentes, pilhas e baterias.

Publicação Dissertação: “Emissões de mercúrio proveniente da queima de floresta tropical na região de Rio Branco (AC, Brasil)” Autor: José Javier Melendez Pérez Orientadora: Anne Hélène Fostier Unidade: Instituto de Química (IQ) Financiamento: Fapesp e Científico (CNPq)


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Campinas, 8 a 14 de abril de 2013

Bom, simples e acessível Pesquisadora avalia e caracteriza 24 vinhos produzidos no Estado de São Paulo

Foto: Divulgação

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Os gregos antigos começaram o cultivo das videiras em suas colônias italianas, e o vinho já era então arrolado nos escritos do pensador Homero, que viveu no século VIII a.C. Veio a tecnologia, e a sua fabricação, que antes ocorria com a pisa da uva, ganhou novos ares à época do Império Romano, quando já se conheciam muitas variedades de uvas e técnicas de cultivo. A isso se somaram inovações na armazenagem e no transporte. Dando um salto, a bebida precisou passar por avaliações que atestassem a sua qualidade, que hoje fazem parte do seu processo. O resultado foi que o vinho se expandiu mundialmente. No Brasil, o Rio Grande do Sul (RS) é sempre evocado quando o assunto é o “nobre líquido” e sua composição. Mas o Estado de São Paulo é o mais importante produtor de uvas de mesa. Acontece que a sua participação na produção de vinho ainda é irrelevante. Caracteriza-se mais como consumidor – estudo recente do Instituto de Economia Agrícola indicou que o conjunto de produtores da região de Jundiaí elaborou, em 2007/2008, 337.660 litros de vinho, sendo que 94,6% foi comercializado. Uma tese de doutorado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) acaba de revelar que o vinho paulista é bom, mas, apesar de atender aos padrões de identidade e qualidade da legislação, necessita de intervenções para a melhoria dessa qualidade. O estudo é da bacharel em Ciência dos Alimentos Merenice Roberto Sobrinho, orientado pela docente da FEA Helena Teixeira Godoy. A autora confirmou isso após caracterizar físico-quimicamente 24 exemplares de vinhos produzidos a partir de uvas de variedades americanas, híbridas e de viníferas de 12 diferentes produtores de uvas e vinhos das regiões de Jundiaí, São Roque e São Miguel Arcanjo. A grande maioria, sustenta ela, não é vinho fino, de cultivares viníferas (espécie de videira usada na Europa) como o Cabernet Sauvignon, e sim um vinho comum de mesa, uma bebida jovem, que é produzida, engarrafada e já é vendida. A avaliação foi feita no recém-criado Laboratório de Ensaios em Bebidas do Serviço Nacional de Aprendizagem Nacional (Senai) de Campinas. Ali a autora desenvolveu ensaios de pH, acidez total, grau alcoólico, acidez volátil corrigida, anidrido

Plantação de uva destinada à produção de vinho na zona rural de São Miguel Arcanjo

sulfuroso total, metanol, acetaldeído e razão isotópica de carbono e oxigênio. Uma das principais constatações foi que os vinhos da safra de 2011 se mostraram ácidos e pouco estáveis. “Essas características se deveram à intensa incidência pluviométrica, que afetou a maturação e a qualidade sanitária das uvas. A fruta não atingiu maturação tecnológica capaz de produzir vinhos com graduação alcoólica adequada”, relata Merenice. Ela diz que, nesse caso, é até permitida a adição de açúcar exógeno para corrigir a graduação alcoólica, contudo a legislação limita tal correção em quantidade suficiente para produção de 3 graus GL de álcool. Só que a metodologia de razão isotópica de carbono aplicada detectou que 55% dos vinhos avaliados não atenderam ao limite da legislação. Por outro lado, a razão isotópica de oxigênio felizmente demonstrou que os vinhos não estavam adulterados por adição de água exógena, condição que evidencia a concorrência leal entre os produtores desse mercado. Sobre o metanol (um contaminante formado durante a fermentação alcoólica), Merenice lembra que ele deve ser monitorado ao longo do processo produtivo, a fim de atender ao limite legal de 350 mg/litro. No estudo, nenhum exemplar esteve acima desse limite. Quanto ao acetaldeído – um dos causadores da ressaca –, não há propriamente um limite na legislação. Alguns dados da literatura recomendam teores abaixo de 60 mg/l para vinhos de qualidade. Apenas um exemplar estudado apresentou 70 mg/l. Foto: Antoninho Perri

Merenice Roberto Sobrinho, autora da pesquisa, em laboratório do Senai: “Vamos chegar lá”

Uma bebida complexa O francês Château d’Yquem, conhecido como The blue chips, um dos melhores vinhos do mundo, é um exemplo de Sauternes botrytizado, conhecido como “Luz Engarrafada”, tamanha a admiração dos que um dia tiveram a oportunidade de degustá-lo. As uvas são atacadas pelo fungo Botrytis cinerea, que aumenta os níveis de acidez e açúcar, resultando em complexidade aromática inigualável. Diz-se que é uma bebida de ponta por ser produzida em pequena quantidade. Quem opta pelo vinho seco, consegue sentir mais os aromas secundários e terciários da fermentação alcoólica, da malolática – que

REVITALIZAÇÃO

Merenice verificou que SP, por produzir pouco vinho, comparado com o RS, nem faz parte das estatísticas de mercado. Em compensação, os vinhos do tipo artesanal ou regional têm feito sucesso entre consumidores. A vitivinicultura paulista é caracterizada por pequenos produtores reunidos em associações, com a peculiaridade de participarem de todas as etapas do processo: manejo das videiras, produção do vinho e venda na própria propriedade, em geral inserida no circuito das frutas e rotas de enoturismo dessas regiões, que compreendem os municípios de Atibaia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Campo Limpo Paulista, Jundiaí, Louveira, Morungaba, Valinhos, Vinhedo, Jundiaí, São Roque, São Miguel Arcanjo, Salto de Pirapora, Pilar do Sul e Buri. Nota-se que a vitivinicultura paulista está passando por uma revitalização cujos objetivos são melhorar a qualidade do produto, ações de marketing e incentivo ao empreendedorismo. Este processo, liderado pelo Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura de São Paulo, inclui políticas envolvendo órgãos públicos e privados como a Unicamp, Instituto Agronômico, Embrapa Meio Ambiente e Embrapa, Apta de Jundiaí, Sebrae, Fiesp e Senai. São Roque tem aderido a esse empreendedorismo. Os produtores vêm investindo em suas propriedades instalando restaurantes, cafés, bares e atraindo cerca de 3 mil pessoas por final de semana, para desfrutar da paisagem rural e consumir os vinhos artesanais. A ideia então é que SP cresça cada vez mais nessa produção, já que possui o posto de maior consumidor do país. Ocorre que ainda 75% dos vinhos consumidos no país são importados. Por isso, novas regiões de produção de uvas finas estão surgindo no Estado. O Senai, no caso, vem se colocando no front da revitalização do vinho, sobretudo com esse laboratório de ponta instalado em Campinas, a pedido dos Sindicatos da Uva e do Vinho de Jundiaí e São Roque, de modo a atender esse mercado e auxiliar – num futuro próximo – as vinícolas quanto à indicação de procedência e denominação de origem. Há pouco, Merenice foi aprovada no concurso do Senai para coordenar esse trabalho. Segundo ela, no Brasil, são dois os laboratórios que atuam com a metodologia de isótopos estáveis para atestar a denominação de origem e indicação de procedência. O Senai

tem a função de amaciar os vinhos – e do envelhecimento em barricas. Um vinho fino indicado ao envelhecimento deve ser encorpado e com boa embocadura. Para quem não aprecia o vinho seco, e sim um doce, o vinho de americanas é o vinho recomendado ou “os sauternes, que são finos e doces denominados vinhos de sobremesa”, conta a pesquisadora. Já os vinhos de viníferas de colheita tardia passam por um processamento no qual a fermentação alcoólica é interrompida quando se atinge 8-9 graus alcoólicos. Ainda sobra açúcar para deixar esse vinho levemente adocicado.

Campinas sedia então um deles, com infraestrutura capaz de abranger todo mercado de bebidas. Nesse sentido, é único no país.

QUALIDADE O ESP consome, além dos vinhos de mesa de cultivares americanas ou híbridas, vinhos de uvas viníferas. Setenta e cinco por cento do vinho de viníferas comprado no país é importado do Chile, Argentina, França e Itália. “Mas temos vinhos de uvas viníferas no RS com qualidade próxima à dos nossos vizinhos, em especial os brancos e espumantes, que inclusive têm se destacado em concursos internacionais. Se comparados esses vinhos com os do Chile e Argentina, eles não perdem em nada”, comenta a doutoranda. Ocorre que, quando o brasileiro vai ao mercado escolher um rótulo de vinho, acaba optando por um importado. “O nosso vinho, em termos de preço, é mais caro devido às altas tributações”, sinaliza ela. “Precisamos continuar investindo no plantio de uvas viníferas em locais propícios, nos quais as uvas estejam perfeitamente adaptadas para fazer vinhos de qualidade e competir em pé de igualdade com os vizinhos. Vamos chegar lá”. Merenice informou que o país consome apenas 1,8 litro de vinho per capita por ano, contra os 30 litros de vinho da Argentina e os 50 litros da Europa. “Carecemos de investimentos em marketing para alavancar o consumo”, sentencia. A primeira iniciativa nesse sentido foi tomada por escolas de samba do Carnaval de SP, cujo tema foi o vinho e, no ano que vem, também pelas escolas do Rio de Janeiro. Vinhos brancos, tintos, de cultivares de uvas americanas e viníferas. A doutoranda não os distinguiu na pesquisa porque o mercado já é diminuto. Entretanto, ficou surpresa com a notícia de que agora começam a surgir vinhos em lugares mais favoráveis ao plantio de uva, como Itobi, Divinolândia, S. Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, e E.S. do Pinhal, que investem em uvas de cultivares viníferas e que em breve devem demandar uma denominação de origem, indicação de procedência. Por outro lado, há que se considerar que o estudo de Merenice foi efetuado na safra de uva de 2011, de alta incidência pluviométrica. Como o microclima teve uma umidade relativa elevada, aumentaram as doenças do cacho. Assim, a acidez do vinho refletiu a condição da uva, que não chegou à maturação e, portanto, à qualidade ideal. Na região de Jundiaí, choveu três vezes o esperado para o período. Por isso, em nova pesquisa, a autora sente a necessidade de avaliar mais de uma safra, cuja incidência pluviométrica não seja tão alta.

Publicação Tese: “Caracterização físico-química do vinho paulista” Autora: Merenice Roberto Sobrinho Orientadora: Helena Teixeira Godoy Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)


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‘Nós’ e ‘outros’ na

Rússia xenófoba Tese aborda recrudescimento do racismo contra os chechenos no contexto pós-socialista Fotos: Divulgação

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

aumento do preconceito racial e da xenofobia na Rússia contemporânea: este é o tema da tese de doutorado de Cristina Antonioevna Dunaeva, historiadora russa engajada no movimento pela autodeterminação da Chechênia. A autora defendeu a tese no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) em março, sob a orientação do professor Omar Ribeiro Thomaz, com a proposta de contribuir para o debate científico em torno do contexto pós-socialista, póstotalitarista e pós-colonialista. Nascida em Moscou, filha de mãe russa e pai brasileiro, Cristina Dunaeva veio para o Brasil em 1999 e tem retornado periodicamente à terra natal. Conta que marcaram sua vida os relatos de Lida Iussúpova, advogada e escritora chechena que acabava de participar do Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2004. “Ela teve problemas com a passagem de volta e, a pedido de conhecidos comuns, ficou hospedada por três dias na minha casa em São Paulo. Foi a primeira pessoa chechena que conheci.” A Chechênia, explica a autora da tese, fica no Cáucaso Setentrional, região conflituosa por reivindicar sua independência desde a colonização pelo império russo, no século XIX. Após o fim do império russo, chechenos e outros povos da região lutaram pela autodeterminação, desta vez contra a União Soviética. Dissolvida a URSS, Chechênia e Tatarstão foram as duas únicas unidades que se recusaram a assinar o acordo de integração à Federação Russa, em 1992. Boris Iéltsin ordenou então a tomada de Grozny, capital chechena, na virada de 1994 para 1995, com bombardeios aéreos a bairros residenciais e hospitais – a mídia misturava notícias da guerra com a programação festiva de fim de ano e a morte de 200 mil civis foi omitida. Esta guerra durou até 1996 e recomeçou em 1999, no período de renúncia de Iéltsin e eleição de Vladimir Putin, agora apresentada como uma operação contra terroristas. Lida Iussúpova, ativista dos direitos humanos que viria a ser indicada ao Nobel da Paz (2006 e 2007) e laureada com o Prêmio Thorolf Rafto (2005), presenciou acontecimentos trágicos na Chechênia, como assassinatos e sequestros da população civil. “Ela deixou comigo relatórios produzidos pela

EXPOSIÇÃO Grozny, capital da Chechênia, em foto feita em 2003 por autor desconhecido; a imagem foi cedida pela escritora e ativista dos direitos humanos Lida Iussúpova

Memorial, uma ONG russa que a partir da década de 1980 começou a tratar das novas migrações e da situação dos refugiados dos conflitos. Sugeriu que eu reproduzisse parte do material em português.” Cristina Dunaeva confessa a revolta consigo mesma por não fazer ideia, quando moradora de Moscou, do enorme sofrimento humano na Chechênia. “Juntamente com um companheiro, comecei a organizar exposições de fotografias em São Paulo e outras cidades brasileiras, e também na Venezuela, Portugal e Espanha, além de contatar grupos na França e na Rússia. Paralelamente, ingressei no programa de doutorado em Ciências Sociais da Unicamp para pesquisar essa temática.” De acordo com a historiadora, se a comunidade internacional aceitava a ocorrência de violações aos direitos humanos na Chechênia, incomodava-a o total silêncio sobre a questão quando viajava à Rússia. “Ninguém pensava nas guerras como sendo ações criminosas do governo e do exército que, pelo contrário, recebiam apoio, por que os chechenos eram percebidos como ameaçadores e terroristas. Na mesma época, em 2004 e 2008, intensificou-se nos grandes centros a violência contra migrantes e estudantes africanos, latino-americanos e asiáticos. Ficava cada vez mais evidente a atuação de muitos grupos de extrema direita, que perpetuavam essas práticas.”

“NÓS” E “OS OUTROS” Cristina teve um coorientador na sua pesquisa de campo em Moscou, o professor Viktor Shnirelman, que escreve sobre racismo contemporâneo, grupos de extrema direita e construções históricas de identidades étnicas. “Na Rússia, a discriminação se dá pela diferença étnica. Durante a União Soviética, a Chechênia era a república com maior índice de desemprego e piores condições de educação e de saúde: trata-se de um grave problema social, mas que vai ser disfarçado como sendo de diferença étnica, até por que no socialismo entendia-se que as classes sociais não mais existiam.” A autora intitula os dois capítulos seguintes à introdução como “Nós” e “Outros”. Os primeiros, compreendidos como os moradores de Moscou e os russos em geral, que detêm o poder na localidade e se denominam como grupo receptor dos migrantes recém-chegados das outras regiões do país (os outros). “As estatísticas não são confiáveis, pois os migrantes que trabalham legalmente são minoria. Moscou possui oficialmente 11 milhões de habitantes e a população ilegal é estimada entre 1 e 4 milhões, segundo fontes diferentes.” A pesquisadora afirma que chechenos e caucasianos, os mais discriminados, não possuem peculiaridades físicas que denunciem sua etnia e todos, inclusive, falam o russo, como era regra na URSS. “Porém, persiste daquela época a obrigatoriedade de constar a nacionalidade no documento de identidade. E também existe até hoje um controle rígido do Estado sobre a mobilidade das pessoas: para trabalhar em outra cidade, é necessário

Publicações

Piquete contra a guerra na Chechênia ocorrido em 2004 em São Petersburgo, em foto de Fernando Bomfim, professor do curso de Pedagogia na UFRN

obter o registro de permanência, com a presença em cartório do proprietário do imóvel onde a pessoa vai residir. Para um checheno, é uma enorme dificuldade conseguir um emprego e alugar uma casa.” O estigma envolvendo os migrantes, como observa Cristina Dunaeva, aumentou bastante com os atos de terrorismo – tomadas de reféns, explosões de prédios e de estações do metrô – atribuídos inicialmente aos chechenos e, por conseguinte, aos caucasianos. A guerrilha chechena assumiu algumas ações e outras, não. “Potencialmente, são todos terroristas perigosos, registrando-se muitas prisões arbitrárias devido ao preconceito. Os migrantes ficam extremamente vulneráveis, por causa da dificuldade de garantir emprego, moradia, escola para os filhos e acesso à saúde.”

Tese: “Preconceito racial e xenofobia na Rússia contemporânea: os mecanismos de categorização étnica e a dicotomia entre ‘nós’ e ‘outros’” Autora: Cristina Antonioevna Dunaeva Orientador: Omar Ribeiro Thomaz Coorientador: Viktor Shnirelman Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Vista de campo de refugiados da guerra na Chechênia, na Inguchétia, república vizinha, em foto feita em 2002 por Said Magomiédov

Foto: Antonio Scarpinetti

Como desdobramento da sua tese de doutorado, Cristina Dunaeva organizou a exposição “Entre as montanhas da Chechênia e as ruas de Moscou – registros de uma pesquisa de campo”, com imagens cedidas por fotógrafos que trabalharam nos campos de refugiados chechenos. “Procurei colocar um mínimo de texto para destacar as expressões dos refugiados, que permaneceram nessa condição extremamente precária por anos e anos seguidos. Sem ter como se manter (grande parte veio das áreas rurais), eles dependiam de ajuda humanitária, mas pelo menos não corriam tanto risco de vida.” Esta página traz algumas fotos da mostra aberta durante todo o mês de março na Biblioteca Octavio Ianni, do IFCH. Uma delas, de autoria desconhecida e cedida por Lida Iussúpova, registra a destruição causada pelos bombardeios aéreos a Grozny, capital da Chechênia. Outra fotografia é de Said Magomiédov e oferece um panorama do campo de refugiados de Inguchétia (república vizinha da Chechênia) em 2002. O mesmo fotógrafo mostra refugiados da vila Kenkhi fugindo para o Daguestão (outra república vizinha), após bombardeios aéreos da Rússia em 2002. O piquete em São Petersburgo contra a guerra na Chechênia (2004) foi fotografado por Fernando Bomfim, professor da UFRN. De acordo com Cristina Dunaeva, o governo russo declarou como terminada a guerra na Chechênia, mas atualmente ela se alastrou pelos territórios vizinhos. “Quase diariamente saem nos jornais da Rússia notícias sobre explosões de ferrovias, de estradas e de unidades militares ou policiais, e sobre confrontos entre o exército e os guerrilheiros não somente na Chechênia, mas em todo o Cáucaso Setentrional: na Inguchétia, no Daguestão, na Kabardino-Balkária e na Karatcháievo-Tcherkéssia. As unidades do exército continuam atuando na região e as práticas de sequestro de moradores supostamente envolvidos com a guerrilha, de ativistas de direitos humanos ou de jornalistas, por desconhecidos encapuzados, tornaram-se rotina.” Cristina Dunaeva, autora da tese: “Na Rússia, a discriminação se dá pela diferença étnica”


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‘Era uma vez uma história contada outra vez’

Tânia Alves (à esq.), autora do estudo, e a professora Márcia Strazzacappa, coordenadora do projeto: educação infantil como espaço transformador e prazeroso

Dissertação de mestrado integra projeto sobre educação infantil

Foto: Antoninho Perri

Ao abrir minhas janelas e avistar o ‘Reino Encantado da Educação Infantil’, aprendi a olhar e pude ver essas ‘pequenas felicidades’ existentes neste espaço. Os habitantes deste Reino, adultos e crianças, podem ser para além de reis, rainhas, príncipes e princesas, podem enveredar-se pelas trilhas das narrativas e adentrar no portal da dramatização, seguindo para onde a sua imaginação os levar.” Assim a educadora Tânia Alves inicia as considerações sobre sua pesquisa desenvolvida para a dissertação “Narrativa e dramatização nos entrelugares da educação infantil”. Sua investigação está entre as dissertações de mestrado desenvolvidas dentro do Projeto “Era uma vez uma história contada outra vez”, único na região Sudeste selecionado na primeira edição do Pró-Cultura, financiado pelos ministérios da Cultura (MinC) e da Educação (MEC), em 2009. Parados, sentados ou debruçados em centenas de pedacinhos de papel com letras e números que mais à frente deveriam memorizar para ser alfabetizados. Este foi o cenário que chocou, na década de 2000, a então novata educadora Tânia Alves. A experiência com dança, teatro e canto adquirida na infância talvez não pudesse ser aplicada naquele espaço, mas alguns momentos de ousadia foram importantes não só para organizar cadeiras em círculo, mas também para ampliar o espaço livre e iniciar movimentos e dramatizações. Isso porque criança precisa movimentar o corpo, e Tânia resolveu proporcionar isso por meio da dramatização e da arte de contar histórias. Enredos os mais variados surgiram e ainda surgem das experiências das próprias crianças e não do tradicional “teatrinho” de escola, semipronto ou pronto, ou seria imposto. Assim Tânia foi transformando, em seu pequeno, o espaço da educação infantil e ao mesmo tempo seu ambiente de pesquisa, já que lá nasceram todas as reflexões presentes na dissertação. Do mesmo modo, o espaço da educação transformava sua prática. Assim como a oportunidade de participar de cursos na academia, mudou sua vida. Depois de alguns anos da formatura em pedagogia pela Unicamp, em 2004, ela teve oportunidade de participar do curso “Educação, corpo e dança”, oferecido pelo Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação (Laborarte) da Faculdade de Educação em parceria firmada com a Prefeitura de Campinas. Ao cuidar de seu pequeno espaço, Tânia viu sua iniciativa se transformar em projeto maior, dentro da escola e sequencialmente em outras unidades da rede pública de ensino. As reflexões que permeiam a pesquisa são feitas a partir do olhar obtido nessas experiências todas. As reflexões autorizam Tânia a afirmar que é possível fazer do espaço de educação infantil um ambiente transformador, alegre e prazeroso, com respeito ao direito da criança de viver sua infância. Com respaldo na teoria histórico-cultural de Vygotsky e nas teorias da pedagogia da infância, Tânia disse ter tomado a iniciativa de reclamar na educação infantil um trabalho que envolva a arte e as expressões corporais e estéticas das crianças por meio da narrativa e da dramatização. “De acordo com as teorias, a criança precisa de tempo livre para criar, brincar, imaginar, fazer de conta, o qual é imprescindível para o desenvolvimento nesta etapa da vida”. Ela acrescenta que, de acordo com os teóricos, essa prática supera a de um ensino antecipado, que acaba encurtando a infância e desrespeitando o direito da criança. A desenvoltura torna mais convincente o encontro entre o real e o fantasioso no imaginário narrado pelos pequenos contadores acompanhados por Tânia. Ao alinhavar a prática às teorias que tratam as crianças como produtoras culturais, donas de seu processo de criação, a educadora constata que a arte pode ampliar o repertório infantil, pois ao ouvir e narrar, o imaginário delas é desafiado e as torna mais criativas, desenvoltas

e permite misturar o real com a fantasia. “Nessa fase, as crianças aprendem mais enquanto brincam e entram nesse mundo do faz de conta.” Tânia acentua que, de acordo com o modelo histórico-cultural, os traços de cada ser humano estão intimamente relacionados ao aprendizado e à apropriação do legado do seu grupo cultural. A história educativa e as experiências das crianças, relacionadas ao grupo social e à época em que eles se inserem, influenciam o comportamento e a capacidade cognitiva, de acordo com a pesquisadora. Diante disso, ela aponta a importância de o professor estabelecer uma prática pedagógica que valorize a arte e suas linguagens artísticas. “É possível que este tipo de trabalho aconteça no ambiente de educação infantil. Procurei promover experiências estéticas e corporais, não somente às crianças, mas às profissionais também.” Tânia garante que as práticas vivenciadas durante a pesquisa se mostraram de grande importância no desenvolvimento da capacidade imaginária e criativa das crianças. Mais que um argumento, as palavras sobre a atuação profissional traduzem um sonho da educadora: o de poder, um dia, apreciar ainda uma formação capaz de estimular profissionais de educação a desenvolverem atividades corporais com as crianças. Isso, em sua opinião, viria contrariar o modelo escolar em que os pequenos escolares permaneçam sentados na maior parte do tempo. O relato da vivência proporcionada às professoras participantes, bem como as observações pertinentes no texto da dissertação, deixam clara a necessidade de um investimento maior numa formação de qualidade das profissionais e no trabalho com a arte nas instituições de educação infantil. “O lugar da arte ainda é muito pequeno no ambiente da educação infantil.” Ao contrário da ideia de que em todas as unidades de educação infantil as crianças podem se expressar livremente para brincar, os registros revelam que existem muitas práticas pedagógicas a tratar as crianças pequenas igualmente às do ensino fundamental, com o objetivo de prepará-las para ingressar nesta escola. Segundo Tânia, as crianças acabam sendo submetidas à prática intensa do desenho de letras e números que, muitas vezes, não lhes fazem nenhum sentido. “Esse modelo institucional escolarizante se revelou, durante minha trajetória profissional, como uma organização da vivência infantil apartada dessas experiências artísticas e sensíveis.” Tânia constata que a escola infantil é local de contradições, onde duas práticas se chocam: aquela que vê a criança como produtora de cultura almejando um trabalho significativo com a arte, e outra escolarizante, com vista à preparação para o ensino fundamental. “A contradição, no entanto, não é algo a ser expulso, mas deve ser vista nas negociações entre as profissionais do espaço educativo, como uma potencial ferramenta de movimentação do cotidiano infantil e uma possibilidade de formação de parcerias”, argumenta. Para ela, quanto mais os profissionais oferecerem, neste espaço, oportunidades de experiências ricas e diversificadas, mais as crianças terão a chance de vivenciar situações desafiadoras que lhes tenham sentido, o que oferece condições para a formação de novos interesses infantis. “Nesse ponto, o papel docente envolve planejamento, organização do espaço e execução de atividades capazes de tornar isso possível.”

LUGAR DA ARTE A exploração do espaço escolar também é questionada na dissertação de Priscilla Vilas Boas, intitulada “A improvisação em Dança: um diálogo entre a criança e o artista professor”. A expressão artística escolhida

MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br

por Priscila para trabalhar com crianças de 7 a 11 anos da Escola Municipal de Iniciação Artística do Município de São Paulo (Emia) foi a dança. As atividades de improvisação realizadas no espaço, uma unidade do Departamento de Expansão Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, ajudou a refletir sobre um modo de ensino que respeite o desejo de todos os envolvidos no processo de construção do conhecimento e se desprenda de estruturas rígidas impostas em muitos ambientes escolares. O projeto, segundo a educadora, propõe a iniciação de seus alunos nas linguagens artísticas de maneira integrada e de forma a estimulá-los a ser autores e propositores durante sua própria construção de conhecimento em dança. Na academia, a discussão sobre o lugar da arte no ambiente escolar se amplia. O projeto “Era uma vez uma história contada outra vez”, com patrocínio dos ministérios, é um exemplo disso. Coordenadora geral do projeto e orientadora das dissertações de Tânia e Priscila, Márcia Strazzacappa não titubeou ao tomar conhecimento do edital, que previa um projeto com duração de dois anos e a titulação de três mestres. Entrou em contato com as professoras Karenine Porpino, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Valéria Figueiredo, criadora do curso de dança na Universidade Federal de Goiás, e submeteu o projeto. A iniciativa resultou em três dissertações, duas da Unicamp e uma da UFRN, oficinas de formação e na produção de um CD com libreto com mesmo título do projeto. Márcia ressalta a importância de o professor poder ser um pesquisador na escola, já que este é o ambiente de pesquisa de um educador. E tanto Tânia quanto Priscila puderam conferir a boa qualidade dos resultados da pesquisa dentro da escola. Para Márcia, o projeto é mais uma motivação para que o conto seja explorado no espaço escolar e, dessa forma, a expressão artística. Professora da disciplina Educação, Corpo e Arte, ela explica que as atividades de expressão corporal têm tido impacto no trabalho de professores formados pelo curso de pedagogia. A disciplina que iniciou como eletiva, hoje é exigida no currículo do curso. Além da pós-graduação de Priscila e Tânia, Márcia comemora o resultado apresentado no evento de encerramento do projeto, em dezembro do ano passado, em que, numa rodada de narração de histórias, professores se desprenderam do nó que os mantinha naquele cenário relatado por Tânia em sua primeira experiência profissional. Optamos por ter um evento rico em qualidade e não quantidade de pessoas. Foi enriquecedor pela qualidade das histórias e do público”, comenta Márcia. A resposta dos professores-contadores deixa a esperança de que as letras antes recortadas, fragmentadas, agora estão unidas novamente nos enredos saídos da imaginação dos pequenos autores. Os corpos mirrados, antes enfileirados, agigantaram-se diante a possibilidade de se comunicar com todos os cantos da sala, cada vértice do pátio escolar. Descobriram que a roda de conversa da professora Priscila se move. E a sala de aula não será mais a mesma.

Publicação Dissertação: “Narrativa e dramatização nos entrelugares da educação infantil” Autora: Tânia Alves Dissertação: “A improvisação em Dança: um diálogo entre a criança e o artista professor”. Autora: Priscilla Vilas Boas Orientadora: Márcia Strazzacappa Unidade: Faculdade de Educação (FE)


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Estudo mostra como fibras de colágeno se organizam na pele Trabalho foi coordenado pelo professor emérito da Unicamp Benedicto de Campos Vidal MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

os 83 anos e meio de idade, como faz questão de precisar, o professor emérito da Unicamp e docente do Instituto de Biologia (IB), Benedicto de Campos Vidal, continua ativo e promovendo importantes descobertas na área de Biologia Celular e Estrutural. Recentemente, uma das pesquisas coordenadas por ele gerou um artigo que foi publicado na destacada revista científica PLoS One. No trabalho, o cientista e sua equipe revelam como as fibras de colágeno se organizam na pele, a partir de investigações em modelo animal. Segundo o estudo, elas se arranjam de modo a formar feixes que se distribuem em diferentes posições, inclusive no plano da profundidade. “Informações como estas são importantes porque podem contribuir para o desenvolvimento de métodos terapêuticos voltados à recuperação de lesões de pele de vários tipos”, explica Vidal. O estudo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De acordo com o docente do IB, a ideia que orientou a pesquisa não surgiu por acaso. Ela tem conexão com estudos realizados por ele ao longo dos últimos 50 anos. Em 1965, por exemplo, Vidal sistematizou uma característica óptica das fibras de colágeno, típica de materiais cristalinos e com alta organização molecular: a birrefringência de forma, que consiste na propriedade de originar raios refratados (as fibra de colágeno têm dois índices de refração perpendiculares entre si; são biaxiais) a partir de um único raio incidente. “A birrefringência pode revelar muito da morfologia, da ordem molecular e da orientação das fibras de biopolímeros como o colágeno”, afirma Vidal.

No tendão, prossegue Vidal, as fibras de colágeno estão alinhadas entre o osso e o músculo, de tal forma que qualquer esforço aplicado faz com que elas sigam na direção do eixo do próprio tendão. “Na pele, o arranjo das fibras é diferente. Para tornar esse aspecto mais claro, tomemos a imagem de uma pessoa exercendo pressão sobre a própria pele. O que ocorre é que as fibras seguem na direção da força aplicada. Se o esforço for feito em outra direção, as fibras o acompanharão. Ou seja, qualquer que seja a incidência do esforço, as fibras se alinharão para ficar o mais paralelamente possível ao vetor desse esforço, inclusive no plano perpendicular”, diz. Para que a pele se comporte dessa maneira, prossegue o docente, é preciso que haja, em dimensão microscópica, um arranjo específico. “Isso vinha sendo cogitado por diversos autores, mas faltavam detalhes sobre como essa organização acontece em profundidade. O que este trabalho recente fez foi justamente decifrar essa morfologia”. Para descrever em minúcias como se dá o arranjo das fibras de colágeno na pele, Vidal e sua equipe usaram tecidos extraídos de ratos. Estes foram analisados com o auxílio da microscopia de polarização.

Baseado na capacidade das fibras de colágeno de interagirem com a luz, o pesquisador concebeu um método para identificar e medir a birrefringência desse material. O objetivo do procedimento, que posteriormente mostrou-se exequível, era investigar as propriedades ópticas das fibras, para desvendar como elas se organizam na pele. Neste ponto, vale lembrar que o professor emérito da Unicamp já havia realizado um trabalho parecido com tendões. “Estudei pormenorizadamente as propriedades do tendão. Estipulei, por exemplo, que ele não é um sólido e nem um líquido, mas um cristal líquido fibroso, tipo ‘twisted grain boundary’, que tem capacidade de mudar o plano de polarização da luz”, detalha.

O microscópio de polarização, esclarece o professor emérito da Unicamp, possui uma fenda na qual é colocado um cristal compensador. Ele leva essa denominação porque combina a birrefringência dos feixes de colágeno com a sua própria birrefringência. Assim, quando os valores das birrefringências se mostram iguais e de sinais contrários, a birrefringência do colágeno é anulada e a imagem dos feixes fica escura. Quando a estrutura molecular da fibra está na mesma orientação da estrutura do cristal, os feixes brilham. O brilho da birrefringência, assinala Vidal, varia de acordo com a direção das fibras, que se juntam para formar os feixes. “Dentro do próprio feixe há variação de brilho, pois as fibras se retorcem formando hélices, o que não havia sido descrito antes. Esses feixes, por sua vez, também se enrolam criando novas hélices, dando origem a uma estrutura helicoidal, ou seja, forma-se uma estrutura quiral [assimétrica]”. Como esse brilho é quantitativo, Vidal e sua equipe trataram de medi-lo com uma técnica específica. “Com isso, foi possível comprovar que as fibras de fato se organizam em feixes, que por sua vez apresentam

variações de posição”. Constatado o arranjo no plano bidimensional, faltava, ainda, verificar se ele também se mantinha em profundidade, ou seja, no nível tridimensional. “Através da microscopia, nós fizemos uma espécie de mergulho nas amostras de tecidos. Ao analisarmos a intensidade e a variação do brilho das fibras de colágeno, foi possível constatar que no plano tridimensional esse arranjo também acontece”, assegura o professor do IB, que acrescenta: “Este aspecto de documentação tridimensional é uma equivalência à microscopia confocal, mas, guardadas as diferenças metodológicas, fornece mais informações que aquela”. Tais descobertas, pontua Vidal, podem ajudar a orientar estudos voltados ao desenvolvimento de terapias regenerativas, destinadas a pacientes que apresentam lesões de pele. “Por hipótese, é possível que o uso de massagens e a aplicação de luzes, como o laser, provoquem respostas biofotônicas que favoreçam o tratamento”, cogita o professor emérito da Unicamp. Assinam o artigo junto com ele a bolsista PIBIC do IB, Juliana Fulan Ribeiro; o técnico do laboratório, Eli Heber dos Anjos; e a também docente do IB, Maria Luiza S. Mello. Foto: Antoninho Perri

O professor Benedicto Vidal: “Informações podem contribuir para o desenvolvimento de métodos terapêuticos voltados à recuperação de lesões de pele de vários tipos”

A busca do novo de um pioneiro Durante a entrevista que deu origem a esta reportagem, Vidal forneceu cada informação com perceptível entusiasmo. Questionado sobre qual a motivação para continuar pesquisando, dando aulas e orientando estudantes de pós-graduação aos 83,5 anos, mesmo estando aposentado, ele respondeu que o estímulo está na satisfação que a atividade intelectual proporciona. “Sempre fui muito curioso; sempre procurei buscar o novo”, justifica. Tal característica foi destacada no Jornal da Unicamp, em matéria publicada em agosto de 2005. O texto traçava um perfil do docente e trazia alguns dados curiosos da sua biografia. Um deles revelava que a queda de Vidal pela ciência se manifestou ainda na infância, por volta dos 10 anos. Nessa fase, ele cos-

tumava frequentar o laboratório de prótese do tio, um experiente cirurgião dentista. Sua brincadeira preferida era colecionar insetos, que eram colocados em tubos de vidro descartados pelo parente adulto, após a aplicação de anestesia em seus pacientes. O garoto separava os animais de acordo com o tamanho e as características físicas. Depois, perguntava-se sobre as razões que determinavam as diferenças entre os bichos. A curiosidade demonstrada naquela época marcaria toda a sua vida. Vidal ingressou na Unicamp, por assim dizer, antes mesmo da Universidade ser fundada. Formado em Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP), em 1953 ele foi contratado como docente e ajudou a organizar a Faculdade de Odontologia de Piracicaba

(FOP), que mais tarde seria incorporada à Universidade. Na FOP, foi responsável pela organização dos departamentos de Patologia Oral, Periodontia e Endodontia. Em 1969, foi convidado pelo professor Zeferino Vaz, fundador da Unicamp, para trabalhar na Universidade, que ainda estava sendo estruturada. Aceitou, mas antes passou dois anos na Alemanha aprofundando seus conhecimentos. “Cheguei de vez a Campinas em 1972. Naquela época, meu laboratório não tinha mais do que 20 metros quadrados. Meus equipamentos se resumiam basicamente a um microscópio comprado pelo Zeferino Vaz e outro doado por uma instituição alemã. Conduzia minhas pesquisas com boa dose de improvisação”, descreveu, por ocasião daquela entrevista.


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Nas bancas

Engenheiro detecta chumbo em tampa de três marcas de iogurte Fotos: Antonio Scarpinetti

Testes feitos no Ital mostram que é alta a concentração do metal em frascos RAQUEL DO CARMO SANTOS kel@unicamp.br

Em análises feitas em embalagens plásticas de 900 ml de iogurte de três marcas diferentes comercializadas em supermercados de Campinas foi detectada alta concentração de chumbo nas tampas dos frascos. Os testes foram realizados pelo engenheiro de alimentos Paulo Henrique Massaharu Kiyataka, no Centro de Tecnologia de Embalagem do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Os resultados constam de sua dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Na avaliação do engenheiro, essas tampas não poderiam ser utilizadas. “Apesar de o contato entre a tampa e o alimento ser mínimo, não há como negar o risco de ocorrer a migração do chumbo para o iogurte, principalmente no manuseio. Um exemplo é o transporte deitado do produto ou estocado de ponta cabeça”, alerta. Kiyataka, que realiza este tipo de análise há 13 anos, fez os testes em potes de sorvete de dois litros, e em embalagens de bebidas lácteas de 200 ml e 900 ml para verificar a presença de chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio. Uma segunda etapa do trabalho foi verificar a migração dos elementos para os alimentos armazenados nas embalagens estudadas, de iogurte e sorvete, e a migração utilizando um simulante, solução de ácido acético 3%, conforme estabelecido pela da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos testes com alimentos e com o simulante, não se observou a migração, exceto nas tampas de frascos de 900 ml de iogurte, que apresentaram uma migração de chumbo para o simulante que representa aproximadamen-

te 0,01% do teor total de chumbo presente nas tampas avaliadas, índice superior ao limite estabelecido pela legislação Anvisa. O resultado desperta outra preocupação do engenheiro: a questão ambiental, pois os elementos estudados podem contaminar o meio ambiente por serem tóxicos. Para ele, não existe uma conscientização do consumidor em relação ao descarte deste tipo de material e, se disposto de forma inadequada, pode contaminar solo e água. As embalagens estudadas são feitas de polímero, que é degradado no meio ambiente, mas as substâncias inorgânicas demoram mais para se deteriorar e, com isso, aumenta o risco de contaminação. “Ou seja, o material de embalagem para alimentos deve ser bem especificado, além de ser compatível com o produto acondicionado. Não deve ser uma fonte de contaminação para o alimento e para o meio ambiente, quando a mesma for descartada”, esclarece. Ele lembra que o uso de embalagens de polímero para contato com alimentos tem crescido muito nos últimos anos. O consumo de produtos industrializados é o motivo deste aumento, e os contaminantes inorgânicos – tais como os elementos analisados –, cujas maiores fontes são aditivos, podem fazer parte da embalagem e migrar para o alimento. Para o autor do estudo, que teve a orientação da professora Juliana Azevedo Lima Pallone, a presença de tampas com alto teor de chumbo é uma falha verificada na indústria de embalagens, na indústria de alimentos e no órgão fiscalizador, demonstrando que o processo de fabricação precisa ser mais bem controlado. Segundo o engenheiro, a indústria de alimentos precisa estar mais atenta à qualidade do material adquirido, uma vez que

Embalagens analisadas: é grande o risco de o chumbo migrar para o iogurte

se trata de acondicionamento de alimentos que serão ingeridos pelo consumidor. Kiyataka alerta também para a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa por parte da Vigilância Sanitária. “Pelos resultados, notou-se que há o uso de aditivos e substâncias com arsênio, cádmio e, principalmente, chumbo ou matériasprimas contaminadas com esses elementos na produção de embalagem, indicando a necessidade de uma melhor conscientização por parte do fabricante de embalagem e do usuário, fiscalização e uma legislação ambiental”, defende. Em sua opinião, é preciso estabelecer limites máximos de contaminantes inorgânicos em embalagens, semelhantes aos existentes nos Estados Unidos e na Europa.

O engenheiro de alimentos Paulo Henrique Massaharu Kiyataka: falhas na cadeia produtiva

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Dissertação: “Chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio em embalagens poliméricas para alimentos por ICP OES” Autor: Paulo Henrique Massaharu Kiyataka Orientadora: Juliana Azevedo Lima Pallone Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Estudo aponta deficiência de proteína pós cirurgia bariátrica Ingestão fica abaixo do recomendado, passados seis meses do procedimento

Em 88% de 36 pacientes avaliados que passaram pela cirurgia bariátrica no Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp, a ingestão de proteínas estava abaixo do recomendado após seis meses de cirurgia. Mesmo se valendo de uma suplementação padronizada, 61% deles mantiveram deficiência de zinco no organismo depois dos seis meses de procedimento e, no pré-operatório, 55% já apresentavam deficiência devido, basicamente, à má alimentação. Estes foram os resultados da pesquisa apresentada na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) pela nutricionista Renata Cristina Gobato. “A perda de peso é importante para evitar o risco de desenvolver diversas doenças. Por outro lado, é preciso estar atento às questões nutricionais para se evitar quadros de deficiências. O zinco,

por exemplo, é um componente nutricional importante, pois participa de todo o metabolismo, com importante função antioxidante, imunológica, regulando o paladar e o apetite”, explica a nutricionista. Segundo Renata Gobato, os benefícios da cirurgia bariátrica são indiscutíveis, pois se trata de um método efetivo para a perda e manutenção de peso. É essencial, no entanto, evitar as várias complicações nutricionais possíveis de acontecer por conta do procedimento. Os resultados, explica ela, demonstram a importância de se promover uma alimentação balanceada não só após a cirurgia, como também no pré-operatório, com reposição dos nutrientes em níveis adequados. “Os indivíduos obesos que estavam no grupo para realizar a intervenção cirúrgiFoto: Antoninho Perri

A nutricionista Renata Cristina Gobato: “Os pacientes não estavam atentos ao problema”

ca já possuíam deficiências de nutrientes, e nem estavam atentos ao problema”, afirma. Em um primeiro momento, o estudo realizado com a orientação do professor Elinton Adami Chaim contemplou as análises de zinco e cobre, visto que a técnica cirúrgica que envolve a restrição do estômago e o desvio intestinal utilizada na Unicamp restringe a absorção de micronutrientes no organismo. Ademais, as fontes ricas nestes micronutrientes – carne bovina, ostras, grãos integrais, castanhas para o zinco e fígado, cereais integrais, nozes e chocolate para o cobre – não são recomendadas no pós-cirúrgico. Renata volta a insistir, no entanto, que o consumo alimentar antes da cirurgia também deve ser reforçado, pois no estudo a deficiência já existia. No caso do cobre, Renata Gobato, explica que os resultados não foram tão significativos, quanto no caso do zinco. Pela pesquisa, apenas 8% dos pacientes apresentaram deficiência no pós-operatório. A suplementação padronizada para os pacientes após a cirurgia consiste em uma formulação contendo vários nutrientes necessários ao organismo, inclusive o óxido de zinco. No entanto, se antes do procedimento já havia a deficiência do nutriente, o óxido de zinco não seria a forma mais adequada de chegar aos níveis normais necessários. A quantidade adequada de ingestão do zinco seria entre oito e 11 miligramas por dia, para mulheres e homens respectivamente, por isso, na opinião da nutricionista, o ideal seria que a suplementação fosse

específica com o zinco quelado, mas para isso é necessário comprar este suplemento em separado, já que as fórmulas disponíveis não apresentam essa forma química do zinco. Com isso, seria inviável para o perfil dos pacientes que são atendidos no HC. As avaliações foram realizadas baseadas na variação antropométrica envolvendo o peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e circunferência abdominal e, também, de exames bioquímicos, envolvendo proteínas totais, albumina e pré-albumina no sangue. Além destes métodos, também foi realizado um questionário de recordatório alimentar de 24 horas. Todos os 36 pacientes avaliados estavam no grupo preparatório para a realização da cirurgia bariátrica. Na verdade, o total de pacientes no grupo era de 100, mas somente 36 foram considerados aptos para a cirurgia. Isto porque existem critérios de desempenho que precisam ser cumpridos. “Em geral, os pacientes levam de sete a 14 meses para conseguir cumprir os critérios. Um deles é a perda de 10% do peso corporal”, explica. (R.C.S.)

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Dissertação: “Estado nutricional de zinco e cobre após seis meses da cirurgia bariátrica” Autora: Renata Cristina Gobato Orientador: Elinton Adami Chaim Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Financiamento: Capes


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Campinas, 8 a 14 de abril de 2013

Programa simula controle de sistema de resfriamento

Engenheiro químico desenvolve ferramenta que mimetiza funcionamento de equipamento CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

s sistemas de refrigeração são comumente utilizados em supermercados, para a conservação de produtos perecíveis, em prédios com sistemas de ar condicionado central, para a manutenção de temperaturas confortáveis, e assumem particular importância em indústrias químicas que desenvolvem processos de transformação que exigem temperatura controlada. O gasto energético desses sistemas é muito alto e em determinadas indústrias chegam a corresponder a 70% do custo de produção. Segundo dados recentes, o consumo energético de sistemas de refrigeração chega a 10% da produção mundial de energia. Visando reduzir esses gastos, exaustivos trabalhos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos. No Laboratório de Controle e Automação de Processos (LCAP), da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, é mantido protótipo de um chiller, sistema responsável pela refrigeração de um fluido de utilidade fria nos processos de refrigeração. Esse equipamento é utilizado em pesquisas de técnicas de modelagem e controle de novos sistemas de refrigeração que possam vir a reduzir o gasto energético. É no contexto das pesquisas desenvolvidas nesse laboratório, liderado pelos professores Ana Maria Frattini Fileti e Flávio Vasconcelos da Silva, que se situa o trabalho apresentado na dissertação de mestrado do engenheiro químico Saulo Fernando dos Santos Vidal, orientado e coorientado, respectivamente, por eles. Ana Maria explica inicialmente que se procura normalmente com controle e automação obter um produto dentro da especificação desejada, com qualidade melhor, que envolva um processo ambientalmente correto e sustentável, com menor gasto de energia. Almeja-se, ainda, um sistema que funcione continuamente, sem necessidade de interrupções, pois os processos liga/ desliga (On-Off) usualmente empregados no controle de temperatura dissipam muita energia. “Em nosso caso, o objetivo não é obter um produto propriamente dito, mas o desenvolvimento de um sistema com o qual se possa economizar energia. O produto do processo que estamos desenvolvendo é simplesmente a corrente de um líquido resfriado, que constitui a utilidade usada no resfriamento de um sistema”, explica a docente.

AS MOTIVAÇÕES O protótipo do LCAP empregado para estudos foi montado por um grupo de pesquisadores e envolveu – e envolve – custos que não deixam de existir, pois, a cada experimento, podem ocorrer avarias quando ensaios mais drásticos são realizados, caso de um salto maior na rotação do compressor. Em vista disso, alguns destes testes estavam se tornando tecnicamente inviáveis, além de caros. Ao perceber a capacidade de desenvolvimento computacional de Saulo, que iniciava o mestrado, a orientadora sugeriu que ele fizesse uma programação para simular o funcionamento do equipamento de resfriamento. Os ensaios passariam então a ser realizados previamente no computador. A simulação computacional constitui uma alternativa muito mais barata e rápida de analisar e avaliar o comportamento destes processos. Saulo acrescenta que o estudo de uma planta química, além de custoso, é geralmente demorado. Por isso, o uso de software capaz de modelar e simular os processos se tornou muito comum, contornando problemas envolvidos nos testes práticos. Essas simulações computacionais têm se constituído em valiosas ferramentas capazes de representar os processos e fornecer respostas com desvios aceitáveis em relação à realidade.

O TRABALHO Para simplificação do trabalho a que se propôs, o pesquisador desenvolveu um modelo a partir dos simuladores comerciais Aspen Plus e Aspen Dynamics, utilizados para ensaios computacionais para a maioria dos sistemas químicos e capazes de representar o protótipo do LCAP. A partir da montagem desse simulador virtual, ele passou a utilizar o computador para testar variáveis e condições diferentes e drásticas. Na simulação, o modelo computacional responde da mesma forma que o protótipo, apontando qualquer problema, como a possibilidade de o compressor não conseguir responder à rotação solicitada. Mas a acurácia do modelo precisava ser avaliada. Para tanto foram utilizados dados obtidos da própria planta piloto experimental, em diferentes condições de processo, o que permitiu determinar a funcionalidade do modelo para situações adversas e também extremas de funcionamento do equipamento. A partir desta validação, o modelo computacional pode ser utilizado para avaliar modificações nas condições do

processo e possibilidades de otimizá-lo. Como nenhum modelo é capaz de representar o fenômeno físico com 100% de exatidão, o autor considera que “para se obter um projeto de controle robusto é necessário definir a melhor forma de aproximá-lo do real, tornando a simulação confiável”. Para a validade da simulação são realizados experimentos no piloto com vistas a reproduzi-los no simulador. Os dados obtidos experimentalmente na planta são utilizados então para verificar se no simulador conduzem às mesmas respostas. “Nesse processo vai se parametrizando o modelo de forma a reduzir o erro ao mínimo, através de ajustes no simulador, até chegar a valores aceitáveis. É isto que se denomina validação do sistema”, diz a docente. Sobre a necessidade de testar condições drásticas na simulação, ela exemplifica através do que ocorre em um balcão frio de supermercados que, quando praticamente vazio, é preenchido novamente. O sistema de refrigeração tem que dar conta dessas variações de condições extremas, chamadas de perturbações, para que os produtos adicionados sejam mantidos na temperatura desejada. Perturbações como essas são testadas no simulador para que ele indique como deve operar o compressor para resolver o problema de mudanças bruscas na temperatura. Depois de constatada a representatividade da simulação em relação ao protótipo, o simulador passou a ser utilizado para poupar o protótipo. Começaram então os estudos de técnicas digitais de controle de processos que, no caso, trata-se de um programa computacional que, acoplado ao simulador, faz o cálculo da intensidade da rotação do compressor para a manutenção da temperatura desejada com economia de energia. Constitui, portanto, outro programa computacional que envolve o controle de processos vinculado ao funcionamento do compressor. Segunda a professora, não existe comercialmente programa computacional estabelecendo esse liame.

OS RESULTADOS Em suma, a proposta do trabalho foi a de realizar a simulação de um sistema de refrigeração existente no Laboratório de Controle e Automação da FEQ, validando o modelo a partir da realização de experimentos no próprio protótipo. Embora inúmeros trabalhos venham sendo desenvolvidos com o intuito de estudar e avaliar o desempenho energético do protótipo existente no LCAP, um problema recorrenFoto: Antoninho Perri

te nessas pesquisas decorre do número de variáveis de processo, o que demanda um exaustivo esforço na busca de variáveis ótimas para o sistema de controle. Em vista deste quadro, o trabalho procurou o desenvolvimento de um modelo computacional Aspen que fosse capaz de representar o modelo experimental e através do qual fosse possível simular prováveis situações de operação, de forma a encontrar a melhor combinação de variáveis que permita realizar um controle mais eficaz do processo. Para a professora Ana Maria, é possível desenvolver um modelo capaz de simular com relativa precisão o sistema de refrigeração a que se propuseram. A ferramenta computacional conseguiu reproduzir os valores encontrados no protótipo experimental, como ficou mostrado a partir da validação do modelo. Os pesquisadores consideram que, testada a ferramenta e desenvolvido o modelo, se tornará bem mais simples realizar estudos no protótipo. A partir de um projeto inicial, será possível obter uma gama de dados em tempo consideravelmente menor do que o gasto se os testes fossem feitos no equipamento real. Além disso, outras estratégias de controle e modificações no protótipo poderão ser testadas no simulador, que permitirá também exportar o modelo criado para outros softwares e averiguar sem custos o uso de controle inteligente na planta experimental. O advento dos controles digitais, lembra a docente, possibilitou alterar o funcionamento de outros equipamentos das plantas industriais. Antigamente, nas indústrias químicas, a alteração de uma vazão de resfriamento ou de produto era feita através do manuseio de válvulas por um operador, que as abria e fechava manualmente. Com o advento do controle automático, a abertura da válvula passou a ser mecanizada . Nos sistemas convencionais analógicos, as bombas têm que operar em sua máxima capacidade projetada e é a válvula que aumenta ou restringe o fluxo. Com a utilização do sistema digital desenvolvido, controla-se a rotação dos motores de bombas ou compressores, conforme a necessidade de fluxo, o que leva ao menor consumo de energia. A expectativa, segundo os pesquisadores, é a de uma economia energética de até 12%, muito significativa em plantas industriais em que a energia compõe 70% do custo de produção. Ana Maria conclui, destacando a preocupação com a formação de recursos humanos: “O Saulo aprendeu a trabalhar com sistemas físicos de controle e automação, área em que há uma carência muito grande de profissionais no mercado de engenharia química. Existem engenheiros de automação e controle, mas eles dificilmente entendem o que se passa nos processos químicos. Então, aqui na faculdade, procuramos desenvolver o engenheiro químico interessado na área de automação e controle, porque do processo químico ele entende. Dessa forma, se torna mais fácil a formação desse profissional de grande carência no mercado”. Durante o estudo, Saulo aprendeu a trabalhar com hardware de controle, com simulador dinâmico Aspen, extensamente usado na indústria química, e com o desenvolvimento de controladores inteligentes. Ela constata que 85% dos sistemas químicos industriais utilizam ainda hoje o sistema tradicional de controle, principalmente por falta de especialistas que saibam utilizar estes novos recursos digitais.

Publicação

A professora Ana Maria Frattini Fileti, coordenadora do LCAP, e Saulo Fernando dos Santos Vidal, autor da dissertação: economia de energia

Dissertação: “Simulação dinâmica para avaliação de controle de um sistema de resfriamento de líquido” Autor: Saulo Fernando dos Santos Vidal Orientadora: Ana Maria Frattini Fileti Coorientador: Flávio Vasconcelos da Silva Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)


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Destaque do Portal

Nomes definidos após três escrutínios serão submetidos ao governador

Consu define lista tríplice para reitor Foto: Antoninho Perri

Conselho Universitário da Unicamp (Consu), órgão máximo deliberativo da Universidade, definiu no último dia 2, durante sessão extraordinária e por meio de votação secreta, a lista tríplice para a sucessão do reitor da instituição. A relação é encabeçada pelo engenheiro de alimentos José Tadeu Jorge, seguido pelo médico José Abdalla Saad e pelo engenheiro eletricista José Cláudio Geromel. Os nomes serão submetidos ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a quem cabe a prerrogativa de indicar o novo dirigente, cujo mandato será de quatro anos (2013/2017). A definição da lista tríplice ocorreu depois da realização de três escrutínios. No primeiro, Tadeu Jorge foi apontado para encabeçar a relação ao receber 53 votos. No segundo e terceiro, os nomes mais votados foram, respectivamente, Mário Saad (59) e Geromel (53). A lista reflete o resultado da consulta feita junto à comunidade universitária para a escolha do novo reitor. No primeiro turno da consulta, que contou com a participação de quatro candidatos, Tadeu Jorge obteve 48,3% dos votos, seguido por Saad (40,08%), Geromel (6,7%) e Edgar Salvadori De Decca (4,93%). Os dois primeiros colocados disputaram o segundo turno, ocasião em que Tadeu Jorge recebeu 53,32% dos votos e Saad, 46,68%. O primeiro colocado na lista tríplice teve como companheiro de chapa para o cargo de coordenador-geral da Universidade o geólogo Alvaro Crósta.

Sessão extraordinária do Consu, no último dia 2: relação é encabeçada pelo engenheiro de alimentos José Tadeu Jorge

Vida a ca dêi ma c Painel da semana

Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

Painel da semana  Palestra da Cori - A Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) organiza, dia 8 de abril, às 12 horas, na sala CB08, prédio do Ciclo Básico I, uma palestra sobre a Universidade de Colorado Boulder (EUA). No evento, direcionado aos alunos, será apresentado o Interdisciplinary Telecom Program – ITP informando os requisitos de elegibilidade e benefícios das bolsas oferecidas em diversas áreas do conhecimento. A palestra ocorre em 8 de abril, às 12 horas, na sala CB08, no prédio do Ciclo Básico I. Mais informações: 19-3521-7145.  Fórum - No dia 9 de abril, às 9 horas, no Auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), acontece o Fórum Permanente de Ensino Superior com o título “Para além das fronteiras do conhecimento - as ciências humanas e sociais como campo interdisciplinar”. Mais informações na página eletrônica do evento http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/ htmls_descricoes_eventos/superior09.html  Redação científica - A Secretaria de Extensão, Convênios e Eventos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) recebe, até 10 de abril, as inscrições para um curso de redação científica na modalidade extensão. Destina-se aos pesquisadores, estudantes de graduação/pós-graduação e interessados no assunto. O curso tem carga horária de 30 horas e será realizado nas dependências do IEL. O pré-requisito para participação é o ensino médio. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone 19-3521-1520.  Desafio Unicamp: inscrições prorrogadas - As inscrições para o Desafio Unicamp 2013 de Inovação Tecnológica foram prorrogadas até o dia 10 de abril. Interessados em participar podem se inscrever no link http://www.inova. unicamp.br/desafio/ em equipes compostas por três a cinco integrantes. A competição é voltada aos alunos de graduação e de pós-graduação de todo o país. Leia mais em http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/04/01/ desafio-unicamp-tem-inscricoes-prorrogadas  Capela ecumênica - A inauguração da Capela Ecumênica do Hospital da Mulher “José Aristodemo Pinotti” (Caism) acontece no dia 11 de abril, às 10 horas, na rua Alexandre Fleming 101, no campus da Unicamp.

 Palestra com Jacquelyn Noronha-Hostler - No dia 11 de abril, às 11 horas, o Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) recebe a pesquisadora Jacquelyn NoronhaHostler (USP). Em palestra, ela fala sobre os últimos desenvolvimentos para descrever a hidrodinâmica para colisões de íons pesados. O encontro ocorre no Auditório Meson Pi, prédio Pierre Auger. A organização é da professora Arlene Cristina Aguilar. Mais detalhes no site http://portal.ifi.unicamp.br/br/ drcc/seminarios-do-drcc ou telefone 19-3521-5275.  Ampliação da Biblioteca do IFCH - No dia 11 de abril, às 15 horas, haverá uma solenidade de inauguração do prédio da Biblioteca “Prof. Dr. Octávio Ianni”, que acaba de ser ampliado. A Biblioteca pertence ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e está localizada na Rua Cora Coralina, s/n, no campus da Unicamp.  Iniciação científica – Até 14 de abril serão efetuadas as inscrições ao processo seletivo do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic)/CNPq, Pibic-AF, Pibiti e SAE/Unicamp, exclusivamente através do endereço eletrônico http://www.prp.unicamp.br/pibic

Teses da semana  Alimentos - “Investigação sobre o refino físico de óleos vegetais para obtenção de produtos de alta qualidade” (doutorado). Candidata: Simone Monteiro e Silva. Orientador: professor Antonio José de Almeida Meirelles. Dia 8 de abril, às 9 horas, no salão nobre da FEA. “Desenvolvimento e caracterização de coberturas comestíveis à base de fécula de mandioca adicionadas de óleos essenciais” (mestrado). Candidata: Vivian Boesso Oriani. Orientadora: professora Miriam Dupas Hubinger. Dia 12 de abril, às 9h30, na FEA.  Artes - “Imagem e memória: por uma reconstrução do budismo primordial” (mestrado). Candidato: Alexsânder Nakaóka Elias. Orientador: professor Etienne Ghislain Samain. Dia 12 de abril, às 14h30, no IA.  Biologia - “Modulação de peroxirredoxinas em linhagem de células beta produtoras de insulina expostas à citocinas” (doutorado). Candidata: Flávia Maria Moura de Paula. Orientador: professor Antonio Carlos Boschiero. Dia 10 de abril, às 10 horas, na sala de defesa de teses da CPG/IB.  Educação Física - “Efeito das sessões de familiarização sobre o pico de torque e taxa de desenvolvimento de torque: comparação entre jovens, meia idade e idosos” (mestrado). Candidato: Marcio Aparecido Franco de Godoy Fazolin. Orientadora: professora Cláudia Regina Cavaglieri. Dia 9 de abril de 2013, às 9 horas, no auditório da FEF. “Efeito de diferentes protocolos de treinamento sobre o risco cardiovascular global” (mestrado). Candidato: Arthur Fernandes Gáspari. Orientadora: professora Mara Patricia Traina Chacon Mikahil. Dia 12 de abril de 2013, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Desenvolvimento de Fotômetros thz para observação de explosões solares” (mestrado). Candidato: Luís Olavo de Toledo Fernandes. Orientador: professor Jacobus Swart. Dia 10 de abril, às 15 horas, na CPG/FEEC.  Engenharia Mecânica - “Elemento mortar de alta ordem aplicado à análise computacional não linear de contato mecânico estrutural” (mestrado). Candidato: Allan Patrick Cordeiro Dias. Orientador: professor Alberto Luiz Serpa. Dia 11 de abril, às 10 horas, no auditório KD da FEM.  Linguagem - “Estereótipos em piadas sobre baiano” (mestrado). Candidato: Alan Lobo de Souza. Orientador: professor Sirio Possenti. Dia 12 de abril, às 9 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Odontologia - “Comparação entre o desenvolvimento ósseo das vértebras cervicais com três métodos carpais” (mestrado). Candidato: Silas Henrique Rabelo de Lima. Orientador: professor Eduardo Daruge Junior. Dia 12 de abril, às 9 horas, na sala de seminários da Periodontia da FOP. “Resistência de união à cerâmica de cimentos resinosos experimentais contendo um sal derivado do difeniliodônio” (mestrado). Candidato: Alan Rodrigo Muniz Palialol. Orientadora: professora Giselle Maria Marchi Baron. Dia 12 de abril, às 9 horas, na sala da congregação da FOP.

O próximo reitor será o 11º na linha de sucessão de Zeferino Vaz (1966-1978). Antes dele vieram o dentista Plínio Alves de Moraes (1978-1982), o ginecologista José Aristodemo Pinotti (1982-1986), o economista Paulo Renato Souza (1986-1990), o linguista Carlos Vogt (19901994), o pediatra José Martins Filho (1994-1998), o engenheiro de eletrônica Hermano Tavares (1998-2002), o físico e engenheiro de eletrônica Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005), o engenheiro de alimentos José Tadeu Jorge (2005-2009) e o médico hematologista Fernando Ferreira Costa (2009-2013).

A fórmula secreta

Livro

da semana

Sinopse: O grande matemático Tartaglia, junto com seu colega e rival Gerolamo Cardano, é o protagonista de um momento crucial da história da ciência: o descobrimento e a disputa em torno da fórmula resolutiva das equações de terceiro grau, o primeiro verdadeiro progresso da álgebra após um letargo de séculos. No século XVI, na Itália, os matemáticos se enfrentavam em desafios públicos, diante de uma multidão de espectadores, competindo na resolução de problemas complexos. Da vitória ou da derrota dependia o sucesso, pessoal e científico, dos dois contendentes. Acompanhando essa tradição, Tartaglia e Cardano foram protagonistas brilhantes — junto com Scipione Dal Ferro, Ludovico Ferrari e outros atores secundários — da polêmica mais feroz de que se tem notícia na história da matemática. Este livro reconstrói esse episódio de rivalidade exacerbada e de progresso científico: entre Bréscia, Veneza, Bolonha e Milão, entre sucessos intelectuais e pobreza, promessas e traições, astúcias e ingenuidades, ele desenha a história da maior disputa matemática da época. Autor: Fabio Toscano, físico teórico de formação, fez especialização em fundamentos e filosofia da física, nas universidades de Bolonha e Urbino, e em comunicação da ciência, na Escola Internacional Superior de Estudos Avançados (Sissa) de Trieste. Dedica-se a atividades de divulgação científica em papel impresso, na web e na televisão. Tradução: Letizia Zini Antunes | Ficha Técnica: 1ª edição, 2012; 248 páginas; Formato: 14 x 21 cm; ISBN: 978-85-268-0989-5 Coleção Meio de Cultura Área de interesse: Divulgação científica Preço: R$ 56,00


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Como o consumidor vê a salada?

Questionário avalia percepção de quem consome alimentos crus em restaurantes Fotos: Antonio Scarpinetti

GIULIANA ANANIAS WOLF Especial para o JU

De acordo com a pesquisadora, “foi um pouco difícil” encontrar locais que permitissem a realização do questionário. Primeiro, porque não são todos os lugares que têm disponibilidade para a execução da pesquisa, devido ao longo período de coleta de informações. Segundo, porque o simples fato de permiti-la, pode tornar mais atenta uma parcela de consumidores, ou, de alguma forma, deixar os donos dos restaurantes inseguros.

pesquisadora Mariana Schievano Danelon, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, desenvolveu, como parte de sua pesquisa de doutorado, um questionário por meio do qual analisa com que frequência as pessoas consomem, fora de casa, saladas preparadas com alimentos crus e a percepção que elas têm sobre os riscos dessa ingestão, além de mensurar o grau de satisfação desse consumo. Esses riscos, aponta a pesquisadora, vão desde os financeiros até as contaminações por parasitas e bactérias. Mariana elencou também as estratégias que o consumidor usa para se sentir mais seguro ao escolher saladas no restaurante onde habitualmente come. Composto por essas três partes, o trabalho, cuja orientação foi da professora Elisabete Salay, já teve, inclusive, um de seus questionários publicado na revista “Appetite”.

Uma das conclusões a que a pesquisa permitiu chegar é a que as respostas podem ser interessantes também para o setor privado. A divulgação da importância dos selos de qualidade, por exemplo, poderia servir até como estratégia de marketing para os proprietários dos restaurantes. Três shoppings de Campinas foram os locais encontrados para fazer a coleta das respostas. Ao todo, 630 pessoas responderam ao questionário, que foi dividido em duas etapas. Na primeira, 271 pessoas foram entrevistadas para a construção e purificação do questionário. O objetivo desta etapa foi verificar se todos os itens presentes no questionário, no que se refere aos riscos percebidos e às estratégias para reduzi-los, elaborados previamente com base em revisão de literatura e em grupos focais (debates com pequenos grupos de consumidores sobre um tema proposto), eram compreendidos pelo consumidor e refletiam o que se desejava medir na pesquisa.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que uma dieta saudável inclua, pelo menos, seis porções (400g) diárias de hortaliças, entre legumes, verduras e frutas. A pesquisa de Mariana constatou que a refeição em que mais houve consumo de saladas foi a do almoço, de segunda a sexta-feira. Isso reflete, de certa forma, segundo a pesquisadora, o ritmo de vida e trabalho que as pessoas têm levado. Por um lado, já não é possível fazer todas as refeições em casa: a maior parte dos entrevistados, 52,3%, por exemplo, disse comer em restaurantes à la carte ao menos uma vez na semana; por outro, alerta Mariana, é importante que o consumidor não deixe de incluir hortaliças nas refeições, mesmo não tendo sido ele que limpou e preparou a salada. É nesse sentido que a escala ajudaria: tendo conhecimento dos hábitos adotados pelos consumidores, e das técnicas que usam para proteger-se, é possível buscar maneiras de ensiná-los sobre os pontos que merecem atenção no momento de fazer as escolhas alimentares fora do domicílio. A primeira parte do questionário mediu a frequência com que as pessoas consomem hortaliças cruas fora de casa. A segunda foi composta por uma escala desenvolvida para mensurar os principais riscos que o consumidor enxerga quando vai comê-las em restaurantes à la carte. Já a terceira relacionou as estratégias adotadas pela população para evitar os riscos citados anteriormente. Essas três partes do questionário podem ser consideradas como variáveis da pesquisa, que, posteriormente, foram associadas às características sócio-demográficas dos entrevistados, entre os quais sexo, faixa etária e grau de escolaridade. Os dados do estudo mostraram que a principal preocupação do consumidor ainda é com os possíveis danos à saúde, nomeados como “riscos físicos” no questionário – intoxicação alimentar, por exemplo. As mulheres e as pessoas com menor grau de escolaridade foram as que mais se preocuparam com este tipo de risco. No caso das mulheres, uma possível justificativa para esse resultado, avalia Mariana, seria o fato de elas estarem mais habituadas à aquisição de alimentos e apresentarem, de forma geral, maior interesse sobre aspectos da alimentação.

de obtenção dos selos”, pondera Mariana.

A partir dos resultados da primeira etapa, foi conduzida a segunda, na qual 359 consumidores foram entrevistados com o objetivo de confirmar a estrutura do questionário, fazendo a sua validação. A obtenção desse questionário validado foi a principal contribuição da pesquisa, porque permite que outros pesquisadores façam sua utilização para estudos posteriores do mesmo tema, ou a apliquem em investigações sobre diferentes alimentos em restaurantes. Mesa com saladas em restaurante de Campinas

se preocupam bastante com as consequências”, relata a pesquisadora.

Mais de 50% dos consumidores questionados nunca frequentaram a cozinha.”

Logo em seguida apareceu o risco de desempenho, que é, em última instância, a decepção que o consumidor pode ter ao avistar o prato que chega à mesa. Alguns podem se sentir insatisfeitos com a quantidade de comida, com o sabor, ou até mesmo com a aparência. A questão financeira também apareceu como um risco. O consumidor pode não querer consumir a salada pelo fato de ela ser vendida separadamente do prato principal, por exemplo, o que aumentaria seus gastos no que diz respeito ao preço final da refeição.

A pesquisadora sugere, ainda, que a educação quanto aos direitos do consumidor em estabelecimentos desse tipo poderia começar desde a escola, tal como é feito – timidamente – com a pirâmide dos alimentos em aulas de ciências, já que muitas vezes as pessoas nem mesmo sabem que podem entrar na cozinha, ou que é necessário o alvará da Vigilância Sanitária para o funcionamento do restaurante. Esse desconhecimento, segundo ela, pode até gerar perda de credibilidade.

Para Mariana, apesar de ter sido o terceiro tipo de risco mais importante para os entrevistados dentre os seis do questionário, é interessante constatar o fato de que o consumidor pensa primeiro na qualidade da comida, para não oferecer riscos à saúde, do que no preço que pagará por ela.

Para medir esse e os outros seis tipos de riscos presentes na escala, foi feita a combinação da probabilidade que as pessoas acham que existe de algo lhes acontecer, à importância que dariam caso elas sofressem alguma consequência indesejada após o consumo.

Segundo a pesquisadora, os dois critérios mais usados pelo consumidor para sentir-se mais seguro ao consumir salada em restaurantes consistem em observar a higiene e a aparência geral do restaurante. Os entrevistados também afirmaram frequentar restaurantes já conhecidos por eles, e não retornar a estabelecimentos nos quais tiveram alguma experiência desagradável. Estar atento ao aspecto dos funcionários e garçons, tal qual a limpeza do local, pode ter seu valor, no entanto, são critérios subjetivos, já que variam de acordo com a visão de higiene de cada um, pondera Mariana.

“As pessoas acreditam que a chance de acontecer alguma coisa ruim com elas é pequena ao comer salada em restaurantes. Só que, se acontecesse, elas dariam uma importância muito grande. Em uma escala de 1 a 7, a média para a chance de acontecer alguma coisa com elas, foi três, o que é pouco. Mas para o caso de acontecer algo de ruim, a média foi cinco. Ou seja, elas

A indicação de familiares e amigos também serve como referência, e acabou ficando como uma das mais listadas dentre as 17 opções do questionário. “Eles nunca ou pouco frequentemente observam o registro da Vigilância Sanitária e selos de qualidade do restaurante. Aqui em Campinas e em algumas cidades da região, por exemplo, é permitido visitar a cozinha do restaurante.

“Tem gente que desconfia desses certificados, porque não sabe realmente o que a empresa teve que fazer para consegui-lo, se é renovado constantemente, ou se o proprietário conseguiu uma vez e nunca mais renovou. Talvez fossem necessárias campanha educativas e a sensibilização dos gerentes de restaurantes para divulgar a data

Publicações Danelon, M.S.; Salay, E. Perceived physical risk and risk-reducing strategies in the consumption of raw vegetable salads in restaurants. Food Control, 28(2): 412-419, 2012. Danelon, M.S.; Salay, E. Perceived physical risk and risk-reducing strategies in the consumption of raw vegetable salads in restaurants. Appetite, 59(3): 713-722, 2012. Tese: “Riscos percebidos pelo consumidor e estratégias para minimizá-los no consumo de saladas de hortaliças cruas em restaurantes à la carte” Autora: Mariana Schievano Danelon Orientadora: Elisabeth Salay Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Mariana Schievano Danelon (à esq.), autora da pesquisa, e a professora Elisabete Salay, orientadora: validado, questionário pode ser usado em estudos futuros


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