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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013 - ANO XXVII - Nº 559 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
IMPRESSO ESPECIAL
9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA
CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Arte: Luis Paulo Silva, sobre foto de Alessandro Pinzani
Enfim,
cidadãs 6 e7
O livro Vozes do Bolsa Família (Editora Unesp), da socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo (Unicamp) e do filósofo italiano Alessandro Pinzani (UFSC), revela como o programa de transferência de renda do governo federal transformou a vida de mulheres que passaram a ter autonomia e uma nova percepção sobre a própria condição em regiões historicamente associadas à submissão feminina. Os autores entrevistaram 150 beneficiárias no litoral alagoano, no Vale do Jequitinhonha (MG), no interior do Piauí, do Maranhão e de Alagoas, e na periferia de São Luís e do Recife.
2 Pesquisadores procuram o 3 clone ideal da seringueira Bagaço de laranja é 4 convertido em etanol O abismo entre discurso e 5 prática na política de C&T Impactos da interiorização 9 dos presídios em São Paulo A poética ‘trapalhônica’, 12 da revista ao picadeiro Doenças afetam docentes do ensino superior privado
Casario no município piauiense de Santa Cruz dos Milagres, visitado pelos autores do livro: mulheres passaram a ter liberdade de escolha
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
Doenças e falta de privacidade rondam professores do ensino superior privado Pesquisa desenvolvida para fundamentar tese demonstra que 88% dos docentes estão estressados Fotos: Antonio Scarpinetti
LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
esquisa feita junto a professores que atuam no ensino superior privado de Campinas revela que 88% deles estão estressados; 76% têm a vida privada invadida pelo trabalho, que retira o tempo de convívio com a família, os amigos e o lazer; 52% temem perder o emprego e, para evitar o desemprego, muitos trabalham em mais de uma escola; e 52% manifestam doenças físicas e psicológicas. A pesquisa também mostra que, ainda assim, 68% dos docentes não mudariam de profissão. Os dados são apresentados por Liliana Aparecida de Lima na tese de doutorado “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do professor de ensino superior privado de Campinas”, defendida junto à Faculdade de Educação (FE), sob a orientação da professora Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira. “Sou professora de psicologia da PUC de Campinas há 25 anos, mas a motivação para a pesquisa veio da minha trajetória sindical, como diretora do Sindicato dos Professores de Campinas e Região”, esclarece a autora. Liliana Lima abre a tese contextualizando a forte expansão do ensino superior privado a partir da política neoliberal adotada na década de 1990, com base na desregulamentação, financeirização e desnacionalização. “A educação está sendo negociada na bolsa de valores, aberta ao capital estrangeiro. Fusões entre instituições educacionais constroem grandes conglomerados, o que reforça o crescimento de uma concepção mercadológica do ensino privado no país. Por isso, a luta do movimento sindical dos professores contra essa mercantilização. Queremos a regulamentação, o fim dessa trajetória de desnacionalização, que representa um tiro no pé.” Segundo a autora da tese, este cenário de mercantilização do ensino se manifesta na precariedade das condições de trabalho dos professores. “Se o empresário vê o ensino como mercadoria e o aluno como cliente, como vai tratar o professor da instituição de que é proprietário? A precariedade está na contratação de professores sem concurso e nos salários baixos mesmo com titulação. Se o professor se torna mestre ou doutor, também se torna mais caro e é substituído por um horista – há um número mínimo de pósgraduados apenas para atender às exigências do MEC. A rotatividade é enorme.”
Dados do levantamento revelam que 52% dos entrevistados temem perder o emprego e manifestam algum tipo de doença
Liliana diz ter identificado vários colegas de profissão constantemente tristes, angustiados, desmotivados, menos criativos nas aulas e que repensam suas perspectivas profissionais. “Como psicóloga, optei por focar a questão das subjetividades através da concepção sócio-histórica. Esses autores marxistas afirmam que a subjetividade não é uma oposição à objetividade, e sim que ambas se constituem. Portanto, devemos olhar as condições objetivas de trabalho do professor, como essas condições impactam nos objetivos do professor e de que forma o professor
devolve as repercussões para os objetivos.” Um aspecto que a pesquisadora considera importante foi a indisponibilidade dos professores para entrevistas presenciais, devido à sobrecarga de trabalho ou mesmo por desconfiança. “É um dado da tese que talvez mereça ser investigado mais profundamente, o que não pude fazer. A solução foi enviar um questionário com perguntas objetivas e também discursivas, para que pudessem se manifestar livremente sobre suas vidas como trabalhadores da educação. Enviei 100 convites e pude trabalhar com 29
O GRANDE EMBATE
A professora Liliana Aparecida de Lima, autora da tese: “Queremos a regulamentação, o fim dessa trajetória de desnacionalização”
Expansão de matrículas foi de 74,2% em uma década Os dados do Censo da Educação Superior de 2009, divulgado no dia 13 de janeiro de 2010 pelo Ministério da Educação (MEC), registrou que o Brasil possui 2.314 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo que 89,4% são privadas e 10,6% públicas. Há um total de 307.815 professores no ensino superior do país, sendo 36% mestres e 27% doutores. Nas instituições públicas, 75% dos professores são mestres e doutores e nas privadas esta proporção é de 55%. Segundo os dados do mesmo relatório do Ministério, o professor da instituição privada é em geral jovem, com média de 34 anos, com mestrado e recebendo por hora/aula. Já o docente da instituição pública tem em média 44 anos, é doutor e o regime de trabalho de período integral. O Censo de novembro de 2011 indica que considerando a última década (2001-2010), a expansão de matrículas no ensino superior foi de 110%, sendo de 74,2% nas IES Privadas e de 25,8% nas IES Públicas, como mostra a tabela ao lado:
professores, número muito bom para uma pesquisa qualitativa.” Embora não tivesse a pretensão de que a sua pesquisa fosse conclusiva, Liliana Lima ressalta que ela traz informações bem relevantes em relação a este grupo de professores da rede privada de ensino superior, como as referentes ao adoecimento. “Mais da metade manifestam problemas de voz, vasculares e respiratórios, assim como depressão, síndrome de pânico, insônia e uma arritmia cardíaca que não se confirma quando investigada. São manifestações que eles identificam com ligadas ao trabalho, ao passo que os trabalhadores em geral não conseguem estabelecer esta relação.” Sobre os 68% dos entrevistados que não mudariam de profissão, a autora da tese considera que existe neles uma forte convicção de que a função de educador é bonita e valorosa. “São professores que acreditam contribuir para criar novas relações entre as pessoas e transformar o mundo. Ao mesmo tempo em que estão estressados, doentes e medrosos, não desistiriam da profissão, o que significa que talvez não estejam tão desiludidos assim.” Liliana observa, entretanto, que a maioria dos entrevistados possui apenas uma década de carreira. “Se em dez anos temos tais percentuais, o que pode acontecer até a aposentadoria? Alguém pode perguntar o que a tese traz de novo, haja vista que todo professor pode dizer informalmente que está estressado. O ineditismo está no fato de que esses professores do ensino superior privado nunca foram pesquisados, nem esse grupo de instituições em que atuam. Os dados podem ter muita serventia para o movimento sindical, dentro do debate mais amplo que ocorre no país sobre quem é o trabalhador de hoje.”
NÚMERO DE MATRÍCULAS EM CURSOS DE GRADUAÇÃO ANO
PÚBLICAS
TOTAL TOTAL
%
FEDERAL
%
ESTADUAL
%
MUNICIPAL
%
PRIVADAS
%
2001
3.036.113
944.584
31,1
504.797
16,6
360.537
11,9
79.250
2,6
2.091.529
68,9
2002
3.520.627
1.085.977
30,8
543.598
15,4
437.927
12,4
104.452
3
2.434.650
69,2
2003
3.936.933
1.176.174
29,9
583.633
14,8
465.978
11,8
126.563
3,2
2.760.759
70,1
2004
4.223.344
1.214.317
28,8
592.705
14
489.529
11,6
132.083
3,1
3.009.027
71,2
2005
4.567.798
1.246.704
27,3
595.327
13
514.726
11,3
136.651
3
3.321.094
72,7
2006
4.883.852
1.251.365
25,6
607.180
12,4
502.826
10,3
141.359
2,9
3.632.487
74,4
2007
5.250.147
1.335.177
25,4
641.094
12,2
550.089
10,5
143.994
2,7
3.914.970
74,6
2008
5.808.017
1.552.953
26,7
698.319
12
710.175
12,2
144.459
2,5
4.255.064
73,3
2009
5.954.021
1.523.864
25,6
839.397
14,1
566.204
9,5
118.263
2
4.430.157
74,4
2010
6.379.299
1.643.298
25,8
938.656
14,7
601.112
9,4
103.530
1,6
4.736.001
74,2
Fonte: Censo da Educação Superior 2010/MEC
Questionada sobre como mudar este cenário do ensino superior privado, Liliana Lima lembra que está tramitando no Senado o Plano Nacional de Educação (PNE), que já foi aprovado na Câmara. “O Plano contempla vinte metas a serem cumpridas no horizonte de dez anos, entre as quais a de incluir o ensino superior privado dentro do Sistema Nacional de Educação, ou seja, a sua regulamentação também pelo Estado, a fim de que o governo se responsabilize por essa expansão sem limites.” Segundo a pesquisadora, se os empresários do ensino fazem lobbies no Congresso, a Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) também tem presença marcante junto a deputados e senadores, esclarecendo-os sobre a pauta de reivindicações dos professores. “É um grande embate. A tendência é pela aprovação, mas é preciso pressão para que não empurrem a votação adiante. Coloco os resultados da tese dentro de um guarda-chuva maior, olhando para esses docentes a partir de um novo projeto de desenvolvimento para o país, com valorização do trabalho e distribuição de renda mais justa. Todos dizem que a educação é fundamental, mas o Brasil carece de ações que mostrem tal protagonismo.”
Publicação Tese: “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do professor de ensino superior privado de Campinas” Autora: Liliana Aparecida de Lima Orientadora: Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@ reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
Em busca do clone ideal
Fotos: Divulgação
Pesquisadores desenvolvem mapa genético-molecular para seringueira, com vistas ao melhoramento da planta MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ela primeira vez no mundo, pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp desenvolveram um mapa genético-molecular para seringueira composto inteiramente por marcadores microssatélites, que permitem conhecer as diferenças genéticas entre os indivíduos de uma mesma espécie. Por meio de uma análise genética inovadora, foi possível localizar no mapa regiões do DNA que contêm genes responsáveis pelo crescimento da seringueira no inverno (frio e seco) e verão (quente e úmido). A pesquisa, que pode trazer significativas contribuições aos programas de melhoramento da planta, gerou um artigo que acaba de ser aceito para publicação pela revista científica PLOS ONE, uma das mais destacadas do seu segmento. “O objetivo do trabalho é gerar dados que levem ao desenvolvimento de clones que cresçam bem em regiões onde o verão seja quente e úmido e o inverno, frio e seco, clima característico de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nessas condições, o principal inimigo da seringueira, o fungo que causa a doença conhecida como ‘mal das folhas’, não consegue se proliferar”, explica a professora Anete Pereira de Souza, diretora do CBMEG e coordenadora do estudo. A pesquisa em torno da seringueira teve início em 2007, com o trabalho de doutorado de Lívia Moura de Souza, hoje pósdoutoranda do CBMEG. As investigações contaram, ainda, com a colaboração dos pesquisadores Dominique Garcia e Vincent Le Guen, do La Centre internationale en recherche agronomique pour le développement (CIRAD, da França); Antonio Augusto Franco Garcia e Rodrigo Gazzafi, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP); Paulo Gonçalves de Souza, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC); e Saulo Cardoso, da Michelin do Brasil. No Brasil, as bolsas de estudos e o auxílio financeiro foram concedidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Sem a colaboração dessas instituições e sem uma abordagem multidisciplinar, nós não teríamos alcançado o nosso objetivo”, afirma a professora Anete. Segundo a docente, as seringueiras utilizadas na pesquisa foram plantadas pela Michelin, que mantém uma fazenda localizada no sul de Mato Grosso. Os indivíduos pertenciam a uma população de mapeamento, que foi desenvolvida pelos pesquisadores do CIRAD na Tailândia, a partir de dois parentais. Um deles tinha como característica a alta produtividade e o outro, a boa tolerância ao frio. Desse modo, entre as plantas resultantes do cruzamento, algumas apresentam atributos que combinam qualidades próximas às dos pais: alta produção e tolerância ao frio. A partir de folhas de seringueira obtidas do IAC, Lívia desenvolveu novos marcadores moleculares, visto que eles apareciam em pequeno número na literatura. “Nós construímos uma biblioteca enriquecida com os microssatélites. O passo seguinte foi fazer a genotipagem da população de plantas obtidas no cruzamento, que vem a ser a identificação dos marcadores moleculares desenvolvidos ao longo do DNA da seringueira. São essas marcas que permitem que façamos associações de regiões do DNA com as características fenotípicas de interesse das plantas, como altura e diâme-
Plantação de seringueira (acima) e pesquisadores em trabalho de campo (à dir.): em busca de variedades que possam ser cultivadas em áreas de escape
tro do caule”, detalha a autora da tese. Concluído o mapa genético-molecular, os cientistas identificaram as regiões que controlam o crescimento da seringueira nos períodos quentes e frios do ano. São esses dados, conforme a professora Anete, que podem contribuir com os programas de melhoramento da planta. O objetivo é desenvolver variedades que sejam altamente produtivas e que cresçam bem tanto em condições de inverno quanto de verão. “Embora uma corrente da ciência acredite que a melhor alternativa seja a busca por variedades resistentes ao ‘mal das folhas’, outra, na qual nós nos inserimos, pensa que a saída está em desenvolver variedades que possam ser cultivadas em áreas de escape, ou seja, em regiões cujo clima seja desfavorável à proliferação do fungo causador da doença”, destaca a docente. No Brasil, prossegue a diretora do CBMEG, o Estado de São Paulo apresenta características climáticas que o recomendam como uma área de escape. Ela lembra que o fungo causador do “mal das folhas” surgiu na Amazônia praticamente junto com as seringueiras. Na floresta, o organismo não causava grandes problemas, pois as árvores ficavam separadas umas das outras por outras espécies. Assim, o fungo permanecia em equilíbrio com a natureza. Com a descoberta da importância da borracha natural, entretanto, o extrativismo deu lugar à monocultura da seringueira, modelo no qual as árvores são plantadas lado a lado, em milhares de hectares. Isso facilitou a proliferação do fitopatógeno, que dizimou inúmeras plantações no país, sobretudo na região Norte. Embora seja uma espécie tropical, a seringueira é caducifólia. Isso significa que ela perde as folhas em um período do ano. No Brasil, isso ocorre em julho, mês no qual chove muito e faz calor na região Nor-
te, condições que estimulam a proliferação do fungo. “Em São Paulo, as características climáticas são diferentes. Aqui, nós temos um verão quente e úmido e um inverno frio e seco. Nessas circunstâncias, o fungo não consegue se desenvolver. É por isso que consideramos que o Estado pode vir a ser uma área propícia à exploração mais intensa da heveicultura”, diz a professora Anete. De acordo com ela, há décadas que a ciência vem tentando descobrir variedades resistentes ao fitopatógeno. Ocorre, no entanto, que o fungo sofre mutações contínuas. Toda vez que um clone mais resistente é desenvolvido, em pouco tempo ele também é atacado pelo “mal das folhas”. “É justamente por isso que consideramos que temos que percorrer um caminho diferente daquele que busca somente a maior resistência da seringueira”, reforça a docente. Caso as pesquisas resultem de fato na geração de clones capazes de crescer e produzir bem em São Paulo, isso trará ganhos importantes tanto para o Estado quanto para o país, como observa a diretora do CBMEG. A avaliação da professora Anete está baseada no fato de o Brasil, que foi o maior produtor e exportador de borracha do mundo, ser atualmente um grande importador dessa matéria-prima. Dados divulgados em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) davam conta de que o país produziu no ano anterior 142,7 mil toneladas de borracha natural, contra um consumo de 427,2 366 mil toneladas. A diferença foi comprada de outros países, contribuindo assim para ampliar o déficit Foto: Antoninho Perri
A professora Anete Pereira de Souza (segunda, da esq. para a dir.) e sua equipe: estudos objetivam desenvolver clones que produzam bem em regiões onde o verão seja quente e úmido e o inverno, frio e seco
da balança comercial. Dito de outro modo, o Brasil gera atualmente apenas um terço da borracha de que necessita. O consumo de borracha natural, assinala a professora Anete, funciona como um indicador do grau de desenvolvimento de um país – quanto mais industrializado, mais borracha natural ele usa. “O desafio que nós temos é de contribuir para que o Brasil volte a ser um grande produtor dessa matéria-prima. Ainda que o país não retome a condição de exportador, é importante que ele seja pelo menos autossuficiente. Nesse contexto, haveria um estímulo à indústria, com a consequente geração de emprego e riquezas”, afirma. O uso de recursos da genética genômica e da biotecnologia, conforme Lívia, a autora da tese, é fundamental para que esse objetivo possa ser alcançado, pois eles criam atalhos importantes ao processo de obtenção de novos clones produtivos de seringueira. “Não custa lembrar que o desenvolvimento de um clone demora cerca de 30 anos para ser concluído. Ainda estamos longe de conseguir fazer uma seleção assistida por marcadores celulares, mas já demos o primeiro passo nesse sentido”, conclui. Também participaram das pesquisas sobre a seringueira os seguintes estudantes de pós-graduação: Carla Cristina da Silva, Camila Campos Mantello e André Ricardo Conson. Tão importante quanto contribuir para solucionar um problema brasileiro, estudos como os desenvolvidos pelo CBMEG ajudam também na formação de recursos humanos qualificados. A professora Anete faz questão de enfatizar que o mérito pelos resultados alcançados na pesquisa com a seringueira é em grande parte de seus os alunos, que têm demonstrando não somente capacidade, mas também comprometimento com o projeto. “Além de muito preparados, eles revelam um entusiasmo incrível, que me contamina também. Eu sempre desejei trabalhar com a seringueira, mas nunca tinha conseguido. O projeto somente deu certo por causa da colaboração das outras instituições, mas fundamentalmente por causa da chegada da Lívia ao grupo de pesquisa. Posteriormente, vieram também outros pós-graduandos. Eles trabalham tanto para gerar novos conhecimentos quanto para compartilhá-los com quem esteja interessado”, pontua.
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
Química desenvolve etanol a partir do bagaço da laranja Estudo resulta em álcool de segunda geração ao aperfeiçoar processos de hidrólise Fotos: Antoninho Perri
partir da biomassa de que dispõe. Diante dos resultados da pesquisa e do interesse da indústria parceira, a docente está submetendo à Fapesp – em programa mantido pela instituição que visa a integração de universidade e indústria – projeto para o desenvolvimento do processo em planta piloto e posteriores testes já em escala industrial. Ela acredita que em dois anos o processo possa estar viabilizado para emprego industrial.
O PROCESSO
A professora Ljubica Tasic (à esquerda), orientadora, e Almas Taj Awan, autora da tese, no Laboratório de Química Biológica: conversão hidrolítica
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
ão clássicos os parâmetros que orientam a produção industrial com vistas à diminuição dos custos de produção: insumos baratos, menor demanda de energia, redução do tempo de processamento. Nas últimas décadas, muitas indústrias estão sendo levadas a considerar mais uma questão. Pressões sociais têm levado progressivamente muitos países a adotar medidas que forcem o uso de matérias-primas renováveis e processos que contribuam para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade. Por outro lado, o fantasma da sempre presente finitude dos combustíveis fosseis, caso do petróleo, movem meios produtivos e governos a promoverem e estimularem a procura de outras fontes energéticas. Entre elas, pelo seu caráter renovável, tem merecido destaque a utilização do álcool obtido diretamente de produtos agrícolas. No Brasil assumiu capital importância o emprego pioneiro da cana-de-açúcar. O biocombustível obtido diretamente do produto natural é considerado de primeira geração. O sucesso dessa empreitada, de repercussão mundial, e a necessidade crescente da procura de outras fontes para a produção do bioálcool, levaram à utilização de outros tipos de biomassa não destinados à produção primária de alimentos. Entre essas novas fontes energéticas que se revelaram promissoras estão os agro-resíduos, bagaços e cascas de frutas. Uma dessas biomassas de baixo custo e níveis elevados de carboidratos, o que viabiliza a sua utilização em processos biotecnológicos, é o bagaço da laranja, resultante do processamento do fruto utilizado na extração do suco que dá origem ao concentrado, largamente exportado pelo Brasil principalmente para EUA, Europa e Ásia. O álcool obtido a partir desses tipos de biomassa é denominado de segunda geração. Com o objetivo de melhorar o rendimento de processos já empregados para geração do bioálcool a partir de biomassas – cujas etapas fundamentais envolvem basicamente hidrólise e a fermentação –, baixando os custos e tempos de produção, a professora Ljubica Tasic, do Instituto de Química da Unicamp (IQ), orientou trabalho que deu origem à tese “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol de segunda geração”, desenvolvida pela química paquistanesa Almas Taj Awan no Laboratório de Química Biológica do IQ.
O etanol produzido a partir do bagaço: resíduos de laranja chegaram a 9,5 milhões de toneladas no país em 2011
As pesquisadoras esclarecem que o trabalho procurou melhorar os processos de hidrólise atualmente empregados a que é submetido o bagaço de laranja. Com esse objetivo, utilizou hidrólises ácida e enzimática, realizando posteriormente fermentação com cepas isoladas ou misturadas. Compararam então o processo clássico, que envolve hidrólise ácida, com os que utilizam a aplicação de enzimas comerciais e com aquele em que introduziram o microrganismo Xanthomonas axonopodis pathovar citri (Xac). E aí residiu a grande inovação. A Xac, fitopatógeno de grande periculosidade por causar a doença do cancro em cítricos, foi escolhida devido à presença de várias enzimas hidrolases e, também, face ao custo menor em relação às enzimas atualmente usadas nos processos industriais. A importância do estudo ressalta quando se sabe que, segundo o United States Departament of Agriculture, o Brasil é o maior produtor de laranja do mundo. Em 2011, cerca de 19 milhões de toneladas de laranjas foram produzidas no país, das quais 15 milhões apenas no Estado de São Paulo. O resíduo resultante da extração do suco constitui cerca de 50% do fruto. Esse tipo de resíduo lignocelulósico, utilizado grandemente no enriquecimento de rações, demanda um aproveitamento econômico mais atraente e de baixo custo. É o que se pretende hoje com a sua utilização na produção do bioetanol de segunda geração por meio da fermentação dos carboidratos oriundos dessa biomassa. Os resultados obtidos pelas pesquisadoras mostram a ocorrência de bem sucedida conversão hidrolítica do bagaço em uma mistura de açúcares passíveis de fermentação pelas enzimas da Xac. Ou seja, os polissacarídeos do bagaço são convertidos por hidrólise em monossacarídeos. Esses açúcares foram então transformados em bioetanol com a utilização de leveduras, duas isoladas do bagaço e a convencional, tanto com um único microrganismo (mono-cultura) como com a cultura de dois microrganismos (co-cultura).
Os rendimentos em termos de bioetanol decorrentes do emprego de co-culturas chegaram a 60%, valores muito superiores aos rendimentos decorrentes do uso de cepas específicas utilizadas na monocultura (cerca de 30%). Além disso, os açúcares foram consumidos mais rapidamente, acelerando os processos fermentativos, que passaram a ser de seis horas e não mais de vinte e quatro horas, tornando-os atraentes em termos de custos e aplicações comerciais. Considerando-se que, em 2011, no Brasil os resíduos de laranja chegaram a 9,5 milhões de toneladas (metade da massa da fruta produzida) e a possibilidade de um rendimento de cerca de 60% no processo empregado, conclui-se que esses resíduos poderiam ter gerado 1,14 milhões de toneladas de etanol. Essas perspectivas promissoras determinaram que a aluna de graduação em química Diana Martiniak Firbida e as pesquisadoras Junko Tsukamoto e Almas Taj Awan, que também participaram do trabalho desenvolvido pelo grupo orientado pela professora Ljubica, recebessem no final do ano passado o Prêmio Inova Unicamp de Iniciação à Inovação. O prêmio destina-se a projetos de iniciação científica que possuem maior potencial de mercado na forma de processos e serviços, que atraiam empresas e cujos resultados possam reverter em beneficio da sociedade. Os resultados da pesquisa foram apresentados na forma oral e/ou pôster em congressos e simpósios. As autoras destacam a participação naThe International Conference, Nanotechnology, Biotechnology & Spectroscopy: Tools of success in the coming Era (ICNBS), que ocorreu em Egito, em 2012, premiada como a melhor apresentação oral da conferência. A professora Ljubica destaca que o estudo despertou o interesse de uma das maiores indústrias de concentrado de suco do Brasil, com vistas à melhora do processo de obtenção do bioetanol em sua unidade de produção, a
Entre as várias etapas que envolvem a conversão da ligninocelulose em etanol, distinguem-se a hidrólise da celulose para obtenção dos açucares monômeros e a fermentação destes em etanol. No processo, o bagaço inicialmente moído foi primeiramente submetido a hidrólises ácida e enzimática e, com o emprego da espécie Saccharomyces cerevisiae e duas cepas do gênero Cândida parapsilosis, isoladas do próprio bagaço de laranja, fermentado. Por questões econômicas, as pesquisadoras testaram na etapa de hidrólise o uso da Xanthonomas axonopolis pv. citri como fonte de enzimas hidrolíticas, comparando sua ação com a de outras enzimas comerciais empregadas. Nesta etapa o interesse maior concentrou-se em verificar em que situações os rendimentos foram maiores. Posteriormente, os hidrolisados resultantes foram transformados em etanol através dos processos de fermentação. Nestes casos foram inicialmente utilizadas duas cepas do gênero Cândida parapsilosis isoladas do próprio bagaço, face às suas eficácias, além da levedura comercial Saccharomyces cerevisae em mono e co-fermentações. Neste caso os melhores resultados foram obtidos com a utilização conjunta do Saccharomyces com uma das cepas da Cândida. A junção destes dois fatores favoráveis levou o processo a um rendimento de cerca de 60% e a redução do tempo a seis horas, fatores fundamentais em processos industriais.
PESQUISAS PARALELAS
Os óleos essenciais presentes na casca de laranja – que apresentam ações antibacterianas e antimicrobianas e têm a função do proteger naturalmente o fruto contra pragas – inibem as ações dos microrganismos e por essa razão devem ser prévia, e pelo menos parcialmente, eliminados. Por essa razão, a primeira providência das pesquisadoras foi a extração desses óleos, submetendo o bagaço moído à passagem contínua de vapor aquecido. Esses óleos aromatizantes são usados em produtos cosméticos. Estes fatos levaram o Laboratório de Química Biológica, também, a pesquisar processos de maior eficiência para a extração desses óleos essenciais. Segundo Almas, outra grande inovação introduzida no estudo foi a de isolar e identificar 20 microrganismos presentes no bagaço de laranja com vistas a testá-los no processo de fermentação, etapa em que destaca a contribuição da pesquisadora Junko Tsukamoto. Dois microrganismos do gênero Cândida acabaram sendo utilizados por Almas em mono e co-culturas. Ela ressalta, ainda, que o trabalho aponta para a oportunidade de estudar a utilização desses microrganismos em processos de fermentação de outros tipos de biomassa. Outro produto, a esperidina, foi ainda obtido em alta pureza do bagaço da laranja, constituindo 1,8% dele. Esse fitoterapêutico age sobre o sistema vascular, normalizando a circulação e aumentando a resistência dos vasos sanguíneos e, acredita-se, que possa ter também atividade quimioprotetora. No momento, os dados relevantes da pesquisa estão sendo compilados e preparados para encaminhamento do pedido de patente.
Publicação Tese: “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol-2G” Autora: Almas Taj Awan Orientadora: Ljubica Tasic Unidade: Instituto de Química (IQ)
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
Descompasso entre
discurso e prática SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
ma crença pode ser mais forte que um fato. Os últimos 60 anos da política de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil são perpassados por um descompasso entre o discurso e a práxis. O economista Rafael de Brito Dias, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, recorre à frase do cientista e político norte-americano Vannevar Bush (18901974) para sustentar sua análise. Vannevar Bush era uma espécie de ministro de C&T nos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial. Ele foi responsável pela elaboração do relatório Science: the Endless Frontier. O documento defende, conforme Rafael Dias, a importância do apoio estatal à pesquisa científica, sobretudo porque o fim da Segunda Guerra diminuiria os recursos financeiros para a ciência. O argumento era de que o Estado deveria estimular a pesquisa básica para garantir o desenvolvimento econômico e melhorias no padrão de vida da população. “No Brasil, o marco fundamental da institucionalização de nossa política de C&T é a criação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] no começo da década de 1950, muito também na onda desta narrativa que se constrói para legitimar o apoio estatal à prática científica”, compara, para criticar, em seguida: “Assim como os cientistas norte-americanos precisavam forjar, no final da Segunda Guerra, um argumento para legitimar o apoio público a suas pesquisas, o discurso da inovação chega recentemente com semelhante função no Brasil. Ele serviu como um elemento que permitiu que a comunidade de pesquisa se reinventasse para manter o controle sobre a agenda da política”, expõe o pesquisador da Unicamp. Rafael Dias acaba de lançar, pela editora da Unicamp, o livro Sessenta anos de política científica e tecnológica no Brasil, que apresenta um panorama crítico do período. A obra é resultado da sua investigação de doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O estudo foi orientado pelo docente do IG Renato Peixoto Dagnino. O pesquisador critica, na entrevista a seguir, o discurso que transformou a inovação em uma “panaceia”. Dias, que coordena o Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi) da Unicamp, também desaprova o fato de a política de C&T no país ser dominada por um único ator – a “comunidade de pesquisa”.
Jornal da Unicamp – Qual foi a motivação para a pesquisa que culminou no livro? Rafael de Brito Dias – A ideia surge com a constatação de que a política de ciência, tecnologia e inovação está se tornando cada vez mais importante ou mais presente no discurso governamental. Mas ela ainda carece de reflexão acadêmica aprofundada. Enquanto políticas como a de saúde, educação e assistência social já têm tradição como objeto de pesquisa, a política científica e tecnológica é carente neste sentido. São ainda poucos os trabalhos que se preocuparam em detalhar a sua trajetória. JU – Que constatação relevante você aponta ao longo destes 60 anos de política de C&T no Brasil? Rafael de Brito Dias – Ela é dominada por um único ator, que é a comunidade de pesquisa. Isso é também observado em outros países latino-americanos. Mas não ocorre nos Estados Unidos e na Europa. O fato de a comunidade de pesquisa ser muito mais poderosa em relação aos outros atores faz com que ela controle a agenda. Temos uma pluralidade de atores que poderiam estar negociando e intervindo neste processo de construção da política pública, mas estão de fora. A própria empresa, que aparece com centralidade no plano do discurso governamental, não participa tão ativamente no processo decisório. JU – Como é constituída esta comunidade de pesquisa? Rafael de Brito Dias – É uma ideia de comunidade científica mais ampliada, envolvendo não só as ciências “duras” ou engenharias, mas também gestores e economistas, por exemplo. JU – E o que explicaria o fato desta comunidade ter mais poder de decisão em relação a outros atores? Rafael de Brito Dias – É preciso voltar 60 anos na história para entender isso. Há um episódio ocorrido no final da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, que é marcante. Trata-se do relatório Science: the Endless Frontier, elaborado por Vannevar Bush, uma espécie de ministro de ciência e tecnologia dos Estados Unidos naquela época. Ele estava preocupado com o efeito que o fim da guerra poderia trazer para a comunidade de pesquisa em termos de acesso a recursos. Formula, então, um documento no qual advoga pela importância do apoio estatal à pesquisa científica. O argumento é de que o Estado deve estimular a pesquisa científica básica para garantir o desenvolvimento econômico e melhorias no padrão de vida da população. Este é um marco na política de ciência e tecnologia dos Estados
Unidos. No Brasil, o marco fundamental da institucionalização de nossa política de C&T é a criação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] no começo da década de 1950, muito também na onda desta narrativa que se constrói para legitimar o apoio estatal à prática científica. O fato é que, por questões históricas, ao contrário do que ocorreu em outros países, aqui não há um processo de incorporação de outros atores nesta construção da política. A comunidade de pesquisa, desde cedo, se mantém no controle do processo decisório e, por conta disso, tem uma condição privilegiada de pensar políticas que sejam aderentes a seus interesses. A política de ciência e tecnologia talvez seja a única formulada, implementada e avaliada por um único ator. Recentemente, as empresas, de forma muito marginal e tímida, estão se incorporando no processo decisório. Mas outros atores, como os movimentos sociais, estão completamente marginalizados. E aí existem argumentos socialmente aceitos de que a ciência é algo que cabe aos cientistas decidir. Isso é questionável. Somos todos cidadãos e experimentamos no nosso dia a dia a ciência e a tecnologia. JU – Há, então, um descompasso entre o discurso e ação ao longo destes 60 anos? Rafael de Brito Dias – Sim. Claramente a nossa política científica teve, dos anos de 1950 até o fim do regime militar, em 1985, um padrão bastante definido, com grandes projetos e apoio forte do Estado. Ciência e tecnologia eram elementos legitimadores do regime, inclusive. Aí veio a crise dos anos de 1980 com efeitos importantes no financiamento público das atividades de pesquisa até a década de 1990. Começa, influenciada por essa crise, o discurso da importância da inovação. E começa mais como um discurso do que como prática. Assim como os cientistas norte-americanos precisavam forjar, no final da Segunda Guerra, um argumento para legitimar o apoio público a suas pesquisas, o discurso da inovação chega com essa mesma função. Ele serviu como um elemento que permitiu que a comunidade de pesquisa se reinventasse para manter o controle sobre a agenda da política. Hoje, fala-se muito sobre isso, mas as políticas estruturadas para tanto ainda são muito deficientes. A partir dos anos de 1990 começa o segundo movimento importante da ascensão do discurso inovacionista. Inclusive, muitas das políticas que temos hoje se mostram Foto: Antonio Scarpinetti
O economista Rafael de Brito Dias, autor do livro: “Inovação no país virou uma panaceia, serve para qualquer coisa”
Livro de docente da FCA traça panorama crítico dos 60 anos de C&T no país bastante problemáticas. Geram problemas para além daqueles que buscam solucionar por conta disso: a inovação virou um termo tão difundido que o Estado brasileiro dá dinheiro a fundo perdido para empresas multinacionais fazerem pesquisas, sem cobrar resultados. Temos dinheiro público financiando, através de bolsas, doutores em empresas privadas. Há um problema político e não existe reflexão por conta dessa blindagem ideológica construída ao redor do termo “inovação”. JU – Mas você não concorda que a participação da área privada em pesquisa é muito incipiente, ainda mais quando comparada com outros países? Rafael de Brito Dias – Na verdade, existe certo voluntarismo: quem advoga por esta política de forma mais ativa hoje são os próprios acadêmicos. Os empresários estão pouco preocupados com isso no Brasil. Porque justamente aqui a empresa encontra outras formas de valorização do capital. Por exemplo, via mercado financeiro ou comprimindo os salários dos trabalhadores. Aqui, as empresas prescindem da inovação. Conforme aquela descrição clássica de Schumpeter [Joseph Alois Schumpeter], a inovação é algo que a empresa faz para se diferenciar temporariamente dos seus concorrentes e obter lucros extraordinários. E que, no agregado, vai gerar desenvolvimento econômico. Mas isso não se verifica no Brasil porque, justamente, as empresas não precisam inovar. Da forma como a ideia de inovação é tratada, parece que é algo muito simples. Não é bem assim. Inovar é um processo absolutamente incerto. É caro. É demorado e, mesmo que saia alguma inovação no final de tudo isto, pode ser que ela não seja rentável. Mas inovação no país virou uma panaceia, serve para qualquer coisa. JU – Qual a sua avaliação acerca do investimento governamental na área de C&T, que chega a pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB)? Rafael de Brito Dias – O Brasil não está mal. Não é dos países em que o gasto com ciência e tecnologia em relação ao PIB é pouco expressivo. Mas às vezes perde-se na memória que o país ainda não fez a lição de casa. O Brasil não constituiu uma base industrial pujante como outros países. Mas o problema central da nossa política não é a quantidade de recursos, e sim a forma como são investidos. É um problema qualitativo. Por exemplo: as fontes de recursos geralmente são públicas. Enquanto que nos Estados Unidos as empresas privadas investem dinheiro próprio para fazer pesquisa, aqui isso não é tão frequente. No Brasil, o governo chama para si esta responsabilidade porque percebe que as empresas não estão fazendo. Isso acaba gerando, inclusive, um comportamento de crowding-out: se o Estado põe dinheiro, a empresa deixa de por. E acaba gerando um efeito oposto àquele que deveria estar induzindo.
Serviço Obra: Sessenta anos de política científica e tecnológica no Brasil Autor: Rafael de Brito Dias Editora da Unicamp Páginas: 256 Preço: R$ 42,00
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Soltando a (próp Foto: Alessandro Pinzani/Divulgação
PAULO CESAR NASCIMENTO pcncom@bol.com.br
os rincões miseráveis do Brasil emergiram as vozes de mais de uma centena de mulheres. Beneficiárias do Bolsa Família, essas brasileiras abriram as portas de seus casebres e, não raro, a própria alma, para contar suas vivências e aprendizados com os recursos transferidos regularmente pelo governo federal no âmbito de seus mais extenso programa destinado a mitigar a pobreza. Os densos e francos relatos, que em muitas ocasiões adquiriram contornos de pungentes confidências, permitiram trazer à luz resultados muito mais abrangentes na vida dessas mulheres que a subsistência proporcionada pelo auxílio financeiro. O recebimento da renda monetária e o controle exercido por elas sobre o dinheiro – pois são as titulares do cartão que permite sacar o benefício na boca do caixa – modificaram substancialmente a percepção que tinham sobre a própria vida. Houve ganho de autonomia e liberdade de escolha, de dignidade e respeitabilidade na vida local. Em suma, passaram a ter voz em regiões secularmente identificadas com a submissão feminina. As profundas mudanças comportamentais no universo feminino do Bolsa Família constituem os achados de um estudo de fôlego desenvolvido a quatro mãos pela socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e pelo filósofo italiano Alessandro Pinzani, professor adjunto de Ética e Filosofia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Concebida com a finalidade de averiguar se, como e em que medida a nova renda e sua regularidade incidiam sobre a vida cotidiana das famílias e, em particular, das mulheres, a pesquisa completa estará disponível em breve no livro Vozes do Bolsa Família, a ser lançado pela Editora Unesp. Walquiria chama a atenção para o fato de a pesquisa ter sido conduzida por autores provenientes de formações intelectuais distintas (filosofia e ciências sociais), além de provir de diferentes países (Itália e Brasil). Um dos motivos principais da cooperação foi a tentativa, por um lado, de aproximar a filosofia política da análise empírica da realidade social e, por outro, de fortalecer o diálogo interdisciplinar existente desde a fundação da sociologia. De acordo com ela, a simbiose resultou em uma diferença de olhar e de perspectiva teórica que proporcionaram ênfases e tons diversos ao tema abordado. “Consideramos o estudo como um experimento interpretativo, no qual estiveram presentes o diálogo entre várias teorias contemporâneas normativas de cidadania, de democracia e de autonomia e seu confronto com a realidade das mulheres em estado de extrema pobreza, alvos do Bolsa Família”, enfatiza.
IMPACTOS DO DINHEIRO
Foi de Walquiria a iniciativa da empreitada, a partir de sua percepção de que o programa teria impactos na subjetividade das mulheres, pelo fato de o Bolsa Família conceder benefícios monetários. Segundo a “Sociolo-
Livro revela como o programa Bolsa Família transformou a vida de beneficiárias oriundas de regiões secularmente identificadas com a submissão feminina Cavadora de maçunim, espécie de marisco comum na costa brasileira, em Maragogi, no litoral alagoano, em foto que ilustra a capa do livro
gia do Dinheiro” – uma das várias teorias que ofereceram respaldo conceitual e analítico na avaliação do material empírico recolhido pelos docentes na pesquisa – o dinheiro é uma instituição diferente, capaz de transformar os indivíduos. Desse modo, argumenta a cientista, a destinação de um valor financeiro é completamente diferente da entrega de uma cesta básica, porque possibilita o desenvolvimento de determinadas capacidades e competências que o dinheiro, em sua função comunicativa e simbólica, acaba estimulando, como a liberdade de escolher minimamente a forma de utilizar o recurso. A investigação requereu viagens de pesquisa ao longo de cinco anos, desde 2006, que Walquiria empreendeu a princípio sozinha e mais tarde acompanhada de Alessandro, nas quais foram entrevistadas 150 mulheres que recebem o Bolsa Família em regiões tradicionalmente consideradas as mais desassistidas do país: sertão nordestino (Alagoas), zona litorânea de Alagoas, Vale do Jequitinhonha (MG), periferia da cidade do Recife, interior do Piauí, interior do Maranhão e periferia de São Luís (MA). São lugares onde a população é em sua maioria semianalfabeta, os níveis de escolaridade são baixíssimos, não existem opções de emprego e o Estado é pouco atuante. “Escolhemos entrevistar beneficiárias que moram em áreas rurais ou em pequenas cidades do interior, por entender que sua situação se diferencia muito da dos pobres urbanos, objeto já de inúmeros estudos. É muito diferente ser pobre em algumas daquelas regiões e ser pobre na periferia de São Paulo, por exemplo, onde bem ou mal existem alternativas. Os pobres rurais se deparam com problemas diferentes, começando pelo isolamento geográfico que resulta, quase sempre, na impossibilidade de ter acesso a serviços públicos básicos, como escolas e postos de saúde”, justifica a professora.
Importante no processo de seleção e localização das entrevistadas, segundo ela, foi o apoio de contatos locais (pessoas diretamente responsáveis pela aplicação do programa, como assistentes sociais, gestores, prefeitos, ou ainda integrantes de movimentos sociais e intelectuais), que intermediaram encontros com muitas das famílias ouvidas. Mas na maioria das vezes as beneficiárias foram procuradas livremente, a fim de evitar direcionamentos de qualquer natureza. Conforme observa ainda a socióloga, não procederam a uma pesquisa estatística ou quantitativa, mas fundamentalmente qualitativa. “Aplicamos em nosso trabalho de coleta de dados a técnica da entrevista aberta, e não a do questionário fechado, pois julgamos ser a única possível nesse tipo de investigação, exatamente porque pretendíamos alcançar alguns níveis da estrutura subjetiva dos entrevistados, buscando apreender mudanças mais profundas, morais e políticas, proporcionadas pelo benefício. Realizamos então longas entrevistas, munidos apenas de um roteiro de questões e na audição atenta da fala mais livre possível dos entrevistados”, esclarece a pesquisadora. O método impôs a necessidade da realização de repetidas conversas e do estabelecimento de uma relação de confiança com os entrevistados, o que significou a dedicação de tempos longos tanto na coleta dos depoimentos, com o retorno ao campo ao menos mais de uma vez – o propósito era o de acompanhar a adaptação das famílias e, em particular, das mulheres à nova situação econômica proporcionada pelo programa –, quanto na reflexão sobre o material recolhido. Walquiria frustrou-se por não ter recebido apoio financeiro da Universidade e decidiu custear a pesquisa com recursos próprios, agendando as viagens em períodos de férias. Fotos: Alessandro Pinzani/Divulgação
Cozinha de beneficiária em Araçuaí (acima), e casa na zona rural de Povoado da Cruz: autores do livro entrevistaram 150 mulheres em regiões tradicionalmente desassistidas
Foto: Antoninho Perri
A professora e socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, do IFCH: “Consideramos o estudo como um experimento interpretativo”
ECONOMIA DOMÉSTICA
Conforme observam os autores do estudo, a pobreza é um problema complexo e, como tal, não admite uma solução fácil. Portanto, não pode ser resolvida simplesmente por meio de um programa de transferência direta de renda. Do mesmo modo, é um equívoco pensar que o Bolsa Família se limita a garantir a sobrevivência material de famílias destituídas e extremamente pobres, embora, salientam, a medida governamental tem o mérito de enfrentar importantes questões ligadas à pobreza. Uma delas é o início da superação da cultura da resignação, ou seja, da espera resignada pela morte por fome e doenças relacionadas à miséria: com o valor recebido, podiam comprar comida para a família e já não passavam tanta “necessidade” (termo este muito usado pelas entrevistadas para falar de carências e privações). “Pudemos constatar nas entrevistas a imprescindibilidade da bolsa para continuarem vivendo”, apontam os docentes. “Na grande maioria das famílias pesquisadas, o repasse representa o único rendimento monetário percebido e, em vários casos, constitui a primeira experiência regular de obtenção de rendimento. Antes disso, a vida se resumia à luta diária para obter comida, que poderia vir desde a sua caça como da ajuda de familiares. Todas reconheceram que, se suas vidas eram duras, sem a bolsa o seriam ainda mais.” Dona Amélia que o diga. Moradora de Pasmadinho (MG), 41 anos, mãe de dez filhos, com marido desempregado que faz bicos quando estes aparecem, ela salienta que agora a família já não passa fome, pois
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pria) voz antes “às vezes, não tinha para jantar ou não tinha para almoçar”. Ao responder sobre o papel da renda na mudança da vida dura, não pestaneja: “Porque a gente tem mais liberdade no dinheiro. Pode comprar mais o que a gente quer.” A dupla afirma que, em diferentes níveis, praticamente todas as mulheres registraram mudanças relevantes em sua vida material, embora um número importante entre elas se queixasse do valor insuficiente do auxílio (muitas o definiram como “uma ajuda”) para obter outras melhorias na vida e ganhar mais liberdade na escolha dos bens de consumo, e quase todas afirmassem preferir um trabalho regular. De forma geral, a bolsa (cujos valores são periodicamente reajustados) é utilizada para comprar gêneros alimentícios básicos: arroz, farinha, feijão, macarrão, carne e leite. Mas à medida que as usuárias aprendem a planejar minimamente o uso do dinheiro, desenvolvem também a capacidade de fazer escolhas e passam a buscar opções capazes, por exemplo, de variar o cardápio familiar (“como optar por comer macarrão ou batata uma vez por semana”, ilustra Walquiria) e até a se permitir algumas “extravagâncias” impensáveis até então, como comprar bolachas e iogurtes para as crianças. Nesse processo em que se aprimoram no gerenciamento adequado dos recursos recebidos, acabam gradualmente por conseguir acesso a outros bens e confortos para a família. Para aqueles de quem a miséria extirpou qualquer chance de escolha, os avanços são notáveis. Em Inhapi (AL), Dona Luisa, com 41 anos, mãe de oito filhos e avó de uma menina de 2 anos, conseguiu pintar a casa e comprar sofás e televisão com a bolsa de R$ 160,00 (valor em 2011) e mais algum dinheiro proveniente dos “bicos” do marido, ajudante de pedreiro, relata a pesquisa. Testemunhou com alegria a melhora que a bolsa trouxe a sua vida (ela e a família comiam melhor e de fato a vida melhorara bastante, contou) e revelou como conseguira se organizar para adquirir novos colchões. Economizara tostão por tostão, não contou para ninguém, e, de repente, comprou um colchão e depois, usando do mesmo procedimento, comprou os demais. Demonstrava muita satisfação com sua proeza e, principalmente, pelo fato de agora todos eles dormirem sobre “camas de verdade”. Os planos para o futuro incluíam a compra de uma geladeira. “A casa e a aparência dessa família demonstravam pobreza, mas tinham tido um grande ganho na dignificação de suas vidas, que se manifestava nos gestos e modos de falar das melhorias da residência e da dieta alimentar. Disso se depreende que o Bolsa Família não se limita a sustentar as famílias que o recebem, mas dá a elas um certo fôlego que lhes estaria permitindo sair da sua atual situação de privação absoluta de bens”, analisa Walquiria.
BATOM E SEPARAÇÕES
O fato de o emblemático cartão amarelo do Bolsa Família estar em nome das mulheres é considerado positivamente pela quase totalidade delas. A clássica resposta sobre essa questão é a de que elas são melhores gestoras das finanças familiares e de que seus maridos normalmente são incapazes de fazer compras adequadas às necessidades familiares ou gastariam o dinheiro em bebidas. No entanto, muito mais que referendar essa justificativa, a decisão do governo em destinar o benefício do programa às mulheres (muitas passaram a dispor de uma renda fixa pela primeira vez) representou, para as destinatárias, a conquista de maior independência e segurança. Em sua maioria, afirmaram se sentir mais livres (ou “à vontade”, nas palavras delas) e menos angustiadas no que diz respeito à capacidade de adquirir bens primários para suas famílias. Quase nenhuma delas entrega o dinheiro para o marido. “A gente fica mais independente quando coloca [o cartão] no nome da pessoa mesmo”, afirmou de forma positiva e entusiasmada Dona Neusa, 36 anos e mãe solteira de três filhos, moradora no bairro do Carvão, em Maragogi (AL). “É, [ela] fica com mais direito, né? Porque a gente vive com mais direito. Já que as mulheres não têm
nada, não trabalham, aí elas têm esse direito, né?”, ressaltou Dona Maria, de 29 anos, casada, com uma enteada de 9 anos, também da mesma região. “Tá certo assim, pois a mulher é mais econômica que o homem”, resumiu Dona Rosangela, do bairro Anjo da Guarda, na periferia de São Luís do Maranhão. O caráter liberatório da disponibilidade de renda monetária pode ser também aferido no aumento de autoestima e de autonomização na gestão das próprias vidas e destinos das mulheres ouvidas. Passou a existir espaço para cuidados antes proibitivos com a vaidade – ainda que a compra de um simples batom ou creme para cabelo fosse carregada de um injustificado sentimento de culpa por um “desvio” na finalidade do dinheiro recebido –, sentiram-se mais à vontade para tomar decisões sobre o próprio corpo – houve aumento no número de mulheres que procuram por métodos anticoncepcionais – e algumas poucas tomaram inclusive decisões morais difíceis, como conseguir desfazer casamentos infelizes, ainda mais em regiões onde é raro a mulher tomar a iniciativa de separações. “A vida delas mudou porque o universo de escolhas se ampliou consideravelmente. E exercer o direito de escolha é uma questão fundamental para a democracia”, argumenta Walquiria. Com um orçamento da ordem de R$ 24 bilhões estimado para este ano e atendendo a um universo de 50 milhões de pessoas, o Bolsa Família e seus beneficiários são alvo de polêmicas que, na opinião de Walquiria, constituem um bom exemplo da repetição histórica do preconceito e da força dos estereótipos em relação aos pobres. “Nos mais variados ambientes sociais eles são acusados de preferir viver do dinheiro da bolsa, em vez de trabalhar; de fazer filhos para ganhar mais dinheiro do Estado, entre outras. Essas acusações estereotipadas provêm, na maioria dos casos, de pessoas que não dispõem de informações a respeito do programa, como o valor da bolsa, por exemplo, que com certeza não poderia substituir um salário regular; ou sobre o fato de que as famílias recebem no máximo ajuda para três filhos, recentemente para mais dois em idade escolar e uma ajuda para dois adolescentes, entre 16 e 17 anos, enquanto os outros ficam excluídos; ou sobre o fato de que os beneficiários não dispõem de capacitações, pois em sua grande maioria são analfabetos ou pouco escolarizados; portanto, dificilmente conseguem emprego”, defende. Controvérsias à parte, as mudanças na subjetividade das mulheres constatadas ao longo dos cinco anos da pesquisa convenceram Walquiria de que o Bolsa Família pode ser considerado uma política pública de cidadania – cidadania entendida aqui como um longo processo, uma construção da identidade, que altera a subjetividade –, ainda que de forma incipiente e observada a ressalva de que o programa estaria apenas começando a alterar a forma como estes indivíduos se enxergam. Conforme salienta, se a alimentação e outras conquistas no campo da subjetividade estão sendo asseguradas, por outro lado as famílias ainda carecem do acesso a demais direitos sociais básicos – assistência social, saúde e educação – associados à transferência do benefício estatal. Para ela, contudo, o fato de ser ainda muito insuficiente como tal não permite ignorar suas possibilidades de se tornar uma consistente política de formação de cidadãos, se complementadas por um conjunto mais amplo de políticas que visem aos direitos garantidos na Constituição de 1988. Nesse sentido, destaca, o Bolsa Família começa pela mais preliminar de todas as prerrogativas da cidadania, porque diz respeito ao mais preliminar direito: o direito à vida.
Serviço Obra: Vozes do Bolsa Família. Autonomia, dinheiro e cidadania Autores: Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani Páginas: 241 Editora: Unesp No prelo
Fendas de liberdade O campo de atuação de Alessandro Pinzani é a filosofia política. Ele ocupa-se, em particular, das teorias da justiça social. O convite da professora Walquiria para participar da pesquisa deveu-se a esse interesse específico. Ao explicar em que aspectos o Bolsa Família, como objeto de pesquisa, tornou-se importante e trouxe contribuições para as suas investigações, ele observa que, em geral, os estudos de filosofia política no Brasil tendem a permanecer em certo nível de abstração. Há exceções importantes, frisa, como os projetos de pesquisa social realizados pelo Cebrap ou pelo Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia de Porto Alegre, entre outros. A tendência, no entanto, é a de estudar modelos teóricos sem preocupar-se muito com sua aplicabilidade à realidade social, econômica e política brasileira. Ainda de acordo com ele, os modelos contemporâneos mais pesquisados no Brasil – como a teoria da justiça como equidade, de Rawls, ou a teoria discursiva do Estado e do direito, de Habermas – partem de pressupostos que no país são dados só parcialmente. Em particular, pressupõe-se que todos os cidadãos tenham alcançado e ultrapassado um nível mínimo de qualidade de vida. “Mas a situação brasileira é diferente, com quase um terço da população que vive perto da linha da pobreza definida pelo FMI. Minha intenção era investigar o que isso significa para a elaboração de uma teoria da justiça mais preocupada com sua concreta aplicação em uma realidade social específica”, salienta Pinzani. “Ao mesmo tempo, analisar os efeitos de um programa de transferência direta de renda monetária como o Bolsa Família, me ofereceu a possibilidade de estudar a relação entre dinheiro e autonomia individual, que já foi tematizada por Marx e Simmel, entre outros, e que me interessava desde que comecei a ocupar-me da teoria das capabilities de Amartya Sen e Martha Nussbaum”, complementa. Segundo ele, todos esses autores foram fundamentais para elaborar os fundamentos teóricos a partir dos quais foi possível interpretar os dados empíricos recolhidos na pesquisa de campo. Finalmente, era sua intenção voltar a um aspecto importante de uma tradição teórica, na qual ele afirma se reconhecer bastante: a Teoria Crítica. “Os membros da chamada primeira geração de tal teoria, Adorno e Horkheimer, em primeiro lugar, acreditavam na importância de conjugar pesquisa empírica e teoria social e parece-me que esta visão seja ainda valiosa”, argumenta. Em relação aos seus achados acerca dos impactos do programa na autonomia das beneficiárias, Pinzani faz questão inicialmente de ponderar que o conceito de autonomia é bastante complexo. Existem, em primeiro lugar, diferentes âmbitos, nos quais é possível falar em autonomia: moral, político, econômico. Em segundo lugar, autonomia é algo que se pode alcançar em diversos níveis. Não há necessariamente uma conexão entre o fato de possuir um alto nível de autonomia econômica, por exemplo, e o de possuir um alto nível de autonomia moral ou política. “Em nossa pesquisa, partimos de uma definição mínima de autonomia, entendida como a capacidade de elaborar planos de vida e de atribuir direitos e deveres a si e aos outros. Tal definição se aplica aos três âmbitos anterior-
Foto: Divulgação
O professor e filósofo italiano Alessandro Pinzani, da UFSC: estudando a relação entre dinheiro e autonomia individual
mente mencionados e deixa aberta a possibilidade de que o indivíduo alcance diferentes níveis de autonomia em cada um deles”, esclarece. “Ao mesmo tempo, incluímos em nossa visão de autonomia a ideia, defendida em particular por Sen, de que a liberdade individual depende da existência de circunstâncias subjetivas e objetivas que aumentam ou diminuem as opções de ação e de formas de ser que os indivíduos consideram valiosas. Exemplos: a possibilidade de viver livre de doenças endêmicas, como a malária, implica na existência de políticas públicas dirigidas ao combate de tais doenças; a possibilidade de encontrar uma profissão que nos sustente depende da disponibilidade de trabalho na região na qual moramos.” Ao investigar se e em que medida um programa de renda monetária regular como o Bolsa Família contribuía para criar condições materiais capazes de permitir aos beneficiários desenvolver maior autonomia, os resultados coletados deixaram Pinzani moderadamente otimista: pode-se dizer que na vida das beneficiárias abriram fendas de liberdade. “A experiência de uma renda monetária regular, além de libertá-las da necessidade imperiosa de satisfazer carências básicas, lhes permite certa autonomia em relação à planificação da vida delas e de suas famílias – não somente em sentido estritamente econômico, mas também no que diz respeito à saída de relações angustiantes de dependência pessoal, particularmente de dependência dos pais, dos maridos, dos irmãos ou cunhados, ou à esperança de uma vida melhor para seus filhos”, constata. O pesquisador verificou que as beneficiárias passam a assumir uma maior responsabilidade com sua vida, a sentir-se mais “à vontade”, como afirmaram muitas delas nos depoimentos, passam a se perceber como pessoas reconhecidas pela sua comunidade, justamente por causa da regularidade da renda, que faz com que os comerciantes lhes concedam crédito, por exemplo. “Sem esta possibilidade de planificar pelo menos minimamente sua vida, um ser humano se parece com um animal preocupado somente em caçar comida para si e para seus filhotes”, compara Pinzani. “Neste sentido, na fala de algumas das mais desprovidas dessas mulheres, emerge a sensação de se ter alcançado somente agora uma realidade plenamente humana. Mas também as outras reconhecem que suas opções existenciais aumentaram significativamente – e isso pode ser lido como um aumento de sua autonomia moral.”
Trecho do livro Em seguida nos dirigimos para a residência de Dona Madalena, agora com 35 anos. Encontramo-la “batendo feijão” na sua minúscula propriedade. Veio nos atender de modo sorridente, muito diferente do ano anterior, quando a encontramos lacônica, de semblante sombrio, tendo caído em prantos a certa altura da entrevista. Fotografamo-la juntamente com seus filhos, e neste momento ela fez questão de contar que no ano anterior a tínhamos encontrado num dos momentos mais difíceis de sua vida, pois queria se separar do marido. Agora, havia conseguido a separação e a vida havia melhorado muito. Perguntamos-lhe quanto estava recebendo pelo programa BF, e ela muito alegre nos disse: “Estou recebendo R$ 112 com esse pequeno aumento que teve”. À pergunta sobre o que havia mudado na sua vida após seu ingresso no programa Bolsa Família, Madalena respondeu: “Adoro, porque eu não sei o que seria da minha vida sem ele, né? Ia ficar meio difícil, com três filhos. Acho ótimo, ótimo, Capa do livro, que será porque se não fosse o Bolsa Família, eu não sei o que seria da lançado em breve família pobre”. Do ponto de vista das mulheres entrevistadas, salta aos olhos seu desejo de garantir um futuro melhor a seus filhos. Pode-se dizer que é essa quase sua única esperança na vida: fazer deles pessoas menos destituídas de capacitações do que elas, enfim, equipá-los melhor para que busquem outro destino. (Relato em Inhapi-AL, em 2007)
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Funcionário do setor administrativo da FCM dedica-se também à carreira de artista plástico
A Unicamp precisa de ‘Ba’.
E ele, da arte
Fotos: Antoninho Perri
MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
a infância, o então distrito de Engenheiro Coelho, na região de Limeira (SP), não oferecia muitas opções que satisfizessem a erudição do pequeno Emilton Barbosa de Oliveira, hoje conhecido como “Ba” (de Barbosa). Uma imagem de Madonna impressa em um pequeno catálogo do Museu de Artes de São Paulo (Masp), aos 8 anos de idade, prendeulhe a atenção. A partir desse encontro, enquanto as roldanas dos carrinhos de rolimãs giravam velozmente e a bola rolava entre pés e cabeças de meninos e meninas na rua onde morava, em sua imaginação giravam traços recorrentes que se transformavam em belos desenhos. Mas em Campinas a história foi diferente. Ao descarregar a mudança, aos 12 anos, na década de 1970, e procurar a Escola José Vilagelin Neto, encontrou no quadro de professores o artista plástico Bernardo Caro, um dos representantes do grupo Vanguarda, que fez história em Campinas. O contato com Bernardo Caro inspirou o jovem “Ba” a realizar o sonho de viver de arte. O artista ministrou as aulas de que ele mais gostava, nas quais recebeu noções de técnica de desenho, fotografia e gravuras. Seus ensinamentos foram determinantes na escolha feita na década de 1980, ao se inscrever no vestibular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e também foram responsáveis pela decisão de não abrir mão da arte, ainda que a família tentasse convencê-lo de que “arte não dá dinheiro”. “Para despistálos, me inscrevi em jornalismo, mas torcendo para ser convocado a assumir uma vaga na segunda opção, que era artes plásticas. Deu certo”, brinca “Ba”. No curso de artes plásticas, reencontrou Caro, cujos ensinamentos mais uma vez o incentivaram a prosseguir. Teve a oportunidade de saborear de sua companhia antes que ele fosse convidado a criar o Instituto de Artes da Unicamp, universidade na qual “Ba” já trabalhava desde os 18 aos de idade, na área administrativa da Faculdade de Ciências Médicas, quando esta ainda mantinha suas instalações na Santa Casa de Campinas. Como escriturário do Departamento de Neurologia da Universidade, já pensava em estudar arte, porém, nunca cogitou abrir mão de sua estabilidade profissional. Após quatro anos, por meio de um concurso interno, “Ba” se transferiu para a área de apoio didático. Na mudança da FCM para a Unicamp, por produzir material didático, constatou que poderia aplicar suas habilidades artísticas na produção de apostilas, ilustrações e pequenos cartazes. Paralelo às atividades administrativas, construiu uma carreira nas artes. “Não perdi a ligação com a produção em arte. Muitos de minha turma fizeram o curso e no máximo conseguiram dar aula. Acho legal, mas gosto da criação”, declara “Ba”. No ateliê instalado em sua casa, prosseguiu pintando para divulgar seus trabalhos em espaços de exposição de arte. Foram muitas as mostras locais de que participou coletiva ou individualmente, enquanto investia num projeto pessoal de propagar a arte no ambiente da Unicamp entre pessoas que tinham nenhum ou pouco acesso. Espaço vazio para quê? Ao rodear os olhos, “Ba” pensava em formas de transformar espaço vazio em espaço de arte em sua unidade de trabalho. E assim começaram as sugestões aos administradores dessas áreas. Sempre aceitos, os apontamentos conduziram à criação do Espaço das Artes no saguão do prédio da Administração da FCM em 2000. Hoje, o lugar transformou-se num espaço de vivência, no qual um número grande de artistas expõe seus trabalhos. Cabe a ele analisar e avaliar os trabalhos dos artistas que procuram a Coordenadoria de Relações Públicas da FCM. Além da organização, “Ba” se envolve na montagem, na produção de banners, além de garantir toda a estrutura. A proposta é permitir que as pessoas saiam, por exemplo, de uma reunião ruim, e mudem o ângulo de visão para terminar melhor seu dia. “Sempre
Emilton Barbosa de Oliveira, o “Ba”, em exposição no Espaço das Artes, na FCM: “Não perdi a ligação com a produção em arte”
procuro me envolver em ações relacionadas com minha área não somente por satisfação pessoal, mas para mostrar às pessoas o quanto a arte pode ajudar a viver o dia-a-dia. Quero ajudar as pessoas a terem outros olhares sobre a vida. Elas precisam saber que os limites podem ser ultrapassados”, enfatiza o funcionário, para quem a arte torna a compreensão das coisas mais maleável. O ambiente também propicia o encontro de funcionários para a realização de oficinas, dentro do projeto “Fazeres Espelhados”, desenvolvido durante todo o ano de 2012, com apoio do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS). O projeto teve vários desdobramentos. Um deles, de acordo com “Ba”, deu origem a um bazar programado para a semana do Dia das Mães deste ano, organizado pelos participantes sem nenhuma gerência dos organizadores. “Meu desejo era justamente que a arte ajudasse na convivência, na vivência e a garantir qualidade de vida. Ver a repercussão do projeto é uma realização para mim”, declara. Segundo o artista, a proposta era atender a comunidade da Faculdade de Ciências Médicas, mas acabou atraindo colaboradores de outras unidades, entre eles pessoas que, mesmo afastadas por motivos de saúde, faziam questão de comparecer às oficinas. E a mudança veio, como desejou o artista. Houve valorização do possível, pois até mesmo quem chegou ao projeto garantindo ter um desenho feio entendeu que o importante não é atingir o belo em sua concepção clássica, mas encontrar beleza no que produz, conforme “Ba”. Como exemplo, ele menciona uma enfermeira que descobriu que além de qualidade técnica de sua produção, revela uma expressão muito forte. Hoje, entre o apoio didático e o apoio às artes, “Ba” é exemplo de que é possível transformar as coisas sem exatamente estar no lugar adequado para fazer o que gosta. “Não preciso estar no Instituto de Artes (IA) para desenvolver atividades nesta área”. Pelo contrário, não teve preconceito com nenhuma de suas áreas e uniu as duas em prol de uma comunidade. Até porque, segundo ele, a arte se move e permite desenvolver-se onde quer que seja. Os momentos mais íntimos com a arte acontecem em seu ateliê. Hoje, sua poética de criação transformou-se, pois o contato com a arte contemporânea fez com que substituísse pincéis e tintas por câmeras, vídeos e instalações. O interesse foi despertado em 2009, durante curso de especialização em artes visuais do IA.
ARTE CONCEITUAL
Dentre outros trabalhos, destaca-se um “site specific”, modalidade de arte conceitual, intitulado “vídeOcupação 1”, realizado em agosto de 2012. Este trabalho fez parte de um coletivo organizado pela artista campineira Cecília Stellini e outros artistas, intitulada “Movimentos Convergentes”. A ocupação foi feita em uma sala de aula no antigo colégio Einstein, na cidade de Limeira. O evento aconteceu em homenagem aos 15 anos da Oficina Cultural Carlos Gomes. A experiência se repetirá este ano no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), em Salto, SP, com a mostra “Caminho Líquido”. “Filmo o meu percurso por caminhos paralelos ao Salto Grande, cachoeira que fica ao lado da faculdade, que era uma antiga fábrica. O vídeo é projetado em telas no chão. A ideia é que a pessoa caminhe por essa sala enorme com a projeção em cinco TV de LED de 42 polegadas”, detalha. Na área de arte contemporânea, em 2011, “Ba” fez também uma instalação no ateliê AT|AL 609, especializado em pesquisa em arte contemporânea. Dessa vez, a ocupação foi numa árvore em sua fachada. Atualmente, “Ba” dedica-se também à pesquisa “Arthur Bispo do Rosário, o Senhor do Labirinto e sua aproximação com objetos do cotidiano”. Dentro da Unicamp, “Ba” também pôde beber da fonte de outra manifesta-
ção artística: a música. Participou durante muito tempo do coro da Faculdade de Ciências Médicas, uma iniciativa que nasceu do desejo de muitas pessoas da unidade, na década de 1990. Para ele, a música em empresas também ajuda a trabalhar a questão da arte. “O funcionário sai, no horário de almoço, para cantar e volta renovado”, acrescenta. Na década de 1980, havia um movimento de canto coral intenso em Campinas ao qual Ba também se rendeu participando do Coral da PUC e do grupo Ars Viva. Mas Ba revela que a dedicação à música limitou-se à participação como coralista. “Tenho vontade de voltar a cantar, mas precisava focar meus objetivos, e já não dava conta de tantos compromissos. A música exige dedicação”, avalia. “Ba” desembarcou no bairro Jardim Proença, com a mãe e seis irmãos. Ao completar 18 anos, dedicou-se à preparação para concursos públicos. Em um deles, em 1978, seria aprovado e ocuparia um cargo administrativo pelo resto da vida, ainda que insistisse em viver de arte. Precisava da estabilidade até mesmo para investir na formação e nas produções artísticas. Mas a Unicamp precisava do “Ba” e ele, da arte. Tudo o que aconteceu depois dessa constatação está relacionado a sua trajetória na Unicamp, seja a vida, seja a arte, seja o reencontro com o mestre Bernardo Caro.
O professor e artista plástico Bernardo Caro, fundador do Instituto de Artes da Unicamp: mestre e fonte de inspiração
Nas bancas
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
FOP utiliza célula-tronco na regeneração do periodonto CÉSAR MAIA halice@unicamp.br
Estudo desenvolvido na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp demonstrou que a célula do ligamento periodontal (célulatronco) do indivíduo, denominada autógena, é eficaz na regeneração do periodonto em defeitos considerados críticos e que apresentam pouca previsibilidade de resolução por outras técnicas. A tese de doutorado foi defendida por Fabrícia Ferreira Soares, sob orientação do professor da área de Periodontia Enilson Antonio Sallum. “Assim como em outras áreas em que se utilizam células-tronco no tratamento de diferentes tipos de doenças, como as que atingem o fígado, pele e cérebro, o dente também pode se beneficiar desta abordagem por meio da reconstrução das estruturas de suporte periodontal, como cemento, ligamento periodontal e osso”, atestam os pesquisadores. Segundo o professor Enilson Sallum, para defeitos menos extensos, como por exemplo, os denominados furca grau dois, conseguiu-se resolver totalmente três entre dez defeitos, sendo que o restante apresenta diminuição de tamanho. No caso de defeitos de grau três, em que foi avaliado o processo de cura por célula-tronco, não há uma terapia regenerativa previsível e muitas vezes a opção é deixá-lo em aberto para que o paciente faça a higienização adequada. “Caso o prognóstico do dente seja insatisfatório, a substituição por implantes osseointegrados é a solução”, explica Enilson. O diferencial da pesquisa foi associar a técnica de regeneração tecidual guiada, que faz uso de membranas físicas para proteger o defeito, ao uso das células. Como carreador das células utilizou-se uma membrana de colágeno. Neste sentido, foram feitos grupos controles sem as células e um grupo teste envolvendo a associação das técnicas. As células foram coletadas do li-
Estudo mostra ser possível reconstrução de tecidos envolvidos na fixação do dente ao osso Foto: César Maia
O professor Enilson Antonio Sallum, da Periodontia, com pesquisadoras da FOP: resultados eficazes em testes
gamento periodontal de dentes extraídos e multiplicadas em laboratório. Após três meses de testes, constatou-se que o grupo que recebeu as células apresentou uma resposta regenerativa superior ao observado no grupo controle. “Comparativamente dá para ver que o tratamento foi eficaz. Embora a pesquisa esteja em fase pré-clínica, esperamos ter, em um futuro não muito distante, o mesmo resultado nos testes com pacientes”, avalia Sallum.
LINHA DE PESQUISA
A falta de terapia regenerativa eficaz no tratamento de defeitos periodontais com grandes perdas ósseas ou gengivais fez com
que a Área de Periodontia da FOP buscasse alternativas para tratar esses defeitos. O principal objetivo da linha de pesquisa é utilizar novas abordagens, como a engenharia de tecidos, para obter a regeneração das estruturas perdidas. A engenharia de tecidos pode ser entendida como a utilização de células, matrizes, fatores de crescimento e de vascularização, para a obtenção dos novos tecidos. Reúne o conhecimento de biologia celular e molecular, ciência de biomateriais e clínica para a reconstrução e tecidos e órgãos danificados. Por meio desta abordagem, segundo o docente, é possível que no futuro se forme um dente completo para repor o dente
perdido, o que será uma nova revolução na odontologia, semelhante à vista com os implantes ou como são denominados cientificamente, osseointegração. “São perspectivas muito interessantes para o tratamento das mais diversas condições que afligem os pacientes hoje”, avalia Sallum. Atualmente, a área de Periodontia se dedica a novos projetos nesta linha que buscam isolar e caracterizar melhor as células envolvidas no processo. Pretendese também marcá-las (“brilho”) para que se possa identificar o seu destino e papel no defeito. Para esta nova fase, conta-se com a participação dos docentes Francisco Humberto Nociti Júnior, Márcio Zaffalon Casati e Karina Gonzales Silvério Ruiz, a doutoranda Ana Regina Moreira, a pósdoutoranda Bruna Rabelo Amorin, o apoio do professor Edgard Graner, da área de Patologia da FOP, e também da área de Microbiologia, através da professora Renata Graner, num esforço mutidisciplinar. “Como agora conseguimos identificar, isolar e manipular as células que realmente queremos, pretendemos realizar novos projetos para verificar se estas células podem realizar o serviço de forma eficiente e previsível.” revela Enilson. A linha de pesquisa, iniciada há seis anos, já teve quatro trabalhos publicados em periódicos internacionais. A tese teve apoio da Fapesp e CNPq. Em 2012 foi publicada na revista Journal of Clinical Periodontology.
Publicação Tese: “Avaliação histométrica do efeito do transplante autógeno de células do ligamento periodontal no tratamento de defeitos de furca grau III.” Autora: Fabrícia Ferreira Soares Orientador: Enilson Antonio Sallum Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) Financiamento: Fapesp e CNPq
Tese alerta para uso indiscriminado Pesquisa demonstra de anabolizantes entre jovens que prática da
musculação é feita, na maioria das vezes, sem orientação RAQUEL DO CARMO SANTOS kel@unicamp.br
Estudo desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) revela que a prática de musculação por parte de adolescentes em academias tem sido feita sem orientação de profissionais especializados e, por isso, se caracteriza pela predisposição ao consumo indiscriminado de esteroides androgênicos anabolizantes. Ainda que os adolescentes entrevistados afirmassem não saber o que são essas substâncias, a maioria deles declarou assumir o risco de sua utilização para alcançar uma estética corporal perfeita. “Em outras palavras, isto quer dizer que, na busca pelo corpo perfeito, os adolescentes estão associando a prática da musculação na academia como instrumento de obtenção rápida da aparência corporal, e isto pode ser considerado um fator preponderante no uso dos anabolizantes”, alerta o professor de educação física Ubirajara de Oliveira. Em sua opinião, trata-se de um problema de saúde pública em razão da falta de conhecimento sobre os reais efeitos que o uso dessas substâncias pode provocar. “E a academia tem sido o lugar propício para este tipo de envolvimento, pois o culto ao corpo leva à prática da musculação que, por sua vez, predispõe o uso de anabolizante. Isto diminui o espaço entre a saúde e a doença”, afirma Oliveira, que teve orientação do médico José
Martins Filho para realizar o seu estudo. O professor de educação física lembra que os esteroides androgênicos anabolizantes são substâncias proibidas no Brasil, uma vez que seus efeitos colaterais são nocivos. “Já existem comprovações do mal causado pelos anabolizantes. O que preocupa, no entanto, é a forma como esses garotos chegam à decisão de usá-los. Por isso, quis investigar”, explica. O estudo, de caráter epidemiológico, contemplou entrevistas com 3.150 adolescentes, com idade entre 15 e 20 anos e praticantes de musculação. Para conseguir resultados específicos, Ubirajara Oliveira aplicou os questionários apenas junto aos voluntários do sexo masculino, matriculados em escolas do município de São Paulo. O professor de educação física contou com a colaboração dos professores da rede pública de ensino para colher as informações. “O número de entrevistados foi bastante significativo e, com isso, conseguimos uma amostragem representativa, o que sugere um sinal de alerta tanto para as autoridades como para os pais desses adolescentes sobre uma das práticas cada vez mais frequentes entre os mesmos adolescentes”, declara. Para Oliveira ficou claramente demonstrado na pesquisa que a maioria dos adolescentes desconhece os prejuízos à saúde decorrentes da utilização dos anabolizantes. Sobre o comportamento dos garotos em relação ao culto do corpo perfeito, explica, os dados da pesquisa apontam que, apesar das porcentagens altas de satisfação em todas as questões sobre imagem corporal, eles se contradizem, pois mesmo satisfeitos estão predispostos ao uso dos anabolizantes com objetivo estético. O estudo indicou ainda que muitos deles frequentam locais considerados inadequa-
Foto: Antoninho Perri
Jovem em academia: estudo contemplou entrevistas com 3.150 adolescentes
dos para a prática da musculação e, por isso, não contam com profissionais especializados para orientação. “A concepção de academia é subjetiva. Muitos locais indicados pelos adolescentes não seguem um padrão de qualidade com aparelhos modernos e aulas com conteúdo. Pelo contrário, são espaços inadequados, inclusive no que diz respeito à frequência”, lamenta. Ubirajara de Oliveira leciona em uma universidade e dá aulas de musculação em academias. Seu envolvimento com a formação de professores e a prática da musculação sempre trouxe um questionamento sobre a relação que a atividade poderia ter com o uso de esteroides anabolizantes. O culto ao corpo, em que o estilo, forma, aparência e juventude contam como atributos indispensáveis, segundo ele, remetem à ideia de que
o corpo pode ser remodelado por meio da utilização de esteroides. “A dimensão mais valorizada do corpo, na contemporaneidade, é a aparência, pois o corpo belo, jovem e magro tornou-se objeto de consumo, sendo exaltado, sobretudo, pelos meios de comunicação e pela publicidade. É um discurso perigoso de exaltação ao corpo, que atinge, principalmente, os adolescentes”, declara.
Publicação
Tese: “O uso de esteroides androgênicos anabolizantes entre adolescentes e a sua relação com a prática da musculação” Autor: Ubirajara de Oliveira Orientador: José Martins Filho Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
10 Vida Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp
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Painel da semana Reunião da Conferência Municipal de Campinas - A Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) sedia em 29 de abril, às 16h30, em seu auditório, uma reunião preparatória da Conferência Municipal de Campinas. Trata-se da primeira etapa da 5ª Conferência Nacional das Cidades, promovida pelo Conselho Nacional das Cidades e pelo Ministério das Cidades. O objetivo do encontro é identificar os avanços e desafios da política de desenvolvimento urbano do país. O evento é apoiado pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac). O auditório da FEC fica na rua Saturnino de Brito 224, no prédio azul. Mais informações telefone 19-3521-2541 ou e-mail cac@ reitoria.unicamp.br O (des)conhecimento das doenças sexualmente transmissíveis - No dia 30 de abril, às 9 horas, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, o dermatologista Paulo Eduardo Velho, coordenador da disciplina de dermatologia do curso de medicina da FCM, apresenta parte dos resultados da pesquisa realizada com os graduandos da Unicamp sobre o (des)conhecimento das doenças sexualmente transmissíveis e que motivou a campanha “DST. Proteção com informação. Vista esta camisa”. O evento é aberto à comunidade da Unicamp. Mais informações: 19-3521-8968. Lançamento - No dia 30 de abril, às 18 horas, no Empório do Nono, o professor Paulo Lemos, doutor em Empreendedorismo Tecnológico e Política Científica e Tecnológica pela Unicamp, lança o livro “Universidades e ecossistemas de empreendedorismo: a gestão orientada por ecossistemas e o empreendedorismo da Unicamp” (Editora Unicamp). O Empório fica na rua Albino J.B. de Oliveira, 1128, em Barão Geraldo, Campinas-SP. Mais informações: telefone 19-35217235 ou e-mail marketing@editora.unicamp.br Cidades Criativas - Resumos para a participação no III Congresso Internacional de Cidades Criativas serão aceitos até o dia 1 de maio. Eles podem ser em espanhol, português ou inglês. O evento será realizado nos dias 28, 29 e 30 de agosto, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. O Congresso é organizado pelo Laboratorio de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação (Lantec-Unicamp), pela Universidade Complutense de Madri e pela Associação Científica ICONO14 (Espanha). Mais informações no site http://congreso2013. ciudadescreativas.es/ A psicopatologia e a questão do sujeito - O Laboratório de Psicopatologia Sujeito e Singularidade (LaPSuS), do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) promove nos dias 2 e 3 de maio, no Salão Nobre da FCM, o colóquio “ A psicopatologia e a questão do sujeito: desafios teóricos e clínicos atuais”. O colóquio inaugura as ações do Laboratório de Psicopatologia: Sujeito e Singularidade (LaPSuS). A abertura do evento será às 9 horas. Mais informações: 19-3521-8819.
Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013 Fórum comemora 30 anos do Nied - O Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) comemora 30 anos de existência com a realização de um Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia. Intitulado “30 Anos de Informática na Educação no Brasil”, o evento será realizado no dia 2 de maio, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A organização é dos professores Maria Cecília Calani Baranauskas e José Armando Valente, ambos do Nied-Unicamp. Mais detalhes: 19-3521-7136. Educação em agroecologia - A Rede de Agroecologia da Unicamp (RAU) e o Programa de Extensão em Agroecologia da PróReitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC) organizam, dia 3 de maio, às 13h30, o Seminário de Educação em Agroecologia. O evento ocorre no Cis–Guanabara (Rua Mario Siqueira 829, no bairro do Botafogo), em Campinas. Contará com a palestra da Dra. Irene Cardoso (UFV) e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia. Domingo no Lago – Próxima edição do evento ocorre no dia 5 de maio, às 10h30, na rua Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp. É aberto à participação da comunidade em geral. Samba, rock, black music com o grupo Enfamília, apresentações de teatro da Trupe de Ruah e a peça teatral “As irmãs Clair” com o Grupo Trancos e Barrancos são as atrações programadas. Outras informações 19-3521-7017. Genômica e Biologia Celular – Estão abertas as inscrições para o curso internacional “Tópicos Avançados em Genômica e Biologia Celular”, que será realizado no Centro de Convenções da Unicamp, de 22 a 24 de maio de 2013. O evento busca reunir palestrantes reconhecidos mundialmente para apresentação de pesquisas, propiciando a troca de experiências e informações entre diferentes grupos de países dedicados à busca de conhecimento na área de genética molecular humana. A organização é do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e do Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho (LaCTAD) da Unicamp, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As inscrições podem ser feitas pelo endereço http://cbmegcourses.org. Até 31 de março, custam R$ 180,00 para estudantes de graduação, R$ 250,00 para pósgraduandos e R$ 500,00 para professores, pesquisadores e demais profissionais. Mais informações podem ser obtidas no CBMEG pelos telefones (19) 3521-1130 e 3521-1131 ou correiro eletrônico cbmegcourses@cbmeg.unicamp.br.
Teses da semana Artes - “Análise dos processos de criação documental com materiais de arquivo nos filmes wellesianos de Rogério Sganzerla” (mestrado). Candidato: Régis Orlando Rasia. Orientador: professor Francisco Elinaldo Teixeira. Dia 29 de abril, às 9 horas, na CPG do IA. Educação Física - “Estado nutricional e desempenho motor de escolares” (mestrado). Candidata: Renata de Sousa Bastos. Orientador: professor Ademir de Marco. Dia 29 de abril, às 10 horas, no auditório da FEF. “Estado nutricional e desempenho motor de escolares” (doutorado). Candidata: Renata de Sousa Basta. Orientador: professor Ademir De Marco. Dia 30 de abril, às 14 horas, no auditório da FEF. Engenharia Elétrica e de Computação - “Uma nova técnica de comunicação e alimentação de transdutores inteligentes utilizando apenas um fio baseada no padrão ieee 1451” (mestrado). Candidato: Anderson Rodrigo Rossi. Orientador: professor Elnatan Chagas Ferreira. Dia 29 de abril, às 9 horas, na sala PE 12 do prédio da CPG da FEEC “Medidor de consumo de energia elétrica descentralizado e com interface WEB” (mestrado). Candidato: Jefferson Zortea Moro. Orientador: professor Elnatan Chagas Ferreira. Dia 29 de abril, às 14 horas, no auditório da CPG da FEEC. “Projeto, construção e aplicações de câmara escura portátil para medidas de bioluminescência ultrafraca” (doutorado). Candidato: Eduardo Giometti Bertogna. Orientador: professor Evandro Conforti. Dia 3 de maio, às 14 horas, na sala de defesa de teses da CPG da FEEC. Engenharia Mecânica - “Resposta temporal de vigas com vibro-impacto utilizando modelos de força de contato” (mestrado). Candidato: Luan José Franchini Ferreira. Orientador: professor Alberto Luiz Serpa. Dia 29 de abril, às 10 horas, no auditório KD da FEM. Física - “O modo fundamental de emissão de ondas gravitacionais” (mestrado). Candidato: Gibran Henrique de Souza. Orientador: professor Anderson Campos Fauth. Dia 30 de abril, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW, prédio D, Sala 03. Geociências - “Clima urbano no planejamento do município de Ourinhos - SP” (mestrado). Candidata: Débora Moreira de Souza. Orientador: professor Jonas Teixeira Nery. Dia 30 de abril, às 9 horas, no auditório do IG.
Universidades e ecossistemas de empreendedorismo
Livro
da semana
A gestão orientada por ecossistemas e o empreendedorismo da Unicamp Sinopse: Algumas das principais universidades de pesquisa, em várias regiões do mundo, vêm integrando as atividades de inovação e empreendedorismo à sua realidade acadêmica e organizacional. Por que essa combinação é possível e, cada vez mais, necessária? Que razões ajudam a explicar o fato de que as principais universidades de pesquisa tendem a ser, ao mesmo tempo, as mais empreendedoras e inovadoras? A busca de algumas das chaves para desvendar essas questões é o que motiva a pesquisa e o livro de Paulo Lemos. Mas, diferentemente dos fenômenos físicos e biológicos, as realidades sociais e organizacionais podem interagir com as teorias e interpretações que delas são feitas. Alinhado a essa possibilidade é que o livro apresenta uma abordagem de gerenciamento baseada em ecossistemas de empreendedorismo como um novo olhar e, ao mesmo tempo, um novo conjunto de práticas e ações que pode orientar empreendedores, pesquisadores e gestores envolvidos com a tarefa de criar mais inovação e empreendedorismo a partir da produção científica e tecnológica. Linguagem - “A reescrita dialógica” (mestrado). Candidata: Janaína Fernandes Possati. Orientadora: professora Raquel Salek Fiad. Dia 3 de maio, às 15 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científica “Solução de conjectura de weiss estocástica para semigrupos analíticos” (doutorado). Candidato: Jamil Gomes de Abreu Júnior. Orientador: professor Pedro José Catuogno. Dia 2 de maio, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. “Limite superior sobre a probabilidade de confinamento de passeio aleatório em meio aleatório” (mestrado). Candidata: Claudia Edith Vásquez Mercedes. Orientador: professor Christophe Frédéric Gallesco. Dia 2 de maio, às 10h30, na sala 221 do Imecc. “Decomposições celulares de espaços homogêneos” (mestrado). Candidato: Jordan Lambert Silva. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 2 de maio, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Geometria diferencial em grupos de Lie” (mestrado). Candidato: Eder de Moraes Correa. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 2 de maio, às 16 horas, na sala 253 do Imecc.
Autor: Paulo Lemos Ficha técnica: 1a edição, 2012; 280 páginas Formato: 14 x 21 cm ISBN: 978-85-268-1005-1 Área de interesse: Administração e Políticas Públicas Preço: R$ 30,00 “O método simbólico aplicado a problemas de combinatória” (mestrado). Candidata: Christiane Buffo Rodrigues. Orientador: professor José Plínio de Oliveira Santos. Dia 5 de abril, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Medicina - “Avaliação da deglutição de cápsulas gelatinosas duras em idosos assintomáticos” (mestrado). Candidata: Deborah Brandão de Paiva. Orientadora: professora Lucia Figueiredo Mourão. Dia 30 de abril, às 9 horas, no anfiteatro da Comissão de Pós-graduação da FCM. Odontologia - “Influência do etanol na rugosidade, na energia livre de superfície da dentina radicular e no preenchimento de túbulos dentinários com cimento ah plus” (doutorado). Candidato: Carlos Augusto de Morais Souto Pantoja. Orientador: professor José Flávio Affonso de Almeida. Dia 29 de abril, às 8h30, na sala de seminários da Ortodontia. “Impacto da perda dentária na qualidade de vida de adultos” (doutorado). Candidata: Marília Jesus Batista. Orientadora: professora Maria da Luz Rosário de Sousa. Dia 30 de abril, às 14 horas, na sala da Congregação da FOP.
Destaque do Portal
Sintonia fina com a sociedade Unicamp pretende intensificar a sua relação com a sociedade, seja por meio da formação de recursos humanos qualificados, seja gerando conhecimento novo que possa ser transformado em produtos, processos ou políticas públicas que tragam benefício à população. A afirmação foi feita no último dia 22 pelo reitor José Tadeu Jorge, poucas horas depois de assumir oficialmente o cargo, durante conferência de imprensa realizada na Reitoria. Ele destacou que a sua gestão procurará conferir equilíbrio ao tripé que sustenta a Universidade – ensino, pesquisa e extensão. “Esse princípio é importante, pois cada uma dessas atividades qualifica as outras duas”, disse. Tadeu Jorge explicou que prefere empregar o conceito “relação com a sociedade” ao termo “extensão”, por entender que o primeiro é mais completo. “A relação com a sociedade compreende a extensão e a assistência, que fazemos por intermédio do nosso complexo hospitalar, mas também outros aspectos, como a produção cultural, o diálogo com a iniciativa privada e o desenvolvimento de pesquisas que possam contribuir para a formulação de políticas públicas. Isso coloca a Universidade em sintonia com as necessidades sociais, o que é transmitido aos nossos estudantes”, afirmou. Ainda em relação à capacidade da Unicamp de produzir impactos sociais positivos, Tadeu Jorge adiantou que a instituição empreenderá esforços para ampliar o número de licenciamento de patentes. O reitor lembrou que a Universidade é a segunda instituição do país em volume de depósito de patentes – perde somente para a Petrobras -, mas que essa condição, por si só, não traz benefícios
para a sociedade. “O que traz benefício é o licenciamento, pois é ele que transforma o conhecimento em algo concreto, como um produto ou processo”, reforçou. Tadeu Jorge também adiantou que a sua gestão trabalhará para ampliar o número de oportunidades para que os estudantes ingressem na Unicamp, notadamente no ensino de graduação. “Esse é o nosso objetivo. Claro que a oferta de novas vagas sempre terá que ser precedida de um amplo debate com a comunidade universitária e da aprovação pelo Consu [Conselho Universitário, órgão máximo deliberativo da instituição]”, observou. Nesse aspecto, o reitor lembrou que o novo campus de Limeira foi projetado para oferecer cerca de mil novas vagas, mas que somente 480 foram efetivamente criadas até o momento. “Nós temos cursos que foram aprovados pelo Consu, como Produção Cultural e Patrimônio e Restauro, que podem ser implantados em Limeira. Penso que é importante iniciar a discussão no sentido de concretizarmos o projeto inicial daquele campus”. Outro ponto enfatizado por Tadeu Jorge foi a questão da inclusão social. De acordo com ele, a Unicamp foi a primeira a adotar uma ação nesse sentido, por meio do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), criado em 2004. Os estudantes que optam pelo PAAIS recebem automaticamente 30 pontos a mais na nota final. Candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas têm, além desses 30 pontos, outros 10 pontos acrescidos à nota final. “Vamos analisar se é possível alterar esse ‘bônus’, de modo e ampliar a inclusão, sem comprometer a qualidade”, afirmou.
Foto: Antoninho Perri
O reitor José Tadeu Jorge: dando ao tripé ensino, pesquisa e extensão
O reitor acrescentou que a Unicamp analisará, ainda, a ampliação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis), destinado aos estudantes que cursam o ensino médio em escolas públicas de Campinas. Atualmente, o Profis oferece 120 vagas. “Também vamos discutir o Pimesp [Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Supe-
rior Público Paulista], que é uma proposta do governo do Estado e que objetiva destinar 50% das vagas das universidades públicas paulistas a jovens egressos de escolas públicas. A Unicamp, através do PAAIS e do Profis, já está próxima desse percentual”. (Manuel Alves Filho)
Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
Rumo ao Oeste Socióloga investiga impactos migratórios da interiorização de unidades prisionais LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
ascida em Pacaembu (SP), a socióloga Flávia Rodrigues Prates Cescon, instigada a analisar a pirâmide etária da sua cidade para uma disciplina do curso de ciências sociais, percebeu grande discrepância entre a quantidade de homens e de mulheres ali residentes. “Pensando na razão de uma diferença tão substancial, atentei para a existência de duas unidades prisionais, ambas masculinas, e que esta população carcerária é considerada no censo demográfico como residente no município”, recorda. “Migração e unidades prisionais: o cenário dos pequenos municípios do Oeste paulista” é o título da dissertação de mestrado apresentada por Flávia Cescon no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), com a orientação da professora Rosana Baeninger. O trabalho traz um histórico do processo de interiorização do sistema penitenciário do Estado de São Paulo – que passou a ocorrer desde o “massacre do Carandiru” – e analisa os fenômenos provocados por esta migração compulsória de detentos. “A linha principal de pesquisa foi estudar o crescimento populacional de 11 regiões de governo do Oeste paulista como um todo, para em seguida focar as pequenas cidades que possuem unidades prisionais: são 34 nessas condições e que somam 52 presídios”, afirma a autora da pesquisa. “Procurei analisar os desdobramentos deste inchaço artificial do número de habitantes, como o surgimento de uma população flutuante de visitantes e a migração temporária de familiares. Na condição de socióloga, eu também busquei aportes teóricos para entender a relação entre os antigos moradores e os novos”. Flávia Cescon conta que a repercussão mundial da morte de 111 presidiários na invasão da Casa de Detenção pela Polícia Militar, em 2 de outubro de 1992, levou à criação no ano seguinte da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), a primeira pasta para esta área no país. Em 1995, Mário Covas assumiu o governo anunciando a construção simultânea de 21 novas penitenciárias e três presídios semiabertos, a maioria no interior do Estado. E em 2011, segundo a SAP, já eram 149 unidades prisionais, havendo mais 13 em construção. Embora a vinda de presídios nunca seja bem vista pela população, muitos foram os prefeitos que disponibilizaram terrenos para isso, em troca de uma fatia maior do Fundo de Participação dos Municípios.
“Constitucionalmente, a União deve repassar verbas às prefeituras através do FPM, cujo percentual é determinado pelo número de habitantes estimado anualmente pelo Censo”, explica a pesquisadora. “Os presídios do Oeste paulista estão em municípios pequenos e, até o momento da pesquisa, notou-se considerável superlotação na maioria das unidades. Receber tamanha massa de detentos pode representar um acréscimo considerável de receita, ainda mais para cidades economicamente engessadas e que ainda sofrem com a emigração.” Uma pesquisa do IBGE realizada no período de 1998 a 2000 revelou que o FPM é responsável por 57,3% da receita dos municípios com até 5 mil habitantes. “Há outras facetas benéficas da migração carcerária, como a geração de empregos. Ainda que os cargos em presídios sejam preenchidos através de concurso público, muitos moradores acabam conseguindo a vaga e conquistando a estabilidade e um salário superior ao oferecido pelo setor agrícola e de serviços”, observa a pesquisadora. A socióloga levantou dados censitários de 2010 indicando que 40,4% dos municípios das regiões de governo analisadas tinham até 5 mil habitantes e 21,7%, de 5 a 10 mil; a população carcerária era de 60 mil detentos. “Captamos que praticamente todos os municípios com unidades prisionais apresentaram taxas positivas de crescimento populacional, quando vários deles mostravam taxas negativas. Hoje em dia, a Secretaria de Administração Penitenciária alega que não se trata mais de uma interiorização do sistema prisional, mas de uma regionalização por demanda de vagas.” Outro grande benefício apontado por Flávia Cescon é o aquecimento do comércio, graças ao “turismo de visita”. “São ônibus e ônibus de passageiros que precisam se hospedar, se alimentar e comprar mantimentos para os entes presos. Supermercados que fechavam no domingo agora ficam abertos, havendo aqueles que já oferecem um kit com os produtos mais adquiridos. Os serviços de táxi triplicaram e aos taxistas se somam pessoas que fazem um bico com veículos particulares.”
Publicação
Dissertação: “Migração e unidades prisionais: o cenário dos pequenos municípios do Oeste paulista” Autora: Flávia Cescon Orientadora: Rosana Baeninger Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Foto: Antoninho Perri
A socióloga Flávia Rodrigues Prates Cescon, autora da dissertação: analisando os desdobramentos do inchaço artificial do número de habitantes
11 Foto: Flávia Cescon
Penitenciária em Pacaembu, cidade natal da pesquisadora: população flutuante em pequenos municípios
O impacto social do ‘turismo de visita’ O trabalho de Flávia Cescon é extenso para uma dissertação de mestrado e envolveu não apenas o aspecto demográfico, mas também sociológico do processo de interiorização do sistema prisional paulista. A autora analisa, sobretudo, a relação que os antigos moradores mantêm com a população de familiares de detentos que transformam as ruas nos finais de semana. “Para estudar o impacto causado por esse ‘turismo de visita’ na população local, busquei autores como Erwin Goffman, Norbert Elias e John Scotson, bem como Zygmunt Bauman para a temática do ‘estranho’.” A socióloga realizou pesquisa de campo em cinco pequenas cidades do Oeste paulista, colhendo depoimentos que demonstram o estigma que envolve a população flutuante e os migrantes temporários. “Quando uma pessoa é sentenciada por um crime e presa, a sua família também é carregada para dentro do cárcere. A imagem do detento e da prisão se estende para aqueles que não participam do delito: parentes e amigos próximos se tornam vítima de todos os medos, inseguranças, conceitos e pré-conceitos que a prisão exerce no imaginário social.” Na dissertação são transcritas verbalizações demonstrando que os visitantes são facilmente identificáveis pela população local. “Final de semana é família de preso que está aqui. Então, toda mulher que está com criança é mulher de preso... sozinha, porque aqui a turma anda com o marido. Então você vê: mulher, andando pela cidade sozinha, com criança, é mulher de preso”, atesta uma moradora. “A gente vê aquele bando de mulher carregando o ‘jumbo’ e já sabe... Só elas usam isso aqui”, diz outra, a respeito da grande sacola plástica contendo alimentos, produtos de higiene pessoal e cigarros. Da mesma forma, o estigma é facilmente percebido pelos familiares de detentos, principalmente quando alguns deles permanecem na cidade em dias úteis. “Eu só vinha de final de semana, mas teve uma vez que eu precisei ficar aqui a semana toda. (...) A cidade é diferente durante a semana, as janelas ficam abertas até tarde... Quando a gente chega, aqui em volta do hotel, tudo fica fechado”, observa uma visitante. “Que nem hoje [sábado], os mercados estão cheios de seguranças. Amanhã você vai lá, não tem um”, acrescenta a outra. Flávia Cescon lembra que algumas famílias de detentos acabam residindo no município, o que depende diretamente da duração da pena. Daí, a transcrição de outro depoimento: “Tem tanta gente pra ajudar com cesta básica e a gente vai tirar de um povo nosso, que a gente conhece, pra dar pra elas [mulheres de detentos]. Fora os roubos e tudo o que aumentou... Várias mulheres de preso vão presas por causa de droga... A gente nem sabia o que era isso... Os jovens daqui não conheciam negócio de droga. Acabou todo o nosso sossego.” De acordo com a autora da pesquisa, os detentos, propriamente, não convivem com a população e é esta invisibilidade física o que se espera com o encarceramento de um indivíduo por altos muros. “Minhas visitas a campo permitem afirmar que nos municípios com unidades prisionais do Oeste paulista, principalmente nos pequenos, a nova população de detentos é fortemente sentida como presente, sendo o constante fluxo de visitantes o elemento que a torna sensível.” Flávia Cescon observa ainda que o impacto da população carcerária é muito mais tangível nos pequenos municípios que nos demais. “Os detentos, por exemplo, têm preferência de atendimento no serviço de saúde e o cidadão, que precisa esperar, se sente deixado de lado. Em Pracinha, que possui três mil habitantes (sendo a metade de detentos), não existe prontosocorro. Todos precisam ir até a vizinha Lucélia, que acaba tendo o serviço superlotado, com o detalhe de que lá também foi construído um presídio.”
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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013
A poética do picadeiro LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
endo pesquisado sobre comédia popular brasileira para o mestrado no Instituto de Artes (IA), o ator e diretor de teatro André Carrico escolheu um tema de doutorado na mesma linha, mas que pode provocar certo estranhamento no meio acadêmico: “Os Trapalhões no reino da academia: revista, rádio e circo na poética trapalhônica” é o título da tese que apresentou no Instituto de Artes, sob a orientação da professora Neyde Veneziano. “Comecei a atuar ainda criança e sempre estive ligado ao teatro de rua e ao circo, fui palhaço durante um tempo. Daí, eu ter escolhido Os Trapalhões, meus ídolos”, justifica o autor. André Carrico afirma que a ideia é mostrar que este grupo representa uma reunião exemplar de determinadas vertentes da comédia popular nacional, com cômicos que trouxeram bagagens do teatro de revista, do circo e do humorismo radiofônico. O foco é o período de 1978 a 1990, em que quarteto esteve completo com Antônio Renato Aragão (Didi), Manfried Santana (Dedé), Antônio Carlos Bernardes Gomes (Mussum) e Mauro Gonçalves (Zacarias). “O grupo tem formações anteriores e posteriores, mas nas palavras de Renato Aragão, eram essas ‘as quatro pernas de uma mesa’.” Na opinião do autor da tese, o “projeto trapalhônico” viabilizou a permanência de procedimentos universais de tradição popular, visto que esses cômicos transmitiram com clareza os princípios cênicos de artistas que os antecederam. “Dedé nasceu numa barraca de circo, era palhaço. Mussum passou pelo teatro de revista como músico dos Originais do Samba – eles contracenavam com Grande Otelo, que junto com Chico Anysio acabou influindo na configuração do tipo. E Zacarias começou no rádio, em Sete Lagoas e depois em Belo Horizonte, sempre interpretando tipos caipiras.” Renato Aragão, a quem André Carrico teve a oportunidade de entrevistar pessoalmente, disse que o personagem Didi é uma influência da chanchada. “Na verdade, Renato veio fazer cinema porque queria ser como Oscarito, seu grande mestre, e que por sua vez era de família circense, acrobata e palhaço. Minha impressão é de que convivendo no universo interiorano de Sobral (Ceará), ele também assistiu a muitos espetáculos de circo, trazendo da infância alguma coisa inspirada nos palhaços.” Na entrevista com o mentor do grupo, Carrico obteve a certeza de que Renato Aragão pensava o grupo efetivamente como um projeto e que não montou as “quatro pernas da mesa” ao acaso. “Ele chamou primeiramente Dedé e depois Mussum e Zacarias, conjugando as potencialidades individuais de cada elemento também em termos de regionalismo e geografia humana: em Mussum, temos o negro e o malandro do morro; em Dedé, o sujeito de periferia e de origem indígena e cigana; em Zacarias, o caipira mineiro; e em Didi, o nordestino.” Uma observação feita por sua orientadora e investigada pelo pesquisador, é que o linguajar de Mussum, que ele chama de “mussunguês”, tem sua origem registrada no teatro de revista. “Se pegarmos os textos dos anos 1930, veremos
um tipo fixo que é o da mulata e que fala de maneira idêntica: ‘patrãozis’, ‘senhorzis’, mézis, ‘afazerezis’. Dedé Santana me disse que Chico Anysio teria ensinado Mussum a falar desse jeito, mas também vejo o mesmo beiço e outros trejeitos de Grande Otelo, de quem era coadjuvante em ‘Bairro Feliz’, um programa de televisão”.
CAMPÕES DE AUDIÊNCIA André Carrico observa que apesar de malvistos pela crítica, Os Trapalhões figuraram entre os grandes campões de audiência da TV e, no cinema, a maioria dos seus filmes repetiu e ampliou a façanha do programa televisivo. “Durante 32 anos, a terceira bilheteria de um filme nacional pertenceu a eles, com ‘Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão’, perdendo apenas para ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976) e ‘A Dama do Lotação’ (1978). Se a classificação for de cinema infantil, eles permanecem como os mais assistidos até hoje.” Mesmo com o boom de produções nacionais nos últimos anos, acrescenta Carrico, Os Trapalhões mantêm quatro filmes na lista dos dez primeiros (40%), tendo caído para o 4º lugar apenas em 2009, com “Tropa de Elite 2”, e para o 5º lugar com “Se Eu Fosse Você”. “Se esticarmos a lista para 20 filmes, encontraremos mais seis deles, com o detalhe de que o grupo acabou há 23 anos como quarteto. ‘Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão’ teve quase 6 milhões de espectadores, aproximando-se de grandes blockbusters hollywoodianos como ‘A Lagoa Azul’, ‘Lua Nova’ e ‘Harry Potter’.” A tese resgata fatos curiosos, como aquele em que a TV Globo se viu obrigada a pagar o salário que Renato Aragão pediu, quando o programa “Os Trapalhões”, que foi ao ar na TV Tupi de 1974 a 1977, tornou-se o primeiro a bater o índice de Ibope do “Fantástico”. “Nos doze anos seguintes, com a sua formação completa, o grupo foi líder de audiência ao lado de Silvio Santos, que interrompia seu programa dominical no momento em que a Globo exibia ‘Os Trapalhões’, reaparecendo somente depois com o seu ‘Show de Calouros’.” O pesquisador analisou 22 filmes do grupo, na finalidade de comprovar a presença de elementos da revista, do circo e do humorismo radiofônico, como por exemplo, a questão da paródia e da metalinguagem. Ele entrevistou presencialmente Renato Aragão e Dedé Santana, além de quatro irmãos e duas amigas próximas de Mauro Gonçalves em Sete Lagoas, só abrindo mão de procurar pessoas ligadas a Mussum ao perceber o farto material já reunido sobre o comediante. “Foram todos muito solícitos, inclusive Renato Aragão, apesar dos seis meses de negociação com a sua assessoria. Pessoalmente, mostrou-se bastante tímido para entrevistas.”
SOBRE NARIZES TORTOS André Carrico incluiu em seu trabalho um adendo sobre o “politicamente correto” nos esquetes d’Os Trapalhões, entendendo que o humor daquele quarteto não encontraria espaço nos dias atuais. “Acho que há muita hipocrisia, pois a linguagem é uma coisa viva e tudo depende da entonação com que se diz. Mussum, por exemplo, bebia na vida real e fazia piada com isso; hoje as patrulhas do ‘politicamente correto’ não admitiriam um palhaço que bebe, embora eu não conheça ninguém da minha geração que ria dele quando criança e tenha se tornado alcoólatra. Também não me lembro de ninguém que bata em mulher por ter visto as brincadeiras com conotações machistas, sexistas ou homofóbicas do grupo.” O autor esclarece que a sua tese de doutorado é técnica, sobre recursos de atuação, mas percebeu o preconceito mesmo entre colegas da pós-graduação, sendo grato ao incentivo que recebeu da professora Neyde Veneziano. “Minha orientadora, hoje aposentada, foi uma desbravadora nos anos 1980, ao trazer o teatro de revista para dentro da academia. Vi muito nariz torto diante da minha pesquisa, ainda mais em se tratando d’Os Trapalhões, mas a professora insistiu que a proposta era justamente a de quebrar tabus. Não discuto a qualidade dos filmes, e sim as qualidades dos membros do quarteto que fizeram o projeto perdurar, bem como o que há de significativo em termos de procedimentos da comédia popular.” Perguntado se, enquanto ator, vê Os Trapalhões como bons atores, André Carrico se diz convicto de que sim, caso contrário não conseguiriam tanto êxito. “Conversei com inúmeros palhaços e todos são unânimes em afirmar que Dedé Santana é o melhor ‘escada’ brasileiro, aquele que prepara a piada para o outro. Numa cena dramática, ele seria um canastrão – e aí haveria mais uma graça, a de um palhaço fazendo melodrama. Mussum era genial, um tipo cultuado por gerações que nem o conheceram e que até hoje é o homenageado de festas em São Paulo; muito espontâneo, ele era aquilo mesmo.” Carrico acrescenta que Mauro Gonçalves, por vir do rádio, era o mais técnico, preocupado em trabalhar a voz e capaz de interpretar outros tipos quando necessário, sendo Zacarias apenas um deles. E, sobre Renato Aragão, atribui seu sucesso à enorme empatia do tipo de Didi junto às crianças, sem esquecer o trabalho elaborado de corpo, que ele conserva bem preparado aos 78 anos. “Outro aspecto que comento é da naturalização do palhaço, sem o uso de maquiagens. Os Trapalhões adotam os recursos de atuação do cômico de picadeiro, mas dando uma atenuada para que aquele tipo de poética caiba dentro da TV e do cinema.”
Publicações Tese: “Os Trapalhões no reino da academia: revista, rádio e circo na poética trapalhônica” Autor: André Carrico Orientadora: Neyde Veneziano Unidade: Instituto de Artes (IA)
O ator André Carrico, autor da tese, com Renato Aragão: líder conjugou as potencialidades individuais
Os Trapalhões em sua formação clássica: reunião de vertentes da comédia popular nacional