Fotos: Reprodução
Os limites de um debate histórico
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Tese analisa polêmica travada entre os sociólogos Ruy Mauro Marini (esq.) e Fernando Henrique Cardoso (dir.), na década de 1970, acerca do “desenvolvimento dependente”. Para João Paulo Hadler, autor do estudo, apesar das contribuições do debate, os intelectuais desprezaram, na fundamentação de seus argumentos, “a formação histórica da nossa sociedade e da nossa economia”.
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Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013 - ANO XXVII - Nº 577 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Alf Ribeiro/Folhapress
Cientistas ligados ao Projeto AlcScens, um grupo interdisciplinar de pesquisas, alertam que, a despeito das vantagens econômicas imediatas, a expansão da cana-de-açúcar para o Centro-Oeste do país gera problemas sociais e ambientais que devem se agravar em razão das mudanças climáticas. A disputa por recursos hídricos, o impacto na segurança alimentar, a desvalorização da terra, o advento de novas formas de subemprego e o desmatamento da Amazônia, já que a produção de gado está migrando para o Norte, são alguns dos problemas apontados em cenário projetado pelos pesquisadores. O AlcScens, que é coordenado por Jurandir Zullo Jr., envolve 26 pesquisadores, a maioria da Unicamp.
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Perigos da cana Colheita manual de cana-de-açúcar em Nova Olímpia, Mato Grosso: cultura ganha cada vez mais espaço no Centro-Oeste
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Os improvisos desconhecidos de Casé
Método elimina fármaco da água Indicadores revelam desigualdades na RMC
Parasita faz rato não temer cheiro de gato Guerra, a mãe de Estados e instituições Sonda vai cair na Terra em novembro
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Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
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CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Foto: Wendy Ingram e Adrienne Greene/ Creative Commons
Parasita faz rato perder medo do cheiro de gato Um estudo publicado em 2000 indicava que ratos infectados pelo parasita Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose, perdiam o medo instintivo do cheiro de gato. A hipótese levantada, tanto no trabalho original e em outros subsequentes, foi a de que o parasita, que precisa ingressar no organismo do gato para completar seu ciclo de vida, de algum modo manipula o cérebro do rato, eliminando o medo e, assim, aumentando o risco de o roedor ser devorado por um felino. Agora, um trabalho publicado em meados de setembro pelo periódico online de livre acesso PLoS ONE revela que, mesmo curado da infecção pelo toxoplasma, o rato mantém sua “coragem” excepcional, sem reagir de modo adverso à urina dos gatos. De acordo com os autores do estudo, encabeçado por Wendy Ingram, da Universidade da Califórnia em Berkeley, esse resultado sugere que a infecção pelo parasita causa alterações de longo prazo, talvez permanentes, no cérebro do animal, e que essas mudanças ocorrem logo após a invasão. A mudança de comportamento do roedor não seria, portanto, um efeito direto de inflamação do cérebro, ou da mera presença dos cistos do toxoplasma.
Criado computador com nanotubos de carbono Pesquisadores ligados à Universidade Stanford anunciaram, na edição de 26 de setembro da revista Nature, a construção de um computador funcional que utiliza nanotubos de carbono no lugar dos tradicionais chips de silício. Em comentário que acompanha o artigo sobre a nova tecnologia, o pesquisador alemão Franz Kreupl, da Universidade de Munique, diz que a máquina do grupo de Stanford ainda não é capaz de competir com os computadores atuais, mas que não faria feio algumas décadas atrás. Kreupl acrescenta que é provável que as limitações técnicas à ampliação do modelo de Stanford possam ser superadas em breve, e que talvez logo estejamos digitando em máquinas baseadas em carbono, em vez de silício. Sistemas baseados em nanotubos são potencialmente mais eficientes, em termos de consumo de energia, que os feitos de silício, mas imperfeições surgidas na produção desses tubos vinham bloqueando o avanço da tecnologia.
Guerras fomentam criação de sistemas sociais, aponta simulação Pesquisadores dos EUA e Reino Unido criaram uma simulação de computador para testar a idéia de que a competição intensa entre grupos humanos, principalmente por meio da guerra, foi um fator fundamental para o desenvolvimento de grandes Estados e sistemas sociais ao longo da história. O modelo foi construído com base em características físicas do Velho Mundo, entre 1500 aC e 1500 dC. Sobre essa paisagem virtual foram espalhados robôs de software, ou “células”, dotados de um “genoma cultural” composto por leis e instituições. De acordo com os autores, na presença de difusão de tecnologia militar entre as células e de guerra entre diferentes grupos, o modelo foi capaz de recriar a ascensão dos primeiros grandes impérios da história – China, Egito, Mesopotâmia. No geral, o modelo deu conta de 65% dos dados históricos reais. Um modelo alternativo, sem a possibilidade de difusão de tecnologia militar, só correspondeu a 16% dos dados históricos. Na simulação, os “genomas culturais” difundiam-se de célula conquistadora para célula conquistada, num reflexo da assimilação do povo dominado.
Ratos continuam sem sentir medo de gatos, mesmo depois de o parasita que infectava seus cérebros ter sido eliminado
“A probabilidade dessas substituições aumenta com o número de características de tecnologia militar”, diz o artigo que descreve o experimento. “O núcleo conceitual do modelo envolve a seguinte cadeia de causas: disseminação de tecnologias militares, intensificação das guerras, evolução de características ultrassociais, surgimento de sociedades de larga escala”. Características “ultrassociais”, na terminologia adotada pelos autores, são normas e instituições que permitem que seres humanos cooperem com pessoas de fora da própria família. O surgimento dessas normas dentro de um grupo, de acordo com a simulação, é estimulado pelo conflito com grupos de fora. O trabalho foi publicado no periódico PNAS.
Extinção rápida atinge mamíferos em ilhas de floresta na Tailândia A redução de extensos trechos de floresta a ilhas de vegetação nativa, separadas umas das outras por ambientes modificados pela atividade humana, é um problema ecológico reconhecido há tempos e pesquisado em várias partes do mundo, inclusive na Amazônia brasileira, onde já foram realizados vários estudos importantes sobre o assunto, que serviram de modelo para pesquisas internacionais. Na edição de 27 de setembro da revista Science, uma equipe de cientistas de diversos países, incluindo Cingapura, China e Austrália, publica artigo constatando a extinção, ao longo de 25 anos, de praticamente todas as espécies de pequenos mamíferos nativas das ilhas de floresta deixadas pela construção do reservatório de água de Chiew Larn, na Tailândia. Os autores estimam uma “meia-vida” – o tempo necessário para que metade das espécies residentes desapareça – de 13,9 anos, nessas ilhas. “Essas extinções catastróficas provavelmente foram causadas, em parte, por uma espécie invasora de rato”, escrevem. “Essas invasões bióticas são cada vez mais comuns em paisagens modificadas por seres humanos”. O trabalho conclui que
pequenos fragmentos de floresta “podem ser ainda mais vulneráveis à perda de biodiversidade do que se imaginava”.
Catálogo reúne mais de 300.000 galáxias Graças à colaboração de mais de 83 mil voluntários de várias partes do mundo, a equipe do programa online Galaxy Zoo 2 publicou, no início da semana passada, um catálogo com informações sobre mais de 300 mil galáxias. Como explicam os pesquisadores responsáveis por organizar o esforço, da Universidade de Minnesota, computadores são capazes de classificar várias características de galáxias, como tamanho e cor, mas propriedades mais complexas, como estrutura, requerem um olhar humano. Entre fevereiro de 2009 e abril de 2010, o Galaxy Zoo 2 mobilizou dezenas de milhares de voluntários que, via internet, classificaram imagens de galáxias reunidas pelo programa Sloan Digital Sky Survey, que de 2000 a 2008 produziu fotografias do céu contendo mais de 930 mil galáxias. Das galáxias usadas no Galaxy Zoo 2, cada uma foi classificada mais de 40 vezes, para eliminar erros. Um artigo descrevendo o esforço foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Sonda gravitacional europeia vai cair na Terra em novembro O satélite GOCE, da Agência Espacial Europeia (ESA), ficará sem combustível em meados de outubro, quando começará a cair de uma altitude de 224 km. De acordo com nota da ESA, a reentrada na atmosfera deve acontecer cerca de três semanas após o fim do combustível. A maior parte da sonda deve se desintegrar no atrito com a atmosfera terrestre, mas fragmentos do GOCE poderão chegar à superfície.
Lançado em 2009, o GOCE mapeou as variações da gravidade na superfície do planeta com um grau de precisão até então inédito. A ESA informa que terá mais informações sobre os pontos de impacto dos fragmentos do satélite mais perto da data da reentrada, e avisará quem for necessário. A agência lembra, no entanto, que a maior parte da superfície da Terra é coberta pelos oceanos. Somando essa área à das regiões de deserto ou pouco povoadas, o risco de danos ou ferimentos causados pela queda torna-se muito baixo.
Mozilla lança projeto para revisar software de cientistas Cientistas cada vez mais criam programas de computador como parte de seu trabalho de pesquisa – para analisar dados ou testar modelos, por exemplo. Mas, como nota o blog Nature News, da revista Nature, a maioria dos pesquisadores nunca recebeu treinamento em boas práticas de programação, o que pode levar a problemas – de resultados errôneos ou impossíveis de reproduzir à dificuldade de detectar casos de fraude pura e simples. De acordo com o blog da Nature, o Mozilla Science Lab, ligado à organização Mozilla – um grupo sem fins lucrativos, mais conhecido por manter o browser Firefox – resolveu fazer uma revisão do software produzido para uma série de artigos de biologia computacional, área que aplica modelos matemáticos e técnicas de simulação virtual ao estudo da biologia e do comportamento. Os trabalhos sob análise saíram no periódico PLoS Computational Biology. O laboratório Mozilla está aplicando ao código criado pelos cientistas o mesmo processo de revisão adotado pelas empresas produtoras de software comercial para testar seus produtos, antes do lançamento no mercado. Um dos resultados possíveis do experimento seria a constatação de que pode valer a pena pagar por revisores de código de computador para artigos científicos, como já são contratados, em alguns casos, revisores estatísticos. Há quem tema, no entanto, que a abertura à crítica leve alguns cientistas a buscar esconder seus códigos.
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Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
Foto: Divulgação
Cana migra e vira terreno fértil para problemas socioambientais
Lavoura de cana no Centro-Oeste: demanda por água, desmatamento e fim de culturas tradicionais, como o arroz e o feijão, são alguns dos problemas apontados pelos pesquisadores Fotos: Antoninho Perri
Projeto de grupo interdisciplinar analisa impactos da expansão da cultura para o Centro-Oeste CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
expansão do plantio de cana-deaçúcar para o Centro-Oeste do Brasil vem trazendo vantagens econômicas de curto prazo que escondem problemas sociais e ambientais que tendem a se agravar por conta das mudanças climáticas, dizem pesquisadores ligados ao Projeto AlcScens, um grupo interdisciplinar de pesquisas coordenado por Jurandir Zullo Jr., coordenador da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) da Unicamp e pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade. “A região tradicional do plantio de cana, em São Paulo, continua sendo uma área de baixo risco climático para o agricultor, considerando as plantas atuais. Mas, na região mais central do país, aparece a necessidade de irrigação. Isso é uma preocupação, até pela disputa dos recursos hídricos”, disse Zullo ao Jornal da Unicamp, resumindo os resultados dos cenários simulados pelo AlcScens para o período até 2050. Uma alternativa à irrigação, que seria o desenvolvimento de variedades de cana mais resistentes à seca, ainda é incipiente e pode levar décadas para se materializar, disse ainda o pesquisador. “Uma preocupação é que a maior parte das variedades de cana plantadas no Brasil ainda é da década de 80. Isso mostra bem a necessidade de desenvolver novas plantas. Isso é preocupante. A tendência é o desenvolvimento de variedades mais específicas por região, e também de variedades específicas para álcool, ou açúcar, ou energia. É para onde os programas estão caminhando, mas sempre tem um tempo longo”, acrescentou. Se a disputa pela água, que tende a se tornar um recurso cada vez mais escasso nos Estados do Centro-Oeste para onde a cana está migrando, como Goiás, ainda está no futuro, a competição entre a cana-de-açúcar e culturas voltadas à produção de alimentos já acontece, com riscos potenciais para a segurança alimentar da população. “O que vi em minha pesquisa de doutorado, quando visitei a região, foi que a cana está se expandindo para além do Estado de São Paulo, em razão das áreas limitadas para a expansão da produção, e está caminhando principalmente para Goiás e Mato Grosso do Sul”, disse Vivian Capacle, doutoranda do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, pesquisadora também ligada ao AlcScens. “Goiás, hoje, é o principal produtor de cana do Centro-Oeste.
Jurandir Zullo Jr., coordenador da Cocen, com o grupo de pesquisadores do AlcScens e no destaque: cenários simulados até 2050
E lá, a cana chega ocupando áreas que antes eram para a produção de alimentos. Por exemplo, arroz e feijão já não têm mais uma produção significativa naquela região, porque a cana está ocupando essas áreas”.
DESMATAMENTO
O plantio de cana-de-açúcar no CentroOeste também empurra a produção de gado mais para o norte do país, aumentando a pressão de desmatamento sobre a Amazônia. “O arroz e o feijão não estão indo para outros lugares. A pecuária está se deslocando para outras áreas, mas arroz e feijão, que são culturas tradicionais de alimentos, não”, disse a pesquisadora. “Estão realmente sendo eliminados da esfera de produção nessas regiões”. Tanto Vivian quanto Tirza Aidar, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, que também atua no AlcScens, advertem que não é possível afirmar que essa substituição vai gerar fome nas regiões afetadas, já que a dinâmica social e econômica é complexa: se, por um lado, o preço dos alimentos tende a aumentar, o ganho de renda trazido pelo plantio da cana pode compensar isso. “A substituição tende a gerar um aumento no preço dos alimentos. Então, a população local terá de buscar esses alimentos em outras regiões, com certeza com um preço mais alto, e aí acaba impactando, sim, a segurança alimentar”, disse Vivian. No momento, porém, as administrações públicas da região parecem fascinadas demais pela riqueza rápida trazida pela cana para se preocupar com eventuais problemas no longo prazo. “No Centro-Oeste, os Estados não têm zoneamento específico sobre isso em relação a reorganizar o espaço produtivo. Quando estive lá, visitei as secretarias e perguntei sobre os zoneamentos, se poderiam orientar a
ocupação pela cana, a preservação do meio ambiente. E eles não têm. Não têm conhecimento disso, e parece que também não têm interesse nisso”, relatou a economista. “Conversei com o prefeito de um município e ele disse que queria mais é que a cana se expandisse, ocupasse áreas. Cresceu absurdamente a arrecadação, e ele pôde construir creches, hospitais. A visão é de curto prazo, para os governos ali o que conta é o crescimento econômico”. Além de constatar o aumento da pressão sobre os recursos hídricos, a segurança alimentar e o meio ambiente, pesquisadores do AlcScens também veem, na migração da cana para o Centro-Oeste, o potencial de novas tensões sociais: à medida que as terras são vendidas ou arrendadas para os grandes produtores canavieiros, a tecnologia e o conhecimento necessários para o aproveitamento do solo em outros tipos de cultura tendem a se perder. “Depois que você arrenda, se você vai retomar dali a dez anos, a tecnologia está completamente alterada e você não tem mais condição, a sua família e as pessoas ao seu redor, de acompanhar aquele desenvolvimento”, explicou Tirza. “Então, isso impede, como um fator de impacto sócio-político-educacional, que se retome a atividade, mesmo que você queira”. O processo, disse ela, gera um efeito cascata que leva à desvalorização da propriedade rural. “A situação vai obrigando que o arrendamento se perpetue, e isso faz com que diminua o valor da terra”. Claudia Pfeiffer, pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb), coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) e também ligada ao projeto interdisciplinar sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre a cana, lembrou que a cultura canavieira traz consigo uma série de demandas próprias, que acaba monopolizando a economia local. “Essas demandas vão se agregando numa monocultura, e o território onde ela se instala fica totalmente voltado para a cana. Seja para o plantio, seja toda a infraestrutura de serviços necessária para alimentar a usina. E aí o que acontece: no momento em que se fecha
uma usina, aquele território onde ela estava instalada fica absolutamente vulnerável”. Os pesquisadores do AlcScens ouvidos pelo Jornal da Unicamp acreditam que a expansão da cana-de-açúcar do interior paulista para o Centro-Oeste é um movimento que deve continuar e que não será revertido, por causa da limitação dos espaços de expansão em terras paulistas e das necessidades da mecanização da lavoura: as máquinas não suportam grandes declives de terreno, requerem um solo plano, o que é abundante na região central do país. A mecanização, em si, traz benefícios sociais, com a eliminação de formas predatórias de trabalho, e também para a saúde: artigo recente, de coautoria de Bruno Perosa, professor da Universidade Federal de Uberlândia e também pesquisador do AlcScens, aponta uma redução de quase 9% no total de internações por problemas respiratórios, em cidades paulistas produtoras de cana, entre 2006 e 2011. Nesse período, a proporção da área de canavial com colheita mecanizada passou de 30% para 65%. Mas também há problemas, como o desemprego resultante, que pode estar sendo mascarado pelo momento atual da economia brasileira, e o surgimento inesperado de uma nova forma de subemprego. “A gente ficou muito chocada com isso, um trabalho reservado exclusivamente para as mulheres”, disse a socióloga Roberta Peres, do Nepo, descrevendo condições encontradas em alguns municípios paulistas. “Um trabalho absolutamente degradante, que é ir à frente das máquinas, retirando pedras, e tirando bichos para não atrapalhar o rendimento das máquinas. É um emprego que apareceu com a mecanização da colheita, numa situação absolutamente precária para elas, que ganham quase nada”. O Projeto AlcScens já publicou dois relatórios, disse Jurandir Zullo Jr, deve apresentar mais um em novembro e, no ano que vem, publicar uma síntese com a integração dos resultados das pesquisas realizadas. “Estamos coletando vários dados e integrando”, disse ele. Entre seus objetivos está informar a tomada de decisões por agentes públicos e, também, levar o conhecimento sobre os efeitos das mudanças climáticas à população brasileira, com um viés de divulgação científica, que envolve também o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Unicamp. Zullo disse que há uma tendência de os brasileiros acharem que o aquecimento global é um problema “dos outros” – algo real, mas que deve afetar apenas ursos polares, ou geleiras distantes. O trabalho do AlcScens, mesmo focado na questão da cana-de-açúcar, chama atenção para os impactos do fenômeno no Brasil. “Há a questão da disputa por água, e também dos deslocamentos de população”, exemplificou. O AlcScens envolve 26 pesquisadores, a maioria da Unicamp. Além de centros, núcleos, institutos e faculdades da universidade, participam também estudiosos da Embrapa, do Inpe e da Universidade Federal de Minas Gerais. Até agora, as pesquisas realizadas no âmbito do projeto já produziram quatro teses e dissertações, além de dez artigos em periódicos indexados, dois em periódicos não-indexados, 52 trabalhos em eventos nacionais e internacionais e seis capítulos de livros.
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Método elimina fármaco poluidor de cursos d’água Técnicas convencionais são incapazes de remover a flumequina, antimicrobiano veterinário SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
químico Caio Alexandre Augusto Rodrigues da Silva eliminou, em ensaios de laboratório, um antibiótico veterinário que já foi detectado em águas de esgoto, rios e lagos. O pesquisador da Unicamp conseguiu ainda que o método fosse capaz não só de eliminar tal composto, mas também a sua ação biológica. Antibióticos e fármacos presentes na natureza são classificados como “contaminantes emergentes”. A tentativa de extinguir estes poluentes por meio de reações químicas pode levar à formação de outros poluentes com atividade biológica de toxicidade igual ou superior ao do composto original. É o primeiro relato na literatura científica que dá conta da remoção completa da flumequina, um fármaco antimicrobiano utilizado na atividade agropecuária para o tratamento e prevenção de doenças em rebanhos. Os métodos convencionais de tratamento de água e esgoto são ineficazes para remover por completo a substância e “desativar” a atividade biológica do fármaco. Mesmo as águas mais “limpas” de rios e lagos podem estar contaminadas com o medicamento. A flumequina pode ser lançada no ambiente por meio de processos de manufatura, disposição irregular ou mesmo excreção metabólica, quando acontece a sua eliminação pelo organismo do animal. O estudo sobre a degradação deste fármaco integrou tese de doutorado defendida junto à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. O docente José Roberto Guimarães orientou a pesquisa, que obteve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O trabalho gerou publicações nas revistas Journal of the AOTs, Chemical Engineering Journal e Science of the Total Environment, rendendo a Caio Rodrigues da Silva a distinção da FEC pela publicação de maior impacto na área de saneamento e ambiente em 2012. O estudo obteve as colaborações da engenheira química Milena Guedes Maniero, pesquisadora do Departamento de Saneamento e Ambiente da FEC, e da docente Susanne Rath, do Instituto de Química (IQ). “Desenvolver estudos para tratar efluentes contaminados com esse tipo de composto torna-se cada vez mais importante, uma vez que a presença de antimicrobianos no ambiente, como a flumequina, pode levar ao desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos. Além disso, muitos contaminantes apresentam riscos à biota e a própria saúde em humanos”, alerta o químico.
As superbactérias, letais em muitos casos, têm sido associadas frequentemente com a questão dos contaminantes emergentes. O conceito de poluentes emergentes referese aos compostos químicos encontrados no meio ambiente, mas que ainda não são monitorados, e para os quais não há legislação regulatória, a exemplo do fármaco estudado por Caio Rodrigues da Silva. No Brasil pouco se sabe sobre o destino e efeitos dos medicamentos veterinários no meio ambiente, critica o pesquisador da Unicamp. “A legislação é omissa em relação ao monitoramento da produção, destino e aplicação de antimicrobianos. Não é possível, portanto, desenhar com maior precisão a dispersão e o impacto desses fármacos no ambiente. Sabe-se apenas que o mercado alvo, no país, para o emprego de antimicrobianos é de 1,6 bilhão de animais, conforme pesquisa do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística].” O químico acrescenta que a flumequina é utilizada na agropecuária brasileira não somente para o tratamento de doenças em animais, mas também para preveni-las. Neste caso, há uma preocupação que o animal doente contamine todo o rebanho. Em muitos países tal prática foi banida, justamente, por gerar alto volume da substância no meio ambiente. A presença de poluentes emergentes na natureza pode ocasionar disfunções no sistema endócrino e reprodutivo, câncer e outros males ainda pouco conhecidos devido a efeitos crônicos causados a organismos expostos a estes medicamentos. “A existência de poluentes tem sido relatada pela comunidade científica em águas superficiais, esgotos municipais e, inclusive, em água potável clorada destinada ao abastecimento público. Há relatos também de que a flumequina já foi encontrada no rio Sena, na França”, constata Caio. O químico dá sequência neste momento aos estudos de tratamento de efluentes contaminados por poluentes emergentes com um pós-doutoramento na Universidade do Porto, em Portugal. A atividade é realizada conjuntamente com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe). Foto: Antonio Scarpinetti
O químico Caio Alexandre Augusto Rodrigues da Silva: anulando o composto e sua ação biológica
Foto: Raquel do Carmo Santos
Gado na Represa de Furnas, em Areado, Minas Gerais: flumequina é um antimicrobiano usado no tratamento e prevenção de doenças em rebanhos
DESAFIOS As estações de tratamento de esgoto (ETEs) e as estações de tratamento de águas (ETAs), implantadas ao longo do século do século XX, encontram-se diante de novos desafios, avalia o estudioso. Ele informa que pesquisas científicas têm reportado a capacidade destas estações em apenas reduzir a concentração de compostos farmacêuticos, sem necessariamente removê-los. “Os índices de remoção de determinada concentração de fármacos do afluente não indicam, necessariamente, a degradação dos mesmos, uma vez que o lodo da ETE pode apresentar acumulação. Isso acontece porque as estações não foram projetadas para remover antimicrobianos como a flumequina. As etapas de purificação da água, no caso das ETAs, se resumem, principalmente, a processos físico-químicos, não promovendo a oxidação de poluentes.”
PROCESSOS
OXIDATIVOS AVANÇADOS O estudo da Unicamp comprovou que os processos oxidativos avançados se constituem numa alternativa ao tratamento de efluentes contaminados por antimicrobianos. Tal técnica permite uma espécie de refinamento da qualidade final da água tratada. Além disso, o trabalho oferece perspectivas para o tratamento de outros fármacos da mesma classe da flumequina. “A flumequina pertence à família das quinolonas, um dos grupos de drogas mais utilizados para os tratamentos de infecções bacterianas. As quinolonas podem ser empregadas tanto para tratamentos de doenças veterinárias, como para o de seres humanos. As estruturas destes compostos são muito similares e, se você estudou a degradação de uma delas, pode abrir caminho para o tratamento de efluentes contaminados com os demais compostos da família”, prevê Caio Rodrigues da Silva. De acordo com o pesquisador, não basta apenas avaliar a degradação do fármaco para comprovar a eficácia dos processos oxidativos avançados, pois durante a aplicação destes processos podem ser formados outros poluentes com atividade biológica igual ou superior ao composto original. “Dessa forma, torna-se importante estudos complementares sobre a atividade biológica residual na solução após a aplicação do tratamento. Mesmo que o anti-
microbiano estudado não possa ser mais detectado no efluente após ser submetido a um processo oxidativo, a completa eficiência do processo só será comprovada caso a atividade biológica tenha sido igualmente removida”, detalha. O pesquisador explica que os processos oxidativos avançados geram radicais hidroxila. Estes radicais são fortes oxidantes com capacidade para mineralizar compostos orgânicos devido ao seu elevado potencial de redução, que é superior ao dos oxidantes convencionais. “Os radicais gerados se destacam frente a outros oxidantes em razão de sua capacidade de promover desinfecção e, principalmente, de mineralizar compostos orgânicos persistentes, entre os quais antimicrobianos presentes em matrizes aquosas”, salienta.
Publicações Artigos RODRIGUES-SILVA, C., Maniero, M.G., Rath, S., Guimarães, J.R., 2013. Degradation of flumequine by Fenton and photo-Fenton processes: Evaluation of residual antimicrobial activity. Science of the Total Environment 445-446, 337-346. RODRIGUES-SILVA, C., Maniero, M.G., Rath, S., Guimarães, J.R., 2013. Degradation of flumequine by photocatalysis and evaluation of antimicrobial activity. Chemical Engineering Journal 224, 46-52 Da Silva, C.R., Maniero, M.G., Rath, S., Guimarães, J.R., 2011. Antibacterial Activity Inhibition after the Degradation of Flumequine by UV/H2O2. Journal of Advanced Oxidation Technologies 14, (1), 1-9.
Tese: “Degradação de flumequina por processos oxidativos avançados” Autor: Caio Alexandre Augusto Rodrigues da Silva Orientador: José Roberto Guimaraes Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) Financiamento: Capes e Fapesp
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Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013 LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
ese de doutorado defendida no Instituto de Geociências (IG) analisa as desigualdades sociais e espaciais internas das 19 cidades que compõem a Região Metropolitana de Campinas (RMC). Para viabilizar a pesquisa, o autor Ederson Nascimento precisou construir indicadores de exclusão e inclusão social que permitissem uma comparação estatística e territorial dessas desigualdades decorrentes da evolução da urbanização na região. Ele calculou os indicadores a partir de dados socioeconômicos dos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010. A pesquisa teve orientação do professor Lindon Fonseca Matias, do Departamento de Geografia. “Em regiões metropolitanas economicamente avançadas e dinâmicas como a de Campinas, vários sistemas de indicadores consagrados, como o IDHM [Índice de Desenvolvimento Humano Municipal], atribuem altas notas médias ao desempenho dos municípios, o que contribui para a falsa ideia de que eles são bastante desenvolvidos. Isso porque, com tais indicadores médios, ignoram-se as enormes desigualdades existentes internamente às cidades no que diz respeito às condições de vida dessas populações”, opina Ederson Nascimento. “Tais desigualdades intraurbanas podem ser analisadas com base no processo de exclusão/ inclusão social configurado pelas diferenças de renda e oportunidades no município, bem como da oferta de bens e serviços no território”, esclarece. O índice de exclusão/inclusão social formulado pelo autor da tese é formado por dados referentes a quatro dimensões básicas das condições de vida: autonomia de renda, desenvolvimento humano, equidade e qualidade domiciliar. “Com os dados disponíveis – gostaria que fossem bem mais – procurei construir uma metodologia sensível a ponto de garantir a comparabilidade das desigualdades no tempo, ao longo desses 20 anos em que os censos trazem dados socioeconômicos; e no espaço, entre municípios como Campinas, com seu 1,1 milhão de habitantes, e Holambra, Engenheiro Coelho e Santo Antonio da Posse, onde a população urbana não passa de 20 mil.” Em seus cálculos, Nascimento considerou variáveis como renda e escolaridade dos responsáveis por domicílios; número de pessoas da família com idade de 0 a 14 anos (sem renda); domicílios com abastecimento de água, esgotamento sanitário e disposição de lixo doméstico inadequados; número de moradores e média de cômodos e banheiros por domicílio; domicílios improvisados e do tipo “cômodo”; e domicílios em aglomerados subnormais, dentre outras variáveis. “Essas variáveis receberam notas, que depois de agregadas geraram o índice geral de exclusão e inclusão social para os anos de 1991, 2000 e 2010, a fim de se saber o que melhorou, o que piorou e o que mais mudou.” O pesquisador ressalta que a RMC apresenta padrões interessantes de segregação, aqui entendida como o processo de divisão do espaço da cidade, em que cada área repartida tende a concentrar determinadas classes sociais, com destaque para as elites econômicas, cuja localização no espaço urbano originam bairros de alto padrão, condomínios fechados e todos os serviços que essas elites acabam
Desigualdades interurbanas Foto: Antoninho Perri
INTRAURBANOS
Entroncamento na Anhanguera: rodovia é divisor de classes sociais e padrões de ocupação urbana
AO NORTE E AO SUL DA ANHANGUERA
Correlacionando dados como fotos aéreas, mapas e informações da literatura e dos três censos realizados nos últimos 20 anos, Ederson Nascimento produziu mapas em que fica marcante a oposição de cores – o verde da inclusão e o vermelho da exclusão – ao norte e ao sul da Anhanguera. “Na parte norte vemos a conformação da principal zona de inclusão social da região, no trecho de Vinhedo até o trevo com a SP-065. Em Campinas, a urbanização se dá a partir do Centro e de bairros do entorno como o Cambuí, até o contorno viário do Shopping D. Pedro e os distritos de Barão Geraldo, Sousas e Joaquim Egídio, com vetores para os municípios de Paulínia, Jaguariúna e Valinhos. Esses núcleos residenciais concentram o maior poder aquisitivo da região como um todo, e não apenas de Campinas.” O pesquisador observa que, em 1991, a concentração da renda era bem maior no centro da metrópole e entorno, mas houve uma dispersão desta riqueza ao longo das décadas de 90 e 2000, movimento que coincide com a disseminação dos condomínios fechados e, também, com um período de crise econômica e explosão da violência. “Campinas virou foco da mídia por conta da criminalidade e teve inclusive um prefeito assassinado [Antonio da Costa Santos, em 2001]. Tudo isso gerou uma preocupação legítima das elites, com o mercado imobiliário se aproveitando da situação para promover o fechamento de áreas residenciais como alternativa de segurança.”
População Absoluta
%
População Urbana*
Americana
208.459
3.847
77.689
-
-
1,8
37,3
39.998
11.622
21.199
-
-
29,1
53,0
Artur Nogueira
MBE
BE
AE
MAE
MBE
BE
1.061.540
5.126
81.057
139.278
316.631
0,5
7,6
13,1
29,8
Cosmópolis
56.828
777
512
6.355
29.674
1,4
0,9
11,2
52,2
Engenheiro Coelho
11.498
8.277
2.413
-
-
72,0
21,0
8.184
291
4.736
-
-
3,6
57,9
Campinas
Holambra Hortolândia
192.692
Indaiatuba
199.592
527
10.649
57.935
107.797
-
5,5
30,1
55,9
60
14.101
100.272
0,3
-
7,1
50,2
Itatiba
85.666
7.658
48.073
-
-
8,9
56,1
Jaguariúna
43.033
111
3.697
23.493
-
0,3
8,6
54,6
Monte Mor
48.080
227
21.831
20.757
0,0
0,5
45,4
43,2
Nova Odessa
50.407
78
441
30.563
0,2
-
0,9
60,6
Paulínia
82.070
357
5.583
40.973
0,4
-
6,8
49,9
1.614
29.345
-
-
3,9
642
4.647
104.495
0,4
-
2,6
Pedreira Santa Bárbara d’Oeste Santo Antônio de Posse
41.209 178.596
Ederson Nascimento: calculando os indicadores a partir de dados socioeconômicos de censos demográficos
De acordo com Nascimento, os condomínios residenciais se tornaram um dos negócios mais rentáveis na economia desses municípios, sendo que o sistema viário serviu como indutor desta expansão urbana. “Os empreendimentos precisam estar sempre bem localizados, o que para as elites significa se deslocar o mais rapidamente possível, transformando as rodovias desses quadrantes em verdadeiras avenidas. Um aspecto sempre ressaltado nos anúncios publicitários das incorporadoras é que o morador estará a ‘poucos minutos’ do shopping e de outros serviços para ele essenciais.” Os mapas da tese mostram que ao sul da Anhanguera, ao contrário, formou-se um vasto território marcado com o vermelho da exclusão social em variadas intensidades, chamado por ele de “macroperiferia” da RMC. “Ali, desde as décadas de 60 e 70 começou-se a desenvolver um padrão de urbanização bem diferente, com bairros adensados, havendo inúmeros loteamentos irregulares e favelas em áreas de risco. As companhias públicas de habitação contribuíram para esse adensamento criando grandes loteamentos, sendo que muitos deles permaneceram desocupados e acabaram vendidos a preços baixos ou mesmo invadidos nos anos 70.” O autor da tese atenta que, mais recentemente, o processo de urbanização vem se estendendo à SP-101, em direção a Monte Mor, passando por Hortolândia e Sumaré. “Esses dois municípios, apesar de industrializados e do PIB elevado, possuem basicamente moradores de baixa renda, que se inserem nos serviços, no comércio e na clandestinidade em Campinas; é o alto escalão daquelas in-
Uma crítica feita no trabalho é que existem no Brasil mais de 1.400 indicadores socioeconômicos organizados nas escalas regional e nacional, mas pouquíssimos dados intraurbanos. “Estamos melhorando, mas tanto para o estudo acadêmico como para gestão pública, as grandes bases de dados são produzidas tendo o município como unidade de referência; somos dependentes do censo feito pelo IBGE. Existe também um problema de gestão, já que produzir dados na escala do bairro, da rua e do domicílio custa dinheiro, e é uma obrigação do município e não federal – obrigação em termos, pois a legislação não determina a realização de levantamentos semelhantes periodicamente.” Na opinião do pesquisador, tais levantamentos permitiriam ampliar o leque de análises com base em informações mais próximas, como por exemplo, sobre emprego e renda, serviços públicos, escolaridade e criminalidade. “Então, fica a pergunta: o diagnóstico que fizemos é suficiente para retratar as diferenças internas nos municípios da RMC? Eu considero suficiente para o fenômeno que estudei, mas ainda precisamos avançar muito. Seria interessante se os censos tivessem periodicidade menor do que dez anos e que surgissem novos indicadores como o IDHM, mas com dados internos às cidades. Isso possibilitaria identificar e comparar melhor as demandas do ponto de vista territorial e social, bem como acompanhar a execução de políticas públicas.” Ederson Nascimento ressalta que o sistema de indicadores de exclusão/inclusão social desenvolvido na tese de doutorado é replicável em realidades de todas as regiões metropolitanas. “Ele é de aplicação em quaisquer municípios, pois os dados são derivados exclusivamente de recenseamentos para todo o território nacional. Abrem-se, assim, possibilidades de análises semelhantes do espaço intraurbano em outras cidades, com a construção e divulgação de novas cartografias de exclusão e inclusão social. Pessoalmente, a próxima meta é estudar a Região Metropolitana de Chapecó [SC], onde leciono atualmente, na Universidade Federal da Fronteira Sul.”
Publicação Tese: “As desigualdades socioespaciais urbanas numa metrópole interiorana: uma análise da região metropolitana de Campinas (SP) a partir de indicadores de exclusão/ inclusão social” Autor: Ederson Nascimento Orientador: Lindon Fonseca Matias Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Região Metropolitana de Campinas: Distribuição absoluta e percentual da população urbana, por níveis de exclusão/inclusão social Nível de exclusão/inclusão
1991
2010
2000
População Absoluta*
%
Alta exclusão
27.904
Média-alta exclusão
161.645
71,2
Média-baixa exclusão
58,5
Baixa exclusão
População Absoluta*
%
0,5
7.387
0,3
5,6
99.914
3,8
População Absoluta*
%
1,5
11.103
9
126.500
576.583
32
403.844
18
223.824
8,5
624.545
34,7
897.240
40
1.185.676
45,3
8.362
9.484
-
-
44,4
50,4
Baixa inclusão
211.502
11,7
455.897
20,3
559.653
21,4
35.452
148.583
0,2
2,8
14,9
62,3
Média-baixa inclusão
92.721
5,1
162.266
7,2
320.978
12,3
101.626
1.083
35.607
-
-
1,1
35,0
Média-alta inclusão
73.851
4,1
128.601
5,7
194.045
7,4
61.612
760
33.892
-
-
1,2
55,0
Alta inclusão
33.086
1,8
57.398
2,6
27.917
1,1
332.834
1.185.676
0,3
3,6
12,2
43,5
1.801.837
100
2.242.849
100
2.619.394
100
18.834
Sumaré
238.470
Valinhos Vinhedo RMC
17
Foto: Divulgação
atraindo. “Os diferentes modos de configuração da urbanização da cidade de Campinas influenciaram, também distintamente, a evolução urbana nos municípios do entorno.”
Município
MAE
dústrias que reside na metrópole. Cabe ressaltar que Campinas se mantém como polo regional da desigualdade social e da segregação: concentra a maioria das localidades em situação de elevada inclusão social e, em contrapartida, abriga no território espacialidades profundamente excludentes. E a Anhanguera serve como um verdadeiro divisor entre padrões de ocupação urbana muito diferentes e de classes sociais também muito diferentes.”
SOBRE OS DADOS
Distribuição absoluta e percentual da população urbana, por nível de exclusão social, segundo municípios da RMC (2010) AE
Autor de tese elabora indicadores de exclusão e inclusão social da Região Metropolitana de Campinas
2.728.394
* População residente nos setores censitários urbanos.
400
7.907
6.761
99.394
Total * População urbana (setores censitários).
6
Campinas, 30 de setembro a 6 de
Tese analisa p
FHC e Ruy M
Estudo do Instituto de Economia aponta limites e contribuições dos pens MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
Foto: Antoninho Perri
a década de 1970, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini (1932-1997) travaram um intenso e profícuo debate acerca das possibilidades de desenvolvimento de países situados na periferia do capitalismo, o Brasil entre eles. A controvérsia estabelecida pelos dois intelectuais, que exerceram grande influência sobre os pensamentos econômico e de esquerda da época, foi objeto de estudo da tese de doutoramento do economista João Paulo de Toledo Camargo Hadler, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. De acordo com o autor do trabalho, embora FHC e Marini tenham tido posições antagônicas em torno do chamado “desenvolvimento dependente”, eles se aproximaram em um ponto. “Ambos convergem justamente quanto aos limites de suas análises. Tanto FHC quanto Marini fundamentaram suas teses em concepções apriorísticas, desprezando a formação histórica da nossa sociedade e da nossa economia”, afirma. Hadler conta que tomou contato com a polêmica protagonizada pelos sociólogos ainda no mestrado, quando estudou o pensamento do economista Celso Furtado sobre o problema da contradição entre a transnacionalização do capital e o desenvolvimento nacional. “O debate entre FHC e Marini foi muito marcante na ocasião e exerceu forte influência sobre vários
segmentos. Decidi, então, me debruçar sobre os artigos escritos por ambos, com o objetivo de fazer uma análise crítica de suas reflexões. Vale destacar que na tese eu não aponto somente os limites dos pensamentos desses dois intelectuais, mas também as contribuições que eles deram”, explica o autor do trabalho, que foi orientado pelo professor Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior. Fernando Henrique, assinala Hadler, contribuiu no sentido de fazer uma crítica à perspectiva economicista no tratamento do desenvolvimento econômico. “Ele trata o desenvolvimento como um processo social, indo além do aspecto puramente técnico e econômico. Desse modo, FHC mostra que o jogo de forças políticas e as interações entre os grupos sociais afetam as possibilidades e as formas de desenvolvimento. Marini caminha numa direção diferente. Como foi profundamente influenciado pelo marxismo, ele privilegia a luta de classes e a revolução na análise que faz do desenvolvimento dependente”, detalha o autor da tese. O pensamento de FHC sobre esse tema, conforme o pesquisador, defende a tese segundo a qual dependência e desenvolvimento não são inconciliáveis. Ao contrário, a primeira seria uma condição do segundo, no que o sociólogo denominou de “desenvolvimento dependente e associado”. Assim, Fernando Henrique considerava que a partir dos anos 1950, com a nova fase de internacionalização do capital e com a instalação de filiais de multinacionais no Brasil e outros países da América Latina, seria possível compatibilizar a situação de dependência com o desenvolvimento. “A ideia central era de que a nova forma de investimento do capital internacional, que apostava na instalação de empresas no país para atender ao mercado interno, contribuiria para o desenvolvimento nacional. Esta forma de desenvolvimento, no entender de FHC, seria diferente do modelo anterior, que estava baseado na especialização dos países da periferia na produção de commodities para exportação”, pormenoriza o Hadler. Como dito, FHC conferiu forte ênfase ao jogo de forças que condiciona os limites e possibilidades do desenvolvimento. “Ele dá uma grande autonomia para a esfera política. Ou seja, acre-
João Paulo Hadler, autor da pesquisa: “Tanto FHC quanto Marini não conseguem dar respostas factíveis aos problemas que abordam porque abandonaram em suas perspectivas a questão histórica”
ditava que, com vontade política e com a articulação correta entre determinados grupos, seria possível reformar o capitalismo dependente e, em alguma medida, atenuar os seus aspectos antissociais”. Marini, ao contrário, considerava que a situação de dependência, mesmo na nova fase de internacionalização do capital, era totalmente incompatível com qualquer forma de bem-estar social e com a maior participação da classe trabalhadora no processo político. A ideia principal defendida por Marini, observa Hadler, é que o capitalismo dependente latino-americano tinha seu fundamento na superexploração da força de trabalho. Este seria o mecanismo utilizado pelas burguesias dependentes para compensar as perdas de valor que sofriam nas suas relações econômicas com os países imperialistas e com os capitais internacionais. “Essa superexploração é concebida por ele como sendo uma remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor, ou seja, insuficiente para repor o desgaste da força de trabalho. Isso faria do capitalismo dependente um sistema profundamente antissocial e antidemocrático. Nesse sentido, para Marini, a solução dos problemas sociais e econômicos do Brasil e dos demais países latino-americanos passaria necessariamente pela ruptura com a dependência e com o capitalismo. Assim, aponta como saída a via revolucionária. Ele assinala para uma revolução socialista de caráter continental, pois a sua discussão não se deteve somente ao Brasil”, esclarece o autor da tese.
PONTO DE APROXIMAÇÃO Ainda que apresentem visões divergentes em relação ao desenvolvimento dependente, FHC e Marini têm um ponto de aproximação, no entender de Hadler. Este está justamente nos limites das duas interpretações, que, a juízo do pesquisador, carecem de sustentação histórica. “No pensamento de FHC falta uma análise da formação das classes sociais. A possibilidade de reforma do capitalismo dependente apontada por ele está assentada justamente na ausência dessa avaliação. Ele entende a luta política a partir de grupos indeterminados. Falta considerar, portanto, a relação entre economia, política e história”, aponta o pesquisador. É desse posicionamento que vem a crítica mais contundente de Fernando Henrique às teses defendidas por Marini, como comenta Hadler. Segundo ele, FHC acusa o interlocutor de abusar do economicismo e de reduzir toda a sua reflexão à mera atuação da lógica do capital. “Nesse sentido, Fernando Henrique aponta corretamente que as coisas não acontecem de forma imediata. A economia e a sociedade não determinam a superestrutura jurídico-política imediatamente. Ocorre, porém, que ele também não avança em relação a essa questão, mais uma vez porque sua reflexão não conta com um embasamento histórico. A determinação da economia é feita pelos sujeitos das classes concretas. FHC só conseguiria explicar essas classes se entendesse a formação delas num contexto particular, que é o de uma sociedade nacional de origem colonial e escravista. Essa mesma deficiência surge quando ele entende que a articulação do capital internacional com o espaço econômico nacional seria duradoura e profunda, e que dessa relação seria estabelecida uma solidariedade entre ambos. A concepção que ele tem da industrialização, no entanto, não tem correspondência nas condições históricas de um país com economia periférica, de origem colonial e escravista”, sustenta Hadler.
O sociólogo FHC nos anos 70: ênfase no jogo de forças que condiciona os limites e possibilidades do desenvolvimento
Fernando Henrique também não questiona em seus artigos, de acordo com o pesquisador, a possibilidade de reproduzir, em uma economia que apresenta escassez material, as formas típicas do capitalismo mais avançado. “Para ele, com a chegada das multinacionais, seria possível reproduzir uma forma de industrialização que permitiria o desenvolvimento. Entretanto, ele não considerou algo que Celso Furtado trabalhou muito bem, que é a questão da modernização dos padrões de consumo. Conforme Furtado, a reprodução das formas de produção e consumo das economias avançadas foi viabilizada pela maior concentração da renda e das atividades produtivas. Os efeitos e benefícios da inovação e do progresso técnico, conforme Furtado, são restritos nas economias subdesenvolvidas, marcadas pela segregação social e pelo desemprego estrutural. Então, não há nelas a dinâmica identificada nos países desenvolvidos, caracterizada pela acumulação do capital e pela expansão do mercado”. Embora tenha uma visão totalmente diferente da de FHC, Marini também não constrói suas teses a partir de uma interpretação de base histórica, insiste Hadler. O sociólogo, diz o autor da pesquisa, explica a reprodução da dependência e da precariedade da classe trabalhadora a partir da lógica de O Capital, tal qual ele lê. “Marini vai buscar em leis gerais, como a da acumulação e a da tendência decrescente da taxa de lucro, a explicação quase imediata para a superexploração do trabalho e para a reprodução da dependência. Daí a necessidade, segundo ele, de romper com as amarras para promover o progresso social nessas sociedades. O problema é que ele tenta explicar fenômenos históricos concretos com base em leis abstratas”. É também a partir dessa mesma base, acrescenta Hadler, que Marini procura explicar a dinâmica e o padrão das lutas de classe. “É fundado nesses conceitos que ele constrói a tese da superexploração do trabalho. E é a partir da radicalização das contradições entre capital e trabalho que ele vai explicar a necessidade de revolução.
7
e outubro de 2013
polêmica entre
Mauro Marini
samentos dos sociólogos sobre o tema do desenvolvimento dependente Fotos: Reprodução
Segundo Ruy Marini, o capitalismo dependente latino-americano tinha seu fundamento na superexploração da força de trabalho
Em outros termos, ele não busca argumentos na dialética dos fatos concretos da realidade brasileira. Tanto é assim que Marini acaba dissolvendo essa revolução num movimento latino-americano genérico, o que deixa ainda mais clara a desconsideração dos aspectos históricos que formam a realidade da América Latina. Ele passa por cima das particularidades das diferentes culturas, como seus processos de colonização e de independência”. Em resumo, considera o autor da tese, tanto FHC quanto Marini não conseguem dar respostas factíveis aos problemas que abordam justamente porque abandonaram em suas perspectivas a questão histórica. “Caio Prado Júnior, cuja obra tem forte influência do pensamento marxista, compre-
endeu bem a história do Brasil. Ele apontou que a solução dos problemas só pode ser encontrada nos próprios problemas ou, melhor dizendo, nas condições históricas que os geraram. Assim, somente uma profunda investigação histórica de uma determinada realidade é capaz de fornecer a chave para a superação das adversidades. Esses pressupostos não estão presentes nem nos artigos de FHC nem dos de Marini”. Outro ponto destacado por Hadler sobre o debate travado por FHC e Marini é que ele continua atual, mesmo tendo decorridas tantas décadas. “Embora a polêmica seja dos anos 1970, ela continua viva em virtude da influência que os dois autores ainda exercem sobre setores da esquerda brasileira. As propostas para a resolução dos problemas brasileiros sempre oscilaram entre esses dois polos. Existem segmentos que apostam na via puramente institucional para superar as adversidades impostas pelo subdesenvolvimento, enquanto outros jogam todas as fichas na revolução. As duas soluções, vale reforçar, são abstratas porque também não levam em conta as condições históricas concretas. Nesse sentido, as recentes jornadas de junho seguem na contramão dessas duas tendências e constituem uma importante contestação aos modelos político e econômico que aí estão. As forças que vêm da rua apontam para essas formas limitadas de análise”, considera Hadler, que contou com bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Foto: Reprodução
Caio Prado Júnior: para Hadler, artigos de FHC e de Marini não contemplam condições históricas investigadas pelo intelectual Foto: Adi Leite/ Folhapress
Publicação Tese: “Dependência e superexploração: os limites das reflexões de Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini sobre a problemática do desenvolvimento dependente” Autor: João Paulo de Toledo Camargo Hadler Orientador: Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior Unidade: Instituto de Economia (IE) Financiamento: CNPq As análises de Celso Furtado acerca da modernização dos padrões de consumo, diz o autor da tese, foram ignoradas por FHC Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Manifestantes protestam em Brasília: na opinião de Hadler, as jornadas de junho seguiram na contramão de tendências hegemônicas
8
Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
As muitas histórias e peripécias do funcionário que faz serviços de manutenção da FCM MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br
liança de chiclete para os noivos, uma volta de três anos com o circo na adolescência, fantasma no hospital. Cordel, comédia, ou realidade? Descontínuo, Humberto Teixeira da Silva emenda suas peripécias cada vez que é chamado para realizar um serviço de manutenção na área de Relações Públicas da Faculdade de Ciências Médicas, segundo o jornalista Edimilson Montalti. Seus argumentos (texto pré-roteiro), pórem, deixam sempre com – como popularmente se diz – a pulga atrás da orelha. Verdade ou ficção? Da forma como se falavam no programa de TV na adolescência: senta que lá vem história. – Aos 9 anos de idade, minha mãe queimou meus dedos. Porque tive um sarampo muito forte, e ela, achando que eu estivesse morrendo, acendeu vela em minha mão, mas eu via e escutava a conversa. Por outro lado, a gente passava fome e, vendo a preocupação de meus pais, passei a admirar mais o circo; talvez pela vontade de viver no mundo e aliviar a preocupação deles. Foi então que pensou na possibilidade de um dia pegar carona na boleia do caminhão de uma trupe. Queria ser palhaço. Mas na boleia, aos 9 anos, seria difícil. Aos 11, tomou coragem. – Você não pode ir com a gente, sem seus pais. Já não sonhava em ser somente de seus pais. Queria ser do mundo. E para o mundo. Conseguiu rodar o Brasil. Sem bilhete, sem pedido, sem desculpa. Mas não na boleia, na carroceria, escondido. Sem medir consequências. – Isso mesmo, quando tinha 11 anos, chegou um circo. Sei lá, deu vontade. Não foi um “não” para minha mãe. Foi um “sim” para o circo. Aproveitei a distração das pessoas, peguei poucas peças de roupa molhada do varal e coloquei numa sacolinha. Enquanto não me davam a oportunidade de me apresentar como palhaço, comecei a vender balinhas para o público. Foi quando comecei a me virar para viver. Diz o contador de casos que, não vendo alternativa e nenhuma possibilidade de voltar a Belém, cidade da Paraíba, tão cedo, admitiu-o como assistente de palhaço. E já que queria brincar com a vida, sua e da família, foi fazer graça no picadeiro. No circo, aprendeu muito sobre a arte circense, a arte de encenar e tomou gosto por ouvir música clássica: – Hoje que estou mais assentado, chego a minha casa e ouço música clássica. Também gosto de nostalgia e música romântica. Graças ao circo. Mãe e pai ficaram sabendo de seu paradeiro somente depois de três anos, quando já tinha 15 anos, e ele bateu à porta com a maior cara lavada. – Voltei por impulso. O circo foi para uma divisa da Paraíba com Pernambuco, e eu peguei algumas caronas até chegar a minha casa. Para minha família, eu havia morrido. Fiquei três anos sem dar notícia. Minha mãe chorava e meu pai, ria. Ela não queria mais que eu voltasse, mas ele disse a ela que se eu já havia experimentado, tinha condições de viver sozinho. Mais seis meses em Belém, para relembrar o que é viver em família, e pé na estrada novamente. Outro circo? Não, não. Dessa vez, tentou girar o Brasil nas cadeiras de uma roda gigante, comendo algodão-doce entre as luzes coloridas do chapéu mexicano e dos carrinhos que se batiam e ouvindo música romântica. Afinal, o que era um parquinho sem os hits românticos da época. Para não perder a graça da ficção, não conformado apenas com a assinatura de papéis em cartório, queria viver o ritual de um casamento religioso, com direito a aliança, padre, testemunhas. E filho?
Humberto viaja na ficção e na realidade
– Sim. Tínhamos 20 anos, e nosso filho tinha três meses. As alianças foram compradas de um “doceiro”, daquelas que vinham grudadas num chiclete. Um dos padrinhos, conta Humberto, patrocinou o brinde com caldo de cana. Coisa de palhaço, ou de contador de histórias? Humberto garante que não, assim como a tentativa de fugir do compromisso. – Quando fiquei sabendo que ela estava grávida, lembrei que tinha pai e mãe esperando notícias minhas em Belém. Não pensei duas vezes. Mas, como minha irmã morava em Campinas, entrou em contato com meu pai para explicar o motivo de minha viagem. Exigente, ele me mandou de volta para Campinas na hora. E veio. Sacramentar a união na Capela da Poeirinha, no bairro Rosolém, em Hortolândia, São Paulo. Veio para assumir a família. Trabalhar duro para não faltar nada, até hoje, aos filhos e à esposa, da qual acabou se separando. A história com a Unicamp também tem as voltas da boa conversa. Um vaivém que, de acordo com Humberto, terminará na Faculdade de Ciências Médicas, onde aplica tudo o que teve de aprender ao querer fazer carreira solo pelo mundo. – Aprendi de tudo, principalmente na área de assistência e manutenção em hidráulica, elétrica. Por isso, sempre que um setor está em apuro, faço questão de acompanhar. Aprendi com a faculdade da vida. Como vivia no mundo, não cheguei a concluir o primeiro colegial (ensino médio), mas nunca fiquei sem emprego porque aprendi fazendo. Desde que o auditório da FCM foi inaugurado, faço plantão em eventos, caso ocorra um imprevisto. Seja durante o expediente, seja à noite ou fim de semana. Por isso me aproximei muito do pessoal da área de Relações Públicas. Tenho cursos na área de relações humanas, segurança do trabalho, básico em computação e em eletrotécnica, cabeamento em telecomunicações. Vários pela FCM e alguns antes de entrar na Unicamp. Tentou fugir do circo, mas este veio atrás dele em Campinas. – Certa vez, chegou um circo a Campinas, e eu fiz alguns trabalhos para eles. Quiseram me levar, mas minha irmã perguntou se não estava na hora de fixar endereço. Então, não fui.
A imaginação fértil do contador de história se estendia para as brincadeiras com amigos da Guarda Noturna de Campinas, em 1983, em sua primeira passagem pela Unicamp. Na época, a associação responsável pela segurança da Unicamp, e Humberto zelava pelo Instituto de Biologia (IB) no período noturno. Como forma de conter o próprio medo, no deserto da quase-floresta que circundava o antigo prédio da Biologia, um dos primeiros do campus de Barão Geraldo, adquiriu o “mau” hábito de assustar os colegas. Quem já se perdeu no labirinto da Biologia, como a patrulheira mirim recémchegada em 1984, ou a zeladora contratada em 1986, pode imaginar como seria circular por aqueles corredores confusos do primeiro instituto da Unicamp. – Carregava um lençol branco. Naquela época, as pessoas ainda tinham medo de assombração. Mas há quem relate que já viu. Você já ouviu falar? Eu em sempre falei brincando, mas certo dia, uma diretora desceu desesperada do banheiro do auditório por ter visto algo lá. A julgar pela peripécia, dá para imaginar quem fazia as pessoas acreditar. Até porque, abandonado de vez pelo circo, precisava se alimentar do bom humor enquanto trabalhava, mas sem prejudicar as pessoas. – Onde entro, brinco mesmo. E as pessoas aceitam porque só faço brincadeira sadia. Jamais faria algo que prejudicasse o próximo. Mas enfatiza o gosto das pessoas pelo trágico. Principalmente quando esteve à beira da morte. A convivência alegre com os colegas da guarda foi interrompida pela quebra do contrato entre a Unicamp e a empresa de segurança. O rompimento fez com que retomasse o projeto de viajar, mas dessa vez com destino, na poltrona, confortavelmente, porém, sem a delícia de fugir na carroceria do caminhão de circo. O projeto de conhecer o mundo o levou ao Canadá. – Fui indicado para permanecer na Unicamp depois do vencimento do contrato com a Guarda, mas ainda tinha aquele gostinho de conhecer outros lugares. Trabalhei em várias empresas, viajei muito,
cheguei a ir para o Canadá como pintor industrial de uma empresa de máquinas de celulose. Viajei o Brasil todo, mas no exterior “só” conheci o Canadá. Nem o vínculo com as multinacionais fez com que Humberto abrisse mão do bom humor diário. As diversas histórias, algumas até trágicas – como sofrer atentado –, faziam parte da rotina dos amigos, mas a brincadeira não era seu privilégio, pois encontrou mais dois contadores de causos engraçados. Como não podia deixar de ser, o lado empreendedor voltou a ser estimulado, e os três foram fazer free lance em festas e eventos institucionais. – Ganhamos uma boa grana com isso. Deu para complementar a renda. A experiência com manutenção foi adquirida na estrada, ou no ar, e foi trazida para a Unicamp em sua volta, em 1995, como funcionário da FCM, mas prestando atividades no Escritório de Tecnologia (Estec). Em 2002, assumiu o setor de manutenção da faculdade sem dificuldades, garante, pela qualidade do trabalho dos colegas de equipe. Hoje, para quem optou por viver só, Humberto vive rodeado de amigos, dentro e fora da Unicamp. Afinal, se seguisse, de fato, isolado, iria ter de falar sozinho. Até porque, pelo andar da entrevista, o silêncio não é o que mais o apetece. A não ser quando chega a sua casa, ao fim do dia, e dá voz à música clássica. – Agora que tenho 52 anos, estou mais sossegado. Porque nunca fui de parar em casa. Nunca consegui ficar parado. Escolhi me criar no “mundo”, e não me arrependo de nada. No mundo, passei algumas dificuldades, mas menores do que a que passávamos lá em Belém, na Paraíba. Em alguns momentos, me vi sem alguém para me apoiar, mas nunca fui de olhar para trás. Quando quero algo vou até o fim; não sou de ficar em cima do muro. Comecei a vender balas no circo e não precisava mais para viver. Nunca fui de comprar muita roupa. Aprendi muito. Cheguei onde queria. Nunca me envolvi com álcool, droga. Nunca deixei de trabalhar. Há quem duvide de minhas histórias, mas elas aconteceram. E então, quem arrisca: realidade ou ficção? Foto: Antonio Scarpinetti
Humberto Teixeira da Silva, funcionário da FCM: “Sempre que um setor está em apuro, faço questão de acompanhar. Aprendi com a faculdade da vida”
Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013 ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
ão várias as maneiras de sentir ou de compreender a menopausa em diferentes culturas. Ela não tem uma interpretação unilateral e possui um conceito que traz consigo as marcas do seu lugar de produção. É um tema controverso, entendido quase que unicamente sob o aspecto organicista, o qual põe ênfase na medicalização. “A menopausa ainda é tratada como doença e muitas mulheres reproduzem esse discurso”, constata a tecnóloga Rebeca Buzzo Feltrin em sua tese de doutorado, defendida no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG). No seu estudo, Rebeca procurou compreender a construção social do conhecimento científico sobre o conceito de menopausa, principalmente como ele aparecia dentro do consultório médico e se havia uma negociação entre médicos e pacientes sobre a ideia da menopausa e dos sintomas a ela atribuídos. Em termos conceituais, informa a autora da tese, a menopausa está contida no climatério (transição entre a fase reprodutiva e não reprodutiva), que abrange a vida da mulher dos 45 aos 55 anos. Mas, no senso comum, o termo usado para essa designação é menopausa que, mesmo se referindo somente à suspensão da menstruação, é mais difundido e aceito. Segundo a doutoranda, a cultura ocidental e a oriental têm percepções divergentes acerca da menopausa. No Brasil, isso se relaciona à imagem que a mulher tem desse processo e à imagem passada por uma parcela da classe médica. Também é verdade que o tema está vinculado a uma excessiva valorização da juventude e da beleza, o que faz com que a sociedade (inclusive a mulher) sinta o envelhecimento como um problema. Embora os órgãos médicos e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) difundam que essa é uma fase natural, na prática médica ela é tratada como um problema. Pesquisadores psicoanalíticos referem-se à menopausa como um evento crítico para a mulher de meia-idade e um desafio a uma nova adaptação e aquisição de autoconfiança.
SINTOMAS Diversas pesquisas de abordagem transcultural (cross culture) tendem a mostrar que mulheres orientais quase não descrevem sintomas da menopausa. Não chegam a 20% os relatos, e não somente por causa de alimentação. Também pelas expectativas que elas têm da valorização do envelhecimento. Na sociedade ocidental, a mulher sente que perde a feminilidade, pois o seu padrão é limitado à beleza e à juventude. Por essa razão, vivencia a fase com agonias próprias da idealização do corpo perfeito e se sente decadente, pois os valores sociais que vogam baseiam-se no valor do útil e do produtivo. Ao mesmo tempo, a menopausa coincide com o momento em que os filhos saem de casa, com o desgaste do relacionamento, com a aposentadoria e com a própria maneira que é decretado o fim da feminilidade. Até nos livros de Medicina, este tópico é tido como uma fisiopatia – uma doença da deficiência –, por isso da necessidade de haver reposição hormonal.
A menopausa
e a construção de um estigma Pesquisadora manteve contato e entrevistou 99 mulheres para fundamentar tese defendida no DPCT/IG Fotos: Antonio Scarpinetti
Rebeca não ignora que muitas mulheres sofram uma intensa sintomatologia (fogachos, secura vaginal, depressão, insônia, etc.), porém notou que não há uma separação do corpo biológico e da mente. Todos problemas se manifestam através do corpo. Quando elas vão ao médico e sabem o que pode acontecer – dos sintomas previstos –, tendem a se angustiar. Mas muitas mulheres já apresentavam depressão e somente falaram disso no momento da consulta, e porque foram indagadas. Logo, a depressão era anterior ao climatério. A pesquisadora verificou que, no passado, na definição da menopausa, já havia 26 sintomas associados, sendo as ondas de calor o principal marcador. Recentemente, tem havido uma expansão significativa dos sintomas associados. Outro assunto recorrente na tese foi a sexualidade, que mereceu um capítulo à parte pois, com o envelhecimento, no caso dos homens, era sempre retratada como aflorando e, no das mulheres, como declinando. “Essa interpretação estava presente em sintomas físicos, como a atrofia, e também psicológicos, quando se mencionava a perda da libido”, realça Rebeca, que em sua visão podem ser entendidos como parte do desgaste do relacionamento.
AMOSTRA
Rebeca Buzzo Feltrin, autora da tese: “A menopausa ainda é tratada como doença”
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Noventa e nove mulheres, com idade entre 37 e 82 anos, foram avaliadas pela doutoranda durante consultas médicas e reuniões de um grupo de Psicologia em um hospital público paulista. Seu maior contato foi com mulheres na pós-menopausa. Rebeca avaliou ainda os discursos de oito residentes que faziam atendimento nesse ambulatório e de sete graduandos cumprindo internato. A pesquisa abrangeu o período de 2009 a 2010. Ela imaginava que os médicos iriam “desmistificar” a noção negativa que algumas mulheres tinham da menopausa, embora isso não tenha se confirmado. As mulheres, antes, expressaram uma visão mais positiva. Não enxergavam benefícios do envelhecimento para os homens. Lembravam que eles também tinham ondas de calor.
Parte dos médicos, viu a pesquisadora, separava a questão do corpo da mulher. Os profissionais falavam que, com a menopausa, a sua sexualidade ficaria comprometida, diferentemente do homem. “Os discursos estavam em sintonia com as demandas culturais: os médicos por tratar a menopausa como doença e as mulheres por tentarem reproduzir suas explicações”, comenta a autora. Ela estudou a menopausa após identificar pontos polêmicos na saúde da mulher como um todo. Tudo era problemático nesse campo. Menstruar era um problema (se cedo ou tarde demais), parar de menstruar, ter um parto normal ou um parto cesáreo, a dor do parto, a anticoncepção, a infertilidade, entre outros. No Iluminismo, relembra a doutoranda, o corpo da mulher era visto como um homem invertido, cujos órgãos, por falta de calor vital, tinham ficado retidos nas entranhas. Por dois milênios, o próprio ovário não tinha nome, estando relacionado ao testículo. “O corpo da mulher era considerado inferior, porque o padrão de normalidade era o corpo masculino”, afirma Rebeca. “A explicação é que a Medicina trabalha muito com padrões, níveis e limites.” Mas o corpo, reconhece, é por demais complexo para se enquadrar em conceitos de normalidade e de patologia. “A própria definição do que é normal e patológico é uma decisão cultural”, frisa Rebeca, que foi orientada em sua pesquisa pela professora Léa Velho, do IG.
RELATOS As mulheres contaram à doutoranda que alguns maridos perderam o interesse sexual após a menopausa, talvez pela perda da fertilidade. A pesquisadora então notou que não há uma separação evidente do que é biológico e social nessa abordagem. “Os dois aspectos estão interligados, assim como corpo e mente.” A somatização, refere ela, está ligada aos sintomas físicos que a Medicina não explica. Da mesma forma que se somatiza, experimentam-se emoções através do corpo. Deste modo, a menopausa não é de domínio único dessa disciplina.
Por isso as mulheres carecem de uma abordagem sociocultural e integral, não parcelada, biologizada, que tira a pessoa de seu meio e a classifica em limites de normalidade. Esses limites e o ideal em saúde levam as pessoas a se perceberem de outra forma e a terem expectativas negativas quanto ao seu corpo e a essa fase da vida, influindo na sua experiência da menopausa. A maneira da paciente falar de seu encontro com o médico e alguns sintomas descritos por ela eram interpretados como um problema e um peso. Isso porque a paciente já tinha um repertório do que era a menopausa – de que ela não era natural. Rebeca entende que a menopausa faz parte do envelhecimento natural, com perdas e ganhos. “Não existe um parto sem dor. Na própria menarca, o corpo necessita fazer adaptações”, sinaliza. Algumas mulheres mencionaram que ganharam com a menopausa e que não precisavam mais se preocupar com a gravidez, por isso experimentaram uma fase sexual melhor, apesar de a sociedade não ter sido criada para reconhecer as belezas de cada idade. Rebeca, que também fez um doutoradosanduíche na University College of London, Inglaterra, leu uma pesquisa sobre mulheres no Iraque que moravam na zona rural. Elas quase não relatavam os sintomas do climatério, ao passo que, quando entraram em contato com áreas mais industrializadas, isso se constituiu um problema, desenvolvendo sintomas. Na China, por exemplo, onde existe uma grande valorização dos idosos, as mulheres nem tinham noção de que a menopausa poderia ser um problema, como de fato não era para elas, conta a pesquisadora. O Brasil acaba de vislumbrar um novo cenário – o aumento da expectativa de vida da sua população. Esse indicador vem conferindo à menopausa uma maior atenção, tanto que, em 2008, foi lançado o primeiro Manual da Menopausa da América Latina, pelas mãos do Ministério da Saúde. Ele surgiu sob as bases do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism), moldado a partir da filosofia de atendimento idealizada no Hospital da Mulher “Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti” Caism da Unicamp, que propunha avaliar a mulher em todas as fases da vida, não apenas no período fértil. Rebeca atua no momento como pesquisadora contratada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), dentro do projeto Miseal (Medidas para a Inclusão Social e Equidade em Instituições de Ensino Superior na América Latina).
Publicação Tese: “Entre o campo e o laboratório: a construção da menopausa dentro de um hospital-escola brasileiro” Autora: Rebeca Buzzo Feltrin Orientadora: Léa Velho Unidade: Instituto de Geociências (IG)
10 Vida Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp
Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
aa c dêi m ca
Painel da semana Semana de Educação - De 30 de setembro a 5 de outubro, a Faculdade de Educação oferece aos interessados a VII Semana de Educação e o IX Seminário de testes, dissertações e trabalhos de conclusão de cursos em andamento. Programação, inscrições e outras informações no site http://www.semanadeeducacao.com/ Vitivinicultura - A Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), através de sua Secretaria de Extensão, organiza, a partir de 30 de setembro, às 8h30, em seu anfiteatro, o seminário “Inovações ustentáveis no condicionamento de produtos agroindustriais: Vitivinicultura de precisão”. Ele será ministrado pelo professor Fábio Mencarelli, docente e pesquisador italiano do Dipartimento per la Innovazione nei Sistemi Biologici Agroalimentari e Forestalli. A organização é dos professores Bárbara Janet Teruel Mederos e Claudio Messias. Outras informações pelo telefone 19-3521-1088 ou e-mail extensao@ feagri.unicamp.br Inflamação e câncer - A Comissão de Pós-graduação em Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) organiza no dia 30 de setembro, às 10 horas, no Anfiteatro José Martins Filho, no Ciped (prédio ao lado da Pós-graduação da FCM), a palestra “Inflamação e Câncer”. Ela será proferida por Sergei Grivennikov, professor assistente do Programa de Prevenção e Controle do Câncer do Fox Chase Cancer Center da Philadelphia (EUA). A linha de pesquisa de Sergei Grivennikov tem como objetivo conectar as diversas vias de sinalização do sistema imune com a patogênese dos cânceres associados à inflamação, incluindo o câncer de cólon. O palestrante é mestre em biologia/bioquímica pela Moscow State University e doutor em biologia molecular e imunologia pelo Engelhardt Institute of Molecular Biology, Moscow. Desenvolveu o pós-doutorado no National Cancer Institute, NIH e no Departamento de Farmacologia da Universidade de San Diego, Califórnia, sob a supervisão de Michael Karin. Mais informações: 19-3521-8968.
Mestrado e doutorado em Demografia - Até 1º de outubro estarão abertas as inscrições para os cursos de mestrado e doutorado em Demografia do Programa de Pós-graduação em Demografia da Unicamp. O Edital com todas as informações está disponível no link http://www.ifch.unicamp.br/pos/dm/selecao/2014/ edital_demografia_2013.pdf. Expografia da propaganda - Workshop ocorre no dia 1º de outubro, às 14 horas, na Galeria do Instituto de Artes da Unicamp (rua Sérgio Buarque de Holanda, s/ nº). Com 15 vagas, o evento é gratuito e tem como público-alvo agentes culturais, artistas e interessados no assunto. O workshop será ministrado pelos publicitários Fernanda Pupo e Giuliano Vieira. Mais informações: 19- 3521-7453. Luta de classes - O Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), a Fundação Maurício Glabóis e o Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) organizam, dia 2 de outubro, às 17 horas, no auditório do IFCH, a conferência “Dimensões e perspectivas da luta de classes” com o professor Domênico Losurdo. Na ocasião, ele lança o livro “O pecado original do século XX”. Losurdo é um dos mais respeitados filósofos marxistas italiano da atualidade. Mais informações 19-3521-7975 ou e-mail jrkiko@ unicamp.br As atividades dos centros e núcleos da Unicamp Tema será debatido no Fórum Permanente de Arte Cultura e Educação, dia 3 de outubro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A organização é de José Eduardo Fornari, do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS). O evento será transmitido (ao vivo) pela TV Unicamp. Inscrições, programação e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/arte57.html As contribuições de Stephen Ball - Da série “Diálogos com a Pesquisa”, no dia 4 de outubro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, a Secretaria de Pesquisa da Faculdade de Educação (FE) organiza evento (gratuito) para analisar e refletir as contribuições teórico-metodológicas do professor Stephen Ball, do Institute of Education da Universidade de Londres, para a pesquisa educacional no contexto brasileiro. O evento tem como público-alvo pesquisadores da área da educação, alunos de pós-graduação, graduação e interessados. Site do evento: http://www.fe.unicamp.br/stephenball/ Oficina de pintura - O Centro Cultural de Inclusão e Integração Social (CIS-Guanabara) organiza nos dias 5, 15 e 22 de outubro, das 14 às 17 horas, no Projeto “Terças com Arte”, uma oficina de pintura artesanal com o artista plástico Mário Borges. A oficina será gratuita e os materiais serão fornecidos pelo CIS-Guanabara. Mais informações no site www.cisguanabara.unicamp.br Domingo no Lago - O próximo Domingo no Lago, evento organizado sempre no primeiro domingo de cada mês pela Casa do Lago, acontece no dia 6 de outubro, a partir das 10h30, na Rua Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp. O evento será dedicado integralmente ao mês das crianças. Balão pula-pula, cama elástica, pipoca, algodão doce e tobogã são gratuitos e já estão garantidos pela organização do evento. Leia mais em http://www.unicamp.br/ unicamp/eventos/2013/09/23/balao-pula-pula-cama-elastica-pipocaalgodao-doce-e-toboga-espaco-cultural-dedica
Teses da semana Computação - “Busca de pessoas a partir de atributos visuais e textuais” (mestrado). Candidato: Junior John Fabián Arteaga. Orientador: professor Anderson de Rezende Rocha. Dia 30 de setembro, às 10 horas, na sala 85 do auditório IC-2.
Traficantes do simbólico
Livro
da semana
& outros ensaios sobre
a história da antropologia Sinopse: Este livro atualiza os dados apresentados em História da antropologia no Brasil (19301960) — Testemunhos: Emilio Willems e Donaldo Pierson, publicado em 1987 pela Editora da Unicamp. Ele inclui ensaios dispersos em revistas e livros de difícil acesso ou esgotados e também duas entrevistas inéditas, de Verena Stolcke e Ruth Cardoso, frutos da pesquisa que deu origem a esta edição. Autora: Mariza Corrêa, antropóloga, foi professora do Departamento de Antropologia da Unicamp durante 30 anos. Hoje é pesquisadora associada do Pagu — Núcleo de Estudos de Gênero, também dessa universidade. Foi presidente da ABA (Associação Brasileira de Antropologia) e diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Publicou diversos artigos sobre a história da antropologia e sobre questões de gênero e feminismo. É autora dos livros Morte em família; As ilusões da liberdade — A escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil e Antropólogas & Antropologia.
“Uma investigação empírica sobre a adoção de gestão de processos de negócio nas organizações” (mestrado). Candidato: Wilson Vendramel. Orientadora: professora Maria Beatriz Felgar de Toledo. Dia 1 de outubro, às 10 horas, na sala 85 do auditório IC-2. “Algoritmos para problemas de empacotamento e roteamento” (doutorado). Candidato: Jefferson Luiz Moisés da Silveira. Orientador: professor Eduardo Candido Xavier. Dia 2 de outubro, às 14 horas, na sala 85 do IC-2. Educação Física - “Bem-vinda à escola: o ingresso da criança no primeiro ano do ensino fundamental sob o olhar docente e a perspectiva do brincar” (mestrado profissional). Candidata: Luciana Dias de Oliveira. Orientadora: professora Elaine Prodócimo. Dia 4 de outubro, às 9 horas, no auditório da FEF. Engenharia Elétrica e de Computação - “Técnica ultrarápida e de baixo custo para medida de temperatura usando redes de sensores com grades de Bragg em fibras ópticas” (doutorado). Candidato: Felipe Walter Dafico Pfrimer. Orientador: professor José Antonio Siqueira Dias. Dia 1 de outubro, às 14 horas, no auditório da CPG/FEEC. Geociências - “Governança corporativa em organizações de pesquisa: uma análise do centro nacional de pesquisa em energia e materiais (CNPEM)” (doutorado). Candidata: Luiza Maria Capanema Bezerra. Orientador: professor Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho. Dia 30 de setembro, às 14 horas, no auditório do IG.
Ficha técnica: 1a edição, 2013; 472 páginas; formato: 14 x 21 cm ISBN: 978-85-268-1007-5 Área de interesse: Ciências sociais Site: Principal | Ciências Humanas | Antropologia, História e Sociologia Preço: R$ 68,00
Humanas - “Um estudo sobre o sofista Protágoras nos diálogos de Platão” (mestrado). Candidato: Robson Gabioneta. Orientador: professor Alcides Hector Rodriguez Benoit. Dia 30 de setembro, às 16 horas, na sala Multiuso do IFCH. Matemática, Estatística e Computação Científica “Um modelo matemático para otimizar o descarregamento de navios num terminal graneleiro” (mestrado). Candidato: Bruno Luís Hönigmann Cereser. Orientador: professor Luiz Leduíno de Salles Neto. Dia 30 de setembro, às 10 horas, na sala 221 do Imecc. Medicina - “Descrição das infecções simples e múltiplas pelo HPV em mulheres brasileiras de diferentes faixas etárias com lesões cervicais escamosas ou glandulares” (mestrado). Candidato: Leandro Santos de Araújo Resende. Orientadora: professora Sophie Françoise Mauricette Derchain. Dia 1 de outubro, às 10 horas, no anfiteatro do Caism. Química - “Nanocompósitos poliméricos obtidos por freezecasting e eletrofiação” (doutorado). Candidata: Lucimara Lopes da Silva. Orientador: professor Fernando Galembeck. Dia 2 de outubro, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “Desenvolvimento e utilização de animações em 3D no ensino de química” (doutorado). Candidato: Manuel Moreira Baptista. Orientador: professor Pedro Faria dos Santos Filho. Dia 4 de outubro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.
Destaque do Portal
Unicamp recepciona 105 novos docentes e pesquisadores conteceu na tarde do dia 20 o 7º Encontro dos Novos Docentes e Pesquisadores da Unicamp, que foram admitidos no período de 1º de julho de 2012 a 30 de junho de 2013. Participaram da recepção aos ingressantes o reitor José Tadeu Jorge, o coordenador-geral da Universidade Alvaro Crósta e os próreitores Gláucia Pastore (Pesquisa), Luís Magna (Graduação), Itala D’Ottaviano (Pós-Graduação), Teresa Atvars (Desenvolvimento Universitário) e João Frederico Meyer (Extensão e Assuntos Comunitários). Também tiveram a palavra os professores Fernando Sarti, diretor do Instituto de Economia (IE) e diretor financeiro da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), e Oswaldo da Rocha Grassiotto, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), que está assumindo a recém-criada Vice-Reitoria Executiva de Administração (Vrea). Em seu segundo mandato como reitor, Tadeu Jorge informou aos novos docentes e pesquisadores que a Unicamp conta este ano com um orçamento próximo dos R$ 2 bilhões, sem considerar a captação extraorçamentária entre R$ 500 e R$ 600 milhões. “É um orçamento pouco menor que do município de Campinas, o que aumenta a nossa responsabilidade de fazer retornar esse aporte de recursos à sociedade da melhor maneira possível.” Tadeu Jorge ressaltou que o papel da Reitoria é facilitar a vida burocrática de todos, especialmente dos docentes, para que possam se dedicar às atividades-fim de maneira mais intensa. “Um projeto de pesquisa conveniado com outra instituição não pode levar meses para ser apro-
Foto: Antoninho Perri
7º Encontro dos Novos Docentes e Pesquisadores da Unicamp: quadro ampliado e menos burocracia
vado, sob o risco de se transformar em nada, diante da rapidez com que o conhecimento evolui. Nesse sentido, realizamos ontem [19] uma primeira reunião [da Câmara para Análise e Aprovação de Convênios e Contratos, criada nesta gestão] para que um projeto, a partir da apresentação da proposta pela unidade ou órgão, seja avaliado e assinado em um mês.” O reitor instigou os ingressantes a conhecer com mais detalhes os procedimentos dentro da Universidade e a diversidade de funções em suas áreas. “A Universidade
está permanentemente em construção e é o lugar da divergência e da contestação por excelência, não há outra maneira de avançar. É preciso assegurar um cotidiano de respeito e de abertura aos debates e ideias novas, a fim de que Unicamp permaneça em destaque. Isso é muito mais importante do que rankings – que são muitos e a Universidade está bem em todos, principalmente por que os indicadores não são relativizados. Pelo nosso tamanho, os critérios absolutos, obviamente, não permitirão uma posição de destaque maior
do que já temos. Mas se dividirmos os indicadores de produção pelo número de docentes, por exemplo, a Unicamp figura facilmente como a primeira do ranking da América Latina.” Alvaro Crósta, coordenador-geral da Universidade, informou que o 7º Encontro de Novos Docentes e Pesquisadores teve 105 convidados: 97 docentes, dois pesquisadores ligados aos centros e núcleos de pesquisa e seis professores dos colégios técnicos da Unicamp (Cotil e Cotuca). “Esperamos que no próximo ano a sala do Conselho Universitário seja pequena. Estamos tomando as medidas administrativas para ampliar o quadro docente. Isso é muito importante, diante do diagnóstico de que o número de docentes está estagnado há vários anos, apesar do enorme aumento de atividades. As novas contratações eram contrabalançadas por aposentadorias e também por falecimentos.” A pró-reitora Teresa Atvars aproveitou a ocasião para anunciar que a PróReitoria de Desenvolvimento Universitário, nesta gestão, passará a priorizar o planejamento da Universidade no médio e longo prazo, numa perspectiva muito mais de desenvolvimento que de administração. “Para isso, vamos atuar em conjunto com a Coordenadoria Geral da Unicamp, através da Comissão de Planejamento Estratégico, que é presidida pelo coordenador geral, tendo a PRDU na vice-presidência”, afirmou, acrescentando que caberá à Vice-Reitoria Executiva de Administração, do professor Oswaldo Grassiotto, cuidar das questões relativas aos campi. (Luiz Sugimoto)
Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
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Pesquisa analisa ação de compostos bioativos do café CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
ara usufruir os benefícios da bebida de café, os nutricionistas recomendam, para as pessoas saudáveis, a ingestão de três xícaras diárias, em intervalos superiores a uma hora, observado o limite das 17 horas para pessoas com problemas de sono. A orientação, que resvala para uma prescrição médica, deve incomodar as pessoas movidas a café, que apreciam seu efeito estimulante, aroma e sabor e o têm como fonte de prazer e não medicação, apesar de sua reconhecida atuação sobre oxidantes relacionados a um significativo número de doenças humanas entre as quais as neurodegenerativas, diabetes, cânceres e cirrose hepática. De outra forma, os que não apreciam a bebida podem aventar seus efeitos nocivos, quando consumida em excesso, como taquicardia, agravamento de lesões do aparelho digestivo e piora dos sintomas das doenças intestinais, a dificuldade de dormir, além do escurecimento dos dentes. Restam os que evitam a bebida por questões de saúde e os indiferentes a ela, que a tomam apenas movidos por suas propriedades funcionais. Uma pena. Espécies reativas de oxigênio e nitrogênio – em que os centros ativos estão nesses elementos – constituem oxidantes produzidos naturalmente pelo organismo humano, que possui mecanismos naturais para combatê-los. O problema surge quando essas espécies reativas – erroneamente denominadas de radicais livres, porque podem estar ou na forma de radicais ou de moléculas – são produzidas em excesso. Isso leva ao estresse oxidativo e nitrosativo, resultante do desequilíbrio entre a capacidade da defesa antioxidante das células e a geração de espécies reativas de oxigênio (ERO) e de nitrogênio (ERN). Esta ocorrência pode causar alterações na estrutura de importantes componentes celulares como lipídios, proteínas e DNA, determinando o desencadeamento de algumas das doenças acima mencionadas, como também o processo de envelhecimento. Nestes casos, está na literatura, os antioxidantes consumidos na dieta são importantes na manutenção do equilíbrio das ERO e ERN, particularmente durante o estresse oxidativo e nitrosativo, pois é conhecida a correlação entre o consumo de alimentos ricos em antioxidantes e a diminuição do risco do desenvolvimento de algumas doenças crônico-degenerativas.
Tese correlaciona propriedades com capacidade de desativar espécies reativas do organismo Além de frutas e vegetais, as bebidas preparadas a partir de plantas contribuem para o aumento do consumo de antioxidantes. Dentre elas, o café é uma das mais consumidas e apreciadas no mundo, tanto pelas características sensoriais quanto pela atividade estimulante. Sabe-se que o café é rico em compostos de reconhecida capacidade antioxidante, denominados de compostos bioativos por apresentarem propriedades biológicas benéficas. Comparadas com as pessoas que não consomem café, os seus consumidores habituais têm nele a principal fonte de ácidos clorogênicos, considerados os compostos bioativos por excelência e a principal classe de compostos fenólicos nele presentes.
MOTIVAÇÕES
Vários estudos epidemiológicos mostram que o consumo da bebida de café em diferentes países está inversamente relacionado ao número de óbitos e ao desenvolvimento de uma série de doenças humanas. O Brasil é o maior produtor e exportador de café, responsável por 30% da produção mundial e consumo de 14% dela. O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo, sendo os EUA o maior em número de sacas, seguido de Brasil, Alemanha, Japão e Itália. Mas, comparados com eles, o consumo per capita é o dobro em países do Norte europeu, como Finlândia, Noruega e Dinamarca, além de Luxemburgo. Estudos dão conta também da grande variabilidade no conteúdo de compostos bioativos em diferentes espécies de café e até em variedades da mesma espécie. Essa constatação assume importância particular em relação ao Brasil que detém uma das mais representativas coleções de Coffea, contendo 16 das principais espécies desse gênero e também diferentes variedades das espécies C. arabica, C. canephora e C. liberica. Apesar desses aspectos favoráveis, são poucos os trabalhos brasileiros que avaliam a capacidade antioxidante do café frente às espécies reativas produzidas pelo organismo humano. A maioria dos estudos se concentra em
radicais livres sinteticamente obtidos. Esse quadro justifica o desenvolvimento no país de pesquisas que visem a encontrar grãos de café cru que contenham as maiores concentrações de compostos bioativos e também uma elevada capacidade antioxidante. Esse panorama motivou Naira Poerner Rodrigues a realizar pesquisas que permitiram avaliar o perfil qualitativo e quantitativo de compostos bioativos e a capacidade antioxidante de 14 bebidas de café preparadas com café torrado e moído e com café solúvel, comerciais, e também de sementes de café cru de 12 diferentes genótipos frente às principais ERO e ERN de relevância biológica. “No trabalho tivemos o objetivo de avaliar a ação dos antioxidantes presentes no café sobre as espécies reativas realmente produzidas pelo organismo, por meio de análises in vitro, mas reproduzindo de maneira a mais aproximada possível as condições que se verificam no organismo”, explica a pesquisadora. Ela considera diferencial do trabalho, que o torna inédito, a avaliação quantitativa da ação de cada composto bioativo presente no café em relação a cada ERO e ERN produzida pelo organismo. Essa determinação conjunta de todas as possibilidades de ação dos compostos bioativos sobre as espécies reativas de oxigênio e nitrogênio realmente presentes no organismo torna o processo analítico mais caro e trabalhoso. A metodologia supera várias limitações impostas pelas convencionalmente adotadas. O estudo abre caminho inclusive para futuras pesquisas in vivo relacionadas à ação sobre espécies reativas associadas a doenças específicas. Do trabalho, orientado pela professora Neura Bragagnolo, do Departamento de Ciências de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), resultaram a tese de doutorado e três artigos.
BEBIDAS DE CAFÉ A professora Neura destaca que um dos objetivos do trabalho foi analisar o café disponível no mercado de São Paulo para determinar como os compostos bioativos dessas bebidas se comportam frente a espécies reativas comumente produzidas pelo organismo humano. Se qualitativamente a presença de compostos bioativos se revelou similar nessas várias bebidas, por outro lado, foram encontradas diferenças quantitativas desses compostos entre as bebidas de café torrado e moído e de café solúvel, e entre as de café regular e descafeinado. Apesar delas, todas as bebidas de café estudadas podem ser Foto: Antoninho Perri
consideradas fonte de ácidos clorogênicos e de seus derivados e da vitamina niacina. Estima-se que uma xícara de 50 ml de café torrado e moído regular contribui com 5% da ingestão diária recomendável dessa vitamina do complexo B. As bebidas de café mostraram ser potentes desativadoras in vitro de todas as ERO e ERN, ação que está relacionada ao seu conteúdo de ácidos clorogênicos e de compostos formados durante o processo de torra. A autora considera que o conhecimento do perfil completo da capacidade antioxidante poderá adquirir maior efetividade na interpretação de estudos que buscam correlacionar as propriedades antioxidantes in vitro e a diminuição do risco de doenças crônico-degenerativas associadas ao estresse oxidativo. Para ela, “os resultados reforçam a hipótese de que a capacidade antioxidante frente as ERO e ERN é um dos mecanismos que pode explicar a associação entre o consumo de bebidas de café e a redução do risco de desenvolvimento de algumas doenças crônico-degenerativas”.
DIFERENTES GENÓTIPOS Os estudos também se estenderam sobre grãos de café cru de diversas espécies com o objetivo de: avaliar o potencial de cafeeiros de diferentes origens, passíveis de exploração industrial, como fonte de compostos antioxidantes; levantar informações que possibilitem possíveis cruzamentos para o melhoramento genético; buscar emprego alternativo para os grãos como suplemento; e oferecer alternativas para o mercado de café solúvel que nos últimos anos tem procurado misturar café cru ao torrado com o objetivo de aumentar os teores de ácidos clorogênicos. Nesta etapa o trabalho contou com a colaboração da pesquisadora Terezinha J. G. Salva do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas. A coleção do Banco de Germoplasma de Café do IAC é uma das mais representativas do gênero Coffea conservada ex sito. A disponibilidade desses bancos é importante por incluir as formas selvagens que podem ter características agronômicas extremamente vantajosas, como resistência e tolerância a doenças, nematoides, insetos, seca, geada e outros fatores bióticos e abióticos. “Queríamos saber como essas espécies de café, que vêm sendo estudadas há longos anos, se comportavam em relação aos compostos bioativos e à capacidade antioxidante frente as ERO e ERN”, diz a professora. O perfil qualitativo de compostos bioativos foi similar entre os genótipos de café, mas foram encontradas variações entre eles nos teores de vários compostos e na capacidade de desativar todas as ERO e ERN avaliadas no estudo. Naira concluiu que o genótipo é uma característica determinante nos teores dos compostos bioativos presentes nas sementes de café cru e a eficiência dos diferentes genótipos de café de desativarem as ERO e ERN é influenciada principalmente pelo conteúdo de ácidos clorogênicos. Mas ela destaca o ineditismo: “Não há trabalho na literatura que tenha avaliado a capacidade de bebidas de café ou de sementes de café cru de desativarem as principais ERO e ERN de relevância biológica, correlacionando esta capacidade com a composição de compostos bioativos. Trata-se também do primeiro relato sobre a determinação completa de ácidos clorogênicos, de seus isômeros e de outros compostos importantes presentes em algumas das espécies de café analisadas”.
Publicação Tese: “Café: compostos bioativos e capacidade desativadora de espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio in vitro” Autora: Naira Poerner Rodrigues Orientadora: Neura Bragagnolo Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) A professora Neura Bragagnolo (à dir.), orientadora, e Naira Poerner Rodrigues, autora da tese: investigando a capacidade antioxidante do café
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Campinas, 30 de setembro a 6 de outubro de 2013
O saxofonista e clarinetista Casé: estudo promove a análise da obra do músico, considerado um virtuose
Casé,
um gênio
desconhecido MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
á quem acredite que o acaso e a ciência podem convergir em determinados momentos. A origem da dissertação de mestrado da musicista Maria Beraldo Bastos, defendida recentemente no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, parece corroborar com esse entendimento. Ao pegar carona com um amigo, ela ouviu pela primeira vez, no som do carro, uma música gravada pelo saxofonista e clarinetista José Ferreira Godinho Filho, o Casé. Impressionada principalmente com os improvisos feitos por ele, tratou logo de buscar mais informações sobre a carreira e a vida do músico. Ficou tão impressionada com o que ouviu e descobriu que resolveu transformar a curiosidade inicial em seu projeto de pesquisa acadêmica, que recebeu orientação do professor Fernando Hashimoto e coorientação do professor Rafael dos Santos. De acordo com Maria, embora tenha tocado com alguns dos principais artistas dos anos 50 e 60 e tenha amealhado a admiração de incontáveis músicos da sua época, Casé segue praticamente desconhecido pelo grande público e até mesmo por colegas de profissão, principalmente os mais jovens. Isso pode estar relacionado ao fato de o músico ter tido uma personalidade retraída e por nunca ter dado muita importância à fama. Todavia, como esclarece Maria, são suposições aventadas por algumas pessoas que conheceram Casé para explicar essa falta de notoriedade. A discografia do Casé, conforme a pesquisadora, é bem pequena. “Ele gravou poucos discos solos. O único trabalho que leva o nome dele é o ‘Samba irresistível’. Casé até gravou outros discos como solista, mas nenhum outro levou o seu nome”, detalha Maria. Para descortinar o trabalho do saxofonista e clarinetista, a musicista recorreu a entrevistas com músicos que conheceram ou tocaram com ele, como Nailor Proveta e Magno D’Alcântara. Maria também entrevistou o jornalista Fernando Lichti Barros, autor da biografia do músico, intitulada “Casé, como toca este rapaz!”, lançada em 2010. Na obra, Barros conta detalhes da vida de Casé, desde a infância em Guaxupé (MG), onde aprendeu a tocar com o pai, que ganhava a vida como sapateiro e atacava de músico nas horas vagas, até a misteriosa morte
Publicação Dissertação: “Samba Irresistível – Um estudo sobre o saxofonista Casé” Autora: Maria Beraldo Bastos Orientador: Fernando Hashimoto Coorientador: Rafael dos Santos Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Fapesp
do saxofonista em 1978. Casé foi encontrado morto, em situação não esclarecida, no quarto de um hotel barato localizado na Boca do Lixo, em São Paulo. Na publicação, Casé é retratado como um músico genial, que influenciou grandes nomes da música brasileira, como Paulo Moura, João Donato, Nivaldo Ornelas e Raul de Souza, entre outros, além de ter ocupado o lugar de primeiro saxofonista da Rádio Tupi, isso aos 13 anos de idade. A parte principal da pesquisa, porém, ficou por conta da análise musical. Maria transcreveu pela primeira vez os improvisos de Casé, dando origem a diversas partituras. Com base nesse material, ela investigou de maneira pormenorizada aspectos como melodia, harmonia e articulação. “Dito de forma simplificada, eu analisei seis pontos principais que marcam os improvisos do Casé. Apurei que, no que diz respeito à forma, esses improvisos estão fundados em três parâmetros: apresentação do tema, variação do tema e improviso. Também analisei as técnicas e procedimentos de improvisação, timbre e emissão. Por último, recorri à semiótica, por meio da teoria das tópicas, para identificar as musicalidades presentes nos improvisos de Casé, que trazem elementos do choro, do samba e do jazz”, detalha a autora da dissertação. Segundo Maria, os resultados da pesquisa apontam para uma alta proficiência técnica e um estilo original e inovador por parte de Casé, perceptíveis na emissão e timbre sonoros, nas inflexões de expressão e também na articulação. Além da dimensão analítica, o trabalho desenvolvido por Maria tem o mérito de ter reunido, de forma inédita, um rico material sobre Casé, que antes estava totalmente disperso. “Eu consegui agrupar 12 discos nos quais ele aparece tocando todas as faixas ou ainda como solista, além de outros quatro nos quais ele participou de algumas faixas. Esse material, somado às transcrições que fiz, pode ser muito útil tanto para músicos quanto para pesquisadores que queiram estudar com maior profundidade o tema da improvisação. Nos Estados Unidos, há uma tradição de livros que apresentam transcrições de improvisos. No Brasil, se existem, são muito poucos”, informa a pesquisadora. Maria adianta que tem vontade de transformar a sua dissertação em livro de transcrições de improvisos do Casé, justamente para oferecer esse tipo de fonte aos interessados. “Eu também gostaria muito de lançar a discografia do Casé em CD, mas reconheço que esse é um projeto mais difícil de ser concretizado. Há várias questões a serem equacionadas, entre elas os direitos autorais pertencentes às gravadoras. Entretanto, penso que seria muito bom que as pessoas conhecessem o trabalho do Casé, que foi de fato um músico genial e que influenciou alguns dos grandes músicos brasileiros”, entende a pesquisadora, que contou com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
TRAJETÓRIA Casé nasceu em Guaxupé, município cravado na porção Sul de Minas Gerais, no dia 26 de junho de 1932, numa família totalmente musical. Além dos pais, que tocavam instrumentos, ele teve um irmão trompetista e três outros saxofonistas. Aos 10 anos, já acompanhava o pai, tocando bateria. Dois anos depois, apresentava-se tocando saxofone e clarineta em bailes da Usina Junqueira, em Ribeirão Preto, e em espaços espalhados pelo interior de São Paulo e Capital. Também tocou em circos, salões de baile e, como seria de se esperar, até mesmo em destacados e em não tão celebrados inferninhos da metade do século passado. Admirado pelo seu virtuosismo, Casé foi convidado para excursionar pelo Oriente Médio e Europa, aos 21 anos. Recebeu convites para se fixar em países europeus e nos Estados Unidos, mas não aceitou nenhum deles. No Brasil, tocou com o Zimbo Trio, Dick Farney, Orquestra de Sylvio Mazzucca, entre tantos outros. Seu último trabalho foi com Sargentelli, no show Oba-Oba. Casé morreu no dia 1º de dezembro de 1978, num quarto de um hotel situado na chamada Boca do Lixo, no Centro de São Paulo. As causas da morte nunca foram esclarecidas.
Fotos: Divulgação
A clarinetista Maria Beraldo Bastos, autora da dissertação: trabalho reuniu, de forma inédita, um rico material sobre Casé, que antes estava totalmente disperso