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Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013 - ANO XXVII - Nº 580 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Marcelo Camargo /ABr

Do neoliberalismo ao neodesenvolvimentismo

O livro Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000, organizado pelos professores Armando Boito Júnior e Andréia Galvão, ambos do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), traz artigos que analisam a política nacional na última década. Para Boito, ocorreu um processo que culminou “na mudança do neoliberalismo mais ortodoxo da era FHC para a política econômica que podemos denominar neodesenvolvimentista da era Lula”.

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Jovens durante protesto ocorrido no final de junho, em São Paulo: para Armando Boito Jr., as manifestações populares devem repercutir nas eleições de 2014

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Congresso reúne 1,3 mil pesquisas de graduandos Serra do Espinhaço já foi um grande deserto Programa de inclusão digital em SP é avaliado

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Um fármaco feito ‘sob medida’ para o corpo Um método para testes de desempenho aeróbio Antigone de Vittorio Alfieri é vertido para o português

Imagem: Reprodução


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Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

Sementes para a ciência Fotos: Antoninho Perri

Graduandos mostram suas primeiras produções científicas em congresso da Unicamp SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

la é a base para a pós-graduação e formação profissional. Além de estimular a busca e aplicação do conhecimento, a iniciação científica é um valioso instrumento para a formação de novos cientistas. Primeiro contato dos estudantes da graduação com o universo científico, a atividade representa a semente de um grupo de pesquisa. A pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, professora Gláucia Maria Pastore, compara e descreve este tipo de experiência ao convidar a comunidade para a 21ª edição do Congresso de Iniciação Científica. O evento reunirá, entre 23 e 25 de outubro, 1.346 estudantes que apresentarão os seus trabalhos no Centro de Convenções da Universidade. “É um dos encontros mais tradicionais da Unicamp. Isso mostra a representatividade da pesquisa científica na Unicamp. Temos um olhar muito dedicado a esta questão: é por isso que o congresso faz tanto sucesso ano após ano. Os professores gostam de apreciar os trabalhos porque sabem que ali está a semente do grupo de pesquisa. Portanto, se a semente é boa, o grupo dará bons frutos para a sociedade”, comparou Gláucia Pastore. A cerimônia de abertura acontece no dia 23, a partir das 14 horas, no Centro de Convenções da Universidade. Devem participar, além da pró-reitora de Pesquisa, o coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Penteado Crósta, e Lucimar Almeida, coordenadora dos Programas Acadêmicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os trabalhos, expostos na forma de painéis, estão divididos por áreas do conhecimento. No dia 23 ocorre a apresentação de 496 painéis do campo de artes e biologia. Alunos das humanas e exatas, com 435 trabalhos, apresentam seus projetos no dia 24. A sexta-feira, 25, é destinada à exposição dos 415 pôsteres da área de tecnologia. A pró-reitora ressalta que a Unicamp premiará os autores dos 20 melhores trabalhos expostos no Congresso. Aos ganhadores, será concedido o prêmio “Mérito Científico”, que consiste em R$ 3 mil, além do custeio das despesas para a participação na Jornada Nacional de Iniciação Científica, evento promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A Jornada acontece entre 22 e 24 de maio de 2014 na Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, quando ocorre também a 66ª Reunião Anual da SBPC. “A avaliação dos trabalhos será realizada por dois comitês: um externo e outro interno. O grupo externo, composto por 30 professores de diversas universidades do Estado de São Paulo, será responsável por avaliar os trabalhos pré-selecionados pelo comitê interno. Este, por sua vez, é composto por 41 docentes da Unicamp oriundos de várias áreas do conhecimento. Ao final da avaliação, serão indicados os 20 melhores trabalhos”, detalha Gláucia Pastore. A exemplo de 2012, a edição deste ano do Congresso contará com a participação de alunos do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), novo curso de ensino superior da Unicamp voltado a estudantes que frequentaram o ensino médio em escolas públicas de Campinas.

Última edição do Congresso de Iniciação Científica: evento ocorre entre os dias 23 e 25 de outubro

A pró-reitora de Pesquisa, Gláucia Pastore (à esq.), e Mirian Cristina Marcançola, supervisora do Pibic: serão expostos 1.346 trabalhos

No último dia do evento haverá ainda uma palestra sobre propriedade intelectual nas atividades de pesquisa e inovação. A atividade será ministrada pela química Janaína César, coordenadora de propriedade intelectual da Agência de Inovação Inova Unicamp. A Universidade mantém posição de destaque nacional na gestão das atividades de inovação no âmbito acadêmico. Conforme dados da Inova, entre 2009 e 2012, houve 243 pedidos de patentes nacionais, consolidando a Unicamp como uma das instituições brasileiras que mais faz este tipo de registro.

IMPACTOS

Ao falar sobre a relevância do Congresso, a pró-reitora da Unicamp relaciona os principais impactos da atividade de iniciação científica, tanto no ensino e pesquisa, como também no relacionamento interpessoal. “Este tipo de experiência é um dos grandes instrumentos de ambientação de ensino. É por meio do desenvolvimento da iniciação científica que os alunos adquirem certas características que vão ser muito im-

portantes do ponto de vista profissional. Pesquisar, estudar, coletar e interpretar dados, além de ter um relacionamento interpessoal dentro de um grupo de trabalho, é algo muito educativo”, destaca. Gláucia Pastore cita ainda o desenvolvimento do raciocínio independente, da criatividade e do método no tratamento de novos problemas. “A contemporaneidade nos mostra que para o seu grupo de pesquisa ter sucesso é necessário talento, sobretudo o de equipe. Portanto, a iniciação científica passa por este crivo: só faz parte deste grupo os alunos mais talentosos, aqueles que passaram por uma seleção”, admite.

NÚMERO

DE BOLSAS

As atividades de iniciação científica na Universidade são desenvolvidas com o apoio de vários órgãos de fomento, que juntos somaram a concessão de 1,5 mil bolsas em 2012. Mais de um terço deste número, 627 bolsas, foram viabilizadas por meio do Programa Institucional (Pibic), uma parceria entre a Unicamp e o

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O órgão de fomento, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), fornece anualmente uma quota de bolsas à Universidade, que, em contrapartida, concede outra parte. Esta concessão é feita por meio do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). Em 2012, foram aproximadamente 250 bolsas de pesquisa concedidas pelo SAE. Conforme Mirian Cristina Marcançola, supervisora do Pibic da Unicamp, o CNPq também disponibiliza auxílios para os estudantes vinculados ao Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) e Programa de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI). Foram 80 bolsas no total. Outras 29 foram concedidas diretamente pelo CNPq em seus projetos integrados. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) colaborou com 441 bolsas. Além da exposição de painéis, o Congresso contará com a apresentação da banda Regional Portátil. O grupo, formado pelos músicos Edu Guimarães e Gustavo de Medeiros, se apresentará na abertura do evento. O repertório prestigia grandes compositores, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Sivuca, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, entre outros. Detalhes sobre os trabalhos que serão expostos no Congresso e a programação completa podem ser conferidos no site do evento, no seguinte endereço: http://www.prp.unicamp.br/pibic/congressos/xxicongresso/

Serviço 21º Congresso de Iniciação Científica da Unicamp Data: 23 a 25 de outubro Local: Centro de Convenções da Universidade (Rua Elis Regina, 131 Cidade Universitária, Barão Geraldo, Campinas, SP) Informações: http://www.prp.unicamp.br/pibic/congressos.php

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@ reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Alessandro Silva, Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Serra do Espinhaço, em Minas, era deserto há 1,8 bilhão de anos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

á cerca de 1,8 bilhão de anos, a região da cidade de Diamantina, Estado de Minas Gerais, na Serra do Espinhaço, foi um grande deserto. A constatação está na dissertação de mestrado do geólogo Fábio Simplício, que conseguiu reconstruir esse meio ambiente a partir da análise sedimentológica de rochas, as quais mostraram várias características preservadas. No estudo, ele elaborou um modelo que considerou variações climáticas numa Terra muito diferente da atual, onde não havia vegetação terrestre, cuja existência é extremamente importante no controle dos sistemas deposicionais atuais, ou seja, dos ambientes naturais. Com isso, é possível entender os fatores que causam processos como a desertificação – um problema que afeta de maneira desastrosa países como Brasil, Estados Unidos e Austrália, e Deserto do Saara, diretamente influenciados pela remoção de vegetação. A intenção do pesquisador do Instituto de Geociências (IG) era interpretar as formas deixadas pelos processos físicos e químicos que geraram as rochas sedimentares. Por isso Fábio e seu orientador, o docente do IG Giorgio Basilici, foram a campo para investigar como antigos ventos transportaram e depositaram as partículas que constituem essas rochas. Munidos de um aparato de instrumentos, pesquisaram e analisaram as rochas do terreno escolhido para o estudo. Observaram todas as estruturas sedimentares, como aquelas chamadas de laminações plano-paralelas, que são formadas pela alternância de lâminas paralelas e quase horizontais, distintas entre si por variações de tamanho, cor, forma e arranjo dos grãos de areia. Essas linhas são o produto da deposição e sobreposição de marcas de vento. Um dos primeiros achados, notaram, foi que essas marcas sugeriram que esse ambiente era um antigo lençol de areia eólico. Tratava-se de um deserto de areia, plano, sem grandes dunas e, portanto, sem vegetação. Neste período, no Paleoproterozoico, o clima era extremamente árido e chovia raramente. As rochas formadas pela ação do vento correspondiam a 83% dos depósitos preservados. Como é sabido, explana Fábio, num ambiente desértico acontecem poucas chuvas mas, quando acontecem, elas são concentradas e ocorrem sob a forma de tempestades. Por essa razão, trazem grandes inundações, carregando materiais remobilizados da superfície, que, não encontrando vegetação, ficam muito expostos à erosão. Nesses períodos de grandes inundações, quando o clima era mais úmido, formaramse outras rochas (denominadas conglomerados), que são constituídas de uma grande quantidade de cascalhos. De acordo com Fábio, esses cascalhos foram removidos do solo e transportados pela água que vinha de rios nascidos em áreas externas e mais distantes desses lençóis de areia. Quando o clima era árido, explica ele, os rios permaneciam secos, ao passo que, no período em que chovia, os rios se tornavam ativos. Porém, na maior parte do tempo, não havia chuva e por isso não havia formação de rios. “Isso nos fez pensar que se tratava de sistemas deposicionais que se transformavam em função das variações climáticas.” O pesquisador trabalhou tendo como hipótese um sistema desértico e apurou que a sedimentação eólica se desenvolvia nos períodos de clima mais seco, onde os materiais ficavam soltos e disponíveis para transporte pelo vento [o vento não é capaz de transportar grãos de areia quando ela é úmida ou coberta por vegetação]. Esse ambiente desértico era ocupado por marcas onduladas cognominadas wind ripples, criadas pelo processo de transporte desses grãos pelo vento. Os wind ripples predominavam, gerando pequenas dunas, chamadas zibar, em árabe. Elas, no caso, têm características diferentes das grandes dunas de areia tradicionais, com dezenas de metros de altura. Os zibar possuem um baixo relevo, até 10 metros de altura, e são mais longos do que largos, podendo chegar a 400 metros de comprimento.

Geólogo fez análise sedimentológica de rochas na região de Diamantina Fotos: Fábio Simplício

Vista da região pesquisada, na Serra do Espinhaço: em primeiro plano, rochas que foram estudadas pelos cientistas Foto: Giorgio Basilici

Marcas de vento atuais em deserto (à esq.) e numa rocha, em Diamantina: similaridade

A região estudada é rural, com áreas de pasto e fragmentos de floresta remanescente, e fica à margem de Diamantina, a cerca de 12 km da área urbana. Fábio estudou com detalhe uma extensão areal de 5 km2 , mas também visitou afloramentos em toda uma área de cerca de 50 km2. O pesquisador relata que escolheu esse lugar pelo fato de ter exposições de rochas belíssimas. Em sua opinião, seria muito difícil imaginar na Geologia rochas tão antigas que preservaram tão bem as primeiras estruturas, pois em geral se transformam com o tempo sob os efeitos de pressão, temperatura e fluídos no interior da crosta terrestre.

CONTRIBUIÇÕES

A investigação de Fábio foi realizada entre 2011 e 2013, dentro da linha de pesquisa de Análise de Bacias Sedimentares do IG. Ao falar sobre as rochas deste estudo, o professor Giorgio empregou o termo inglês proxies (jargão acadêmico), que significa que as rochas e aquilo que contêm são meios ou ferramentas para entender o passado da Terra.

As rochas então, diz o docente, são uma ferramenta para elucidar o passado, como o médico usa as análises de sangue para entender como o paciente está clinicamente. Nesse caso, sabendo ler as rochas, é possível descortinar o passado. Giorgio visitou o lugar estudado com um cientista norueguês, Wojtek Nemec, da Universidade de Bergen, um dos ‘pais da sedimentologia moderna’. Ao observar com atenção as rochas que estavam sendo alvos de pesquisa da Unicamp, o professor Wojtek começou a expressar o que ele lia nas rochas. Disse que naquele local existiu um rio, que num dado momento ficou seco, mas que voltou a correr várias vezes, com um fluxo de água muito veloz e turbulento. “Logo, se conseguimos ler nas rochas rios e desertos, é possível ler o passado, o que ajuda a interpretar o presente e prever o futuro. No Paleoproterozoico, em Diamantina havia um grande deserto, por uma simples razão: não havia vegetação”, ensina Giorgio. Foto: Antoninho Perri

A superfície terrestre era completamente descoberta. Uma simples brisa de 12 km por hora teria sido capaz de mover areia e construir dunas. “Assim, aqui no campus da Unicamp, se não tivéssemos vegetação, durante o inverno teríamos dunas em formação”, informa o professor. Para que isso serve? Embora esse trabalho seja puramente teórico, o docente esclarece que esta pesquisa permite gerar modelos com as formas, dimensões e distribuição espacial das rochas no subsolo. Dessa forma, os geólogos e os engenheiros do petróleo podem usar estes modelos teóricos para procurar hidrocarbonetos e para computar a quantidade destes recursos naturais contidos nas rochas. Em segundo lugar, a leitura das rochas permite ler o tempo e, lendo as rochas de ambiente desértico, é possível entender a evolução das áreas desérticas. “Quando vemos as rochas verticalmente, lemos as mudanças no tempo desse sistema desértico. Em dado momento, pode ser constituído por dunas, em outro por uma superfície aplanada, em outro ainda por lençol de areia e em um novo momento pode ter um rio ou um lago efêmero. Se sabemos ler as rochas, podemos conhecer os fatores que causaram essas mudanças”, detalha Giorgio. Esses modelos de variação temporal dos sistemas desérticos antigos podem ser aplicados ao atual, tornando possível entender os fatores que causam a desertificação. “Então nosso trabalho tem ainda uma aplicação na Geologia Ambiental, posto que colabora para desvendar mudanças envolvendo o ambiente e o clima”, afirma o professor do IG. Em terceiro lugar, comenta ele, este estudo pode despertar a fantasia das pessoas, uma vez que querem compreender como era a Terra do passado. Lendo essas rochas, por exemplo, dá para saber que neste momento da história da Terra aumentou a concentração de oxigênio livre na atmosfera, porque realmente notaramse minerais formados pelo contato com esse elemento. Antes de 1,8 bilhão de anos atrás, a Terra era, em grande parte, coberta por oceanos. As rochas de então apontaram que a maioria dos oceanos era de baixa profundidade, e eles eram muito extensos. As terras emersas eram poucas. Falta um claro registro de depósitos continentais. Contudo, já por volta de 1,8 bilhão de anos atrás surgiram os continentes, e as primeiras coisas que se formaram neles foram os desertos, já que não havia vegetação e nada poderia deter o vento. Giorgio expõe que é possível dizer, vislumbrando a Terra atual, que ela está tão distante da Terra antiga de 1,8 bilhão de anos atrás quanto a Terra atual de Marte. “Quer dizer que temos que pensar a Terra antiga como outra Terra, um outro planeta”, compara. Ele acrescenta que também havia pouco oxigênio e que a força gravitacional da lua era muito superior. “Sabendo disso, fica mais fácil entender como pode mudar o mundo, como podem ser outros planetas e como pode funcionar o universo no futuro”, contextualiza Fábio, que já cursa o doutorado. Sua ideia é obter titulação na Unicamp e na Universidade de Leeds, Reino Unido, onde passará dois anos.

Publicação Dissertação: “Formação Bandeirinha, região de Diamantina (MG): um exemplo, no Proterozoico, de lençol de areia eólica” Autor: Fábio Simplício Orientador: Giorgio Basilici Unidade: Instituto de Geociências (IG) O professor Giorgio Basilici (à esq.), orientador, e Fábio Simplício, autor da dissertação: entendendo o passado


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Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

Pesquisa avalia impactos de programa de inclusão digital Cientista social mapeia resultados de projeto desenvolvido em assentamentos no Estado de SP Fotos: Divulgação

Crianças (à esq) e monitoras (centro) no assentamento Gleba XV de Novembro, em Rosana, e prédio do Posto do Acessa SP no assentamento Haroldina, em Mirante do Paranapanema (à dir.)

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

esquisa de pós-doutorado da cientista social Cátia Regina Muniz avalia os impactos e resultados do programa de inclusão digital Acessa São Paulo, especificamente nos assentamentos de reforma agrária Gleba XV de Novembro, na cidade de Rosana, e Haroldina, em Mirante do Paranapanema. O Acessa São Paulo foi criado pelo governo paulista em 2000, no âmbito da Secretaria de Gestão Pública, com o objetivo de promover o acesso e uso digital em todo o Estado até 2015. O programa é coordenado pela Prodesp – Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo, com participação do Núcleo de Apoio à Pesquisa Escola do Futuro, da USP. A primeira fase da pesquisa de Cátia Muniz consistiu na comparação entre o Acessa São Paulo e um projeto semelhante, o CRID – Centros Rurais de Inclusão Digital, cujos impactos e resultados ela também avaliou como pesquisadora no Laboratório de Pesquisa Multimeios da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Diante da conclusão de que os agricultores pouco utilizavam os postos do Acessa São Paulo, as monitoras da Gleba XV de Novembro ministraram um curso que os ensinasse a manusear o computador e navegar na internet. A segunda fase é de avaliação deste curso e de outro oferecido em Ilha Solteira, proposta aceita pela Fapesp, que renovou a bolsa por mais um ano”, esclarece a autora da pesquisa. Para seu pós-doc, Cátia Muniz procurou uma iniciativa que tivesse o mesmo foco do CRID, que é voltado exclusivamente para assentamentos, encontrando apenas no Acessa SP os dois postos já mencionados. “A ideia era observar o que mudou na vida dessas pessoas ao obter acesso a computador e in-

ternet, questionando, por exemplo, qual o significado do programa em suas vidas; quem frequenta os postos; tipo de conteúdo acessado; se o programa tem fôlego para efetivamente acabar com a exclusão digital no Estado; se há intenções político-partidárias por trás dele.” A primeira percepção da pesquisadora foi de que, embora ambos os programas se baseassem inicialmente no conceito de telecentro comunitário, buscando envolver a população local nas várias atividades que os postos podem oferecer, o CRID é que teve maior êxito. “No Ceará havia uma proposta pedagógica, convocou-se uma assembleia para explicar a iniciativa à comunidade, que participou de todo o processo de implantação. Já o programa Acessa São Paulo se expandiu muito rapidamente – daqueles dois postos em 2000, hoje são mais de 700 espalhados pelo Estado – e o caráter comunitário se perdeu.” Na opinião de Cátia Muniz, há postos demais para pouquíssimas pessoas na coordenação: quatro gestores da Prodesp e uma equipe da Escola do Futuro auxiliando na capacitação dos monitores. “Falta investimento em recursos humanos. Existe dentro do programa a Rede de Projetos [de fomento a ações comunitárias com uso de tecnologia da informação], mas os monitores poderiam desenvolver projetos melhores se tivessem mais apoio; os dois dias de curso de capacitação oferecidos no programa são insuficientes.” A cientista social considera que o governo está privilegiando os números, ou seja, a quantidade em detrimento da qualidade, inclusive porque o Acessa São Paulo conquistou um prêmio da Bill Gates Foundation no valor de US$ 1 milhão, exatamente por ter aberto muitos postos em locais de fácil acesso. “Vemos postos onde as pessoas aparecem somente para solicitar um documento e não voltam mais – e isso é contabilizado, assim como todos os acessos e cadastros. Esses postos subutilizados (e os demais) poderiam

Na zona rural, maioria não usa computador Em sua pesquisa de pós-doc, Cátia Muniz explica que o Governo Federal tem defendido o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) para o desenvolvimento social, científico, cultural e econômico. As TICs são concebidas como instrumento para a diminuição do “hiato digital”, termo que descreve as diferenças socioeconômicas de determinados grupos em relação ao acesso a essas tecnologias, com base em parâmetros como faixa salarial, raça, gênero, idade e localidade geográfica. Considera-se, ainda, o estranhamento que as TICs provocam em pessoas não acostumadas às máquinas e aos conteúdos disponíveis na internet. Pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Cetic), em 2010, indicou que 39% da população

entrevistada na zona urbana tinham computador em seus domicílios, e apenas 12% na zona rural; dessas residências, somente 31% (área urbana) e 6% (área rural) possuíam acesso à internet. Entre todos que responderam ao questionário aplicado pelo Cetic, 52% nunca usaram a internet. Na zona rural, existem 80% de não usuários de computador e 84% de pessoas sem acesso à internet – percentuais que na zona urbana são de 51% e 55%, respectivamente. Em relação ao Acessa São Paulo, a página do programa informa que, em seus 13 anos de existência, foram registrados mais de 71 milhões de atendimentos gratuitos, mais de 2,6 milhões de usuários cadastrados, 710 postos em funcionamento (191 em implantação), 616 municípios atendidos e mais de 1.200 monitores contratados.

voltar a cumprir o papel de centros comunitários, ajudando essas populações em várias situações, como para incrementar o contato entre suas lideranças e desenvolver projetos para crianças e jovens em situação de risco. Mas os monitores precisam ser capacitados para desenvolver tais projetos.”

RESISTÊNCIAS

Segundo a autora da pesquisa, o Acessa São Paulo foi implantado sem resistências no assentamento de Haroldina, até porque a líder comunitária participou do processo e promoveu uma discussão com as parceiras, convencendo-as da importância do serviço. Na Gleba XV de Novembro, porém, houve atritos. “A presidente da Organização de Mulheres Assentadas pediu que o Acessa São Paulo dividisse o mesmo prédio com uma organização não governamental que ela levou ao assentamento e que tinha seu filho como monitor. No entanto, o gestor do programa do governo, que havia concordado com a divisão, acabou voltando atrás e a líder se sentiu traída.” A decorrência, observa Cátia Muniz, foi a construção de uma imagem bastante negativa do Acessa São Paulo junto à comunidade da Gleba, com resistência sobretudo dos mais velhos. “Apenas crianças e jovens utilizavam o posto, que acabou se tornando um ponto de lazer para se jogar e acessar redes sociais. Já no Haroldina, no início se percebia adultos e idosos pesquisando o preço do leite e assistindo a vídeos no Youtube, mas na última vez em que lá estive, no início do ano, havia poucos usuários. Isso ficou explicado pelo maior poder aquisitivo no assentamento, onde os pais preferiram comprar o computador e o serviço para ter seus filhos por perto, já que a ida ao posto tinha se tornado pretexto para encontrar os namorados.” Por estar atuando nos dois assentamentos, a pesquisadora participou dos cursos de capacitação e procurou ajudar as monitoras na elaboração de projetos voltados a adultos e idosos. “Pensei em projetos que melhorassem o dia a dia daqueles que trabalham na agricultura e pecuária. Juntamente com a equipe da Escola do Futuro, conseguimos amenizar a resistência na Gleba XV de Novembro, mas a maioria das mulheres acabou desistindo do curso, mediante mil desculpas; não foi possível descontruir a imagem negativa. No Haroldina, as monitoras decidiram por um projeto de artesanato com PET, ideia que não vingou por falta de parceiros para ensinar e fornecer material às mulheres.”

Foi nesse meio tempo que Cátia Muniz conheceu a monitora Ana Luiza Xavier, responsável pelo projeto “Mulheres assentadas, mulheres antenadas”, desenvolvido em Ilha Solteira e concorrente ao Prêmio Acessa SP 2013 entregue em 9 de outubro. “É um projeto bem parecido ao desenvolvido na Gleba e, a pedido do meu supervisor, fui a Ilha Solteira para fazer com que as lideranças dos dois assentamentos trocassem ideias. Lá, o diferencial é que as mulheres são mais velhas, todas entre 40 e 50 anos, orgulhosas de serem agricultoras. Seus depoimentos dão conta de como a internet ajudou no seu dia a dia, seja na criação das galinhas ou na solução de problemas técnicos surgidos na propriedade.” Outro diferencial apontado pela pesquisadora está na trajetória dessas mulheres, que estão no assentamento de Ilha Solteira há apenas oito anos. “Todas participaram da luta pela terra e vieram de situações extremamente precárias, com os maridos desempregados e chegando a passar fome. Isso fez com que valorizassem mais o trabalho no campo. A Gleba XV de Novembro, por outro lado, existe há mais de 30 anos e as mulheres de segunda e terceira gerações não vivenciaram a luta dos pais e têm uma situação um pouco mais confortável; por isso, não gostam nem veem futuro na agricultura.” A partir de sua experiência, Cátia Muniz pretende contribuir com outras iniciativas, como de ONGs e centros de pesquisa que concordem em financiar seu projeto: a efetivação de telecentros que ofereçam atividades comunitárias e não sirvam apenas como pontos de acesso à internet, mas como pontos de melhoria das condições de vida da população mais carente. “É preciso desenvolver projetos a partir dos diferentes contextos encontrados nas comunidades, o que depende de tempo, dinheiro e de sensibilizar as esferas governamentais de que o serviço é necessário. Investiram alto na montagem dos postos do Acessa São Paulo, mas os recursos são subutilizados, tanto nos assentamentos como nas periferias das cidades.” Foto: Antonio Scarpinetti

RAÍZES NA TERRA

A autora da pesquisa constatou que os concluintes dos cursos foram os filhos dos assentados, na faixa entre 30 e 40 anos; e, não sem surpresa, que as informações que eles buscavam não eram ligadas às atividades na terra. “Essas pessoas não gostavam de trabalhar na agricultura e só estavam nela por falta de opção. Como se deslocavam constantemente para as cidades, foram muito influenciadas pelo comportamento urbano e pesquisavam sobre outras atividades que gerassem renda, como revenda de produtos de beleza e confecção de bijuterias e roupas.”

A cientista social Cátia Regina Muniz: “A ideia era observar o que mudou na vida dessas pessoas ao obter acesso a computador e internet”


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Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

Nanopartículas com

fármaco fazem entrega ‘sob medida’ para o corpo Formulação desenvolvida no IQ pode reduzir efeitos adversos de medicamentos no organismo ALESSANDRO SILVA alessandro.silva74@gmail.com

ocê recebe uma injeção sob a pele. O líquido aplicado transforma-se em um gel, que contém nanopartículas “recheadas” com fármaco antiinflamatório. Aos poucos, o organismo começa a receber doses do fármaco a partir do depósito formado ali. Essa será a aplicação de uma nova formulação desenvolvida em pesquisa de mestrado apresentada pela química Letícia Paifer Marques, na pós-graduação do Instituto de Química da Unicamp, sob a orientação do professor Francisco Benedito Teixeira Pessine. Trata-se da tecnologia Depot (depósito) para entrega modificada de dois fármacos empregados como anti-inflamatórios, a dexametasona e a betametasona, encapsulados em nanopartículas lipídicas sólidas. “Uma vez introduzido no organismo, o fármaco vai sendo liberado gradativamente”, afirma Pessine. Na prática, isso pode permitir que pacientes em tratamento prolongado recebam doses menores desses anti-inflamatórios, com menor frequência, e apresentem menos efeitos adversos, como retenção de líquido pelo organismo, em aplicações de curto prazo, e até complicações mais severas já estudadas, como catarata, em decorrência de consumo frequente e prolongado desses dois medicamentos. “Alguns dos efeitos adversos ocorrem porque o medicamento é distribuído sistemicamente no organismo. Então, se a entrega for realizada no local da inflamação, os efeitos sistêmicos podem ser menores”, explica Letícia, autora da pesquisa. Por enquanto, os experimentos foram realizados em laboratório, para o desenvolvimento das nanopartículas que carregam o fármaco e da tecnologia Depot, que assegura a entrega controlada dos medicamentos. Por se tratar de algo inovador para os dois tipos de fármacos escolhidos, a dexametasona e a betametasona, o professor Pessine prepara o processo de pedido de patente dessa nova tecnologia com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp. Existem outras possibilidades para a entrega controlada de medicamentos, já utilizadas pela medicina, por meio de implantes colocados no organismo de pacientes, mas isso exige a realização de procedimen-

Fotos: Antoninho Perri

to cirúrgico, o que é dispensável pela técnica Depot, segundo os pesquisadores. Basta uma injeção, o “bioimplante” está colocado no doente. Por analogia, é possível comparar a entrega com sistema Depot a uma bomba sob medida, dimensionada (em sua capacidade de explosão e de efeitos) e planejada para atingir um alvo específico, com o menor resultado de danos colaterais em razão do ataque, a exemplo das estratégias modernas de emprego militar.

NANOPARTÍCULA

Para compreender melhor a novidade, é preciso saber que nanotecnologia envolve a manipulação de átomos e moléculas, em tamanhos que os cientistas chamam de “nanoescala”, ou seja, um nanômetro é a bilionésima parte do metro, o equivalente a um milhão de vezes menor que o diâmetro da cabeça de um alfinete ou 80 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo. Em laboratório, Letícia produziu nanopartículas lipídicas carregadas com fármaco e um sistema de entrega do medicamento, formado por polissacarídeos que, em contato com o corpo, transformam a solução líquida no gel que será gradativamente assimilado pelo organismo. É a temperatura do corpo que ativaria, quimicamente, a formação do depósito de anti-inflamatório sob a pele, depois da aplicação de injeção subcutânea. Os produtos usados para a fabricação das nanopartículas são biocompatíveis e biodegradáveis, destaca a química. “Uma pessoa poderia ficar pelo menos seis dias sem receber nova aplicação do fármaco”, afirma Letícia. Nesse caso, o paciente receberia uma injeção e apresentaria uma leve saliência sob a pele, no local onde foi criado o depósito químico de medicamento. A dexametasona e a betametasona são medicamentos da classe dos corticosteroides que atuam no tratamento e prevenção de processos inflamatórios de diversas naturezas. Na pesquisa, Letícia não alterou a estrutura química dos fármacos e trabalhou com o princípio ativo, não o medicamento que é vendido em farmácias. Desse modo, a manipulação com nanotecnologia não interferiu nas propriedades dos medicamentos, explica a autora do trabalho de mestrado, que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foto: Antonio Scarpinetti

A química Letícia Paifer Marques, autora da dissertação: “Se a entrega for realizada no local da inflamação, os efeitos sistêmicos podem ser menores”

As nanopartículas são produzidas através da utilização de um aparelho conhecido como homogeneizador, que agita os componentes da formulação a uma velocidade de até 18 mil rotações por minuto, desta forma as nanopartículas carregadas com os fármacos estudados – um de cada vez, pois os medicamentos não foram combinados – são produzidas. O processo de preparo dura 40 minutos, mas são necessárias mais 24 horas em geladeira para estabilização. Teste em laboratório: manipulação de átomos e moléculas

FUTURO

O professor Francisco Benedito Teixeira Pessine, orientador da pesquisa: “Uma vez introduzido no organismo, o fármaco vai sendo liberado gradativamente”

Desenvolver uma tecnologia Depot não é tão simples. Segundo o professor Pessine, orientador da pesquisa, os dois fármacos estudados apresentam estruturas químicas parecidas mas, mesmo assim, foram liberados em quantidades e velocidades diferentes ao longo dos ensaios in vitro, por isso a necessidade de mais estudos para cada tipo de fármaco a ser investigado com esta tecnologia. A equipe do professor dará continuidade a outras pesquisas nessa mesma área para aplicar a nova técnica e outros fármacos. “Isso representa a possibilidade de mais conforto para os pacientes em tratamento”, avalia Pessine, ao comentar sobre o potencial da técnica.

Publicação Dissertação: “Desenvolvimento de tecnologia Depot para entrega modificada de fármacos anti-inflamatórios encapsulados em nanopartículas lipídicas sólidas e carreadores lipídicos nanoestruturados” Autora: Letícia Paifer Marques Orientador: Francisco Benedito Teixeira Pessine Unidade: Instituto de Química (IQ) Financiamento: Capes


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Campinas, 21 a 27 de outubro de 20

Análise crítica

Livro escrito por pesquisadores do Cemarx reflete sobre a pre MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Jornal da Unicamp – O que motivou a produção do livro? Armando Boito – Nós mantemos há alguns anos um grupo de pesquisa no Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) do IFCH que vem pesquisando a política brasileira no período de vigência do modelo capitalista neoliberal. O grupo desenvolve um Projeto Temático financiado pela Fapesp sobre esse tema. Esse é o segundo livro que publicamos sobre o assunto. Nossa motivação é produzir conhecimento novo e crítico sobre o Brasil contemporâneo e oferecer uma análise alternativa àquela que domina a Ciência Política. Hoje, na Ciência Política, a orientação predominante separa o processo político da sociedade e da economia. Então, você tem uma análise política que pretende explicar o processo e as instituições políticas sem se referir aos aspectos sociais, econômicos e culturais. Na nossa perspectiva teórica, essas dimensões da vida social estão indissoluvelmente ligadas. Procuramos indicar essa preocupação no próprio título do livro que foi construído de modo a evidenciar a vinculação da política com as classes sociais. JU – Talvez, para a maioria dos leitores, pareça óbvia a necessidade de vincular política e sociedade, não? Boito – Mas as análises correntes, salvo raras exceções, não estabelecem esse vínculo. Além disso, existem várias maneiras de fazer essa vinculação. A política aparece na maioria das análises, seja como uma disputa entre correntes de pensamento ou entre projetos – por exemplo, o projeto desenvolvimentista em disputa com o projeto neoliberal, os democratas em disputa com os autoritários –, seja como uma disputa entre lideranças – Fernando Henrique, José Serra, Lula, Dilma, Marina Silva etc. –, que perseguiriam objetivos pessoais ou grupais e cujas personalidades marcariam a fundo a política brasileira. A grande imprensa está saturada desses personagens. Outros analistas apresentam a política como mera disputa entre partidos – PT, PSDB, DEM etc. A política combina um pouco disso tudo, mas nada disso é o mais importante. Os projetos, as lideranças e os partidos devem ser remetidos ao conflito distributivo entre as classes e frações de classe em presença. Ou seja, a vinculação entre política e sociedade deve conter a vinculação entre política e classes sociais. JU – Pode-se, então, falar em luta de classes no Brasil atual? Boito – Sim, mas num sentido preciso: estou falando em luta distributiva entre classes e frações de classe. Não existe no Brasil atual uma luta de classes no sentido em que a sociedade estaria dividida entre dois campos: um campo operário e socialista lutando para ultrapassar o capitalismo e um campo burguês e capitalista lutando para preservar a propriedade privada dos meios de produção e todo o sistema atual. Isso não ocorre no Brasil. Mas ocorre sim um conflito acirrado entre as classes e frações pela apropriação da riqueza e é esse conflito que tem movido o processo político nacional. JU – E a luta de segmentos como os dos negros e das mulheres? Essas lutas não interferem na política brasileira? Boito – Interferem, sim, mas não são as lutas principais hoje. Ao dizer isso, não estou emitindo nenhum juízo de valor: essa luta é mais importante que aquela. Não é isso. Estou dizendo que, objetivamente, o que tem dividido a política nacional é, principalmente, a luta pela apropriação da riqueza produzida. Aliás, não é de se estranhar que seja assim. De um lado, porque os capitalistas travam, permanentemente, uma luta feroz pela apropriação do excedente. De outro lado, porque o Brasil é um dos campeões mundiais de concentração da renda e do patrimônio. Mas a luta distributiva de classes tem interseções de variados tipos com as lutas que você citou acima.

ivro organizado pelos professores Armando Boito Júnior e Andréia Galvão, ambos do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, promove uma ampla análise da política brasileira na década de 2000, marcada principalmente pela transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o de Luiz Inácio Lula da Silva. A obra, intitulada Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000, é composta por artigos escritos por 12 pesquisadores vinculados ao Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), os organizadores incluídos, que tratam da presença das classes sociais na política nacional contemporânea. Os artigos analisam a burguesia e suas frações, a classe média, além de diferentes setores das classes trabalhadoras. Segundo Boito, a publicação retoma a tradição das ciências sociais brasileiras de promover uma reflexão totalizante do processo político, sem desvinculá-lo da economia e da sociedade. “A ciência política contemporânea separa as instituições e o processo político da sociedade e da economia. É a orientação teórica conhecida como institucionalista, que reputo formalista. Na nossa perspectiva teórica, a política, a sociedade e a economia estão indissoluvelmente ligadas. O que procuramos mostrar no livro é que o processo político é uma dimensão do conflito distributivo que opõe classes e frações de classes presentes na sociedade brasileira”, afirma. O docente considera que a principal modificação ocorrida na passagem do governo FHC para o governo Lula foi a mudança no interior do bloco do poder. “Durante os governos FHC, a fração da burguesia que ocupava a posição hegemônica no interior do bloco no poder, o grande capital financeiro internacional, foi deslocada para segundo plano e a grande burguesia interna brasileira ascendeu politicamente, assumindo esta hegemonia. Esse processo explica a mudança do neoliberalismo mais ortodoxo da era FHC para a política econômica que podemos denominar neodesenvolvimentista da era Lula”, explica. Na entrevista que segue, Boito compartilha algumas das apreciações contidas no livro. Por exemplo, a luta do movimento negro por cotas nas universidades contempla, fundamentalmente, interesses das classes populares, já que é nas classes populares que se insere a esmagadora maioria da população negra. Além de ser uma luta pela cidadania (luta pelo reconhecimento), é também uma luta pela distribuição da riqueza produzida. Um partido como o PT, que tem uma base popular muito extensa, tem maior interesse em promover a população negra do que o PSDB, cuja base é a alta classe média, que é fundamentalmente branca e que se mobilizou e continua se mobilizando contra as cotas raciais. Isso fica claro na resistência das universidades estaduais paulistas em assumir as cotas raciais e na ginástica que o governo paulista faz para simular que está atendendo a população negra sem assumir as cotas, quando estas já estão vigorando em todo o sistema de ensino superior federal. Vale a pena acrescentar que não podemos descartar a possibilidade de, mudada a conjuntura, a luta distributiva de classes perder o posto de conflito principal que divide a política brasileira e ser substituída pela luta contra o racismo. Por exemplo, se a luta pela reparação pecuniária dos descendentes de escravos se tornasse um movimento de massas, qual impacto isso não chegaria a ter na política nacional? Mudando o que deve ser mudado, raciocínios semelhantes poderiam ser feitos para a luta das mulheres e dos homossexuais. JU – Quais são os conflitos de classe citados pelo senhor e como eles se manifestam na política nacional? Boito – Nós entendemos que foi um conflito entre dois blocos de classes que, nas condições históricas dadas pelo modelo capitalista neoliberal, provocou a passagem da era FHC para a era Lula. No primeiro mandato Lula da Silva, as diferenças com o período anterior não estavam muito claras e muitos analistas e observadores chegaram a afirmar que o governo Lula seria mera continuidade do governo FHC. Principalmente no segundo mandato Lula, foi ficando claro que havia uma política econômica diferente, que se esforçava por estimular o crescimento econômico e uma política social mais distributiva. Foram mantidos alguns pilares do modelo neoliberal, mas a era Lula abriu uma fase nova na história desse modelo. Eu sei que essa caracterização é, ela mesma, polêmica. Mas, passemos à pergunta: como explicar essa transição? Entendemos que ela proveio da ação convergente, nas condições dadas, de classes e frações de classe que, na década de 1990, encontravam-se em conflito aberto. A grande burguesia interna brasileira, que é parte do capital monopolista de base nacional, foi acumulando,

ao longo da década de 1990, contradições com a política econômica neoliberal, que era a política da hegemonia do grande capital financeiro internacional, e, nesse processo, foi se aproximando do Partido dos Trabalhadores. Esse último, por sua vez, colocado na defensiva diante da onda neoliberal, foi rebaixando o seu programa. Abandonou a proposta, elaborada nos anos 80, de implantação de um Estado de bem-estar no Brasil, e a substituiu por um programa neodesenvolvimentista. A grande burguesia interna deu um passinho à esquerda, o PT deu um à direita e ambos se encontraram numa posição de centroesquerda. A história da eleição de 2002 é a história desse encontro. O livro traz pesquisas mais ou menos detalhadas sobre a divisão no interior da burguesia e sobre a formação da frente neodesenvolvimentista. Aqui, apenas sintetizei algumas conclusões. JU – Muitos estudos tratam a burguesia como uma classe mais homogênea e não como uma classe dividida em frações. Poderia falar um pouco sobre isso? Boito – Há duas frações da burguesia brasileira que polarizam o conflito no interior do bloco no poder. Temos o grande capital financeiro internacional em torno do qual gravitam diferentes segmentos da burguesia brasileira a ele integrados. Esse grupo teve seus interesses priorizados na era FHC. Suas propostas são: mais abertura comercial, câmbio apreciado, desregulamentação financeira, elevação da taxa de juro básica da economia, corte dos investimentos em infraestrutura e no campo social com vistas a que se possa remunerar bem os títulos da dívida pública e rolar de modo seguro essa dívida. Desde o início deste ano, essa fração da burguesia vem impondo um recuo nas medidas de política econômica que o Governo Dilma, sob pressão das centrais sindicais e das federações das indústrias, vinha adotando: redução dos juros básicos, pressão para redução do spread bancário, depreciação do câmbio, iniciativas protecionistas e outras. Entretanto, existe outra fração da burguesia cujo programa é diferente: querem conter a abertura comercial, querem investimento público em infraestrutura, redução dos juros etc. Nós denominamos essa fração de “grande burguesia interna” porque, embora ela não ela não seja a mesma coisa que a velha burguesia nacional, ela entretém uma relação de unidade e de conflito com o grande capital financeiro internacional. Temos aqui segmentos importantes da construção naval, da construção pesada, da indústria de transformação, do agronegócio e mesmo dos bancos. Os bancos brasileiros ocupam uma posição ambivalente: muito do que querem coincide com os interesses do capital internacional, mas esses

bancos querem manter, e têm mantido, o capital estrangeiro marginalizado no sistema bancário do nosso país. Na passagem do governo FHC para o governo Lula, o que ocorreu foi que essa grande burguesia interna assumiu a hegemonia no interior do bloco do poder. Isso explica a mudança de um neoliberalismo ortodoxo da era FHC para isso que nós denominamos de neodesenvolvimentismo da era Lula. JU – É possível dizer, então, que essa grande burguesia interna foi a única beneficiada na era Lula? Boito – Não foi a única, mas foi a principal beneficiária. Na minha análise, a grande burguesia interna não tinha força suficiente para redirecionar a política econômica brasileira. O que os governos petistas fizeram foi estabelecer uma ampla frente política, uma frente heterogênea e contraditória, que uniu, ainda que de modo frouxo, a grande burguesia interna aos setores populares. A política neodesenvolvimentista é o programa dessa frente política. Ela atendeu, embora marginalmente, interesses da baixa classe média, dos trabalhadores manuais, de parte do campesinato, dos desempregados e da massa marginal. O nosso livro oferece, além de uma análise dos interesses e das disputas no interior da burguesia, uma avaliação bem variada de diferentes classes populares, por intermédio da apreciação de distintos movimentos sociais: movimento sindical, movimento altermundialista, sem-teto e movimento dos desempregados. Esses movimentos obtiveram programas de bolsa e de cotas para o ensino superior, melhoria salarial, redução do desemprego, crédito para a agricultura familiar, o Bolsa Família, o programa Minha Casa, Minha Vida e outros. JU – O programa Minha Casa, Minha Vida não atendeu, então, somente aos interesses populares? Boito – O “Minha Casa, Minha Vida” é um programa interessante de ser analisado. Nathalia Oliveira e Francini Hirata apresentam a sua pesquisa sobre o tema no nosso livro. Esse programa une os interesses do setor da construção civil com os interesses de setores populares. No capitalismo, a maioria das políticas sociais sempre beneficia, direta ou indiretamente, um ou outro setor do empresariado. Porém, a correlação de forças entre os interesses dos trabalhadores e os do empresariado do setor varia muito. No caso do Minha Casa, Minha Vida, os interesses do empresariado levam larga vantagem. Na era FHC a construção de moradia popular foi abandonada pelo governo federal. Desde o segundo mandato Lula, o neodesenvolvimentismo assumiu o compromisso de construção de moradias populares. A luta dos sem-teto estava em


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esença das classes sociais na política nacional nos anos 2000 Foto: Antonio Scarpinetti

O professor Armando Boito Júnior, um dos organizadores da obra: “O que procuramos mostrar no livro é que o processo político é uma dimensão do conflito distributivo que opõe classes e frações de classes presentes na sociedade brasileira”

ascensão. Dezenas de milhares de famílias ocupavam edifícios e terrenos ociosos nas grandes e médias cidades brasileiras. Ocorre que os terrenos onde as moradias estão sendo construídas ficam muito distantes das áreas urbanas providas de serviços e de postos de trabalho. O Minha casa, Minha Vida vai agravar o problema da precariedade do transporte público e por isso terá impactos negativos sobre a qualidade de vida dos trabalhadores por ele beneficiados. Mas é, sem dúvida, muito lucrativo para os empresários da construção civil. JU – Nesse contexto, surge também o programa Bolsa Família... Boito – Sim, esse programa de transferência de renda contempla os trabalhadores da massa marginal, que não se integram de maneira sólida ao mercado de trabalho. É um programa progressista, mas insuficiente. Se fizermos as contas, veremos que o valores envolvidos na rolagem da dívida interna são cerca de cinco vezes maiores que os recursos aplicados no Bolsa Família. Enquanto a rolagem da dívida pública beneficia cerca de 22 mil famílias proprietárias de títulos públicos, o orçamento do Bolsa Família tem de ser dividido por 13 milhões de famílias. Apesar disso, se comparada à secura do período FHC, esse programa tem um impacto político grande. Não por acaso, ele tem contribuído para que os candidatos da frente neodesenvolvimentista ganhem as eleições. JU – Houve ganhos para o sindicalismo? Boito – Sim, no período de 2003 a 2013 as condições para a luta sindical melhoraram muito e os resultados, também. Um exemplo: em 2003 apenas 18% dos acordos e convenções coletivas assinados no Brasil obtiveram reajuste acima da inflação. Esse índice veio num crescendo contínuo e, em 2012, 95% dos acordos e convenções assinados conquistaram ganho real. Algumas categorias, como a dos metalúrgicos de São Bernardo, conseguiram aumento real no período na casa dos 30%. Houve, também, a política de recuperação do salário mínimo, e cresceu muito o número de greves no período. As condições para a luta sindical melhoraram muito. O livro traz artigos que tratam desse tema. Paula Marcelino e An-

dréia Galvão analisam a mudança no campo sindical sob os governos Lula. Há toda uma discussão para saber se as lideranças sindicais foram simplesmente cooptadas pelo governo Lula ou se o apoio das centrais a esses governos foi consequência política da melhora que ocorreu na remuneração dos trabalhadores. JU – E os partidos políticos? Qual a relação deles com o conflito de classes? Boito – O processo decisório no regime político brasileiro está concentrado na cúpula do Executivo Federal. Temos um regime hiperpresidencialista que limita a democracia. Ao poder socialmente concentrado das grandes empresas corresponde um regime político centralizador. A burocracia de Estado tem mais importância no processo decisório que o Congresso Nacional e os partidos políticos. Essa baixa capacidade governativa dos partidos acaba repercutindo na sua função representativa. Os seus laços com diferentes classes e frações de classe são um tanto frouxos. Temos uma grande quantidade de partidos clientelísticos cujo objetivo consiste, no fundamental, em obter cargos e benesses do Estado. Mesmo um grande partido como o PMDB tem funcionado como base fisiológica de diferentes governos. Os partidos brasileiros que têm vínculo de representação mais claro são o PT, o PSDB e o DEM. O PT tornou-se o veículo partidário da grande burguesia interna e da frente neodesenvolvimentista. O PSDB e o DEM representam o grande capital financeiro internacional e sua base eleitoral mais significativa é, principalmente no PSDB, a fração superior da classe média. Essa fração da classe média é contra a política de transferência de rendas para a população trabalhadora. Engrossa a oposição de direita aos governos petistas. JU – Como as manifestações que vêm ocorrendo no país a partir das chamadas “Jornadas de Junho” entram nessa sua análise? Boito – A frente neodesenvolvimentista é um campo muito heterogêneo e contraditório. As forças que a compõem tendem a se unificar no período eleitoral, como pudemos verificar em 2002, 2006 e 2010. Porém, esses momentos, em que prevalece a tendência centrípeta para evitar a volta do

neoliberalismo puro e duro, são entremeados por períodos em que predominam tendências centrífugas. Os movimentos dos sem-terra estão insatisfeitos com a estagnação das desapropriações, o agronegócio combate a demarcação de terras indígenas e reclama, juntamente com construtoras e mineradoras, das medidas de proteção ambiental. As grandes empresas querem reduzir o custo salarial, mas o sindicalismo não aceita novas desregulamentações do mercado de trabalho etc. As contradições são muitas e variadas. Elas apareceram no mês de junho naquilo que poderíamos denominar a Revolta da Tarifa. Parte da classe média, os jovens estudantes e diplomados de classe média, não têm encontrado inserção satisfatória no mercado de trabalho. O PT, quando chegou ao governo, imaginava que iria estimular o crescimento econômico apoiado na indústria, revertendo o processo de desindustrialização. Contudo, quando se viu diante da oportunidade oferecida pelo boom das commodities, investiu no crescimento da produção agropecuária e mineral. A indústria de transformação foi relegada a um plano secundário. Essa é, aliás, uma diferença importante entre o velho e o neodesenvolvimentismo. Como resultado, dos vinte milhões de empregos criados nos governos petistas, cerca de 90% são compostos por postos de trabalho que exigem baixa qualificação e oferecem baixa remuneração. Há um setor da classe média que está marginalizado nessa política de crescimento. Temos um capítulo do livro, que apresenta a pesquisa de Santiane Arias e Ana Elisa Correia, que trata das insatisfações desse setor de classe média com o neoliberalismo e também com o neodesenvolvimentismo. Esse setor tem saído às ruas – estudantes, professores da rede pública e outros. Não vou me referir à tentativa da alta classe média de cooptar essas manifestações, desviando-as para uma luta de orientação moralista contra a corrupção. Essa tentativa foi, na minha avaliação, mal sucedida. A Revolta da Tarifa foi amplamente vitoriosa e desde junho a luta popular se fortaleceu. Incorporou novos setores e está lançando mão de formas de luta que têm mais visibilidade – grandes manifestações de rua – e que são mais radicais – não

me refiro à depredação praticada pelos Black Bloc não, mas a iniciativas como as dos professores de Goiânia e do Rio de Janeiro de ocupação das câmaras municipais. Essa nova fase da luta popular deve repercutir nas eleições de 2014. JU – De que modo? Boito – O grande capital financeiro internacional está ficando ainda mais isolado. Tudo o que as ruas têm reivindicado pode ser resumido na palavra-de-ordem: “Mais Estado”. Isto é, mais direitos sociais e mais proteção para a população trabalhadora. Ora, o programa do PSDB é o programa do “Estado Mínimo”. Não é por acaso que a candidatura do PSDB, que já estava mal, entrou numa fase declinante. O abalo foi suficiente para estimular Eduardo Campos e Marina Silva a se lançarem como uma nova via para o campo conservador. Quanto ao PT e ao programa neodesenvolvimentista, eles têm margem de manobra. Podem assimilar parte das reivindicações populares e já estão fazendo isso – programas de melhoria no transporte urbano, programa “Mais Médicos”, destinação social do dinheiro do pré-sal, iniciativas como a da Prefeitura de São Paulo de reforçar o imposto progressivo que é o IPTU e a resposta afirmativa do Governo Federal à espionagem praticada pelos Estados Unidos. São medidas que respondem à pressão das ruas e que o campo conservador não pode tomar, pois contraria o “seu DNA”. Creio que a reeleição de Dilma Rousseff ainda é o resultado mais provável em 2014. Porém, o abalo de junho indica que a frente neodesenvolvimentista começa a esbarrar nos seus próprios limites.

Serviço Título: Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000 Editora: Alameda Organizadores: Armando Boito Júnior e Andréia Galvão Autores: Diversos Preço sugerido: R$ 58,00


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esença das classes sociais na política nacional nos anos 2000 Foto: Antonio Scarpinetti

O professor Armando Boito Júnior, um dos organizadores da obra: “O que procuramos mostrar no livro é que o processo político é uma dimensão do conflito distributivo que opõe classes e frações de classes presentes na sociedade brasileira”

ascensão. Dezenas de milhares de famílias ocupavam edifícios e terrenos ociosos nas grandes e médias cidades brasileiras. Ocorre que os terrenos onde as moradias estão sendo construídas ficam muito distantes das áreas urbanas providas de serviços e de postos de trabalho. O Minha casa, Minha Vida vai agravar o problema da precariedade do transporte público e por isso terá impactos negativos sobre a qualidade de vida dos trabalhadores por ele beneficiados. Mas é, sem dúvida, muito lucrativo para os empresários da construção civil. JU – Nesse contexto, surge também o programa Bolsa Família... Boito – Sim, esse programa de transferência de renda contempla os trabalhadores da massa marginal, que não se integram de maneira sólida ao mercado de trabalho. É um programa progressista, mas insuficiente. Se fizermos as contas, veremos que o valores envolvidos na rolagem da dívida interna são cerca de cinco vezes maiores que os recursos aplicados no Bolsa Família. Enquanto a rolagem da dívida pública beneficia cerca de 22 mil famílias proprietárias de títulos públicos, o orçamento do Bolsa Família tem de ser dividido por 13 milhões de famílias. Apesar disso, se comparada à secura do período FHC, esse programa tem um impacto político grande. Não por acaso, ele tem contribuído para que os candidatos da frente neodesenvolvimentista ganhem as eleições. JU – Houve ganhos para o sindicalismo? Boito – Sim, no período de 2003 a 2013 as condições para a luta sindical melhoraram muito e os resultados, também. Um exemplo: em 2003 apenas 18% dos acordos e convenções coletivas assinados no Brasil obtiveram reajuste acima da inflação. Esse índice veio num crescendo contínuo e, em 2012, 95% dos acordos e convenções assinados conquistaram ganho real. Algumas categorias, como a dos metalúrgicos de São Bernardo, conseguiram aumento real no período na casa dos 30%. Houve, também, a política de recuperação do salário mínimo, e cresceu muito o número de greves no período. As condições para a luta sindical melhoraram muito. O livro traz artigos que tratam desse tema. Paula Marcelino e An-

dréia Galvão analisam a mudança no campo sindical sob os governos Lula. Há toda uma discussão para saber se as lideranças sindicais foram simplesmente cooptadas pelo governo Lula ou se o apoio das centrais a esses governos foi consequência política da melhora que ocorreu na remuneração dos trabalhadores. JU – E os partidos políticos? Qual a relação deles com o conflito de classes? Boito – O processo decisório no regime político brasileiro está concentrado na cúpula do Executivo Federal. Temos um regime hiperpresidencialista que limita a democracia. Ao poder socialmente concentrado das grandes empresas corresponde um regime político centralizador. A burocracia de Estado tem mais importância no processo decisório que o Congresso Nacional e os partidos políticos. Essa baixa capacidade governativa dos partidos acaba repercutindo na sua função representativa. Os seus laços com diferentes classes e frações de classe são um tanto frouxos. Temos uma grande quantidade de partidos clientelísticos cujo objetivo consiste, no fundamental, em obter cargos e benesses do Estado. Mesmo um grande partido como o PMDB tem funcionado como base fisiológica de diferentes governos. Os partidos brasileiros que têm vínculo de representação mais claro são o PT, o PSDB e o DEM. O PT tornou-se o veículo partidário da grande burguesia interna e da frente neodesenvolvimentista. O PSDB e o DEM representam o grande capital financeiro internacional e sua base eleitoral mais significativa é, principalmente no PSDB, a fração superior da classe média. Essa fração da classe média é contra a política de transferência de rendas para a população trabalhadora. Engrossa a oposição de direita aos governos petistas. JU – Como as manifestações que vêm ocorrendo no país a partir das chamadas “Jornadas de Junho” entram nessa sua análise? Boito – A frente neodesenvolvimentista é um campo muito heterogêneo e contraditório. As forças que a compõem tendem a se unificar no período eleitoral, como pudemos verificar em 2002, 2006 e 2010. Porém, esses momentos, em que prevalece a tendência centrípeta para evitar a volta do

neoliberalismo puro e duro, são entremeados por períodos em que predominam tendências centrífugas. Os movimentos dos sem-terra estão insatisfeitos com a estagnação das desapropriações, o agronegócio combate a demarcação de terras indígenas e reclama, juntamente com construtoras e mineradoras, das medidas de proteção ambiental. As grandes empresas querem reduzir o custo salarial, mas o sindicalismo não aceita novas desregulamentações do mercado de trabalho etc. As contradições são muitas e variadas. Elas apareceram no mês de junho naquilo que poderíamos denominar a Revolta da Tarifa. Parte da classe média, os jovens estudantes e diplomados de classe média, não têm encontrado inserção satisfatória no mercado de trabalho. O PT, quando chegou ao governo, imaginava que iria estimular o crescimento econômico apoiado na indústria, revertendo o processo de desindustrialização. Contudo, quando se viu diante da oportunidade oferecida pelo boom das commodities, investiu no crescimento da produção agropecuária e mineral. A indústria de transformação foi relegada a um plano secundário. Essa é, aliás, uma diferença importante entre o velho e o neodesenvolvimentismo. Como resultado, dos vinte milhões de empregos criados nos governos petistas, cerca de 90% são compostos por postos de trabalho que exigem baixa qualificação e oferecem baixa remuneração. Há um setor da classe média que está marginalizado nessa política de crescimento. Temos um capítulo do livro, que apresenta a pesquisa de Santiane Arias e Ana Elisa Correia, que trata das insatisfações desse setor de classe média com o neoliberalismo e também com o neodesenvolvimentismo. Esse setor tem saído às ruas – estudantes, professores da rede pública e outros. Não vou me referir à tentativa da alta classe média de cooptar essas manifestações, desviando-as para uma luta de orientação moralista contra a corrupção. Essa tentativa foi, na minha avaliação, mal sucedida. A Revolta da Tarifa foi amplamente vitoriosa e desde junho a luta popular se fortaleceu. Incorporou novos setores e está lançando mão de formas de luta que têm mais visibilidade – grandes manifestações de rua – e que são mais radicais – não

me refiro à depredação praticada pelos Black Bloc não, mas a iniciativas como as dos professores de Goiânia e do Rio de Janeiro de ocupação das câmaras municipais. Essa nova fase da luta popular deve repercutir nas eleições de 2014. JU – De que modo? Boito – O grande capital financeiro internacional está ficando ainda mais isolado. Tudo o que as ruas têm reivindicado pode ser resumido na palavra-de-ordem: “Mais Estado”. Isto é, mais direitos sociais e mais proteção para a população trabalhadora. Ora, o programa do PSDB é o programa do “Estado Mínimo”. Não é por acaso que a candidatura do PSDB, que já estava mal, entrou numa fase declinante. O abalo foi suficiente para estimular Eduardo Campos e Marina Silva a se lançarem como uma nova via para o campo conservador. Quanto ao PT e ao programa neodesenvolvimentista, eles têm margem de manobra. Podem assimilar parte das reivindicações populares e já estão fazendo isso – programas de melhoria no transporte urbano, programa “Mais Médicos”, destinação social do dinheiro do pré-sal, iniciativas como a da Prefeitura de São Paulo de reforçar o imposto progressivo que é o IPTU e a resposta afirmativa do Governo Federal à espionagem praticada pelos Estados Unidos. São medidas que respondem à pressão das ruas e que o campo conservador não pode tomar, pois contraria o “seu DNA”. Creio que a reeleição de Dilma Rousseff ainda é o resultado mais provável em 2014. Porém, o abalo de junho indica que a frente neodesenvolvimentista começa a esbarrar nos seus próprios limites.

Serviço Título: Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000 Editora: Alameda Organizadores: Armando Boito Júnior e Andréia Galvão Autores: Diversos Preço sugerido: R$ 58,00


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Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

Celeste,

Funcionária do Caism relata trajetória de filho com Síndrome de Down na Unicamp

antes e depois de Caetano Foto: Antonio Scarpinetti

MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br

ezembro de 2011. Tudo pronto para a balada. O tema é o ídolo de Caetano Rodrigues, Michael Jackson, com todo o brilho que o cantor e compositor, falecido em junho de 2009, gostava. O chapéu deve ter a quantidade e a cor de lantejoulas escolhidas pelo estudante que a alguns dias se despedirá dos amigos do Programa de Desenvolvimento e Integração da Criança e do Adolescente (Prodecad) da Unicamp. Os preparativos envolvem todos os colegas do sistema educativo, empenhados em procurar o melhor figurino para a balada do Caetano, que deve marcar o fim de sua estada na Unicamp. No dia da festa, Caetano se diverte com o figurino totalmente escolhido por ele. Todos choram e sorriem ao mesmo tempo, até porque Caetano passou grande parte dos dias que já viveu na Universidade. Ninguém teria misturado mais choros e risos nestes anos todos do que Maria Celeste Rodrigues, mãe de Caetano e funcionária da área de recursos humanos do Hospital da Mulher José Aristodemo Pinotti (Caism). Principalmente no momento em que foi informada que Caetano, com Síndrome de Down, estava moço para frequentar o sistema educativo da Unicamp. “Meu filho havia crescido, mas aqui era bom para ele. Se teve um lugar onde ele realmente foi incluído este lugar é a Unicamp”, reflete Celeste. Com um discurso franco e realista, ela tenta retratar os dias de uma mãe que decide matricular seu filho especial no sistema educativo da Unicamp. No momento de matricular Caetano no Centro de Educação Infantil da Unicamp (Ceci), Celeste teve de começar a conviver com as negativas. Mas desta vez, não por causa da síndrome, mas sim de uma cardiopatia. “Eles foram prudentes. De fato, ele não poderia ser recebido com este problema de saúde, porém, a Lucila Sandoval garantiu que depois de recuperado da cirurgia, ele poderia frequentar o Ceci, o que acabou ocorrendo.” Celeste teve para os filhos, Caio e Caetano, durante as gestações, os mesmos sonhos, com a mesma linearidade planejada por uma mulher grávida. E começa a contar com os benefícios de um discurso franco e honesto ao agir em vez de insistir em dias de lamento, como foram aqueles imediatos ao nascimento de Caetano. Ou melhor, aprende a misturar lamento, luta e conquistas. Primeiramente, admite com sinceridade ter conhecido duas Celestes: uma antes e outra depois do nascimento de Caetano. Sem desmerecer a relação de amor incomensurável e entrega com Caio, o mais velho, Celeste atesta que ser mãe de uma pessoa especial é desenvolver um olhar diferente. “Nenhuma mãe faz planos de dar à luz uma criança especial. Um dia me falaram que ter um filho especial é como contratar um roteiro de viagem para a Itália, por exemplo, e ir parar na Holanda. Não que chegar à Holanda não seja bom, pode ser até melhor, mas o choque da notícia é inevitável, muda os planos. Amo igualmente meus filhos, mas sou essa Celeste de hoje graças ao Caetano. Porque tive de reagir, crescer e ir à luta para garantir o desenvolvimento dele.” Hoje entende um comentário feito assim que começou a lutar por atendimento na educação infantil: “Alguém me disse: ‘Que bom que Caetano nasceu sendo seu filho’. Achei isso muito forte para aquele momento, mas hoje entendo o que a pessoa quis dizer. Nunca desisti. Fui em busca de tudo o que pudesse aprimorar o desenvolvimento dele. Nós, pais de especiais, encontramos uma força incomensurável.” Caetano nasceu numa segunda-feira, e na segunda seguinte, ela já tentava passar por cima de todas as manifestações impulsionadas pelo medo, e estava na Unicamp explicando sua situação. Queria proteger Caio e garantir a vaga de Caetano, além de buscar força e ajuda profissional. “Quando uma criança especial nasce, convivemos com uma realidade de muita informação e muita ignorância, pois ignoramos totalmente a situação. É como a história do

Maria Celeste Rodrigues: “Tive de reagir, crescer e ir à luta para garantir o desenvolvimento de Caetano”

roteiro. O projeto é outro. Hoje, só colho frutos, aprendi a fazer diferente, a viver diferente. E a Unicamp foi fundamental para mim”, diz Celeste ao lembrar dos momentos em que também precisava de um colo. Confessa que em todo momento em que manteve Caetano na Universidade, teve a oportunidade de longas conversas, consolo e orientações. E não fala somente de professores, recreacionistas, enfermeiras, nutricionistas, pedagogas, mas refere-se também aos colegas de trabalho, da área de psicologia do Centro Integral de Assistência à Mulher (Caism), os quais tiveram de, sem qualquer sinal de recusa, se adaptar aos novos horários de Celeste, ou de Caetano. “Se a fonoaudióloga muda o horário, preciso mudar meu horário aqui. Se preciso intensificar orientação pedagógica, ou terapia ocupacional, também preciso mudar a jornada, e o grupo todo se mobiliza. E nunca tive problema com isso. As pessoas sempre entenderam. Até porque podemos utilizar até seis horas das 40 horas semanais para dar atenção ao filho especial. Na época, este benefício não era estendido a funcionários celetistas, somente ao regime Esunicamp, mas conseguimos este direito também.” Hoje, na área de recursos humanos do mesmo hospital, surpreende-se com o interesse de profissionais de sua equipe por sua história e necessidade de dar atenção a Caetano. No momento da entrevista, uma funcionária interrompe com um recado muito importante: “Celeste, o Marcos quer saber se o Caetano irá à sessão de fono hoje”. A atitude de tratar como prioridade e urgente a chamada telefônica retrata o que Caetano e Celeste representam para a equipe.

APOIO

Quando Caetano nasceu, Celeste, ainda na psicologia, digitava laudo de interrupção de gravidez por má-formação, sem saber que mais tarde viria a ter um filho assim classificado. “Já não me conformava com o fato de as crianças com Síndrome de Down serem consideradas como má-formação. São idênticos uns aos outros: a palma da mão, o dedo, a nuca.” O apoio de alguém experiente é muito importante, e Celeste faz questão de ajudar outras pessoas. Tem de saber o que realmente é importante para os pais nesse momento. “Quando Caetano nasceu, me convidaram para participar de uma festa na qual teriam muitas crianças downs, porém, naquele momento eu não queria pensar que meu filho não conseguiria andar, falar e nem mesmo se portar socialmente. A festa foi um tédio, um horror. Meu filho só conseguiria isso? Queria mais.”

O sonho de andar foi anunciado justamente na rampa do Ceci (atual Divisão de Educação Infantil e Complementar - Dedic), assim como o sonho de socialização, principalmente na infância. “Tia, o Caetano andou, o Caetano andou”, gritavam em coro para a mãe que chegava para apanhar sua filha, colega de Caetano. Se todos eram chamados pela professora para o parque, todos queriam conduzir Caetano no triciclo. Se a hora era para se reunir no refeitório para o cardápio organizado pela Lígia, muitos queriam conduzir Caetano. Se o momento era para pintar, Caetano se misturava entre as cores de tinta. Mas quando o episódio era preocupante, os pequenos companheiros de creche já se agitavam, todos a uma só vez e numa pernada só: “Tia, por favor, pegue papel, o Caetano vomitou.” Muitas vezes, segundo Celeste, o pedaço de papel não daria para fazer a higiene, mas o gesto mareja os olhos. “Não me esqueço. Marcou muito”, relembra. A imagem da torcida dos pequenos cuidadores está registrada em vídeo. Numa das atividades diárias, a chamada, a professora pedia para cada um identificar seu próprio nome, identificado em letras bastões coloridas num pedaço de papel cartão. Na vez de Caetano buscar seu cartão, o silêncio tomou conta da sala do maternal. Mas por pouco tempo, pois a atividade virou festa assim que o amigo identificou seu nome. Este é um dos momentos emocionantes que Celeste não viu, por ter sido compartilhado com a as tias Elaine e Beth e as crianças da sala. Mas está gravado em VHS. Com o tempo tudo vai ficando mais simples, segundo Celeste. E cada retorno de Caetano é um ganho enorme para a família. Até mesmo quando a artimanha revela uma pitada de “malícia”. A primeira delas é a ida de Caetano à padaria, atravessando umas das avenidas mais agitadas de Campinas. Outra é apressar-se em matar a fome fritando o próprio ovo. Ah, e tentando dar autoria a Caio, o irmão mais velho. “O Caio não come ovo, Caetano. Mostre-me como fez”, questiona Celeste. Mas o que seria motivo de preocupação, apesar de repreensão, faz de Celeste uma mulher e mãe muito feliz. “Cada detalhe é um ganho. Claro que o desenvolvimento de um filho que não e especial é emocionante, mas cada ação pequena de um filho especial é um ganho enorme para os pais. Temos de acompanhar detalhes desse desenvolvimento”. Ver os próprios anéis serem utilizados para fazer um galanteio inquieta qualquer mãe, mas Celeste sabe como lidar com o filho. “Minha irmã foi levá-lo à terapeuta e me avisou que tinha alguns anéis no bolso

de Caetano. Quando fui buscá-lo, questionei, dizendo que ele não usava anéis e não poderia pegar, até que soube que ele queria presentear uma garota que frequenta a TO. Lógico que achei lindo ele, aos 17 anos, fazer um galanteio, mas negociei, combinando que então ele me daria duas coisas do quarto dele que ele gostasse muito para ver como se sentiria. Ele havia me devolvido dois anéis, então quando cheguei no apartamento, ele colocou dois carrinhos na mesa. Ajoelhouse diante de mim e pediu para não tomar os carros e colocou mais um na mesa. Perguntei por que mais um carro, e ele tirou mais um anel do bolso. Não sei se fiz o certo, mas percebi o amadurecimento dele. Pedi então que, quando quisesse presentar alguém, me avisasse e iríamos comprar.” Os questionamentos de Celeste referem-se à escola que se diz inclusiva, segundo Celeste. “Na Unicamp, sempre que eu chegava, ele estava entre os alunos, desenvolvendo a mesma atividade. Ele se misturava realmente, porém, em outras escolas, sempre o encontrava com o jardineiro, fazendo desenho enquanto os outros estudavam. Dão para eles um papelzinho, como se estivessem na pré-escola. O que aconteceu foi que ele não foi alfabetizado, não tem trajetória acadêmica. A Unicamp, sim, incluiu. Hoje, ele frequenta a Escola de Jovens e Adultos (EJA), excelente para socialização, mas não tem vida acadêmica.” Agradece a interação dele com os jovens. “Era a coisa mais linda que podia ter. De todo espaço deste percurso dele, a Unicamp é o que ganha.” A maior preocupação dos pais se manifesta quando o filho especial foi promovido para o Fundamental 2. “Como irá conviver com dez professores sem ter sido alfabetizado? Imagine você ir todos os dias à escola para ouvir uma aula em grego ou russo sem dominar essas línguas? É isso o que fazem. Meu filho é um herói.” A fase mais cruel é a adolescência, na opinião da mãe. “É a fase de ir para a balada, beijar. As crianças não viam diferença no Caetano que não andava, não falava, carregavam o Caetano para onde iam na creche. Agora, que adolescente quer levar o amigo especial para a balada. Não os condeno, faz parte dessa fase da vida deles, mas é quando a diferença aparece.” Mesmo diante de tantas preocupações no começo dessa história, Celeste alegra-se ao dizer: “Vemos que é mais simples. Hoje, quando vejo Caetano arrumando religiosamente a cama, a franja do tapete da casa e indo à padaria, vejo que a vida é mais simples do que nós pensamos. E entendo o que a pessoa me falou lá no início: ‘Ainda bem que o Caetano nasceu sendo seu filho’.”


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FEF desenvolve método para testes de desempenho aeróbio Protocolo permite diminuir possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

s testes de desempenho aeróbio – relacionado à resistência – auxiliam e orientam a prescrição de intensidades de corrida recomendadas para treinamento e competição de atletas fundistas de alto rendimento, caso dos participantes de olimpíadas e competições internacionais. A literatura mostra que para a melhora do desempenho aeróbio é necessário conhecer parâmetros fisiológicos de carga que além de confiáveis sejam de fácil aplicação nos treinamentos. Eles são fundamentais inclusive para a predição das velocidades durante as competições, uma vez que seus planejamentos estratégicos podem determinar o vencedor ou a quebra de um recorde. Os parâmetros fisiológicos de carga associados a outras variáveis, quando alicerçados em bases científicas, reduzem de forma significativa possíveis erros na determinação das intensidades nos treinamentos e na adoção de estratégias nas competições. Um dos parâmetros frequentemente utilizado é o limiar anaeróbio (LAn), que indica a transição dos metabolismos aeróbioanaeróbio e que se revela bastante prático. Ocorre que a maior parte dos protocolos utilizados para a sua determinação são trabalhosos, invasivos, tomam muitos dias de treinamento dos atletas e envolvem análises caras. Para um país como o Brasil, que conta com parcos recursos, particularmente para o atletismo, seria desejável desenvolver um protocolo que utilizasse uma ferramenta barata, de fácil aplicação e reprodução e que pudesse ser validada por um teste considerado de padrão ouro. É o caso do teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), referência gold standard, o qual determina o limiar anaeróbio e que permite estabelecer cargas adequadas para treinamento aeróbio e anaeróbio, mas invasivo, caro e demorado. À procura de superar estas dificuldades se propôs Ricardo Antonio D’Angelo, exatleta dos 400 m com barreiras que, depois de graduado em educação física, passou a atuar como treinador especializado em corridas de fundo (acima de 3.000 m). Só aos 45 anos, quando já havia acumulado grande experiência prática e bons resultados como treinador de atletas de nível internacional, decidiu pelo mestrado e doutorado, completados nos últimos sete anos. O objetivo: aperfeiçoar-se na área. “Eu sentia necessidade de aprofundar os conhecimentos em corrida de fundo com o intuito de melhorar meu trabalho, o da minha equipe e os resultados dos meus atletas”, diz ele. Com essas perspectivas, ele desenvolveu no doutorado, orientado pelo professor Miguel de Arruda, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, o teste de Velocidade Crítica (Vcrit), validado pelo teste de Máxima Fase Estável de Lactato (MFEL), que permite a avaliação e controle da forma física do atleta a partir de procedimentos simples, não invasivos, confiáveis e de fácil aplicação. Esse protocolo, desenvolvido ao longo de um ciclo olímpico, quatro anos, entre as Olimpíadas de 2008 (Pequim) e 2012 (Londres), foi responsável pela organização das cargas de trabalho de seis atletas fundistas de alto rendimento. O grupo apresentou melhora de desempenho, com destaque para dois atletas: Franck Caldeira de Almeida, 13º colocado na Maratona dos Jogos Olímpicos de Londres, 2012, e Joilson Bernardo da Silva, medalha de bronze na prova dos 5.000 m do Pan Americano de Guadalajara, 2011. Moveu-o também ao estudo a constatação de que, embora a comunidade de treinadores de corrida cresça em ritmo elevado atualmente no Brasil, os recursos didático-metodológicos desses profissionais não se encontram totalmente apoiados na ciência do esporte. Diante disso, ele acredita que as informações e conclusões da pesquisa possam contribuir sensivelmente para a melhora da qualidade de trabalho desses treinadores e em consequência para o melhor desempenho de atletas brasileiros em nível nacional e internacional.

O FAZER Em síntese, Ricardo D’Angelo desenvolveu um método de determinação do limiar anaeróbico, o LAn, com protocolo não invasivo, o Vcrit, e o correlacionou ao Máxima Fase Estável de Lactato, o MFEL, e a outros importantes parâmetros de desempenho, que permite diminuir o possível desequilíbrio na determinação da intensidade das cargas e possibilitar ao treinador a realização de avaliações mais frequentes e simplificadas do estado de forma física de seus atletas. “A partir dessas informações, variáveis sensíveis de ajustes de intensidade passam a ser facilmente identificadas e as intervenções propostas nos métodos e meios de treinamento do atleta tornam-se altamente eficazes”, diz ele. O autor destaca a escassez de trabalhos na literatura, mesmo em escala mundial, envolvendo atletas profissionais de alto rendimento que tenham integrado delegações em competições internacionais. Cerca de 90% desses trabalhos envolvem idosos, militares e outras populações, porque em geral os atletas de alto rendimento não se submetem a esse tipo de avaliação. Como treinador ele tinha à mão um grupo de seis atletas de alto rendimento que o acompanhava há vários anos. Estas circunstâncias o levaram a procurar uma ferramenta barata, de aplicação simples, facilmente reproduzida e passível de ser validada por um teste padrão ouro. Para tanto estabeleceu um protocolo em que os atletas corriam três ou quatro distâncias, que lhe forneceram dados para a obtenção de uma reta de regressão através de um modelo matemático simples. Esses resultados, comparados com os obtidos através de um teste padrão ouro, permitiram estabelecer uma correlação entre os valores obtidos nos dois processos, com a utilização de uma equação simples. “Posso afirmar hoje que esse protocolo permite estimar o limiar anaeróbio desses atletas, através de um índice fisiológico, com um alto grau de confiabilidade através de um procedimento simples e com resultados fidedignos”. Ele confessa que foi motivado pela necessidade. Em países com recursos, os centros de treinamento para atletas de alto rendimento dispõem de um laboratório junto à pista. Ele não conta com essa facilidade e recorre a um laboratório toda vez que precisa de análises, mesmo reconhecendo que trabalha com a equipe de atletismo com mais recursos no Brasil. O trabalho se propôs a oferecer para a comunidade de treinadores um parâmetro confiável de aplicação de carga baseado em estudos científicos, através de testes simples, que não exijam recursos. Ricardo D’Angelo resume: “Os testes de laboratório dizem o que é necessário para chegar a um alto rendimento e a metodologia que desenvolvemos permite obter dados que revelam em que estágio o atleta está e onde deve chegar para obter alto desempenho. Chegamos a esses resultados de forma simples e objetiva”.

Fotos: Divulgação

Atletas durante testes feitos na cidade de Rio Claro: parâmetros fisiológicos são importantes na adoção de estratégias nas competições

sua prática, mesmo em países avançados. O problema é agravado pelo fato do reduzido número de atletas de alto rendimento se submeter aos testes exigidos nessas pesquisas. Em decorrência, os resultados obtidos com outros públicos são transpostos para os atletas de alto nível, comprometendo a fidelidade. O estudo baseado em atletas de alto rendimento é o que diferencia o trabalho de Ricardo. Teriam os treinadores brasileiros condições de implementar a metodologia proposta? Ricardo considera que a competência dos profissionais de atletismo no Brasil equivale aos de centros mais desenvolvidos. Credita isso à agilidade dos meios de comunicação, destacando a internet, e ao fato de os profissionais procurarem aperfeiçoamento e atualização frequentando cursos, como os organizados por confederações e federações nacionais e internacionais de atletismo, e participando de palestras e de encontros com treinadores estrangeiros. Segundo ele, o perfil característico do treinador de atletismo no Brasil é o do exatleta, que vivenciou intensamente a prática do esporte, que passou a dedicar-se à formação de novas gerações e que procura evoluir através do conhecimento. Foi seu caso. No campo do atletismo, ele acredita que o país tem treinadores entre os melhores do mundo, mas que se ressentem da falta de recursos materiais e humanos.

Como exemplos cita a pequena oferta de pistas sintéticas, essenciais para desenvolver trabalhos em quaisquer esportes e, no caso do atletismo, a carência de atletas. Atribui a carência de recursos humanos às características da cultura nacional: “No Brasil temos a cultura do futebol, não do esporte, diferentemente do que ocorre nos EUA, por exemplo, em que a cultura esportiva é desenvolvida desde a escola, quando a criança entra em contato com as várias modalidades do esporte, o que torna muito mais fácil o surgimento de atletas de alto nível. Todos os países que se tornaram potencias mundiais no esporte o têm como instrumento de educação. Tudo começa na escola”. Em vista disso, Ricardo D’Angelo não acredita na melhora significativa dos desempenhos do atletismo brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Em decorrência da proliferação, na última década, da corrida de rua no Brasil, ele preocupou-se, ao desenvolver o estudo, com a possibilidade de seus resultados serem encampados por preparadores desses atletas amadores. Grande parte desses orientadores não é especialista em corridas de fundo, pois ou são professores de educação física ou ex-corredores em geral sem nenhuma graduação, que conhecem a prática e conseguem trabalhar porque a demanda é muito alta e não por apresentaram uma formação adequada. Foto: Antonio Scarpinetti

SITUAÇÃO NO BRASIL Segundo o pesquisador, uma questão colocada hoje na área de educação física é a de que a aplicação dos recursos da ciência do desporto está um pouco divorciada da

Publicação Tese: “Testes de desempenho aeróbio relacionados a intensidades de corrida em treinamento e competição para fundistas de alto rendimento” Autor: Ricardo Antonio D’Angelo Orientador: Miguel de Arruda Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Ricardo Antonio D’Angelo: “Intervenções propostas nos métodos e meios de treinamento do atleta tornam-se altamente eficazes”


10 Vida Painel da semana Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

aa c dêi m ca

Painel da semana  Quem tem cor age - O Núcleo de Consciência Negra da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp organiza no dia 21 de outubro, às 8 horas, no Instituto de Estudos da Linguagem e na Faculdade de Educação (FE), a segunda edição do evento “Quem tem cor age”. O Núcleo é composto por estudantes de graduação, pósgraduação e funcionários. Foi fundado em 2012 a partir da organização do “I Quem Tem Cor Age”, evento com atividades organizadas em comemoração ao mês da Consciência Negra, em conjunto com outros setores da Unicamp. Mais informações pelo e-mail comissaocientificaqtca@gmail.com  Inovações curriculares - Seminário acontece nos dias 21 e 22 de outubro e busca possibilitar a discussão, a exposição e a troca, entre acadêmicos, sobre as questões teóricas e práticas (experiências desenvolvidas e em desenvolvimento) de interdisciplinaridade nas universidades públicas paulistas. Mais informações na página eletrônica http://ea2teste.basico.unicamp.br/ea2/inovacoes/index.php  Jornadas Hannah Arendt - O Grupo de Filosofia Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) organiza, de 21 a 24 de outubro, no auditório I do IFCH, as IV Jornadas Internacionais Hannah Arendt. Mais detalhes no site http://www.ifch.unicamp. br/sobrearevolucao50anos/index.html ou telefones 19-8298-0410, 19-8227-5424. O e-mail para contato é sobrearevolucao50anos@ gmail.com  Unimídia - Evento organizado por alunos do Curso de Midialogia da Unicamp acontece no dia 21 de outubro, às 14 horas, no Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Conheça mais detalhes no link http://www.iar.unicamp.br/unimidia2013/index.html  Palestra com Tim McLain - No dia 23 de outubro, às 10 horas, no auditório da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), o professor Tim McLain, da Brigham Young University, fala sobre aeronaves não tripuladas. O evento é organizado pelo professor Edison Bittencourt. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-3936 ou e-mail e_bittencourt@uol.com.br  Congresso de Iniciação Científica da Unicamp - A abertura do evento acontece dia 23 de outubro, às 14 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A cerimônia contará com apresentação artística da dupla Regional Portátil, nos três auditórios do Centro de Convenções. No Congresso haverá a exposição de 496 painéis das áreas de Artes, Biológicas e dos Programas ProFIS e PICJr. O Congresso é promovido conjuntamente pelas Pró-Reitorias de Pesquisa (PRP) e de Graduação (PRG). O evento prossegue até o dia 25 e será transmitido pela TV Unicamp.

 Concerto de Primavera - Intitulado “O Mundo encantado”, o Coral Canarinhos da Terra realiza o seu Concerto de Primavera 2013, dia 23 de outubro, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O concerto é uma ação cultural do Canarinhos e objetiva apresentar os trabalhos desenvolvidos durante o ano. Às 15 horas, a apresentação é destinada às escolas e projetos sociais. Às 20 horas, o evento é aberto ao público em geral. Mais informações podem ser obtidas pelos telefones 19-3249-0583 ou 9-9346-5326.  Palestra com Hudson Pacífico da Silva - O Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) organiza, dia 24 de outubro, às 9h30, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL), palestra e reflexão sobre o Dia do Funcionário Público, com o professor Hudson Pacífico da Silva, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. O evento é realizado em parceria com a Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH), Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU) e Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). Mais informações no site do evento: http:// www.ggbs.gr.unicamp.br/index.php  Projeto Solar Impulse - No dia 25 de outubro, às 10 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), André Borschber, apresenta o Projeto Solar Impulse, avião tripulado movido a energia solar. O evento tem como público-alvo professores, pósgraduandos e pós-graduados (lato sensu, stricto sensu), doutores, pesquisadores, etc. Inscrições podem ser feitas no link http://bit.ly/SISolvay150. Haverá certificados de participação. Veja vídeo em http:// globotv.globo.com/rede-globo/fantastico/v/dupla-de-americanosinventa-aviao-que-movido-a-energia-solar/2543193/  Palestra com Maria Helena Beltran - No dia 25 de outubro, às 12h30, na Sala da Congregação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), o Grupo IEEE Women in Engineering da Unicamp recebe, para palestra, a professora Maria Helena Roxo Beltran. Ela aborda o tema “Das tradicionais práticas femininas à academia: Mulheres na história da Química”. Mais informações sobre o evento podem ser obtidas mediante contato com o telefone 19-988-013-938 ou e-mail wie_unicamp@ieee.org

Teses da semana  Alimentos - “Comparação do perfil das lactonas produzidas por biotransformação microbiana e biocatálise enzimática a partir dos óleos de mamona e linhaça” (doutorado). Candidata: Danielle Branta Lopes. Orientadora: professora Gabriela Alves Macedo. Dia 22 de outubro, às 14 horas, no Salão Nobre da FEA. “Equilíbrio líquido vapor na indústria de óleos vegetais” (doutorado). Candidata: Patrícia Castro Belting. Orientador: professor Antonio José de Almeida Meirelles. Dia 24 de outubro, às 14h30, no Salão Nobre da FEA.  Computação - “Detecção de tentativas de ataque com vídeos digitais em sistemas de biometria de face” (mestrado). Candidato: Allan da Silva Pinto. Orientador: professor Anderson de Rezende Rocha. Dia 24 de outubro, às 14 horas, no auditório do IC-2, sala 85 do IC.  Educação Física - “A concepção estratégico-tática no handebol: implicações para a formação de jogadores inteligentes” (mestrado). Candidato: Diogo Castro. Orientadora: professora Heloisa Helena Baldy dos Reis. Dia 21 de outubro, às 9 horas, no auditório da FEF. “Proposta pedagógica da capoeira na educação infantil” (mestrado). Candidato: Lucas Contador Dourado da Silva. Orientador: professor Ademir de Marco. Dia 25 de outubro, às 14 horas, no auditório da FEF.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Transmissão óptica com recepção coerente e alta eficiência espectral via sequências de pulsos rz e pré-filtragem óptica em canais limitados em banda” (mestrado). Candidato: Edson Porto da Silva. Orientador: professor Michel Zanboni Rached. Dia 21 de outubro, às 14 horas, na sala PE-12 da CPG da FEEC.

Livro

da semana

O que Aristóteles pensou sobre o lugar Sinopse: Em O que Aristóteles pensou sobre o lugar, Henri Bergson procura identificar a origem e mostrar a função da teoria do lugar, considerada substitutiva da teoria do espaço, predominante nos modernos. Para fazê-lo, o jovem filósofo inclui em sua pauta de discussão Leucipo e Demócrito entre os gregos e Kant e Leibniz entre os modernos. Autor: Henri Bergson nasceu em 18 de outubro de 1859 em Paris, onde morreu em 4 de janeiro de 1941. Filho de mãe inglesa e pai polonês, viveu alguns anos em Londres para retornar a Paris aos 9 anos de idade. Licenciado em letras pela Sorbonne, membro da École Normale Supérieure, foi professor de liceu e ministrou aulas em diversas localidades da França. Em 1889 defendeu seu doutorado pela Universidade de Paris e em 1900 iniciou seus cursos de história da filosofia antiga no Collége de France. Tornou-se diplomata francês, membro da Academia Francesa e, em 1927, ganhou o prêmio Nobel de Literatura. Tradutora: Anna Lia A. de Almeida Prado é licenciada em letras clássicas pela PUC-SP, com doutorado em língua e literatura grega pela Universidade de São Paulo, onde se aposentou como professora do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH–USP). Traduziu, entre outros, História da Guerra do Peloponeso, Livro I, de Tucídides, A República, de Platão, e Econômico, de Xenofonte, todos publicados pela Editora Martins Fontes.

“Modelagem computacional de amplificadores valvulados” (doutorado). Candidato: Thomaz Chaves de Andrade Oliveira. Orientador: professor Gilmar Barreto. Dia 22 de outubro, às 9 horas, na sala PE12 da FEEC. “Instrumentos dedicados à análise do impacto aplicados à agricultura e ao esporte” (doutorado). Candidato: Yull Heilordt Henao Roa. Orientador: professor Fabiano Fruett. Dia 24 de outubro, às 9 horas, na sala PE-12 da pós-graduação da FEEC. “Filtros de partículas aplicados a sistemas max plus” (mestrado). Candidato: Renato Markele Ferreira Cândido. Orientador: professor Rafael Santos Mendes. Dia 24 de outubro, às 9 horas, na sala PE-12 do prédio da Pós-graduação da FEEC.  Física - “Estudo dos efeitos de flutuações da condição inicial em colisões nucleares relativísticas” (doutorado). Candidato: Rafael Derradi de Souza. Orientador: professor Jun Takahashi. Dia 24 de outubro, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW.  Linguagem - “As duas faces de Orfeu na Invenção de Jorge de Lima” (doutorado). Candidata: Suene Honorato de Jesus. Orienta-

Ficha técnica: 1a edição, 2013; 168 páginas; formato 16 x 23 cm ISBN Editora da Unicamp: 978-85-268-1014-3 Área de interesse: Filosofia Preço: R$ 40,00

dor: professor Paulo Elias Allane Franchetti. Dia 23 de outubro, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “O sorriso e as lágrimas de Dioniso - Ensaio sobre a figura de Dioniso a partir da leitura de ‘As Bacantes de Eurípides’” (mestrado). Candidata: Isabela Carvalho Macedo. Orientadora: professora Jeanne Marie Gagnebin de Bons. Dia 24 de outubro, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Odontologia - “Influência dos tipos de escaneamento da tomografia computadorizada de feixe cônico no diagnóstico de fratura radicular” (doutorado). Candidato: Frederico Sampaio Neves. Orientador: professor Paulo Sérgio Flores Campos. Dia 23 de outubro, às 8h30, na sala da Congregação da FOP. “Função mastigatória de pacientes parcialmente edêntulos após reabilitação com próteses removíveis e fixas sobre implantes osseointegrados” (doutorado). Candidata: Thais Marques Simek Vega Gonçalves. Orientadora: professora Renata Cunha Matheus Rodrigues Garcia. Dia 23 de outubro, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP.

Destaque do Portal

Jornal da Unicamp ganha Prêmio

de Reportagem sobre a Mata Atlântica Jornal da Unicamp figurou entre os vencedores da 12ª edição do Prêmio de Reportagem sobre a Mata Atlântica, com a matéria “Paraty está aqui”, de Silvio Anunciação Neto, que ficou com a terceira colocação na categoria Jornal Impresso. O anúncio do prêmio concedido pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica – uma parceria entre as ONGs Conservação Internacional Brasil e SOS Mata Atlântica – foi feito em evento na noite do último dia 9, em São Paulo. Segundo os organizadores, a premiação existe desde 2001 e visa promover o jornalismo ambiental no país, fomentar a produção de reportagens sobre a Mata Atlântica e reconhecer a excelência profissional de jornalistas que cobrem temas ambientais. A iniciativa conta com patrocínio da Bradesco Capitalização e apoio da TAM. Em “Paraty está aqui”, Silvio Anunciação retrata o trabalho desenvolvido neste município fluminense pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Arte e Ciências (Lepac), que envolve compensação de carbono, reflorestamento, educação ambiental e projetos sociais e sustentáveis. Um exemplo das iniciativas do Lepac, que é ligado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) da Unicamp, está na criação de corredores ecológicos na região de quilombos para atenuar a degradação da Mata Atlântica. A categoria Jornal Impresso teve 43 reportagens inscritas e a primeira colo-

Foto: Antoninho Perri

O repórter Silvio Anunciação (centro) recebe o prêmio em cerimônia realizada no último dia 9, em São Paulo

cada foi Giovana Girardi, do jornal O Estado de S. Paulo, com a matéria “Cacau tenta renascer com lema de protetor da Mata Atlântica” (publicada em julho de 2012); a segunda colocação ficou com Suzana Fonseca Lopes, da Tribuna de Santos, com “Expulsos do Paraíso” (junho

de 2012). Ao todo, o Prêmio de Reportagem sobre a Mata Atlântica recebeu 108 inscrições, somadas as 36 reportagens na categoria Televisão e 29 matérias na categoria Revista. Em Televisão, a vencedora foi Claudia Tavares, do programa Repórter Eco, da

TV Cultura, com a reportagem “Serviços Ambientais” (exibida em maio de 2012); o segundo colocado foi Luiz Antonio Malavolta, da Rede Record, com “Máfia transforma o palmito da Mata Atlântica em algo altamente lucrativo” (fevereiro de 2013); e em terceiro ficou Silvia Martinez, do programa Good News, da Rede TV!, com “Mico Leão Dourado” (março de 2013). O vencedor na categoria Revista foi André Gomes Julião, da National Geographic, com a matéria “Ilha do medo” (publicada em maio de 2012); na segunda colocação, Liana John, também da National Geographic, com “Os bons frutos da Economia Verde” (junho de 2012); e em terceiro lugar, Maria Guimarães, da revista Pesquisa Fapesp, com “Ramificações ancestrais” (julho de 2012). Os três vencedores de cada categoria receberam uma premiação em dinheiro (R$ 10 mil, R$ 5 mil e R$ 2,5 mil), um certificado e um troféu artesanal feito de algodão e madeira caída na floresta. Na cerimônia de quarta-feira foi homenageado ainda o ganhador da Menção Honrosa Marinha, depois de votação online que elegeu o veículo de comunicação que mais se destacou na cobertura de temas ligados à conservação do mar e da costa brasileiros. A escolhida foi a TV Globo, com o prêmio sendo recebido por Ernesto Paglia, da série Globo Mar. Os outros veículos votados foram O Eco, da internet, o jornal O Estado de S. Paulo, a rádio Estadão e a revista Horizonte Geográfico. (Luiz Sugimoto)


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Técnica obtém reaproveitamento de ferramentas que viram sucata Bedames são utilizados para corte de buchas constituídas de ferro fundido CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

esquisa desenvolveu alternativa para reaproveitamento de bedames, assim chamadas as ferramentas utilizadas na usinagem de peças e que, depois da vida útil, viram sucata. O trabalho se ateve mais especificamente ao desenvolvimento de projeto economicamente viável de reaproveitamento de bedames utilizados para corte de buchas constituídas de ferro fundido nodular. O bedame estudado é utilizado para o corte necessário para separar a bucha pronta da extremidade que a prende ao torno. A pesquisa, que deu origem à dissertação sobre o reaproveitamento de bedames intercambiáveis, foi orientada pelo professor Amauri Hassui, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, e realizada por Márcio Alexandre Gonçalves Machado na indústria metalúrgica BGL Ltda., em que atuava como gerente de usinagem. Sabe-se que atualmente a competitividade das empresas traz riscos de sobrevivência. Uma forma de enfrentá-los é diminuir custos de produção, busca que se torna um desafio constante nas indústrias, já que envolve tanto os processos de fabricação quanto a escolha dos materiais utilizados. Em relação aos processos, um fator que tem peso direto na redução de custos é o desenvolvimento de melhores ferramentas de corte, de maneira a diminuir o tempo do processo de produção e espaçar as paradas de máquinas com a utilização de ferramentas com vidas mais longas. Por sua vez, os materiais também assumem importância na composição dos custos. Esse parâmetro tem ampliado o emprego dos ferros fundidos entres os materiais usados nas indústrias metal-mecânicas porque, com ponto de fusão inferior ao dos aços, consomem menos energia de fabricação. Além disso, as exigências das legislações ambientais em relação à redução das emissões de gases têm levado à seleção de materiais mais leves e determinado a crescente utilização de ferros fundidos na manufatura. Assim é que os ferros fundidos cinzento e nodular respondem por aproximadamente 67% dos produtos fundidos no mundo. Por seu lado, o ferro fundido nodular apresenta melhores propriedades mecânicas que o ferro fundido cinzento e o tem substituído em muitas aplicações. Nos processos de usinagem são utilizadas as mesmas ferramentas para os ferros fundidos nodulares e cinzentos, porém o primeiro é um material dúctil, diferente do segundo, que é frágil. Isso implica em um comportamento diferente na usinagem, evidenciando que cabe neste caso, uma melhor adequação das ferramentas de corte. Diante deste quadro, Marcio Alexandre realizou um estudo sobre a viabilidade do reaproveitamento de um modelo de pastilha intercambiável para utilização específica no corte de buchas de ferro fundido nodular. Paralelamente, ele avaliou a influência da velocidade de corte, do avanço e da concentração do fluido de corte na vida dos bedames.

Em vista desta constatação, o objetivo primeiro do estudo desenvolvido por ele foi especificamente a redução de custos na indústria metalúrgica em que trabalhava e que confecciona buchas e acessórios para rolamentos. São peças standards, de dimensões padrões, que constam dos catálogos, e intercambiáveis, a exemplo de porcas e parafusos. Na indústria em que a pesquisa foi desenvolvida os bedames utilizados, que são ferramentas de corte, têm uma participação alta no custo das buchas produzidas, razão porque sobre eles se concentrou o estudo. Constituem ferramentas de alta tecnologia, altamente consumíveis, fabricadas por empresas multinacionais e normalmente não reutilizáveis depois do desgaste de seus dois bicos. E são as mais caras nesse processo de produção. O que ele se propôs na pesquisa foi exatamente a recuperação dos dois bicos para reutilização da ferramenta que seria enviada para sucata, o que além de gerar economia, contribui para preservação do meio ambiente e das jazidas de titânio, tungstênio e tântalo, elementos utilizados na sua constituição. Marcio Alexandre lembra que a ideia do reaproveitamento da ferramenta surgiu com a observação do que se faz com brocas que, depois de desgastadas, recebem afiação que lhes garante ainda certo tempo de uso. Essa ideia e a pressão da indústria pela redução de custos o levaram, como gerente de usinagem, a procurar caminhos mais econômicos. Propôs-se, então a estudar o problema através do mestrado na expectativa de chegar a bons resultados. Vencida a vida útil de uma ferramenta, o pesquisador considerou quatro tipos de geometrias de afiações visando escolher o modelo que oferecesse melhor resultado na sua recuperação. Ao (re)afiá-la retirou as superfícies desgastadas e aplicou quatro tipos de revestimentos adequados ao aumento da vida útil e comparou a eficiência destes bedames restaurados com os novos. A principal condição esperada era a de que os bedames afiados não deveriam interferir no processo de usinagem, ou seja, tanto as condições de corte como a vida da ferramenta deveriam ser mantidas ou melhoradas quando comparadas às ferramentas novas. Além disso, os custos das operações relacionadas à afiação e ao revestimento deveriam compensar a substituição pelas ferramentas novas. Os resultados mostraram a viabilidade econômica da afiação dos beda-

mes, que possibilitaram uma economia de cerca de 20% nos gastos mensais da empresa com ferramentas de corte.

PULO DO GATO

Para Marcio Alexandre o pulo do gato foi descobrir a adequação da melhor afiação em relação ao material que seria trabalhado, o ferro fundido nodular. Tanto a afiação como o revestimento foram realizados com base no material a ser usinado. “Levamos em conta as propriedades intrínsecas do material, de forma a moldar a afiação às suas características. Isso foi feito inclusive em relação ao revestimento e conseguimos até maior eficiência fugindo do revestimento mais caro, empregado originalmente na ferramenta”, conta ele. Um dos artigos que teve oportunidade de consultar, durante o desenvolvimento da dissertação, chamou a sua atenção para o fato da afiação ser muito pouco explorada para aumentar a vida útil de ferramentas de corte. Ele procurou então explorar as variáveis envolvendo afiação, características do material usinado, tipos de revestimentos, preocupação com a redução de custos e cuidados com a preservação e agressão ao meio ambiente. Em relação ao ferro fundido, nodular a ferramenta recuperada superou em 100% a vida útil da ferramenta nova. Enquanto esta durava meio dia de trabalho contínuo, aquela superou um dia e chegou a ser utilizada até por um dia e meio. Márcio Alexandre lembra que a ideia inicial não parecia factível, pois as empresas especializadas, que fabricam as ferramentas, recomendam seu descarte depois de vencida a vida útil. Para ele, o resultado alcançado mostra que sempre existem saídas, basta procurá-las. A propósito, ele conta que iniciou as pesquisas dentro da empresa sob orientação do professor Amauri Hassui e o projeto foi evoluindo à medida que surgiam bons resultados: “Já na primeira afiação, sem critérios ainda bem definidos, conseguimos uma vida de 60% em relação a uma ferramenta nova, mesmo não utilizando revestimento. Depois, com base nos conhecimentos advindos do mestrado e com o emprego de revestimentos, atingimos resultados ótimos, que levaram a empresa a conseguir substancial economia na produção”. A vivência deste processo o leva a considerar que a questão da redução de custos envolve uma busca que precisa ser constante, pois mesmo quando se pensa ter chegado ao limite é possível descobrir brechas que permitem avanços.

A afiação de ferramentas é processo muito antigo, embora pouco utilizado em pastilhas intercambiáveis, e mesmo quando empregada o é de formas não recomendadas pelos fabricantes, o que pode originar problemas durante a usinagem. A utilização de critérios objetivos, como o estudo dos tipos de desgaste, utilizando microscópio de varredura e conhecimento teórico, possibilita inclusive criar uma metodologia para afiação de ferramentas, segundo ele.

CONTRIBUIÇÕES Marcio Alexandre destaca a contribuição da empresa, em que era gerente de usinagem, que o apoiou integralmente no desenvolvimento do projeto e na realização do mestrado na Unicamp, liberando-o do trabalho durante um dia da semana. “Nunca tive restrição nenhuma para prosseguir com o mestrado e só recebi incentivo da empresa”, enfatiza. Para ele o desenvolvimento do estudo não teria sido possível no chão de fábrica, em que não se encontra tempo para pensar, pois os técnicos e engenheiros são muito cobrados em termos de resultados. No seu caso, o trabalho de pesquisa foi evoluindo dentro do processo: “Você é obrigado a parar, estudar, pesquisar, procurar entender o que está acontecendo, o que na indústria em geral é visto como desnecessário, como enrolação. Entendo que o tempo para pensar facilita a chegada a resultados palpáveis. Na correria do dia a dia não se consegue explorar um problema e já se está partido para outro. A empresa me deu espaço para contornar essas dificuldades”. Em relação à universidade o pesquisador defende a necessidade de que ela esteja bem próxima do que acontece no mundo real. Julga que as informações que recebeu no mestrado serviram para somar na busca dos melhores resultados e que neste aspecto a universidade tem papel bastante importante no desenvolvimento industrial. Ele acredita que o conhecimento adquirido é importante desde que bem direcionado e aproveitado: “Meu trabalho não teria sido viável sem o conhecimento teórico que adquiri durante o mestrado e sem minha prática profissional. O desenvolvimento se dá com a junção da experiência prática e do conhecimento teórico. Entendo que nenhum dos dois sozinhos permitiria chegar aonde chegamos. Além do que na academia o pesquisador tem acesso ao conhecimento teórico e aprende a desenvolver uma metodologia de trabalho”. Foto: Antoninho Perri

PROCESSO

Embora verdadeira, a constatação de que estão subjacentes nas preocupações da indústria os aspectos tecnológicos e de desenvolvimento, também não há duvidas de que no fundo o que se espera de seus tecnólogos e engenheiros é a redução de custos de produção, lembra o pesquisador.

Publicação Dissertação: “Reaproveitamento de bedames intercambiáveis” Autor: Márcio Alexandre Gonçalves Machado Orientador: Amauri Hassui Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) Márcio Alexandre Gonçalves Machado, autor da dissertação: “Levamos em conta as propriedades intrínsecas do material”


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Foto: Reprodução

Campinas, 21 a 27 de outubro de 2013

O homem dividido e

uma tradução

por inteiro LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ittorio Alfieri (1749-1803) é um tragediógrafo italiano pouco conhecido no Brasil, desconhecimento que se deve em boa parte a uma obra propositadamente de difícil compreensão, construída com um italiano estranho aos próprios italianos e cuja tradução para o português representa um desafio. Mais ainda quando se traduz a versão do autor para Antígona de Sófocles, considerada não apenas a melhor tragédia grega, mas também a obra de arte mais próxima da perfeição entre todas as produzidas pelo gênero humano. “Antigone de Vittorio Alfieri: uma tradução” é a dissertação de mestrado de Nádia Jorge Berriel, orientada pela professora Suzi Frankl Sperber e apresentada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). “A versão italiana desta tragédia, escrita em 1776, revela inquietações artísticas e particularidades linguísticas tanto no âmbito político quanto no que se refere à cultura e ao idioma italiano, e que refletem o período que antecede o Risorgimento – movimento que buscou, entre 1815 e 1870, unificar a Itália, que era então uma coleção de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras, fato que a enfraquecia frente às demais nações europeias”, informa a autora do trabalho. Nádia Berriel também apresenta um perfil biográfico do tragediógrafo, a partir de sua autobiografia e de estudos sobre sua obra e seu envolvimento com movimentos políticos. “Alfieri é do Piemonte [norte da Itália] e tinha como língua originária o francês. Foi defensor ardoroso da Revolução Francesa, pela qual lutou no início, até a eclosão do período de terror que o fez temer pelos rumos do movimento e fugir da França para não ser decapitado. Voltou para Piemonte e se instalou depois na Toscana, começando a estudar o idioma de Florença, que era o italiano mais próximo do que temos hoje.” A pesquisadora observa que Alfieri vive justamente este período subitamente anterior ao Risorgimento, em que a Itália desunificada não foi capaz, por exemplo, de conquistar colônias no resto do mundo, o que fortaleceu países da Península Ibérica, como Portugal e Espanha, e a Inglaterra. “Alfieri procura, então, juntar as culturas da Península Itálica em uma só, acreditando que unida por meio de valores comuns, e sobretudo de uma língua comum, a Itália poderia se tornar nação e restaurar a glória do passado.” Foto: Antoninho Perri

A atriz Nádia Jorge Berriel, autora da dissertação: “Antígona retrata o homem que não consegue mais ser inteiro”

De acordo com Nádia Berriel, a Itália possuía sociedades que estavam perdendo a característica rural e se tornando mais urbanas – a mesma cisão social que se vê em Antígona. “Alfieri também era extremamente crítico em relação aos italianos da época, vendo-os como ‘enfraquecidos’ que gostavam apenas de óperas farsescas, quando deveriam ser políticos e fortes em suas crenças. Alegando que a Itália precisava endurecer, decidiu criar tragédias que exigiam grande esforço intelectual para serem assistidas e entendidas.” A autora da dissertação conta que Vittorio Alfieri veio inclusive a encenar sua versão de Antígona em Roma, em 1782, interpretando ele próprio a personagem Creonte, com o restante do elenco formado por atores diletantes, membros da nobreza. “Alfieri apresenta algumas das grandes questões da humanidade presentes tanto na Itália do Settecento quanto nos dias de hoje, como por exemplo: o direito privado versus o direito público, o amor pela família e o dever para com ela e pelo Estado, a incomunicabilidade e o que seria a arethé (virtude que cabe a cada um) da mulher e do político.” Segundo a pesquisadora, a Antígona de Sófocles, embora jamais tenha sido esquecida, teve seu brilho esmaecido pelas interpretações de Freud sobre o mito e a tragédia de Édipo. “As primeiras traduções da peça surgiram por volta de 1530. Durante o século em que Antígona foi a tragédia grega mais celebrada na Europa (entre 1790 e 1905), houve uma enorme produção de novas peças sobre essa personagem e esse tema. Sabe-se que mais de trinta peças líricas sobre o tema de Antígona foram compostas, desde o Creonte de Alessandro Scarlatti, em 1699, até a Antigone de Francesco Basili, em 1799.”

A TRAGÉDIA INESQUECÍVEL

Na tragédia original, Édipo é levado pelo desígnio dos deuses a matar o pai, e tornase assim rei de Tebas, mantendo, sem saber, uma relação incestuosa com a mãe Jocasta. Descoberto o parentesco do rei tirano com seu pai, Édipo é exilado de Tebas. Ao trono deveriam subir os filhos homens de Édipo, Etéocles e Polinices, alternando-se no poder. Mas Eteócles, o primeiro a reinar, recusa-se a passar o cetro a Polinices, que, irado, une-se ao rei da cidade inimiga de Argos para um ataque contra Tebas. Na guerra, os dois irmãos acabam se matando. O confronto entre Eteócles e Polinices, na verdade, havia sido ardilosamente articulado pelo tio Creonte, que assim assume o poder. A Eteócles, por ter lutado pela pátriamãe, Creonte ordenou um enterro envolto com todas as honras; quanto a Polinices, que o corpo fosse largado nos portões de Tebas, com pena de morte para quem providenciasse rituais fúnebres. A crença era que a alma de um insepulto ficaria vagando pela terra, o que representava uma ofensa aos deuses, à família e à pátria. É nesse momento que Antígona, irmã de Eteócles e Polinices, entra em cena para fazer valer sua arethé – a virtude que lhe cabe de proteger os valores sacros e familiares. Desafiando o decreto do rei, a heroína resgata o corpo de Polinices a fim de cremá-lo na pira, com ajuda da viúva. Mas ambas são descobertas pelos soldados de Creonte, que condena Antígona a morrer enterrada viva. Enquanto isso, Hémon, filho do tirano, fracassa na tentativa de conseguir o perdão do pai para a mulher com quem se casaria. “A riqueza da peça está no embate entre Creonte, defendendo os valores da pólis [a cidade-estado da Grécia Antiga], e Antígona, defendendo os valores tradicionais, familiares e religiosos. Os dois têm seus moti-

O tragediógrafo italiano Vittorio Alfieri: inquietações artísticas e particularidades linguísticas

vos, fazendo o que pede a arethé de cada um. Não há solução para esse conflito”, afirma Nádia Berriel. “Quando Hémon corre até o campo para onde fora enviada a amada, encontra Antígona morta. E Hémon se mata na frente do pai, que se arrepende do excesso, compreendendo que a sabedoria só vem no infortúnio, e quando já é tarde. Esse é o final da peça.” Na opinião da autora da dissertação, Antígona é uma tragédia reveladora de um mundo em cisão, no momento em que a vida em comunidade em Atenas dava espaço para algo novo. “Se antes os valores tradicionais e os valores da pólis caminhavam juntos, naquele mundo em transformação o direito privado e o direito público não mais se completam e, sim, se conflitam. É possível repercutir esse conflito ao longo da história, até os dias de hoje, quando a nossa ética bate de frente com a fachada que precisamos assumir frente à sociedade. Antígona retrata o homem que não consegue mais ser inteiro.”

O DESAFIO DA TRADUÇÃO

O conhecimento que Nádia Berriel possui do idioma italiano vem desde adolescente, quando morou em Florença com a família. No curso de artes cênicas na Unicamp, sua peça de formatura foi uma adaptação de Antígona de Sófocles e, depois de se deparar com um texto de Antigone de Alfieri, durante estágio com uma companhia teatral na Itália, ela resolveu retomar o estudo do italiano já enferrujado. “Uma das muitas dificuldades para a tradução é que o italiano de Alfieri não é falado por ninguém, ele praticamente criou uma língua. São palavras antigas, cujo sentido eu não encontrei nos dicionários italianos e tive que buscar, por exemplo, no italiano dantesco de A Divina Comédia.” O autor settecentista, comenta a pesquisadora, foi provavelmente o dramaturgo que possuía maior compreensão da função da palavra na espacialidade teatral de sua época, utilizando-se do ritmo – talvez tanto quanto dos temas – para a construção das tensões de cena. “Alfieri escreveu em hendecassílabos, dificultando ainda mais a tradução. Em italiano, por vezes é possível cortar a última sílaba e a palavra continua a fazer sentido; em português, não. Por isso, ficou difícil manter a sonoridade, preservando o sentido e a poesia. Fiz o máximo possível e, em alguns momentos, consegui; em outros, ainda preciso trabalhar mais.” Nádia Berriel afirma que a obra de Vittorio Alfieri é muito estudada na Itália e de leitura obrigatória inclusive para estudantes de ensino médio, mas pouco conhecida no Brasil, o que atribui à inexistência de traduções. “Conheço apenas uma tradução para o português, e não se trata de uma tragédia. Fiz esse esforço porque gostei muito de Antigone. É um autor muito potente e seria maravilhoso se montássemos essa tragédia. Vou testar como a peça funcionaria no Brasil, numa leitura dramática no Instituto Cultural Capobianco, em outubro. Quero começar a mostrar o texto para, quem sabe, encená-lo dentro de um ano ou dois.”

Trecho da tradução da cena II, ato II... CREONTE Teu este trono? Infames, Filhos de incesto, a vós à morte o direito, Não ao reino, resta. Prova atroz De tal não são os ímpios irmãos, agora há pouco Um do outro assassino?... ANTÍGONA Ímpio tu, vil, Que os empurrava aos golpes execráveis. – Sim, do próprio irmão nascer filhos, Crime é nosso; mas com nós a pena Estava já, em nascer de ti sobrinhos. Ministro tu da nefanda guerra, Tu nutridor dos ódios, somar fogo Ao fogo planejavas; adulador de um, O outro instigavas, e os traia a ambos. O caminho assim tu te desobstruías ao trono. E à infâmia.

... e seu equivalente no texto original CREONTE Tuo questo trono? Infami Figli d’incesto, a voi di morte il dritto, Non di regno, rimane. Atroce prova Di ciò non fer gli empi fratelli, or dianzi L’un dell’altro uccisore?... ANTÍGONA Empio tu, vile, Che lor spingevi ai colpi scellerati. Sì, del proprio fratello nascer figli, Delitto è nostro; ma con noi la pena Stavane già, nel nascerti nepoti. Ministro tu della nefanda guerra, Tu nutritor degli odi, aggiunger fuoco Al fuoco ardivi; adulator dell’uno, L’altro instigavi, e li tradivi entrambi. La via così tu ti sgombrasti al soglio, Ed alla infamia.

Publicação Dissertação: “Antigone de Vittorio Alfieri: uma tradução” Autora: Nádia Jorge Berriel Orientadora: Suzi Frankl Sperber Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)


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