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Fotos: Antonio Scarpinetti / Antoninho Perri

VISÕES DO ALÉM-MAR Os professores visitantes Elísio Estanque (esq.) e Susana Durão (dir.), ambos portugueses, estão à frente de projetos de pesquisa desenvolvidos na Unicamp. Estanque investiga as novas relações trabalhistas e sindicais em economias globalizadas, enquanto Susana estuda a formação, treinamento e profissionalização de forças policiais.

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Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013 - ANO XXVII - Nº 584 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

IMPRESSO ESPECIAL

9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Divulgação

Um meteorito caiu aqui A queda de um meteorito, há centenas de milhões de anos, originou a cratera denominada Serra da Cangalha (foto), que tem cerca de 13 quilômetros de diâmetro e está situada no município de Campos Lindos (TO). Foi o que concluiu a tese de doutorado do geólogo Marcos Alberto Rodrigues Vasconcelos. O estudo, que teve orientação do professor Alvaro Penteado Crósta, recebeu o Prêmio Capes de Tese 2013, na área de Geociências.

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Método aponta o sexo de aves

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Sólidos conseguem capturar CO2 do ar

Falta de apoio atinge jogadoras de futebol Imagens norteiam busca por poços de petróleo

Cão foi domesticado na Europa, aponta estudo Aquecimento: sol e raios cósmicos são ‘inocentados’ ‘Pegada’ subestima degradação ambiental

TELESCÓPIO

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Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Royal Belgian Institute of Natural Sciences/ Divulgação

DNA indica que cão foi domesticado na Europa A transformação de lobos ferozes em cães brincalhões, por obra da ação humana, teve início na Europa, entre 19.000 e 32.000 anos atrás, diz uma análise que comparou o DNA mitocondrial (mDNA) de cães e lobos modernos a material colhido de fósseis caninos com milhares de anos de idade. O estudo, realizado por uma equipe internacional de cientistas – incluindo pesquisadores da Alemanha, Rússia, Finlândia, Bélgica, Espanha, Argentina e EUA – está publicado na edição da última semana da revista Science. O trabalho indica que todos os cães modernos pertencem a uma de quatro clades – como são chamados os grupos formados por um ancestral original e todos os seus descendentes, que podem ser descritos como ramos inteiros da árvore genealógica da espécie. Mais de 60% das sequências de mDNA dos cães atuais, incluindo dos dingos da Austrália, de algumas raças chinesas e de espécimes do Novo Mundo, que chegaram às Américas junto com os primeiros humanos a pisar no continente, pertencem a uma dessas clades, chamada de clade A, que tem parentesco com lobos que viviam na Suíça há cerca de 32.000 anos. As demais clades também têm parentesco com lobos da Suíça, Alemanha e Ucrânia. “Criticamente, nenhuma das sequências de lobos modernos de outros possíveis centros de origem, como Oriente Médio (Arábia Saudita, Omã, Israel, Irã e Índia) ou Ásia Oriental (China, Japão, Mongólia) mostra afinidade próxima com as clades modernas de cães”, escrevem os autores. Esses resultados sugerem que os cães teriam sido domesticados originalmente por grupos de caçadores-coletores nômades e não, como se supunha, por comunidades agrícolas já estabelecidas.

‘Pegada ecológica’ humana em debate O indicador conhecido como “pegada ecológica” (PE), que busca medir quanto da capacidade biológica da Terra está sendo usada pela humanidade, não serve para orientar políticas públicas porque subestima a degradação ambiental causada pela atividade agrícola, pela pesca e pela urbanização, entre outros fatores, diz artigo publicado na edição de novembro do periódico online PLoS Biology. De acordo com os autores da crítica, a pegada ecológica depende demais do balanço de emissões de CO2, o que distorce o índice. “Baseado numa interpretação lógica da metodologia da PE, se menos da metade da área dos EUA fosse plantada com eucalipto” o déficit ecológico da humanidade despareceria, diz o artigo, ao argumentar que o indicador não reflete a realidade. Os críticos concluem que a pegada ecológica, usada em relatórios de organismos como a ONG WWF e as Nações Unidas, é inútil para “qualquer uso sério em ciência ou política”. Na mesma edição da PLoS, os idealizadores da metodologia da PE, mesmo reconhecendo as limitações do indicador, defendem-no e reafirmam sua utilidade, especialmente, para governantes de cidades e países. “As estimativas da pegada são conservadoras, já que limitações dos dados impedem ajustes consistentes para dar conta da super-exploração de ecos-

Crânio de lobo belga de 26.000 anos atrás, usado no estudo sobre a domesticação dos cães

sistemas (...) No entanto, constituem a avaliação mais completa disponível do estado ecológico das nações”. De acordo com a mais recente estimativa global da PE, hoje a humanidade vive com um déficit ecológico de 50%: é como se estivéssemos usando um planeta Terra e meio para suprir nossas necessidades.

Critérios mais rígidos para a ciência Um princípio fundamental da ciência é a reprodutibilidade: pesquisadores diferentes, usando os mesmos métodos e materiais, devem ser capazes de chegar ao mesmo resultado. É essa reprodutibilidade que permite, entre outras coisas, a conversão de ciência em tecnologia: os mesmos princípios que permitem que uma máquina funcione na França também devem garantir que um mecanismo semelhante funcione da mesma forma no Brasil ou na China. Recentemente, no entanto, vários estudiosos vêm notando um aumento na quantidade de resultados que entram na literatura científica e que acabam fracassando no teste da reprodução. “A aparente falta de reprodutibilidade ameaça a credibilidade do empreendimento científico”, diz artigo do estatístico Valen E. Johnson, da Universidade Texas A&M, publicado no periódico PNAS. “Infelizmente, a preocupação com a nãoreprodutibilidade de estudos científicos tornou-se tão ampla que um website, Retraction Watch, foi criado para monitorar o grande número de artigos retratados, e a metodologia para detectar estudos defeituosos já se tornou quase uma disciplina científica independente”. Para reduzir o problema, Johnson sugere, com base em argumentos estatísticos e da teoria da probabilidade, que o critério mais comumente usado para determinar se um resultado merece ser considerado significativo é generoso demais. Hoje em dia, muitas disciplinas consideram resultados significativos se a chance de eles terem sido produzidos por mero acaso for de 5% ou menos. Pelos cálculos de Johnson, o ideal seria que o nível de significância fosse reduzido a 0,05% ou 0,01%, o que impediria a publicação de muitos dos resultados falsos – e, por isso mesmo, impossíveis de reproduzir – que aparecem na literatura atual.

Eucalipto detecta reservas de ouro Cientistas australianos descobriram que árvores de eucalipto são capazes de absorver partículas de ouro do subsolo e depositá-las nas próprias folhas, o que abre caminho para o uso dessas plantas na prospecção do metal. O estudo que descreve esse resultado foi publicado, no fim de outubro, no periódico online Nature Communications. De acordo com nota distribuída pela organização de fomento à pesquisa científica da Austrália, CSIRO, as “pepitas” de ouro acumuladas nas folhas das árvores têm diâmetro menor que um fio de cabelo. Os eucaliptos absorvem o ouro pela raiz, junto com a água que extraem do subsolo, a dezenas de metros de profundidade.

Sol e raios cósmicos são inocentes da mudança climática Apenas 10%, no máximo, do aquecimento global registrado desde a revolução industrial pode ser atribuído à atividade do Sol ou a raios cósmicos, afirma artigo publicado no periódico Environmental Research Letters, de autoria de dois cientistas britânicos, Terry Sloan, da Universidade de Lancaster, e Sir Arnold Wolfendale, da Universidade de Durham. Os pesquisadores testaram algumas hipóteses sobre causas da mudança climática que apontavam para fenômenos diferentes da acumulação de dióxido de carbono na atmosfera, que é considerada o fator mais importante pela maioria dos especialistas. Um dos efeitos testados foi a influência dos raios cósmicos, partículas de alta energia que entram na atmosfera vindas do espaço, na formação de nuvens. A hipótese analisada diz que, em períodos de alta atividade solar, os raios cósmicos são bloqueados no espaço, antes de chegar à Terra, e com isso menos nuvens se formam, o que favoreceria o aquecimento. Para checar a validade da ideia, Sloan e Wolfendale compararam dados sobre a entrada de raios cósmicos na atmosfera com o registro da temperatura global desde

1955. Encontraram uma pequena correlação, num ciclo de 22 anos, mas a mudança no fluxo de raios cósmicos acontecia de um a dois anos depois da mudança de temperatura – o que sugere que as temperaturas estavam reagindo diretamente ao Sol, e não à radiação cósmica. Uma revisão de outros estudos mostrou que a influência do Sol no aquecimento global, fosse diretamente ou por meio do bloqueio de raios cósmicos, não poderia superar 10% do aquecimento registrado. Os autores concluíram ainda que tentativas de usar evidências da paleontologia para ligar raios cósmicos ao clima do passado distante são “fracas e confusas”.

É o contexto que faz o sorriso Em apresentação feita na 43ª reunião anual da Sociedade de Neurociência dos Estados Unidos, pesquisadores anunciaram ter descoberto neurônios da amígdala – uma estrutura do interior do cérebro – que distinguem entre a visão de um sorriso e a de um rosto assustado. Para encontrar esses neurônios, os autores inseriram eletrodos na amígdala de sete pacientes epiléticos que se preparavam para passar por cirurgia cerebral, e mostraram-lhes fotos com os dois tipos de expressão, além de algumas imagens propositalmente ambíguas. Os resultados indicam, no entanto, que a distinção feita pela amígdala depende tanto do que o resto do cérebro está pensando – do contexto mental da imagem – quanto do estímulo visual direto. “As descobertas sugerem que os neurônios da amígdala respondem ao juízo subjetivo da expressão facial, e não às características visuais dos rostos”, diz nota sobre a apresentação, divulgada online pela revista Science. Essa conclusão, de que a amígdala coopera com outras áreas do cérebro para criar um contexto interpretativo para a imagem, é reforçada pelo dado de que a reação celular persiste por um bom tempo, mesmo depois de as fotos usadas como estímulo terem sido removidas do campo visual.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Ítala Maria Loffredo D’Ottaviano Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

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Estudo identifica cratera

Foto: Divulgação

O pesquisador Marcos Vasconcelos no colar da cratera Serra da Cangalha, em Tocantins: apesar da erosão, dois círculos concêntricos de montanhas ainda estão bem delineados

de origem meteorítica em TO MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

cratera denominada Serra da Cangalha, com aproximadamente 13 quilômetros de diâmetro, situada no município de Campos Lindos (TO), foi criada pelo impacto de um meteorito, ocorrido há centenas de milhões de anos. A conclusão é da tese de doutorado do geólogo Marcos Alberto Rodrigues Vasconcelos, defendida em 2012 no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, sob a orientação do professor Alvaro Penteado Crósta. A pesquisa, que utilizou pela primeira vez no Brasil modelagem matemática para a identificação desse tipo de estrutura, recebeu o Prêmio Capes de Tese 2013, na área de Geociências. O autor do trabalho contou com bolsa fornecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em sua tese, Vasconcelos analisou outras três estruturas circulares também localizadas na Bacia Sedimentar do Parnaíba: Riachão, Santa Marta e São Miguel do Tapuio. Destas, a primeira foi também comprovada como de origem meteorítica no mestrado de outra orientanda do professor Crósta, Mariana Maziviero. Quanto à segunda, o grupo comprovou recentemente sua origem por impacto, como parte dos estudos de pósdoutorado de Vasconcelos, iniciado no ano passado. Já a terceira, indica o trabalho, não apresenta atributos compatíveis com os de uma cratera aberta pela queda de meteorito. De acordo com o professor Crósta, a iniciativa de investigar a origem dessas estruturas circulares decorre do trabalho do seu grupo de pesquisa, que trabalha com a identificação e o estudo de crateras meteoríticas. O docente explica que duas delas [Serra da Cangalha, no Tocantins, e Riachão, no Maranhão, separadas por somente 45 quilômetros] haviam sido estudas na década de 1980 pelo pesquisador norte-americano John McHone, mas ele não chegou a estabelecer evidências conclusivas quanto ao processo que as formou. Inicialmente, Vasconcelos trabalharia apenas com ambas, mas posteriormente incluiu Santa Marta, no Piauí, na pesquisa. Esta última nunca havia sido analisada no sentido de elucidar sua origem. A etapa inicial da pesquisa, conforme Vasconcelos, compreendeu o levantamento de dados geofísicos, coletados por avião. O objetivo do procedimento foi analisar a assinatura geofísica das crateras para comparála com a de outras estruturas de impacto. “Nós conseguimos caracterizar essas assinaturas e as comparamos com as de outras crateras existentes em vários outros países, para apurar indícios da origem. Esse trabalho rendeu um primeiro artigo, que publicamos na forma de capítulo de livro editado pela Geological Society of America. A partir daí, partimos para a coleta de outros dados. Fomos a campo para obter informações geofísicas, como o campo de gravidade local. Além disso, analisamos as assinaturas de forma mais detalhada, especificamente as das Serra da Cangalha e Riachão”, pormenoriza o autor da tese. Um dos procedimentos adotados pelo autor da tese foi o que os técnicos classificam de busca por feições diagnósticas que possam comprovar a origem da cratera. Dito de maneira simplificada, o que o geólogo fez foi procurar inicialmente rochas que teriam sido deformadas pelo impacto de um meteorito. Estas, por terem sido submetidas a condições de altíssima pressão e temperatura, deformam-se seguindo um determinado pa-

Estrutura tem 13 km de diâmetro e foi criada pelo impacto de um bólido que teria 1,4 km de diâmetro e viajava a 12 km/s drão [apresentam, por exemplo, fraturas com formas cônicas]. “Nenhum processo tectônico é capaz de provocar esse tipo de estrutura. Nós demos sorte de encontrar essas feições logo na primeira visita de campo em Serra da Cangalha”, esclarece Vasconcelos. Outro tipo de feição investigada pelo pesquisador, e que ajuda a entender como a cratera foi formada, refere-se à ocorrência de um tipo de rocha. “Com o impacto de um meteorito, as rochas são jogadas para cima, e ao retornarem à superfície se misturam e formam uma nova rocha. Nós conseguimos identificar esse material, denominado de brechas de impacto”, diz Vasconcelos. Depois de cruzar e analisar toda essa massa de dados, ele utilizou pela primeira vez no Brasil o recursos da modelagem matemática para mensurar parâmetros físicos da estrutura meteorítica. O objetivo, nesse caso, foi simular algumas variáveis que teriam ocorrido no momento do impacto do bólido com o solo terrestre. “Para usar a ferramenta, o Marcos Vasconcelos teve que cumprir um período de estágio na Alemanha, no Museu de História Natural de Berlim, e também contar com a colaboração de pesquisadores do Imperial College, de Londres”, informa o professor Crósta. De acordo com os cálculos feitos pelo autor da tese com base nas evidências levantadas, o meteorito que atingiu a Serra da Cangalha tinha 1,4 km de diâmetro e viajava a uma velocidade de 12 km por segundo. O professor Crósta observa que não foi possível estimar a data aproximada do impacto porque faltavam elementos para isso. “Para fazer a datação, nós precisaríamos coletar rochas que foram derretidas pela pressão e calor do impacto. Como a cratera se encontra bastante erodida, esse material, que possivelmente estava na superfície, deve ter se perdido há milhões de anos”, cogita.

Fotos: Antonio Scarpinetti

O professor Alvaro Crósta, orientador da pesquisa: trabalho contribui para o avanço do conhecimento acerca da evolução da superfície do planeta

AVANÇO DO CONHECIMENTO

Para o orientador da pesquisa, a identificação de crateras meteoríticas é importante porque contribui para o avanço do conhecimento acerca da evolução da superfície do planeta, em particular no que se refere à parte que hoje é o território brasileiro. O professor Crósta lembra que o conhecimento geológico tem passado por revoluções ao longo do tempo. Uma delas ocorreu em meados do século passado, com o advento da teoria da tectônica de placas. Até então, os cientistas não faziam ideia de que os continentes estavam em constante movimento. Outra revolução teve início nos anos 1970 e se consolidou nos anos 1990. Esta tem relação com a ideia de que os planetas podem ter a sua evolução influenciada pelo intenso bombardeio que sofrem de corpos celestes. No caso da Terra, essa influência teria sido radical no passado remoto. Exemplo disso foi o impacto de um grande meteorito ocorrido há 65 milhões de anos na Península de Yucatán, no México, que gerou uma cratera com cerca de 180 km de diâmetro. Esse evento teria sido o responsável pela extinção de 65% da vida na Terra, incluídos os dinossauros. Tamanha extinção não foi ocasionada diretamente pelo impacto do meteoro, como explica o professor Crósta, mas pelas consequências dele. “Depois do choque, foi

gerada uma densa nuvem de CO2 [dióxido de carbono], que é um gás causador de efeito estufa e que tomou conta da atmosfera terrestre. Isso provavelmente provocou um quadro de aquecimento global intenso, gerando, entre outros efeitos, a quebra das cadeias alimentares e o consequente desaparecimento de diversas espécies animais e vegetais”, pormenoriza. A partir daí, diz o docente do IG, que também responde pela Coordenadoria Geral da Unicamp, novos paradigmas foram estabelecidos para explicar a evolução da superfície do nosso planeta e passou-se a buscar evidência de eventos semelhantes no mundo inteiro. Existem regiões da Terra nas quais as crateras de impacto foram amplamente investigadas. Os resultados dessas pesquisas têm servido, mais recentemente, para analisar a evolução de muitos outros corpos planetários, propiciando um grande salto nas ciências planetárias. No Brasil, porém, as crateras ainda são pouco conhecidas. “Ainda carecemos de estudos que possam relacionar estruturas geológicas a processos de impacto meteorítico”, pontua o professor Crósta. De acordo com ele, é possível que existam muitas crateras de impactos no Brasil que ainda são desconhecidas. Por hipótese, elas podem estar camufladas por coberturas vegetais ou mesmo sob a superfície terrestre. “O trabalho do Marcos Vasconcelos também é importante por isso, pois os métodos geofísicos empregados por ele permitem que olhemos também abaixo da superfície, buscando crateras que foram soterradas por processos de sedimentação posteriores”, diz o orientador do trabalho. Segundo ele, o Prêmio Capes de Teses obtido pela pesquisa é o resultado tanto das conclusões do trabalho quanto da introdução de novas metodologias para a identificação das crateras de impacto meteorítico. A cratera da Serra da Cangalha, como dito, tem aproximadamente 13 quilômetros de diâmetro. Na opinião tanto do professor Crósta quanto de Vasconcelos, ela provavelmente é, entre as estruturas desse tipo, a mais bonita do Brasil. Apesar do processo erosivo, a cratera apresenta, em seu interior, uma serra em forma de coroa com cerca de 3 quilômetros de diâmetro, com paredes com até 300 metros de altura. “Ou seja, a cratera é constituída por dois círculos concêntricos de montanhas, que ainda estão muito bem delineados apesar da erosão. Há interesse do governo do Tocantins em criar um parque estadual no local, mas não tenho detalhes de como anda essa iniciativa. Nós chegamos a nos reunir com as autoridades locais para discutir sobre essa possibilidade, que nos parece viável, pois a região é muito bonita. Entretanto, há limitações. Embora a cratera não seja de difícil acesso, ela está localizada em uma área remota do estado do Tocantins”, informa o professor Crósta.

Publicação Tese: “Estudo geofísico de quatro prováveis estruturas de impacto localizadas na Bacia do Parnaíba e detalhamento geológico/geofísico da estrutura da Serra da Cangalha/TO” Autor: Marcos Vasconcelos Orientador: Alvaro Crósta Unidade: Instituto de Geociências (IG) Financiamento: Fapesp Marcos Vasconcelos, autor da tese, mostra rocha coletada na cratera: investigação incluiu o uso inédito de modelagem matemática


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Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013

Química desenvolve técnica que desvenda sexo de aves Fotos: Antonio Scarpinetti/ Divulgação

Método tem baixo custo, não gera estresse e pode ser considerado ‘verde’

A pesquisadora Juliana Terra, cuja técnica foi desenvolvida no IQ, com aves (à esq.), em laboratório e manipulando amostra de pelugem (destaques abaixo): método utiliza sinais de raios X

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

pesquisadora Juliana Terra, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, desenvolveu uma técnica capaz de identificar, em poucos minutos, o sexo de aves com características físicas insuficientes para evidenciar se são fêmeas ou machos. O método, inédito, utiliza sinais de raios X da pelugem dos animais para diferenciar os sexos. Ao contrário dos procedimentos tradicionais, a técnica não gera estresse ao animal, pode ser considerada “verde” e de baixo custo. A identificação proposta pela estudiosa da Unicamp foi realizada em pintinhos recém-nascidos. A diferenciação preliminar do sexo na atividade avicultora é fundamental para a criação e comercialização destes animais. Em aves silvestres, a sexagem, como é chamada esta distinção, é importante para o sucesso reprodutivo de espécies em extinção. Resultados mostraram 100% de acerto na classificação, que pode ser obtida em 5 minutos. Os estudos devem se estender, no futuro, para os testes na pelugem de aves silvestres. “Mais de 50% das aves apresentam esta dificuldade de identificação dos sexos. Elas são desprovidas de dimorfismo sexual. Apresentam esta característica araras, papagaios e tucanos, animais que correm o risco de extinção. No caso dos pintinhos, dependendo da raça da galinha, com quatro semanas é possível fazer esta distinção visual entre machos e fêmeas”, situa a estudiosa da Unicamp. Ela concluiu recentemente pós-doutorado sobre o tema. O estudo obteve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e foi supervisionado pela docente do IQ Maria Izabel Maretti Silveira Bueno, que atua no Departamento de Química Analítica da Unidade. O trabalho contou ainda com a colaboração de Alexandre Martinez Antunes, também pós-doutor pelo IQ. Maria Izabel Maretti coordena Grupo de Pesquisa em Espectroscopia de Raios X (GERX) na Unicamp. “Trata-se de mais um método analítico desenvolvido por nós no campo de estudo da espectroscopia de fluorescência de raios X. A técnica proposta pela Juliana é de fácil execução e muito rápida. Além disso, não causa prejuízo ao animal, sendo totalmente ‘verde’, ou seja, não utiliza reagentes e nem gera resíduos”, salienta a professora do IQ. Juliana Terra esclarece que na atividade avicultora a sexagem é imprescindível para a competitividade do setor. “Quanto mais cedo o produtor descobre o sexo de pintinhos, melhor o manejo. O criador pode, por exemplo, acompanhar o crescimento da ave, fornecer a alimentação correta para cada tipo de sexo e até mesmo determinar o espaço físico adequado. Além disso, cada sexo tem sua própria importância na indústria avicultora. Tudo isso faz com que o desenvolvimento das aves seja otimizado, reduzindo o custo da produção”, ilustra. A identificação proposta no estudo obteve 100% de acerto já no oitavo dia de nascimento dos pintinhos. Conforme revelou Juliana Terra, os resultados promissores da pesquisa podem permitir futuramente a possibilidade de se agrupar os sexos de pintinhos já a partir do primeiro dia de nascimento. A pesquisadora sinaliza que os estudos podem ser estendidos para espécies silvestres que também são desprovidas de dimorfismo sexual. Entre elas estão o papagaioverdadeiro (amazona aestiva); o periquito (aratinga sp.); a arara (ara sp.); o tucano (ramphastos toc) e o fura-barreira (hylocryptus rectirostris).

PROCEDIMENTOS

CONVENCIONAIS

A química da Unicamp explica que o procedimento mais usado atualmente em pintinhos, apesar de eficiente, é trabalhoso e estressante ao animal. Trata-se de uma técnica japonesa manual, em que o profissional aperta a cloaca do animal, conseguindo, por sensibilidade ao toque, identificar o sexo. “É um procedimento muito sensível e específico. O custo é alto porque são pouquíssimas pessoas que têm essa habilidade. A técnica, em geral, é passada de geração em geração. Ela é rápida, tem uma porcentagem de acerto alta, só que requer um especialista, além de causar estresse ao animal. Características secundárias dos sexos, incluindo cor, tamanho e arranjo de penas, só se tornam visíveis na quarta semana”, observa. A diferenciação proposta por Juliana Terra consiste na análise da penugem do bicho. “Cortamos a penugem com uma tesoura esterilizada. Elas são facilmente coletadas, armazenadas e transportadas. Isso ajuda a reduzir o estresse da movimentação, elimina sangramento desnecessário e minimiza a chance de infecção, sem comprometer a precisão e confiabilidade dos resultados”, compara.

Além disso, a proposta é utilizar equipamentos portáteis de raios X, evitando o corte da penugem do animal. Neste caso, a penugem seria levantada, possibilitando que os feixes de raios X não atinjam o corpo das aves. Tal proposta deverá ser submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em Animais. “Para as espécies silvestres existe uma técnica de DNA [deoxyribonucleic acid] que é empregada para definir o sexo, principalmente em aves de grande porte. É um procedimento confiável, não invasivo, mas os ensaios são sensíveis e, uma vez iniciados, precisam ser concluídos em até 24 horas para não afetar a confiabilidade do resultado. Além disso, é um processo que envolve um custo maior”, acrescenta. “A nossa proposta possui valor reduzido, uma vez que já temos elaborado um modelo, além da questão operacional. É necessário somente um equipamento de fluorescência de raios X para fazer a análise. Trata-se de um equipamento muito versátil, que pode fazer desde análises do teor de nutrientes em alimentos até a verificação de possíveis metais tóxicos em cosméticos. A fluorescência de raios X não promove a destruição das amostras. Estas vantagens fazem com que esta técnica tenha aplicação em várias áreas”, complementa.

QUIMIOMETRIA

No trabalho, espectros de fluorescência de raios X da pelugem de pintinhos de oito dias, sem qualquer pré-tratamento das amostras, foram usados para a sexagem dos animais. A identificação envolveu também técnicas de quimiometria, área que trata da aplicação de métodos estatísticos e matemáticos em dados de origem química. “A quimiometria emprega métodos matemáticos e estatísticos para planejar ou selecionar experimentos de forma otimizada, fornecendo o máximo de informações químicas com a análise dos dados. O seu uso objetiva avaliar dados de caráter multivariado retirando o máximo de informações presentes em suas matrizes complexas, facilitando assim a interpretação dos mesmos”, define Juliana Terra.

O experimento utilizou 25 pintinhos da espécie Gallus gallus domesticus da linha rubro negra. Os animais foram adquiridos em um criadouro legalizado na região de Campinas sem conhecimento prévio do sexo. Eles foram mantidos em pinteiros com características ergonômicas adequadas ao bem-estar animal. As aves foram alimentadas exclusivamente com vegetais e legumes cultivados para este fim, além de ração orgânica. “O tempo reduzido de análise, a não necessidade de pessoas altamente especializadas e o não uso de solventes tornam o método proposto uma alternativa a ser considerada em substituição aos métodos convencionais empregados atualmente na realização da sexagem de aves. Com o uso de modelos inicialmente construídos é possível aperfeiçoá-los continuamente com a introdução de novos dados, fazendo com que os novos modelos sejam cada vez mais robustos e apresentem índices de acerto crescentes”, prevê a pesquisadora.

Publicação Pós-doutorado: “Fast, low cost and non invasive gender determination of birds by means of x-ray fluorescence allied to chemometrics” Autora: Juliana Terra Supervisora: Maria Izabel Maretti Silveira Bueno Unidade: Instituto de Química (IQ) Financiamento: Capes


Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013

Na captura do carbono

5 Fotos: Antonio Scarpinetti

Grupo do IQ desenvolve sólidos com poder de extrair, do ar, causador do efeito estufa CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

m grupo de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp desenvolveu dois sólidos de base mineral capazes de extrair CO2, o principal gás causador do efeito estufa, do ar. “Se eu pusesse um balão cheio de dióxido de carbono em cima desse material, você veria ele se esvaziar”, disse ao Jornal da Unicamp a professora Heloise Pastore, coordenadora do Grupo de Peneiras Moleculares Micro e Mesoporodas (GPM3 ), apontando para um dos sólidos, baseado no mineral magadiita. Descoberta originalmente na África, a magadiita usada nas pesquisas do IQ foi produzida em laboratório. O potencial das descobertas do GPMi3 para a criação de tecnologias de captura de carbono e contenção do aquecimento global levou a Petrobras, por meio de seu programa Proclima, a patrocinar essa linha pesquisa, que no ano que vem entra em uma nova fase, de estudos sobre a reciclagem do CO2 capturado. “Espero que essa segunda fase comece no primeiro semestre de 2014”, disse a pesquisadora. “Não basta só capturar o CO2. Ele é uma fonte de matéria-prima preciosa, que pode ser usada, por exemplo, para produzir plásticos, solventes, até combustíveis. Essa segunda fase já está aprovada pela Petrobras”, que investiu cerca de R$ 1 milhão na primeira fase do projeto. As estratégias atuais de captura de carbono envolvem o uso de líquidos da classe das aminas – um tipo de composto orgânico que contém nitrogênio – para extrair o dióxido de carbono das emissões produzidas por usinas termelétricas ou indústrias, e preveem o armazenamento do gás em reservatórios subterrâneos. Esses sistemas de captura e armazenamento, chamados, na sigla em inglês, de CCS, recentemente passaram a ser de adoção obrigatória em todas as futuras geradoras de eletricidade a carvão que venham a ser construídas nos Estados Unidos, e também são contemplados em uma diretriz da União Europeia sobre mudança climática, adotada em 2009. No Brasil, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG), as emissões de CO2 para geração de eletricidade vêm crescendo, com um aumento de 40% entre 2006 e 2012. Mas mais de 84% da oferta interna de energia elétrica brasileira ainda tem base renovável, principalmente hidrelétrica. No caso específico da Petrobras, o problema, explica Heloise, são as chamadas emissões fugitivas, que ocorrem principalmente nos processos de refino, mas também de exploração e produção do petróleo. “Essa emissão fugitiva do CO2 é equivalente à das termelétricas, então é um problema de mesma dimensão, só que o das termelétricas está no jornal”, disse a pesquisadora. “O nosso foco inicial era o refino. Quando se usa um catalisador para quebrar as moléculas de nafta do petróleo em moléculas na faixa de tamanho da gasolina, sua atividade envolve inevitavelmente a retenção de uma parte de carbono que o desativa. Periodicamente o catalisador é reciclado por combustão, nesse processo todo aquele carbono retido vai ser jogado fora como CO2”. Os sólidos criados pelo GPM3 têm uma capacidade maior de captura de carbono, por volume, que os líquidos usados nas estratégias comuns de CCS. E um deles ainda é capaz de, no processo, gerar calor, o que facilita sua reciclagem – a remoção do CO2 capturado para estocagem ou reaproveitamento como matéria-prima. A primeira descoberta do grupo nessa área, disse Heloise, não foi resultado de uma pesquisa direcionada, mas do acaso.

“O grupo trabalha com sólidos porosos ou com materiais lamelares, constituídos de camadas sem nenhuma ligação formal entre uma e outra, ou com materiais tridimensionais com poros bem organizados e de tamanhos regulares. Trabalhando com isso, estamos à procura um emprego para esse tipo de material. O grupo se dedica a controlar tamanhos de poros, distâncias entre sítios reacionais, reatividade das partes internas”. Um dos materiais preparados pelo grupo, em 2008, começou a mostrar mais carbono em sua composição do que o esperado. “Preparamos um material muito interessante, em que as análises elementares sempre indicavam uma quantidade de carbono maior do que esperávamos. A gente se assustou: de onde veio esse carbono? Nós descobrimos que o material estava capturando CO2 do ar, e aí resolvemos investir nisso”. A parceria com a Petrobras veio em 2010, e a implementação tecnológica das descobertas depende de um trabalho de engenharia que deve ser feito fora do Instituto de Química e que será realizado também com dotação do Proclima, por um dos demais grupos de pesquisas da Rede.

MUDANÇA CLIMÁTICA Desde o início da semana passada, representantes de mais de 190 países estão reunidos em Varsóvia, na Polônia, para a 19ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática, que marca mais uma etapa da busca de um acordo para suceder o Protocolo de Kyoto, de 1997, o primeiro pacto internacional sobre controle das emissões de gases causadores do efeito estufa. “A questão da remoção do CO2 não é só o nosso trabalho, é uma questão real a ser cuidada, é a mudança climática. O 5º Relatório de Avaliação IPCC deixou muito claro: é hoje possível considerar extremamente provável (isto equivale a 95% de certeza) que a responsabilidade pelo aumento da concentração do CO2 na atmosfera é nossa, de que é o ser humano mesmo que está causando o problema”, disse Heloise, referindo-se ao mais recente documento divulgado pelo Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC), da ONU. De acordo com os dados da primeira parte do quinto relatório de avaliação, divulgada no fim de setembro, “o aquecimento do sistema climático é inequívoco; muitas das mudanças observadas desde os anos 50 não têm precedentes na escala de décadas a milênios”. Além disso, a influência humana sobre o estado do clima é considerada “clara”.

Materiais usados nos experimentos desenvolvidos em laboratório pelo Grupo de Peneiras Moleculares Micro e Mesoporodas: parceria com a Petrobras

“A influência humana foi detectada no aquecimento da atmosfera e dos oceanos, em mudanças no ciclo da água, em reduções de neve e gelo, na elevação média do nível do mar”, diz o resumo oficial do relatório. “É extremamente provável que a influência humana seja a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20”. A principal contribuição humana para a mudança climática são as emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa que aprisionam a energia do Sol na atmosfera terrestre, impedindo seu retorno ao espaço. “As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram para níveis sem precedentes, pelo menos, nos últimos 800.000 anos”, diz o resumo do IPCC. “As concentrações de CO2 aumentaram 40% desde os tempos pré-industriais, principalmente pelas emissões de combustíveis fósseis”. O texto afirma, ainda, que 30% do dióxido de carbono emitido por atividade humana foi absorvido pelos oceanos, o que torna as águas mais ácidas, prejudicando a vida marinha. O relatório diz que a redução “substancial e sustentada” das emissões é necessária para limitar a mudança climática.

Da esq. para a dir., Hipassia Moura, Karine Oliveira Moura, a professora Heloise Pastore, coordenadora do GPM3, Rômulo Vieira e Erica Munsignatti: pesquisas entram em nova fase em 2014

ALTERNATIVAS

“Não vamos conseguir parar de emitir CO2. Precisamos reduzir e controlar”, disse Heloise. A pesquisadora ponderou que o mundo precisará combinar uma série de fontes alternativas, como energia solar e eólica, para reduzir as emissões, mas também lembrou que as tentativas de definir compromissos internacionais de corte de emissão de CO2 não têm sido bem-sucedidas. “Eu acho, de fato, que a única opção viável, em curto prazo, é o sequestro”, disse ela, lembrando que os materiais criados pelo GPM3não só são capazes de reduzir emissões futuras, capturando o carbono na fonte, mas também removendo o que já foi lançado na atmosfera. “Dá para retirar CO2 do ar em grande escala”, disse. “É possível fazer grandes filtros e instalá-los nas casas, nas indústrias, dá para fazer uma grande quantidade de dispositivos. Depois de capturado, se pode recuperar o CO2 adsorvido e injetá-lo em depósitos geológicos, ou usá-lo como matériaprima, como está previsto na segunda frase do projeto”. “Adsorção”, explica Heloise, neste contexto, é uma forma de ligação mais fraca que a absorção: “Quando um gás, uma substância é absorvida, ela se torna parte do absorvente. Adsorver, neste projeto, significa ligar muito fracamente”. De acordo com a pesquisadora, os materiais desenvolvidos pelo grupo podem ser customizados para outros clientes, além da Petrobras, como geradoras de eletricidade ou mesmo produtores de etanol. “Quem produz etanol da fermentação de cana-de-açúcar também produz uma enorme quantidade de CO2, que, além de tudo, está úmido; não são todos os adsorventes que podem capturar CO2 em presença de umidade. Esses adsorventes podem ser modificados para fazer isso, logo, e colocar em uso rapidamente”. Os materiais podem ser produzidos em escala comercial sem grandes dificuldades, afirmou. O trabalho do GPM3 com materiais capazes de capturar carbono já deu origem a duas dissertações de mestrado: a de Hipassia Moura, sobre a magadiita modificada, e a de Rômulo Vieira, que trata da associação da polietilamina – uma substância que captura carbono – a silicatos, além do doutorado de Karine Oliveira Moura, que trata da associação de outras aminas ao talco, um tipo diferente de argila. Também faz parte do grupo que trabalha com captura de carbono a pesquisadora Erica Munsignatti, responsável por sistemas complexos de captura de CO2.


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Campinas, 25 de novembro Foto: Antonio Scarpinetti

PAULO CESAR pcncom@

s novas relações trabalhistas e sindica namento e profissionalização de força máticas que integram dois extensos pr dos estudos estão os professores portug Sociólogo e docente da Faculdade de Econom sio atua junto ao Instituto de Filosofia e Ciênc Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) do representa a continuidade de colaborações anter quais se dedica há mais de duas décadas em Portu Europa da reflexão que se realiza no Brasil em t Antropóloga social e pesquisadora no Institut (ICS/UL), Susana desenvolve seu trabalho no â nado uma série de projetos sobre temas associad na pesquisa da segurança e ordem pública, mov portugueses como brasileiros. Nestas entrevistas temas que permeiam o conteúdo de suas pesquisa O professor Elísio Estanque: “O Brasil deve apostar com urgência na melhora rápida da educação pública”

‘Para continuar a ser referência, a Europa precisa se reinventar’ Jornal da Unicamp – O senhor tem analisado questões como a recomposição do emprego e a fragilidade do Estado de bem-estar na conjuntura da crise europeia. Que reflexões podem ser feitas sobre essa realidade e o atual momento do Brasil nas áreas trabalhista e social? Elísio Estanque – No que diz respeito ao que na Europa chamamos o “Estado social”, diria que enquanto no velho continente estamos em clara regressão, no Brasil as coisas evoluíram para melhor desde o início do novo milênio, essencialmente devido aos programas sociais dos governos do PT. Mas, embora reconhecendo todo o potencial do Brasil e sem esquecer a imensidão do seu mercado interno, nem a economia brasileira nem os chamados BRICs podem ser pensados fora do quadro da economia global, na qual os EUA continuam, apesar de tudo, a ter supremacia. A Europa, se conseguir resistir a esta crise sem abdicar do seu projeto democrático e federalista [União Europeia], terá de saber tirar as lições do seu passado, quer do passado colonial quer da sua lógica de “fortaleza” perante os continentes do Hemisfério Sul. Creio que para continuar a ser uma referência para o mundo e para as classes trabalhadoras, a Europa precisa se reinventar tanto no plano político e institucional como no que tange à sua estratégia de desenvolvimento socioeconômico. No caso de Portugal e de Espanha, por exemplo, entendo que – com ou sem moeda única, com ou sem União Europeia – ganhariam em estreitar e consolidar as relações bilaterais com o Brasil e a América Latina. O Brasil, em concreto, tem um enorme potencial e margem de progressão a requerer um bom diálogo com a Europa, mais do que com os EUA, para enfrentar com sucesso seus desafios. Para mim, os mais urgentes são a consolidação do Estado de direito (uma justiça limpa e eficaz), a requalificação das políticas públicas (sistemas de saúde e de educação públicas de qualidade) e a aposta na inovação científica e tecnológica – na qual os ganhos de produtividade sejam conjugados com a dignificação do trabalho e o combate às desigualdades sociais. Mas para que tais desígnios sejam consistentes e possam fazer do Brasil um caso exemplar é decisivo que as estratégias de desenvolvimento sejam capazes de enfrentar as poderosas forças – sobretudo econômicas – dispostas a tudo para impedir o triunfo desse projeto e neutralizar o direito da classe trabalhadora brasileira a um estatuto realmente digno, orientada para uma sociedade mais coesa, equilibrada e que ofereça uma melhor qualidade de vida a todos os cidadãos. É necessário um projeto assentado no equilíbrio entre desenvolvimento industrial e sustentabilidade ambiental. De resto, se concordamos que tal objetivo só pode ser alcançado em democracia, é fundamental que as instituições e o governo percebam que somente com a mobilização e a participação ativa da sociedade civil e dos movimentos sociais poderemos caminhar nesse sentido.

JU – A globalização também passou a exercer pressão e influência sobre o ensino superior. A resposta da Europa a esse processo ficou conhecido como o “modelo de Bolonha”. Essa iniciativa trouxe os resultados esperados? Elísio Estanque – O chamado “modelo de Bolonha”, criado na sequência de um conjunto de princípios acordados por ministros e reitores de mais de 40 países europeus, continha na sua origem alguns aspetos que eram louváveis, pelo menos no espírito que esteve presente nesses encontros. Entre eles o reconhecimento das credenciais acadêmicas desde que cumpridos certos requisitos, como sejam o sistema dos ECTS (sistema europeu de transferência de créditos curriculares) visando à criação de um espaço europeu aberto que facilitasse a mobilidade de estudantes e o reconhecimento das qualificações pelo mercado de emprego europeu. Para além disso, resultou daí uma maior aposta no acesso “massificado” dos jovens ao ensino superior, o que derivou para um padrão “simplificado” (com menor carga horária) em sua formação no nível de graduação, ou seja, o chamado 1º ciclo cujos programas passaram a limitar-se apenas a três anos letivos, excetuando os casos do Direito, Medicina e Arquitetura, nos quais as respetivas “Ordens” impuseram as suas condições, enquanto as pós-graduações, mestrados (2º ciclo) e doutorados (3º ciclo), se começaram a generalizar. A orientação de Bolonha, que apontava para uma maior proximidade e abertura entre as universidades e a sociedade mais geral, inclusive o tecido empresarial, também pareceu inicialmente promissora, em especial se observarmos que as universidades europeias se burocratizaram imensamente nos últimos 60 anos e permaneceram fechadas numa certa cultura elitista, herdada de seu passado medieval. O maior problema deste modelo e, creio eu, a razão que o tem levado a uma preocupante perversão dos seus desígnios iniciais, deve-se a que sua implementação no terreno coincidiu com a chegada da crise e a ascensão do neoliberalismo econômico. Sob a batuta do Banco Mundial e das grandes instituições dominadas pelos EUA, o sistema de ensino superior vem privilegiando uma lógica mercantilista e consolidando uma estratificação no sistema universitário internacional cujos critérios, guiados por sistemas métricos e quantitativistas de avaliação, favorecem em particular o modelo americano de ensino superior. Na Europa, as universidades públicas debatem-se cada vez mais com cortes no financiamento público. Despojadas de meios e de recursos são forçadas a usar os pagamentos de mensalidades – as chamadas “propinas”, em Portugal –, garantidos pelos estudantes e suas famílias, principalmente nas pósgraduações, como a solução que restou para suprir os sucessivos cortes orçamentais impostos pela política de austeridade que hoje incide violentamente sobre os países do sul da Europa. JU – Em sua opinião, que aspectos relacionados às políticas brasileiras para o ensino superior deveriam merecer atenção? O Brasil

também precisa repensar o modelo de atuação de suas universidades públicas em uma sociedade em transformação? Elísio Estanque – Sem dúvida, a educação e a tecnologia são a chave do desenvolvimento em qualquer país. Por isso, como já referi, o Brasil deve apostar com urgência na melhora rápida da educação pública. Não ignoro que os progressos nesse campo já são enormes. Mas a universidade pública brasileira só poderá tornar-se o motor do desenvolvimento se, num prazo não muito longínquo, a maioria dos seus estudantes for recrutada entre aqueles que frequentaram escolas públicas no ensino médio. O sistema educativo tem de ser pensado como um todo articulado. É claro que a formação educacional e a consolidação democrática do Brasil terão de passar por uma maior abertura da universidade pública às classes trabalhadoras e às minorias raciais. Importa para isso ampliar as medidas em curso de “discriminação positiva” e também uma redefinição do papel da universidade, quer no plano da formação científica e tecnológica, quer no campo das ciências sociais e humanas. O que para mim é preocupante é constatar que as universidades, apesar da “excelência” de muitas delas, são cada vez mais remetidas para um papel subalterno – quando não completamente ignoradas e até asfixiadas financeiramente, como na Europa – em vez de serem chamadas a contribuir para o pensamento crítico, para a inovação e a formação cultural e cívica das atuais gerações. O ensino superior – público e privado – sofre também os impactos destrutivos do mercantilismo desenfreado que vem minando todos os campos da nossa vida coletiva e institucional. Apesar disso, tenho verificado ao longo do ano corrente que, no Brasil, o espaço de debate e de reflexão teórica nos departamentos universitários é bastante mais vivo e intenso do que na Europa. Os grupos a que estou ligado aqui na Unicamp – o Cesit/Instituto de Economia e o IFCH/Sociologia – são exemplos de ambientes acadêmicos onde a pesquisa e a análise científica se conjugam bem com a reflexão e ação prática da universidade por meio de projetos comunitários e junto à sociedade no seu conjunto. JU – O senhor também tem como objeto de estudos a classe média. Qual é o conceito que melhor define hoje esse estrato social? Que mudanças estão em curso nesse segmento e que consequências poderão ter para o conjunto das sociedades europeia e brasileira? Elísio Estanque – Eu penso que aqui no Brasil se fala demasiado de “classe média” sem se esclarecer o que significa este conceito. Sociologicamente, a classe média não pode ser definida nem simplistamente com base em níveis de renda – a base dos mil e poucos reais e melhoras no consumo não chegam, quando esse consumo continua a responder apenas a necessidades primárias da classe trabalhadora –, nem com base no preconceito normativo e moralista de uma suposta classe média individualista, consumista e alienada na sua própria subjetividade pseudo-elitista. A primeira definição é típica dos ideólogos neoliberais e mentores do marketing financeiro, enquanto a segunda é típica de

setores intelectuais de classe média que se renegam em sua própria condição. A dita “classe média” não é uma classe no sentido de força política ou sujeito coletivo, mas, objetivamente, agrupa diversos segmentos que têm em comum: 1) a posse de um certo capital educacional/cultural, acima da base; 2) um estatuto profissional relativamente qualificado; e 3) um salário que eu aqui no Brasil definiria acima da base dos três salários mínimos. Da conjugação desses fatores resulta não uma “classe média” homogênea, que não existe nem nunca existiu. Entre a classe trabalhadora manual e as elites há diferentes conjuntos cujas atitudes, comportamentos e estilos de vida variam em função não apenas da quantidade desses recursos, mas sim do modo como eles se combinem entre si. Por exemplo, tendo a pensar – seguindo aqui o sociólogo francês Pierre Bourdieu – que os grupos em que os recursos educacionais e culturais elevados se conjugam com recursos econômicos escassos tendem a estimular orientações mais “sociocentradas”, com maior sentido crítico e sensibilidade social, enquanto os grupos que controlam elevado patrimônio e capital econômico, mas com poucos recursos culturais e educacionais, tendem a desenvolver comportamentos mais centrados no dinheiro, na ambição material e são mais individualistas – é o fenômeno do “novo-riquismo” já estudado pelos clássicos desde meados do século XIX. Frequentemente esses diferentes setores desenvolvem entre si múltiplas formas de usurpação ou demarcação em seus modos de vida. Com base em tais premissas, podemos concluir que nos países europeus os efeitos conjugados da inovação tecnológica, o projeto do Estado previdência e a democratização do acesso à educação, as oportunidades de acesso a um emprego estável e qualificado oferecidas a sucessivas gerações, principalmente as que nasceram no pós-guerra, a construção de um sistema público de saúde gratuito, a garantia de uma aposentadoria condigna, etc., abriram espaço a uma classe média assalariada, que, em boa medida, floresceu à sombra do Estado. Hoje, perante a presente crise e o iminente desmanche do Estado social, estes setores da classe média estão ameaçados, vivem a angústia do declínio e o risco de proletarização. Tendem a rejeitar os agentes políticos – governos, partidos, sindicatos, etc. – considerados responsáveis pelo fiasco do projeto europeu. No Brasil todo esse processo é ainda incipiente, mas já está sendo marcado por uma “narrativa”, a meu ver demasiado eufórica em torno do “país de classe média”. Acredito que se trata de uma miragem, de uma ficção descolada da realidade, mas que se mostra muito conveniente para a propaganda dominante e para os artífices do crédito fácil, do “compre agora e pague depois”…

Leia a íntegra desta entrevista em: http://www.unicamp.br/unicamp/ ju/584/para-continuar-ser-referencia-europa-precisa-se-reinventar


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o a 1º de dezembro de 2013 Foto: Antoninho Perri

NASCIMENTO @bol.com.br

ais em economias globalizadas, e a formação, treias policiais em um contexto transnacional são terojetos de pesquisa em curso na Unicamp. À frente gueses visitantes Elísio Estanque e Susana Durão. mia da Universidade de Coimbra (FEUC), Elícias Humanas (IFCH) e ao Centro de Estudos o Instituto de Economia (IE). Sua investigação riores com acadêmicos brasileiros em questões às ugal e permite aproximar os debates em curso na torno dos mesmos temas. to de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa âmbito do IFCH. Nos últimos anos, tem coordedos à organização policial, com especial interesse vimentos sociais e culturais, tanto em contextos s, ambos apresentam seus olhares a respeito de as. A professora Susana Durão: “Parece existir uma institucionalização do direito policial de matar”

‘A polícia no Brasil sofre com a ausência de referências positivas’ Jornal da Unicamp – O que é, quais são as origens e no que consiste o conceito de transnacionalização na formação de forças de segurança? Susana Durão – No projeto “COPP-LAB: Circulações de Polícias em Portugal, África Lusófona e Brasil”, interessa-nos estudar os percursos de oficiais de polícia em formação, tanto em treinos nacionais como internacionais. Estes são profissionais que circulam no mundo, mas dos quais se espera algo: que venham a contribuir para mudanças políticas e profissionais nos seus países de origem, usando aquilo que transportam em si, exatamente o seu conhecimento adquirido “transnacionalmente”. Se por um lado eles são peças de uma engrenagem maior, por outro lado, muitos deles podem vir a ser autoridades influentes. Há, assim, uma certa concepção de ações de intervenção no tempo e no espaço. JU – Como essa temática vem sendo estudada pelo grupo do qual a senhora faz parte na Unicamp? Susana Durão – Na verdade, COPP-LAB é um projeto que vem sendo desenvolvido ao abrigo das atividades científicas do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Este é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Portugal, embora seja um projeto marcadamente internacional. Os pesquisadores da equipe do projeto residem em distintos lugares do mundo (Portugal, Reino Unido e Brasil) e pertencem a diversas instituições. Todos têm um conjunto de missões e de tarefas atribuídas e eu, além disso, faço a gestão de um grupo de 11 pesquisadores e 5 consultores. Organizamos reuniões regulares para poder compartilhar resultados. Realizamos recentemente um encontro no IFCH-Unicamp intitulado “Circulação de policiais em redes lusófonas. Autoridade, formação e poder”, em outubro último. Está previsto um colóquio em 2014 em Cabo Verde, intitulado: “África Lusófona. Reflexão sobre Estatutos e Carreiras Policiais”. O grande evento final deste projeto de dois anos e seis meses irá realizar-se em Lisboa e terá por foco o tema: “Antropologia da Política e da Polícia: Portugal, Brasil e África em perspectiva”. Concretamente no IFCH, unidade na qual leciono, e no Programa de PósGraduação em Antropologia Social, creio que estou, conjuntamente, com outros colegas do Departamento de Antropologia e das Ciências Sociais, criando condições para discutir temas que contribuem para o entendimento da sociedade brasileira, tais como segurança (pública e privada), Estado, polícia e violência urbana. O projeto COPP-LAB tem ainda o compromisso de enriquecer a teoria antropológica com temas relacionados à mobilidade, migração laboral em grandes organizações burocráticas, formação e treino policial, modelos e práticas do policiamento. Nesse sentido, o Centro de Estudos da Migração Internacional (Cemi), coordenado pelo antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, pesquisador também no projeto, oferece um enquadramento institucional relevante. JU – Qual é a avaliação que a senhora faz dos processos de capacitação e de profissionalização das forças de segurança dos países

enfocados pelos seus estudos? Que problemas existentes na formação dos agentes se refletem em questões como violência policial e corrupção, recorrentes no Brasil? Susana Durão – Os processos de formação e de profissionalização são determinantes para a vida policial, mas não se pode esperar que sejam eles a transformar na íntegra modelos e práticas profissionais. Em vários países, como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, há uma grande dependência de protocolos internacionais para a formação dos seus oficiais – incluindo países tão diferentes como Portugal, Espanha e Taiwan. Moçambique e Angola já têm academias nacionais para a formação de seus policiais de topo, mas também mantêm protocolos de cooperação fundados na história das suas relações internacionais. Em quase todos esses países a formação superior vai capacitar os já policiais “de base”, à exceção de São Tomé. Em Portugal, o treino dos oficiais é misto, mas a maioria dos recrutados são à entrada jovens alunos que concluíram o ensino médio. No Brasil, a formação de policiais e o tempo de treino diferem muito nos 26 Estados. Essa formação reflete a separação de carreiras. Nas Polícias Militares os praças e oficiais são mundos à parte; nas Polícias Civis os delegados e agentes não se confundem. Pode parecer contraintuitivo, mas esta interrupção de carreiras, estatutos e poderes pode facilmente levar a perversões e torna ainda mais ambígua essa linha tênue entre legalidade e ilegalidade, entre crime e punição. Como Luís Eduardo Soares, Sílvia Ramos e tantos outros têm demonstrado, os policiais oscilam entre carrascos e vítimas em um modelo que foi arquitetado durante a ditadura militar, depois de 1968. Porém, uma das mais dramáticas divisões no Brasil, impressa na constituição em vigor, é aquela que interrompe o ciclo de trabalho entre um policiamento “ostensivo”, executado pela PM, e o policiamento de investigação, levado a cabo pela Polícia Civil. Esta situação justificou recentemente uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51. Teremos de aguardar para saber se todo o debate e anseios de mudança vão resistir, invertendo o que foi o recuo de uma promessa na primeira gestão do presidente Lula. A polícia no Brasil sofre de um problema complicado: a ausência de referências positivas no seu passado que ajudem a reformulála. Estou do lado de todos os que acreditam que o modelo tem que ser integralmente repensado. Todavia, o futuro passa necessariamente por buscar algumas memórias positivas no passado, mesmo que isso signifique no caso perspectivar contributos pessoais e menos a arquitetura de modelos. Creio que mudanças só terão impacto real com a colaboração e o protagonismo dos oficiais mais qualificados e abertos. JU – Sobre essa questão do modelo concebido na ditadura, a senhora acredita que ainda persista na formação e nas ações dos policiais brasileiros uma herança desse período, quando tinham poder irrestrito para prender, torturar e matar? Susana Durão – Acredito que várias mudanças na formação de policiais, tanto nas militares quanto nas civis, possam estar já

em curso. Todavia, arcaísmos e atualizações do que as polícias brasileiras têm de pior podem ser observados em alguns aspectos concretos. Entre os mais dramáticos está a participação da polícia na letalidade, na reprodução da desigualdade social e na “desordem” pública. Tem sido sistematicamente evidenciado como o uso abusivo dos autos de resistência encobrem tortura e mortes causadas por policiais, sendo estas, na maior parte das vezes, arbitrárias e violentas. Ou seja, parece existir uma institucionalização do direito policial de matar. As operações de guerra policial, resgate criminal e a participação de policiais no mercado do crime, conjugada com a ausência de limites na atuação em territórios da pobreza, potencializam a violência e criam a sensação de que existe um Estado dentro do Estado. Outro exemplo: o “caveirão”, essa unidade móvel que cotidianamente percorre favelas da zona norte do Rio de Janeiro ecoando palavras de ordem e de terror para as populações, é o reconhecimento público da falência de um estilo de policiamento. É um pouco estranho como no momento em que vivemos no “tempo das vítimas” e “império do trauma”, como defendem alguns autores, os parentes de mortos nas mãos dos policiais no Brasil, maioritariamente pobres e negros, tenham um acesso tão restrito à reparação judicial e social. Polícia que é treinada para matar é antipolícia. JU – A propósito, gostaria que a senhora comentasse sobre a experiência do Rio de Janeiro com as polêmicas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) para redução da criminalidade. É uma medida eficaz? Susana Durão – O policiamento comunitário tem muitas formas. No Rio de Janeiro já houve experiências anteriores, nos anos 1990. Mas por várias razões que não posso aqui especificar foi recentemente escolhida a versão UPPs. As UPPs são uma invenção brasileira com um olho nas cidades da Colômbia e outro nas urbes da África do Sul. Até o nome “pacificação” evoca cenários de guerra e intervenção militar. A sua territorialização e delimitação por favelas cria um projeto concentrado problemático. Há uma tensão evidente entre criar uma imagem positiva, midiatizada e a atomização de funcionamento de uma política de policiamento que parece ser refém das micro-dinâmicas do cotidiano. Como já foi dito por Luiz Machado da Silva, tem-se verificado um alargamento perverso do mandato dos policiais em lugares e classes sociais que eles pensam como a sua “propriedade”. Todavia, o aspecto mais gritante é como os mesmos policiais que participam na diminuição geral da letalidade nas favelas (que ninguém se poupa em elogiar) podem ser os mesmos que se envolvem em mortes violentas, ocultação de cadáveres e de provas, como tudo indica ter acontecido no caso Amarildo na Rocinha – com 25 PMs acusados no processo. Como vários estudiosos têm afirmado, sem uma transformação mais ampla e inteligente de todo o modelo das polícias no Brasil, as UPPs correm o risco de permanecer ilhas, ilhas que tanto alcançam bons resultados como refletem os problemas de sempre.

A UPP nasceu com o propósito de ser um policiamento pacificador de áreas urbanas dominadas pelo tráfico, não com o compromisso de perseguir e erradicar o tráfico. A ideia seria criar uma visibilidade estratégica do policiamento em algumas favelas e com isso diminuir a letalidade, garantindo a liberdade de ir e vir. É desse modo que ela se dá a conhecer nacional e internacionalmente, como uma espécie de reconquista das favelas pelo Estado, restaurando a ideia de verticalidade e de englobamento – como diriam os antropólogos Ferguson e Gupta. Creio que a extensão de convencimento mundial desta “imagem de marca” é hoje diferente daquela que se imaginava poder vir a ser em 2008, quando foi implementada a primeira UPP no morro de Santa Marta, bem no coração do Rio. Entretanto, movimentos sociais e a mídia nacional e internacional têm revelado as fragilidades do programa. JU – Em recentes manifestações de rua no Brasil, a polícia foi acusada de despreparo para atuar nesse tipo de situação, que apresentava um perfil muito distinto das intervenções a que estava habituada. Em sua opinião, isso revela alguma lacuna na formação policial? Susana Durão – Em sociedades democráticas, que prezam a imagem das suas polícias e a confiança que as burocracias produzem entre os cidadãos, a gestão da chamada “ordem pública” deve ser predominantemente preventiva e só muito ocasionalmente reativa. Quando governos e policiais usam o que chamo de violência-como-contenção em passeatas que são majoritariamente pacíficas, eles estão sinalizando uma autoridade que está longe de ser democrática. Pode dizer-se que todo o jogo de poderes e a espetacularização da repressão policial são apoiados por setores e classes sociais conservadoras. Mas eu creio que o Estado e os governos eleitos devem ter aqui um papel pedagógico diferente do que têm tido. Existem muitos domínios diferentes de formação policial que são importantes para os profissionais: patrulhamento e prevenção, ordem pública, segurança interna, criminologia e investigação criminal, gestão da segurança, policiamento municipal, segurança pública e segurança privada, gestão civil de crises. Podem ainda definir-se áreas mais específicas que merecem treino: o policiamento da violência doméstica e de gênero, crimes de ódio e ofensas raciais, crimes contra a criança, etc. No Brasil, como em muitos outros lugares, a formação e o conhecimento partilhado é parte do processo. Infelizmente, quando os governos recusam escutar o que dizem os movimentos sociais e os mais pobres, o policiamento ostensivo assume todo o seu esplendor. Creio assim que mudanças no policiamento têm necessariamente que ser sincronizadas com mudanças na política institucional, na forma como o Estado gere o que é de todos, incluindo a autoridade democrática.

Leia a íntegra desta entrevista em: http://www.unicamp.br/unicamp/ ju/584/policia-no-brasil-sofre-comausencia-de-referencias-positivas


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Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013 Foto: Antonio Scarpinetti

A trajetória da cardiologista Patrícia Asfora Falabella Leme, do Recife a Campinas MARIA ALICE DA CRUZ halice@unicamp.br

outor Danilo, aos 76 anos, atende na área da saúde da família, no Recife, Pernambuco. Também foi médico no setor de perícia do INSS, mas foi sua maneira de tratar seus pacientes nas décadas de 1970 e 1980 que chamou a atenção da filha, Patrícia Asfora Falabella Leme, ainda na infância quando, quase diariamente, frequentava seu consultório, antes das aulas de balé. A primeira característica desse atendimento amigável aos doentes que tocou Patrícia foi a simpatia. – Estudava pela manhã, à tarde ia para o consultório, e a secretária me levava ao balé. Até acabar as consultas, eu ficava desenhando e observando. De vez em quando, ele me chamava para entrar. O que me impressionava muito é que as pessoas gostavam dele, retribuindo a atenção com galinha, ovo, peru, batata. Coisas do Recife daquela época. Não sabia se queria ser médica, mas aquilo me encantava. Decidi somente no momento de prestar vestibular. Sou encantada com ele. E foi com simpatia que desembarcou de um táxi no Pronto-Socorro do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, debaixo de chuva. Com a simpatia, uma mala em cada mão e gesso no pé. Esta cena ainda é viva na memória de quem presenciou a chegada da cardiologista a Barão Geraldo, tão logo foi aprovada no concurso para residência na Unicamp. Recife/Unicamp. De lá para cá e daqui para lá, foram quatro longas viagens de ônibus, na companhia de uma amiga, que também se candidatava a uma vaga para residência na Unicamp e na Universidade de São Paulo (USP). A última viagem, pela aprovação, pela convocação urgente e uma fratura, foi feita de avião. Era uma fase de muitas mudanças, e detalhes tão peculiares jamais podem ser esquecidos por Patrícia. – Ligaram-me numa quarta-feira, comunicando a aprovação, e tive de assumir na sexta-feira. Vim, mesmo com o pé engessado. Fui direto ao PS, por orientação de alguém da Comissão de Residência, que disse para eu procurar por Adriana, uma médica que já havia iniciado a residência. Pernoitei no dormitório dos residentes, no terceiro andar. No dia seguinte, ao tomar conhecimento das condições da nova residente, o então docente da Pneumologia aconselhou-a a descansar e procurar um lugar para se instalar. – Encontrei uma pousada, mas no sábado já estava de plantão, na Enfermaria de Retaguarda. No corre-corre, não dava tempo para parar e analisar, tinha de tomar decisões rápidas e nem todas foram agradáveis ao coração daquela futura cardiologista. – Quando estava no terceiro colegial, engravidei e, quando vim fazer residência, meu filho estava com 6 anos. Como meu ex-marido havia voltado para a Venezuela, tive de deixar meu filho com minha mãe. Tentei trazê-lo no segundo ano de residência, quando já estava instalada em um apartamento, mas a jornada de plantões era intensa, e ele teve de voltar para o Recife. Fiz loucuras; cheguei a deixá-lo até com o porteiro a minha espera, mas era sacrificado para ele. Foram os momentos mais difíceis porque o coração ficou apertado, mas a área de cardiologia no Recife não tinha o nível que tem hoje, e eu precisava me especializar numa universidade de qualidade. Depois de três anos, ele veio para Campinas definitivamente. Hoje, aos 28 anos, é economista graduado pela Facamp. Apesar do conselho de doutor Danilo para esperar o bebê nascer para prestar vestibular, Patrícia estava certa que o melhor a fazer era dar continuidade à sua formação. Não somente prestou vestibular como foi premiada como primeira aluna da turma de 1991 no Recife. Na época, ainda se usava premiar os primeiros alunos que se destacavam na graduação.

A médica Patrícia Asfora Falabella Leme: “Não adianta você só tratar tecnicamente bem, tem de tratar com acolhimento, carinho, pois a pessoa doente está fragilizada”

Uma pioneira do Cecom – Começou dando certo porque eu já adorava o que fazia. Quando concluí a graduação, já havia decidido pela cardiologia. Amei a residência. Ao mesmo tempo em que sentia falta da família, de meu filho, estava deslumbrada com a oportunidade de me especializar na Unicamp numa área que amo. Ao terminar a residência em 1995, Patrícia foi contratada pela Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) para trabalhar na urgência do pronto socorro, onde permaneceu por 15 anos. No ano seguinte, foi orientada pelo então chefe William Cirilo a prestar concurso público para, caso aprovada, fazer parte do quadro de funcionários da Unicamp pelo Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). Foi aprovada em segundo lugar, mas em pouco tempo, com a morte de um colega, uma vaga para cardiologista foi aberta. – Pena ter assumido por este motivo muito triste, que foi a morte de um amigo, mas foi assim que passei para a carreira de servidores da Unicamp. Hoje, Patrícia escreve não somente sua própria trajetória, mas também trechos de um aspecto novo na história do Cecom. É a primeira funcionária e mulher a assumir a coordenação do órgão, até então ocupado por docentes. Foi supervisora, diretora médica, assessora e agora, a convite do reitor José Tadeu Jorge assume o centro, em substituição ao professor Roberto Teixeira Mendes, que assume a chefia do departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). No Cecom, ela começou a atender como cardiologista há 17 anos, conciliando as atividades da Unidade de Emergência Referenciada (UER) do Hospital de Clínicas, antigo Pronto Socorro. Em 2010, foi convidada pelo médico Lair Zambon para substituir o professor Edison Bueno no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Rio Claro, quando este foi chamado a assumir o Departamento de Medicina Preventiva. Abriu mão da Emergência, mas manteve duas atividades em sua rotina, pois passou a dividir a coordenação do AME com a direção médica e o atendimento no Cecom. – Era cansativo, mas foi ótimo viver esta experiência, pois era um trabalho pioneiro, interessante e de altíssima qualidade. O AME oferece um modelo novo de saúde que só existe em São Paulo desde 2007. Foi um privilégio poder participar desse processo, pois ele recebe elogios à vontade. As pessoas não estão acostumadas e se surpreendem com o atendimento. – É uma referência para o Brasil. Todo local em que trabalhamos tem de ter programa de qualidade. As fábricas têm seus

programas de qualidade, as peças têm de estar no lugar, então, imagine a vida humana. Não só pela qualidade, mas também pelo carinho. Não adianta você só tratar tecnicamente bem, tem de tratar com acolhimento, carinho, pois a pessoa doente está fragilizada. Como médica e gestora experiente, Patrícia admite que haja motivos para a resistência por parte dos pacientes em relação ao atendimento público. – Existe rejeição de alguns pacientes em relação ao atendimento público, mas o SUS é o melhor modelo de saúde do mundo, pois o paciente faz tudo o que precisa. Tem direito a transplante, quimioterapia. A questão é o subfinanciamento e, em determinados locais, a má gestão. Então a fila acaba sendo grande, demora. Médico bom e ruim tem tanto no SUS, quanto em atendimentos por convênio e particular. No AME, a fila é pequena, pois tem uma logística eficiente e agendamento eletrônico, além de uma estrutura e equipamentos de primeiro mundo. É como se fosse consultório particular. O que é bom, precisamos replicar. No Cecom, Patrícia e toda a sua equipe multiprofissional utilizam o Modelo de Melhoria em Saúde do Associates in Process Improvement (API), aprendido durante o curso Gestão por Processos (Gepro), que fez em 2004 em seguimento ao Planejamento Estratégico da Unicamp. – Temos 26 pessoas formadas pela metodologia e mais de 40 processos desenvolvidos e/ou revisados com ela. Quem trabalha com saúde tem a responsabilidade de se envolver cada vez e de maneira contínua com processos de melhoria, visando ao melhor cuidado ao seu paciente. Ciente de que tudo se constrói aos poucos, Patrícia se diz orgulhosa por trabalhar num setor em que a promoção à saúde e a prevenção são tão importantes quando a atenção ao paciente já doente. No Cecom, ela pôde participar da implantação de vários projetos, um deles é a campanha para prevenção ao câncer de intestino grosso para pessoas com idade a partir de 50 anos, feito em parceria com o Gastrocentro e as ações de saúde nas unidades, em que se oferecem palestras, exames de sífilis, HIV e hepatite, atividade física, exame preventivo de próstata, entre outros serviços que vão até o local onde se trabalha. Hoje, o Cecom tem 80% das ações previstas em seu Planejamento Estratégico concretizadas. – No Cecom, tem vários grupos – de tabagismo, hipertensão, reeducação alimentar, diabetes. Dificilmente, o paciente encontrará isto num convênio, um tratamento que envolva profissionais de dife-

rentes áreas, entre eles nutricionista, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta e educador físico. Cuidado tem de ser multidisciplinar. Consegue atingir melhores resultados. A atenção tem de fazer parte da obra de vida de uma pessoa, na opinião de Patrícia. O coração de mãe que pulsou de saudade pelo filho em seus primeiros dias em Campinas, hoje se alegra ao lado dele e de Marcela, 13, Letícia, 14, e o marido. A atenção à família também faz parte da obra que lhe foi atribuída, acredita. A promoção à saúde acaba sendo assunto em atividades oferecidas por ela na igreja e também nas festas de família. – Quando questionam sobre minha disposição em responder perguntas sobre medicina em reuniões de família, respondo que é minha obra e não vou perder a chance de executá-la. Onde estou tento melhorar a saúde das pessoas. Seja no trabalho, na igreja, em casa ou em festa de família.

HUMANIZAÇÃO A cardiologia, segundo Patrícia, é uma especialidade que lida muito com a recuperação e a morte, por isso é preciso ter muita sensibilidade. – O médico tem de ter sensibilidade para não mergulhar na dor da pessoa e prejudicar, assim, sua conduta profissional, mas, ao mesmo tempo, precisa ser sensível para se colocar no lugar do paciente e saber o que ele realmente precisa. Por mais que a emoção lhe ocorra, Patrícia acredita que um médico jamais deva usar a frase “perdi um paciente”, pois a saúde não depende de uma pessoa apenas. – A saúde depende da própria pessoa em seu cuidado, do médico em sua orientação, do ambiente em que o paciente vive. Se ele tem condições socioeconômicas favoráveis, se tem condições sanitárias e de se alimentar bem. O resultado em saúde não é culpa nem mérito de ninguém. É um conjunto. Nunca disse perdi um paciente. Porque morrer é o resultado de uma série de coisas. Não é culpa minha nem da pessoa. Uns dizem que a pessoa morreu porque fumava. Não é somente isso. É fácil falar. O cigarro influenciou. Mas por que fumava? Será que tinha outros prazeres que não fosse o do cigarro? Perfeccionista? Garante que em dose saudável. – Sou perfeccionista, mas me perdoo porque embora queira dar conta de tudo, quando falho, não me descabelo, permito me perdoar. Assim como sou com as pessoas. Nenhum ser humano é perfeito. Procuramos a perfeição, mas sabemos que não existe. Se não sai perfeito, buscamos outra saída.


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Na imagem, o melhor poço Ilustração: Divulgação

Grupo desenvolve algoritmos de processamento e imageamento de dados sísmicos ligados a reservatórios de petróleo LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

uando a mulher grávida passa por uma ecografia, as ondas de ultrassom refletem no feto e voltam trazendo dados que, processados no computador, resultam na imagem do interior do útero que permite ao médico observar como está evoluindo a gestação. Em outro extremo, temos o imageamento sísmico, em que ondas eletromagnéticas são substituídas por ondas elásticas (se enviadas em terra) ou por ondas acústicas (quando no mar), que refletem nas interfaces entre as camadas da subsuperfície e voltam trazendo um enorme conjunto de informações; utilizando-se algoritmos computacionais e métodos de imageamento, dos dados surgem imagens da subsuperfície da terra e, depois de interpretados, resultam em mapas indicando as estruturas geológicas com condições de acumular petróleo. Quem faz a analogia é o professor Martin Tygel, que coordena um projeto de quatro anos visando ao desenvolvimento de algoritmos de processamento e imageamento de dados sísmicos ligados a reservatórios carbonáticos. O projeto engloba várias teses conduzidas no âmbito do Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) e da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), sendo fruto de convênio entre a Petrobras e a Unicamp. Cerca de 30 pesquisadores desenvolvem algoritmos e novas técnicas com base em técnicas recentes de processamento de sinais, muitas delas ainda pouco exploradas em geofísica. Martin Tygel esclarece que o termo “sísmico” é utilizado no caso de excitações (vibrações) produzidas pelo homem, ao passo que “sismologia” ou “sismográfico” se relacionam aos terremotos, ou seja, a vibrações provocadas pela ação da natureza. “Nesse projeto, especificamente, o foco está no imageamento sísmico. Trabalhamos para produzir a melhor imagem possível da subsuperfície da terra, a fim de subsidiar o geofísico e o geólogo de petróleo – talvez os profissionais mais importantes na fase de prospecção – na decisão de indicar os locais para a perfuração de poços com o menor risco exploratório. Uma perfuração errada, aquela que leva a um poço seco, traz um enorme prejuízo. Descoberto um campo, são os engenheiros de petróleo que têm papel primordial, atuando na escolha de estratégias e tecnologias para viabilizar e otimizar a explotação (extração) do óleo em toda a vida útil do campo.”

Na opinião do coordenador do projeto, que é docente do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), o Cepetro é o principal centro da Unicamp no gerenciamento de estudos em petróleo, por possuir estrutura favorável, experiência e eficiência no trâmite entre pesquisa aplicada e indústria. “Esse projeto é uma continuação de outros que vêm ocorrendo há pelo menos 25 anos, quando o Cepetro foi fundado. A construção das imagens é uma questão muito complexa, interdisciplinar e multidisciplinar, que atrai geofísicos, geólogos, cientistas da computação, matemáticos aplicados, físicos e várias áreas da engenharia. Nesse sentido, o centro exerce um papel moderno, de atacar problemas de forma global, o que nenhum instituto faria sozinho.” Uma das maiores dificuldades no imageamento sísmico, ressalta Martin Tygel, está em separar os sinais importantes daqueles considerados ruídos. “No caso da exploração de petróleo no mar, em especial para as camadas do pré-sal, as ondas acústicas enviadas da superfície percorrem mais de sete quilômetros para baixo e outros tantos de volta; após propagar mais de 14 quilômetros, chegam sinais de todos os tipos. Diante dessa grande massa de informações, é possível imaginar a dificuldade em identificar o que é sinal e o que é ruído – principal objetivo dos profissionais que tentam gerar a tão cobiçada imagem da subsuperfície terrestre.”

AÇÕES

EM CADEIA

O professor observa que uma boa imagem, contudo, não basta para se encontrar petróleo, havendo para tanto três grandes grupos de atividades no setor. “O primeiro grupo é de aquisição sísmica, encarregado de ‘iluminar’ uma região de interesse. No mar, as ondas acústicas são enviadas através de canhões de ar: artefatos que liberam enorme quantidade de ar comprimido rapidamente, gerando uma forte energia que vai rebater nas interfaces das camadas da subsuperfície. Trata-se de uma operação espetacular – com centenas de pessoas, navios e campanas terrestres – e absolutamente proibitiva para a universidade. Acadêmicos não sobreviveriam às explosões”, brinca. Os dados coletados nesta megaoperação são transmitidos para um segundo grupo, que se encarrega do processamento das informações e do qual fazem parte pesquisadores como os da equipe de Martin Tygel. “A imagem é nosso feijão com arroz, mas se trata de pesquisa de ponta, que vamos continuar fazendo porque o pré-sal abriu novos horizontes com seus Foto: Antoninho Perri

O professor Martin Tygel, coordenador do projeto: “Trabalhamos para produzir a melhor imagem possível da subsuperfície da terra”

A imagem obtida em 3D tem a forma de um cubo no qual os dois eixos horizontais são as coordenadas dos receptores distribuídos em uma área (na proximidade) da superfície do mar e o eixo vertical representa o tempo de chegada do sinal sísmico, refletido em interfaces, que separam camadas geológicas, em profundidade

reservatórios carbonáticos. Os mais bem explorados são do tipo turbidito [depósitos sedimentares originados por correntes de turbidez submarinas]. As técnicas de outros reservatórios se aplicam para carbonatos, mas não tão facilmente, sendo necessário preencher esse vácuo com novas tecnologias.” O terceiro grupo da cadeia, complementa o docente da Unicamp, cuida da interpretação das imagens produzidas na universidade e é formado por experts que estão principalmente nas empresas. “As-

sim como o radiologista que encaminha a radiografia para o diagnóstico pelo médico, nós levamos as nossas imagens até o geofísico, que vai avaliar se elas apresentam qualidade suficiente para uma tomada de decisão. Como eu disse, nosso objetivo é a produção de softwares e de metodologias para extrair, daquela massa de informações, as que sejam úteis para quem gerencia as atividades de exploração e explotação de petróleo. E, em termos de resultados, já produzimos vários softwares que estão em uso.”

A produção de conhecimento focando os problemas do país Uma preocupação constante do professor Martin Tygel é a de esclarecer que os projetos do Cepetro são de longo prazo e de pesquisa aplicada, e não somente de serviços. “Há quem pense que usamos recursos humanos e tecnológicos da Universidade para resolver problemas pontuais de empresas, quando esses projetos, na verdade, estão voltados para a produção de conhecimento. A diferença é que os estudos não são desenvolvidos como desejam alguns pesquisadores, já que fazem parte de acordos universidade-empresa focando uma questão tecnológica importante. E cujo desdobramento é desconhecido, justamente por causa do forte caráter acadêmico.” Martin Tygel acredita que a pesquisa aplicada no setor de petróleo, assim como na medicina e em várias outras áreas, deve apresentar tanto um viés acadêmico como industrial. “O caráter industrial significa ter objetivos, prazos e transferência da tecnologia para a sociedade, uma série de premissas que fogem um pouco do dia-a-dia do professor ou acadêmico. A atividade laboratorial é fundamental, mas conciliando a elaboração de uma tese com um resultado impactante social e economicamente.” Na opinião do professor da Unicamp, o Brasil é um país que ainda possui maior tradição científica e pouca tradição tecnológica, o que dificulta o entendimento do projeto universidade-empresa. “Existem diferentes visões e muitas discussões sobre o papel da universidade. Para certas pessoas, o papel é de formar recursos humanos e simplesmente soltá-los no mundo; outras pessoas, entre as quais eu me incluo, consideram que a universidade, além de bem formar seus alunos, deve produzir conhecimento vinculado aos problemas importantes da nação.” Tygel atenta que a ciência está se reorganizando em torno de grandes problemas globais, ao invés de se ater às atividades específicas dos departamentos. “Antes, as pesquisas seguiam a atividade padrão de

cada instituto. Ocorre que encontrar petróleo, por exemplo, é uma questão fundamental para o país, assim como a cura do câncer, a produção de medicamentos e o avanço em genética ou em nanomateriais. São problemas que atraem especialidades de todas as áreas – medicina, computação, matemática, física, química, biologia, engenharias – reconfigurando profundamente a atividade acadêmica.” Segundo o docente, o diferencial em áreas como a de petróleo está em agregar pesquisas de impacto social e econômico com uma parte acadêmica forte e sólida. “Este é o papel da universidade, o melhor dos mundos. O projeto de imageamento sísmico do Cepetro já tem dois anos, envolvendo cerca de 30 pesquisadores: um professor da Matemática, um da Computação, três da Elétrica e um da FT de Limeira, todos com seus pós-docs, doutorandos e mestrandos; e, ainda, pesquisadores em regime de CLT, contratados com recursos do projeto. Vale salientar que, mesmo considerando os desafios ambientais envolvidos na sua produção, o petróleo é a commodity que fornece o maior retorno social em termos de impostos, royalties e outros benefícios. Some-se ainda o intenso impacto econômico e tecnológico gerado pela atividade de exploração e produção.” Sobre os pesquisadores em regime de CLT, Martin Tygel considera que contratá-los é uma forma de manter equipes qualificadas na universidade – e daí a importância dos projetos de longo prazo como os financiados pela Petrobras. “Em projetos pequenos, qualificamos pessoas que vão embora justamente quando estão em ponto de bala. A universidade deve se preocupar em manter esses profissionais. Na verdade, o mundo acadêmico vê o pesquisador como um professor ‘b’ que não deu certo; em outros países, ao contrário, é ele quem está na fronteira do conhecimento, atraindo recursos e dando visibilidade à universidade.”


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Vida a ca dêi m ca Painel da semana

Teses da semana Livro da semana Destaques do Portal da Unicamp

Painel da semana  Informática na Educação - Os jogos são uma importante ferramenta do processo de aprendizagem. Ocorre que em geral eles não fazem parte do contexto do ensino no Brasil. Muitos jogos são desenvolvidos no seio da universidade, são testados, financiados, publicados. É só. “A educação tem que embarcar de vez na área tecnológica”, defende o professor da Faculdade de Tecnologia (FT) Marcos Augusto Francisco Borges, que coordenará o Congresso Brasileiro de Informática na Educação, de 25 a 29 de novembro, no Centro de Convenções da Unicamp. Leia mais: http://www.unicamp. br/unicamp/noticias/2013/06/24/unicamp-sedia-maior-congresso-deinformatica-na-educacao-do-pais  PRP e Você - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) organiza no dia 25 de novembro, às 9 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o workshop “PRP e Você”. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, participa da abertura do evento. Mais informações no link http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2013/11/12/prp-organiza-workshop  Família, gênero e gerações - O Núcleo de Estudos de População (Nepo) e a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) organizam nos dias 26 e 27 de novembro, no salão nobre da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, o seminário internacional “Família, gênero e gerações – entre mudanças e permanência”. O evento, que tem como público-alvo pesquisadores, professores, estudantes de Demografia e de Estudos de População e áreas afins, objetiva discutir, da perspectiva demográfica, as relações entre família, gênero e gerações em diferentes espaços e temporalidades. A abertura oficial do seminário ocorre às 9 horas com a participação de autoridades da Unicamp e da Abep. Na primeira sessão, às 9h30, Steve Ruggles e Ana Silvia Volpi debatem o tema “Famílias, entre o passado e o presente”. As inscrições podem ser feitas no site www. abep.org.br. O seminário é apoiado pelo CNPq, Capes, Fapesp, Fundação Carlos Chagas e Cedeplar (UFMG). Mais informações pelo e-mail secretaria@abep.org.br  A-versão do sentido - O Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) organiza no dia 26 de novembro, às 9 horas, em seu auditório, a I Jornada internacional de análise de discurso e psicanálise com o tema “A-versão do sentido”. O evento é fruto da parceria entre o Labeurb e a Universidade do Vale do Sapucaí (Univás) e tem a colaboração do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. A jornada prossegue até o dia 27. Mais informações no site http://www. labeurb.unicamp.br/jiadp ou telefone 19-3521-7945.

 XXVI Encontro Nacional de Professores do Proepre - Evento ocorre no dia 26 de novembro, às 14h30, no Hotel Magestic, em Águas de Lindóia-SP. É organizado pelos professores Orly Zucatto Mantovani de Assis, Telma Vinha e Valério José Arantes. Site do evento http://www.fe.unicamp.br/encontroproepre/. Outras informações: telefone 19-3521-5584 ou e-mail lpgunicamp@hotmail.com  Novas abordagens em gestão de redes de inovação - Tema será abordado por Ana Flávia Portilho Ferro e Carolina Rio (Geopi-Unicamp), dia 27 de novembro, às 14h30, no auditório do Instituto de Geociências (IG). Mais detalhes: 19-3521-5124.  Obesidade e diabetes - No dia 28 de novembro, às 9 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Esporte e Saúde com o tema “Obesidade e Diabetes”. Inscrições e outras informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/saude74.html  Aluno-artista - O Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) organiza a 4ª edição do Programa Aluno-artista denominado “I Circuito das Artes”. Será nos dias 28 e 29 de novembro, das 12 às 14 horas. Na quinta-feira (28), o evento acontece na Praça “André Tosello”, localizada no pátio da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), com performance de música, dança, teatro, literatura, etc. Na sexta (29), as apresentações de música, teatro, dança e exibição de curtas acontecem no Ciclo Básico I. Entrada franca. Mais informações: 19-3521-7016.  Observatório Transnacional de Inclusão Social e Equidade no Ensino Superior - O lançamento do Observatório Transnacional de Inclusão Social e Equidade no Ensino Superior (OIE) ocorre no dia 28 de novembro, às 17 horas, no Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). A organização é do Núcleo de Estudos do Gênero (Pagu). O OIE é parte das realizações do Projeto Medidas para a Inclusão Social e Equidade em Instituições de Ensino Superior na América Latina (Miseal), desenvolvido desde 2012 em parceria com a Comunidade Europeia (Projeto Alfa III). Este projeto envolve dezesseis instituições de ensino superior, doze latinoamericanas e quatro europeias. O seu objetivo central é promover processos de inclusão social e promoção da equidade no ensino superior na América Latina, por meio da proposição de medidas para melhorar os mecanismos de acesso, permanência e mobilidade. Também visa impulsionar a formação de uma rede de especialistas que permita colaboração e trocas entre universidades europeias e latino-americanas. Site do evento: http://www.oie-miseal.ifch.unicamp.br/  FCM 50 anos - No dia 28 de novembro, às 19 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, acontece o lançamento do livro “FCM 50 anos - A realidade ultrapassou o sonho”. O livro tem 360 páginas e mais de 250 fotos. A publicação não será vendida. Cada convidado ganhará um exemplar. O livro contou com o apoio da Unimed-Campinas. Mais informações no site http://www.fcm.unicamp.br/fcm/fcm-hoje/eventos/2013/lan-amentodo-livro-fcm-50-anos-realidade-ultrapassou-o-sonho-0  Educação de jovens e adultos: questões atuais Livro será lançado no dia 29 de novembro, às 9 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Educação (FE), ocasião em que os professores Sérgio Leite, Luis Enrique Aguilar e Claudia Vóvio (Unifesp) participam de mesa-redonda. O evento é organizado pelo Gepeja (FE). A Editora é a CRV. Mais informações: deborac@unicamp.br  Graduação sanduíche em 20 países - A Unicamp, através da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri), acaba de abrir as inscrições aos Editais de outubro 2013 do programa Ciência sem Fronteiras (CSF) para graduação sanduíche nos seguintes países: Reino Unido, Bélgica, Canadá, Holanda, Finlândia, Austrália, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Espanha, EUA, Alemanha, França, Itália, Suécia, Noruega, Irlanda, China, Hungria, Japão, Áustria. Os alunos interessados em se inscrever devem preencher o formulário de inscrição no link http://www.internationaloffice.unicamp. br/wp-content/uploads/2013/08/VRERI-Form-Inscricao-formularioCIENCIASEMFRONTEIRAS1.doc e entregá-lo, até às 16 horas do dia 29 de novembro, no Escritório de Mobilidade da Vreri, localizado no piso térreo da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BC-CL). Mais informações: mobilidade_estudantil@reitoria.unicamp.br  Políticas de formação da educação infantil - A Faculdade de Educação (FE) recebe no dia 29 de novembro, diretores de institutos de educação de universidades brasileiras para um debate

sobre as políticas de formação da educação infantil. O evento é promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Diferenciação Sociocultural – Culturas Infantis (Gepedisci-Culturas Infantis) da FE e ocorre às 19 horas, no Salão Nobre da unidade Participam: Luiz Carlos de Freitas, diretor da FE; Lisete Arelaro, diretora da FE-USP e Ana Maria Orlandia Tancredi Carvalho, diretora da FEUFPA. Mais informações: telefone 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Feira cultural - O Centro Cultural de Integração e Inclusão e Social (CIS-Guanabara) organiza no dia 30 de novembro, das 14 às 17 horas, mais uma edição de sua Feira Cultural. Conheça a programação no link www.cisguanabara.unicamp.br  Camerata de Violões a caminho do Uruguai - A Camerata de Violões de Campinas foi convidada para participar do 8º Seminário Internacional de Violão do Uruguai e do 1º Concurso Internacional de Violão do Uruguai “Raúl Sánchez Clagett”, que acontecerão na primeira semana de dezembro, na cidade de Atlântida. O grupo deverá participar nas categorias solo e conjunto de violões. A Camerata é formada por oito estudantes do curso de violão da Unicamp, inclusive Helder Tomás, recentemente contemplado com o primeiro lugar no Concurso de Violões Musicalis pelo trabalho do Afinaduo, em parceira com Ricardo Henrique, em São Paulo. Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2013/11/04/cameratade-violoes-de-campinas-caminho-do-uruguai

Teses da semana  Computação - “Mapeamento de rede virtual atento à energia” (mestrado). Candidato: Esteban de Jesus Rodriguez Brljevich. Orientador: professor Nelson Luis Saldanha da Fonseca. Dia 29 de novembro, às 14 horas, no auditório do IC.  Economia - “Dependência econômica sob a hegemonia do capital financeiro” (doutorado). Candidato: Humberto e Silva Ribeiro de Lima. Orientadora: professora Daniela Magalhães Prates. Dia 27 de novembro, às 10 horas, no auditório “Jorge Tápia” do IE.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Aspectos construtivos de túneis urbanos de baixa cobertura em solo - estudo de caso do túnel de acesso ao centro administrativo de Minas Gerais” (mestrado). Candidato: Rodrigo Álvares de Araújo Melo. Orientador: professor Paulo José Rocha de Albuquerque. Dia 27 de novembro, às 14 horas, na sala CA-22 da CPG da FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Máquinas desorganizadas para previsão de séries de vazões” (doutorado). Candidato: Hugo Valadares Siqueira. Orientador: professor Christiano Lyra Filho. Dia 28 de novembro, às 14 horas, na sala de defesa de teses da CPG da FEEC. “Desenvolvimento de uma interface homem-máquina baseada em potenciais evocados visuais em regime estacionário” (mestrado). Candidata: Luisa Fernanda Suarez Uribe. Orientador: professor Eleri Cardozo. Dia 29 de novembro, às 10 horas, na FEEC. “Simulação acelerada de baixo custo para aplicações em nanoengenharia de materiais” (doutorado). Candidato: Luiz Gustavo Turatti. Orientador: professor Jacobus Willibrordus Swart. Dia 29 de novembro, às 14 horas, na sala PE12 da CPG da FEEC. “Desenvolvimento de um ambiente computacional para um simulador eletromagnético baseado no método FDTD” (mestrado). Candidato: Adriano da Silva Ferreira. Orientador: professor Hugo Enrique Hérnandez Figueroa. Dia 29 de novembro, às 14 horas, na sala PE11, do prédio da Pós-graduação da FEEC.  Engenharia Mecânica - “Avaliação econômica e ambiental do aproveitamento energético de resíduos sólidos no Brasil” (mestrado). Candidato: Mauricio Cuba dos Santos Mamede. Orientador: professor Joaquim Eugênio Abel Seabra. Dia 27 de novembro, às 14 horas, na sala KE-02 da FEM. “Análise de sistemas fotovoltaicos conectados à rede no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo: estudo de caso dos projetos da chamada estratégica nº13 da ANEEL” (doutorado). Candidato: Davi Gabriel Lopes. Orientadora: professora Carla Kazue Nakao Cavaliero. Dia 28 de novembro, às 9 horas, na sala de seminários ID2 da FEM.

Livro

da semana Um esqueleto incomoda muita gente... Sinopse: Poucas pessoas são capazes de imaginar a quantidade quase ilimitada de informações que podem ser retiradas de um esqueleto pré-histórico. Este livro apresenta, para o grande público, como o bioantropólogo trabalha no sentido de maximizar esse potencial, mostrando como marcas e patologias ósseas permitem recuperar a história pessoal ou da sociedade a que um indivíduo pertence. Mostra, por exemplo, que marcadores genéticos cranianos permitem inferir as relações de parentesco entre os indivíduos de uma determinada sociedade, ou mesmo a relação de parentesco entre sociedades diversas. Esses mesmos crânios permitem, por outro lado, inferir o grau de tensão intra e intergrupal através da análise de marcas de pancadas e fraturas ósseas. Já as infecções e as patologias bucais, como cáries e desgaste dentário, permitem reconstituir a qualidade de vida de sociedades extintas, revelando o grau de adaptação dessas sociedades a seus respectivos ambientes. Autor: Walter A. Neves Ficha técnica: 1a edição, 2013; 160 páginas; formato: 14 x 21 cm ISBN: 978-85-268-1024-2 Área de interesse: Divulgação Cultural e Científica Preço: R$ 30,00

 Engenharia Química - “Estudo do processo de desasfaltação em condições normais e supercríticas utilizando diferentes solventes de extração” (doutorado). Candidato: Leandro Lodi. Orientadora: professora Maria Regina Wolf Maciel. Dia 29 de novembro, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Eaggle: um modelo de programação linear para otimização de estratégias de mitigação de gases de efeito estufa em sistemas de produção de gado de corte” (mestrado). Candidato: Rafael de Oliveira Silva. Orientador: professor Antonio Carlos Moretti. Dia 25 de novembro, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Química - “Compósitos e nanocompósitos de poliamida 6, grafite e montmorilonita” (mestrado). Candidata: Lívia Barbosa Contar. Orientadora: professora Maria Isabel Felisberti. Dia 28 de novembro, às 14 horas, na sala E-312 do IQ. “Liberação sustentada do antisséptico clorexidina em micropartículas de quitosana e alginato” (doutorado). Candidata: Ana Cláudia Rueda Nery Barboza. Orientador: professor Francisco Benedito Teixeira Pessine. Dia 28 de novembro, às 14 horas, na sala IQ-14 do IQ.

Destaque do Portal o último dia 18, ocorreu a sexta edição do Prêmio Inventores Unicamp, promovido pela Reitoria da Unicamp e pela Agência de Inovação Inova Unicamp, cujo objetivo é homenagear docentes e pesquisadores da Universidade envolvidos em atividades de proteção e transferência de tecnologias. A mesa de autoridades foi composta pelo reitor da Unicamp, professor José Tadeu Jorge; pela pró-reitora de Desenvolvimento Universitário, professora Teresa Dib Zambon Atvars; professor Milton Mori, diretor executivo da Inova Unicamp; professor Paulo Cesar Montagner, chefe de gabinete da Reitoria; professor João Romano, diretor de parcerias e projetos colaborativos da Inova Unicamp; e Patrícia Leal Gestic, diretora de propriedade intelectual da Inova. “Homenageamos nesta edição 30 docentes da Unicamp provenientes de nove institutos. Uma unidade de destaque neste ano é o Instituto de Química, com 14 troféus – sete na categoria ‘tecnologia licenciada’ e sete em ‘patentes concedidas’”, destacou o professor Mori. O diretor executivo da Inova também falou sobre o início das estruturas de apoio à inovação na Unicamp. “Começamos as atividades de inovação na Universidade nos anos 90 com o professor Jorge Humberto Nicola, hoje homenageado e representado na cerimônia por sua esposa, professora Ester Nicola, e seu filho, Alessandro Nicola”, afirmou. Em seguida, os premiados foram contemplados na cerimônia. A categoria “Destaque na Proteção à Propriedade Intelectual” reconheceu a unidade da Unicamp com melhor performance em 2012, ou seja, o equivalente ao número de patentes da Universidade dividido pelo número de docentes da unidade. O Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas [CPQBA] conquistou o prêmio, que foi recebido pelo diretor da unidade, professor Ivo Milton Raimundo Junior. “Essa conquista é fruto do esforço de todos os pesquisadores do CPQBA, que estão bastante focados em ciência, tecnologia e inovação. A Inova é uma parceira importante e nos ajuda a mudar a mentalidade e proteger nossas pesquisas”, ressaltou.

Prêmio Inventores Unicamp homenageia trinta docentes Foto: Antoninho Perri

Professores homenageados no dia 18: foram contemplados docentes de nove unidades

Além disso, outros 18 professores – Celio Pasquini, Jarbas José Rodrigues Rohwedder, Susanne Rath, Yoshitaka Gushikem, Ivo Milton Raimundo Junior, Fernando Aparecido Sigoli e Italo Odone Mazali, do Instituto de Química (IQ); Fernando Antonio Campos Gomes, Dalton Soares Arantes, Evandro Conforti e Yuzo Iano, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC); Marcos Nopper Alves e Ilio Montanari Junior, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA); Eduardo Galembeck, do Instituto de Biologia (IB); Ricardo Dahab, do Instituto de Computação (IC); Daniel Barrera Arellano e Renato Grimaldi, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA); e Cristiano de Mello Gallep, da Faculdade de Tecnologia (FT) – foram homenageados na categoria intitulada “Tecnologia Li-

cenciada”, referente ao licenciamento do resultado de suas pesquisas e esforços no ano de 2012. Neste ano, o Prêmio também englobou a nova categoria “patentes concedidas” e premiou 12 docentes da Universidade: Carlos Kenichi Suzuki, Luiz Otávio Saraiva Ferreira, Rodnei Bertazzoli e Maria Clara Filippini Ierardi, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM); Mauro-Aurelio De Paoli, Isabel Cristina Sales Fontes Jardim, Carol Hollingworth Collins, Kenneth Elmer Collins, Fabio Augusto, Regina Sparrapan e Marcos Nogueira Eberlin, do IQ; e Antonio Ludovico Beraldo, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Para o professor Eberlin, do IQ, o recebimento do prêmio é um reconhecimento importante. “Acredito que há um novo

despertar da ciência brasileira. O brasileiro aprendeu a gostar de ciência e tecnologia, transformando pesquisas inovadoras em patentes e tecnologias. Precisamos fazer da Unicamp um exemplo nessa área. Com este evento e reconhecimento, temos ainda mais ânimo para submeter patentes na Universidade”, opinou. O Prêmio Inventores Unicamp também prestou uma homenagem ao professor Jorge Humberto Nicola, in memoriam, pelo pioneirismo na articulação de iniciativas voltadas à inovação na Unicamp. A professora Ester Nicola, esposa do professor, recebeu a homenagem. O reitor José Tadeu Jorge encerrou a cerimônia e falou sobre a importância da inovação no âmbito acadêmico. “Fazemos aqui um agradecimento institucional a Ester pela obra que o professor Nicola legou à Universidade. A Unicamp está acompanhando essa evolução com o intuito de fazer chegar benefícios à população brasileira”. O reitor ressaltou que a Inova é responsável por coordenar ações de registros, depósitos e licenciamento de patentes e conhecimentos que a Universidade pode dispor à sociedade brasileira. “É preciso lembrar que o destaque da Unicamp no âmbito da inovação só é possível devido ao empenho de docentes e pesquisadores, hoje justamente homenageados no Prêmio Inventores”, concluiu. Com o propósito de criar um registro online dessa iniciativa feita pela Universidade e preservar a memória do Prêmio Inventores Unicamp e de seus homenageados, a Inova Unicamp criou o site do Prêmio, que pode ser acessado em www.inova.unicamp.br/premioinventores. (Adriana Arruda)


Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013

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Precariedade e cultura sexista estigmatizam futebol feminino Estudo desenvolvido na FEF mostra que atletas não têm apoio e estrutura Foto: Ari Ferreira

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

atacante Marta Vieira da Silva foi eleita pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) por cinco anos seguidos a melhor jogadora de futebol do mundo, de 2006 a 2011. Conquistou medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 e de 2007, com a Seleção Brasileira de Futebol Feminino, e medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008. Foi considerada pela revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes de 2009. Iniciou carreira profissional no Vasco em 2000 e teve muitas glórias graças ao esporte. No momento, joga fora do país, no Tyresö FF, Suécia. Em poucos anos deverá estar aposentada, mas não com menos glórias, ao que tudo indica. Mas esse quadro não reflete a realidade para a maioria das jogadoras que atuam profissionalmente. Elas não têm apoio, estrutura e nem condições para o exercício no futebol. E, a despeito de todos os constrangimentos que apontam para as incertezas dessa seara, jogadoras de três clubes do Estado de São Paulo, que foram entrevistadas em pesquisa da Faculdade de Educação Física (FEF), continuam investindo nessa atividade como eixo norteador dos seus projetos de vida, insistindo em rebater uma cultura sexista que elege o futebol como reduto e reserva masculina no país. Essa constatação está registrada na tese de doutorado do pesquisador Osmar Moreira de Souza Júnior, na qual ele abordou o universo da prática do futebol profissional pelas mulheres. Seu projeto derivou das inquietações de dois entusiastas desse futebol: dele próprio e de sua orientadora, a docente Heloisa Reis. O autor da tese escolheu o assunto graças a uma experiência recente de ter estado à frente de uma equipe de futebol de meninas em Rio Claro, e a professora Heloisa Reis, pela sua vivência nos gramados como jogadora do Guarani F.C., um dos times pioneiros da modalidade na década de 1980, após revogação do decreto dos anos de 1960 que proibia essa prática por mulheres. A equipe do Guarani da década de 1980 e a história da prática do futebol por mulheres antes desse período já tinham sido discutidos na dissertação de Eriberto Lessa Moura, também orientado pela professora Heloisa. Tal conteúdo, informa Osmar, forneceu alicerces para novos estudos, entre os quais dedicados a compreender os entraves que insistem em manter invisível o futebol de mulheres em pleno século 21. A proposta de Osmar foi analisar o futebol atual, na esfera da alta performance. Para isso, ouviu dirigentes e treinadores(as). Também foram feitas entrevistas e grupos focais especificamente com as jogadoras, além de observações às rotinas de treinamentos e jogos das equipes femininas. “Recorrendo à legislação esportiva, que atua solidariamente com a legislação trabalhista, é possível identificar que nenhum dos três clubes pesquisados, e muito provavelmente nenhum outro no Brasil, cumpre as diretrizes legais. Eles submetem as atletas às exigências dos deveres de profissionais previstas na Lei Pelé, mas não oferecem contrapartida – a remuneração pactuada por contrato de trabalho esportivo e as condições exigidas para o exercício profissional”, ressalta ele. Nesse cenário, embora não desfrutando do direito assegurado pela legislação e vivenciando uma situação que se assemelha ao emprego disfarçado, as jogadoras devem sim ser consideradas profissionais do futebol. Afinal, elas são detentoras de um capital simbólico referendado por seus pares no campo esportivo, como uma expertise forjada a partir da dedicação ao aprimoramento técnico-tático e à consequente (e concorrente) abnegação a qualquer outro campo de atuação profissional.

De outra via, também constatou que a Fifa idealiza a política, porém não zela para que seja implementada, de forma que o que se vê em suas afiliadas e subafiliadas, como a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol (FPF), nem de longe lembra as diretrizes delineadas em seu projeto para o desenvolvimento do futebol.

ENTREVISTAS

Brasileiras lamentam derrota para os Estados Unidos, na final do futebol feminino, nas Olimpíadas de Pequim, em 2008 Foto: Divulgação

Osmar Moreira de Souza Júnior, autor da tese, com atletas em Rio Claro: ouvindo dirigentes e profissionais

PROBLEMA Segundo o doutorando, a participação das mulheres no futebol se consolidou desde meados de 1990, depois de um período em que a modalidade ganhou uma certa exposição midiática. Por outro lado, o período também foi marcado pela busca da erotização da modalidade, com iniciativas como o Campeonato Paulista de 1997, que usou como critério para a seleção das jogadoras os atributos físicos, em detrimento das que tinham um maior potencial futebolístico, critica ele. Mesmo assim, isso não impediu que meninas e mulheres continuassem ampliando seus espaços no esporte e no lazer, e no campo do alto de rendimento. “Apesar de todos esses avanços, continuamos ‘engasgando’ ao falar de um futebol feminino profissional, revelando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres para legitimar esse campo de atuação”, lastima. Osmar estudou o Campeonato Paulista de Futebol Feminino de 2011. O seu problema de pesquisa envolvia compreender em que medida o futebol de alto rendimento praticado por mulheres aproximava-se, e em que medida se afastava, de uma organização profissional.

Para dialogar com o problema, criou categorias de análise: a organização do futebol feminino (competições, clubes, federações), projetos das jogadoras (dedicação, vencimentos, percepção de status, contrato, apoio familiar) e futebol como profissão (agências reguladoras, dedicação, vencimentos, percepção de status, carreira, família, legislação esportiva). Conforme Osmar, as distintas estruturas dos clubes pesquisados acabaram forjando diferentes representações das atletas. Enquanto no Clube A, por exemplo, tratavam suas contusões em modernas salas de fisioterapia, no Clube C algumas quase tiveram que encerrar a carreira precocemente pela ineficácia (ou inexistência) do sistema de atendimento médico. A investigação permitiu conhecer mais as rotinas e os projetos de vida de mulheres que procuravam se estabelecer como profissionais em meio a um cenário adverso, que pouco contribui para esse status. Acessando as políticas previstas pela Fifa, que levam em conta o desenvolvimento do futebol para mulheres, incluindo um extenso rol de subsídios que variam de consultorias a linhas de assistência financeira, o pesquisador notou que existe uma política de vanguarda para reduzir as “estratosféricas” desigualdades de gênero no futebol.

Um sonho antigo Heloísa jogou no GFC em 1983 e 1984. A equipe venceu todos campeonatos de então, exceto o Campeonato Paulista de 1983, para ficar com a vice-liderança, perdendo a final para a principal equipe – Ísis Pop. Encerrou suas atividades após a conquista porque muitas jogadoras foram para o Radar FC, que se tornou a mais destacada. “Sonhávamos com a profissionalização, acreditando que isso dependeria apenas de provar que mulher poderia jogar futebol. As conquistas foram insuficientes para convencer os carto-

las do clube sobre o valor da reivindicação. A resposta foi o encerramento da equipe sem explicações, em 1984”, testemunha ela. Já à época, as jogadoras passavam por dificuldades para se deslocarem até o clube e se alimentarem. “Às mulheres somente eram permitidos treinamentos em campo de terra, porém tínhamos mais espaço na mídia e no meio futebolístico do que hoje, pois fazíamos muitas preliminares de jogos masculinos da primeira divisão do Brasileiro e do Campeonato Paulista”, revela a docente.

Ao se deparar com a realidade dos clubes nas conversas com as protagonistas do estudo, ficou evidente uma relação ambígua experimentada pelas jogadoras. De um lado sua atividade aproxima-se do exercício profissional previsto na legislação esportiva, cumprindo com os deveres como dedicação exclusiva ao clube, treinamentos diários regulares, descanso funcional, jogos, entre outros. Já por outro reconhecem não desfrutar da estrutura e benefícios que fariam jus como profissionais. Uma forte evidência desse contrassenso está no fato de um dos clubes pesquisados não oferecer qualquer tipo de pagamento às atletas e de outros dois realizarem seus pagamentos sem contrato de trabalho ou sem registro em carteira, com vistas a evitar a formalização de vínculos empregatícios. Os achados indicaram que essa relação de emprego “disfarçado” fere a legislação esportiva do país – a Lei Pelé –, a qual estabelece a profissionalização de atletas de futebol com remuneração decorrente de contrato de trabalho desportivo, apura ele. Na visão do autor da tese, a legislação que voga embasou-se em jogadores do sexo masculino. Mas, supostamente, até para não se tornar inconstitucional, legislando na contramão da Constituição Federal – que descreve que “homens e mulheres são iguais em diretos e obrigações” –, não faz qualquer menção à distinção de gênero. “Essa situação acaba configurando a existência de jurisprudência para que as jogadoras tenham reconhecida pela justiça sua condição de profissionais do futebol.” Nas entrevistas, as jogadoras acabaram refletindo um sentimento ambíguo: reconheceram que não desfrutavam das condições e status de profissionais do futebol, mas nem por isso deixaram de se afirmar como tais. Outro aspecto que chamou a atenção de Osmar foi o valor que elas dão à carteira de trabalho e à cobrança que sofrem na família, por não terem esse instrumento para regulamentar seus vínculos. Essa configuração traz um dilema na percepção delas e de seus familiares, em relação ao exercício de suas atividades, que muitas das vezes distancia-se do estatuto de trabalho. Por volta do ano 2000, o pesquisador colocou em execução um projeto de uma equipe de futebol de meninas, batizada como Minerva Futebol Feminino, que participava de jogos e campeonatos de futebol e futsal na região de Rio Claro. O projeto, que nunca teve caráter institucional, foi implementado como ação voluntária, com objetivos ligados à prática esportiva, tendo ainda uma perspectiva de inclusão social. A equipe participou de competições de 2002 a 2008, chegando a contar com cerca de 40 jogadoras, e conquistou diversos títulos. Osmar foi seu treinador, “dirigente” e torcedor. Foi daí que surgiu uma maior sensibilização pelo tema, sobretudo o respeito pelas mulheres que sonham viver do futebol com dignidade.

Publicação Tese: “Futebol como projeto profissional de mulheres: interpretações da busca pela legitimidade” Autor: Osmar Moreira de Souza Júnior Orientadora: Heloisa Helena Baldy dos Reis Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)


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Campinas, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2013 Foto: Divulgação

O físico e os pífanos

Confecção de pífano: cada artesão imprime sua marca no instrumento

LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

mpedância acústica é um conceito que indica a resistência oferecida por sistemas à propagação de ondas sonoras, e seu conhecimento é indispensável quando se almeja descrever ou controlar o comportamento acústico de dutos cilíndricos, como acontece para sistemas de ventilação de edificações, sistemas de escape e silenciadores de veículos, ou mesmo para instrumentos musicais de sopro. A impedância é obtida experimentalmente através de um medidor, que registra a sua variação em frequência. O tema escolhido pelo físico Rodolfo Thomazelli para a sua dissertação de mestrado foi justamente a “construção e validação de um medidor de impedância para sistemas tubulares”, com a orientação da professora Stelamaris Rolla Bertoli, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. O inusitado, em um estudo na área de engenharia civil e arquitetura, é o objeto escolhido para validar o medidor: o pífano, instrumento de sopro da família das flautas, bastante popular no Brasil e feito artesanalmente de bambu. “A princípio, o objetivo era construir um medidor para investigar a impedância acústica de dutos cilíndricos simples e complexos de maneira geral, mas na etapa de validação decidimos utilizar os pífanos. Poderíamos ter escolhido qualquer instrumento de sopro, mas o interesse por esse instrumento surgiu devido à sua característica tradicional: é feito de bambu e não há um padrão para sua confecção, cada artesão constrói do seu jeito, algo interessante para ser estudado e documentado”, justifica Rodolfo Thomazelli, que também é músico. Na opinião do autor da pesquisa, o entendimento e a descrição do mecanismo de produção sonora de instrumentos musicais é de interesse da ciência devido à complexidade dos fenômenos acústicos envolvidos. A modelagem de tais fenômenos no mínimo agrega ao conhecimento. Por outro lado, aplicações podem ocorrer de acordo com necessidades apontadas por músicos e artesãos. “Estudos científicos podem contribuir, ainda, para melhorar a qualidade de instrumentos musicais industriais produzidos em larga escala, além de oferecer opções para experimentações em novas estéticas no mundo musical.” Thomazelli encontrou na literatura muitos estudos utilizando métodos experimentais para aquisição da impedância de instrumentos de sopro, principalmente da flauta transversal, mas nenhuma pesquisa experimental com o pífano. “Nesse sentido, a pesquisa pode ser inédita. O método adotado é extensivo a outros instrumentos e aplicações, tanto que nos próximos meses vamos medir a impedância acústica de protótipos de tratos vocais, cujos resultados incorporarão uma pesquisa acerca da influência do trato na execução das flautas transversais, tema de doutorado da pesquisadora Fabiana Coelho, da USP.” O método experimental adotado, como esclarece o pesquisador, tem a sigla TMTC (Two Microphones Three Calibrations), uma versão acessível e eficiente de métodos que vêm sendo utilizados desde 1970, baseados no uso de dois microfones, para a obtenção de coeficientes de absorção sonora de materiais. “Os autores do método desenvolveram e publicaram em 1990 o sistema de calibração total, que garante a qualidade das medições da impedância de sistemas acústicos.”

Mostrando seu aparato, Rodolfo Thomazelli explica que o pífano é conectado na ponta de um tubo denominado “cabeça de impedância”, por onde insere-se um sinal sonoro que compreende uma grande faixa de frequências; e a interação do pífano com o aparato experimental gera um padrão acústico que é captado pelos microfones. “A partir de manipulações matemáticas com os sinais captados, obtenho as medidas de impedância, que são impressas na forma de gráficos para análise. A impedância é uma característica do objeto e independe do tipo de excitação sonora, ou seja, da ação do músico. Por isso, não analisamos a interação entre pífano e tocador, que é subjetiva; tiramos medidas objetivas das características acústicas próprias do instrumento, o que pode auxiliar na sua confecção ou qualificação, desde que haja interesse por parte do artesão.” Concluída a dissertação, o autor ainda pretende fazer ajustes no equipamento visando melhores resultados e outras aplicações, entre elas medições de coeficiente de absorção sonora de materiais, um recurso bastante útil para a FEC. “Ao invés de utilizar uma câmara reverberante, é possível colocar uma pequena amostra do material no aparato e obter, por procedimentos específicos, os valores de coeficiente de absorção sonora. Outros exemplos de aplicações referem-se ao auxílio do controle de ruído em tubulações de sistemas de ar ou a detecção de vazamentos em outros sistemas cilíndricos de edificações. O medidor de impedância pode trazer ainda informações acústicas a respeito de vários outros objetos, como silenciadores e protótipos de canais auditivos.” Fotos: Antonio Scarpinetti

PARCERIA MUSICAL

Thomazelli teve em sua pesquisa a colaboração do músico Fernando Tocha, que pesquisa as brincadeiras da cultura popular, principalmente as bandas de pífano, e que também possui seu lado artesão na construção de instrumentos. “Como músico e artesão, minha vontade é construir um bom instrumento, buscando uma sonoridade que transite do tradicional às novas linguagens musicais. A princípio, o artesão não precisa da ciência, mas essas ferramentas podem ajudá-lo a corrigir eventuais deslizes na construção e descobrir novas possibilidades.” Formado em antropologia e agora cursando música na Unicamp, Fernando Tocha contribuiu com as flautas para analisar se os dados científicos batiam com a percepção do músico em termos de sonoridade. “Medimos cada nota na escala do pífano, observando o comportamento do instrumento frente a diferentes estímulos sonoros. Sugiro que os dados sejam utilizados para aprimorar a fabricação de flautas, ou mesmo produzir um padrão para que o artesão não precise se guiar somente pela audição e pela experimentação oral, que são de fundamental importância para a vivacidade das tradições”. Normalmente, o artesão tradicional de pífanos constrói duas flautas quase idênticas, faz perfuração por perfuração, acompanhando auditivamente as interferências na construção, deixando as duas afinadas entre si e com uma sonoridade belíssima e singular quando tocadas juntas. “Como eu não sou criado na tradição do pífano e tenho uma influência musical diversa, os pífanos que construo são afinados na escala temperada ocidental, o que possibilita tocá-los com instrumentos construídos industrialmente e afinados nessa mesma escala, como a sanfona, o piano e o violão”, afirma Tocha.

MULTIDISCIPLINARIDADE

Pífano em laboratório: construção e validação de um medidor de impedância para sistemas tubulares

Stelamaris Bertoli, orientadora da dissertação de mestrado, é professora do Departamento de Arquitetura e Construção e responsável pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Física Aplicada (Lacaf). Segundo ela, a área de Acústica em que atua é bastante ampla, envolvendo várias áreas do conhecimento, como Engenharia civil, Arquitetura, Medicina e também a Música. “Pensando em uma dissertação com aplicações associadas à engenharia, surgiu a ideia do tubo de impedância,

equipamento utilizado para medir as propriedades de absorção sonora em materiais. Já a ideia de aplicar esse sistema padrão de medição na música, veio de um contato com o professor Ricardo Goldemberg, do Instituto de Artes. O aluno foi extremamente habilidoso, construindo um sistema de baixo custo e com o que tínhamos em mãos”, elogia a docente. Stelamaris Bertoli atua principalmente no desempenho de edificações, mas também em estudos de propriedades acústicas de materiais e qualidade acústica de salas, a exemplo de espaços para performance de música. “Tenho orientandos que trabalham em igrejas, teatros e salas de aula. A técnica estudada pelo Rodolfo pode ser estendida para área de desenvolvimento de materiais acústicos, que é carente; e também para conhecer o funcionamento de alguns tipos de instrumentos musicais, por vezes, orientar a escolha dos espaços mais adequados para ouvi-los. No passado, por exemplo, havia salas específicas para execução de música barroca ou ainda salas de concerto específicas para música do período romântico – Wagner tinha a sua sala de concertos. Hoje, queremos um mesmo espaço para atender vários tipos de atividades (salas multiuso), o que é muito delicado do ponto de vista da acústica.”

‘Melodia Pifada’ A pesquisa de mestrado apresentada na FEC entrou no filme “Melodia Pifada”, em fase final de montagem, que documenta experiências com o pífano contadas por Rodolfo Thomazelli enquanto físico, Fernando Tocha enquanto músico e Sebastião Biano enquanto pifeiro e mestre da Banda de Pífanos de Caruaru. “Temos a visão da ciência, da música moderna e da tradição. O filme é uma parceria com o fotógrafo Daniel Pátaro, da Etc. Vídeo Estúdio, de Campinas, que além de registrar os depoimentos fez imagens da colheita do bambu, da construção do instrumento e do pífano em ação nos shows do Grupo de Pífanos Flautins Matuá”, adianta Fernando Tocha. No filme destaca-se o depoimento de Sebastião Biano, que fala de um episódio da infância em que foi obrigado a mostrar “o toque de Lampião” para o próprio Virgulino, juntamente com o irmão também menino. “Ficamos molhados de medo”, conta o pifeiro. O toque, segundo Luís da Câmara Cascudo, era “É lamp, é Lampião”, música composta pelo cangaceiro, cantor, dançador e poeta, e considerada o segundo hino de guerra do bando. O primeiro hino era “Mulher Rendeira”, que Virgulino cantou durante um ataque à cidade potiguar de Mossoró.

Publicação

Da dir. para a esq., a professora Stelamaris Bertoli, orientadora, Rodolfo Thomazelli, autor da tese, e o músico Fernando Tocha: investigação multidisciplinar

Dissertação: “Construção e validação de um espectrômetro de impedância” Autor: Rodolfo Thomazelli Orientadora: Stelamaris Rolla Bertoli Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


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