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Campinas, 17 a 23 de março de 2014 - ANO XXVIII - Nº 590 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT

Fotos: Reprodução

Marchando com o capital estrangeiro 5

Dissertação de mestrado de Ulisses Rubio Urbano da Silva, desenvolvida no Instituto de Economia (IE) e orientada pela professora Ligia Maria Osório Silva, mostra como se deu o apoio dos governos do regime militar ao capital estrangeiro.

Castelo Branco (à dir.), primeiro presidente da ditadura militar: medidas econômicas foram tomadas logo depois do golpe

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Quando a dengue escolhe seus alvos Modelo 3D, mutações genéticas e perda dentária Problemas cercam expansão da educação profissional

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Por um jogador de futebol que use mais a cabeça Capoeira integra projeto pedagógico de escola O ‘paraíso mineiro’ de Manuel da Costa Ataíde

O peso do Twitter na opinião pública Clima impulsionou império de Gêngis Khan Autor de artigo sobre células-tronco admite erro

TELESCÓPIO

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Campinas, 17 a 23 de março de 2014

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Cuidado na hora de usar ‘Big Data’ Artigo publicado na edição da última semana da revista Science, assinado por pesquisadores dos EUA e da Itália, chama atenção para os riscos do uso da chamada “big data” – grandes agregados de dados gerados por ferramentas de busca online e redes sociais – na elaboração de pesquisas científicas. O ponto de partida da crítica é uma série de erros constatados nas previsões feitas pelo Google Tendências de Gripe (GFT, na sigla em inglês), um serviço que usa estatísticas dos termos pesquisados no site de busca para mapear a situação da gripe no mundo. No início do ano passado, o GFT superestimou, por uma grande margem, o número de consultas médicas por gripe que aconteceria nos Estados Unidos. Sem negar o potencial científico da “big data”, os autores do artigo chamam atenção para dois problemas que, segundo eles, estão na raiz do fiasco do GFT: “arrogância” e “dinâmica dos algoritmos”. “Arrogância”, segundo eles, vem da “pressuposição de que a ‘big data’ substitui, em vez de complementar, os métodos tradicionais de análise e coleta de dados”. O foco principal da crítica está na necessidade de estabelecer validade e confiabilidade para os procedimentos de “big data”, além de normas de transparência que permitam a reprodutibilidade das conclusões. Já a “dinâmica dos algoritmos” reflete o fato de que o funcionamento do Google e das redes sociais está sempre mudando, para melhorar o serviço comercial do site, e essas mudanças acabam interferindo na agregação dos dados.

Elefantes distinguem idade, sexo e etnia humana pela voz Elefantes do Parque Nacional Amboseli, no Quênia, correm mais risco de entrar em conflito com membros da etnia Masai que da Kamba, e entre os Masai, os mais perigosos são os homens adultos – não os velhos ou as crianças, e certamente não as mulheres. Pesquisa realizada por cientistas britânicos e quenianos, publicada no periódico PNAS, mostra que os elefantes sabem disso, e são capazes de reconhecer o grau de periculosidade dos humanos apenas pelo som da voz. Tocando gravações da frase “Olhe ali, um grupo de elefantes vem vindo” ditas por pessoas de diferentes sexos, idades e etnias na presença de 48 grupos de elefantes, os autores determinaram que os animais tinham muito mais chance de assumir uma postura defensiva quando a linha havia sido gravada por Masais do que por Kombas, por Masais homens do que por Masais mulheres e por Masais do sexo masculino adultos do que por meninos.

Os cientistas já sabiam que os elefantes reagiam de modo mais agressivo a roupas com o cheiro de Masais do que com o cheiro de Kombas, e especularam que a audição poderia representar uma forma de identificação de predadores tão importante quanto o olfato.

Espaços vazios do Universo têm gavinhas de galáxias Pesquisadores australianos anunciaram ter encontrado longos filamentos de galáxias em partes do espaço que antes pareciam totalmente vazias. Astrônomos sabem, há tempos, que as galáxias do Universo organizam-se numa intricada rede de aglomerados unidos por filamentos, em meio à qual existem grandes vazios, onde muito poucas galáxias são observadas. De acordo com nota do Centro Internacional de Pesquisa em Radioastronomia (ICRAR, na sigla em inglês), cientistas baseados na Universidade de Western Australia descobriram que essas galáxias “solitárias” na verdade se organizam em delicados filamentos. O principal responsável pela descoberta, Mehmet Alpaslan, disse que essas são estruturas inéditas, e que seu grupo decidiu chamá-las de “gavinhas”.

Mudança climática ajudou Gêngis Khan Um período de 15 anos de clima ameno e chuvoso na Mongólia Central, sem precedentes em todo o milênio anterior, acompanhou e pode ter impulsionado a expansão do império de Gêngis Khan no século 13, diz artigo publicado no periódico PNAS. O império criado por Gêngis foi o maior em territórios contíguos da história, e os autores do estudo propõem que o aumento na produtividade das pastagens, trazida pela mudança climática, foi um fator importante na formação e na consolidação do poderio militar mongol. A análise do clima do passado na região foi feita com base nos anéis de crescimento de árvores. Os pesquisadores, ligados a universidades dos EUA e da Mongólia, encontraram uma transição abrupta nos sinais registrados na madeira, passando de condições de seca para de abundância de umidade. “A transição de uma seca extrema para umidade extrema, exatamente naquele momento, sugere que o clima teve um papel nos eventos”, disse, em nota distribuída pela Universidade de Columbia (EUA), a pesquisadora Amy Hessl, uma das autoras do trabalho.

Autor de estudo japonês de células-tronco pede retratação Um dos autores de um polêmico estudo japonês, que afirmava ser possível transformar células comuns em células-tronco com a aplicação de um banho ácido, pediu que o trabalho seja retirado da literatura científica. De acordo com o jornal The New York Times, Teruhiko Wakayama, um dos coautores do estudo publicado em janeiro na revista Nature, disse que sua confiança no resultado divulgado foi abalada por uma série de críticas levantadas nas últimas semanas. A nova técnica para produção de células-tronco transformou a jovem cientista Haruko Obokata, principal autora de dois artigos sobre o assunto, numa celebridade no Japão, e num símbolo da ascensão das mulheres no mundo científico, diz o diário norte-americano. No entanto, dificuldades na reprodução dos resultados anunciados têm gerado ceticismo quanto às conclusões originais de Obokata, Wakayama e colegas. Além disso, questões de plágio foram levantadas, o que levou a Nature a lançar uma investigação sobre os artigos. “Para investigar a validade do estudo, primeiro temos de fazer uma retratação, coletar as fotos e os dados corretos e provar outra vez que o estudo estava certo”, disse Wakayama.

Micróbio usa corrente elétrica para se alimentar Um tipo comum de bactéria, Rhodopseudomonas palustris, é capaz de atrair elétrons das profundezas do solo, ao mesmo tempo em que se mantém na superfície, absorvendo a luz do sol. A descoberta, feita por pesquisadores da Universidade Harvard, foi publicada no fim de fevereiro no periódico Nature Communications. Os micróbios usam a luz solar para obter energia, e normalmente precisam de ferro para conseguir os elétrons, mas esse elemento costuma ficar abaixo da superfície. Para alcançá-lo, as bactérias usam minerais condutores de eletricidade como intermediários. “No centro do nosso estudo está um processo chamado eletrotransferência extracelular, que envolve mover elétrons para dentro e para fora das células. Fomos capazes de mostrar que esses micróbios absorvem eletricidade, que entra em seu metabolismo”, disse, por meio de nota, um dos autores do trabalho, Peter Girguis.

Os testes de laboratório mostraram, ainda, que as bactérias são capazes, quando necessário, de obter elétrons de outras fontes além do ferro.

Descoberto fóssil de tiranossauro ártico O crânio de 70 milhões de anos do que parece ser uma versão reduzida do temível tiranossauro foi descoberto no Alasca, informa artigo publicado no periódico online PLoS ONE. Segundo a análise dos ossos, o animal é um exemplar de uma nova espécie de tiranossaurídeo, Nanuqsaurus hoglundi, parente dos tarbossauros e dos tiranossauros. Os autores da análise, do Museu Perot de Ciência de Natureza, baseado em Dallas (EUA), acreditam que o animal era bem pequeno – o crânio adulto teria um comprimento de 63 centímetros, ante 152 centímetros de um tiranossauro rex. Os autores especulam que o tamanho menor pode ter sido uma adaptação às condições de escassez do clima ártico.

Como o Twitter afeta a opinião pública Pesquisadores chineses reuniram mais de 6 milhões de mensagens publicadas no Twitter num período de 6 meses, em 2011 e, depois de usar algoritmos de computador para filtrá-las por tema, analisaram como as opiniões dos autores sobre cada assunto evoluiu ao longo do tempo. A análise, publicada no periódico Chaos: An Interdisciplinary Journal of Nonlinear Science, revelou que a opinião pública no Twitter evolui rapidamente pra um estado de equilíbrio, no qual uma posição assume papel dominante, mas não se torna unânime: visões dissidentes, mesmo enfrentando forte oposição, têm pouca chance de desaparecer. Os autores, Fei Xiong e Yun Liu, notam que, como a opinião dominante emerge muito rapidamente, uma pequena vantagem na divulgação de um ponto de vista no estágio inicial da competição entre ideias pode se refletir em um grande ganho quando a opinião pública se cristaliza. “Quando a opinião pública estabiliza, ela se torna muito difícil de mudar”, disse Xiong, por meio de nota.

Foto: Reprodução/Wikipedia

Retrato do conquistador Gêngis Khan em encosta da Mongólia, em imagem de 2006

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Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@ reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Campinas, 17 a 23 de março de 2014 LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

dengue, que assola principalmente os países tropicais, não é uma doença “democrática” que atinge igualmente a todos os grupos sociais, como prega o senso comum. Pesquisa de mestrado em demografia desenvolvida pelo cientista social Igor Cavallini Johansen, orientada pelo professor Roberto Luiz do Carmo e apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), mostra que a dengue está mais associada aos grupos de estratos socioeconômicos menos favorecidos, especialmente os de baixa renda e de negros. Também estão mais suscetíveis aqueles que vivem perto dos chamados “pontos estratégicos”, como borracharias, ferros-velhos e depósitos de materiais recicláveis. Tendo como cenário o município de Caraguatatuba, no litoral norte paulista, Igor Johansen estudou, por um lado, as possíveis inter-relações da distribuição dos serviços de saneamento (água, esgoto e coleta de lixo) com as características sociodemográficas da população residente; e, por outro lado, a dispersão espacial da dengue no nível intramunicipal. “A dengue possui um conjunto múltiplo de fatores relacionados ao espalhamento e intensidade da doença no território, tendo maior chance de atingir os grupos populacionais mais pobres”, reitera o autor da dissertação. Johansen utilizou ferramentas de geoprocessamento e estatística espacial na expectativa de comprovar a relação entre baixa cobertura de saneamento básico e alta taxa de incidência de dengue. “A população sem acesso a abastecimento de água tende a estocá-la em baldes e tonéis nem sempre tampados devidamente, criando o ambiente ideal para o Aedes aegypti. Na falta de água limpa, o esgoto também pode servir para a oviposição. E, no caso de lixo e entulho acumulados nas residências ou calçadas, sete dias bastam para que o mosquito chegue à fase adulta.” Entretanto, esta hipótese da pesquisa foi de certo modo refutada pelos primeiros resultados, como admite o próprio pesquisador. “A questão é que encontrei a relação entre baixa cobertura de saneamento e alta incidência de dengue em apenas 10% das subáreas analisadas; para a grande maioria das subáreas (90%), essa relação não se confirmou. Esse resultado pode ser interessante por mostrar que a relação realmente existe, ainda que não seja o principal problema de Caraguatatuba, mas a hipótese da pesquisa ficou comprometida.” A explicação para que sua hipótese não tenha se sustentado, afirma Igor Johansen, está na alta cobertura de serviços de saneamento de Caraguatatuba – ele acredita que os resultados muito provavelmente seriam os mesmos em outros municípios do Sul e Sudeste do país, regiões privilegiadas em termos de serviços básicos. “Analisando a cobertura de saneamento em Caraguatatuba, descobri que quase 100% da população tem acesso ao abastecimento de água e também à coleta de lixo; apenas o índice de coleta de esgoto era menor, 58%, um problema comum das cidades litorâneas, que acabam jogando os dejetos ao mar.” Buscando outros fatores, para além do saneamento ambiental, que explicassem o fenômeno, o autor do estudo adicionou novas variáveis aos dados do Censo do IBGE (2010) e às informações para controle da dengue mapeadas pela Secretaria de Saúde de Caraguatatuba, que lhe serviram inicialmente de base. “Decidi investigar também as características sociodemográficas da população residente e a proximidade de pontos estratégicos – nomenclatura utilizada pelo Ministério da Saúde no mapeamento de potenciais criadouros do mosquito transmissor.” O modelo desenvolvido no decorrer da pesquisa permitiu a Johansen verificar que os casos de dengue não se espalham da mesma forma por todo o município, havendo áreas de maior concentração. “Uma demonstração de que a doença não é democrática está na proximidade entre os grupos populacionais mais atingidos e os pontos estratégicos. Como a Prefeitura já tinha esses pontos mapeados, eu pude verificar que morar em um raio de 300 metros desses locais aumenta em 67% a taxa de incidência de dengue. E não é em bairros nobres ou condomínios que encontramos borracharias e depósitos de materiais recicláveis; é na periferia, onde está a população carente.” Ao associar os casos da doença com o nível de renda dos moradores, o pesquisador chegou a outra constatação importante: que o aumento de apenas 1% na proporção de domicílios com renda per capita até três salários mínimos faz aumentar em 71 vezes a taxa de incidência de dengue. “Nas cidades litorâneas, os pobres vão se instalar subindo a encosta e os mais ricos em prédios de bairros urbanizados, de preferência nos andares mais altos (o voo do mosquito alcança somente um metro de altura). Aqueles de maior poder aquisitivo, portanto, estão mais protegidos”. Segundo o cientista social, mais uma variável estatisticamente significativa obtida como seu modelo diz respeito à proporção de pessoas não brancas: o acréscimo de 1% nesta população conflui para a elevação da taxa de dengue em mais de quatro vezes. “No Brasil, a cor da pele, a situação socioeconômica e o perfil epidemiológico estão intimamente associados. No caso de Caraguatatuba para o ano de 2013, quanto mais pessoas negras e pardas, maior a taxa de incidência de dengue.” Johansen acrescenta que no sentido inverso, como fator de proteção da população, há o indicativo de que o aumento de 1% na proporção de domicílios não próprios, com destaque para os alugados, reduz em 92% a taxa de incidência na área de estudo. “Uma hipótese ainda a ser testada é de que a cidade serve como segunda residência para proprietários que descem a serra apenas em feriados e temporadas. O imóvel fica fechado praticamente o ano inteiro, sem que a vigilância tenha acesso a eventuais criadouros. Já no imóvel alugado, o inquilino está presente e tem um cuidado maior em relação a recipientes que podem acumular água.”

O CENÁRIO

Igor Johansen escolheu o município de Caraguatatuba para seu estudo tendo em vista a intensificação da mobilidade populacional depois da descoberta do pré-sal, com atra-

Alvos

Pesquisa demonstra que pessoas de baixa renda ficam mais expostas ao mosquito da dengue

preferenciais Foto: Antoninho Perri

O cientista social Igor Cavallini Johansen, autor da pesquisa, ao lado de armadilha contra o mosquito da dengue: investigando as características sociodemográficas Foto: Divulgação

METODOLOGIAS

Distribuição das informações do Censo 2010 em uma grade regular, análise de cluster, aplicação do Índice Local de Moran e realização de uma Regressão Binomial Negativa Inflacionada de Zeros (ZINB). Essas metodologias aplicadas por Igor Johansen serviram para dividir a área urbana de Caraguatatuba em células de mesmo tamanho; diferenciar agrupamentos de áreas com piores e melhores condições de saneamento, comparando com a taxa de incidência de dengue; localizar as áreas de autocorrelação espacial de baixa cobertura de serviços de saneamento; e, por fim, estimar a associação entre as variáveis ambientais e sociodemográficas em relação à incidência da doença. “Logo no início da pesquisa, tive a sorte de contar com uma Acúmulo de material reciclável, em terreno no bairro Perequê-Mirim, em Caraguatatuba, onde foi feita a pesquisa nova forma de disponibilizar os dados do Censo do IBGE desenção de grandes projetos de infraestrutura e de mão-de-obra volvida por uma colega do Nepo, Maria do Carmo [Dias a partir da primeira década do século 21. “A dengue é uma Bueno], que dividiu o município em células exatamente do doença tipicamente urbana e no litoral de São Paulo, como mesmo tamanho”, recorda Johansen. “A unidade mínima do IBGE é o setor censitário, que é irregular em tamanho e um todo, quase 100% dos habitantes vivem em cidades – pode abranger áreas bastante distintas em termos de cominclusive pelas características geográficas, que não reservam posição da população. Como as células são muito menores espaço para sítios ou fazendas. A vinda de tantas pessoas e regulares, aumentam a acurácia dos dados, permitindo exerce pressão sobre a estrutura de saneamento ambiental, trabalhar com uma escala bem pequena, de 250 por 250 quando minha ideia foi justamente relacionar a dengue com metros.” a falta de serviços básicos.” Outra grata surpresa para o pesquisador foi encontrar O pesquisador salienta que o Aedes aegypti encontra na região condições favoráveis para o seu desenvolvimento, enum banco de dados perfeitamente organizado pela Secretatre as quais a urbanização acelerada; clima quente e úmido; ria de Saúde de Caraguatatuba, com o georreferenciamento turismo proporcionado pelas belezas naturais, gerador de de cada um dos pontos de dengue. “Se uma pessoa contrai grande circulação de pessoas de São Paulo e de outras partes dengue, o ponto vai ser a sua residência. É analisando onde do país; o fato de se localizar no corredor de passagem para estão os pontinhos no mapa que a vigilância epidemiolóo porto de São Sebastião; e de ser cortada pela rodovia Riogica planeja suas ações. Sobrepondo esse mapa à malha Santos, cidades que sabidamente representam dois polos cartográfica do IBGE com os dados do censo, verifiquei onde a dengue é considerada endêmica. em cada célula o número de habitantes e domicílios com acesso a água, esgoto e coleta de lixo, e adicionei nessa De acordo com os dados da Secretaria de Saúde do munimatriz uma coluna a mais, com a soma de casos de dengue. cípio, o histórico da dengue em Caraguatatuba tem início em Tendo tudo no mesmo banco de dados, pude correlacionar 2002, quando ocorreram as notificações dos primeiros casos o número de casos da doença com as informações da popuautóctones – cuja transmissão se dá dentro da cidade e cujo lação. Este foi o pulo do gato, que consegui dar a partir de contaminado é um residente. Se naquele começo foram 333 duas fontes bastante diferenciadas.” casos, a maior epidemia veio em 2010, com 3.698 ocorrências confirmadas e praticamente todas (3.672) autóctones; em 2013 houve o segundo maior pico, com 1.679 registros autóctones até o mês de novembro. Quanto a óbitos, foram dois em 2010 e um em cada ano subsequente (2011, 2012 e 2013). Publicação O autor recorda que o pano de fundo para sua dissertação foi a participação em um projeto do Nepo (Núcleo de Estudos Dissertação: “Urbanização e saúde da população: o de População) da Unicamp, realizando entrevistas com moracaso da dengue em Caraguatatuba (SP)” dores do município de Altamira, no Pará, onde a relação enAutor: Igor Cavallini Johansen tre dengue e saneamento é uma questão relevante. “Na volta, Orientador: Roberto Luiz do Carmo conversando sobre o projeto de pesquisa com meu orientador, essa doença surgiu como uma síntese para mostrar a relação Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas entre a população e o meio ambiente. As pessoas pensam, por (IFCH) exemplo, que a dengue não seleciona sua vítima, quando não é bem assim, existem grupos mais expostos.”


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Luz sobre a hipofosfatasia Foto: Antonio Scarpinetti

Modelo 3D permite identificar a importância de mutações genéticas na perda precoce de dentes CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

onstrução de modelo tridimensional (3D) permite identificar como uma mutação genética, ainda não descrita na literatura, afeta a função de uma enzima fundamental para a correta formação do osso e dos tecidos envolvidos na sustentação do dente, mais especificamente o cemento dental. O estudo, realizado na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp e desenvolvido pela bióloga Luciane Martins, da área de periodontia, que contou com a colaboração da também bióloga Mariana M. Ribeiro, da área de histologia e embriologia, recebeu destaque na capa da revista BONE, um dos principais periódicos da área de tecido mineralizado, com fator de impacto de 4,247 nos últimos cinco anos. Iniciado em 2004 e coordenado pelo professor Francisco Humberto Nociti Junior, o trabalho interdisciplinar faz parte de uma linha de pesquisa que tem como objetivo principal o entendimento do metabolismo de fosfato e o processo de mineralização dos tecidos dentais. Também participaram do estudo Thaisangela L. Rodrigues, Ana Paula O. Giorgetti, Miki T. Saito, bem como os professores Márcio Z. Casati e Enilson A, Sallum e o grupo da professora Martha Somerman (NIH/NIAMS, EUA). Esta linha de pesquisa tem contado com o apoio no Brasil da Fapesp, CNPq e Capes e nos EUA do Forgaty Institute - do National Institute of Health (NIH). O projeto começou a ser idealizado quando dois gêmeos idênticos, na época com dois anos de idade, foram levados à FOP por apresentarem perda precoce dos dentes de leite. Os pacientes foram encaminhados ao Departamento de Periodontia da Faculdade para avaliação detalhada das anormalidades dentais e tratamento adequado com vistas ao gerenciamento de sintomas e à prevenção da perda de dentes permanentes. A hipofosfatasia é uma doença que afeta a formação dos tecidos mineralizados tais como os ossos e os dentes. Nos casos mais severos da doença, os ossos do esqueleto não são formados corretamente e, sendo extremamente frágeis, ocasionam a morte do feto ainda no ventre da mãe. Nos casos em que a doença se expressa de forma mais branda, o indivíduo não exibe alterações detectáveis na formação do osso esquelético, mas apresenta perda precoce de dentes de leite ou permanentes e outras anormalidades dentais como atraso na erupção dos dentes, raízes curtas, falta de cemento acelular, defeitos na polpa, dentina e na formação do esmalte dental, anormalidades da coroa e caries dentarias severas.

CAUSAS A hipofosfatasia é uma doença genética hereditária caracterizada pela deficiência na atividade da enzima fosfatase alcalina (TNAP), essencial para o metabolismo de fosfato e formação de tecidos mineralizados. A doença é causada por mutações no gene ALPL, que codifica a TNAP, afetando sua estrutura e/ou sua capacidade catalítica e em consequência sua função na célula. Luciane explica que as células de todos os indivíduos contêm as informações genéticas – contidas na molécula do DNA – necessárias à produção de proteínas que constituem a estrutura das células que compõem os diferentes órgãos do corpo. Essas proteínas desempenham diversas funções essenciais para o bom funcionamento do organismo. Em decorrência, a

Mariana M. Ribeiro, o professor Francisco Humberto Nociti Junior, coordenador da pesquisa, e Luciane Martins: destaque em publicação

produção incorreta de uma proteína específica, devido à ocorrência de mutações, pode acarretar a redução ou perda da atividade desta proteína prejudicando o desenvolvimento e/ou funcionamento correto dos tecidos nos quais ela esta presente. Como mostra o estudo realizado pelo grupo da FOP e recentemente publicado pela revista BONE, as células obtidas dos dois pacientes portadores da odontohipofosfatasia foram utilizadas como um modelo biológico para a caracterização dessa nova mutação. Em vista de a doença estar associada a mutações na enzima TNAP, a pesquisadora se propôs a identificar primeiramente que tipo de mutações poderiam ser encontradas nas células dos pacientes estudados, em que região do gene da TNAP elas se localizavam e se estas resultavam da transmissão através do pai ou da mãe.

ACHADOS Nessa procura, a pesquisadora identificou duas alterações genéticas, uma transmitida pela mãe, portadora assintomática, e outra, ainda não relatada na literatura, transmitida pelo pai, o qual também apresentava alterações odontológicas. Uma vez identificadas as mutações, explica Luciane, “nos buscamos entender como estas alterações no gene da fosfatase alcalina afetavam a estrutura da proteína, que regiões desta (domínios) estavam sendo modificadas e como estas alterações estruturais poderiam afetar sua função nos tecidos mineralizados”. Estas elucidações somente seriam possíveis através da construção de modelos tridimensionais (3D) da proteína mutante, com a sobreposição destas estruturas 3D com as da proteína normal e da análise de parâmetros físico-químicos dos aminoácidos afetados. O trabalho de construção das estruturas 3D foi realizado pela bióloga Mariana M. Ribeiro, da área de histologia e embriologia da FOP. O resultado desse estudo em modelagem 3D recebeu destaque na BONE e um dos modelos foi estampado na capa da edição de outubro. Foi através da construção de modelos tridimensionais da proteína mutante e de estudos mais específicos que os pesquisadores buscaram entender a consequência biológica de cada uma das mutações, ou melhor, de como a mutação altera a atividade da enzima e como a deficiência de atividade desta enzima afeta o desenvolvimento e o bom funcionamento dos tecidos em que ela atua.

Entre outros achados os pesquisadores verificaram que a mutação em questão era responsável pela redução na quantidade de proteína na superfície da célula, onde ela exerce sua função no metabolismo de fosfato. O estudo de correlação entre o genótipo – mutação no gene – e o fenótipo – características da doença observadas nos pacientes – mostrou que as alterações provenientes do pai e da mãe dos indivíduos afetados eram responsáveis e cooperaram para a diminuição de proteínas funcionais na superfície da célula, resultando em uma atividade deficiente da enzima com o consequente impacto nas estruturas de sustentação do dente, particularmente do cemento dental. O cemento dental é uma camada de tecido mineralizado que circunda a raiz do dente responsável, juntamente com o ligamento periodontal, pela estabilização dos dentes no tecido ósseo. A sua formação deficiente causa perda precoce dos dentes nestes pacientes. Luciane considera que o estudo trouxe importantes contribuições para as áreas odontológicas e médicas: “Na odontologia a compreensão dos eventos envolvidos na formação e manutenção dos dentes e das estruturas que lhes dão sustentação, o periodonto, é fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas e de regeneração/reconstrução das estruturas perdidas durante a doença, evitando a perda dental. Para a medicina o conhecimento gerado poderá vir a servir de base para estudos que visam entender os aspectos envolvidos no metabolismo ósseo que têm como objetivo propor novas abordagens de tratamento de doenças que afetam de forma geral os ossos”.

UM LONGO CAMINHO O professor Francisco Humberto Nociti Junior lembra que o trabalho publicado faz parte de pesquisas da área de periodontia iniciadas em 2002, quando iniciou seu estágio de pós-dourado na Universidade de Michigan (EUA). Quando lá chegou se deparou com um problema que lhe foi apresentado pela sua supervisora, professora Martha Somerman: uma mutação no gene ANK, responsável pelo transporte de pirofosfato do ambiente intracelular para o extracelular, poderia resultar na calcificação das articulações. Dessa forma, a proposta foi a de avaliar qual o impacto de alterações no metabolismo do fosfato nos tecidos periodontais. De posse de amostras biológicas, Nociti iniciou então suas pesquisas, centrado no

fato de que alterações na proteína ANK, e consequente desequilíbrio da razão entre pirofosfato e fosfato, poderia resultar em nódulos mineralizados na região do ligamento periodontal. Entretanto, surpreendentemente, os pesquisadores não observaram a presença de nódulos naquela região: “Para nossa surpresa, não ocorria nenhuma alteração no tecido conjuntivo do ligamento periodontal. Porém, o cemento dental, que compõe o periodonto, apresentava uma espessura aumentada de dez a vinte vezes. Este foi um achado que jamais poderíamos imaginar”, afirma o docente. Então veio a pergunta: esta alteração no cemento dental decorria da alteração no equilíbrio fosfato/pirofosfato ou estava relacionada à mutação do gene? O problema foi resolvido estudando em outros animais os efeitos de outra mutação genética (alterações no gene PC-1) capaz de produzir o mesmo desequilíbrio extracelular de fosfatos. Constataram então que o efeito era o mesmo, ou seja, o cemento dental apresentava-se igualmente aumentado sem que houvesse nenhum sinal perceptível de calcificação periodontal. Estava caracterizada a importância do equilíbrio fosfato/pirofosfato na formação das estruturas periodontais (Nociti et al., 2002). Com o seu retorno ao Brasil, em 2004, o professor deu continuidade às pesquisas conjuntamente com o grupo de Martha Somerman, conseguindo financiamento junto ao Instituto Nacional Americano de Saúde, o National Institute of Health, com vistas ao aprofundamento dos efeitos do desequilíbrio entre fosfato e pirofosfato no comprometimento da formação do periodonto. Em 2009, Luciane entrou no projeto para identificar as alterações genéticas no gene da TNAP em pacientes portadores de odontohipofosfatasia, estudar o efeito destas mutações na atividade da enzima e qual sua relação com as anormalidades dentais apresentadas por estes pacientes. Para isso contou com a colaboração de Mariana que, através o uso da modelagem 3D, ajudou a entender a consequência biológica de cada uma das mutações na atividade da enzima. Sobre a importância da linha de pesquisa, Nociti considera que por meio do entendimento dos mecanismos envolvidos na formação do periodonto se pode vir a encontrar num futuro próximo terapias que possibilitem a regeneração periodontal de pacientes acometidos por doenças periodontais.


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Campinas, 17 a 23 de março de 2014

A reboque das múltis Dissertação mostra atrelamento do país ao capital estrangeiro depois do golpe de 64 CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

golpe militar de 1964 pôs fim ao debate, que vinha sendo travado até então, sobre o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado pelo país, abraçando uma opção de dependência e associação do capital estrangeiro. Mas a implementação do projeto, iniciada no governo Castelo Branco, não impediu que a política antiinflacionária sofresse críticas que possivelmente influenciaram o governo Costa e Silva no sentido de alterar o diagnóstico das causas da inflação e a condução de seu combate, diz dissertação de mestrado defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp e orientada pela professora Ligia Maria Osório Silva. “As formas como se conduziu o debate em torno de algumas questões durante o governo de João Goulart, e como isso mobilizava a sociedade, proporcionavam duas possíveis vias de desenvolvimento: uma nacional-popular e uma dependente-associada”, disse ao Jornal da Unicamp o autor do trabalho, Ulisses Rubio Urbano da Silva. Entre as questões em debate estavam a relação do país com o capital estrangeiro, com o campo e entre capital e trabalho. Os pontos principais de discussão eram a reforma agrária, a lei que controlava a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior e a distribuição de renda. “A solução dessas questões implicava uma forma de intervenção do Estado na Economia”, explicou o autor. “As diretrizes fundamentais do desenvolvimento, que envolviam a relação com os trabalhadores, com o capital estrangeiro e com o setor agrário foram definidas ali nas tensões do golpe e, a partir dali, seguiriam, em todos os governos do regime militar, o mesmo fio condutor, as mesmas diretrizes”, acrescentou ele. Com o golpe, “a elite orgânica do capital multinacional e associado tomou o Estado. Era escolhida a via do desenvolvimento dependente. E o empresariado teve papel relevante neste desfecho”, escreve Silva na dissertação. “Essa via trouxe uma maior liberdade para o capital estrangeiro e uma maior associação entre ele e o empresariado nacional. Nessa associação, limitaram-se as possibilidades de transferir os ganhos sociais do desenvolvimento para a classe trabalhadora, por isso o nome dependente-associado”, explicou o autor. “No que se refere às características econômicas, podemos salientar duas que são fundamentais para a caracterização do estilo de desenvolvimento seguido pelo regime militar: a distribuição de renda, e a maneira como a economia brasileira se inseriu na economia internacional”, diz o texto da dissertação. Com o sucesso do golpe e a chegada de Castelo Branco à presidência, em 1964, Roberto Campos tornava-se ministro do Planejamento e Octavio Bulhões, da Fazenda. “No governo Castelo Branco foi elaborado o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), e os entraves ao capital estrangeiro foram eliminados através de alterações na lei que limitava as remessas de lucros ao exterior”, diz a dissertação. Também nesse período foi baixada a instrução 289 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), órgão que possuía algumas das atribuições que, depois, viriam a ser incorporadas ao Banco Central, criado no fim de 1964. Essa instrução permitia que as filiais de empresas estrangeiras no Brasil realizassem empréstimos no exterior. “A instrução concedia uma vantagem às filiais de empresas multinacionais, principalmente por garantir uma fonte de liquidez num momento em que a política

Fotos: Divulgação

Na sequência, os ministros Octavio Bulhões, Roberto Campos e Delfim Netto: diretrizes definidas no calor do golpe

de combate à inflação restringia o crédito internamente”, explica a dissertação. Esse foi um dos fatores que permitiram “um movimento de aquisições de empresas nacionais por empresas estrangeiras”. A facilidade de acesso ao capital financeiro internacional foi, mais tarde, estendida à indústria nacional pela Resolução 63 do Banco Central. “Também no que se refere ao financiamento interno, as reformas beneficiaram as empresas multinacionais”, prossegue a dissertação. “O crédito direto ao consumidor, direcionado para o consumo de bens duráveis, beneficiou as indústrias deste setor, nas quais o capital multinacional era dominante”.

BENS

DURÁVEIS

Além disso, a opção pelo achatamento dos salários, sob o argumento de controle da inflação, retirou poder aquisitivo das classes baixas e beneficiou as classes médias e altas, ampliando o mercado para bens duráveis, produzidos predominantemente pelas multinacionais, e retardando a recuperação do setor produtor de bens não-duráveis, no qual o capital nacional tinha maior participação. “A forma como foi feita a lei de reajuste salarial, principalmente nos três primeiros anos do regime militar, trouxe uma redução muito elevada do salário real. Isso fez com que a distribuição de renda fosse desfavorável”, explicou Silva. “As indústrias de bens duráveis são indústrias de caráter mais oligopolista, que têm unidades de produção que precisam ser instaladas de uma vez: não tem como você ir instalando aos poucos, à medida que cresce a demanda”, disse o pesquisador. “Então você instala uma capacidade de produção muito elevada”. A concentração de renda nas classes médias e altas e a política de crédito direto ao consumidor permitiram que o consumo desses bens se ampliasse, justificando os altos investimentos necessários por parte das empresas multinacionais. “Essas duas características de transformação do sistema financeiro: crédito direto ao consumidor e esse tipo de distribuição de renda permitiram alavancar o consumo”, disse o autor. Essas decisões tiveram um impacto duradouro sobre a economia brasileira. “A reforma da lei de remessa de lucros, a instrução 289 e depois a resolução 63 permitiram o atrelamento da economia brasileira a uma dependência externa mais relacionada ao setor financeiro, não somente Foto: Antoninho Perri

produtivo, como era até então”, disse Silva. “E essa forma como aumenta a dívida externa terá consequências sobre como se resolveria o endividamento externo, a problemática do endividamento externo” nas décadas seguintes. Em sua maioria apoiadores do golpe, parte dos industriais passou, em alguns momentos, a criticar os rumos da política econômica de Campos e Bulhões. “Durante o segundo semestre de 1965, o governo Castelo Branco recebeu inúmeras críticas à sua política econômica. Adquiriu maior importância, no entanto, o fato de estas críticas serem feitas por empresários e alguns governadores até então alinhados ao golpe”, descreve a dissertação. “Entre as entidades representativas dos industriais, partiram críticas da Fiesp e da CNI”. O modo escolhido para o combate à inflação, de repressão da demanda e enxugamento da liquidez, diziam os críticos, trazia uma maior dificuldade para as empresas se financiarem com recursos próprios. “As principais reivindicações dos industriais neste período eram com relação ao crédito e à carga tributária. Ambas se relacionavam com as condições de liquidez do setor privado”, prossegue o texto, que mais adiante diz: “As críticas assumiam o sentido da possibilidade de combater a inflação através de uma política que garantisse a retomada do desenvolvimento (...) Outra medida que parece não ter agradado os industriais foi a política de estímulos à estabilização de preços aplicada pelo governo Castelo Branco”. Com a eleição de Costa e Silva para a Presidência e a chegada de Antônio Delfim Netto ao comando da economia, o diagnóstico das causas da inflação do país muda e, com ele, a política econômica. “O que procuro entender é o que esses reclamos do empresariado, principalmente com a redução da liquidez, podem ter gerado ou influenciado na transformação para uma política monetária um pouco mais folgada, com aumento de liquidez”, explicou o pesquisador. “A diferenciação principal que vejo entre os governos Castelo e Costa e Silva é no trato da política antiinflacionária, principalmente, e no que ela implicava para a retomada do crescimento econômico nos dois governos, na transição da equipe Campos-Bulhões para o Delfim”, disse Silva. A mudança de avaliação quanto à origem da inflação tinha “dois pilares”, informa a dissertação: a causa da elevação dos preços passou a ser vista como, predominantemente, a elevação dos custos, não a demanda; e existiria uma capacidade ociosa na indústria. “Como havia capacidade ociosa e inflação de custos, o governo acreditava que estimulando as empresas, poderia haver crescimento com redução da inflação. Por isto, previa aumentar a liquidez das empresas, diminuir o ritmo de expansão dos custos e aumentar a demanda”, prossegue o texto. Na conclusão de seu trabalho, Silva escreve que as insatisfações dos empresários nacionais “conduziram a alterações na política econômica que foram relevantes para a retomada do crescimento, como: isenções tributárias, maior liquidez para as empresas, minidesvalorização cambial e alteração da política de controle de preços”. Ele adverte, no entanto que será necessário um “trabalho de maior fôlego” para desvendar a rede de influências – pessoais e institucionais – que levou os industriais brasileiros a serem ouvidos na elaboração da política econômica no governo Costa e Silva e no de seu sucessor, Emílio Garrastazu Médici.

Publicação Dissertação: “De Campos-Bulhões a Delfim: posição dos industriais diante da política econômica” Autor: Ulisses Rubio Urbano da Silva Orientadora: Ligia Maria Osório Silva Unidade: Instituto de Economia (IE) O autor do trabalho, Ulisses Rubio Urbano da Silva: “As reformas beneficiaram as empresas multinacionais”


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Lacunas marcam expansão da educação profissional técnica Apesar de o número de escolas ter mais que dobrado, estudo aponta problemas PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

educação profissional técnica de nível médio e tecnológica, na rede federal, deu um enorme salto entre 2003 e 2010. O número de escolas mais que dobrou no período, sobretudo a partir de 2007, quando foi implementado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e ganhou ênfase a política neodesenvolvimentista no governo Lula. A expansão no número de matrículas foi realizada em consonância com a política de crescimento econômico e desenvolvimento social do governo. Ocorre que as mudanças foram rápidas, porém incompletas, segundo avalia a dissertação de mestrado “Reforma e expansão da educação profissional técnica de nível médio nos anos 2000”, de Liliane Bordignon, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e orientada pela professora Aparecida Neri de Souza. Na dissertação, Liliane analisou a expansão do ensino técnico no campus central do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), entre 2003 e 2010. O Instituto oferece cursos de eletrônica, eletrotécnica, informática, mecânica, edificações, telecomunicações e qualidade. No Estado de São Paulo havia, antes de 2003, apenas 3 campi do IFSP. Hoje, são 32 distribuídos em diversas cidades, entre as quais Hortolândia, Salto, Cubatão e Guarulhos. Segundo o Censo Escolar, entre 2003 e 2010 foram criados 106 novos estabelecimentos de educação profissional federal, sendo que, destes, mais de 90 foram implantados entre 2007 e 2010. A expansão seguiu com o governo Dilma Rousseff; atualmente são mais de 300 unidades. “Em quantidade de campi, o Instituto Federal de São Paulo foi o que mais cresceu no Brasil. O governo Lula investiu, construiu escolas, contratou profissionais técnico-administrativos e professores. Mas temos que relativizar esse crescimento porque, se analisarmos a educação profissional oferecida como um todo, ela ainda é majoritariamente ofertada pela iniciativa privada”, constatou Liliane. Mesmo a educação profissional no nível médio, no país, ainda é bastante incipiente, considerando-se o número de alunos que poderiam estar matriculados e não estão (veja quadros nesta página).

Liliane Bordignon, autora do trabalho: “O projeto da educação profissional começa com uma proposta que se transforma e perde suas características iniciais”

Segundo Liliane, entre a proposta inicial e a concretização da política, parece estabelecer-se um fosso. Um exemplo seria a escola do Instituto Federal, criada em Hortolândia, cidade vizinha a Campinas. “A unidade começou a funcionar de maneira inadequada, ou seja, sem laboratórios, professores ou infraestrutura mínima para garantir a qualidade do estudo e de trabalho para estudantes, docentes e técnicos administrativos. Isso revela uma expansão que tem muitas contradições”. Uma delas é a concepção de que as mudanças foram pensadas para resolver, por exemplo, a situação de desemprego. “Sem dúvida, a formação profissional é importante para a entrada dos jovens no mercado de trabalho, entretanto não existe esta relação linear”, pondera a pesquisadora. A expansão de vagas e cursos não contou com pesquisas de mercado mais apuradas, que revelassem as necessidades locais e regionais de desenvolvimento social e econômico e de investimentos do governo.

Ensino Médio no Brasil

REFORMA

 Há 16.986.788 jovens entre 15 e 19 anos (Censo 2010 - IBGE)  8 milhões de jovens matriculados em 2011 (Censo escolar)  1,14 milhão na educação profissional em 2010

Número de matrículas na educação profissional por dependência administrativa - Brasil 2002/2010 Matrículas na educação profissional Ano

Dependência administrativa Total

O cenário no início do mandato do governo Lula é consequência, em parte, da vigência do decreto nº. 2.208/1997 entre 1997 e 2004, que dificultava a expansão da rede federal, a menos que a ampliação e abertura de escolas se dessem por meio de fundações privadas. A lei também determinou que a formação técnica fosse realizada separadamente da formação geral dos estudantes, isto é, de forma concomitante e subsequente, ou seja, o primeiro cursado paralelamente ao ensino médio, enquanto o segundo, depois. A determinação do decreto mais polêmica foi a extinção da formação técnica integrada ao médio. O decreto do governo de Fernando Henrique Cardoso regulamentava os artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional referentes à organização da educação profissional. “As políticas desencadeadas direcionaram essa modalidade de ensino, principalmente, para uma busca de autonomia diante da educação básica, com a separação do ensino médio do ensino técnico e voltado para a formação mediante a ‘pedagogia das competências’”, ressalta Liliane. Na década seguinte, entre 2003 e 2010, menos de dez anos do início das reformas da década de 1990, uma nova legislação foi promulgada para a regulamentação da educação profissional. O decreto de FHC acabou revogado em 2004, e substituído pelo Decreto nº. 5.154, como uma das promessas políticas do novo governo.

Foto: Antonio Scarpinetti

A lei retomou a possibilidade da vinculação entre educação básica e educação profissional, com o ensino médio integrado ao técnico e com a educação de jovens e adultos integrada à qualificação e à formação profissional. A modalidade do ensino integrado é, de acordo com Liliane, muito valorizada pelos professores e pesquisadores da área. Eles compreendem que a formação de trabalhadores não se faz separadamente de uma formação geral, científica, filosófica e artística. “O aluno estuda em período integral durante 3 a 4 anos, cursando tanto as disciplinas básicas ou de formação geral do ensino médio bem como as matérias do técnico”. A mudança foi provocada pela ação de um grupo específico de professores e intelectuais que influenciaram diretamente as políticas formuladas pelo Ministério da Educação. Entre eles, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos, sendo que esta última trabalhou diretamente na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, no MEC. Na década de 1980, explica Liliane, eles participaram do Fórum em Defesa da Escola Pública, durante o processo de elaboração da Constituição Brasileira e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “Eles foram convidados nesse primeiro momento do governo. Fizeram propostas muito relevantes para a retomada da formação de trabalhadores mediante o ensino integrado, rompendo a separação de uma formação voltada exclusivamente ao trabalho, e outra voltada exclusivamente para a continuidade dos estudos, o que definem como ‘dualidade educacional’”. O curso técnico deveria oferecer, além do aprendizado profissional, sólida formação básica que possibilitasse ao aluno continuar os estudos se assim ele quisesse. O problema é que essas ideias não repercutiram nas políticas por muito tempo. “A partir do segundo mandato do governo Lula foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e em seu bojo, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), anunciando a maior expansão de vagas já ocorrida na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica”. Liliane afirma que o período de maior expansão de vagas coincide com a permanência do atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, no Ministério da Educação, quando ganhou força na administração do Partido dos Trabalhadores o projeto neodesenvolvimentista. Na avaliação da mestranda, as políticas desenvolvidas tinham por objetivo a busca do crescimento econômico, sem resolver outras questões importantes para a sociedade brasileira “O projeto da educação profissional começa com uma proposta que se transforma e perde suas características iniciais” salienta a pesquisadora.

Federal

Estadual

Municipal

Privada

2002

652.073

77.190

220.853

26.464

327.566

2003

629.722

82.943

181.485

22.312

342.982

2004

676.093

82.293

179.456

21.642

392.702

2005

747.892

89.114

206.317

25.028

427.433

2006

806.498

93.424

261.432

27.057

424.585

2007

780.162

109.777

253.194

30.037

387.154

2008

927.978

124.718

318.404

36.092

448.764

2009

1.036.945

147.947

355.688

34.016

499.294

2010

1.140.388

165.355

398.238

32.225

544.570

74,9

114,2

80,3

21,8

66,2

% 2002-2010

Fonte: MEC/Inep Nota 1: Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar. Nota 2: O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula. Nota 3: Inclui matrículas de educação profissional integrada ao Ensino Médio.

“Existem vagas para técnicos de nível médio no mercado de trabalho, mas é preciso saber onde estão e quais as conjunções com as políticas de expansão do ensino técnico de nível médio. Cabe perguntar se estão sendo criadas vagas em áreas onde há empregos. Quais políticas estão sendo desenvolvidas para encaminhar esse jovem formado para o mercado de trabalho formal? Muitas vezes, o ensino técnico é visto como a ‘salvação’ do problema do desemprego no país, mas isso não se comprova quando observamos a dinâmica do mercado de trabalho”, ressalva. Na dissertação, a pesquisadora descreve a educação profissional como “campo de disputas entre o setor produtivo – que se transforma constantemente em torno de superação das quedas da taxa de lucro -, e entre os trabalhadores, que organizados ou não, pressionam e precisam de emprego e anseiam por melhores condições de trabalho e/ou por autonomia e controle dos processos de trabalho”. No caso brasileiro, afirma, o Estado tem um lugar relevante nesta disputa, “ora incentivando o setor privado com financiamento público para a formação de trabalhadores, ora fomentando e criando instituições públicas de educação profissional”. Historicamente, há uma distinção substantiva na formação de trabalhadores, entre a formação técnica de nível médio e a qualificação profissional (denominada de aprendizagem) destinada aos trabalhadores independentemente de seu nível de escolarização. A primeira, formação de técnicos, tem sido alvo das ações e políticas estatais e a segunda, a formação de trabalhadores para diferentes ofícios, tem sido alvo de ações do setor patronal e privado, com apoio financeiro do setor público. Segundo a pesquisadora, o que está em debate, portanto, são as políticas públicas para a formação de trabalhadores brasileiros, sejam eles técnicos ou não.

Publicação Dissertação: “Reforma e expansão da educação profissional técnica de nível médio nos anos 2000” Autora: Liliane Bordignon Orientadora: Aparecida Neri de Souza Unidade: Faculdade de Educação (FE)


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Substituição no futebol: entra

o inteligente e sai o malabarista Foto: Antonio Scarpinetti

Metodologia inovadora criada por professor da FCA é voltada à formação de jogadores diferenciados

O professor Alcides José Scaglia, idealizador do método: “Estamos interessados em atletas que conseguem ler o jogo e tomar decisões capazes de desmontar uma defesa ou, ao contrário, neutralizar um ataque”

Eu já não tenho mais paciência para assistir a um jogo inteiro pela televisão”. A frase, dita por qualquer brasileiro apaixonado pelo futebol, já mereceria atenção. Proferida por um exjogador profissional e atual pesquisador do esporte, como é o caso, ela ganha uma dimensão ainda maior. O autor é Alcides José Scaglia, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, com campus em Limeira. Dedicado a investigar aspectos relacionados à pedagogia do esporte, ele desenvolveu um método original de treinamento pautado no jogo. O objetivo é, como ele diz, formar jogadores inteligentes e não malabaristas da bola. Aplicada em um pequeno clube do interior paulista, a metodologia proporcionou ótimos resultados, abrindo perspectiva para a superação do enfadonho momento do futebol nacional. Scaglia abraçou a carreira acadêmica depois de tentar ganhar a vida nos gramados. Passou pelas categorias de base da Ponte Preta, de Campinas, e atuou como profissional no Velo Clube, de Rio Claro, agremiações do interior de São Paulo. “Naquela época, eu já tinha claro que precisava estudar. Como não consegui me destacar no esporte, prestei vestibular e ingressei no curso de educação física da Unicamp. Depois, fiz mestrado e doutorado. Em 2010, prestei concurso e assumi o cargo de docente aqui na FCA”, relata. O contato com o tema principal de suas pesquisas começou logo no primeiro semestre da graduação, nas aulas do professor João Batista Freire, que iniciou um projeto sobre escolinha de futebol. Mais tarde, no mestrado, Scaglia aprofundou suas investigações sobre o ensinoaprendizado do futebol. Para isso, ele entrevistou ex-jogadores para entender como eles aprenderam a praticar o esporte. “Na época, os depoimentos deixaram muito claro que a questão da rua era um ponto importante na relação que eles estabeleceram com a bola. A pedagogia da rua, que é marcada pelas brincadeiras da bola com os pés, estava presente em todos os relatos. Esse foi um aspecto importante para a sequência dos estudos. Nós percebemos que o jogo espontâneo, muito mais que o jogo em si, contém elementos que geram uma aprendizagem significativa. Essa aprendizagem, marcada por expressões lúdicas, se diferencia muito da prática deliberada adotada tanto nas escolinhas quanto nos clubes. Em outras palavras, ela é capaz de formar jogadores diferenciados”, afirma. No doutorado, o atual docente da FCA avançou um pouco mais os meias, para usar uma linguagem própria do futebol, e passou a investigar o que significava de fato o jogo espontâneo. Scaglia buscou entender o processo organizacional e sistêmico, o que permitiu que tivesse uma compreensão ampla acerca da pedagogia da rua e da transição dela para uma posterior sistematização. “De 1992 a 2000, nós sistematizamos o método e construímos um currículo de formação direcionado aos garotos que estavam se iniciando no futebol”, lembra. Em 2003, o Scaglia percebeu que o que tinha sido feito em relação à iniciação dos jogadores precisava ter continuidade, agora no campo da especialização.

Foto: Divulgação

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Jogadores do Paulínia FC, agremiação que serviu de projeto piloto à metodologia desenvolvida pelo docente da Unicamp

O pesquisador concluiu que a metodologia desenvolvida para a iniciação poderia servir de base para o ensino da modalidade em etapas posteriores, ou seja, desde as categorias amadoras até o time profissional. “Ao entendermos o processo de organização do jogo, nós conseguimos manipular esse mesmo jogo de modo a criar um método de treinamento marcado pelas especificidades que o futebol requer. O objetivo era formar jogadores inteligentes e não jogadores malabaristas. Estávamos interessados em atletas que conseguissem ler o jogo e tomar decisões capazes de desmontar uma defesa ou, ao contrário, neutralizar um ataque”, reforça o professor da FCA. Na sequência, junto com outros ex-alunos da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, Scaglia criou, em Campinas, a organização não governamental Associação Futebol Arte (AFA). O espaço utilizado para as atividades foi cedido pela Escola Americana. Os educadores físicos selecionaram meninos para formar uma equipe sub12, que passou a servir de projeto piloto. “Procuramos clubes como Ponte Preta e Guarani, entre outros, para apresentar a metodologia. Entretanto, nenhum deles se interessou. Queríamos mostrar que,

com método pautado somente no jogo, nós conseguiríamos ganhar deles. Em um ano, já estávamos comprovando na prática que conseguíamos enfrentar de igual para igual diversos times, inclusive os de São Paulo. Esse bom desempenho despertou o interesse do Paulista Futebol Clube, que estava em formação. Estabelecemos uma parceria e começamos a aplicar a metodologia no clube, inicialmente nas categorias amadoras e depois no time profissional”, conta Scaglia. Como resultado da experiência, o Paulínia registrou algumas conquistas importantes com os times de base e também com o profissional. Além do mais, o clube virou um centro de referência em formação de jogadores no país. “Outra consequência foi a transferência de alguns dos nossos jovens atletas para agremiações de destaque, como o Fluminense e o Botafogo, ambos do Rio de Janeiro, e o Real Madrid, da Espanha”. Ao mesmo tempo em que formava jogadores, a equipe também tratava de qualificar professores, para que pudessem levar a metodologia adiante. Scaglia ficou no Paulínia até 2008. Em 2009, assumiu a Secretaria de Esportes de Paulínia e, em 2010, como já dito, tornouse docente da Unicamp.

Além dos ganhos evidentes dentro de campo, o método desenvolvido por Scaglia também se destaca por outros aspectos. “Ele não tem empresários e não requer alojamentos. Os garotos, preferencialmente da região, treinam uma vez ao dia e depois retornam para suas casas. Isso reduz muito os custos”, assegura. O docente diz estar convencido de que o modelo pode ser a saída tanto para as deficiências técnicas e táticas do futebol brasileiro, quanto das dificuldades relacionadas à gestão do esporte. “Nós trabalhamos o conceito da periodização do jogo. Nossa proposta é acabar com o adágio popular segundo o qual treino é treino e jogo é jogo. O que nós defendemos é que treino é jogo e jogo é treino. Por isso é que as coisas dão tão certo”, pontua. Scaglia admite, no entanto, que a proposta representa uma quebra de paradigma, e que por isso mesmo ainda deverá continuar encontrando resistências para ser adotada por parte dos clubes. “De fato, não é uma decisão trivial seguir esse método. Por ele, toda a lógica atual teria que ser transformada. Certezas ‘absolutas’ teriam que ser abandonadas. Mesmo assim, entendo que é inevitável que a metodologia comece a ser gradualmente assimilada. Na Europa, há muitos anos que o modelo de treinamento aplicado no Brasil foi abandonado, daí o sucesso de vários clubes de lá. Isso explica, por exemplo, porque muitos jogadores brasileiros não se adaptam ao futebol europeu. Alguns sequer conseguem treinar. Na Holanda, por exemplo, a discussão de se trabalhar com o jogo vem da década de 1970, com o técnico Rinus Michels!”, compara. Na opinião de Scaglia, se o Brasil quiser se transformar novamente numa referência mundial na formação de jogadores de futebol, o caminho já está pavimentado. “A tradição das brincadeiras de bola com os pés ainda é forte no país. Ela contempla muita espontaneidade, criatividade e ludicidade. Se valorizarmos essa cultura, certamente voltaremos a dar as cartas na formação de atletas diferenciados”, antevê. O docente da FCA assinala, entretanto, que todos esses aspectos não mantêm qualquer relação com a questão do dom, algo que está arraigado na mente dos torcedores brasileiros. “Cada vez mais, as pesquisas científicas comprovam que não existe dom, pelo menos como está presente no imaginário popular. As pessoas precisam saber que a competência adquirida é muito importante”, pondera. Para sustentar a sua posição, o professor da FCA menciona a “teoria do balde”. Conforme essa proposição, cada ser humano nasce com um balde, sendo que alguns são grandes e outros, pequenos. “O tamanho do balde é algo inato. É o recipiente no qual você colocará coisas boas, coisas ruins ou poderá enchê-lo apenas pela metade. Nesse sentido, por hipótese, alguém com um balde grande pode completá-lo somente com elementos desinteressantes. Ao passo que alguém com balde pequeno poderá enchê-lo com o que é essencial para resolver as questões mais prementes no campo profissional, o que lhe dará a garantia de um sucesso maior que o obtido pelo dono de um baldão”. Atualmente, Scaglia continua dando sequência as seus estudos, com a colaboração do Paulínia Futebol Clube. As investigações, que contam com a participação de alunos de graduação e pósgraduação, são realizadas no Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte (LEPE), coordenado pelo docente. “O interessante desse trabalho é que, inicialmente, nós levamos a metodologia para o clube. Agora, nós vamos buscar no clube elementos para alimentar nossas novas pesquisas”, diz, acrescentando que tem mantido contato com algumas agremiações interessadas em conhecer melhor o método desenvolvido por ele. Quem sabe sairá dessa tabelinha o gol de placa que falta ao futebol nacional?


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Campinas, 17 a 23 de março de 2014

Pesquisa propõe aperfeiçoamento no Programa de Crédito Fundiário Economista defende projetos para aumentar produtividade das famílias assentadas SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

economista Guilherme Berse Rodrigues Lambais defende que o governo federal deve aperfeiçoar um dos seus principais mecanismos para a reforma agrária no país. Em sua dissertação de mestrado concluída recentemente junto ao Instituto de Economia (IE), o pesquisador desenvolveu um modelo conceitual em que analisa o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) e seu antecessor, o projeto-piloto Cédula da Terra. Em média, cerca de 40 mil famílias são assentadas anualmente pelo PNCF, que fornece financiamentos subsidiados para que trabalhadores sem-terra possam comprar pequenas propriedades. O programa insere-se no modelo conhecido como reforma agrária de mercado ou new wave. Ao contrário da reforma agrária tradicional, este modelo não se baseia em desapropriações de terras improdutivas. Para participar do programa, os trabalhadores devem fazer um cadastro seguindo uma série de requisitos exigidos. Os proprietários de terra interessados devem também se cadastrar, indicado as propriedades que desejam vendê-las por um preço de mercado. O governo federal, por sua vez, faz a intermediação do processo, oferecendo aos selecionados condições diferenciadas de financiamento e assistência técnica. “A pauta do dia do governo é criar assentamentos produtivos, inclusive para que as próprias famílias tenham condições de arcar com o financiamento das propriedades. Esta estratégia de estimular a produção é, muitas vezes, incompatível com a realidade dos domicílios assentados, muito pobres. Sob este aspecto o foco está equivocado. Eu não defendo a exclusão destas famílias do programa, mas alguns complementos de modo a criar condições para que elas possam ser mais produtivas”, explica o economista da Unicamp. Ele acrescenta que medidas como o fornecimento de equipamentos e orientação para a implantação de técnicas de irrigação poderiam mitigar muitas limitações para o aumento da produtividade. O Programa de Crédito Fundiário deveria fornecer também, conforme Guilherme Lambais, rebanhos animais às famílias mais pobres. “Quando viabiliza a terra, o governo presta assistência técnica. Mas ela é insuficiente. Teria que se prover técnicas de irrigação e para o trabalho com tração animal. Visitei vários assentamentos e era clara a diferença entre famílias

que araram terras com tração animal daquelas que faziam isso manualmente. Além disso, o rebanho animal serve também como uma espécie de poupança – em qualquer dificuldade financeira os assentados podem consumir ou vender o animal”, complementa. A colaboração mútua entre os domicílios é um outro aspecto que impacta positivamente na produtividade rural, aponta o economista. “Este tipo de cooperação pode gerar economias de escala e outras características positivas como o incremento do poder de barganha do assentamento no mercado.” O trabalho de Guilherme Lambais foi orientado pelo docente José Maria Ferreira Jardim da Silveira, que atua no Departamento de Política e História Econômica do IE. A dissertação contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

PRODUTIVIDADE VERSUS SUBSISTÊNCIA Ao explicitar o equívoco no foco do Programa de Crédito Fundiário, o pesquisador da Unicamp esclarece que famílias com diferentes necessidades participam do PNCF: aquelas mais pobres, cuja produção está voltada para a subsistência, e as com mais recursos, cujo objetivo é a produtividade. Para o economista, o erro está em tratar da mesma forma estes dois tipos de usuários do benefício. “Se a família participa do programa por motivos de insegurança alimentar, ela vai ter um tipo de estratégia de produção, que é a estratégia de subsistência, de baixo risco e de baixo retorno. E se, por outro lado, o domicílio participante se cadastrou por motivos de produtividade, ele vai ter outro tipo de estratégia, mais voltada para o mercado, com o plantio de culturas permanentes, que produzem produtos de maior valor agregado”, exemplifica. O perfil dos usuários assentados é bastante heterogêneo porque o programa é baseado na autosseleção dos participantes, conclui o pesquisador do IE. “Essa autosseleção abre margem para a existência do que nós chamamos de desigualdade de riqueza entre os próprios domicílios participantes. Esta desigualdade é uma das consequências da focalização equivocada do programa, que pressupunha uma homogeneização muito maior do que existe na verdade. A focalização é um dos aspectos mais importantes na política pública”, expõe. O modelo conceitual formulado pelo economista Guilherme Lambais foi testado com informações de 204 domicílios assentados entre 2000 e 2006 pelo programa Cédula da Terra, criado em 1998. Os dados utilizados pertencem

ao Núcleo de Economia Agrícola (NEA) da Unicamp, que fez a primeira avaliação de impacto do projeto-piloto. O modelo permitiu que o pesquisador estimasse a produtividade das famílias assentadas. Foram aplicadas técnicas econométricas lineares e não-lineares, que permitiram analisar as diversas variáveis das famílias, como a estratégia de produção, nível de ativos, existência de rebanho animal, trabalho animal, irrigação e a proporção de trabalho coletivo.

Publicações Artigos Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Acesso à terra, segurança alimentar e produtividade agrícola: uma investigação empírica da reforma agrária ‘new wave’ no Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), IPC-IG Working Paper, no prelo. (em português e inglês). Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Land Reform and Technical Efficiency: theory and panel data evidence from Brazil, In: Anais da 18a Conferência da Sociedade Internacional de Nova Economia Institucional (ISNIE), Florença, Itália, 2013. Lambais, G.B.R.; Magalhães, M. M. e Silveira, J. M. F. J. da. Land Reform and Technical Efficiency: panel data evidence from Northeastern Brazil. In: Anais do 40o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), Porto de Galinhas, Bahia, 2012 e Anais do 50o Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (SOBER), Vitória, Espírito Santo, 2012.

Dissertação: “Em busca da reforma agrária produtiva: teoria e evidência” Autor: Guilherme Berse Rodrigues Lambais Orientador: José Maria Ferreira Jardim da Silveira Unidade: Instituto de Economia (IE) Financiamento: Capes

Fotos: Divulgação

Aspectos de assentamentos do Programa Nacional de Crédito Fundiário na Bahia, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte: perfil dos usuários é bastante heterogêneo


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A capoeira que se aprende na escola Jogo integra projeto pedagógico que envolve grupo de 56 crianças Fotos: Antonio Scarpinetti

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

gestual chama muito a atenção quando o assunto é a capoeira – uma manifestação cultural herdada dos escravos africanos. Realmente é um verdadeiro espetáculo para quem assiste. São golpes precisos que têm como princípio o próprio corpo e o do outro, lembrando uma situação de luta em dois sentidos: o jogo pelo prazer e o jogo pela libertação. Conceitualmente, a capoeira já permeia o imaginário das pessoas, que também é recuperada nas discussões feitas pelo meio intelectual, nas rodas de conversas, nos debates escolares, na academia, nos escritos e principalmente entre seus praticantes. Essa luta, que em sua gênese tem um ranço negativo, hoje foi ressignificada por 56 crianças em estudo de mestrado elaborado pelo profissional de educação física Lucas Contador Dourado da Silva. O trabalho deu à luz um estudo que ocorreu numa escola municipal de Campinas, do distrito de Barão Geraldo. “Essa prática propiciou atitudes positivas nas crianças no seu modo de se relacionar com outras. Também foi engajadora, pois estavam motivadas a agir em seu próprio ambiente”, constata o pesquisador. A dissertação, apresentada à Faculdade de Educação Física (FEF), abordou a inserção da capoeira na educação infantil (que compreende uma faixa etária entre três e seis anos de idade). O projeto começou com duas turmas que estudavam no período da manhã. A iniciativa foi tão bem-aceita que chegou a ser incluída no projeto pedagógico dessas turmas. Nessa ressignificação, como o jogo partia de brincadeiras, elas atribuíam-lhe significado de maneira arbitrária, ou seja, como compreendiam. Lucas teve notícias de que elas também utilizavam a capoeira em outras situações e em outros ambientes. Os pais narraram que era muito comum que elas cantassem as músicas dentro de casa; ao verem imagens da capoeira, diziam que aprenderam com o tio Lucas; e, ao serem questionadas por que estavam realizando alguns movimentos, contavam que estavam fazendo um movimento da capoeira. “O corpo foi ressignificado ali durante as próprias brincadeiras”, contribui o pesquisador, para quem a inclusão da capoeira deve acontecer de maneira lúdica. “Como a capoeira era jogada em duplas, incluía muitas brincadeiras em que as crianças ora ensinavam e ora aprendiam.”

INSERÇÃO

Em seu estudo, Lucas confirmou, como um primeiro aspecto, que a capoeira pode ser inserida nas atividades da educação infantil e também em qualquer nível de ensino. “Para isso basta fazer algumas adaptações”, acredita. Particularmente na educação infantil, as iniciativas de trabalho são de estímulo e gosto pela modalidade, já que este é um primeiro encontro das crianças com a capoeira. Dos elementos que podem produzir uma aproximação, notam-se a roda, o jogo e a música como conteúdos que podem estar presentes em qualquer dos estilos: Angola ou regional. Um segundo aspecto, percebeu, consistiu em tratar esses elementos de maneira pedagógica por meio de brincadeiras, porque permite as crianças compreendê-los de forma prática e objetiva. “Unimos o conteúdo a uma linguagem dirigida ao público infantil. E isso envolveu um planejamento e a sua execução durante as vivências”, aborda. Mas como a criança deve ser apresentada à capoeira? A ideia, conforme o pesquisador, é não ter uma intervenção abrupta e também trazer à tona brincadeiras que compõem o seu repertório de conhecimento, como o pega-pega e o esconde-esconde, fazendo relações com noções da história da capoeira por exemplo. No pega-pega, propõe-se que as crianças, ao serem pegas, se abaixem. Para quem vai salvá-las, tem que passar a perna por cima (meia lua de frente). “Assim, nessa brincadeira, alguns movimentos da capoeira acabaram sendo inseridos no contexto da escola e não são aquelas práticas que se veem nas ruas ou em outros ambientes. É preciso criar novas experiências”, enfatiza. O mestrando relata que, apesar da aceitação da maioria das crianças em praticar a capoeira, algumas tiveram atitudes não engajadas ao que era proposto. “No nosso estudo, pudemos perceber que algumas crianças que estavam presentes formavam relações interpessoais que não estavam voltadas à prática das brincadeiras. Geralmente, eram as crianças mais ‘agitadas’”, lamenta.

Praticantes jogam capoeira na Praça da Paz, no campus da Unicamp

Uma de suas análises foi feita a partir da interação que a criança possui, o que do ponto de vista da educação física lhe propicia não somente interagir socialmente, com o uso da linguagem verbal; na capoeira, ela consegue se relacionar também através do corpo, porque vai entendendo as relações de respeito e cooperação que o jogo propicia, porque cada um ocupa certo espaço. Ao mesmo tempo, considera o estudioso, ao passar a perna por cima da criança, ela terá que dar uma resposta à pergunta que foi realizada pelo outro através de seu corpo. Trata-se de uma conscientização por meio dos movimentos, um novo jeito de interação, dimensiona. Meninos e meninas da escola em questão participavam do projeto de capoeira indistintamente. Mas alguns estudos têm mostrado que é comum que eles se separem por gênero na hora do jogo. “Então é preciso estimulá-los a uma interação com o sexo oposto. Temos que desmistificar esse território”, diz.

ORIGEM

O mestrando relembra que a capoeira representava muito para os escravos, pela ânsia de libertação do jugo opressor. Eles não tinham praticamente nada em suas vidas. Tinham unicamente seus corpos. “Por isso, essa manifestação, ainda hoje, apresenta-se através do corpo”, retoma.

Publicação Dissertação: “Vivências da capoeira na educação infantil” Autor: Lucas Contador Dourado da Silva Orientador: Ademir de Marco Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) Financiamento: Capes

Lucas Contador Dourado da Silva: “Unimos o conteúdo a uma linguagem dirigida ao público infantil”

A sua origem no Brasil é controversa, mas também não há registros de sua aparição na África. A primazia acaba sendo atribuída ao povo africano porque os escravos descendiam desse continente. Por outro lado, uma forte justificativa é de que as condições de opressão às quais eram submetidos foram o estopim para o surgimento da capoeira. Nos navios negreiros, embarcações de carga que transportavam os escravos que vinham ao Brasil, eles inclusive eram divididos de acordo com os diferentes dialetos para que não pudessem ter contato linguístico e nem cultural. Já havia até uma preocupação dos senhores em não trazer escravos da mesma etnia. Ocorre que, à época, o país estava sendo formado e era consistente a influência das culturas portuguesa e africana, além de uma pequena participação daqueles europeus de condição mais humilde que tentavam se estabelecer aqui. Isso acabou gerando uma cultura ‘transplantada’.

MÉTODO

Lucas utilizou em seu estudo a teoria bioecológica, fundada pelo psicólogo Urie Bronfenbrenner (1917-2005). Esse autor faleceu e não teve tempo de concluí-la, deixando algumas lacunas no método. Ele nunca mencionou, por exemplo, o ter de verificar o desenvolvimento integral de uma criança em atividades de capoeira. “Então notamos a necessidade de criar estratégias que dessem conta dos conceitos centrais dessa teoria, do ponto de vista científico”, menciona. O pesquisador reconhece que essa teoria é ampla e que não deu para atingi-la por completo em sua pesquisa. A teoria bioecológica prega quatro pontos. Um envolve os processos (relações interpessoais). As relações devem ser verificadas através do comportamento infantil de maneira natural e no ambiente imediato da criança. Nesse caso, identifica-se quais relações são formadas e qual a sua natureza, para observar se essas relações são recíprocas, se têm equilíbrio de poder e sua natureza. Outro ponto envolve as características da criança, por serem capazes de alterar muito as relações do jogo. Quando ela é muito nervosa e naquele momento expressou isso em uma interação, o que esse nervosismo gerou em outras crianças? Um outro ponto é o ambiente. Ele é visto e analisado pela própria estrutura metodológica. Como o contexto interferiu no comportamento das crianças? “No estudo, ele foi avaliado através das relações interpessoais no ambiente em que as crianças brincavam”, esclarece. O último ponto tem relação com o tempo. “Iniciamos o trabalho em abril de 2012 e terminamos em dezembro do mesmo ano”, comenta ele, que integra o Grupo de Estudos em Educação Física no Desenvolvimento Infantil (Geefidi) e que em sua pesquisa foi orientado por Ademir de Marco, docente da FEF. Sobre a metodologia empregada, informa que usou três instrumentos de coleta de dados no trabalho de campo: a filmagem, para conseguir captar o ambiente natural e o comportamento das crianças; os questionários, respondidos pelos pais ou responsáveis, para observar a relevância dada ao tema; e um diário de campo, preenchido após as sessões de atividade motora, a fim de convergir os dados. Na opinião de Lucas, a vantagem é que esse material ficará documentado. “Poderei estudar e verificar os elementos da teoria bioecológica quantas vezes quiser e me aprofundar sobre o fenômeno do comportamento infantil”, realça o pesquisador.

CONQUISTA

Lucas começou praticar a capoeira aos 12 anos, com o mestre Franja, em um clube da cidade de Campinas. Gostou tanto da experiência que decidiu que “nunca mais iria parar”. Com três décadas de vida, ele treina pelo menos duas vezes por semana. Os exercícios de capoeira incluem alongamento, esquivas, chutes rodados de ponta de linha e exercícios do plano baixo, que são descida básica, negativa ou rolar. A partir desses fundamentos, faz-se o restante, e os floreios acabam sendo incorporados. Já há algum tempo, o Geefidi está desenvolvendo um projeto em conjunto com o Programa de Desenvolvimento e Integração da Criança e do Adolescente (Prodecad) da Unicamp. São atividades pedagógicas com ensino de capoeira, que começam a ser introduzidas agora. Como resultado, o projeto conquistou uma sala própria no Prodecad, que será inaugurada em breve. Deste modo, a capoeira deverá ser incorporada às ações desse programa. Tal iniciativa foi idealizada pela pós-graduanda Daniela Soares, conta Lucas.


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PAINEL DA SEMANA  Método lógico para redação científica - O Espaço da Escrita, órgão da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), organiza o workshop “Método lógico para redação científica”, dia 17 de março, das 8h30 às 18 horas, no auditório da Faculdade de Tecnologia (FT) de Limeira. O evento corresponde a um treinamento básico de 8 horas/aula para docentes, pesquisadores e alunos de pós-graduação da Unicamp em Limeira (FCA, FT e Cotil). O workshop será ministrado pelo professor Gilson Luiz Volpato (Unesp/Botucatu) e está organizado para interessados que queiram aprender ou aperfeiçoar a escrita de textos acadêmicos desde a perspectiva da ciência empírica. Mais informações: 19-3521-6649.  Intercâmbios: o diferencial para seu futuro - A ViceReitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza, aos novos alunos da Unicamp, a palestra “Intercâmbios: o diferencial para seu futuro”. Será no dia 17 de março, das 12h15 às 13h30, no auditório do Instituto de Artes (IA). O objetivo é estimular, orientar e informar os novos alunos sobre as oportunidades de intercâmbios acadêmicos e os critérios da Unicamp para que possam participar dos programas e processos de seleção durante 2014.  Prêmio Innovagro - A Rede Innovagro está com inscrições abertas até o dia 17 de março para o prêmio Innovagro 2014. Sua proposta é promover a cultura da inovação agroalimentar em nível regional e global. A outorga da distinção será no dia 24 de abril, durante o Seminário Internacional Redes de Inovação em Agroalimentação, no marco do programa internacional de atividades deste ano da Universidade de Córdoba, Espanha. Leia mais no site http:// www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/02/19/rede-lanca-premioinnovagro-2014  Workshop Nature Unicamp - A Unicamp, por meio da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU) e da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP), promove, entre 18 e 20 de março, o Workshop Nature Unicamp. O objetivo é contribuir para o aumento do impacto da produção científica da Universidade. O evento destina-se aos docentes e pesquisadores de Centros e Núcleos da Unicamp. Mais informações no link http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/02/21/unicamp-realiza-workshop-com-editores-da-nature  O Golpe de 64 em aula inaugural - “Os 50 anos do Golpe de 1964 e a Educação no Brasil” são o tema da aula inaugural do curso de Pedagogia, que acontece em 18 de março, às 19 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Ela será ministrada pelo professor Luiz Antonio Cunha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O evento é promovido pela Coordenação de Graduação da FE-Unicamp. Mais informações pelo telefone 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Doador universitário - O Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp (Hemocentro) inicia no dia 19 de março, a

primeira coleta de sangue de 2014 do Projeto Doador Universitário. No primeiro dia de campanha, a unidade móvel do Hemocentro estará no estacionamento do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW), das 8 às 12 horas. Interessados em doar sangue devem apresentar RG ou CNH. As doações também poderão ser realizadas na sede do Hemocentro, de segunda a sábado, inclusive em feriados, das 7h30 às 15 horas. Mais detalhes no site http://www. hemocentro.unicamp.br/  Problemáticas ambientais urbanas - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) e a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) organizam no dia 19 de março, às 9 horas, no auditório 5 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o Fórum Permanente de Políticas Públicas com o tema “Problemáticas ambientais urbanas”. Interessados em participar podem fazer inscrição na página eletrônica http://www.foruns.unicamp.br/foruns/ projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/politicaspub01. html. O evento será transmitido pela RTV Unicamp. Na primeira palestra, às 9h15, a professora Maria Adélia Aparecida Souza, do Instituto Territorial da Universidade de São Paulo (USP), fala sobre “O uso do território e o lugar do catador”. Os Fóruns Permanentes existem desde 2003. Visam o desenvolvimento cultural, social e econômico do país e foram concebidos para propiciar o intercâmbio de experiências e pesquisas entre profissionais e estudantes da Unicamp e profissionais de instituições da sociedade. Na Unicamp, os fóruns são realizados pela Coordenadoria Geral da Unicamp (CGU). Mais detalhes podem ser obtidos pelo telefone 19-35215039 ou e-mail sonia.mazzariol@reitoria.unicamp.br  Ciclo de filmes Renato Tapajós - “Universidade em crise”, “Em nome da segurança nacional” e o “Fim do esquecimento”, filmes do ciclo denominado “Renato Tapajós” serão apresentados no dia 19 de março, às 14 e 19 horas, no auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). As apresentações fazem parte da primeira audiência pública da Comissão da Verdade e Memória “Otávio Ianni”, evento a ser realizado no dia 20, no mesmo local.  Palestra com Brian Wynne - “Imaginando inovação responsável: que tipo de experiência?” Tema será abordado em palestra pelo professor Brian Wynne, da Lancaster University. O evento ocorre no dia 19 de março, às 18 horas, na sala PE-12 do prédio da Comissão de Pós-graduação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC). Como debatedora atuará a professora Lea Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Mais informações: 19-3521-5150 ou e-mail claudiasilva@ige.unicamp.br  Homenagem a Eustáquio Gomes - Uma homenagem ao jornalista e escritor Eustáquio Teixeira Gomes, criador da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp, acontece no dia 19 de março, às 19 horas, no Centro de Inclusão e Integração Social (CIS-Guanabara). Denominada “Eustáquio Gomes: o cronista do cotidiano”, a solenidade é realizada em parceria com a Coordenadoria Geral da Unicamp (CGU), Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom), Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) e RTV Unicamp. O evento contará com a participação da Euterpe-Banda Comunitária de Campinas. O CIS-Guanabara fica na rua Mário Siqueira 829, no bairro do Botafogo, em Campinas-SP. Mais detalhes: 19-3233-7801.  Audiência pública da Comissão da Verdade - A primeira audiência pública da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” acontece no dia 20 de março, às 14 horas, no auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Antes, às 10 horas, será apresentado um ciclo de filmes de Renato Tapajós. Uma exposição das atividades em curso na Comissão, a apresentação da estrutura do sistema regressivo e da perseguição ao movimento estudantil e trajetórias e depoimentos de alunos (as) e professores atingidos pela repressão constam no programa. Mais detalhes no site http://www.cgu.unicamp.br/ comissao_verdade/  Congresso Brasileiro de Extensão Universitária A sexta edição será realizada em Belém do Pará, na UFPA, entre os dias 19 e 22 de maio. A Unicamp tem centenas de atividades de Extensão que podem ser apresentadas em um dos formatos previstos pela organização: comunicações orais, rodas de conversas e oficinas. Os trabalhos devem ser submetidos até 20 de março. Mais detalhes no link www.6cbeu.ufpa.br  Cuíca de Santo Amaro - Documentário será exibido em sessão especial na Unicamp, dia 20 de março, às 15 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Educação (FE). Após a sessão, os diretores Joel de Ameida e Josias Pires participam de debate so-

DESTAQUE

bre a obra. “Cuíca de Santo Amaro” é um documentário de longa metragem sobre o poeta e trovador baiano Cuíca de Santo Amaro, que inspirou diversos personagens de Jorge Amado e Dias Gomes. O filme foi exibido em festivais de cinema no Brasil e no exterior e estreou com sucesso de crítica no circuito comercial de Salvador/ BA. Mais informações pelo telefone 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Recital e lançamento de CD - Apresentação de Luiz Guilherme Pozzi será no dia 20 de março, no auditório do Instituto de Artes (IA), a partir das 19h30. Na oportunidade, ele tocará as três últimas sonatas de Beethoven, ao lado de Maurícy, seu orientador no mestrado, e de Martin e Gabriella Affonso. O trabalho de pós-graduação de Pozzi na Unicamp tratou da obra do compositor contemporâneo Harry Crowl, mais especificamente sobre seu ciclo de peças para piano intitulado “Marinas”. Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/03/07/luiz-guilherme-pozzi-lancacd-e-faz-recital-no-ia  Desenvolvimento sustentável - O Instituto de Geociências (IG) recebe, dia 21 de março, às 10 horas, em seu auditório, o professor José Eli da Veiga (FEA/USP). Ele ministra o seminário “Desenvolvimento Sustentável”. O evento ocorre no âmbito das atividades do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica (PPG-PCT) e do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG. Veiga é professor titular de economia da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador de seu Núcleo de Economia Socioambiental (NESA), e orientador em dois programas de pós-graduação: Relações Internacionais (IRI-USP) e Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Mais informações: 19-3521-4555 ou e-mail dpct@ige.unicamp.br

TESES DA SEMANA  Computação - “Investigando inconsistências de iluminação para detectar fotos fraudulentas e descobrir traços de composições em imagens digitais” (doutorado). Candidato: Tiago José de Carvalho. Orientador: professor Anderson de Rezende Rocha. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, no auditório do IC.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Processos oxidativos avançados na remoção da toxidade e da atividade antimicrobiana de uma solução de ofloxacina” (mestrado). Candidata: Marcela Souza Peres. Orientador: professor José Roberto Guimarães. Dia 21 de março de 2014, às 9 horas, na sala CA-22 CPG da FEC.  Engenharia Elétrica e de Computação - “Um modelo de design de rede para exportação da soja no Brasil” (doutorado). Candidata: Ana Paula Milanez. Orientador: professor Takaaki Ohishi. Dia 18 de março de 2014, às 14h30, na FEEC. “Codificação tensorial espaço-temporal para sistemas de comunicação sem fio MIMO”(doutorado). Candidata: Michele Nazareth da Costa. Orientador: professor João Marcos Travassos Romano. Dia 20 de março de 2014, às 9 horas, na sala LE-45 da FEEC. “Sistema de avaliação preditiva de falhas em máquinas elétricas usando lógica Fuzzy com análise dos parâmetros de vibração, corrente e temperatura” (doutorado). Candidato: Paulo da Silva Soares. Orientador: professor José Antonio Siqueira Dias. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC.  Engenharia de Alimentos - “Equilíbrio sólido-líquido e ponto de fulgor de misturas graxas” (doutorado). Candidata: Natália Daniele Dorighello Carareto. Orientador: professor Antonio José de Almeida Meirelles. Dia 18 de março de 2014, às 14 horas, no salão nobre da FEA. “Direcionadores de preferência e perfil sensorial de pães isentos de glúten e sacarose” (mestrado). Candidata: Natália Manzatti Machado Alencar. Orientadora: professora Helena Maria André Bolini. Dia 9 de março de 2014, às 14 horas, no anfiteatro do Departamento de alimentos e Nutrição da FEA. “Isolamento e seleção de leveduras silvestres de biomas do Estado de São Paulo com potencial para produção de lipase e vitaminas do complexo B” (mestrado). Candidato: André Ohara. Orientadora: professora Gabriela Alves Macedo. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, no anfiteatro do Departamento de Ciência de Alimentos da FEA.

“Microencapsulação de ácido gálico através da técnica de spray chilling” (mestrado). Candidata: Larissa Consoli. Orientadora: professora Míriam Dupas Hubinger. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, na sala 31 do Departamento de Engenharia de Alimentos da FEA. “Hidrolisados de isolado proteico do soro de leite obtidos com alcalase livre e imobilizada: caracterização e detecção de proteínas alergênicas” (mestrado). Candidata: Tássia Batista Pessato. Orientadora: professora Flavia Maria Netto. Dia 21 de março de 2014, às 15 horas, no anfiteatro do DEPAN da FEA.  Engenharia Química - “Desenvolvimento de um modelo matemático para prever o tamanho da nuvem de gás inflamável baseado em CFD e metodologia de superfície de resposta” (mestrado). Candidata: Tatiele Dalfior Ferreira. Orientador: professor Savio Souza Venancio Vianna. Dia 20 de março de 2014, às 14 horas sala de aula PG04 do bloco D da FEQ. “Determinação de dados de temperatura de ebulição de acilgliceróis parciais e tocoferol por calorimetria diferencial exploratória” (Dissertação de mestrado). Candidata: Daniela da Silva Damaceno. Orientadora: professora Roberta Ceriani. Dia 20 de março de 2014, às 14h30, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Extração de espilantol assistida por micro-ondas a partir de flores, folhas e caules de jambu (Spilanthes oleracea)” (doutorado). Candidata: Suzara Santos Costa. Orientadora: professora Sandra Cristina dos Santos Rocha. Dia 21 de março de 2014, às 9 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. “Produção de lipídeos por Lipomyces starkeyi: estratégia para obtenção de alta densidade celular a partir de xilose e glicose” (doutorado). Candidata: Andréia Anschau. Orientadora: professora Telma Teixeira Franco. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ.  Filosofia e Ciências Humanas - “A função social da amizade duradoura na sociedade contemporânea: estudo com jovens adultos moradores da metrópole paulistana” (doutorado). Candidata: Bárbara Garcia Ribeiro Soares da Silva. Orientadora: professora Gilda F. P. Gouvêa. Dia 20 de março de 2014, às 14 horas, no IFCH.  Física - Propriedades eletrônicas e ópticas de poços quânticos e pontos quânticos de semicondutores magnéticos diluídos” (doutorado). Candidato: Udson Cabral Mendes. Orientador: professor José Antonio Brum. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW.  Geociências - “Inserção brasileira na cadeia global de reciclagem de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos” (mestrado). Candidata: Marilia Tunes Mazon. Orientador: professor Newton Muller Pereira. Dia 17 março de 2014, às 9 horas, na sala A do DGRN do IG. “Estudo sobre o movimento open access e de suas implicações para a comunicação na ciência” (mestrado). Candidato: Jean Carlos Ferreira dos Santos. Orientador: professor Marko Synésio Monteiro. Dia 18 de março de 2014, às 10 horas, no auditório do IG.  Linguagem - “O ritmo na prosa: estudo e interpretação prosódica do período oratório latino” (doutorado). Candidato: Carlos Renato Rosário de Jesus. Orientador: professor Marcos Aurélio Pereira. Dia 17 de março de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Matemática, Estatística e Computação Científica “Grafos de Lyapunov no estudo dos fluxos de Smale e dos fluxos de Morse-Novikov” (doutorado). Candidato: Guido Gerson Espiritu Ledesma. Orientadora: professora Ketty Abaroa de Rezende. Dia 18 de março de 2014, às 15 horas, na sala 253 do Imecc. “Propriedades homológicas de produtos subdiretos de grupos limites” (mestrado). Candidata: Ana Claudia Lopes Onorio. Orientadora: professora Dessislava Hristova Kochloukova. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Odontologia - “Conhecimento e atitude dos médicos e enfermeiros do psf de Piracicaba no atendimento de idosos demenciados” (mestrado profissional). Candidato: Luís Fernando de Lima Nunes Barbosa. Orientadora: professora Maria da Luz Rosário de Sousa. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, na sala da Congregação da FOP.  Química - “Reações de arilação de heck com sais de arenodiazônio: aplicações na síntese de derivados arilpirrólicos bioativos e arilação enantiosseletiva do 2,3-diidrofurano” (doutorado). Candidata: Cristiane Storck Schwalm. Orientador: professor Carlos Roque Duarte Correia. Dia 21 de março de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Unicamp debate

os 50 anos do Golpe de 64 Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, por meio do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, promoveu, no último dia 11, o seminário 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 – Revisitando questões e debates. O evento, que teve continuidade no dia 12, tem por objetivo discutir diversos aspectos relacionados ao regime político instaurado no país após o episódio. As atividades, abertas ao público em geral, ocorreram no Auditório I do próprio IFCH. Na abertura do seminário, o diretor do Instituto, professor Jorge Coli, destacou a importância de a Universidade promover um debate qualificado sobre um período difícil da história brasileira. “Iniciativas como estas são fundamentais para trazer luzes que nos ajudem a atender os caminhos atuais da nossa história”, disse. Silvana Rubino, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História, também defendeu a necessidade de se estimular uma reflexão responsável e profunda acerca do tema. “Temos que fazer um contraponto ao debate de baixo nível que muitas vezes vemos pela imprensa e que, não raro, coloca questões levianas como se houve mesmo tortura no país”, afirmou.

Foto: Antoninho Perri

O seminário “50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 – Revisitando questões e debates” ocorreu no Auditório I do IFCH

Para a professora Margareth Rago, uma das organizadoras do seminário, o evento não somente é uma oportunidade para promover um acerto de contas com a His-

tória, “mas principalmente para celebrar a vida”. José Alves, outro organizador, reafirmou a posição da colega. “É um momento de celebrar a vida, a autonomia e a

possibilidade de se refletir sobre a nossa história”, considerou. A primeira mesa, que foi coordenada pelo professor Marcelo Ridenti, do Departamento de Sociologia do IFCH, reuniu os pesquisadores Anderson da Silva Almeida, doutorando da Universidade Federal Fluminense (UFF); Denise Rolemberg, docente do Departamento de História da mesma UFF; e Jean Rodrigues Sales, docente do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Eles fizeram diferentes abordagens dentro do tema “Agentes sociais, dilemas e silêncios em torno do passado ditatorial”. Silvana, por exemplo, falou a respeito da questão da resistência. Ela citou trabalhos de diversos pensadores sobre o tema, que fizeram esforços para tentar conceituá-lo. Apesar dos critérios apresentados, segundo ela, ainda existem pontos a serem analisados, visto que os pressupostos nem sempre podem ser aplicados às diferentes situações relacionadas à resistência. “É um tema em aberto. O dado positivo é que ele nos estimula a continuar refletindo e debatendo”, ponderou. (Manuel Alves Filho)


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Campinas, 17 a 23 de março de 2014

Estudo avalia impactos de efluentes em ETEs

Dissertação analisa efeitos de fármacos nas plantas de tratamentos de esgoto Foto: Antoninho Perri

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

s bactérias presentes nos cursos d’água se alimentam da matéria orgânica dos esgotos, contribuindo para a eliminação de parte da sujeira. Isso explica porque rios extremamente poluídos voltam a ter peixes depois que as águas contaminadas tenham percorrido longos trechos (autodepuração). Uma estação de tratamento de esgoto (ETE) faz esse serviço muito mais rapidamente porque possui uma concentração de microrganismos muitíssimo superior à de um rio. Embora esse processo envolva várias etapas, o coração da estação de tratamento é o tanque de aeração, em que microrganismos presentes na água (esgoto) e no lodo se alimentam do material orgânico, tendo a voracidade aumentada pelo ar injetado. As águas resultantes do esgoto tratado são então lançadas em rios e ao chegarem às represas são captadas para serem transformadas em águas potáveis nas estações de tratamento (ETAs), a partir das quais são distribuídas para o consumo público. Estas etapas envolvem o processamento do esgoto urbano e o tratamento da água adequada para consumo. Não fossem as ETEs, a utilização da água de um rio para o abastecimento público tornar-se-ia mais complexa e onerosa. Em outra vertente estão as indústrias que também lançam águas servidas, mas com contaminantes bem diferentes e diversos em relação aos poluentes dos esgotos urbanos e que, por isso, além de tudo, precisam passar por tratamentos químicos e biológicos específicos. Em vista disso, a legislação vigente (resolução Conama nº 357, de 17 de março de 2005) obriga tanto as indústrias como os municípios a tratarem as águas lançadas em seus efluentes de modo a reduzir seus poluentes específicos ao mínimo aceitável ou mesmo a eliminá-los completamente. Nestes casos, o tratamento adequado para cada tipo de efluente é indicado de acordo com a carga orgânica poluidora e a presença de contaminantes tóxicos específicos. Para garantir a eficiência desses processos, as indústrias precisam, após o tratamento, submeter a análises periódicas as águas que lançam nos rios. Em decorrência do déficit hídrico, principalmente nas regiões mais populosas, muitas indústrias têm interesse no reúso de parte dessas águas – pois parcela delas deve retornar aos rios com vistas ao reabastecimento hídrico e abastecimento público – para lavagens de máquinas, tubulações e pisos; nos vasos sanitários; nos sistemas de resfriamento e de geração de vapores; e no próprio processo industrial. Esse foi o caso de uma indústria farmacêutica da região de Campinas que pretendia fazer reúso da água de seus efluentes, depois de tratada, para outros fins que não os da produção e estava preocupada em saber de sua adequação para tanto. O problema foi sugerido ao pesquisador da Divisão de Microbiologia do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), biólogo Alexandre Nunes Ponezi, professor credenciado junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. A proposta veio por meio da aluna Fernanda Fagalli Plaza, graduada em segurança do trabalho, que se propunha a estudar, durante o mestrado, os efeitos proporcionados à biomassa em sistemas de tratamento por lodos ativados pelos fármacos levamisol, trimetropim e sulfadiazina, principais produtos farmacêuticos da empresa para uso veterinário. A biomassa de uma estação de tratamento de lodo ativado é capaz de se adaptar ao efluente recebido, mesmo quando esse contenha contaminantes específicos ao meio. Fármacos são considerados contaminantes emergentes lançados nos rios tanto pelo esgoto doméstico na forma de urina e fezes, como também pelo descarte indevido e pelos processos industriais. Os fármacos de uso veterinário podem con-

O biólogo Alexandre Nunes Ponezi, orientador do estudo: resultados mostram a importância da prevenção

taminar as águas (superficiais ou subterrâneas) pela lixiviação do esterco depositado no solo como também pelo descarte incorreto das embalagens. Tanto em uma situação como em outra estes produtos podem ser captados por uma ETA e chegarem à população pelo sistema de abastecimento, embora presentes em concentrações muito baixas, sem efeito terapêutico no caso da grande maioria das drogas. Os antibióticos sulfadiazina e trimetropim e o anti-helmíntico (contra parasitas) levamisol foram selecionados para estudo devido à produção em larga escala e possíveis efeitos quimioterápicos na biomassa de estações de tratamento de efluentes industriais. O docente sugeriu, então, que inicialmente fosse verificada a adequação do tratamento industrial em relação à garantia de reúso dessa água a partir do perfil das drogas contaminantes em questão. Paralelamente ele propôs submeter o efluente industrial ao tratamento empregado nos esgotos domésticos, pois pretendia verificar o que ocorreria com estes contaminantes se esse efluente fosse direcionado acidentalmente sem tratamento para uma ETE municipal.

PROPÓSITOS

E RESULTADOS

Ponezi esclarece que o objetivo principal do trabalho foi avaliar o potencial de biodegradação ou remoção das substâncias levamisol, trimetropim e sulfadizina por ensaios de biodegradabilidade previsto pela Organisation for Economic Co-operation and Developmente (OEDC), a fim de dimensionar seus impactos em estações de tratamento de esgoto municipal. Paralelamente, o estudo se propôs também a fornecer um embasamento para possíveis intervenções em cenários futuros nas estações de tratamento de efluentes industriais, buscando melhorias para o processo de tratamento do efluente da indústria farmacêutica. Para alcançar esses objetivos foi necessário avaliar o grau de capacidade de adaptação de uma biomassa específica em sistemas de lodos ativados, tanto domésticos como industriais. Para tanto, amostras obtidas do esgoto da indústria farmacêutica foram submetidas ao tratamento em reatores apropriados no laboratório de Microbiologia do CPQBA, utilizando biomassas microbianas industrial e da Estação de Tratamento

de Esgoto Municipal (ETE) Samambaia, da Sanasa, em Campinas. Os resultados experimentais mostraram que respostas distintas puderam ser observadas entre as duas fontes de biomassa utilizadas, ou seja, os lodos provenientes dos esgotos doméstico e industrial. Assim, o lodo proveniente da fonte industrial apresentou melhor respostas na simulação de tratamento na presença dos fármacos selecionados do que o lodo doméstico. Para o pesquisador, esse resultado já era esperado porque a biomassa de fonte industrial já está adaptada a este tipo de efluente nas mais diversas concentrações. Já o lodo doméstico mostrou-se sensível às drogas estudadas, principalmente a sulfadiazina e o trimetropim, ocorrendo redução da biomassa nos reatores e consequentemente perda de 40% da eficiência do tratamento. Para o pesquisador, “a adaptabilidade da biomassa frente aos fármacos estudados nos remete a considerações preocupantes em relação ao risco de desenvolvimento de superbactérias, com microrganismos muito resistentes à ação desses antibióticos”. Os resultados obtidos das análises cromatográficas indicaram que os ensaios realizados com lodo industrial apresentam níveis adequados dos fármacos, isto é, abaixo do limite de detecção, exceto para sulfadiazina, que se apresenta em quantidades variadas conforme a concentração inicial aplicada. Já os resultados provenientes dos reatores operados com lodo doméstico indicaram baixa remoção e acúmulo destes compostos no reator. Neste caso, afirma Ponezi, a ocorrência pode agravar ainda mais o problema, pois estes antibióticos também são utilizados na saúde humana. As consequências podem ser particularmente perigosas nos países em desenvolvimento, que utilizam sistemas de coleta e tratamento de esgotos precários e que não dispõem de sistemas eficientes e seguros para tratamento de água para consumo humano e animal e efetivamente preparados para eliminar a presença de fármacos e outros contaminantes. Neste último caso, em especial, mesmo nos EUA e na Europa, os sistemas de tratamento de água, em geral, não foram concebidos para eliminar medicamentos e hormônios. Embora Ponezi constate que em geral os tratamentos dos efluentes industriais e domésticos no Estado de São Paulo se

revelem eficientes e atendam a legislação vigente, deve preocupar e não ser descartada a possibilidade de que, devido à intercorrências inconvenientes, concentrações muito pequenas de antibióticos e outros medicamentos sejam liberados pelos sistemas de tratamento tanto industrial como doméstico retornando aos corpos d´água. Para o pesquisador, os resultados mostram a importância de prevenir e evitar que acidentes em estações de tratamentos industriais possam causar desastres ecológicos de difícil reparação, como também de uma melhor participação da população no descarte correto de medicamentos, minimizando assim o impacto destes compostos químicos no ambiente. Segundo Ponezi, uma pergunta é recorrente quando se trata do tema: “Conhecese o efeito na saúde humana da presença de medicamentos na água potável?”. Sua resposta é: “Não sabemos ao certo!”. É verdade que os níveis dos medicamentos encontrados na água potável são muito baixos, mas, para algumas classes de produtos farmacêuticos especialmente hormônios sintéticos e antibióticos, há sempre uma preocupação, porque os hormônios agem em concentrações muito baixas e os antibióticos além de promover resistência bacteriana também podem agir como hormônios acentuando ainda mais o problema. Ele conclui: “Não queremos que as pessoas se assustem e sejam levadas a pensar que não podem ou não devem beber água da torneira. Várias pesquisas estão sendo conduzidas a fim de elucidar se as atuais concentrações dessas substâncias na água de abastecimento podem causar algum efeito adverso na saúde humana e sobre a vida aquática”.

Publicação Dissertação: “Efeitos proporcionados à biomassa em sistemas de tratamento de esgotos por lodos ativados pelos fármacos levamisol, trimitropim e sulfadiazina” Autora: Fernanda Fagalli Plaza Orientador: Alexandre Nunes Ponezi Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)


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Campinas, 17 a 23 de março de 2014 Foto: Divulgação

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

Visões do paraíso Pintura no forro da nave da Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, cuja autoria é atribuída a Manuel da Costa Ataíde: figuras mulatas

Ataíde pintou cinco forros em igrejas de Minas Gerais. Foram eles o forro da nave da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto; o forro da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antonio, em Itaverava; o forro da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antonio, em Santa Bárbara; o forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Mariana (a Rosário dos Pretos); e o forro da nave da Igreja Matriz de Santo Antonio, em Ouro Branco.

PECULIARIDADES Orientado pelo docente do IA Mauricius Martins Farina, Marco Aurélio escolheu o assunto tanto pela sua formação como arquiteto como também pela poética das obras de Minas Gerais. Conforme o pesquisador, as principais pinturas de Ataíde iniciaram no século 19. Acredita-se que entre 1801 e 1812, porém faltam documentos apurando isso. Mas é fato que nesse período ele fez alguns trabalhos na Igreja São Francisco de Assis. Não obstante, há divergências sobre até que ponto uma ou outra pintura é de sua autoria. “Por outro lado, não paira dúvida de que a pintura pesquisada por mim no forro da nave seja dele”, ressaltou Marco Aurélio. Essa obra de arte, contou o autor do estudo, possui muitas facetas: é engajada com os acontecimentos políticos, com os fatos sociais e com as questões humanistas e religiosas, então efervescentes. Como toda obra de grande valor, disse, a sua arte é valiosa por aquilo que foi e, em potencial, por aquilo que ainda tem a oferecer. “Ao observá-la, não a olhei somente com olhos de arquiteto e sim de um artista que busca a arte para, assim, se aproximar dela.” Mas do que fala essa pintura? Marco Aurélio responde que um dos aspectos mais salientes é a questão mulata. Todas as figuras na pintura da Igreja de São Francisco de Assis são mulatas. Dados demográficos apontados na pesquisa do arquiteto dão conta de que a maio-

Quem foi Manuel da Costa Ataíde, o mestre Ataíde, nasceu em Mariana em 1762 e morreu em 1830, aos 68 anos. Foi um dos pintores, douradores e artífices na arte da encarnação mais relevantes da época. Sua primeira obra pública foi a corporificação de dois ícones de Jesus para a Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, em 1781. Foi um dos poucos pintores mineiros reconhecidos no período. Era visto como uma figura humana, religiosa, membro de diversas irmandades, pessoa desprendida materialmente e que cobrava preços justos por suas obras. No testamento do pai, chegou a abrir mão de sua parte na herança em favor dos seus irmãos.

ria da população de Ouro Preto era – em ordem decrescente – negra, mulata e branca, representada principalmente pelos portugueses e seus descendentes nascidos em Minas, sendo esta última uma minoria, mas que comandava a sociedade. O pintor não retratou nem a maioria e nem a minoria. “Entendo que os mulatos eram o povo mineiro, que se deu pelo cruzamento dos portugueses e dos negros que vieram trabalhar ali. Aleijadinho era filho de pai português e de mãe escrava. O próprio Ataíde teve por concubina uma mulata, Maria do Carmo Raimunda da Silva, e com ela teve seis filhos”, recordou. Um outro aspecto que segundo a pesquisa saltou na obra de Ataíde foram algumas possíveis relações com a Inconfidência Mineira e os ideais iluministas, uma crítica ao absolutismo. A Inconfidência Mineira foi tão catastrófica para aquela sociedade que deve ser vista com bastante atenção, orientou Marco Aurélio, já que revela aspectos bastante peculiares. O natural seria imaginá-la organizada por questões de raça e de nome familiar. Não foi assim. Muitas dessas estruturas que ocorreram rigidamente em outros lugares (em outras colônias portuguesas ou em outros lugares da mesma colônia que mais tarde veio a ser o Brasil) ali se deram de modo mais hibridizado. Foi muito comum em Ouro Preto e em Mariana, por exemplo, negros ascenderem socialmente, escravos conseguirem a própria alforria e alguns adquirirem certo status social. Mas esse povo foi impedido de se libertar de maneira severa com o fim da Inconfidência Mineira em 1789. Não à-toa Tiradentes foi considerado o símbolo do movimento. Ele foi esquartejado e suas partes foram colocadas nas principais cidades de Minas, para servir de exemplo. Além disso, foram feitas festas para celebrar o fim daquele levante e a tragédia da intenção de se libertar, que também contava

com a adesão de uma parte da elite daquela sociedade, então descontente. Por ordem do governador local, foi erigido um marco em Ouro Preto para simbolizar o desmantelamento da Inconfidência. Inconformada, a população decidiu destruí-lo poucos anos depois. No ano em que se pôs fim ao movimento, aconteceu a Revolução Francesa e pouco depois outras iniciativas ao longo do território brasileiro. Esses eventos foram diferentes dos de Minas. Alguns deles foram até mais abrangentes, envolvendo as mais diversas classes. O próprio Tiradentes tinha tentado convencer pessoas das classes menos abastadas de que se libertar de Portugal seria benéfico. Na visão de Marco Aurélio, o que Ataíde fez foi se posicionar diante daquele povo que ali já se constituía de forma autêntica, com uma cultura peculiar. Indícios da pesquisa sugerem que na obra do artista exista até uma representação da cabeça de Tiradentes, que foi o quarto que ficou exposto na praça de Ouro Preto, na frente da Casa da Câmara e Cadeia. Logo, por tudo isso, percebe-se que pintar as figuras mulatas não era algo irrelevante para o artista. O fato de criar o céu e nele colocar os mulatos foi uma representação do povo mineiro e do contexto histórico. “Ataíde representou o paraíso e o ofereceu a esse povo”, constatou Marco Aurélio.

Publicação Dissertação: “O paraíso aos mineiros: proposições acerca de um discurso poético de Manoel da Costa Ataíde” Autor: Marco Aurélio Figueroa Careta Orientador: Mauricius Martins Farina Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Capes

O arquiteto Marco Aurélio Figueroa Careta, autor da pesquisa: prospecção detalhada

Foto: Antoninho Perri

s moradores, os turistas e os pesquisadores que visitam Ouro Preto, Minas Gerais, e olham para o forro da nave da Igreja São Francisco de Assis, estão diante de uma representação do paraíso pós-vida. Foi o que concluiu o pesquisador e arquiteto Marco Aurélio Figueroa Careta em sua dissertação de mestrado, apresentada recentemente ao Instituto de Artes (IA). Segundo ele, nas pinturas em perspectiva mais conhecidas, o que em geral acontecia era uma continuação da arquitetura do templo que, em dado momento, interrompia-se por uma abertura que dava para o céu da abóbada celeste, no meio do qual aparecia uma alegoria do céu pós-vida. Manuel da Costa Ataíde, artista convidado para fazer a decoração dessa igreja, ao contrário, usou o espaço do forro da nave da igreja como um todo, da cimalha [que é uma moldura comumente utilizada em algumas igrejas mineiras para arrematar internamente uma parede] para cima, a fim de representar o paraíso, e o fez de uma forma mais complexa – espacial e temporalmente. No caso de muitas pinturas em perspectiva de Minas Gerais e também de Ataíde, a cimalha é o limite entre o espaço arquitetônico e o espaço pictórico. No entanto, o que de extremamente particular este artista fez foi representar diretamente o Paraíso, sem espaços intermediários. “Tal diferença foi ímpar em relação ao céu de diversos outros pintores renomados do Brasil e da Europa”, verificou Marco Aurélio. Tem mais: a arquitetura que Ataíde pintou no forro da nave da Igreja São Francisco de Assis não seria possível de ser executada pelos sistemas construtivos da época. “Para começar, uma arquitetura como aquela jamais pararia em pé. Suas curvas e flexões tornariam aquela estrutura infactível”, reparou. Esse foi um dos indícios encontrados pelo mestrando para embasar a ideia de que Ataíde fez uma representação do paraíso naquele forro. “Uma arquitetura daquelas só poderia ser o céu, tanto que ela está habitada por anjos e por figuras da tradição da Igreja Católica, como os santos doutores”, descreveu. Outro indício foi a proximidade entre o espaço que Ataíde expressa e as típicas representações do Jardim de Éden. Na Idade Média, lembrou, havia muitas representações do Jardim do Éden em iluminuras de livros. “Elas forneciam, por meio de elementos que pudessem constituir um jardim de fato, uma representação do paraíso perdido ou simplesmente do próprio paraíso”, averiguou o estudioso, que em sua pesquisa abordou uma pintura em perspectiva, também chamada pintura arquitetônica, um gênero encarnado no país sobretudo por Ataíde. Também fascinado pela arte nos forros das igrejas, Marco Aurélio procurou se aproximar do que elas comunicavam e como elas se apresentavam. Sua investigação foi desenvolvida entre 2011 e 2013 em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Lisboa, Barcelona, Milão, Veneza, Roma, Parma e Florença. O arquiteto documentou tudo e incluiu no seu estudo, que teve ainda 114 imagens, parte de sua autoria e parte de outras fontes, selecionadas de um universo de fotografias. Percorreu diversas igrejas, decifrando a arte nos forros: as pinturas em perspectiva e as obras que contribuíram para a sua criação. Entre elas, avaliou as obras de Giotto (pintor e arquiteto italiano do Renascimento) e de Correggio (mestre da expressão do sentimento, do sensual e do movimento) – pintores de um conjunto de trabalhos muito expressivo para o que veio a ser a pintura em perspectiva – e de Andrea Pozzo, artista italiano cuja obra está presente na Igreja de Santo Inácio, em Roma, reputada como a mais emblemática das pinturas em perspectiva. A missão de Marco Aurélio foi garimpar todas as obras e, comparativamente, perscrutar o discurso poético de Ataíde no forro da Igreja São Francisco de Assis, projetada em estilo rococó: uma reação da aristocracia francesa ao barroco suntuoso do período de Luís XIV. O mestrando deu alguns nomes para as figuras que identificou nessa sua observação. Um deles foi Baldaquino-Palco, que explica parte da concepção espacial que Ataíde desenvolveu ali. “Não se trata de uma concepção linear, como em outras pinturas em perspectiva”, comentou. Outros nomes dados por ele foram Nave Mulata, que expressa determinadas características da nave e da Igreja São Francisco de Assis como um todo, as quais se relacionam intimamente com a pintura de Ataíde; e Vênus Mulata, que expressa algumas, dentre as prováveis falas do discurso de Ataíde, por meio da figura de Maria.


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