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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014 - ANO XXVIII - Nº 595 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Foto: Arquivo Central da Unicamp/ Fundo Sérgio Buarque de Holanda
As pontes entre Mário e Sérgio 5
As intersecções entre ficção, história e crítica literária nos trabalhos de Mário de Andrade e de Sérgio Buarque de Holanda são detalhadas na tese de Ricardo Gaiotto de Moraes, defendida sob a orientação do professor Antonio Arnoni Prado.
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Má alimentação ronda agricultores familiares Nunca se trabalhou tanto no país, aponta pesquisa Óleo antioxidante é extraído do jambu Egressos veem falhas em cursos de Direito Meninas e o potencial da área da computação Lazer e aventura para pessoas com deficiência A fusão de ritmos que renovou o chorinho
O chumbo na água da Roma Antiga O grafeno que pode ser feito no liquidificador Quem são os seus ex-amigos do Facebook
TELESCÓPIO Sérgio Buarque de Holanda (à esq.) e Mário de Andrade em foto da década de 1920, no Rio de Janeiro
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014
TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Truque de luz e de gravidade O brilho excepcional e aparentemente inexplicável da supernova PS1-10afx, descoberta em 2010 e descrita na literatura científica em 2013, não passa de ilusão causada pela gravidade de uma galáxia localizada na vizinhança, diz artigo publicado na edição da semana passada da revista Science. Quando observada pela primeira vez, PS1-10afx tinha uma luminosidade tão intensa que levou alguns cientistas a propor que se tratava de uma nova classe de estrela, até então desconhecida. Outros, no entanto, propuseram que se tratava de uma supernova comum, cujo brilho estaria sendo amplificado pela gravidade de um objeto próximo. Pesquisadores de uma equipe da Universidade de Tóquio, encabeçada por Robert Quimby, decidiram buscar a lente gravitacional que seria responsável pela amplificação, e agora dizem tê-la encontrado. Em nota, Quimby explica por que a galáxia responsável pelo efeito de lente de aumento não havia sido identificada antes: “Acontece que a galáxia que hospeda PS1-10afx parece mais brilhante que a galáxia-lente, então a luz da lente simplesmente se perde no brilho da hospedeira”.
Poluição na Roma Antiga O sistema de água encanada da cidade de Roma, na Antiguidade e no início da Idade Média, expunha os moradores a níveis de chumbo cem vezes maiores que os normais no ambiente, diz estudo publicado no periódico PNAS. Os encanamentos eram feitos desse metal. Os autores, de instituições da França e dos Estados Unidos, analisaram o conteúdo de chumbo nos sedimentos no fundo do Rio Tibre, que corta a cidade, e do Porto de Trajano. “O registro de isótopos de chumbo mostra que as descontinuidades na poluição do Tibre por chumbo estão intimamente ligadas com as grandes questões que afetaram Roma na Antiguidade Tardia e seu sistema de distribuição de água”, diz o artigo, sugerindo que a variação do chumbo na água pode ser usada para testar hipóteses sobre a demografia e a economia da Roma Antiga. Embora a contaminação por chumbo da água consumida em Roma em tempos antigos seja perceptível ainda hoje, os autores
acreditam que o nível do metal não era elevado o bastante para afetar a saúde da população. “A poluição por chumbo da ‘água de torneira’ nos tempos romanos é claramente mensurável, mas é improvável que tenha sido realmente prejudicial”, diz o texto.
O valor do cromossomo Y Dois artigos tratando da evolução do cromossomo Y, que define as características dos machos nos mamíferos, incluindo a espécie humana, foram publicados na edição mais recente da revista Nature. Um dos trabalhos, que tem como principal autor Daniel Bellott, do MIT, mostra que esse cromossomo sofreu uma degeneração intensa em sua origem, com cerca de 3% dos genes ancestrais sobrevivendo na versão humana moderna, em comparação com 98% dos genes preservados no outro cromossomo sexual dos mamíferos, o X. Os genes que sobreviveram ao gargalo, no entanto, mostraram-se extremamente estáveis, com alguns casos de permanência de mais de 70 milhões de anos em certas linhagens de mamífero. O artigo de Bellott sugere que, além de determinar características físicas, como a presença de testículos, o cromossomo Y é rico em genes que regulam o funcionamento de outras partes do genoma dos machos, sendo vital para a viabilidade dos indivíduos do sexo masculino.
Planeta parecido com a Terra Em 17 de abril, cientistas da Nasa anunciaram, na revista Science, a descoberta do primeiro planeta de tamanho compatível com o da Terra e localizado na “zona habitável” de sua estrela. Batizado Kepler-186f, o mundo foi encontrado graças ao Telescópio Espacial Kepler, da agência espacial americana, e fica a 500 anos-luz da Terra, na constelação do Cisne. A estrela que orbita tem pelo menos quatro outros planetas girando ao seu redor. O conceito de “zona habitável” referese à região, em torno de uma estrela, onde é possível encontrar água em estado líquido na superfície de um planeta e, portanto, há condições para a vida. A ideia tem críticos,
já que outros fatores além da energia que recebe de sua estrela, como a densidade da atmosfera, afetam a capacidade de um mundo para manter água e suportar vida, mas ainda é largamente usado. Além de trabalhar na Nasa, a principal autora do artigo que descreve a descoberta, Elisa Quintana, é membro do Instituto SETI, dedicado à busca de vida inteligente fora da Terra. “Quando buscamos por vida fora do Sistema Solar, focamos planetas com características que imitam as da Terra”, disse ela, por meio de nota. Um dos principais instrumentos do Instituto SETI é o Allen Telescope Array (ATA), um campo na Califórnia coberto por antenas de radiotelescópio, que procuram por sinais de rádio de origem artificial e extraterrestre. O ATA vem observando o sistema de Kepler186f há mais de um mês, diz nota do Instituto, mas até agora não detectou nada que não possa ser atribuído à tecnologia terrestre.
Grafeno na cozinha Um artigo publicado em 20 de abril no periódico Nature Materials traz, em sua seção de “informações suplementares”, uma receita para produzir grafeno num liquidificador comum de cozinha. O grafeno é um material feito de carbono, extremamente delgado, forte, flexível e capaz de conduzir eletricidade. Seu uso industrial promete revolucionar diversas tecnologias. O artigo de Jonathan Coleman, do Trinity College de Dublin, e colegas descreve um processo para a produção de grafeno em quantidades industriais. Os pesquisadores usaram um liquidificador para bater uma mistura de água, detergente e pó de grafite – que pode ser obtido, por exemplo, a partir da ponta de um lápis – para produzir flocos de grafeno. O artigo, no entanto, não oferece detalhes suficientes para que se possa tentar o experimento em casa: o trabalho de Coleman foi feito originalmente em equipamentos profissionais de laboratório, e o teste com o liquidificador foi realizado depois, como curiosidade. Além disso, equipamento científico foi necessário para identificar e separar o grafeno da mistura “de cozinha”.
A matemática do presente de casamento Pretende se casar em breve? Então talvez valha a pena procurar a edição número 4, volume 5, do periódico International Journal of Electronic Marketing and Retailing, que traz uma análise estatística de como foram atendidos os pedidos apresentados em mais de 500 listas de presentes postadas online, feita por pesquisadores da Coreia do Sul e dos Estados Unidos. Os autores descobriram que três categorias de presentes geralmente acabam sobrando nas listas, sem ninguém para comprá-los e oferecê-los aos noivos: os muito caros, os muito baratos – e os de preço médio. O artigo sugere que as pessoas que compram presentes de casamento agem seguindo uma de duas motivações: impressionar os noivos e ganhar prestígio social, ou poupar dinheiro. Enquanto o primeiro grupo tende a buscar presentes com valor acima da média (mas que ainda caibam no orçamento), o segundo procura ofertas com preço abaixo da média, mas que não pareçam exatamente “baratos”. “Como o presente de preço médio não apela a nenhum desses segmentos, a probabilidade de ser dado é relativamente baixa”, escrevem os autores.
Cai artigo sobre regeneração cardíaca O periódico Circulation anunciou a retratação de um artigo de 2012, parte de uma série controversa de pesquisas encabeçadas por Piero Anversa, do Brigham and Women’s Hospital de Boston, que defende a ideia de que o coração humano é capaz de regenerar rapidamente suas células. Um dos coautores do artigo, Joseph Loscalzo, é editor-chefe do Circulation. A nota de retratação afirma que “uma revisão institucional pela Escola de Medicina de Harvard e pelo Brigham and Women’s Hospital determinou que os dados estão suficientemente prejudicados” para justificar a retirada do artigo da literatura científica. Após a retratação na Circulation, Harvard e o hospital também manifestaram preocupação sobre outro artigo do grupo de Anversa envolvendo regeneração cardíaca, publicado em 2011 na Lancet. As instituições estão “analisando preocupações quanto à integridade de certos dados”, segundo nota citada pelo serviço Science Insider, da revista Science.
Reprodução/Wikimedia Commons
Quem são os ex-amigos do Facebook
Mapa medieval da cidade de Roma, com o Coliseu ao centro
As pessoas que você tem mais chance de excluir da lista de amigos do Facebook são ex-colegas do ensino médio, e o motivo mais provável da exclusão é a postagem de comentários agressivos sobre política ou religião, dizem dois estudos de pesquisadores da Universidade do Colorado, em Denver. Ambos os trabalhos foram baseados numa pesquisa de 1.077 pessoas, conduzida por meio de outra rede social, o Twitter. Ainda de acordo com essas pesquisas, a principal emoção expressada por quem é alvo de um “unfriend” é a surpresa; a segunda é incômodo. Tristeza aparece em quarto lugar. O autor dos estudos, Christopher Sibona, acredita que a “preferência” por ex-colegas de escola na hora de desfazer amizades virtuais se deva ao fato de que opiniões sobre religião e política podem se tornar mais extremas com a idade, causando descompasso entre os amigos. “E uma coisa sobre mídias sociais é que desentendimentos online tendem a uma escalada rápida”, disse.
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Insegurança alimentar
afeta pequeno agricultor Pesquisa da FCM constata elevado consumo de produtos ultraprocessados Foto: Divulgação
LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
s agricultores familiares ainda respondem por cerca de 70% da produção de alimentos para consumo interno no Brasil, mas uma boa parcela deles próprios está comendo mal e sofrendo de insegurança alimentar. É o que mostra a nutricionista e epidemiologista Verônica Gronau Luz na tese de doutorado em saúde coletiva orientada pelo professor Heleno Rodrigues Corrêa Filho, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, e coorientada pelo professor Carlos Eduardo Siqueira, da Universidade de Massachusetts (EUA). A autora sinaliza que a bucólica imagem da pequena propriedade rural ostentando uma cultura principal para garantir a renda da família, mais o pedaço de terra reservado ao arroz, feijão, legumes, verduras, frutas e alguns animais para servir à mesa da casa, parece que vai ficando mesmo no imaginário. Focando o município de Ibiúna, estância turística do chamado “cinturão verde” paulista, Verônica Luz avalia a mudança do uso da terra devido à redução da produção de alimentos básicos e o impacto disso em termos de segurança alimentar e nutricional. Levantando os alimentos consumidos por agricultores para relacioná-los com o estado nutricional – circunferência da cintura (CC) e índice de massa corporal (IMC) –, a pesquisadora constatou que a insegurança alimentar desta população aumentou ao longo dos anos, embora a mudança do uso da terra não tenha sido o fator determinante. Como fatores de risco, ela aponta a diminuição do autoconsumo (daquilo que plantam), da renda e do acesso e disponibilidade de alimentos. Outra constatação é o elevado consumo de produtos ultraprocessados, em se tratando de famílias rurais. “Como nutricionista, sempre tive interesse em estudar os grupos mais vulneráveis dos trabalhadores do campo. No mestrado foram os cortadores de cana e a relação com trabalho escravo, nutrição e desgaste físico. Agora no doutorado quis verificar como o aumento da produção de agrocombustíveis e da monocultura em geral afeta a segurança alimentar dos pequenos produtores, entendendo esta segurança como a garantia do acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais, conforme diz a lei. Excluí da pesquisa os agricultores orgânicos porque quis investigar a questão dos agrotóxicos: constatei seu uso excessivo também na agricultura familiar, o que me deixou muito decepcionada”, afirma a pesquisadora. Verônica Luz explica que a escolha por Ibiúna se deve à diferença significativa que o município apresentou nos resultados do denominado Índice Alimento Básico/Não Alimento Básico, criado por um grupo de pesquisadores americanos que estudam o Brasil. O índice foi baseado nos dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) do IBGE, referentes a 1996 e 2006, os dois últimos censos agropecuários. E permite verificar o aumento ou a redução da produção de arroz, feijão, trigo e mandioca (alimentos básicos), bem como de cana, soja, eucalipto, milho, algodão e pasto (não alimentos básicos). “Minha pesquisa confirmou os dados do índice, ou seja, que os pequenos agricultores de Ibiúna que antes cultivavam arroz (e também feijão) para consumo próprio, não mais o fazem, compram. Ainda plantam verduras e legumes, e poucos criam animais, mas os aumentos expressivos foram da produção de milho (que apresentou baixo consumo humano) e de eucalipto, culturas que consideram mais rentáveis. Esta redução do autoconsumo é preocupante do ponto de vista da segurança alimentar. Observamos ainda o excesso de alimentos ultraprocessados (embutidos, bolachas, macarrão instantâneo, sucos em pó) e baixo consumo de frutas e verduras. Sabemos que há uma mudança nos padrões de alimentação no Brasil,
Lavoura na zona rural da cidade paulista de Ibiúna: redução da produção de alimentos básicos
Agricultura Familiar), por conta de irregularidades na documentação da propriedade, ainda mais em um município com tantos problemas.”
USO DE AGROTÓXICOS
mas me admira que isso esteja ocorrendo tão rapidamente também no campo”, atesta a nutricionista. Para esta pesquisa junto aos agricultores, Verônica Luz recorreu à Escala Brasileira de medida domiciliar da Segurança e Insegurança Alimentar (EBIA), traduzida e validada pela professora Ana Maria Segall Corrêa, do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, e sua equipe, a fim de medir as condições da família brasileira. Em 2004, a EBIA foi incorporada à PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. A escala é capaz de avaliar e classificar os diferentes níveis de insegurança alimentar e nutricional (IAN) no domicílio: leve, moderada, grave e segurança alimentar. Dados da PNAD de 2004 indicaram que 34,9% dos domicílios particulares registraram algum grau de IAN, percentual que diminuiu para 30,2% em 2009, ainda representando 17,7 milhões de domicílios nesta situação. “Basicamente, podemos considerar insegurança leve como da pessoa temerosa de que a comida acabe antes de ter dinheiro para repô-la, ou quando de fato acabe; moderada, quando os adultos começam a comer menos ou abrem mão de uma refeição, pensando mais nas crianças; e grave, quando até a criança come menos ou não tem o que comer. Em Ibiúna, a prevalência de insegurança entre domicílios de agricultores familiares foi de 45,8%, sendo 32,7% de nível leve e 13,1% de nível moderado, contra 54,2% de segurança. Um nível de IAN bem maior do que a mediana na área rural (35,1%), encontrada pela PNAD 2008-2009, e superior à da região Sudeste (23,2%) e da nacional (30,2%). Um estudo acusa perfil mais grave em um assentamento rural (35,6% leve, 19,5% moderado, 10,4% grave e apenas 35,6% de segurança), demonstrando que a insegurança alimentar pode estar presente mesmo em domicílios que produzem alimentos”, informa a autora da tese. A pesquisadora conta que a ideia inicial era de uma amostra com 300 domicílios, mas teve que se contentar com 107, devido
a ameaças aos entrevistadores (inclusive de morte) que obrigaram o encerramento do trabalho de campo. “As disputas políticas e os problemas administrativos e de corrupção tornam Ibiúna uma cidade perigosa. Um colega do doutorado havia sido diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e se demitiu ao identificar uma série de irregularidades, como grilagem, desmatamento ilegal, carvoarias e grupos com características de milícia que dominavam grande parte dos produtores rurais. Como ele fazia parte da nossa equipe, veio a desconfiança de que estivéssemos investigando situações ilegais.”
OUTROS INDICATIVOS
Lembrando que a insegurança alimentar também está associada ao estado nutricional e à renda, Verônica Luz pôde confirmar o agravamento da situação em Ibiúna realizando medidas de circunferência da cintura e calculando o índice de massa corporal. “O aumento da obesidade central é um marcador de risco para doenças cardiovasculares e mais de 60% dos entrevistados apresentaram circunferência acima do limite. Em relação ao IMC, mais da metade (53,2%) tinha excesso de peso. Encontramos muitos casos de sobrepeso e mesmo de obesidade, apesar do trabalho muitas vezes pesado embaixo de sol – reflexo de que a pessoa até sofre de alguma restrição alimentar, mas é obesa, denunciando que a qualidade da dieta está prejudicando seu estado nutricional.” Outro aspecto relevante, de acordo com a nutricionista, é que a população pesquisada possui renda muito baixa, apesar de Ibiúna registrar elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Setenta por cento dos agricultores com os quais conversamos recebiam menos de um salário mínimo per capita e, 50% destes, menos de meio salário mínimo. A renda, obviamente, também acaba interferindo na qualidade de vida e da alimentação. Alguns recebiam Bolsa Família e poucos podiam recorrer ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Foto: Antoninho Perri
A epidemiologista Verônica Gronau Luz: “Cada vez mais a agricultura familiar perde espaço para o agronegócio”
A pesquisa dedica especial atenção ao uso de agrotóxicos que afetam a saúde do trabalhador e também de equipamentos de proteção individual (EPIs). Foram encontramos 55 tipos diferentes de agrotóxicos, alguns bastante perigosos, com grande proporção dos que contêm Paraquat, Glifosato e derivados de 2,4D. Os inseticidas representavam 40% dos agrotóxicos utilizados e os herbicidas, ainda mais nocivos, 30%. Quanto aos EPIs, são desprezados por 14,7%, enquanto 46,1% utilizam apenas alguns. Os dados levantados, como observa a autora do estudo, são bastante preocupantes e endossam o alerta do Dossiê da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) sobre os efeitos do excesso de agrotóxicos tanto na monocultura como nas pequenas culturas. “Observamos que 76,6% dos pequenos agricultores não contam com qualquer tipo de orientação e acabam influenciados pelas práticas da monocultura: 16% compram agrotóxicos por conta própria e 25% por receituário (prescrito muitas vezes por agrônomos que trabalham dentro das lojas); e 55% sob a orientação do vendedor, naturalmente interessado em vender quantidades maiores. O descarte dos recipientes – o ideal seria a devolução para o fabricante – também representa um problema grave, pois 20% dos agricultores optam por queimálos, jogá-los no lixo comum ou depositá-los por longo tempo na propriedade, causando intoxicações ao meio ambiente e à própria família. O ‘uso seguro’ de agrotóxicos é algo completamente inviável neste e na grande maioria dos municípios brasileiros, como indicam diversos estudos, fazendo da alternativa agroecológica a melhor opção que existe”, opina a pesquisadora.
POLÍTICA PARADOXAL
Por fim, Verônica Luz ressalta um paradoxo nas políticas governamentais para o setor agrícola, que desde os governos Lula têm dois focos principais: o incentivo à produção de monoculturas, que garantem o sucesso do agronegócio, e por outro lado, a promoção e apoio à agricultura familiar, visando à garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional. “É evidente a melhora no perfil de segurança alimentar no país depois da implantação do Programa Fome Zero (que tem como um dos eixos o Bolsa Família) e de incentivos à agricultura familiar e à produção orgânica. Em contrapartida, há o objetivo de incrementar a monocultura, o que fica evidente na diferença gritante em termos de financiamento: na safra 2013/2014, foram destinados 138 bilhões de reais para o agronegócio e apenas 26 bilhões para a agricultura familiar e 3 bilhões para a agroecologia. Minha maior preocupação, como nutricionista e epidemiologista, é que esta tendência se mantenha. Cada vez mais a agricultura familiar perde espaço para o agronegócio e talvez tenhamos que importar alimentos básicos, quando o Brasil é o país mais autossuficiente do mundo em termos de abastecimento interno.”
Publicação Tese: “(In)segurança alimentar e nutricional em agricultores familiares e o uso da terra no munícipio de Ibiúna, SP” Autora: Verônica Gronau Luz Orientador: Heleno Rodrigues Corrêa Filho Coorientador: Carlos Eduardo Siqueira Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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Estudo mostra que nunca se trabalhou tanto no país MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
mbora a jornada de trabalho tenha sofrido, a partir de 2004, uma significativa redução no país, muitas evidências indicam que os brasileiros estão cada vez mais atrelados ao trabalho. A constatação faz parte da dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp pelo economista Eduardo Martins Ráo. De acordo com ele, há uma tendência em curso no Brasil, fomentada pela classe empresarial, de criar mecanismos para transformar tudo em hora de trabalho, até mesmo os momentos em que o trabalhador está em casa, na companhia da sua família. “Para alguns setores isso seria mais difícil de acontecer, dadas suas especificidades. Mas é o que o capital, no geral, quer. Isso está colocado de maneira velada para a sociedade, mas aparece claramente nas relações entre empresas e sindicatos”, afirma o autor do trabalho, que foi orientado pelo professor José Dari Krein. O estudo desenvolvido por Ráo toma para análise o intervalo entre os anos de 1992 e 2009. Segundo ele, os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam para a ocorrência de três padrões relacionados à dinâmica da economia e do mercado de trabalho nesse período. O primeiro, que vai de 1992 a 1998, é representado pelo alongamento da jornada de trabalho em todos os setores, ramos de atividade e ocupações. “Um dado interessante é que a jornada já era extensa antes mesmo desse movimento. Enquanto em países como Alemanha, Austrália, Bélgica e Canadá a jornada ficava abaixo de 1.800 horas por ano, aqui ela já superava 2.000 horas. Ou seja, nos anos 90 ela não somente anda mais estendida, como também começou se tornar mais flexível. Trata-se, segundo a hipótese que defendo na dissertação, do surgimento de uma nova jornada”, explica o economista. Ráo assinala que esse movimento ocorreu a despeito da promulgação da Constituição de 1988, que introduziu dispositivos voltados à regulação do tempo de trabalho. “Na prática, porém, essa regulação não ocorreu. Para driblar a legislação, as empresas passaram a utilizar o mecanismo da hora extra, ainda que ela tenha sido onerada. Assim, os anos 90 começaram dentro dessa realidade. Dados do Censo de 1991 revelaram, por exemplo, que naquele ano 40% da população economicamente ativa cumpria horas excepcionais. Em 1980, a título de comparação, esse índice era de somente 28,5%”, argumenta. A partir de 1995, num contexto de altas taxas de desemprego, prossegue o economista, surgiram fatores que concorreram para a manutenção da jornada alongada, tais como: o just in time, a polivalência, os trabalhos em grupo, as metas de produção atreladas a PLR, o banco de horas, o trabalho a tempo parcial e aos domingos e feriados, a terceirização, a recomposição das escalas e turnos de revezamento, os sistemas de controle de qualidade e outros mecanismos mais sofisticados de controle do ritmo de trabalho. “Como se tratava de um momento delicado do ponto de vista da economia e do emprego, as centrais sindicais se viram sem condições de colocar a questão da redução da jornada na mesa de negociação com o setor empresarial. Naquele momento, o esforço maior era pela preservação do emprego”, lembra. O segundo padrão registrado no período tomado para investigação por Ráo ficou circunscrito aos anos de 1999 a 2003. Neste, a jornada de trabalho se manteve estagnada, mas num patamar elevado. Naquele instante, 39,6% da população economicamente ativa declarou cumprir horas excepcionais. Isso se deveu, conforme o autor da dissertação de mestrado, a uma mudança ocorrida no mercado de trabalho, provocada por um cenário que mesclava a forte desvalorização da moeda com o baixo desempenho da economia. “Nessa circunstância, o emprego cresceu pouco. A desvalorização da moeda fez com que o governo demonstrasse maior disposição em utilizar mecanismos políticos para fazer frente ao ajuste fiscal. Entre as medidas adotadas, estava a maior fiscalização das empresas. Uma consequência dessa ação foi o
Pesquisa do Instituto de Economia demonstra que brasileiros estão cada vez mais atrelados ao trabalho aumento gradativo da formalização, o que fez com que a jornada de trabalho se mantivesse dentro das normas legais para quase 1/3 da população economicamente ativa”, detalha. O terceiro e último padrão, registrado no intervalo de 2004 a 2009, é marcado pela já mencionada redução da jornada de trabalho. O patamar das horas extras cumpridas pelos trabalhadores ao longo do período caiu de 38% para 31,8%. “A jornada de trabalho tornou-se cada vez mais padronizada, permanecendo assim dentro das normas constitucionais [44 horas semanais]. Vale destacar que isso ocorreu de maneira generalizada. Ou seja, alcançou todos os setores, posições e ocupações. A interpretação que nós fizemos é que a retomada do crescimento econômico repercutiu tanto na criação expressiva de empregos formais como também no aumento da formalização das relações de trabalho. E a isso, soma-se ainda a hipótese de que alguns setores da população decidiram trabalhar menos, algo que fica mais claro quando olhamos para o trabalhador autônomo, que também reduziu seu tempo de trabalho”.
FLEXIBILIZAÇÃO Atentas a esse fenômeno, observa Ráo, as empresas não perderam tempo em ampliar os mecanismos de flexibilização para manter seus empregados cada vez mais conectados ao trabalho, ainda que a jornada tenha sido reduzida em relação ao início dos anos 1990. “Esses mecanismos aparecem na forma de metas a serem cumpridas ou de tarefas que são levadas para casa. Ainda insatisfeitos, os empresários trabalham agora para que essas medidas sejam legalmente efetivadas, envolvendo as novas formas de controlar o tempo do trabalhador. Para os empregadores, a ideia é transformar tudo em tempo de trabalho, mesmo os instantes em que o empregado está em casa, com a família”, adverte o economista. Apesar da movimentação do setor empresarial, Ráo considera que a conjuntura atual foi favorável à retomada da discussão, por parte da classe trabalhadora, da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, com a consequente manutenção dos salários. “A oportunidade está aberta. Em 2003, as centrais sindicais fizeram uma campanha nesse sentido, que chegou a ser transformada em projeto de lei, mas que não foi votado pelo Congresso”. O autor da dissertação avalia, ainda, que alguns fatores contribuem para uma discussão mais qualificada em torno da redução tanto da jornada quanto do tempo de trabalho. Ele destaca que boa parte da população economicamente ativa está estudando mais. Na opinião de Ráo, é possível pensar em um mecanismo que estenda o período de formação dos jovens, que passariam a ingressar no mercado de trabalho um pouco mais tarde, entre 25 e 27 anos. “Ao mesmo tempo, tamFoto: Antoninho Perri
bém é possível pensar num modelo que retire as pessoas mais cedo do mercado de trabalho, embora essa medida seja um pouco mais complicada, em razão do impacto que causaria na Previdência Social. Entretanto, não podemos deixar de considerar que, em 20 anos, o país terá um número elevado de idosos. O que vamos querer: um conjunto grande de idosos pobres trabalhando ou uma população idosa em uma posição mais confortável em termos de rendimento, que não trabalhe?”, indaga. Ráo reconhece que esse pensamento trafega na contramão de um movimento em curso, cujo objetivo é ampliar o tempo de trabalho com vistas à aposentadoria. Há propostas, inclusive, de igualar o tempo de serviço das mulheres ao dos homens. “No Brasil, o indivíduo tem que trabalhar até os 65 anos de idade ou contribuir por 35 anos para poder se aposentar. Num mercado de trabalho marcado pela alta rotatividade, isso é inviável. Isso precisa ser repensado. É necessário atrelar a questão da jornada e do tempo de trabalho à qualidade de vida. Essa discussão tem de ser colocada, sobretudo porque inúmeras pesquisas vêm demonstrando o crescimento das chamadas doenças ocupacionais. Ou seja, as condições e o ritmo do trabalho têm influenciado cada vez mais na saúde do trabalhador”, argumenta. O economista afirma que essas preocupações estão presentes no interior dos sindicatos. Falta, entretanto, extrapolá-las para o restante da sociedade. Ráo admite que esta tarefa não é trivial. “Para ser concretizada, ela depende de uma ação mais combativa dos próprios sindicatos em conjunto com os diferentes segmentos da classe trabalhadora. Decerto, o que tem que se afastar por completo desse movimento é a ideia de que o trabalhador brasileiro é preguiçoso e trabalha pouco. Isso absolutamente não condiz com a realidade”, sustenta o autor da dissertação, que contou com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado do Ministério da Educação.
Publicação O economista Eduardo Martins Ráo: empresas ampliaram os mecanismos de flexibilização
Dissertação: “Tempo de trabalho no Brasil contemporâneo: o avanço da flexibilização e intensificação da jornada de trabalho” Autor: Eduardo Martins Ráo Orientador: José Dari Krein Unidade: Instituto de Economia (IE) Foto: Arquivo
Funcionários em empresa de telemarketing: para autor do estudo, “a ideia é transformar tudo em tempo de trabalho”
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a missão
Estudo mostra as intersecções entre história, ficção e crítica literária nas obras de Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
sinceridade como missão do escritor brasileiro, pregada na crítica literária tanto de Mário de Andrade como de Sérgio Buarque de Holanda, é um ponto central da tese de doutorado de Ricardo Gaiotto de Moraes, defendida sob a orientação do professor Antonio Arnoni Prado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Ao comparar o trabalho de ambos os autores, a tese detalha outros temas comuns, como a apropriação das tendências da vanguarda histórica, as intersecções entre história, ficção e crítica literária, bem como a comparação com a crítica de língua inglesa. Segundo o autor, a pesquisa apresenta um recorte inédito por historiar, no campo da crítica literária, a ação de dois escritores fundamentais na compreensão do que viria a ser a literatura brasileira. “No mestrado estudei uma coluna assinada por Mário de Andrade, ‘Vida Literária’, publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, e notei uma faceta que apenas intuía: a sua ideia de que o escritor deve ser honesto, precisando passar por um treino técnico na literatura (que chama de artesanato); e que só a partir deste treino, na base da tentativa, da imitação dos poetas da tradição e do conhecimento das vanguardas, o intelectual poderia desenvolver uma técnica pessoal. Nesse sentido, Mário de Andrade é contrário a qualquer tipo de imitação que não seja apropriação, e contrário também à literatura voltada exclusivamente ao mercado. A sinceridade é a grande ideia defendida”, explica Ricardo Gaiotto. Segundo o autor da tese, Sérgio Buarque de Holanda é quem sucede Mário de Andrade na Vida Literária, acentuando trajetórias semelhantes: o primeiro já morava no Rio e era professor de história e de literatura comparada na extinta Universidade do Distrito Federal, enquanto o segundo, depois de deixar o Departamento de Cultura de São Paulo, tinha assumido como professor de filosofia e história da arte na mesma instituição. “Já nos primeiros artigos da coluna, Sérgio Buarque afirma que o poeta e o crítico se encontram em Mário de Andrade, que tem o grande mérito de não possuir um método pretensamente científico para a sua crítica – os métodos de análise racionais e formalistas de então – e sim uma intuição de poeta. E que isso o tornava sincero. Portanto, a questão da sinceridade é muito importante também para Sérgio Buarque.”
A pesquisa de Ricardo Gaiotto abrange dos anos 1920 até 1945 (ano da morte de Mário de Andrade), período em que observa a intersecção entre os textos de crítica literária dos dois autores. “Desde que comecei a estudar Mário de Andrade, vi um autor preocupado em realizar uma pesquisa honesta na literatura. E me interessou especialmente que, tanto na crítica como na ficção, ele também comentasse o próprio trabalho. Ao pesquisar seu arquivo no IEB [Instituto de Estudos Brasileiros] pude perceber uma organização temática, como se tivesse mapeado os passos da sua constituição intelectual. Ele permite ao pesquisador trilhar estas pistas e avaliar a dimensão dos seus estudos, que é um pouco assustador, do meu ponto de vista.” Já Sérgio Buarque de Holanda iniciou-se como crítico literário aos 17 anos de idade, colocando ao pesquisador a dificuldade de que, diante da opção pelo recorte cronológico, tivesse que trabalhar com críticas situadas em momentos diferentes. “Mário de Andrade era quase 10 anos mais velho e Sérgio Buarque um jovem empolgado, já revelando traços do que iria ser produzido a partir da Semana de Arte Moderna; mas consciente ao adotar uma linguagem cautelosa para mostrar ao público que conhecia a tradição da literatura brasileira e podia discutir em pé de igualdade com a produção do começo do século 20.”
NEW CRITICISM
Ao buscar critérios e temas comuns na crítica de um autor e de outro, Ricardo Gaiotto identificou que a primeira semelhança está na defesa da originalidade literária, em certo reconhecimento de que no Brasil não se fazia uma literatura sincera, que se seguiam receitas vindas de fora. “Quando Sérgio Buarque assumiu a coluna ‘Vila Literária’, por volta de 1940, já estava em voga o New Criticism [movimento da teoria literária surgido nos EUA que propõe a separação do texto e do autor, a fim de que o texto seja objeto em si mesmo]. Ele escreve que viajou aos Estados Unidos em 1941, comprando vários livros de autores do New Criticism, e que o movimento teria alimentado a sua crítica, ainda que não tenha se tornado um seguidor daquelas estratégias.” O objetivo de incluir na tese uma comparação com a crítica em língua inglesa justificou o pedido de extensão da bolsa de doutorado à Fapesp, visando pesquisar em Princeton como o New Criticism influenciou o trabalho de Sérgio Buarque de Holanda. Foto: Antonio Scarpinetti
Mário de Andrade (à esq.) e Sérgio Buarque de Holanda: ambiguidade cercou a relação entre os dois intelectuais
“Constatei que os textos fundadores do movimento pregam que o crítico, antes de qualquer prejulgamento sobre uma obra, deve ir diretamente ao texto e, a partir de suas estruturas internas, julgá-lo. O princípio é bastante parecido com os comentários de Mário de Andrade e Sérgio Buarque sobre a crítica que eles próprios fazem, com a diferença de que para ambos não se aplica a tese do New Criticism de que os contextos históricos e sociais não são objetos da crítica literária.” O autor da pesquisa ressalta, entretanto, que a ideia de que o texto deve ser tratado sem prejulgamentos é semelhante entre os críticos brasileiros e os autores do movimento americano, a exemplo do que afirma John Crowe Ransom. “Eles discutem as obras de Richards (inglês) e T. S. Eliot (anglo-americano), grandes inspiradores desta prática crítica. T. S. Eliot trata justamente da tradição literária e de como ela se reorganiza quando surge um novo texto literário de valor: é como uma nebulosa de textos da tradição que vai se reajustando, de maneira que uma obra literária do passado sempre pode ser lida no presente como algo novo, pois vai se ressignificando conforme o tempo passa.” De acordo com Ricardo Gaiotto, Sérgio Buarque recorre a imagem bem parecida ao afirmar que a função da crítica literária é de dilatar as obras no tempo, tanto as do passado como as do presente. “Ocorre que ele defende uma noção de tradição da própria literatura brasileira, que por sua vez se encaixa na literatura mundial.” Na visão de Mário de Andrade, acrescenta o autor da tese, se o poeta deve criar a partir de suas tendências naturais (ou espirituais), o crítico deve seguir a sua intuição. “Tal como Sérgio Buarque, Mário faz uma aproximação entre a linguagem da crítica e a linguagem poética – descrição e intuição. Ambos os autores seguem caminhos paralelos, aplicando às suas críticas a noção de sinceridade, e foi sob esse aspecto que procurei compará-las com a crítica em língua inglesa. Quis rastrear como se dá esse start, de onde vem esta perspectiva de análise, sempre considerando que os dois não copiam uma fórmula de julgamento de europeus ou americanos, mas se apropriam delas a partir de vários intertextos.”
RELAÇÃO
Ricardo Gaiotto de Moraes, autor da tese: primeira semelhança entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda está na defesa da originalidade literária
bém foi nesta época que o então jovem crítico literário tomou contato com os intelectuais que organizariam a Semana de Arte Moderna.” O pesquisador afirma que a troca de cartas começou quando Sérgio Buarque se tornou correspondente da Klaxon – revista mensal de arte moderna que circulou em São Paulo de maio de 1922 a janeiro de 1923 e na qual colaboravam artistas e escritores como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Graça Aranha. “Sérgio Buarque é quem passa a dar notícias sobre a repercussão da Klaxon no Rio de Janeiro e, certa feita, pediu que Mário de Andrade escrevesse uma crítica ao seu trabalho, elegendo-o, ao lado de Tristão de Ataíde, como os únicos que poderiam entendê-lo. O artigo nunca foi escrito.” Houve o momento em que Sérgio Buarque rompeu com os outros modernistas, mas manteve uma relação ambígua com Mário de Andrade, como lembra o autor da tese. “Para ele, tudo o que Mário faz é sempre admirável, afora a crença na construção de uma cultura brasileira. Esta opinião é relevada pelo outro e atribuída ao espírito de um crítico jovem demais – mas que parece tornar-se um peso para Mário de Andrade nos anos 40, ao ser tomado pela angústia de considerar seu projeto fracassado, ainda que tenha reformulado a crítica literária. E é a partir dos 40 que se vê uma mudança interessante: se no início o autor de Macunaíma tratava o outro como ‘esse menino’, passou a tê-lo com um consultor para assuntos históricos.” Apesar de mantida a troca de cartas, Ricardo Gaiotto atenta para a maior distância entre ambos do ponto de vista intelectual, com Sérgio Buarque rumando para a história e publicando na ‘Vida Literária’ resenhas de livros de outros domínios, como os de Gilberto Freyre. “Se Mário de Andrade era destaque no momento da Semana de Arte Moderna, as posições então se equiparam, com Sérgio Buarque se tornando reconhecido como historiador. Contudo, Raízes do Brasil talvez tenha a ver com a posição favorável do autor à sinceridade na literatura, sinceridade que entendia como um sentimento autêntico que pudesse se desenvolver livremente, a partir de uma raiz.”
PESSOAL
Sobre o relacionamento pessoal entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, Gaiotto informa que ele está documentado na correspondência trocada por ambos e que foi organizada pelo professor Pedro Meira Monteiro, seu supervisor nos EUA. “Conta-se que eles se conheceram quando Mário tinha acabado de escrever Pauliceia Desvairada, e Sérgio Buarque teria gostado muito do que presenciou. Tam-
Publicação Tese: “Críticas Cruzadas: Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda” Autor: Ricardo Gaiotto de Moraes Orientador: Antonio Arnoni Prado Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014
Engenheira química extrai composto bioativo do jambu Substância é rica em propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
engenheira química Suzara Santos Costa conseguiu extrair do jambu (Spilanthes oleracea) - hor( taliça típica da região norte do país - um óleo essencial, rico em propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias. O composto obtido é abundante em espilantol, substância bioativa bastante versátil, com potencial para aplicações nas indústrias farmacêutica, cosmética e de higiene pessoal. O espilantol, extraído a partir das flores, folhas e caule do jambu, foi obtido com alto grau de pureza, em torno de 98%. O tempo máximo do processo não passou de 30 minutos. Para chegar a estes resultados, a pesquisadora da Unicamp empregou a tecnologia de microondas associada ao processo de extração. “Os resultados foram bastante promissores. Por meio da extração associada com micro-ondas, tivemos um bom rendimento de espilantol, equivalente ao reportado na literatura. O processo consumiu um tempo bem inferior ao já relatado. Nos métodos convencionais, a extração do espilantol pode chegar até 12 horas. Outro aspecto relevante é em relação à quantidade de solvente utilizado, que também foi bem inferior. Em alguns casos atingiu valores até treze vezes menores do que é empregado nas tecnologias convencionais”, compara Suzara Costa. Atualmente o jambu tem despertado o interesse de pesquisadores, empresas nacionais e multinacionais devido às propriedades promissoras do seu extrato, situa a estudiosa da Unicamp. Ela explica que, além das funções antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias, a planta possui atividades ovicida e larvicida contra mosquitos Aedes aegypti e Anopheles culicifacies. “Todas essas propriedades da planta são atribuídas aos diferentes componentes do óleo essencial do jambu, mas, principalmente ao espilantol, que é um composto não disponível comercialmente”, revela. Os seus estudos integraram doutorado conduzido junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. Uma parte dos experimentos foi realizada na McGill University, no Canadá, por meio de doutorado sanduíche entre as duas instituições. No Brasil, Suzara Costa foi orientada pela docente Sandra Cristina dos Santos Rocha, que atua no Departamento de Engenharia de Processos da FEQ. No Canadá, ela foi supervisionada pelo professor Vijaya Raghavan, do Departament of Bioresource Engineering, da Faculty of Agricultural and Environmental Sciences da McGill University, no campus de Ste-Annede-Bellevue, província de Québec. As pesquisas receberam financiamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da agência de fomento à pesquisa do governo canadense, a The Natural Sciences and Engineering Research Council of Canada (NSERC).
TECNOLOGIA
INCIPIENTE NO
BRASIL
A tecnologia de micro-ondas associada à extração de ingredientes ativos é bastante nova e incipiente, principalmente no Brasil, reconhece a pesquisadora da FEQ. Por isso, neste momento, a obtenção do espilantol a partir deste processo necessita de uma avaliação em termos de custos e também de gasto energético, admite. “Realmente são poucos os centros de pesquisa que trabalham com micro-ondas no país, e esse número diminui quando se associa essa tecnologia à extração de compostos bioativos. Por falta de equipamentos, acaba sendo uma tecnologia cara no Brasil. No Canadá, por exemplo, há uma expertise nesta área, o que a torna mais acessível”, contrasta.
Fotos: Divulgação
Etapas do processo, das folhas ao extrato, que também é filtrado: composto é abundante em espilantol
Suzara Costa explica que as micro-ondas (ondas eletromagnéticas) atuam nas moléculas de água durante o processo de extração do composto. A água presente no interior da planta absorve a energia de micro-ondas e começa a se aquecer, aumentando a pressão de vapor dentro da estrutura celular. Com o superaquecimento, a célula se rompe, permitindo a extração da substância desejada por meio do uso de um solvente compatível, que consegue penetrar a matriz sólida com mais facilidade e solubilizar o óleo. A principal diferença entre o uso das micro-ondas para as técnicas convencionais que empregam outras fontes de calor é o seu mecanismo de aquecimento, que ocorre de dentro para fora (aquecimento volumétrico). Isso viabiliza um menor tempo de aquecimento da matéria-prima e, consequentemente, uma diminuição na degradação dos compostos químicos presentes nos óleos essenciais, que é ocasionada, muitas vezes, por longos intervalos de tempo de processo. “A extração assistida por micro-ondas é uma técnica de irradiação que tem revelado excelentes resultados em termos de desempenho do processo. O sistema de aquecimento fornece energia suficiente para romper as estruturas celulares, melhorando a introdução do solvente na matriz e aumentando o rendimento do processo”, confirma a engenheira química.
JAMBU
Espécie típica de grande ocorrência na Amazônia, o jambu é uma planta herbácea, geralmente rasteira com folhas pequenas e flores amarelas. É popularmente conhecido como agrião-do-Pará, agrião-do-norte, jambuaçú, botão-de-ouro e agrião-bravo. Suas folhas e caules são bastante utilizados na culinária para o preparo de pratos típicos como o tacacá e o pato no tucupi. Natural de Belém, do Estado do Pará, Suzara Costa lembra que a planta, típica da sua região, sempre despertava o seu interesse, sobretudo pela característica do sabor “picante” que causa um leve efeito anestésico na língua. “O jambu me chamou atenção devido às propriedades do seu óleo. Utilizamos as folhas e o caule no nosso Estado para a alimentação, em saladas ou pratos
Foto: Antoninho Perri
Publicações Artigos COSTA, S. S. ; GARIEPY, Y. ; ROCHA, S. C. S. ; RAGHAVAN, V. . Microwave extraction of mint essential oil - temperature calibration for the oven. Journal of Food Engineering, v. 126, p. 1-6, 2014. COSTA, S. S. ; ARUMUGAM, D. ; GARIEPY, Y. ; ROCHA, S. C. S. ; RAGHAVAN, V. . Spilanthol extraction using microwave: calibration curve for gas chromatography. Chemical Engineering Transactions, v. 32, p. 1783-1788, 2013.
A engenheira química Suzara Santos Costa, autora do estudo: “O processo consumiu um tempo bem inferior ao já relatado”
típicos. A planta dá uma sensação de leve formigamento na boca, como se fosse um anestésico. Analisando alguns trabalhos que tinham sido realizados, eu descobri que isso acontecia devido a um componente químico presente no óleo e que ele era extremamente versátil”, conta. A partir dessa descoberta, a engenheira química graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) decidiu focar os seus projetos em pesquisas relacionadas ao jambu. No entanto, o início do doutorado teve que ser realizado utilizando outra matéria-prima, a hortelã, devido à facilidade e disponibilidade desse material, tanto na região sudeste como no Canadá. “O jambu não é encontrado em mercados da região de Campinas e existia uma dificuldade muito grande de trazer a planta ‘in natura’ do Pará. Por isso, os experimentos iniciais do doutorado foram realizados com a hortelã. No entanto, após a mudança para o Canadá, houve a viabilidade de cultivar o jambu naquele país graças à comercialização, por lá, de suas sementes. Assim, eu plantei o jambu e após 90 dias a planta foi coletada para posterior utilização nos experimentos com micro-ondas”, recorda-se.
COSTA, S. S. ; GARIEPY, Y. ; ROCHA, S. C. S. ; RAGHAVAN, V. . Influence of the extraction temperature and extraction time on the composition of mint essential oil using microwave extraction. In: 62nd Canadian Chemical Engineering Conference (Abstract), 2012, Vancouver. 62nd Canadian Chemical Engineering Conference, 2012. COSTA, S. S. ; ROCHA, S. C. S. . Caracterização e cinética de secagem de folhas de hortelã (Mentha sp.). In: XXXV Congresso Brasileiro de Sistemas Particulados, 2011, Vassouras. XXXV Congresso Brasileiro de Sistemas Particulados (ENEMP), 2011.
Tese: “Extração de espilantol assistida por micro-ondas a partir de flores, folhas e caules de Jambu (Spilanthes oleracea)” Autora: Suzara Santos Costa Orientadora: Sandra Cristina dos Santos Rocha Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ) Financiamento: Capes, CNPq e NSERC
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014
Advogados se ressentem de formação mais abrangente Avaliação da categoria sobre o currículo dos cursos de Direito no país é descortinada por tese da Faculdade de Educação Foto: Elza Fiuza/ABr
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
Brasil tem atualmente cerca de 750 mil inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), número que faz com que o país conte com 393 desses profissionais para cada 100 mil habitantes. Tal proporção é muito superior à verificada na Europa, que soma 257 advogados para cada grupo de 100 mil moradores. Do ponto de vista quantitativo, os brasileiros não têm do que se queixar quando precisam dos préstimos de um desses operadores do Direito. Entretanto, a quantas anda a formação acadêmica desse enorme contingente? A resposta pode ser encontrada na tese de doutorado da pedagoga e advogada Tania Alencar de Caldas, defendida recentemente na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Segundo o estudo, embora 56% dos entrevistados tenham declarado que se sentiam satisfeitos com o curso que fizeram, uma parcela significativa se queixou de deficiências no currículo, como a carência de atividades práticas e o insuficiente incentivo à pesquisa. Denominado “Egressos de cursos de Direito: Visão dos aprovados no exame da Ordem”, o trabalho de Tania contou com a orientação do professor José Camilo dos Santos Filho, fundador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (Gepes) da FE. A autora explica que um dos objetivos da pesquisa era conhecer o perfil dos que ingressaram nos quadros da OAB no primeiro decênio deste século, bem como a visão do grupo acerca do Exame de Ordem. Outra intenção era trazer à tona as percepções desses profissionais sobre os conhecimentos proporcionados pelos currículos dos cursos de Direito, oferecidos tanto por instituições públicas quanto privadas. Para levantar esses dados, a pesquisadora teve que cumprir um longo caminho. Inicialmente, Tania entrou em contato com a OAB nacional, com o propósito de obter os e-mails dos advogados, para o envio de questionários online. Ela foi encaminhada, então, às seccionais estaduais. “O contato com as representações da Ordem nos estados foi marcado por certas dificuldades. Algumas seccionais demonstraram boa receptividade ao trabalho, mas outras nem tanto. O principal argumento das que apresentaram resistência era de que não poderiam fornecer o endereço eletrônico de seus associados a terceiros, por questão de sigilo”, explica. Depois de muito negociar, a pesquisadora finalmente conseguiu uma relação com 8 mil e-mails, possibilitando a seleção de 4.850 endereços.
Exame da OAB: de acordo com dados da Ordem, 81,5% dos bacharéis que prestaram a prova entre 2010 e 2012 foram reprovados Foto: Antoninho Perri
Tania Alencar de Caldas, autora da tese: “Penso que é o momento da sociedade e dos atores mais diretamente ligados ao ensino jurídico promoverem uma reflexão que leve ao aprimoramento dos cursos de Direito no Brasil”
O passo seguinte foi enviar aos advogados questionários online com perguntas fechadas e uma Escala de Atitudes contendo 45 assertivas. Este último instrumento, conforme a autora da tese, foi validado em pesquisa desenvolvida pelo Gepes, no período de agosto de 2010 a julho de 2011, sob a coordenação da professora Elisabete Pereira, com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e da qual Tania também participou. As assertivas, observa a autora da tese, abordaram três principais pontos em relação aos
Depoimentos de pesquisados “A graduação deve visar o equilíbrio, mas, sobretudo, deve despertar o interesse do graduando em Direito, a realizar pesquisas incentivando-o ao pensamento técnico-jurídico, aplicando os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, sem se afastar da criatividade, de forma a torná-lo um veículo ‘inovador na área jurídica’”. “Entendo que o currículo de um curso de Direito deva ser, na medida do possível, o mais abrangente possível, de modo que o aluno desenvolva competências multidisciplinares que serão importantes para o exercício profissional”.
“A multidisciplinariedade é fator fundamental para o Direito, já que lida com o sociológico, o econômico, o cultural. É importante que haja várias disciplinas no curso de Graduação, para que o aluno possa ter uma visão geral de todos os aspectos que o Direito abrange”. “O que queremos significar como profissional–cidadão é o desenvolvimento de um posicionamento reflexivo no trato com a especificidade do conhecimento da área profissional e suas consequências para com a sociedade e para com o mundo contemporâneo”.
currículos dos cursos de Direito: formação geral, formação profissional e formação básica. “Além disso, duas perguntas abertas proporcionaram análises qualitativas sobre o Exame de Ordem e reflexões sobre o curso de Direito”, pormenoriza a advogada e pedagoga. De acordo com ela, 1.225 profissionais responderam às questões formuladas, o que possibilitou uma análise estatística significativa, com erro amostral inferior a 3%. Em relação ao perfil dos advogados, a pesquisadora apurou que o maior percentual deles tem entre 20 e 29 anos, que 56,7% pertencem ao gênero masculino e que 61,1% frequentaram instituição privada. Do universo consultado, 39,9% declararam ter prestado o Exame de Ordem uma única vez e 48,3%, duas vezes. “Nós também identificamos as razões que levaram os advogados a optar pela carreira. As alternativas mais assinaladas foram ‘amplitude de oportunidade de atuação profissional’ e ‘admiração pela advocacia’”, revela a autora da tese. Em relação à escolha da faculdade, prossegue Tania, o estudo aferiu que o parâmetro que orientou a opção da maioria (64,7%) foi o da “instituição de ensino conceituada”, a despeito de ela ser pública ou privada. Quanto à percepção dos advogados sobre a qualidade dos cursos de Direito, a pesquisa chegou ao seguinte dado: 56% dos consultados disseram que ficaram satisfeitos com o ensino oferecido. Dentre as características positivas destacadas por eles apareceram “bons professores”, “desenvolvimento do raciocínio jurídico” e “currículo amplo e abrangente”. “Ao mesmo tempo, um número significativo de pessoas apontou como pontos negativos a carência de
atividades práticas e o pequeno estímulo à pesquisa”, comenta Tania. Na interpretação da autora do trabalho, o retorno dado pelos advogados que iniciaram suas atividades profissionais no primeiro decênio do século 21 aponta para a necessidade de uma reformulação dos cursos de Direito no país. “Pelas respostas abertas foi possível identificar, por exemplo, a necessidade de um curso focado na interdisciplinaridade, que possa proporcionar uma formação mais abrangente aos advogados. Muitos egressos se queixaram de um ensino muito fragmentado”, aponta Tania. Além disso, continua ela, os pesquisados relacionaram outras carências, como a reduzida ênfase na formação humanística, crítica e ética. Com relação à estrutura curricular, observa a advogada e pedagoga, uma parcela importante dos participantes do estudo fez referência a um currículo rígido e desatualizado. Os advogados mencionaram, ainda, o fato de os cursos contarem com professores desestimulados, entre outras deficiências. “O cenário traçado pelos profissionais consultados explica, em boa medida, a tão discutida crise do Direito, que vemos com certa frequência nas páginas dos jornais, principalmente quando ocorrem os exames da OAB. Afinal, a prova não exige nada além dos conhecimentos adquiridos ao longo do curso, mas somente um pequeno número consegue a aprovação. Ademais, o Exame de Ordem se configura como uma autêntica avaliação externa, portanto, é importante que as instituições de ensino superior levem em consideração o desempenho de seus egressos nesta prova, objetivando esforços de reformulação e atualização curricular”, pondera. Conforme dados da Ordem, 81,5% dos bacharéis que prestaram a prova entre 2010 e 2012 foram reprovados. Tania considera que essa crise ainda deverá ser tema de discussões por um bom tempo. Ela assinala, no entanto, que fases marcadas por adversidades também são geradoras de oportunidades. “Penso que é o momento da sociedade e dos atores mais diretamente ligados ao ensino jurídico promoverem uma reflexão que leve ao aprimoramento dos cursos de Direito no Brasil. Particularmente, eu defendo a ideia de estender o curso em um ano, para que haja tempo necessário para promover uma formação mais ampla dos bacharéis e proporcionar-lhes a chance de unir teoria e prática ainda nos bancos escolares. Obviamente, não se trata de uma mudança trivial. A proposta certamente é complexa, mas acredito que ela mereça ser considerada”.
HISTÓRIA A lei que instituiu o ensino jurídico no Brasil data de 11 de agosto de 1827. Os dois primeiros cursos de Direito foram instalados nos estados de São Paulo e Pernambuco, em 1º de março e em 15 de maio de 1828, respectivamente. O Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo e o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda representaram um marco na história do país, dado que tinham o propósito de formar integrantes da elite administrativa brasileira. De acordo com o Censo da Educação Superior, em 2010 existiam 1.092 cursos de Direito no Brasil, distribuídos em 144 instituições públicas e 948 escolas privadas. Ao todo, eles abrigavam cerca de 700 mil estudantes.
Publicação Tese: “Egressos de cursos de Direito: visão dos aprovados no exame da Ordem” Autora: Tania Alencar de Caldas Orientador: José Camilo dos Santos Filho Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014 Fotos: Antonio Scarpinetti
Projeto de pesquisa quer revelar, a alunas do ensino médio, o potencial da área SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
ma garota pode atuar na área da computação, sem ser, necessariamente, nerd. O “Android Smart Girls” - projeto de pesquisa voltado a 21 alunas do 1º ao 3º colegial da Escola Estadual Professor Hilton Federici, do distrito de Barão Geraldo, em Campinas - quer mostrar a essas meninas o potencial da área, por meio de uma paixão unânime entre os jovens: os smartphones. Coordenado pela professora Juliana Freitag Borin, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, o “Android Smart Girls” consiste na implementação de um curso voltado ao desenvolvimento de aplicativos (apps) para smartphones. O projeto, iniciado há poucas semanas, almeja que meninas do ensino médio considerem as carreiras de ciências exatas, engenharias e, em especial, a computação como opções para seu futuro. O incentivo vale também para as universitárias envolvidas, já que muitas abandonam a profissão escolhida. “Há um estereótipo de que quem está na computação é sempre nerd, pessoa que fica o dia inteiro na frente do computador, sem interagir com ninguém. E não é isso! Os profissionais da computação têm interação com todas as áreas do conhecimento. E, normalmente, as mulheres gostam, apreciam atuar em atividades de impacto social. As áreas de computação, exatas e engenharia oferecem essas oportunidades, mas o público nem sempre vê isso”, justifica Juliana Borin. O projeto coordenado pela docente é uma iniciativa do grupo Mulheres na Engenharia (“Women in Engineering – WIE”) da Unicamp, filiado ao IEEE, a maior associação de profissionais de engenharia do mundo. O “Android Smart Girls” é tocado por um grupo de voluntários, entre alunos do IC e da Faculdade de Engenharia Elétrica e da Computação (FEEC), pesquisadores, funcionários e profissionais da indústria. O projeto foi um dos contemplados pela chamada “MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobrás – Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação”, lançada em outubro de 2013. A Samsung também apoia a iniciativa. “Um dos principais problemas apontados em pesquisas feitas para identificar os motivos do pouco interesse das mulheres nas áreas de computação, exatas e engenharias é a percepção das tecnologias envolvidas nestas áreas. Essas tecnologias são vistas como algo desinteressante, repetitivo e difícil de serem compreendidas. Muitas propostas para estimular jovens na computação sugerem o desenvolvimento de jogos competitivos e guerra de robôs, atividades vinculadas ao universo masculino”, afirma. Por isso, conforme Juliana Borin, a criação de aplicativos para smartphones traz maior liberdade de escolha, permitindo às alunas trabalhar em projetos alinhados com seus interesses pessoais. Isso proporciona, na prática, que as garotas vislumbrem nas carreiras da computação a possibilidade de contribuir para o avanço de qualquer área do seu interesse, seja em projetos de hardware ou de software. “Na segunda fase do projeto, as meninas vão formar equipes para criar aplicativos com suas próprias ideias. Profissionais com cargos de gerência na indústria vão orientá-las nesta tarefa. Os melhores apps serão submetidos a competições internacionais voltadas para mulheres”, acrescenta a docente do IC.
Atividade do projeto na Escola Estadual Professor Hilton Federici: conhecimentos básicos de lógica e programação e desenvolvimento de aplicativos para smartphones
Lugar de menina é na computação em que a participação masculina nas matrículas de graduação é mais preponderante. A ciência da computação está em sexto lugar. Em primeiro vêm “engenharia mecânica e metalúrgica” (90,7% de matrículas masculinas), seguida de “proteção de pessoas e de propriedades” (89,3%), “setor militar e de defesa” (88,5%), “eletrônica e automação” (88,5%), “eletricidade e energia” (87,1%), “ciência da computação” (85,4%), “veículos a motor, construção naval e aeronáutica” (85,2%), “processamento da informação” (82,5%), “transportes e serviços” (80,5%) e “uso do computador” (80,4%). O Censo da Pesquisa, realizado em 2010 pelo CNPq, também mostra que, embora a participação de mulheres na ciência brasileira tenha aumentado, a diferença ainda é grande nas áreas de exatas. Enquanto o número de cientistas homens na engenharia elétrica chega a 2.873 (87%), o de mulheres não passa de 420 (13%). Na engenharia mecânica são 1.675 homens (86%), contra 272 mulheres (14%). Na física, a diferença é igualmente evidente: são 2.809 cientistas
do sexo masculino (80%), em oposição a 706 do feminino (20%). O levantamento, realizado com base nos Diretórios de Grupos de Pesquisa, não estabeleceu índices específicos para a área de ciência da computação. “Um dos desdobramentos deste projeto é realizar novas pesquisas. Investigar, por exemplo, os motivos de poucas mulheres estarem na computação. Elaboramos questionários para serem aplicados junto às participantes do projeto antes e depois de sua realização. Vamos medir o raciocínio lógico, pensamento computacional, e também a visão das garotas sobre as carreiras da computação. A expectativa é que o projeto traga não só estímulos à carreira, mas também novas pesquisas, que são escassas”, ambiciona a docente do IC, uma das poucas mulheres num universo de mais de 40 homens professores da sua unidade. Há outros impactos, em longo prazo, acrescenta Juliana Borin. “O equilíbrio de gênero permitirá o desenvolvimento de aplicativos mais intuitivos e sensíveis. Pesquisas em todo o mundo apontam: quanto
CENÁRIO E IMPACTOS Os poucos dados existentes no país sobre a questão de gênero nas áreas de computação, matemática, física e engenharias revelam as disparidades nas escolhas. O Censo da Educação Superior de 2011, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, listou as dez áreas do conhecimento
A professora Juliana Freitag Borin, coordenadora do projeto: “Muitas propostas para estimular jovens têm atividades vinculadas ao universo masculino”
mais diversidade existe em uma empresa, em uma equipe, melhores são os resultados. Não só diversidade de gênero, mas também de cultura. Empresas, como a IBM e Google, têm diversas iniciativas neste sentido porque sabem a importância disso.”
IMPLEMENTAÇÃO O plano do curso de aplicativos para smartphones envolve a disciplina de “Algoritmos e Programação de Computadores”, a mesma ministrada para os alunos dos cursos de Ciência e Engenharia da Computação da Unicamp. O material didático para as alunas do ensino médio inclui conhecimentos básicos de lógica e programação. A plataforma para o desenvolvimento dos aplicativos é o Android, sistema operacional baseado no núcleo do Linux, que possui o código fonte livre para estudo, alteração e redistribuição. O desenvolvimento dos aplicativos fará uso da ferramenta “MIT App Inventor”, também de código-livre, destinada à criação de apps para usuários sem muita experiência em programação. A ferramenta foi concebida pelo MIT (Massachussets Institute of Technology) em parceria com a Google. Além da atuação junto às alunas de ensino médio da Escola Estadual Professor Hilton Federici, o projeto prevê diversas ações de extensão, como um hackday, maratona de programação aberta gratuitamente para mulheres de toda a comunidade. A primeira edição do evento foi organizada pelo grupo no último dia 12 de abril. Juliana Borin, afirma, no entanto, que esse hackday foi o “primeiro de muitos que se seguirão.” Além da docente do IC, também colaboram com o projeto o professor Eduardo Valle e a pesquisadora Letícia Rittner, ambos da FEEC. O “Android Smart Girls”, que se estenderá pelo ano de 2014, conta ainda com a participação da bolsista Nicole Aguiar, aluna de Engenharia da Computação da Unicamp; das pesquisadoras Clarissa Loureiro, Raquel Schulze e Paula Paro Costa, respectivamente, presidente, vice-presidente e ex-presidente do WIE; e da ex-aluna e idealizadora do projeto, Vanessa Testoni, fundadora do grupo WIE na Unicamp, atualmente pesquisadora da Samsung Research Institute Brazil.
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Em ritmo de aventura ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
ergulhar no oceano para ter um reencontro consigo mesmo já é algo possível para as pessoas com deficiência. Já? Na verdade, só agora as atividades de aventura começam a ser mais praticadas no Brasil e passam a fazer adeptos em pouco mais de dez anos após as primeiras iniciativas rumo a uma maior acessibilidade. As pessoas que experimentam essas atividades relatam o prazer de sentir ou voltar a sentir o seu corpo em contato com o vento, com a natureza, com a água, com a areia. Relatam o prazer de voltar a se sentir vivas, pertencentes, em condições de igualdade, ao realizar uma atividade que até pouco tempo seria impensável. Estudo de doutorado da Faculdade de Educação Física (FEF) mostrou que essas atividades estão se organizando e que o nível de satisfação e de prazer das pessoas com deficiência que adotam essa prática é muito alto. Mas, apesar do risco, ele é mínimo graças à adaptação e à moderna tecnologia, conclui José Roberto Herrera Cantorani, autor do trabalho. “A acessibilidade é tudo para as pessoas com deficiência.” Segundo o pesquisador, as atividades de aventura figuram como atividades miméticas de lazer e se caracterizam pela experiência do risco. A busca por essas atividades é desencadeada pela civilização, modernização e urbanização. “Fatores como a rotina, o estresse e a falta de oportunidades para satisfações físicas e emocionais contribuem para isso”, destaca. Desta forma, as Atividades Físicas de Aventura na Natureza (Afans), que surgiram mundialmente em 1970 e que se consolidaram na década de 1990, estão cada vez mais presentes no lazer. As atividades físicas de aventura, sobretudo na natureza, operadas para proporcionar a sensação de risco, mas cercada de controle para que seja conduzida de forma segura, viabilizam a quebra da rotina e propiciam uma tensão prazerosa que atenua as situações sérias da vida cotidiana, comenta o doutorando. No caso das pessoas com deficiência, essas atividades são ainda mais amplas para a sua satisfação física e emocional, porque, além das necessidades comuns, elas experimentam outras necessidades, como o acesso irrestrito, por exemplo. Cantorani recorda que a exaltação pelo “acesso” às atividades de lazer, e ao lazer de forma geral, é um fato comum entre esses praticantes. “Atividades como essas, complexas em sua natureza e em sua adaptação, representam um grande ganho na luta pela conquista da acessibilidade”, frisa.
PROJETO
A sua pesquisa pretendia compreender o significado da acessibilidade às atividades de aventura na natureza para a vida das pessoas com deficiência e a qualidade de vida. O autor procurou identificar o significado da própria acessibilidade para a vida dessas pessoas, assim como o significado do acesso ao lazer de modo geral. O pesquisador conta que ingressou no doutorado da FEF na área de Lazer e Sociedade. Mudou. Foi para a área de Atividade Física Adaptada, orientado pelo docente Gustavo Luis Gutierrez. Além disso, conta que sempre foi curioso em querer saber mais sobre o trabalho feito com pessoas com deficiência. Na sua banca de mestrado, em Ciências Sociais Aplicadas, o tema foi a expansão das atividades físicas de aventura na natureza. No doutorado, seu orientador sugeriu que retomasse esse estudo, mas que o direcionasse às pessoas com deficiência. Ele ainda sugeriu que falasse com o professor José Júlio Gavião, também da área de Atividade Física Adaptada. Gavião lhe con-
vidou a conhecer as atividades de aventura que estavam sendo adaptadas em Socorro, São Paulo. Cantorani foi conhecer essas adaptações e as atividades oferecidas. Esteve nos hotéis fazendas Parque dos Sonhos e Campo dos Sonhos, ambos do mesmo dono, que oferecem essas atividades. Voltou animado com a viabilidade do estudo e estruturou o projeto. O trabalho de campo abrangeu o período de maio de 2012 a agosto de 2013 e teve como público-alvo pessoas com deficiência que buscavam atividades de aventura de forma livre. O doutorando fez entrevistas com gestores do projeto Aventureiros Especiais (desenvolvido em Socorro para adaptações), com pessoas com deficiência que participaram como voluntárias nessa iniciativa e com pessoas com deficiência que buscavam atividades turísticas de lazer. Todos os entrevistados estavam na faixa etária entre 20 e 40 anos.
Fotos: Divulgação
Estudo mostra que, cada vez mais, pessoas com deficiência fazem atividades na natureza
Equipamentos adaptados e prática de atividades em hotéis na cidade de Socorro: trabalho de campo entre maio de 2012 e agosto de 2013
PROGRESSOS
De acordo com o pesquisador, a atividade para esse público é recente e infelizmente ainda com poucas oportunidades. “Escolhi Socorro como cenário pelo fato de ter inúmeras atividades de aventura adaptadas, como o rafting, tirolesa, trekking, arvorismo, rapel, boiacross, cavalgada, passeios de charrete, de trator”, descreve. Deparou-se com as novidades. Para o rapel e para a tirolesa, notou, foram adaptadas cadeirinhas usadas no parapente, que permitem a um tetraplégico ficar em posição sentada e a coluna ereta e fixa. No rafting, foi criada uma cadeirinha com o mesmo objetivo. Se o bote virar, ele tem como sair. Também possui à sua disposição um colete que foi melhor estruturado para deixá-lo em flutuação de costas. “Vejo que algumas coisas, tão importantes e muito claras para as pessoas com deficiência, estão distantes e pouco são compreendidas por grande parte da população. Não são claras para quem está distante do problema”, expõe. “Pois avaliar a qualidade de vida das pessoas com deficiência envolve considerar aspectos específicos da sua realidade. A acessibilidade é o aspecto central da vida delas.” A deficiência, discorre ele, não se estabelece pela simples presença da limitação física, mas é efetivada a partir da incapacidade da sociedade de se adequar às diferenças. “Acaba resultando na exclusão de muitas pessoas da vida social cotidiana, sendo que a acessibilidade e a autonomia são determinantes para o gozo de oportunidades profissionais, educacionais, culturais e de lazer.” Os pressupostos e indicadores para a qualidade de vida mostram que usufruir, ou não, desse conjunto de atividades da vida social, constitui-se um fator que influencia a percepção das pessoas a respeito de sua vida. Para as pessoas com deficiência, o acesso a tais atividades tem um significado ainda maior para a construção da sua qualidade de vida, posto que envolve sensações de igualdade, dignidade e direito à vida. Em relação ao lazer, os estudos também apontam uma estreita ligação entre o lazer e a qualidade de vida das pessoas. E essa ligação também se prova mais evidente ainda quando se trata da qualidade de vida das pessoas com deficiência. Quanto às atividades físicas de aventura na natureza, a pesquisa sinalizou que esta categoria particular de lazer oferece uma multiplicidade de fatores de satisfação e de bem-estar para as pessoas com deficiência, também melhorando a sua qualidade de vida. Cantorani lamenta que faltem políticas públicas para o lazer de pessoas com deficiência. O que vem ocorrendo hoje é a adequação dos estabelecimentos culturais e de lazer às leis que fazem referência aos direitos das pessoas com deficiência. Isso de modo geral. Mas há bons exemplos, como o da cidade de Socorro, que têm investido na acessibilidade, principalmente no turismo mais acessível.
As ações neste município são de ordem pública e privada. Há projetos que foram desenvolvidos especificamente para a adaptação de atividades e equipamentos destinados a pessoas com deficiência e para aprender como receber essas pessoas. E há outros projetos em curso. Todos os projetos de Socorro têm sido feitos em parceria com o Ministério do Turismo. Outra ação interessante é que foi feito também um trabalho de adaptação para a acessibilidade no Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha, Vila dos Remédios. A Baía do Sueste, localizada nesse Parque, é a primeira praia da ilha a oferecer acessibilidade total para pessoas com deficiência física e para pessoas com mobilidade reduzida. Na pesquisa, alguns entrevistados relataram que também praticavam o mergulho autônomo recreativo adaptado, para lazer e aventura. Trata-se de uma oportunidade para o mergulhador – com deficiências física, visual ou audiovisual – explorar, conhecer, apreciar e se encantar com a beleza e riqueza da vida marinha. Cantorani constata que as pessoas com deficiência têm necessidade de sentir; de sentir o seu corpo em ação, em contato com o mundo, com a natureza; têm necessidade de vivenciar o que todos podem vivenciar; têm necessidade de viver, de se sentirem vivas. “O acesso a essas atividades proporciona essa sensação”, repara o pesquisador, que atualmente é coordenador do curso de Educação Física das Faculdades Integradas de Itararé, São Paulo, mas que já foi instrutor de rapel e de rafting, e pratica o mountain bike até hoje.
Publicação Tese: “Lazer nas atividades de aventura na natureza e qualidade de vida para pessoas com deficiência: um estudo a partir do caso da cidade de Socorro-SP” Autor: José Roberto Herrera Cantorani Orientador: Gustavo Luis Gutierrez Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014 artistas e professores, com atividades sediadas prioritariamente dentro do Campus universitário. Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/ eventos/2014/04/09/vii-encontro-de-choro-da-unicamp Educação infantil - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) organiza nos dias 5 e 6 de maio, o Workshop “Que Educação Infantil para o nosso tempo? A Unicamp repensa a questão”, no auditório do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP). A abertura ocorre às 9 horas. O objetivo é promover a discussão e a reflexão compartilhada sobre a primeira etapa da Educação Básica. O evento trará uma mostra da cultura da criança, propostas e experiências de educação infantil a partir das quais, representantes da comunidade poderão expressar suas concepções, aspirações e registrar suas ideias a respeito dos serviços educacionais oferecidos pelas instituições de Educação Infantil para alunos de creche e pré-escola dos campi da Unicamp e fora deles. Inscrições e outras informações no site http:// www.prp.unicamp.br/index.php?option=com_content&view=article&i d=323&catid=85 Palestra com Sergiy Kyrylenko - No dia 7 de maio, às 10 horas, na Sala do Conselho Universitário (Consu), o professor Sergiy Kyrylenko, do Programa Professor Visitante do Exterior (PPVE), fala sobre “Metabolismo energético: uma chave para sobrevivência e regeneração neuronal?”. A organização é da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP).
EVENTOS FUTUROS
PAINEL DA SEMANA Além da guerra às drogas - No dia 30 de abril, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Educação e Saúde com o tema “Além da guerra às drogas: o desafio de novas políticas para o uso de substâncias psicoativas”. O evento está sob a responsabilidade dos professores Luís Fernando Tófoli, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e de Taniele Rui, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Inscrições e outras informações, no link http://www.foruns. unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/ saude76.html Professor Emérito - A Unicamp entrega o título de Professor Emérito da Unicamp ao professor Antonio Carlos Boschiero, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Será no dia 30 de abril, às 10 horas, na Sala do Conselho Universitário (Consu). O título de Professor Emérito é conferido a professores que se distinguiram no exercício da atividade acadêmica e por seus relevantes serviços à ciência e à instituição. Veja quem já recebeu a titulação no link http://www.unicamp.br/unicamp/imprensa/premios-e-distincoes/professor-emerito Workshop com Charon Duermeijer - O Espaço da Escrita e o Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) promovem no dia 30 de abril, às 10h30, no auditório do IFGW, o workshop “Publishing Insights - Physics and Natural Sciences”. Ele será ministrado por Charon Duermeijer, diretora das publicações da área de Física da Elsevier (Holanda). Há 100 vagas disponíveis. O seminário será realizado em inglês e é direcionado aos docentes, pesquisadores e alunos de pós-graduação das áreas de Física, Ciências Exatas e Ciências Naturais. Mais detalhes no site http://www.cgu.unicamp. br/espaco_da_escrita/workshop_elsevier_physics.php, telefone 193521-6649 ou e-mail workshops.escrita@reitoria.unicamp.br Encontro de Choro da Unicamp - Entre 4 e 9 de maio, a cidade de Campinas recebe a sétima edição do Encontro de Choro da Unicamp. O evento musical surgiu em 2004 no Instituto de Artes da Unicamp, e, desde então, já foram realizadas seis edições em diferentes formatos, com foco na formação musical e apresentações musicais. Todas as edições contaram com a iniciativa e organização de alunos,
Workshop com Renato Hohl Orsi - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) organiza entre 12 e 16 de maio, o workshop teórico-prático “Sub-tipagem molecular e análise de sequências genômicas aplicadas a estudos de micro-organismos patogênicos”. Ele será ministrado por Renato Hohl Orsi, bacharel em Ciências Biológicas pela Unicamp em (2001). O evento ocorre no Salão Nobre da FEA, das 8 às 18 horas. Inscrições podem ser feitas até 9 de maio, no link http://www.fea.unicamp.br/extensaoworksubtipagem. html Mais informações: telefone 19-3521-2174. (Des)regular o estudar na universidade? Elementar, meu caro Watson! - Palestra será proferida pelo professor Pedro Rosário, dia 12 de maio, às 12h15, na sala CB02 do Ciclo Básico. A organização e do Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp. Rosário é um dos autores do programa “Cartas do Gervásio ao seu Umbigo”. Mais informações: 19-3521-6539. Homenagem - A diretoria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) homenageia no dia 16 de maio, às 9h30, na Sala da Congregação, professores e funcionários aposentados no período de julho de 2013 a março de 2014. Nesse dia também será feita uma homenagem póstuma ao professor Luiz Jacintho da Silva, ex-secretário da Saúde de Campinas. Mais detalhes no site http://www.fcm. unicamp.br/fcm/calendar-node-field-data/2014-05-16 XXXII Oficina de Física “Cesar Lattes” - Evento ocorre no dia 17 de maio, no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp. Abordará a temática “Engenharia Física no Brasil: desafios e oportunidades”. A oficina contará com palestrantes envolvidos com a área de engenharia física, que atuam tanto na academia como na iniciativa privada. Entre os palestrantes, a oficina contará com a presença do Físico Regis T. Neuenschwander, líder do grupo de projeto do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Ele falará sobre as oportunidades de trabalho para engenheiros físicos no LNLS. Em outra palestra, Pascoal Pagliuso, coordenador do Curso de Engenharia Física, apresentará a estrutura deste novo curso oferecido pela Unicamp. A programação completa está no site http://portal.ifi. unicamp.br/extoficinas
DESTAQUE
TESES DA SEMANA Artes - “Heitor Villa-Lobos: questões e soluções para superar as dificuldades de interpretação da bachianas brasileiras n˚ 2” (mestrado). Candidato: Daisuke Shibata. Orientador: professor Paulo José de Siqueira Tiné. Dia 30 de abril de 2014, às 14 horas, no IA. “O problema da tradição na trajetória de Jacob do Bandolim: comentários à história oficial do choro” (doutorado). Candidato: Gabriel Sampaio Souza Lima Rezende. Orientador: professor José Roberto Zan. Dia 5 de maio de 2014, às 14 horas, no IA. Computação - “Sobre a coloração total semiforte” (mestrado). Candidato: Atílio Gomes Luiz. Orientadora: professora Célia Picinin de Mello. Dia 28 de abril de 2014, às 9h30, na sala 85 do prédio IC 2. “Aprendizado ativo com aplicações ao diagnóstico de parasitas” (doutorado). Candidata: Priscila Tiemi Maeda Saito. Orientador: professor Alexandre Xavier Falcão. Dia 28 de abril de 2014, às 14h30, na sala 85 do prédio IC 2. “O problema da árvore geradora com muitas folhas” (mestrado). Candidato: Márcio Félix Reis. Orientador: professor Orlando Lee. Dia 8 de maio de 2014, às 14 horas, na sala 85 do prédio IC 2. Economia - “Dinheiro e política monetária: Friedman X Davidson” (mestrado). Candidato: Pedro Henrique Nascimento. Orientador: professor Rogério Pereira de Andrade. Dia 28 de abril de 2014, às 10 horas, na sala 23 do pavilhão da Pós-graduação do IE. “A crise japonesa dos anos 1990 à luz da Hipótese da Instabilidade Financeira de Hyman Minsky” (mestrado). Candidato: Bruno Hatto. Orientador: professor Daniela Magalhães Prates. Dia 7 de maio de 2014, às 15 horas, na sala 23 do pavilhão da Pós-graduação do IE. Educação Física - “Respostas cardiovasculares e autonômicas após treinamento concorrente em obesos de meia-idade” (doutorado). Candidata: Valéria Bonganha. Orientadora: professora Mara Patricia Traina Chacon Mikahil. Dia 9 de maio de 2014, às 9 horas, no auditório da FEF. “A formação em educação física e o trabalho com a pessoa com deficiência: percepção discente” (doutorado). Candidata: Marina Brasiliano Salerno. Orientador: professor Paulo Ferreira de Araújo. Dia 9 de maio de 2014, às 9 horas, no auditório da FEF. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Avaliação de equipamento tipo jato cavitante para inativação de Escherichia coli empregando múltiplos jatos” (mestrado). Candidata: Maiara Pereira Assis. Orientador: professor José Gilberto Dalfré Filho. Dia 6 de maio de 2014, às 14 horas, na sala CA-22 da CPG da FEC. “A questão das estâncias climáticas no estado de São Paulo: Morungaba como estudo de caso” (mestrado). Candidato: Silvio Luiz Cardoso Pinto. Orientador: professor Lauro Luiz Francisco Filho. Dia 8 de maio de 2014, às 9 horas, na sala CA-22 da CPG da FEC. Engenharia Elétrica e de Computação - “Projeto e construção de uma eletrônica de RF para o sistema de medida de posição do acelerador de elétrons Sirius (LNLS)” (mestrado). Candidato: Rafael Antonio Baron. Orientador: professor Hugo Enrique Hernández Figueroa. Dia 28 de abril de 2014, às 16 horas, sala PE12 do prédio da CPG da FEEC. “Superfícies seletivas em frequência - FSS: concepção e projeto de absorvedores planares de micro-ondas para aplicação em WLAN, WiMAX e radar” (doutorado). Candidato: Maurício Weber Benjó da Silva. Orientador: professor Luiz Carlos Kretly. Dia 29 de abril de 2014, às 9 horas, na sala da Congregação da FEEC. “Princípio do equivalente certo no planejamento da operação de sistemas hidrotérmicos” (mestrado). Candidata: Thayze D’Martin Costa da Silva. Orientador: professor Secundino Soares Filho. Dia 30 de abril de 2014, às 14 horas, na sala PE-12 da FEEC.
“Resposta transitória no domínio do tempo de uma linha de transmissão trifásica considerando uma nova implementação do efeito pelicular” (doutorado). Candidato: José Humberto Araújo Monteiro. Orientador: professor José Pissolato Filho. Dia 9 de maio de 2014, às 9 horas, na FEEC. “Monitor da OSNR de sistemas ópticos WDM via interferômetro Mach Zehnder” (mestrado). Candidato: João Carlos Soriano Sampaio Januário. Orientador: professor Hugo Enrique Hernandez Figueroa. Dia 9 de maio de 2014, às 9 horas, na sala PE-11 do prédio da CPG da FEEC. Engenharia de Alimentos - “Isolamento e seleção de fungos silvestres com potencial para produção das enzimas lipase e tanase extracelulares” (mestrado). Candidata: Érica Benjamim da Silva. Orientadora: professora Gabriela Alves Macedo. Dia 30 de abril de 2014, às 14 horas, no anfiteatro do DCA da FEA. Engenharia Química - “Desenvolvimento de biofilmes de alginato impregnados com natamicina e aferição de seu potencial antimicótico” (doutorado). Candidata: Andréa Cristiane Krause Bierhalz. Orientador: professor Theo Guenter Kieckbusch. Dia 28 de abril de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. Física - “Estudo de defeitos induzidos por implantação/irradiação de íons em Si(001) por difração de raios-X de n-feixes” (mestrado). Candidato: Guilherme Calligaris de Andrade. Orientador: professor Lisandro Pavie Cardoso. Dia 8 de maio de 2014, às 14 horas, na sala de seminários do Departamento de Física Aplicada do IFGW. Geociências - “Cursos de educação não formal no município de São Paulo: uma análise do seu papel na formação de moradores de áreas de risco a movimentos de massa e técnicos da prefeitura” (mestrado). Candidata: Erica Akemi Goto. Orientador: professor Jefferson de Lima Picanço. Dia 28 de abril de 2014, às 14 horas, na sala B do DGRN do IG. “Dinâmica espacial do desmatamento no estado do Acre entre 1999 e 2010: o papel do zoneamento ecológico-econômico” (doutorado). Candidato: Marco Aurélio Rodrigues. Orientador: professor Marcos César Ferreira. Dia 6 de maio de 2014, às 9 horas, no auditório do IG. Linguagem - “Caracterização prosódica de sujeitos de diferentes variedades faladas no Brasil em diferentes relações sinal-ruído” (doutorado). Candidata: Ana Carolina Constantini. Orientador: professor Plínio Almeida Barbosa. Dia 8 de maio de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científica “Estimação de mapeamentos entre reticulados utilizando neurocomputação (Fuzzy) para reconhecimento de padrões” (doutorado). Candidato: Estevão Esmi Laureano. Orientador: professor Peter Sussner. Dia 30 de abril de 2014, às 14 horas, no sala 253 do Imecc. “Bijeções envolvendo os números de Catalan” (mestrado). Candidato: Nelson Gomes Brasil Junior. Orientador: professor José Plínio de Oliveira Santos. Dia 9 de maio de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Odontologia - “Desenvolvimento e avaliação da eficiência de um bioadesivo contendo extrato de spilanthes acmella l. Murray para administração oral como anestésico tópico” (mestrado). Candidata: Verônica Santana de Freitas. Orientador: professor Rodney Alexandre Ferreira Rodrigues. Dia 29 de abril de 2014, às 9 horas, no anfiteatro 3 da FOP. “Efeito do desajuste marginal e do tipo do pilar protético nas tensões induzidas ao sistema barra-clipe e na força de destorque de parafusos protéticos” (mestrado). Candidato: Bruno Massucato Zen. Orientador: professor Marcelo Ferraz Mesquita. Dia 29 de abril de 2014, às 9 horas, na sala da Congregação da FOP. Química - “Caracterização de nanopartículas de prata e sua aplicação na produção de tecidos antimicrobianos” (doutorado). Candidata: Daniela Pott Marinho Ballottin. Orientadora: professora Ljubica Tasic. Dia 8 de maio de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.
DO PORTAL
Finazzi-Agrò recebe título de ‘Doutor Honoris Causa’ intelectual italiano Ettore Finazzi-Agrò, professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Roma “La Sapienza”, recebeu no último dia 14 o título de “Doutor Honoris Causa” da Unicamp. A outorga do título, por solicitação do professor Francisco Foot Hardman, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), deu-se em assembleia extraordinária do Conselho Universitário (Consu), na presença do reitor José Tadeu Jorge. “É uma grande honra este título que a Universidade Estadual de Campinas acaba de me conceder. Tentarei ficar sempre à altura de tal reconhecimento. Ser professor universitário, sobretudo nesta época atual, numa situação difícil em que se encontra o ensino superior na Europa não é, com certeza, uma tarefa muito gratificante, nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista do prestígio. Hoje, graças a vocês, sinto, novamente, orgulho da minha profissão e do meu trabalho. Nunca imaginei, em toda a minha carreira, que pudesse receber um título tão prestigioso de uma universidade brasileira tão importante como a Unicamp”, reconheceu o homenageado. Ettore Finazzi-Agrò possui extensa e rica produção em estudos sobre a literatura portuguesa e brasileira. Sua pesquisa estendeu-se à épica e à novelística portuguesas do século XVI. É profundo estudioso e conhecedor da obra de Fernando Pessoa, com diversos ensaios sobre o poeta português, além da publicação dos livros O álibi infinito: o projecto e a prática na poesia de Fernando Pessoa e Lettere a Ofelia. Na literatura brasileira sua participação é igualmente extensa e rica: Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Jorge Amado, Antonio Callado, Rubem Fonseca e Nélida Piñon são alguns dos autores estudados. É autor do livro Entretempos. Mapeando a história da cultura brasileira, obra que reúne seus ensaios mais significativos. Além da rica produção na pesquisa, o professor italiano se notabilizou por uma ativa participação divulgando a cultura e literatura brasileira, notadamente na Itália, mas
Foto: Antoninho Perri
Ettore Finazzi-Agrò (à direita), da Universidade de Roma “La Sapienza”, e o reitor José Tadeu Jorge, na cerimônia realizada dia 14
também em outras partes do mundo. Há mais de duas décadas Finazzi-Agrò é o executor, pela parte italiana, do convênio entre a Universidade de Roma “La Sapienza” e a Unicamp, acordo internacional marcado por uma fértil colaboração com o Instituto de Estudos da Linguagem. Foi também, em 2001, professor convidado da Unicamp.
“É satisfação institucional podermos conceder este título de ‘Doutor Honoris Causa’ ao professor Ettore. Este título representa um reconhecimento a todas as suas contribuições ao IEL, à Unicamp e ao Brasil. Posso dizer que, nós da Unicamp, sentimos muita honra e orgulho em dizer que o senhor é professor desta casa”, afirmou o reitor José Tadeu Jorge. Para Francisco Foot Hardman, do IEL, Finazzi-Agrò pode ser considerado um embaixador da cultura brasileira. “Será de justiça chamá-lo - se me permitem essa licença metafórica - ‘il nostro ambasciatore’, tal o seu compromisso, a sua militância político-cultural a partir do eixo possibilitado pelo acordo de cooperação muito bem sucedido entre a Unicamp e a Universidade de Roma ‘La Sapienza’. ‘Il nostro ambasciatore’, embaixador da cultura brasileira, seja no próprio Brasil, seja na Itália ou em vários outros centros europeus, como Portugal, Espanha, Alemanha, França, entre outros, para não falar da América do Norte”, comparou Foot Hardman. Também participaram da assembleia extraordinária do Consu, o chefe de gabinete-adjunto da reitoria, Osvaldir Pereira Taranto; a secretária-geral da Unicamp, Lêda Santos Ramos Fernandes; a diretora do IEL, Matilde Virginia Ricardi Scaramucci; o chefe do Departamento de Teoria Literária do IEL, Jefferson Cano; os professores do IEL Alcir Pécora e Maria Betânia Amoroso, que conduziram o homenageado à sala do Consu; além de docentes, funcionários e alunos. A doutoranda do Instituto de Artes (IA), Thaís Nicodemo, fez uma apresentação de piano ao público presente. Previsto no Estatuto da Unicamp, o título de Doutor Honoris Causa pode ser concedido a pessoas que tenham contribuído, “de maneira notável, para o progresso das ciências, das letras ou das artes; aos que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade”. O primeiro título foi concedido, em 1973, ao físico Gleb Vassielievich Wataghin (1899-1986). (Silvio Anunciação)
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No pombo-correio, os gatilhos da memória Foto: Antoninho Perri
Grupos de aves foram submetidos a dois tipos de treino CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
rientado pela professora Elenice A. de Moraes Ferrari, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, o biólogo Fernando Canova se propôs a avaliar a memória espacial em pombos, em situação de escolha alimentar, em função da duração do período de treinamento e também da administração de droga específica. Utilizando um experimento de extrema simplicidade, ele determinou como o treinamento influi na capacidade de aprendizagem, na consolidação e na persistência da memória espacial de pombos da espécie Columbia Livia, o conhecido pombo-correio, em situações que envolvem procura por alimento. Embora clássico, os efeitos do treinamento, amplamente aplicado em animais e humanos, devem ser reconsiderados e avaliados em cada espécie estudada. O pesquisador constatou ainda, como era mais ou menos esperado, que a utilização de substância específica potencializa sobremaneira os resultados obtidos nos treinamentos desses animais. Então surge a questão: se os efeitos do treinamento e da administração de droga em pombos eram de certa forma previsíveis, embora ainda não dimensionados em pombos, qual o objetivo da pesquisa? Seus resultados se restringiriam apenas ao comportamento desses animais? O que efetivamente chama a atenção nessa pesquisa básica é a possibilidade de seus resultados alcançarem o homem. Com efeito, os benefícios advindos da continuidade desse estudo estão atrelados ao desenvolvimento de compostos que não apresentem efeitos colaterais significativos e que, a exemplo de um complemento alimentar, possam ser consumidos para a melhora da memória do ser humano. Para Canova, “esse deve ser o foco principal da pesquisa. Mas o advento dessas possibilidades demanda ainda um longo percurso, que pode vir a ser inviabilizado pelos efeitos colaterais das substâncias utilizadas”.
PRIMEIRA ETAPA
Basicamente o trabalho desenvolveuse em duas etapas. A primeira visou confirmar os efeitos do treinamento de longo prazo na melhora da memória do animal e serviu de suporte para o experimento. A escolha do pombo-correio se deu pelo fato de a espécie Columbia Livia apresentar grande capacidade de se localizar no espaço, o que lhe permite conduzir mensagens por extensas distâncias graças à grande memória visual, e ainda devido à circunstância do treinamento estar relacionado à percepção do ambiente para localização do alimento. Grupos de animais foram submetidos a dois tipos de treino: um de curta duração, em dois dias, e outro de longa duração, em sete dias. O objetivo era mostrar que quanto maior o período de treinamento, maior a possibilidade de os animais conseguirem localizar o alimento na primeira tentativa. E, de fato, os animais com dois dias de treino tiveram os acertos esperados, mas seus desempenhos não se compararam aos animais treinados por sete dias, que localizaram com muito maior constância a posição do alimento. A comparação dos resultados do primeiro e do sétimo dias de treino revelou que o número de escolhas corretas passou de 50% a 88%. O treinamento foi realizado em uma sala quadrada pintada de branco. No centro das quatro paredes foram afixados indicadores de formas e cores diferentes. Duran-
Fernando Canova, autor da pesquisa, na sala onde foram feitos os treinamentos: utilização de substância específica potencializa resultados
te o treinamento os pombos eram colocados dentro de uma arena branca circular, situada no centro da sala, em cujo interior estavam dispostos quatro comedouros com areia, equidistantes e junto à parede que circunda a arena. A ração foi colocada em apenas um dos comedouros, devidamente coberta com areia. Os animais eram colocados sempre em posições diferentes entre os comedouros, por ocasião das seis tentativas que compunham as sessões diárias, tanto durante o treinamento de curta como o de longa duração. O objetivo era o de que o animal através da forma e cor encontrasse o alimento na primeira tentativa, que configurava o acerto. Caracterizou portanto a resposta de escolha o orientar-se, aproximar-se e bicar um comedouro. Paralelamente, o pesquisador verificou, ao final de cada período de treinamento, tanto de dois como de sete dias, se as melhoras nos desempenhos estavam associadas à maior expressão das proteínas Zenk e Sinapsina I, relacionadas à memória. Ele explica que “a memória espacial envolve alterações plásticas no hipocampo de roedores e de aves e, dentre elas, a indução da transcrição de genes de expressão imediata, tais como o Zenk, que regula a expressão de inúmeros outros genes e proteínas”. Canova esclarece que ocorre uma reação em cascata. Inicialmente dá-se a ativação da Zenk, que por sua vez vai provocar ativação da Sinapsina I, que é uma proteína ligada ao neurônio responsável pela liberação de neurotransmissores, aumentando-lhes o fluxo liberado. São eles que determinam o aumento da capacidade de armazenamento
Publicação Tese: “Aprendizagem de escolha alimentar em pombos (Columbia Livia) e imunorreação para as proteínas Zenk e Sinapsina I no hipocampo: efeito do antagonista de receptores Gabab, faclofeno” Autor: Fernando Canova Orientadora: Elenice A. de Moraes Ferrari Unidade: Instituto de Biologia (IB)
da memória. Os resultados mostraram que os animais com maior treinamento são os que sintetizam em maior grau essas proteínas, que se mantêm no organismo. Para determinar o aumento destas proteínas, ao final de cada período de treinamento sacrificam-se os animais e fatias do cérebro da região do hipocampo, relacionada com a memória, são analisadas ao microscópio. Comparam-se então os resultados com os do grupo de controle, que não recebeu treinamento.
SEGUNDA ETAPA
Na segunda etapa, o pesquisador se propôs a testar efetivamente o aumento do desempenho dos pombos a partir da administração de uma substância específica: o faclofeno. Neste caso, o treinamento foi realizado apenas durante sete dias ao final dos quais era administrada a substância. Ele utilizou dois grupos distintos: um em que o processo se encerrava ao final de sete dias e outro que, depois de sete dias de treinamento, aguardava mais sete dias para então ser submetido a mais um dia de treinamento. Este procedimento visou testar a persistência da memória espacial e verificar a manutenção do efeito residual da droga. Os resultados mostraram que, com a administração do faclofeno, os animais praticamente deixaram de errar, mesmo os que compunham o grupo em que o último dia de treinamento foi realizado com um intervalo de sete dias de espera, o que evidencia a manutenção do efeito da droga por determinado período. Estes estudos levam o pesquisador a concluir que a aprendizagem na escolha do comedouro correto e a operação de processo de memória de longa duração em pombos treinados dependem da duração do treinamento. Por outro lado, as análises das regiões do hipocampo que visaram caracterizar a contribuição das proteínas Zenk e Sinapsina I demostram que o treino induziu a expressão de ambas em pombos, sendo maior nos animais treinados por sete sessões. Já o efeito do tratamento com faclofeno facilitou o processo da memória. Para ele, o estudo indica que as aves, e particularmente o pombo, constituem modelos experimentais interessantes para o estudo dos aspectos comportamentais e neurais
da aprendizagem espacial, possibilitando a análise de características que são conservativas entre espécies de mamíferos e aves. O autor acrescenta: “Os dados obtidos indicam que a experiência em escolha espacial desencadeia a ativação de mecanismos sinápticos que resultam na expressão de Zenk e Sinapsina I no hipocampo de pombos, os quais estão envolvidos na consolidação da memória espacial de escolha alimentar. Por outro lado, os efeitos do tratamento com faclofeno sugerem ativação e participação de neurotransmissores nesses mecanismos”. Diante dos resultados Canova enfatiza que “o interessante no trabalho não é a sua aplicação em animais, mas os benefícios que ele pode trazer se transposto para os seres humanos como recurso capaz de potencializar a memória, desde que se desenvolvam substâncias para esse fim que não apresentem efeitos colaterais e que não se constituam em anabolizantes, mas possam ter a função de complemento alimentar”. Canova defende a continuidade desses estudos com outros animais e, depois, dependendo da evolução dos conhecimentos, com humanos, desde que superados os efeitos colaterais. Mas mesmo nesses casos, se esses efeitos puderem ser controlados, de maneira que se manifestem em longo prazo, existe ainda, segundo ele, a possibilidade de empregos dessas substâncias para preservar certa capacidade da memória em pessoas acometidas de doenças degenerativas.
PÓS-DOUTORADO
No pós-doutorado que acabou de iniciar, Fernando Canova continua se dedicando ao estudo da memória, mas com outra abordagem: ele quer saber como está a memória de estudantes da Unicamp. Além da memória, ele avalia nesses alunos o estresse através da medida do índice de cortisol. O cortisol é relacionado com o estresse e seu índice aumenta com ele. A ideia é verificar se o aumento do estresse altera o grau de memorização e em consequência diminui a capacidade de aprendizagem. O projeto visa contribuir para a melhoria do rendimento do ensino na Unicamp e dele participam voluntariamente alunos de todas as áreas de cursos de período integral e noturno.
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Campinas, 28 de abril a 11 de maio de 2014
Mistura fina PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
composição Espírito infantil, de Mú Carvalho, do grupo A Cor do Som, foi classificada em 5º lugar no Festival Nacional do Choro, em 1977. Instrumentos elétricos foram usados na interpretação tradicionalmente acústica do chorinho. Anos antes, o gênero musical que consagrou Pixinguinha já estava aberto às influências do jazz e, tempos depois, continuaria recebendo várias releituras, aconchegando-se nos braços do samba, da música erudita, do rock e, mais tarde, da música eletrônica. Foi na década de 1990 que eclodiu o chamado “novo choro”, com grupos que levaram a cabo todas aquelas propostas e, mais ainda, se aventuraram no instrumental e no repertório, alargando as fronteiras e flexibilizando ainda mais o gênero. A pianista Sheila Zagury catalogou 16 grupos cariocas para sua tese de doutorado na Unicamp. A pesquisa concentrouse em quatro deles, os mais longevos e com maior discografia: Rabo de Lagartixa, Tira Poeira, Trio Madeira Brasil e Água de Moringa. “Os grupos que seguem essa linha procuram mudanças no fazer musical do choro, fugindo da formação con-
siderada tradicional dos conjuntos. Também apresentam mudanças de como observam o repertório”, diz a autora. Sheila, que se dedicava então mais ao jazz e à bossa-nova, se aproximou do gênero quando viu o cenário do jazz fragilizado nesta época no Rio de Janeiro, com várias casas sendo fechadas, enquanto o choro estava em ascensão, junto com o samba. Formou já na época uma parceria com Daniela Spielman, integrante do Rabo de Lagartixa e, por essa razão, acabou também inserida na geração que estuda. A pesquisadora selecionou 12 discos dos quatro grupos, para dois tipos de análise: a apreciação, que é um pouco menos aprofundada, e a análise comparativa de oito obras, realizada a partir dos arranjos originais, que são os mais antigos que ela conseguiu acessar. “Procurei abordar as mudanças que os novos arranjos propunham em relação aos originais”. Uma das obras selecionadas do Água de Moringa, por exemplo, foi Sensível, de Pixinguinha. O arranjo que ela considerou original, nesse caso, foi uma gravação dos anos 1970, do conjunto Época de Ouro. Os estudos levaram em conta aspectos de forma musical e rítmica, harmônicos e de textura.
TRANSGRESSÃO Trocar peças de lugar, brincar com as tonalidades, experimentar com total liberdade. Sheila observou que, em algumas obras, são incluídos grandes trechos como uma introdução longa, que não pertencia à obra original. Às vezes ocorre o oposto, grandes trechos são suprimidos. “Uma característica do choro é uma forma fixa de fazer uma grande seção da música depois repeti-la, e voltar para a primeira seção, passar ou não por uma terceira seção, e assim por diante, sempre repetindo. Em alguns arranjos, os grupos pesquisados suprimiam uma dessas partes ou incluíam grandes introduções ou um interlúdio”. Foto: Divulgação
Outras mudanças constatadas pela autora foram no acento rítmico, gerando outro compasso na música e na busca de texturas pouco usuais ao universo do choro, utilizando, por exemplo, um pedal de guitarra elétrica com sonoridade baiana para o bandolim, como faz o grupo Tira-Poeira. “Quando ouvimos uma obra de choro, normalmente, há um instrumento solista executando a melodia principal. Ele tem a tessitura mais aguda. Pode ser um bandolim, uma flauta, um saxofone soprano ou um clarinete. Nesse caso, os grupos podem propor que o instrumento solista faça a voz de acompanhamento”. Os grupos estudados propuseram às obras que arranjaram várias formas de rearmonização, como por exemplo, o uso de recursos como nota-pedal, acréscimos e substituições de acordes que não compõem a harmonia das músicas. “Trechos com modulações inesperadas”, explica a autora. Ela cita o arranjo para Batuque, de Ernesto Nazareth, feito pelo Água de Moringa, que traz uma dessas modulações entre um de seus grandes trechos musicais. Em Arrasta-pé, música de Waldir Azevedo gravada pelo grupo Rabo de Lagartixa, um contrabaixo acústico assume a melodia principal. Nesta mesma obra, a doutoranda chama a atenção para a ambientação sonora que também aparece nos trabalhos dos grupos pesquisados. “A música começa com som de mata e, aí, aparece o solo de contrabaixo”. O arranjo de The Easy Winners, de Scott Joplin, com o Trio Madeira Brasil, recebe sons de um tiroteio de western. A aproximação com o universo da música erudita é outra característica muito forte dos grupos de choro estudados por Sheila. A Lenda do Caboclo, de Villa-Lobos, é uma das composições estudadas, em arranjo do Rabo de Lagartixa. É um exemplo de ampliação do repertório. Já o que o Trio Madeira Brasil faz com Assanhado, de Jacob do Bandolim, são mudanças de andamento, ou velocidade de trechos da música, com acompanhamento mais denso. Estratégias que, segundo Sheila, remetem ao politonalismo proposto pelo compositor erudito Igor Fiodorovitch Stravinsky. “No choro que estudei é um pouco mais simples, com dois acordes sobrepostos, gerando poliacordes. Esse procedimento aproxima o arranjo com o politonalismo”, complementa.
GERAÇÕES A experimentação dos grupos de choro da década de 1990 foi resultado de um encontro de gerações e propostas de trabalho. “Havia uma grande mistura dentro dos grupos. Eram universitários, estudantes de música e músicos que já atuavam no cenário do choro”. O Trio Madeira Brasil é um exemplo dessa formação. “Ronaldo do Bandolim já era um chorão muito famoso no Rio quando conheceu o Marcello Gonçalves e o José Paulo Becker, que eram bem mais novos. Quem fez o convite para formar o conjunto foi o Ronaldo, porque ele tinha a intenção de propor novas leituras de Ernesto Nazareth, fugindo um pouco do que o Jacob do Bandolim fazia”. O conjunto Água de Moringa nasceu na universidade, onde um grupo de alunos de uma mesma disciplina decidiu se juntar. Mas isso não quer dizer que tudo começou com os grupos da década de 1990, relembra Sheila. “Os artistas somente deram continuidade às transformações que começaram muito antes, na década de 1950, com músicos como Severino Araújo e K-Ximbinho, aproximando o choro do jazz, os anos 1970 com Mú Carvalho e A Cor do Som, sem esquecer o conjunto Nó em Pingo d’Água e Radamés Gnatalli”. A certa altura, a doutoranda questionou-se sobre a possibilidade de que as fronteiras, de tão elásticas, já tivessem se rompido e se os grupos estudados não seriam mais de fato grupos de choro. “A questão é refletir sobre o que está na nossa representação como conjunto de choro. Eu os considero sim, porque trazem elementos identificáveis à maioria dos grupos, entre os quais o violão de sete cordas, o bandolim ou cavaquinho, a maneira como tocam e como trazem o repertório do choro dentro da prática musical de cada um”. Sheila salienta a importância de movimentos de ruptura e novas escolhas estéticas nas artes. “O diálogo entre todas essas mentes, este amálgama, trouxe para o choro a possibilidade de fazê-lo ou não. Hoje há grupos mais tradicionais e outros que seguem uma linha de experimentação. Alguns transitam pelos vários caminhos.”
Publicação
A pianista Sheila Zagury, autora da tese: “Procurei abordar as mudanças que os novos arranjos propunham em relação aos originais”
Tese: “Os grupos de choro dos anos 90 no Rio de Janeiro; suas releituras dos grandes clássicos e inter-relações entre gêneros musicais” Autora: Sheila Zagury Orientador: Rafael dos Santos Unidade: Instituto de Artes (IA)