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Campinas, 12 a 18 de maio de 2014 - ANO XXVIII - Nº 596 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Foto: Cedae / Fundo Guilherme de Almeida

Guilherme de Almeida em sua casa, em São Paulo, na década de 1930

De volta a Campinas 3

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Unicamp passa a abrigar acervo de 15 mil documentos do poeta, tradutor, jornalista e crítico de cinema campineiro Guilherme de Almeida.

A merenda escolar e a inserção de agricultores Resíduos da uva são fonte de antioxidantes Celular, internet e as relações duradouras

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Processamento de sinais a serviço da sociedade Ginástica voltada para pessoas com deficiência As fissuras e o efêmero na arte de Renata Lucas

Quando a agricultura define traços culturais Bullying, combustível para armas em escolas Estudo derruba mitos sobre o homem de Neandertal

TELESCÓPIO

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Campinas, 12 a 18 de maio de 2014

TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Illustris Collaboration

Melhor simulação da origem das galáxias Illustris, uma simulação da evolução do universo, começando 12 milhões de anos após o Big Bang, é a primeira a conseguir reproduzir a mistura de diferentes tipos de galáxias observada na realidade, a distribuição das galáxias em aglomerados e o conteúdo de elementos químicos dentro das galáxias. O trabalho é descrito na edição da última semana da revista Nature. O trabalho, de autoria de pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, oferece também um modelo da interação entre a matéria comum e a chamada matéria escura que poderá ser usado para guiar as buscas por esse misterioso componente do universo. Os autores notam, porém, que a simulação ainda apresenta problemas: por exemplo, ela revela um nascimento excessivamente rápido de pequenas galáxias, o que mostra a necessidade de modelos teóricos mais refinados para o processo de formação de estrelas.

Unindo o científico ao ambiental Artigo publicado na edição de 9 de maio da revista Science pede um esforço maior para a integração das esferas de educação científica e educação ambiental, e sugere que o uso de ferramentas de tecnologia da informação pode ajudar nesse objetivo. Os autores, ligados a instituições dos EUA, Holanda, Reino Unido e Austrália, distinguem “educação científica” – o ensino de conhecimentos e métodos, principalmente para a formação de cientistas e engenheiros – de “educação ambiental” – que ensina valores e busca mudar comportamentos na população em geral – e notam que uma modalidade muitas vezes acaba operando como “parasita” da outra. No mundo atual, porém, ambas precisam deixar de competir entre si e desenvolver uma “relação simbiótica”, escrevem, sugerindo que programas de “ciência cidadã”, em que pessoas comuns atuam ao lado de cientistas profissionais, podem oferecer a oportunidade necessária. O artigo afirma que as iniciativas de ciência cidadã frequentemente envolvem o uso de redes sociais e da internet para a coleta e disseminação de dados sobre mudanças no meio ambiente. “A criação de sinergia entre a educação ambiental, a educação científica e a ciência cidadã baseada em tecnologia da informação e da comunicação oferece oportunidades para novas formas de educação” em que pessoas e organizações aparentemente sem relação entre si podem interagir de modo a produzir conhecimento e “tomar atitudes necessárias para tratar desafios socioecológicos”, acreditam os autores.

Tipo de agricultura define estilo da cultura, diz estudo Estudos psicológicos vêm traçando algumas diferenças entre os modos ocidental e oriental de pensar – sendo o primeiro mais analítico e individualista e o segundo, mais holístico e coletivista. Há várias hipóteses sobre a causa dessa distinção, e agora um artigo publicado na edição de 9 de maio da revista Science oferece mais uma possibilidade: o tipo de agricultura tradicionalmente praticado em cada civilização – arroz no Oriente, trigo no Ocidente. O trabalho, de autoria de pesquisadores chineses e americanos, comparou a mentalidade média de chineses do norte do país,

Mapa da aniquilação de matéria escura do maior aglomerado de galáxias, traçado pelo simulador Illustris

onde predomina o plantio de trigo, e no sul, onde há mais culturas de arroz, e concluiu que os do norte são mais independentes e individualistas, enquanto que os do sul são mais interdependentes e coletivistas. Tradicionalmente, o plantio de arroz requer uma grande coordenação entre os agricultores, para administrar os recursos hídricos e o uso de mão de obra na colheita, demandas que não existem na cultura do trigo, que permite uma ação mais individualizada. Os autores do trabalho argumentam que as mentalidades criadas dentro de cada abordagem acabam alimentando diferenças culturais mais amplas.

Esforço e dedicação explicam sucesso acadêmico de asiáticos O sucesso acadêmico dos americanos de origem étnica asiática, em comparação com os americanos de origem europeia, é melhor explicado por questões culturais, como a ética de trabalho e a valorização do esforço pessoal, do que por supostas vantagens inatas, diz artigo publicado no periódico PNAS. Ou autores, dois cientistas sociais sinoamericanos, testaram as hipóteses de que a vantagem acadêmica dos asiáticos nos Estados Unidos seria causada por fatores socioeconômicos ou genéticos, mas não encontraram correlação forte nesses dois aspectos – crianças asiáticas não se saem melhor em testes gerais de inteligência do que crianças de outras etnias, por exemplo. O artigo conclui que a principal explicação é cultural, especificamente na “crença de uma conexão entre esforço e êxito” e na tradição das comunidades de asiáticos expatriados, de oferecer apoio aos imigrantes recémchegados, incluindo “informações vitais para navegar o sistema educacional” e “legitimação das crenças” sobre trabalho e sucesso.

‘Colecionadores de animais’ criam problema de saúde pública Pesquisadores da Catalunha publicaram, no periódico Animal Welfare, o primeiro estudo europeu sobre o distúrbio mental que leva pessoas a guardar um grande número

de animais – geralmente cães e gatos – em casa, mesmo sem ter condições de alimentálos ou de manter um ambiente salubre. De acordo com a psiquiatra Paula Calvo, do Instituto de Pesquisa Hospital Del Mar e da Universidade Autônoma de Barcelona, o trabalho representa “o primeiro passo para o reconhecimento público desse distúrbio (...) que vem se tornando um problema sério de saúde pública”. De acordo com nota divulgada pelo Hospital Del Mar, “atualmente, quando um caso é identificado, os animais são removidos, mas nenhuma atenção é dada ao portador do distúrbio. Essa pessoa não percebe que os animais estavam em más condições de saúde, e logo volta a colecioná-los. Muitas vezes, os animais são encontrados com sinais evidentes ou críticos de desnutrição, desidratação e infestação parasítica, doentes ou com reprodução descontrolada, tudo num espaço de muito pouca higiene”. A análise catalã levou em conta casos reunidos por uma associação de proteção dos animais entre 2002 e 2011, além de questionários enviados a especialistas.

Bullying multiplica risco da presença de armas na escola Estudo realizado nos Estados Unidos e apresentado na reunião anual das Sociedades Acadêmicas Pediátricas, realizada no Canadá, indica que estudantes do ensino médio que são vítimas de atos repetidos de bullying têm até 31 vezes mais chance de passar a portar armas na escola. Os dados foram levantados a partir de uma pesquisa com mais de 15 mil estudantes conduzida pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do governo federal americano. Os principais fatores de risco associados à decisão do jovem de ir armado à escola são: perder aulas por se sentir inseguro no ambiente escolar ou no caminho para a escola; ter sofrido roubo ou dando de propriedade no ambiente escolar; ter sido ameaçado ou ferido com uma arma; ter se envolvido numa briga. Estudantes submetidos a um fator de risco tinham 28% de chance de levar arma à escola; já aqueles expostos a três fatores tinham 62% de chance.

Nunca subestime os Neandertais O homem de Neandertal não era inferior, em termos tecnológicos ou de estratégias de sobrevivência, aos Homo sapiens que os substituíram no domínio da Europa há cerca de 40 mil anos e que, possivelmente, os levaram à extinção, diz estudo publicado no periódico PLoS ONE. “Humanos modernos são comumente vistos como superiores em uma ampla gama de domínios”, escrevem os autores do trabalho, vinculados à Universidade do Colorado em Boulder e à Universidade de Leiden, na Holanda. O artigo prossegue: “Esta revisão sistemática do registro arqueológico dos neandertais e de seus contemporâneos humanos modernos não encontrou apoio para essas interpretações”. Em seu texto, os autores apontam vários “mitos” sobre os neandertais que, segundo eles, caíram ou estão sendo duramente questionados, à medida que o registro arqueológico vem sendo estudado, incluindo de que eles não sabiam caçar; de que as armas que usavam para caçar eram menos eficientes que a dos humanos anatomicamente modernos da mesma época; de que eram incapazes de inovar; de que eram menos inteligentes. Os autores sugerem que a extinção dos neandertais pode ter sido causada pela assimilação de suas populações no seio da comunidade dos humanos anatomicamente modernos, com o desaparecimento das características físicas mais marcantes do grupo por meio do acasalamento, e não num conflito com uma população “superior”.

Outro combustível, outra poluição A adoção em massa de carros flex pelos motoristas de São Paulo, e a queda abrupta no uso de etanol nesses veículos, entre 2009 e 2011, levou a poluição por ozônio na cidade a cair em 20%, de acordo com estudo publicado no periódico Nature Geoscience. Em contrapartida, a presença de outros dois importantes poluentes – óxido nítrico e monóxido de carbono – aumentou em 26% e 18%, respectivamente. Os autores notam que “embora o uso de gasolina pareça reduzir os níveis de ozônio na região metropolitana de São Paulo, estratégias para reduzir a poluição por ozônio exigem conhecimento da química local e a consideração de outros poluentes”.

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Ítala Maria Loffredo D’Ottaviano Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon e Diana Melo Impressão Triunfal Gráfica e Editora: (018) 3322-5775 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3383-2918. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


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Unicamp abriga acervo de

Guilherme de Almeida Foto: Nickelsen & Ferreira

Cedae/IEL vai colocar à disposição de pesquisadores cerca de 15 mil documentos do poeta campineiro

Foto: Cedae/IEL-Fundo Guilherme de Almeida

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Foto: Sophian Niebler

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LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ampinas, terra natal de Guilherme de Almeida (1890-1969), guarda agora a quase totalidade do rico acervo pessoal do poeta, tradutor, cronista, dramaturgo, crítico, advogado e jornalista que se destacou como um dos principais divulgadores do movimento modernista e como ativista da Revolução Constitucionalista de 32. O brasão do Estado de São Paulo, que ele ajudou a criar a bico de pena, as fotos de família produzidas por renomados fotógrafos da época e os artigos da coluna “Cinematógrafo”, que realçam sua faceta de crítico de cinema, são algumas relíquias depositadas no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Flávia Carneiro Leão, diretora técnica do Cedae, informa que os cerca de 15 mil documentos do Fundo Guilherme de Almeida estão passando por uma etapa de limpeza, higienização, identificação e listagem, antes da disponibilização aos pesquisadores. “É um acervo de riqueza ímpar, no qual é possível identificar os contextos de produção dos documentos exemplarmente representados e registrando as atividades do escritor. Nós da Unicamp estamos muito satisfeitos em receber esta documentação não só por pertencer a um campineiro, mas porque dialoga diretamente com acervos aqui depositados de amigos, parceiros e contemporâneos como Oswald de Andrade, Paulo Duarte, Abílio Pereira de Almeida e Flávio de Carvalho.” No parecer favorável à compra do fundo pela Unicamp, a comissão de especialistas formada pelos professores Alcir Pécora, Maria Eugênia Boaventura e Jefferson Cano observa que Guilherme de Almeida veio ao mundo no mesmo ano que Oswald de Andrade; que ambos foram colegas de Colégio São Bento e Faculdade de Direito do Largo São Francisco e parceiros em livros como Mon Coeur Balance (1916); e que no seu rol de amizades figuraram outros campineiros como o modernista Antonio Carlos Couto de Barros, a mecenas do movimento Olivia Penteado e os Mesquita (Júlio e Francisco), do Estado de S. Paulo. A comissão do IEL acrescenta que a atuação de Guilherme de Almeida confunde-se com a história cultural e política de São Paulo e que, mesmo antes da Semana de Arte Moderna de 1922, o poeta já fazia sucesso com seus livros. Fundador do Partido Democrático (1926), ele combateu na Revolução de 32 e, por conta de um editorial no Jornal das Trincheiras, teve que se exilar em Portugal. No parecer, o campineiro é destacado ainda como autor da capa e colaborador da revista Klaxon; membro da Academia Paulista de Letras (1928) e da Academia Brasileira de Letras (1930); presidente da Comissão do IV Centenário de São Paulo; orador oficial da inauguração de Brasília; e fundador e integrante da redação de vários jornais e revistas paulistanos. Segundo Flávia Leão, o acervo hoje na Unicamp estava nas mãos do biógrafo de Guilherme de Almeida, Frederico Ozanam Pessoa de Barros. “Ao vê-lo pela primeira vez, surpreendeu-me o volume e a integridade dos núcleos de documentação, pois atuando na área há muitos anos, vejo que acervos pessoais sempre apresentam lacunas em relação a fatos ou períodos. Mas este é o mais completo que já vi. Toda a trajetória de Guilherme de Almeida está representada na documentação: a atuação política, a poesia, os romances, as traduções, os cargos públicos.” Uma curiosidade apontada pela diretora do Cedae é o interesse de Guilherme de Almeida pela heráldica (arte referente à descri-

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1- Desenho da fachada da casa de Guilherme de Almeida por ele mesmo 2- No colo de sua avó, com cerca de 6 meses, em Campinas, em 1890 ou 1891 3- Retrato da 1ª Comunhão, em Campinas, em 1898 4- Da esq. para a dir., Estevão de Almeida Filho, Guilherme de Almeida, Carlos Pinto Alves e Tácito de Almeida durante a Revolução de 1932, em Cunha 5- Caricatura de Guilherme de Almeida feita por J.U. Campos, em 1933 6- Luís de Barros Martins, Guilherme de Almeida, Carlos Ribeiro, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade no lançamento da 9ª edição de “Messidor”, na Livraria São José, no Rio, em outubro de 1959 7- Ex-libris concebido pelo poeta 8- Entre o presidente Juscelino Kubitschek (à esq.) e Austreségilo de Athayde, em banquete no Rio, em outubro de 1959

8 ção de brasões de armas ou escudos), sendo que seu desenho em bico de pena aparece no acervo de forma variada. “Ele fez os brasões de São Paulo, de Brasília e de Registro [SP], e seus manuscritos, nas versões finais, trazem os títulos desenhados à mão em estilo art déco. Também produziu ex-libris [ícone associando o livro a uma pessoa ou biblioteca], inclusive para outros autores. O gosto pelo traço também pode ser comparado ao de outros escritores do acervo, como Jorge de Lima, Hilda Hilst e Monteiro Lobato, que fazia aquarelas.” Na opinião de Flávia Leão, acervos até então inacessíveis como este, quando chegam a instituições como a Unicamp, ganham outro status, que é o da garantia de sua preservação e do acesso pela pesquisa acadêmica. “Obviamente que existem bons trabalhos sobre a obra de Guilherme de Almeida, mas com o seu acervo aberto para cidadãos e pesquisadores, novas luzes e leituras podem surgir. Isso aconteceu com Hilda Hilst, falecida há dez anos e cujo acervo já embasou mais de 25 publicações, entre livros, teses e dissertações, além de algumas dezenas de artigos; e o mesmo em relação a Lobato, que foi alvo de uma profusão de estudos desde que sua documentação veio para cá.” A diretora do Cedae destaca a parte fotográfica do acervo de Guilherme de Almeida, que possuía recursos financeiros para contratar profissionais que entrariam para a história da fotografia brasileira. “As imagens de alta qualidade retroagem a pais e avós e depois avançam até os filhos, reproduzindo no acervo tecnologias que permitiram o desenvolvimento da fotografia no mundo. Há a foto em que ele, no dia seguinte em que foi eleito ‘Príncipe dos Poetas’ [1959], recebe os cumprimentos de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Estava lisonjeado porque ambos eram seus concorrentes e por ter sido escolhido não pela crítica, mas pelos leitores do jornal.”

UM POETA DE AÇÃO

A professora Maria Eugênia Boaventura, que deu parecer a favor da aquisição do Fundo Guilherme de Almeida, já prepara um projeto que tem o título provisório de “Um poeta da ação”, visando atribuir um perfil editorial aos textos do autor: o ensaísta, o cronista, o tradutor, a Revolução de 32 e a correspondência – para publicação de inéditos ou dos que mereçam divulgação mais ampla. “A proposta deste upgrade é verificar a natureza do projeto de Guilherme de Almeida, o papel que realmente desempenhou na sociedade paulista. A sua poesia está quase toda publicada, mas ele também era um homem de ação, que exerceu inúmeras outras atividades e ocupou vários cargos públicos, indicando prestígio político”. A docente do IEL vê em Guilherme de Almeida um modernista que, ao contrário dos demais, estava inserido no sistema, preocupado com a tradição. “Ele desenhou o brasão de São Paulo e de outras cidades, foi membro das academias de Letras, presidente da comissão do IV Centenário, orador

da inauguração de Brasília. E era um poeta bastante popular, que vendia muitos livros, ao passo que, por exemplo, ‘Memórias sentimentais de João Miramar’, de Oswald de Andrade, só teve a segunda edição 40 anos depois da publicação em 1924. Curioso é que, mesmo tão gabaritado, Guilherme de Almeida não conseguiu ser aprovado em concurso para professor de ginásio (mas foi secretário de escola por trinta anos).” Maria Eugênia Boaventura não espera encontrar poesias inéditas no acervo em fase de organização, visto que muito da produção do poeta contou com reedições e ele próprio cuidou de organizar obras completas. “O biógrafo Frederico Ozanam já produziu inúmeros trabalhos importantes sobre Guilherme de Almeida, como o livro reunindo as crônicas escritas sob o título geral de ‘Pela Cidade’, no Diário Nacional (órgão oficial do Partido Democrática). E deixou com início, meio e fim um trabalho fantástico sobre a coluna ‘Cinematógrafo’, n’O Estado de S. Paulo, com três mil textos escritos por Guilherme de Almeida no período de 1926 a 43.”

Foto: Antonio Scarpinetti

Foto: Antoninho Perri

Flávia Carneiro Leão, diretora técnica do Cedae: “O acervo é de uma riqueza ímpar”

A professora Maria Eugênia Boaventura, da comissão que analisou o material: projeto em vista


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Casal integra grupo que desvenda

papel de molécula no colesterol CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

equenas moléculas, chamadas microRNA-144, ou miR-144, são capazes de inibir um gene que facilita a eliminação do colesterol do organismo. Isso faz com que o miR-144 e outros microRNAs sejam um alvo potencial para novas drogas que poderão complementar o efeito das estatinas, medicamento usado para reduzir o colesterol e a incidência de infartos, e uma das drogas mais lucrativas do mundo. O artigo pioneiro que descreve a descoberta do papel do miR144 no controle do colesterol é um dos dez mais citados de 2013 do periódico Circulation Research, e dois de seus coautores, o casal brasileiro Amarylis Wanschel e Alessandro Salerno, são ex-alunos de pós-graduação e atuais pós-doutorandos no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Wanschel e Salerno estudaram o microRNA-144 durante o período em que estiveram na Universidade de Nova York (NYU). Com os prejuízos sofridos pela instituição durante a passagem do furacão Sandy pelos Estados Unidos, no final de 2012, os dois retornaram ao Brasil e iniciaram novos projetos de pós-doutorado na Unicamp, trazendo a experiência com a pesquisa de ponta para o Laboratório de Metabolismo de Lípides do Instituto de Biologia (IB), sob a coordenação da professora Helena Coutinho Franco de Oliveira. “Eu estava ansiosa para que eles voltassem”, disse a professora ao Jornal da Unicamp. Ambos fizeram doutorado no Programa de Biologia Funcional e Molecular da Unicamp. “Eles estavam muito bem lá, inclusive aconselhei que deviam aproveitar o máximo possível aquela oportunidade. Com os danos à NYU causados pelo furacão, a volta deles foi antecipada”. O Laboratório de Metabolismo de Lípides (http://www.ib.unicamp.br/lipides/) pesquisa as possíveis causas e os mecanismos pelos quais fatores ambientais e genéticos predispõem à chamada síndrome metabólica. “Quando falamos em síndrome metabólica, estamos incluindo obesidade, diabetes e aterosclerose, principalmente, que são problemas que atingem proporções epidêmicas”, disse Helena. “Nós estudamos os mecanismos básicos para entender como se dá a interação do background genético, que já confere uma predisposição para a incidência dessas doenças, com fatores ambientais, tais como dieta, fármacos, atividade física, etc. Temos modelos experimentais e abordagens que vão do organismo todo até o nível molecular: temos condições de estudar diferentes tecidos, diferentes células, e o que acontece dentro de cada célula. Assim, procuramos os eventos mais relevantes e passíveis de intervenção, com potencial de prevenir ou reverter a progressão desses distúrbios”.

COLESTEROL

Nesse contexto, o estudo do papel dos microRNAs como reguladores da expressão gênica – da intensidade com que certos genes são ativados ou inibidos – é muito importante. “Nossos alunos não devem sair do Brasil para trabalhar em projetos ou com metodologias já estabelecidos no país”, disse Helena. “Então eles foram, realmente, para adquirir habilidades totalmente novas e fazer pesquisa de ponta. A pesquisa com microRNA teve um boom muito recente. Eles foram descobertos há cerca de duas décadas, mas a comunidade científica só muito recentemente se deu conta da importância deles na regulação do funcionamento de nossas células, algo que a gente nem suspeitava”. MicroRNAs, explica Salerno, são sequências de RNA muito curtas, descobertas pela primeira vez em 1993 e que vêm sendo cada vez mais estudadas nos últimos anos. “O nosso grupo da Universidade de Nova York foi o primeiro a descrever o papel dos microRNAs controlando o metabolismo de colesterol”, acrescentou Wanschel. Salerno explica que o grupo descobriu que um microRNA específico, o miR-144, reduz a expressão da proteína transportadora ABCA1. Essa proteína faz o transporte do excesso de colesterol das células para a HDL, ou “colesterol bom”, que o leva para ser eliminado do corpo pelo fígado.

Pós-doutorandos do IB são coautores de artigo pioneiro sobre ação do miR-144 no interior da célula Fotos: Antoninho Perri

Alessandro Salerno: descobertas em 93, MicroRNAs vêm sendo cada vez mais estudadas nos últimos anos

“Portanto, esse microRNA tem como alvo o gene do ABCA1”, disse o pesquisador. “Ele reduz a síntese e expressão do ABCA1. Sabendo isso, qual seria o objetivo seguinte? Produzir um inibidor do miR-144. Inibindo o miR-144, seria possível aumentar a expressão de ABCA1, aumentar a formação de HDL, remover o colesterol dos tecidos, leválo para o fígado e eliminá-lo do organismo”.

MACRÓFAGOS

Além do artigo em colaboração com Alessandro Salerno e outros pesquisadores da Universidade de Nova York sobre o miR-144, Amarylis Wanschel também foi coautora de um artigo publicado, em março deste ano, no periódico Nature Medicine, sobre o papel da molécula netrina-1 produzida por macrófagos, que são células de defesa do organismo, no controle de inflamações crônicas. “Ao bloquear a ação da netrina-1, impede-se a inflamação crônica e a resistência à insulina associada à obesidade induzida por consumo de uma dieta rica em gordura”, explicou a cientista. A equipe da Universidade de Nova York, da qual Wanschel fazia parte, descobriu que a liberação de netrina-1 pelos macrófagos presentes no tecido adiposo atua atraindo ainda mais macrófagos. “Em vez de resolverem a inflamação, os macrófagos ficam retidos e atraem mais macrófagos, amplificando a reação”, disse ela. Esse processo resulta em uma inflamação crônica e, se associado a uma dificuldade para a eliminação de colesterol – como a causada pela superexpressão do miR-144 – leva a produção das chamadas “células espumosas” (foam cells) evento inicial da aterosclerose. A célula espumosa é “o macrófago saturado com colesterol”, nas palavras da professora Helena. “No caso da aterosclerose, o macrófago que está na parede das artérias fagocita o LDL oxidado (colesterol “ruim”). Este processo de fagocitose não tem controle, segue até o momento em que as foam cells começam a morrer, formando a placa de aterosclerose”, disse Salerno.

Amarylis Wanschel: “Nosso grupo foi o primeiro a descrever o papel dos microRNAs controlando o metabolismo de colesterol”

METABOLISMO

Assim, enquanto um controle da netrina-1 pode vir a impedir que os macrófagos se acumulem e causem inflamações crônicas, tanto no tecido adiposo como na placa de aterosclerose, o controle do miR-144 deve ser capaz de impedir que os macrófagos venham a se transformar em foam cells evitando essa inflamação mal resolvida que ocorre nas paredes dos vasos sanguíneos. Além disso, os macrófagos também têm um papel importante em certos tipos de diabetes. “A infiltração de macrófagos na parte do pâncreas que produz insulina é muito prejudicial. No caso do diabetes tipo 1, há um ataque de células do sistema imune ao pâncreas”, disse Helena. “Então, há alguns eventos básicos que permeiam todos esses distúrbios cardiometabólicos que atuam em conjunto: quem é mais obeso, tem mais aterosclerose e maior risco de diabetes. Quem é diabético, tem mais aterosclerose também”, exemplifica. A chegada dos resultados dessas pesquisas às farmácias é um processo longo e caro. De acordo com dados divulgados nos Estados Unidos em 2012, são necessários pelo menos 13 anos entre a descoberta de um princípio ativo e sua aprovação pelo órgão regulador do mercado de medicamentos, a FDA, num processo que tem custo estimado em US$ 1 bilhão. E de cada dez drogas que entram na fase de testes em seres humanos, apenas uma acaba obtendo aprovação final para ir ao mercado, segundo estudo publicado no periódico Nature Biotechnology no início deste ano. No caso dos processos do metabolismo, a situação ganha uma complexidade extra, já que muitas das moléculas e dos processos que poderiam ser alvos de controle ou inibição têm uma função importante no organismo saudável – portanto, simplesmente desativar uma proteína ou aumentar a taxa de antioxidantes pode não só não trazer a solução esperada, como ainda causar problemas imprevistos. Um exemplo citado pelos pesquisadores foi o dos inibidores da proteína CETP. “A indústria farmacêutica buscou a síntese de um inibidor para CETP durante mais de

A professora Helena Coutinho Franco de Oliveira: “Eu estava ansiosa para que eles voltassem”

20 anos. Justamente porque, ao se inibir essa proteína, ocorre aumento do HDL”, disse a professora Helena. “Eu trabalhei com essa proteína em meu doutorado sob orientação da professora Helena”, acrescentou Salerno. Em 2006, os testes em seres humanos com o inibidor Torcetrapib foram interrompidos por causa do aumento da mortalidade no grupo de pacientes tratados com o medicamento. “Nosso grupo que vem trabalhando com a CETP há vários anos e publicou vários trabalhos mostrando que havia contextos metabólicos específicos em que a proteína era benéfica, e que, portanto, sua inibição deve ser vista com muita cautela”, disse Helena. “Tanto as proteínas mencionadas quanto os próprios microRNAs são partes importantes de processos complexos que mantêm a homeostase do organismo em condições normais. Mas durante uma condição de estresse fisiológico ou de doença, eles podem se tornar importantes pontos de controle e portanto alvos para terapia”, acrescentou Amarylis. O Laboratório de Metabolismo de Lípides realiza pesquisa experimental de ponta nesta área. Seu time também faz parte do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) de Obesidade e Comorbidades, financiado pela Fapesp e liderado pelo professor Lício Velloso da FCM-Unicamp (http://ocrc.com.br/ site ). “São 14 grupos que compõem o Centro, que fazem investigação, educação e desenvolvimento tecnológico nas áreas de obesidade, diabetes, hipertensão, aterosclerose, química de fármacos, nutrição, atividade física e câncer Assim, a interação entre pesquisa básica, clínica e farmacêutica aumenta nossas chances de fazermos contribuições científicas relevantes”, disse Helena.

Publicação Artigos Control of cholesterol metabolism and plasma high-density lipoprotein levels by microRNA-144. Ramírez CM, Rotllan N, Vlassov AV, Dávalos A, Li M, Goedeke L, Aranda JF, Cirera-Salinas D, Araldi E, Salerno A, Wanschel A, Zavadil J, Castrillo A, Kim J, Suárez Y, FernándezHernando C. Circ Res. 2013 Jun 7;112(12):1592-601. doi: 10.1161/ CIRCRESAHA.112.300626. Epub 2013 Mar 21. The 10 Most Read Articles Published in Circulation Research in 2013. Roberto Bolli for the Editors. Circ Res. 2014;114:765-769. doi: 10.1161/ CIRCRESAHA.114.303612. Netrin-1 promotes adipose tissue macrophage retention and insulin resistance in obesity. Ramkhelawon B, Hennessy EJ, Ménager M, Ray TD, Sheedy FJ, Hutchison S, Wanschel A, Oldebeken S, Geoffrion M, Spiro W, Miller G, McPherson R, Rayner KJ, Moore KJ. Nat Med. 2014 Apr;20(4):377-84. doi: 10.1038/ nm.3467. Epub 2014 Mar 2.


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Campinas, 12 a 18 de maio de 2014

Bom, mas pode melhorar CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

lei de 2009 que obriga as prefeituras brasileiras a utilizar 30% dos repasses da verba federal destinada à merenda escolar nas compras de produtos da agricultura familiar criou um mercado que vem ajudando na organização dos pequenos agricultores e na conquista de mais espaço na oferta de alimentos, mas esses produtores ainda precisam de políticas públicas auxiliares e da boa vontade das prefeituras para tirar proveito da oportunidade, diz tese de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp por Armando Fornazier. “O programa está funcionando bem nas cidades pequenas”, disse o pesquisador ao Jornal da Unicamp. Sua tese avaliou os efeitos da lei sobre a agricultura familiar de 20 municípios, sendo dez do Estado de São Paulo e dez, do Espírito Santo, todos eles inseridos no programa federal Territórios da Cidadania, que busca levar desenvolvimento econômico a regiões pobres do Brasil. Fornazier explica ainda que, embora os recursos gerados pela alimentação escolar nesses mercados sejam poucos – “há cidades em que esse gasto público de 30% da verba não gera mais que R$ 20 mil no ano para o produtor”, disse ele –, a organização dos agricultores em associações e cooperativas, para o atendimento da exigência legal, acaba permitindo que disputem acesso a outros mercados, mais rentáveis. “Mesmo que o mercado institucional seja pequeno, é preciso levar em consideração que ele pode ser um mercado inicial, que gera uma oportunidade de diversificação”, disse o pesquisador. “Você não vai trabalhar a vida inteira para a merenda escolar, mas esse pode ser um dos mercados atendidos”. Em sua tese, Fornazier cita dados que mostram que algumas cooperativas de agricultores familiares de cidades do Território da Cidadania do Sudoeste Paulista já conseguiram firmar contratos com a prefeitura de Campinas (SP) num montante de recursos que “representa praticamente a demanda de todas as prefeituras do Território”. Para ilustrar, a Cooperativa Agropecuária Familiar de Nova Campina (Coagrocamp), do município paulista de Nova Campina (SP), conseguiu um contrato de mais de R$ 1 milhão para abastecer o sistema de alimentação escolar de Campinas.

CIDADES

Tese analisa programa que prevê inserção de produtores rurais no mercado da merenda escolar ter de fazer ponto a ponto, entregar em cada escola. Esse é o grande entrave de entrar nas grandes cidades”. Além disso, há a questão do processamento dos produtos: “A prefeitura de São Paulo não vai comprar abóbora in natura, não tem funcionários para descascar, picar a abóbora. Já tem de vir tudo picado, num saquinho”. Embora algumas cooperativas tenham desenvolvido os meios para realizar algumas etapas de processamento, agregando valor aos produtos e atendendo a mercados mais exigentes, a dificuldade ainda é real. E existe também a questão da certificação sanitária, outro entrave. “Você só pode comprar um produto se tiver um processo em que alguém diz que aquilo não vai fazer mal para as pessoas, seja uma inspeção federal, como o SIF, ou uma inspeção estadual, ou uma inspeção municipal, se a venda é só dentro do município. Muitas dessas associações, cooperativas, não têm acesso a isso”, disse ele. “A maioria vem conseguindo comercializar frutas e legumes, isto é, coisas que não precisam de inspeção: uma banana não precisa ser inspecionada, mas um doce de banana, sim. Então, o agricultor familiar muitas vezes não consegue agregar valor ao produto”. “Não se pode querer que o produtor familiar faça o que uma empresa de alimentação escolar faz: entregar ponto a ponto, dentro de um padrão estrito de qualidade, com prazo apertado. Isso é uma dificuldade nessas cidades maiores”, explicou. As prefeituras de grandes cidades que decidirem apoiar a agricultura familiar local, ou de regiões próximas, precisam fazer concessões e adaptações. “Quanto à logística, a maioria dos gêneros é composta por alimentos frescos, entregues na segunda ou terça-feira para ser consumidos durante a semana. Ima-

gine fazer isso em mais de uma centena de escolas. O pequeno agricultor não tem condições de manter veículos e pessoal para isso. Então, ou precisa terceirizar uma etapa, ou a prefeitura se adaptar: talvez fazer um escalonamento de acordo com o cardápio, aumentando número de dias de entrega. Porque se as prefeituras continuarem a exigir os padrões das atuais empresas terceirizadas, não vai dar certo”. Em alguns locais, dificuldades assim vêm sendo contornadas, disse Fornazier, com o apoio das prefeituras e com iniciativas das próprias cooperativas, que buscam auxílio em órgãos como o BNDES e o Sebrae. “Muitas prefeituras podem pensar simplesmente em cumprir a lei, ou seja, eu vou comprar da agricultura familiar, mas já procuro agricultores mais organizados, mesmo que sejam de outro Estado”, exemplificou. “Mas há prefeituras que ajudam a organizar os agricultores locais, que cedem funcionário para elaborar o projeto de associação, para ajudar na gestão”, disse.

DIÁLOGO A maioria dos casos de sucesso nas 20 cidades estudadas, segundo o pesquisador, contou com envolvimento direto e apoio do poder público local, além de diálogo constante entre a prefeitura e os agricultores. “Os municípios de sucesso, mesmo, são aqueles em que a prefeitura viu que aquilo era importante e deu incentivo, incentivo técnico, ajuda para montar a infraestrutura. Nas duas cooperativas de Itararé, a prefeitura cedeu espaço, cedeu funcionário. Em Taquarivaí (SP), tem um técnico da prefeitura que ajuda mais na parte contábil”, descreveu o pesquisador. “Esse município de Taquarivaí é incrível: o Brasil tem 15% da população rural, mas em Taquarivaí, 45% da população é rural. A prefeitura viu que tinha de ter alguma coisa para esses agricultores terem renda. A prefeitura encampou, e agora está conseguindo atender lugares como Campinas. Então, acho que meio que é um modelo de sucesso é a prefeitura ver o valor disso”. “O principal fator de sucesso é a articulação entre produção e consumo, dos agricultores conversarem bem com

a nutricionista encarregada da alimentação escolar, a secretaria de Educação dos municípios procurar a secretaria de Agricultura: porque dentro da prefeitura, às vezes, não se conversam”, disse ele. “Tem municípios que às vezes falam, essa é uma lei para a Educação. Então, para muitas prefeituras isso não importa se está inserindo o agricultor local, o que importa é cumprir a letra da lei: então é mais fácil comprar tudo de outra região, que às vezes é muito mais fácil do que induzir a economia local”. “Os municípios onde houve menos conflitos foram onde a nutricionista responsável pela alimentação escolar perguntou aos produtores: o que vocês têm a oferecer? Em que época do ano?”, exemplificou. “Quando se fala em aproximação entre produção e consumo, há essa aproximação também de conversa, de acordos”.

POLÍTICAS

PÚBLICAS

O futuro das associações e cooperativas criadas para atender à lei da alimentação escolar dependerá da capacidade dessas organizações de ir além da demanda original dos municípios onde surgiram, acredita Fornazier. Mas, para isso, vão precisar do apoio de novas políticas públicas. “São necessárias políticas complementares de auxilio à inspeção, de assistência técnica e de extensão rural”, disse ele. “A inserção de novos agricultores depende das políticas complementares. Que são assistência técnica e extensão rural. O governo federal parece que já percebeu isso, porque no ano passado foi criada uma Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que é uma coisa com que o governo Collor tinha acabado”. A lei que estabelece a agência, Anater, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2013. “Quando se criam políticas públicas, criam-se outros problemas. É preciso fazer políticas auxiliares”, ponderou o autor. “Nesse caso da merenda escolar é um pouco isso: consegue-se inserir determinados grupos, só que para ser efetivo, você precisa de uma série de outras políticas. A lógica da política pública é essa, complementaridade. Não é achar que uma lei ou decreto vai resolver o problema sozinho. Para avançar é preciso políticas complementares, maior dialogo entre as partes. E apoio local”. Foto: Antoninho Perri

GRANDES

A inserção da agricultura familiar na alimentação escolar das grandes cidades ainda é um desafio, tanto para as metrópoles quanto para os produtores, disse o pesquisador. “Das 20 cidades estudadas, todas estão comprando produto local. O objetivo inicial da política foi atingido”, disse ele. “Mas há cidades grandes que quase não têm agricultura familiar”, lembrou. Para cumprir a lei, esses municípios são obrigados a buscar cooperativas e organizações localizadas fora de seus territórios – às vezes até, em outros Estados. Para abastecer essas grandes cidades, no entanto, as organizações de agricultores familiares enfrentam problemas de logística e de manuseio dos produtos. “A prefeitura de São Paulo, por exemplo, divide a cidade em 12 áreas, como se fossem regionais de educação, mas cada regional conta com 170 escolas. Se o pequeno agricultor quiser comercializar, vai

Publicação Tese: “Inserção de produtores rurais familiares de regiões com baixa dinâmica econômica para o mercado da alimentação escolar” Autor: Armando Fornazier Orientador: Walter Belik Unidade: Instituto de Economia (IE) Armando Fornazier, autor do estudo: “Não se pode querer que o produtor familiar faça o que uma empresa de alimentação escolar faz”


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Subprodutos da uva são antioxidantes, aponta tese Desprezados na vinificação, resíduos podem ser usados pela indústria como fonte de antocianinas Foto: Antonio Scarpinetti

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

s resíduos de uvas tintas, que em geral são desprezados após a vinificação, podem ser utilizados amplamente pela indústria de alimentos como fonte de antocianinas (pigmentos que dão a coloração vermelha ou roxa da uva) em diversos produtos. Foi o que sinalizou pesquisa de doutorado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), que comprovou nos resíduos esses compostos possuidores de características funcionais à saúde humana, pela sua extraordinária capacidade antioxidante. Eles apresentaram quantidades de antocianinas iguais ou até mais altas nas amostras de cultivares tintas do que em frutas vermelhas como a amora e o mirtilo, segundo a autora do estudo, Milene Teixeira Barcia. Já os resíduos de uvas brancas, apesar de não conterem antocianinas, apresentaram outros compostos fenólicos, responsáveis pela propriedade antioxidante dos alimentos e que atuam na prevenção contra problemas cardiovasculares e no envelhecimento. Esse achado significativo, sobretudo nas amostras de subprodutos de uvas tintas, por si já traria ganhos ao ser adicionado a alimentos como cereal matinal, biscoitos, geleias (para dar coloração) ou mesmo para isolamento de alguns compostos específicos que podem apresentar efeitos farmacológicos. A sugestão de Milene é que esse resíduo também seja agregado a iogurtes (à base de frutas vermelhas), sorvetes, sopas desidratadas (inclusive para dar cor), biscoitos, pães e a uma infinidade de produtos. A própria doutoranda iniciou a pesquisa de um cereal matinal com esse subproduto da indústria vinícola. A ideia, nesta etapa, é realizar testes de aceitação. “Este é um pequeno passo, mas pretendemos que, ao divulgar isso, talvez consigamos outros pesquisadores interessados em aproveitar o resíduo para novas aplicações”, acentua Helena Teixeira Godoy, orientadora da pesquisa. “Um passo foi obter esses resíduos da vinícola, que ainda têm uma alta quantidade de água (no caso das cascas, sementes e borra) imediatamente após a vinificação”, relata Milene. Depois foi comprovar sua capacidade antioxidante e, após, a separação dos compostos de interesse. Helena Godoy acentua que essa pesquisa certamente tem importante valor social porque valoriza a atuação do homem do campo. “O produto com o qual ele está trabalhando é aproveitado 100% e pode ser integrado inclusive à merenda escolar.”

Uma das etapas do processo de vinificação: destino das sobras da uva, entre as quais o bagaço, sempre foi problema para o setor industrial

EXCEDENTE Milene percebeu que a sobra da fruta era um problema para o setor industrial, particularmente o que fazer para dar destino ao volume de bagaço gerado (soma das cascas e sementes das uvas extraídas durante o processamento do vinho). Até pouco tempo, os produtores tentavam empregar esses resíduos como fertilizantes, embora não apresentassem uma composição ideal para este uso. Alguns deles utilizavam até como volumoso em ração. Ocorre que os resíduos de etanol, durante a produção, ainda estavam presentes, e os animais ficavam afetados pelo consumo. Já a produção de grapa, bebida alcoólica fabricada a partir do bagaço de uva, é modesta. Começou com vistas a combater o desperdício, obtendo as sobras das vinícolas. A casca é usada para ser fermentada e destilada. “Como temos a pinga como parte do destilado da cana, é possível fazer a grapa do destilado a partir da casca da uva, que tem características da pinga para o consumo humano”, comenta a orientadora. No Rio Grande do Sul, onde há um maior volume de cascas e uma cultura de indústrias de vinho, se produz muita grapa. No Estado de São Paulo, o que mais se faz é a cachaça a partir da cana-de-açúcar, pois as pessoas não estão habituadas a ingerir grapa. Foto: Antoninho Perri

Com os dados obtidos por Milene, notouse que esse resíduo poderia sim ter substâncias valiosas à saúde, como as antocianinas, largamente distribuídas na casca das frutas vermelhas. Vários estudos apontavam esse potencial. A intenção da estudiosa foi então transformar a sobra em um subproduto de alto valor agregado e com importância social, porque estaria sendo reaproveitada uma substância desprezada para tentar recuperar as antocianinas. Para os testes, Milene escolheu algumas variedades de uvas de mesa e de uvas finas, avaliando o resíduo após a fabricação do vinho. Ela estudou, além das antocianinas, outros grupos de fenólicos que também têm propriedades farmacológicas, como o resveratrol, um polifenol que está presente nas sementes, na casca das uvas tintas e no vinho tinto, e que é citado na literatura para problemas cardíacos. Já se comentava que esse era um composto com propriedades funcionais, por sua atuação frente aos radicais livres formados no organismo ou até nos alimentos. “Na verdade, todos os compostos fenólicos possuem como peculiaridade o fato de serem substâncias antioxidantes, e estão na moda há cerca de 20 anos. Por isso muitos pesquisadores estão esmiuçando-os”, garante a docente.

TÉCNICAS O primeiro tratamento, informa Milene, incluiu secar as amostras para tê-las mais estáveis durante o armazenamento por um período mais longo, a fim de serem aplicadas a algum alimento. Foram desenvolvidos três tipos de secagem para analisar seu desempenho. Uma técnica muito interessante, contudo onerosa, foi a de liofilização (em que são desidratados os alimentos e submetidos a baixas temperaturas sem perder as propriedades do produto original, como os valores nutricionais). Outra técnica foi a da secagem tradicional, cuja temperatura é de 50º C, e outra ainda a atomização, que promove a secagem apenas

Publicação

A orientadora, professora Helena Teixeira Godoy (à esq.), e a autora do estudo, Milene Teixeira Barcia: transformando a sobra em produto de alto valor agregado

Tese: “Estudo dos compostos fenólicos e capacidade antioxidante de subprodutos do processo de vinificação” Autora: Milene Teixeira Barcia Orientadora: Helena Teixeira Godoy Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

do resíduo líquido, no caso da borra. As cascas não passam por este método. Nessa última técnica, o produto ficou com quantidades similares ao liofilizado, com a vantagem de ser um processo mais barato e viável, com a vantagem de manter os compostos estáveis e de evitar perdas. Esta técnica envolve o mesmo processamento pelo qual passa o leite em pó. “Então descobrimos o melhor tipo de secagem para preservar os compostos fenólicos da borra – a técnica de atomização”, revela a pesquisadora. A expectativa é que as pessoas conheçam melhor o potencial desses resíduos para que possam ser processados ou ser adotados como fonte de compostos específicos, como o resveratrol e as antocianinas. Helena Godoy ressalta que as frutas vermelhas estão sendo introduzidas na dieta do brasileiro, que antes não estava acostumado a ver no mercado framboesa, groselha e mirtilo. “Hoje elas têm um consumidor fiel, que reconhece suas funcionalidades.” Milene desenvolveu um produto à base de um resíduo que seria jogado fora. Parte do que está na uva vai para o vinho e parte vai para esse resíduo, que é o produto de interesse. “Muitos alimentos poderão ser produzidos porque a casca e a borra foram transformadas num produto em pó”, esclarece a doutoranda, que ainda realizou doutorado-sanduíche na Universidad Castilla-La Mancha, na Espanha, sob coorientação do professor Isidro Hermosín Gutiérrez. A orientadora da pesquisa realça que esse estudo não termina com esses achados. “Os resultados, associados às técnicas de última geração, mostram que há muito a aprender, muito a estudar e muito a descobrir.”

UVAS FINAS

A produção de uva no Estado de São Paulo está em torno de 177 mil toneladas por ano, sendo que, dessa quantidade, 50% vai para processamento da uva (60% para processamento de vinho e 50% de suco). O volume de resíduos gerados está, atualmente, em cerca de toneladas. A produção de vinho vem aumentando e, em consequência, o volume de dados disponíveis no Brasil sobre o uso desses resíduos agora está se tornando mais significativo. A novidade é que o Estado de São Paulo começa a plantar uvas finas, a despeito de sua tradição das uvas de mesa. Também prossegue a política de estímulo ao consumo e à produção do vinho para ganhar mercado interno e externo. São Paulo desponta como o segundo Estado no Brasil produtor de vinhos, vindo atrás do Rio Grande do Sul. Santa Catarina aparece em terceiro lugar.


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A serviço da amizade Foto: Antonio Scarpinetti

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

s novas tecnologias, como o telefone celular e a internet, contribuem para a manutenção das amizades duradouras, pois facilitam o contato entre as pessoas numa sociedade em que o tempo tem se tornado cada vez mais escasso. Este é, em síntese, o entendimento de um grupo de jovens adultos moradores da cidade de São Paulo entrevistado para a tese de doutorado da socióloga Bárbara Garcia Ribeiro da Silva, defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação da professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvea. “Essas mesmas pessoas afirmaram, porém, que a amizade duradoura não pode prescindir de encontros face a face”, revela a autora do trabalho. Em sua pesquisa, inserida na área da Sociologia da Amizade, Bárbara trabalhou com o conceito de “função social” da amizade, tema que mereceu reflexão tanto por parte de pensadores clássicos quanto contemporâneos. A socióloga explica que a amizade normalmente cumpre o papel de manter a estrutura de um determinado grupo social. Quando isso não ocorre, surge o que os especialistas classificam como uma “disfunção”. Para compreender melhor esse tipo de relacionamento, a pesquisadora entrevistou 37 moradores da cidade de São Paulo, com idades 24 e 40 anos, pertencentes às camadas médias da população – todos eram graduados ou com curso superior em andamento. A autora da tese quis saber dos entrevistados, entre outras questões, como eles enxergavam a função da amizade no mundo atual, marcado pela presença de diferentes tecnologias. Aqui, a socióloga faz uma observação importante. Segundo ela, esse tipo de abordagem fornece ao pesquisador a oportunidade de analisar tanto a função manifesta, aquela mencionada pelos indivíduos consultados, quanto a função latente, a que não aparece diretamente nas falas, mas que está presente nas entrelinhas do discurso. “Estudei essas duas dimensões, pois precisava de uma análise funcionalista completa. Por meio delas, o sociólogo consegue chegar a uma espécie de engenharia social”, detalha. Tais funções, prossegue Bárbara, têm sofrido mudanças ao longo do tempo. Na Roma antiga, por exemplo, a função social da amizade estava associada ao afeto. Na época do Romantismo, à afinidade. Nas entrevistas que realizou, a socióloga identificou que a função manifesta mais mencionada nas respostas dos participantes em relação à amizade duradoura foi a troca do afeto, seguida do autoconhecimento. Já a função latente, segundo a socióloga, corresponde a “uma disponibilidade incondicional no tempo”. “Elas disseram que, quando precisam de ajuda, sabem que podem contar com o amigo, mesmo que seja durante a madrugada”, relata. Dentro desse contexto, prossegue a autora da tese, os entrevistados apontaram as novas tecnologias como ferramentas úteis à manutenção dessa amizade perene. Segundo eles, numa cidade como São Paulo, em que os deslocamentos são dificultados pelo trânsito caótico, é relativamente comum a postergação de encontros com amigos. Desse modo, o uso do celular e da internet é considerado importante, pois contribui para que o contato tenha continuidade, ainda que à distância. Por meio

Publicação Tese: “A função social da amizade duradoura na sociedade contemporânea: estudo com jovens adultos moradores da metrópole paulistana” Autora: Bárbara Garcia Ribeiro da Silva Orientadora: Gilda Figueiredo Portugal Gouvea Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Para participantes da pesquisa, o celular e a internet ajudam a manter a informação sobre o amigo atualizada

Jovens adultos consideram que celular e internet contribuem para a manutenção de relação duradoura como buscá-la após a balada. Ao tomarem conhecimento do episódio, os amigos resolveram, em ato de solidariedade, voltar a pé com ela para casa.

METODOLOGIA

dessas tecnologias, consideraram os consultados, um amigo consegue se manter atualizado em relação ao que se passa com o outro, tem a oportunidade de trocar fotografias e agendar encontros presenciais. O contato face a face, assinala Bárbara, foi apontado pelos entrevistados como condição indispensável à preservação da amizade duradoura. “Embora considerem o uso da tecnologia válido, eles entendem que nada pode substituir o encontro presencial”, revela. Vários participantes admitiram, porém, que os encontros olho no olho têm ficado mais espaçados, justamente por causa da correria do cotidiano. “Algumas pessoas disseram que veem o

amigo somente uma vez ao ano, mas que sabem que a relação segue sólida e que um sempre poderá contar com o outro, a despeito das circunstâncias”, acrescenta a socióloga. Além disso, muitos participantes da pesquisa afirmaram que a amizade começa com a afinidade e que depois evolui para o afeto. Afinidade, nesse caso, não tem relação com os interesses em comum, mas sim com experiências compartilhadas, como pontua Bárbara. Um exemplo disso, de acordo com a pesquisadora, apareceu na fala de uma das entrevistadas. Ela contou que o pai teve o carro roubado e por isso não tinha mais

Um dado importante sobre a pesquisa de campo feita para a tese de doutorado, segundo Bárbara, é que ela foi executada em duas etapas. A primeira foi realizada no segundo semestre de 2010 e a segunda entre dezembro de 2012 e agosto de 2013. Conforme a socióloga, uma apresenta diferença em relação à outra, em virtude do surgimento no mercado de novas tecnologias. “Na primeira fase, por exemplo, o telefone celular era mais usado para a comunicação oral e para enviar mensagens de texto, popularmente chamados de torpedos. Na segunda, para acessar a internet, entrar nas redes sociais, enviar mensagens de texto e estabelecer contatos via whatsapp. Também foi possível notar que, na segunda fase da pesquisa, o e-mail passou a ser usado mais para as atividades profissionais”, diz. Ainda em relação à metodologia empregada, a autora da tese informa que utilizou uma técnica de investigação na qual o uso do tempo é fundamental. Bárbara aplicou um questionário que permite uma sondagem mais ampla e aprofundada acerca dos hábitos dos entrevistados. Assim, em vez de entrar diretamente no tema de seu interesse, que era a função social da amizade, ela abordava inicialmente outros aspectos, como o meio de transporte utilizado pela pessoa para se dirigir ao trabalho, o momento em que ela liga o celular ou que programas costuma fazer aos finais de semana. Com esse procedimento, a socióloga conseguiu obter algumas evidências relevantes, tais como “quem são os amigos do entrevistado” e “como o entrevistado costuma utilizar o celular e a internet”. “Esse tipo de instrumento é muito interessante porque permite chegar a itens do estudo por meio de depoimentos mais espontâneos. Para mim, foi um trabalho muito interessante de ser feito. Aprendi muito sobre a amizade. Espero que minha pesquisa sirva de ponto de reflexão para as pessoas sobre esse tipo de relacionamento”, declara a autora da tese. Foto: Divulgação

Bárbara Garcia Ribeiro da Silva, autora da tese: “Embora considerem o uso da tecnologia válido, os entrevistados entendem que nada pode substituir o encontro presencial”


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Campinas, 12 a 18 de maio de 2014 SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

em os movimentos de braços e pernas, o paciente vitimado por um AVC (Acidente Vascular Cerebral), comanda, por meio dos impulsos cerebrais, a sua própria cadeira de rodas, com um simples olhar na direção em que deseja chegar. Em outra situação, uma pessoa consegue se comunicar pelo celular, inclusive acessando a internet, em qualquer parte do planeta, mesmo nos lugares mais remotos onde os sinais sejam muito fracos. Em outro cenário, imagens nítidas e detalhadas informam aos profissionais da área da geologia a possível existência de estruturas favoráveis à presença de gás e petróleo. “O potencial de aplicação da técnica de processamento de sinais é enorme”, garante o docente da Unicamp João Marcos Travassos Romano ao citar exemplos dos principais projetos desenvolvidos no laboratório coordenado por ele. O professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), em conjunto com uma equipe de graduandos, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos - incluindo os docentes da mesma unidade Renato da Rocha Lopes e Romis Ribeiro de Faissol Attux - coopera com diversos grupos de pesquisadores da Universidade e de outras instituições. O objetivo é formular técnicas de processamento de sinais para o desenvolvimento de projetos de impacto para a sociedade. “Aqui no DSPCom [Laboratório de Processamento de Sinais para Comunicações] atuamos nas áreas de sistemas adaptativos e não supervisionados, de ‘aprendizado da máquina’ e de teoria de comunicações. As principais aplicações do processamento de sinais se voltam aos sistemas modernos de telecomunicações, ao processamento sísmico para exploração de gás e óleo e ao tratamento de sinais de áudio, imagens e de natureza biológica, como no caso da comunicação homemmáquina”, especifica Romano. O docente explica que o processamento de sinais ou signal processing, do termo em inglês, se apoia em diferentes áreas fundamentais da ciência, como a física, a matemática, e a computação. A técnica se estende a aplicações tão diversas como medicina e geologia, acrescenta. Romano esclarece que os sinais são basicamente funções matemáticas que, no dia a dia da população, podem representar as mais variadas quantidades, indicando, por exemplo, áudio, imagem, distância, temperatura, pressão, etc. O signal processing busca extrair informações destes sinais – por meio de cálculos matemáticos e físicos – para torná-los mais adequados para aplicações variadas. “É uma área fundamental para formação de engenheiros eletricistas. Ela usa ferramentas da matemática clássica e aplicada; da engenharia; da física e da computação. É também multidisciplinar nas suas aplicações. Os exemplos estão em nosso laboratório: colaboramos com grupos da Unicamp e de outras universidades, incluindo parcerias com instituições da indústria, entre as quais a Petrobras, a Fundação CPqD, a Ericsson e a Transtel”, exemplifica.

CONTROLE ARTIFICIAL O pesquisador Thiago Bulhões da Silva Costa - orientado em seu mestrado em andamento pelo docente Romis Attux - vem investigando e fazendo experimentações no sentido de extrair informações dos sinais cerebrais para auxiliar no desenvolvimento de tecnologias para a locomoção de pacientes com perda de movimentos. “Tentamos identificar padrões cerebrais, via processamento de sinais, para que o indivíduo possa, por exemplo, dar o comando numa cadeira de rodas, só imaginando o movimento”, detalha o estudioso. O seu mestrado integra amplo projeto interdisciplinar denominado Destine (Desenvolvimento de Tecnologias da Informação para Neurologia). A iniciativa, coordenada pelo docente José Raimundo de Oliveira, da FEEC, envolve uma série de docentes e pesquisadores da Unicamp e de outras instituições. Romis Attux esclarece que o Destine se estende também à área de robótica, com o desenvolvimento de sensores ‘inteligentes’ para auxiliar as pessoas nas mais diversas tarefas cotidianas. “Transformamos um sinal cerebral bruto em sinal de controle, realizando uma série de processamentos. Este sinal de controle, por sua vez, será a entrada para um sistema robótico. A ideia é termos uma interface cérebro-computador [BCI da sigla em inglês para Brain Computer Interface] funcionando em tempo de aquisição”, conta Attux.

Um laboratório voltado para a sociedade Pesquisadores da FEEC formulam técnicas para o processamento de sinais visando projetos de impacto

Fotos: Antonio Scarpinetti

O mestrando Thiago Bulhões da Silva Costa: desenvolvimento de tecnologias para a locomoção de pacientes com perda de movimentos

Além dos pesquisadores do DSPCom, o projeto Destine envolve a participação de Eleri Cardozo, Fernando José Von Zuben e Ricardo Ribeiro Gudwin, (todos da FEEC); Leonardo Tomazeli Duarte (Faculdade de Ciências Aplicadas de Limeira); Roberto José Maria Covolan e Gabriela Castellano (Instituto de Física ‘Gleb Wataghin’); Li Li Min e Cynthia Resende Campos Herrera (Faculdade de Ciências Médicas); Paula Teixeira Fernandes Boaventura (Faculdade de Educação Física); Ricardo Suyama (Universidade Federal do ABC) e Eliane Gomes Guimarães (Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer). O projeto recebe recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência brasileira de fomento vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

até se aproximar dos limites teóricos para a velocidade de transmissão, por exemplo. No geral, os sistemas de comunicação, da forma como operam atualmente, estão a uma distância relativamente grande de chegar neste limite por questões de complexidades e uma série de problemas técnicos. Nosso objetivo é propor técnicas que contornem essas barreiras”, indica o orientador.

LIVROS

Três obras relevantes no âmbito do processamento de sinais já foram geradas pelas pesquisas desenvolvidas no Laboratório, salienta Romano. A mais recente, publicada ano passado, é Chaotic Signals in Digital Communications (Sinais caóticos em comunicações digitais, na tradução para o porJoão Marcos Travassos Romano, coordenador do DSPCom: tuguês), organizado pelo professor “O potencial de aplicação da técnica de processamento de sinais é enorme” Romis Attux em parceria com Marcio A MELHOR IMAGEM Eisencraft, da Escola Politécnica da “Por meio de algoritmos de processaMunindo-se de técnicas de processaUniversidade de São Paulo (USP); e Ricardo mento de sinais, buscamos gerar imagens mento de sinais, pesquisadores do DSPCom Suyama, do Centro de Engenharia, Modelatrabalham no sentido de fornecer imagens, gem e Ciências Sociais Aplicadas da Univerde dados sísmicos com a maior resolução mais ricas em detalhes e sem ‘ruídos’, aos sidade Federal do ABC. possível. Estas imagens vão subsidiar técnitécnicos da Petrobras. Tais imagens podem cos da área de petróleo na tarefa de identifiA obra mais emblemática das atividaindicar estruturas geológicas com condições car reservatórios”, complementa o professor des do grupo é Unsupervised Signal Processing: de acumular petróleo e gás. O objetivo é Renato Lopes. Channel Equalization and Source Separation orientar a petrolífera brasileira na perfura(Processamento de sinal não supervisionado: ção de determinada área, atividade custosa equalização de canais e separação de fonte), O MELHOR SINAL e complexa. de 2011. O livro tem autoria de João MarOrientado pelo docente Renato Lopes, o cos Romano, Romis Attux, Ricardo Suyana “A parceria começou em 2011, quando pesquisador Marco Aurélio Cazarotto Gomes e Charles Casimiro Cavalcante, da Universio Cepetro [Centro de Estudos de Petróleo vem estudando, em seu doutorado, métodos dade Federal do Ceará (UFC), estes últimos da Unicamp] organizou um workshop com para promover uma espécie de ‘cancelamenex-pesquisadores do DSPCom. a presença de profissionais da Petrobras. to de interferências’ nos sistemas de comuniTrabalham na nossa equipe do projeto dois O outro título é Independent Component cação. O foco é tornar os sistemas de comuprofessores da elétrica, o Renato Lopes e Analysis and Signal Separation (Análise indenicação apropriados para transmitir dados a eu; um professor da FCA, o Leonardo Dupendente de componentes e separação de velocidades próximas a sua capacidade plena. arte; três pós-docs; e cinco doutorandos, sinais), publicado em 2009. A obra conta “Isso pode ser usado em qualquer sisteum deles da França, da École de Mines de com a organização de João Marcos Romano; ma capaz de transmitir informações digitais Paris. É um convênio amplo, coordenado na Tulay Adali, da University of Maryland BalUnicamp pelo professor Martin Tygel, do de um ponto A para um ponto B. A intentimore County; Christian Jutten, da UniverImecc [Instituto de Matemática, Estatístição é saber o quanto se pode melhorar na sité Joseph Fourier; e Allan Kardec Duailibe ca e Computação Científica]”, informa João taxa de transmissão de sinais. Os sistemas Barros, da Universidade Federal do MaraMarcos Romano. nhão (UFMA). de celulares ainda têm muito o que ganhar


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Sistema economiza energia em processos

De acordo com dados, a maior parte da colheita brasileira é utilizada para a produção do suco

do suco de laranja CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

Brasil é o maior produtor de laranja do mundo, superando em mais de 50% o segundo colocado, os EUA. O fruto está entre os dez produtos agropecuários mais produzidos no país. Cerca de 80% da colheita brasileira é utilizada para a produção do suco concentrado que, em sua quase totalidade, destina-se à exportação para Europa e Japão, envolvendo um custo operacional que se situa entre 15% a 20% de seu preço. Diante da cada vez mais acirrada concorrência internacional e da importância do produto para a economia do país, é fundamental o controle eficiente da logística e do transporte do suco de laranja concentrado e congelado destinado ao Exterior de forma a simplificar processos e minimizar custos. O produto é em geral transportado a granel, em caminhões frigoríficos, da agroindústria de processamento até as câmaras frias dos portos e o carregamento dos navios é feito através de dutos, invertendo-se o processo nos portos de destino. Os maiores processadores nacionais mantêm seus próprios terminais no Brasil e nos principais países importadores, utilizando frotas de caminhões e navios especialmente desenvolvidos para o transporte do suco concentrado e congelado e de outros produtos cítricos a granel, de forma a garantir a manutenção da qualidade do produto até seu destino. Como o suco de laranja concentrado e congelado (Frozen Concentrated Orange Juice – FCOJ) se mantém como fluido até 18 graus Celsius negativos, ele é bombeado para os navios em torno de dez graus negativos, condições térmicas que garantem a sua estabilidade. Os sucos de frutas são constituídos de duas frações: o soro, que contem água e compostos solúveis como açúcares, sais e ácidos; e a polpa, composta de materiais insolúveis como fibras, células, fragmentos delas e biopolímeros. A alta consistência apresentada pelo FCOJ, em vista da preponderância da polpa, exige um bombeamento a grandes pressões, que possibilitam seu transporte pelos dutos, o que demanda consumo de muita energia. Os grandes volumes transportados e a elevada consistência do concentrado torna necessário o conhecimento das propriedades reológicas do produto para melhor dimensionamento de equipamentos e processos. No caso dos líquidos, a reologia estuda os fatores que influem no seu escoamento, que pode ocorrer de maneiras diferentes em relação ao fluxo e ao tempo. Os estudos existentes referentes à redução da consistência, com vistas à facilitação do transporte e possibilidade do emprego

de menor pressão e consequente redução no consumo de energia, envolvem métodos químicos, como os que utilizam enzimas. Buscando uma alternativa que não se valha de reagentes químicos e tampouco de processos térmicos, que poderiam contribuir para alteração do produto, o engenheiro de alimentos Thiago Soares Leite, orientado pelo professor Marcelo Cristianini, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, pesquisou a possibilidade de utilizar a Homogeneização da Alta Pressão (HAP) para conseguir redução da consistência do produto. As pesquisas foram realizadas no Laboratório de Tecnologias Emergentes da Unidade.

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TECNOLOGIA

A HAP é uma tecnologia de processamento não térmica em que o produto é pressurizado e forçado a passar por um pequeno orifício, que acarreta em aumento drástico de sua velocidade e grande atrito, de forma que transposto o obstáculo, o fluido encontra um ambiente de atmosfera ambiente, o que o leva a uma expansão repentina, resultando daí partículas sólidas menores face ao rompimento de células e alterações em cadeias de biopolímeros. Este processo causa alteração nas estruturas celulares e de biopolímeros, impactando o tamanho das partículas e a maneira como interagem, modificando assim as características reológicas do produto. Resulta daí um líquido perceptivelmente menos viscoso, com escoamento mais fácil e que exige menor energia em diversas operações industriais, inclusive no transporte em tubulações. Ao utilizar essa tecnologia no FCOJ, o pesquisador visou a diminuição de sua consistência e alteração de demais propriedades reológicas com vistas à economia de energia em diversas operações unitárias como bombeamento, congelamento e estocagem. Segundo ele, mesmo pequenas reduções na consistência possibilitam grande economia de energia devido aos grandes volumes de suco processados no Brasil. Ao verificar o efeito da variação da pressão aplicada na redução da viscosida-

de do suco concentrado, ele constatou que na pressão de 150 Mega Pascal, que corresponde a cerca de 15 atmosferas, a viscosidade aparente caiu para cerca da metade do valor original, o tamanho das partículas reduziuse, ocorrendo um aumento na proporção total de partículas pequenas em relação às maiores. A cor do produto concentrado manteve-se a mesma depois da HAP. Por outro lado, na diluição tanto do FCOJ recebido originalmente da empresa processadora quanto do concentrado submetido à HAP, a cor se mostrou semelhante, o que sinaliza positivamente na produção do suco comercializado em supermercados, pois os consumidores resistiriam ao consumo de produtos que não detivessem as características a que estão acostumados. O autor esclarece que a análise sensorial precisaria, em outra etapa do estudo, ser realizada obedecendo a protocolos técnicos e éticos. Nesses dois casos de diluição também não se observaram diferenças no tempo de sedimentação da polpa, o que não demandaria alteração no hábito do consumidor, já acostumado a agitar as embalagens de sucos comerciais.

O

ESTUDO

Thiago esclarece que, com a redução do tamanho das partículas, procurou entender como essa modificação interferia na viscosidade, diminuindo-a. Isso demandou uma série de análises que permitiram dimensionar o tamanho das partículas em função de modificações na pressão e como essas alterações observadas influíam na viscosidade do fluido, de forma a explicar o porquê do fenômeno. Ou seja, ele procurou identificar e dimensionar que mudanças ocorriam no suco submetido à HAP e contribuíam para a alteração de viscosidade. Através da microscopia foi possível enxergar as partículas menores e as cadeias de biopolímeros.

Publicação Dissertação: “Processamento de suco de laranja concentrado e congelado por tecnologia de homogeneização a alta pressão” Autor: Thiago Soares Leite Orientador: Marcelo Cristianini Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Thiago Soares Leite, autor da dissertação de mestrado: utilização da HAP possui grande potencial

Fotos: Antonio Scarpinetti

Engenheiro de alimentos aposta em alternativa que dispensa reagentes químicos e processos térmicos

A adoção de um processo não térmico justifica-se porque a temperatura pode degradar os alimentos e alterar o sabor: “O suco concentrado já apresenta um gosto cozido resultante do processo de pasteurização e concentração e não pretendíamos acentuá-lo”, explica. Descrito aqui de forma simples, o estudo envolve uma série de complexidades técnicas mostradas em quatro capítulos da dissertação, escritos em inglês e estruturados de forma que possibilitasse suas submissões a periódicos internacionais, o que efetivamente está sendo feito.

CONCLUSÕES Em linhas gerais, o pesquisador conclui que a utilização da HAP possui grande potencial em sua aplicação no FCOJ, pois levou a significativa redução de sua consistência que, nas condições estudadas, foi reduzida à metade. Esta redução pode ser atribuída principalmente à diminuição do tamanho das partículas e à mudança na distribuição do seu tamanho, do que resultou menor resistência ao escoamento e aumento do efeito lubrificante das partículas menores em relação às maiores. Os resultados apresentados na dissertação sugerem a importância da realização de estudos futuros como o relativo à verificação da concentração do produto durante a homogeneização e, mais importante, do teor de polpa durante esse processo. O autor chama a atenção para a necessidade de verificação de outros parâmetros, além da cor e opalescência, como a análise sensorial para verificar a aceitação do produto pelo consumidor. Outra questão importante é o cálculo, através de simulações computacionais, da real economia que a redução de consistência confere ao processo e que, além de tudo, possibilitará o balanço do seu saldo energético. Na medida do possível, ele procurará responder pelo menos parte destas questões durante o doutorado. As expectativas de Marcelo são otimistas: “Reduzir pela metade a consistência do suco concentrado nos abriu a expectativa da esperar ganhos no consumo de energia. Mas apenas através de um balanço energético conseguiremos saber se o que se gasta para reduzir a viscosidade compensa a redução da energia gasta no bombeamento. Acreditamos que a resposta será positiva, pois o processo de HAP é fácil e rápido, facilmente adaptável aos equipamentos em operação que envolve substancialmente o bombeamento do porto para o navio e vice-versa além de etapas que afetas às indústrias de processamento”. Ele acredita em ganhos para exportadores e importadores.


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PAINEL DA SEMANA  Semana Nacional de Museus - O Museu Exploratório de Ciências da Unicamp participa, de 12 a 18 de maio, da 12ª Semana Nacional de Museus com a Oficina Desafio, exposições de arte e nanoaventura, observação de astros e visitas às praças “Tempo Espaço” e “Clima Tempo”. Palestras e apresentações musicais constam na programação. A Semana Nacional de Museus é organizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Mais detalhes no link www.snm2014.mc.unicamp.br  Unimídia - De 12 a 15 de maio acontece o Unimídia, evento realizado anualmente por alunos do curso de Comunicação Social com Habilitação em Midialogia do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Nesta edição será abordada a relação entre os indivíduos e as tecnologias midiáticas. O objetivo do evento é elaborar reflexões e discussões sobre os temas relevantes da área, além de mostrar o que é realizado no curso para a comunidade interna e externa. O Unimídia é apoiado pela Pró Reitoria de Graduação (PRG) e pelo Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do IA. Conheça a página do Unimídia no Facebook https://www. facebook.com/unimidiaunicamp. Mais informações pelo e-mail unimidia2014@gmail.com

 Workshop com Renato Hohl Orsi - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) organiza entre 12 e 16 de maio, o workshop teórico-prático “Sub-tipagem molecular e análise de sequências genômicas aplicadas a estudos de micro-organismos patogênicos”. Ele será ministrado por Renato Hohl Orsi, bacharel em Ciências Biológicas pela Unicamp em (2001). O evento ocorre no Salão Nobre da FEA, das 8 às 18 horas. Mais detalhes: 19-3521-2174.  Workshop com Dharam Ahluwalia - O Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) sedia, de 12 a 16 de maio, a segunda edição do International Workshop on Elko and Mass Dimension One Fermions, organizado pelo professor Dharam Ahluwalia, participante do Programa de Professor Visitante do Exterior (PPVE) no Imecc. Dharam está publicando um livro sobre seus trabalhos na área pela Cambridge University Press. Outras informações: 19-3521-5952.  (Des)regular o estudar na Universidade? Elementar, meu caro Watson! - Palestra será proferida pelo professor Pedro Rosário, dia 12 de maio, às 12h15, na sala CB02 do Ciclo Básico. A organização e do Setor de Orientação Educacional do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp. Rosário é um dos autores do programa “Cartas do Gervásio ao seu Umbigo”. Mais informações: 19-3521-6539.  Feira de Economia Solidária - A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), órgão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac), organiza, dia 13 de maio, das 9 às 17 horas, na rua dos Flamboyants (entre o Restaurante Administrativo e o prédio da Engenharia Básica), mais uma edição da Feira de Economia Solidária. O evento é realizado em parceria com a Rede de Economia Solidária de Campinas. A Feira contará com atividades de capoeira, artesanato, produtos orgânicos, curiosidades, etc. Mais informações: 19-3521-2936.  IE recebe Franklin Leon Peres Serrano - O Instituto de Economia (IE) recebe no dia 13 de maio, às 14 horas, no Auditório Jorge Tápia, o professor Franklin Leon Peres Serrano (UFRJ). Em palestra, ele discutirá sobre uma linha de pesquisa sraffiana que vê o crescimento do produto potencial como liderado pelo crescimento dos gastos autônomos que não criam capacidade enquanto o investimento produtivo é induzido e a distribuição de renda é determinada exogenamente. Mais detalhes: 19-3521-5710.  Workshop com editores da Wiley - O Espaço da Escrita, projeto estratégico da Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), promove no dia 14 de maio, das 9 às 13 horas, no auditório 05 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o workshop “Aumentando as chances de publicar seu artigo em revistas internacionais de alto impacto”. Ele será ministrado por Thomas Ward, editor-chefe da Headache: the Journal of Head and Face Pain e por Carolina Novo da Silva, editora-assistente e ex-estudante da Unicamp, ambos da editora Wiley. O seminário será feito em inglês e em português, e é direcionado aos docentes, pesquisadores e alunos de pós-graduação da Unicamp. Mais detalhes podem ser obtidos mediante contato com o telefone 19-3521-6649 ou e-mail workshops.escrita@ reitoria.unicamp.br  Bioetanol de segunda geração? - No dia 15 de maio, às 9 horas, no auditório do Centro de Convenções da Unicamp, acontece uma edição do Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação com o tema “Onde estamos no desenvolvimento do bioetanol de segunda geração?”. O evento está sob a responsabilidade da professora Maria da Graça Stupiello Andrietta. Inscrições, programação e outras informações no site http://www.foruns. unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno65.html  Homenagens - A diretoria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) realiza no dia 16 de maio, às 9h30, na Sala da Congregação, uma homenagem aos professores e funcionários aposentados no período de julho de 2013 a março de 2014. Nesse dia também será feita homenagem póstuma ao professor Luiz Jacintho da Silva, ex-secretário da Saúde de Campinas.  Arte, política e juventude em mesa-redonda - O Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude da Faculdade de Educação (FE) promove a mesa-

DESTAQUE

redonda “Arte, Política e Juventude”, dia 16 de maio, às 19 horas, no Salão nobre da FE. O evento reúne pesquisadores da temática da juventude para debate. Interessados em participar podem se inscrever gratuitamente no link http://www.fe.unicamp.br/semviolar/  Oficina de Física “Cesar Lattes” - Evento ocorre no dia 17 de maio, no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp. Abordará a temática “Engenharia Física no Brasil: desafios e oportunidades”. A oficina contará com palestrantes envolvidos com a área de engenharia física, que atuam tanto na academia como na iniciativa privada. Entre os palestrantes, a oficina contará com a presença do Físico Regis T. Neuenschwander, líder do grupo de projeto do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Ele falará sobre as oportunidades de trabalho para engenheiros físicos no LNLS. Em outra palestra, Pascoal Pagliuso, coordenador do Curso de Engenharia Física, apresentará a estrutura deste novo curso oferecido pela Unicamp. A programação completa está no site http://portal.ifi.unicamp. br/extoficinas

TESES DA SEMANA  Educação - “As noites da ditadura e os dias de utopia... O exílio, a educação e os percursos de Elza Freire nos anos de 1964 a 1979” (doutorado). Candidata: Nima Imaculada Spigolon. Orientadora: professora Débora Mazza. Dia 13 de maio de 2014, às 9h30, na sala de defesa do Programa de Pós-graduação, Bloco A, da FE.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Análise do desempenho térmico de edificações residenciais ventiladas naturalmente: uma abordagem adaptativa” (mestrado). Candidato: Francisco Massucci Silveira. Orientadora: professora Lucila Chebel Labaki. Dia 13 de maio de 2014, às 10 horas, na sala CA-22 da CPG da FEC.  Computação - Sacola de grafos: definição, implementação e validação em tarefas de classificação” (mestrado). Candidata: Fernanda Brandão Silva. Orientador: professor Ricardo da Silva Torres. Dia 16 de maio de 2014, às 10h30, na sala 85 do IC.  Matemática, Estatística e Computação Científica - “Médias: aritmética, geométrica e harmônica” (mestrado profissional). Candidato: Jakson da Cruz Pereira. Orientador: professor Antônio Carlos do Patrocinio. Dia 14 de maio de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. “Combinatória e probabilidade com aplicações no ensino de geometria” (mestrado profissional). Candidato: Vicente Mastropaulo Neto. Orientador: professor Antônio Carlos do Patrocinio. Dia 14 de maio de 2014, às 16 horas, na sala 253 do Imecc. “Análise de um esquema de diferenças finitas com operador espacial adaptativo” (mestrado). Candidato: Alexandre William Camargo. Orientador: professor Lúcio Tunes dos Santos. Dia 16 de maio de 2014, às 10 horas, na sala 253 do Imecc. “Estimativas para n-larguras de Classes de Sobolev sobre a esfera” (mestrado). Candidato: Henrique Costa dos Reis. Orientador: professor Sergio Antonio Tozoni. Dia 16 de maio de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.  Química - “Aspectos moleculares da degradação de biomassa lignocelulósica: dinâmica de enzimas e nanoarquitetura de paredes celulares de plantas” (doutorado). Candidato: Rodrigo Leandro Silveira. Orientador: professor Munir Salomão Skaf. Dia 12 de maio de 2014, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Desenvolvimento e validação de métodos analíticos para a determinação de multirresíduos de agrotóxicos em cultura de pepino, utilizando cromatografia líquida de ultra eficiência” (mestrado). Candidata: Luana Cristina Macedo. Orientadora: professora Isabel Cristina Sales Fontes Jardim. Dia 14 de maio de 2014, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Boschiero recebe o título de Professor Emérito da Unicamp professor Antonio Carlos Boschiero, do Instituto de Biologia (IB), recebeu no último dia 30 o título de Professor Emérito da Unicamp, em cerimônia presidida pelo reitor José Tadeu Jorge e prestigiada por familiares, docentes, alunos, funcionários e amigos na sala do Conselho Universitário. O título é conferido a professores que se distinguiram no exercício da atividade acadêmica por seus relevantes serviços à ciência e à instituição. Nascido em Descalvado (SP) em 27 de janeiro de 1943, Antonio Carlos Boschiero é o 11º e penúltimo filho de uma família de trabalhadores, tendo sobrevivido como metalúrgico dos 14 aos 21 anos de idade até de se formar em história natural e iniciar uma densa trajetória acadêmica. “O sentimento pelo título é indescritível porque sou meio caipira do interior e esse tipo de coisa toca muito a gente – inclusive pela presença dos meus familiares, a gente que vem de uma família O professor Antonio Carlos Boschiero (dir.) e o reitor José Tadeu Jorge pobre de trabalhadores, como a grande maioria dos brasileiros. Chegar a uma miliares: minha esposa Carmen e meus filhos Camila e universidade, a professor titular e conseguir esse reconheFernando, com menção especial ao Felipe, que devido a cimento é muito bom, gratificante e emocionante”, disse uma doença importante que o consumiu durante toda a o homenageado, mostrando a mesma humildade ao falar vida, veio a falecer há um ano e meio, com apenas 37 anos da carreira. “Sempre digo que o cientista é um pedreiro, de idade.” uma profissão igual a outra qualquer: é preciso construir, desde a base, um alicerce forte para que a casa seja habiO reitor Tadeu Jorge observou que estes momentos de tável e ir fazendo melhorias. Também foram importantes homenagem aos que construíram a Unicamp são de remeus estágios no Exterior, a família que me apoiou muito levância histórica para a cultura interna. “São de grande e os grandes alunos e colaboradores que sempre tive; sem valia e valor porque a Universidade homenageia os exemeles, não chegaria aqui.” plos que merecem ser destacados e principalmente seguidos. A contribuição do professor Boschiero à Unicamp, Boschiero preparou um discurso de três páginas para ao avanço do conhecimento, está aqui reverenciada como a cerimônia, mas temeroso de que a emoção o impedisse exemplo para as novas gerações. Vivo a Universidade há de fazê-lo na íntegra, preferiu ir diretamente aos agrademais de 40 anos e, ainda como estudante ou professor cimentos pelo título de Professor Emérito. “Meu maior em início de carreira, mesmo em área distante, ouvia noagradecimento vai para a Unicamp, quero deixar claro mes tidos como referências em termos de dedicação e de que foi uma honra, um privilégio ter sido e continuar seniniciativa que fizeram a Unicamp ganhar a qualidade dos do professor desta casa. Sempre me pergunto se durante dias de hoje. E um desses nomes era o seu.” todos esses anos me dediquei com a intensidade necessária para devolver a essa instituição tudo aquilo que ela me Convidado para fazer a saudação ao homenageado, o proporcionou”, declarou, sem esquecer os colegas profesprofessor Mario Saad, diretor da Faculdade de Ciências sores e funcionários do IB, os alunos de pós-graduação Médicas, lembrou que estava no primeiro ano da pós-grae as agências de fomento. “E finalmente, aos meus faduação quando teve uma palestra que marcaria sua vida.

Foto: Antonio Scarpinetti

“O professor Boschiero apresentou um conceito novo de que a secreção de insulina é estimulada pela metabolização de glicose na ilhota, e não por um receptor de glicose, como até então se ensinava nos departamentos de fisiologia – foi a primeira mudança de paradigma que vivenciei. Agradeço a ele por ter me ensinado não só sobre a secreção de insulina, mas principalmente por ter mostrado a mim e a uma geração da Unicamp, através do seu exemplo, coerência, ética e humildade; a honestidade e integridade pessoais transparecem ao longo da sua trajetória, nada compromete seu amor pela verdade científica e humana.”

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TRAJETÓRIA

Antonio Carlos Boschiero possui graduação em história natural pela Unesp de Rio Claro (1968) e doutorado em ciências biológicas pela Unicamp (1973). Ingressou no Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do IB em 1970, onde ainda atua como professor colaborador após a aposentadoria. Fez pósdoutorado na Universidade de Bruxelas em 1978 e, voltando à Unicamp, instalou seu laboratório de pesquisa criando um grupo voltado ao estudo da fisiopatologia das células produtoras e secretoras de insulina; atualmente chefia um grupo de pâncreas endócrino e metabolismo no mesmo departamento onde se formaram mais de 40 pesquisadores que atuam em diferentes instituições pelo Brasil. Vários dos estudos iniciais de Boschiero, sobre as permeabilidades iônicas nas células secretoras de insulina, permitiram elaborar sua tese de livre docência defendida e aprovada em 1979. Ele é autor de mais de 200 trabalhos científicos em revistas indexadas e de larga distribuição internacional; orientou inúmeros alunos de iniciação científica, 22 mestres, 15 doutores e supervisionou 10 pós-doutores. Foi contemplado com o Prêmio Zeferino Vaz por duas vezes, e com o Prêmio Governador do Estado por sua colaboração no Projeto Genoma da Xylella fastidiosa. Foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências em 2010 e da Academia paulista em 2012. É pesquisador 1A do CNPq desde 1993. (Luiz Sugimoto)


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A ginástica da inclusão CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

ginástica laboral, que teve origem na Polônia em 1925, disseminouse nos anos seguintes por vários países da Europa e consolidouse no Japão, em que foi adotada em 1928. No Brasil foi introduzida por empresários japoneses, no Rio de Janeiro, em 1969, mas sua forte ascensão ocorreu a partir dos anos 90. A ginástica laboral constitui uma modalidade de atividade física oferecida aos funcionários por empresas dos mais variados segmentos e praticada em geral no próprio local de trabalho. Consiste em uma série de exercícios diários de curta duração – 10 a 15 minutos –, selecionados de acordo com as características e necessidades de cada grupo e de cada empresa. Sua adoção previne doenças ocupacionais que se incluem nos grupos LER (Lesões por Esforços Repetitivos) e DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), contribuindo para a redução de lesões e consequente absenteísmo e melhora da qualidade de vida. Em decorrência dessa prática, observam-se ainda melhoras nas relações interpessoais e no desenvolvimento de trabalhos em equipe; alívio do estresse e das tensões acumuladas; diminuição do sedentarismo e da fadiga; aumento da disposição e da concentração para a realização de tarefas diárias; e aumento da produtividade. Esse amplo leque de benefícios tem levado cada vez mais empresas a adotá-la. Com a promulgação da chamada lei de cotas, que obriga as empresas, dependendo do número de funcionários, a manterem em seus quadros de 2% a 5% de pessoas com deficiências, os grupos de ginástica laboral passaram a ser integrados também por indivíduos que demandam cuidados especiais dos educadores físicos responsáveis por essas atividades. Ao se deparar com o problema, Ricardo Lima Bastos, graduado em educação física pela Unicamp, se propôs a realizar trabalho de mestrado procurando fornecer subsídios para que profissionais envolvidos com ginástica laboral tenham condições de levar a bom termo atividades com grupos de que participam pessoas com deficiências, sem discriminá-las. O estudo mostra técnica e didaticamente, através da prescrição e da forma de execução de exercícios, como deve ser entendida e orientada essa atividade. Paralelamente, com vistas à exequibilidade e ao sucesso dos projetos destinados a empresas, o trabalho se preocupa em contribuir ainda para o entendimento do funcionamento do mundo corporativo. A dissertação foi orientada pelo professor Gustavo Luis Gutierrez, do Departamento de Atividade Física Adaptada, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp.

Educador físico adapta exercícios de modalidade para pessoas com deficiência O aumento cada vez maior de empresas que contratam programas de ginástica laboral face aos seus comprovados benefícios e a lei de cotas acentuam a heterogeneidade dos grupos atendidos e a demanda por profissionais, cuja capacitação pode ser comprometida pela ausência de uma literatura específica, como constatou Ricardo ao realizar seu levantamento bibliográfico. Este quadro e a constatação das dificuldades enfrentadas pelos profissionais envolvidos nesse trabalho o impulsionaram a iniciar a procura de soluções. Ele tentou inicialmente atrelar seu mestrado à aplicação da ginástica laboral em uma empresa da região de Campinas que já adotasse o programa. Mas suas tentativas foram em vão. Atribui o insucesso não só às dificuldades logísticas, mas também e principalmente à preocupação das empresas com o que pudesse ocorrer a partir da divulgação dos resultados, sobre os quais elas não teriam controle. Diante da impossibilidade de utilizar dados experimentais, ele apoiou o trabalho em uma ampla bibliografia, concentrando-se na análise crítica da literatura disponível. O estudo caracteriza qualidade de vida no ambiente de trabalho por meio do olhar da inclusão. Ele entende que aos deficientes, como membros inseridos na sociedade, deve ser garantida cada vez mais qualidade de vida. Ricardo considera que é grande o número de publicações envolvendo ginástica laboral, qualidade de vida, inclusão de deficientes na sociedade, o que lhe permitiu embasar e consolidar o trabalho, mesmo sem se valer de dados decorrentes de atividades práticas. Embora extensa, explica ele, a bibliografia sobre ginástica laboral aborda aspectos específicos como sua aplicação em diferentes turnos, diferentes profissões, mas não diferencia cadeirantes, cegos, surdos, portadores de síndrome de Down, deficiências mais presentes entre funcionários de empresas. Ele adaptou então para a ginástica laboral as atividades físicas descritas na literatura e desenvolvidas para portadores dessas principais deficiências.

Funcionários se exercitam durante sessão de ginástica laboral: adoção de atividades físicas previne doenças ocupacionais

ABORDAGEM Na dissertação, o autor aborda os principais problemas com que se deparam durante a atividade laboral deficientes visuais, auditivos, portadores de lesões medulares e síndrome de Down, tratando das estratégias que podem ser usadas para enfrentá-los. Explica, por exemplo, que a intensidade de alguns exercícios pode trazer prejuízos para portadores da síndrome de Down, que apresentam frouxidão ligamentar, tônus muscular diminuído e, em decorrência, correm maior risco de lesão se submetidos a movimentos de maior amplitude. Como na ginástica laboral os comandos são predominantemente visuais, ele explica que no caso dos cegos o profissional deve introduzir uma fala adaptada. Outro recurso é o instrutor manter-se próximo para fazer intervenções corretivas quando necessário. Mesmo os surdos, que têm a possibilidade de leitura labial, exigem certos cuidados. Ele concorda que o domínio da libra por parte do instrutor facilita o trabalho. Por sua vez, os que apresentam lesão na medula, os cadeirantes, exigem um trabalho de fortalecimento dos braços, mas as escaras que desenvolvem impõem cuidados. O pesquisador enfatiza, entretanto, que a pessoa com deficiência deve ser colocado no mesmo contexto dos seus colegas de trabalho, pois hoje o que se procura é inseri-lo Foto: Antoninho Perri

INTERESSE O interesse pelo tema acompanha o autor desde a graduação quando estagiou na FEF e depois no setor de fisioterapia mantido pelo Centro da Saúde da Comunidade (Cecom) da Unicamp, em que atuou no seu programa de ginastica laboral. Anteriormente, ele tinha acumulado experiências corporativas por ter trabalhado na área administrativa de empresas de vários segmentos, ocasiões em que teve inclusive contato com a ginástica laboral. Estas circunstâncias o levaram a se dedicar a ela depois de formado. Nas empresas deparou-se então com um problema que não enfrentara na Universidade: a presença de deficientes nos grupos. Este fato o levou à conscientização de que as atividades ministradas precisavam de ajuste. Ele explica: “Nas experiências que tive no mercado de trabalho e em conversas com colegas da mesma área, percebi que o professor era levado a improvisar soluções que permitissem a inclusão de pessoas com deficiências. Não raro nos surpreendíamos com a presença dessas pessoas porque não éramos informados das especificidades dos grupos com que íamos trabalhar”. Para ele, a participação de pessoas que necessitam de cuidados específicos durante a aplicação dos exercícios, impõe aulas com novas abordagens, de forma a garantir o enfoque inclusivo. Para tanto, o profissional precisa conhecer as especificidades de cada deficiência.

Foto: Antonio Scarpinetti

Ricardo Lima Bastos, autor da dissertação de mestrado: integrando pessoas com deficiência

em todas as atividades sociais de forma a não discriminá-lo. Na ginástica laboral isso se consegue fazendo-o participar das atividades integrado no grupo. Cabe ao professor, então, programar as atividades e se preparar para no decurso delas atender a esse imperativo. Ricardo esclarece que o trabalho, pela sua própria natureza e alcance, não apresenta soluções, mas procura chamar a atenção para problemas que precisam ser considerados e estudados. Até meados do ano passado, época do último levantamento nas bases de dados consultadas, não existia nenhum estudo similar, o que o faz inédito no gênero. Ele esclarece que “o ineditismo está no fato de se tratar do primeiro trabalho que chama a atenção para a importância de um cuidado especial para a ginástica laboral envolvendo deficientes físicos e sobre a importância de um tratamento diferenciado que seja inclusivo, eficiente e que possa melhorar a qualidade de vida desses sujeitos”. O estudo visa também inserir o profissional de educação física no contexto empresarial porque a inserção do esporte na cultura organizacional de uma empresa é diferente do que ocorre na escola, nas academias, nas atividades de recreação. Além do que, cabe ao professor de educação física mostrar aos empresários os benefícios desses programas e como devem ser estruturados. Para tanto, esse profissional precisa estar apto a realizar projetos de ginástica laboral, a mostrar sua importância, seus efeitos na melhoria das condições de vida e de produção e a sua contribuição para os processos de inclusão. Mas, além de tudo, é fundamental que ele saiba como funciona o mundo corporativo. Esse amplo conhecimento vai ser essencial já na elaboração do projeto, na forma como ele deve ser apresentado aos empresários, de como deve ocorrer sua implantação e seu impacto positivo nas atividades empresariais propriamente ditas. Como o autor focou o estudo preferencialmente na conscientização do professor de educação física, ele estuda a possibilidade de transformar o trabalho em livro que possa auxiliar profissionais da área. A propósito afirma: “Senti pessoalmente o drama de chegar em um grupo e me deparar repentinamente com um deficiente visual ou cadeirante. Perplexo me perguntava: ‘e agora, o que faço. Como incluo uma pessoa que não vê? Será que estou prejudicando a coluna do cadeirante?’. Mesmo que o profissional resolva algumas coisas de imediato ele precisa de segurança e discernimento na elaboração, encaminhamentos e aplicações dos projetos”.

Publicação Dissertação: “Qualidade de vida para pessoas com deficiência – contribuições para uma abordagem de ginástica laboral” Autor: Ricardo Lima Bastos Orientador: Gustavo Luis Gutierrez Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)


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Campinas, 12 a 18 de maio de 2014 ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

artista plástica Renata Lucas, que vem percorrendo o mundo com sua arte, revolve o solo em busca da história, do passado e do futuro e ao mesmo tempo leva o chão para pisar. Ela apropria-se do espaço onde se insere, subverte-o, devora-o, digere-o e transforma-o, reincorporando-o a si mesmo. E seu trabalho faz mais que isso: demonstra um potencial político através de uma intrincada e emaranhada relação com o espaço, que repercute e discute questões contemporâneas. É o que constata a pesquisadora Luciana Benetti Marques Valio em sua tese de doutorado, orientada pela professora Maria José de Azevedo Marcondes e defendida no Instituto de Artes (IA). Luciana conta que o trabalho artístico de Renata Lucas insere-se na arte contemporânea da primeira década do século 21, uma vez que a prática da artista discute temas atuais como o transitório, o efêmero, a globalização, a instabilidade, o nomadismo, a identidade e a socialidade. São conceitos que não pertencem somente ao campo da arte, mas também ao da Filosofia, da Sociologia, da História e de outros. A autora da tese analisou 29 obras da artista, produzidas entre 2001 e 2013, por encontrar nelas a possibilidade de discussão sobre a relação da intervenção artística com o espaço público. A pesquisa teve como objetivo discutir e problematizar os trabalhos de Renata Lucas (que, como Luciana, se graduou no IA da Unicamp), de modo a compreender como é que eles estão tão afinados com o discurso da arte contemporânea e como ressoam potencial político. Ao investigar essas obras, a doutoranda percebeu a evidente relação das práticas da artista com o espaço onde se inserem, pois ela sequer possui ateliê. Suas intervenções são feitas diretamente nos espaços urbanos e nas instituições onde são realizadas. O trabalho artístico começa com o convite para a artista fazer uma proposta. A partir daí, ela estuda a planta do edifício; conversa com as pessoas na rua, na vizinhança; e investiga o entorno (a região), com o intuito de compreender o que esse local tem a dizer. A partir dessa percepção, em conjunto com a sua sensibilidade, a artista cria uma arte para aquele lugar. “Sua tarefa então é permeada de muita negociação, do que pode e do que não pode”, verifica. Na 53ª Bienal de Veneza, em 2009, por exemplo, Renata Lucas foi convidada pelo curador do evento, Daniel Birnbaum, para mostrar o que sabia fazer. A obra foi construída na entrada do principal pavilhão, o Arsenale. Consiste de uma via/pista de asfalto sobre o Giardini Pubblici, como uma marca de futuro. “Vale lembrar que Veneza é uma cidade onde suas vias são canais e onde não é permitido asfalto. É uma cidade protegida pela ONU como patrimônio histórico da humanidade”, conta Luciana. Então essa intervenção cria um anacronismo: por que colocar asfalto numa cidade totalmente histórica, que nem carros tem? O mais incrível, destaca ela, é que as pessoas pisam o asfalto com tamanho conforto que nem o percebem, como se a obra sempre estivesse ali. Luciana diz que, nesse caso, “o pisar o asfalto” constitui-se uma sensação incorporada, impregnada, no corpo, na qual as pessoas precisam pensar para reconhecer que o asfalto naquele lugar seria impossível. Mas a imagem da pista de asfalto de repente leva a um questionamento: “Aqui era de pedrisco?” A artista então deixa parte deste pedrisco aparente sobre o asfalto, “criando uma imagem como se ele estivesse subindo, como se o futuro entrasse em Veneza”, descreve. Isso tudo é fruto de uma série de projetos que a artista apresentou à curadoria do evento. “É uma mala de projetos. A artista fez muitas propostas que não puderam ser executadas: ‘não pode fechar um canal, não dá para abrir uma piscina no canal, não dá para mexer na fachada do prédio’”, informa. Trata-se de um embate técnico: como é que faz, como coloca, pode ou não pode mudar? O patrimônio não autoriza. Esse passo a passo integrou a intervenção que Renata Lucas batizou como “Venice suitcase”. Para fazer o trabalho, Renata Lucas foi inclusive viver temporariamente em Veneza. Procurou conhecer a cidade e entender sua dinâmica. A própria artista percebeu a dificuldade de ser um patrimônio histórico. Viu o quanto isso também pode ter um peso negativo e sofrer com as consequências de ser uma cidade turística. É a artista provocando novamente outras reflexões: que cidade é essa? o que se pretende com essa bienal? Isso porque Veneza tem a bienal de arte, de arquitetura, de literatura, de música. Não é somente uma bie-

Fotos: Luciana Valio/Renata Lucas

Imagens do trabalho “Ontem, areias movediças”, da Documenta: arte no subsolo de quatro pontos de Kassel

Arte em trânsito Foto: Renata Lucas e Daniel Steegmann

O trabalho “Venice suitcase”: asfalto na entrada do principal pavilhão da Bienal de Veneza

Foto: Antoninho Perri

Luciana Benetti Marques Valio, autora da tese: análise de 29 obras produzidas entre 2001 e 2013 por Renata Lucas

nal de arte, mas um ambiente cultural que se constitui, tem repercussão e, portanto, é um trabalho muito perspicaz, qualifica Luciana.

DOCUMENTA

Outro trabalho de Renata Lucas, avaliado na tese da pesquisadora a partir de seu potencial político, foi apresentado na Documenta (13), em 2012, na cidade de Kassel, Alemanha, um dos mais importantes acontecimentos de arte contemporânea do mundo. Por se tratar de um evento que tem uma periodicidade quinquenal, a artista teve mais tempo para vivenciar melhor Kassel, cuja história é marcada pelo bombardeamento que destruiu completamente a cidade durante a Segunda Guerra Mundial, por ser o centro da indústria armamentista do Terceiro Reich, na época de Hitler. A proposta de Carolyn Christov-Bakargiev, curadora da Documenta (13), foi abordar os traumas de guerra, incluindo os mais recentes. Por conta disso, o evento estendeu-

se a cidades como Cairo (Egito), Cabul (Afeganistão) e Banff (Canadá). Deste modo, as questões sobre a relação Ocidente-Oriente permearam a mostra: como o fato do trauma de Kassel ser decorrente da indústria armamentista do nazismo e, atualmente, a cidade sustentar-se do comércio de armas para as guerras no Oriente. “A Documenta trouxe isso ao centro do debate. E justamente o trabalho de Renata Lucas está ‘discutindo’ com essa cidade que foi ‘achatada’”, comenta. Trata-se da obra “Ontem, areias movediças”, título homônimo do conto surrealista de Alberto Giacometti. A artista usou quatro subsolos da cidade para fazer sua arte. Foram eles o porão do Museu Fridericianum, o porão da casa dos Irmãos Grimm, o subsolo da loja Kaufhof e o segundo subsolo do estacionamento, sob a Friedrichsplatz. Nos três primeiros subsolos, a artista construiu – com chapas de madeira compensada e concreto – as partes da base de uma hipotética pirâmide. O evento da Documenta acontece na área central da cidade, sendo o Museu Fridericianum a edificação principal da mostra, que se espalha em outras áreas da cidade, como outros museus, uma estação de trem e um grande parque. O que Renata Lucas fez? Pôs uma parte do que seria um vértice de uma pirâmide no porão desse Museu, estabelecendo a primeira discussão na direção do que é a Documenta. No porão da casa onde viveram os Irmãos Grimm [e moradia temporária da curadora da Documenta (13)], a artista construiu o que corresponderia a uma lateral da base de pirâmide. No subsolo da loja de departamentos Kaufhof, foi construído outro vértice da base da pirâmide. Assim, “é incompleta a hipotética pirâmide, sendo marcada pela sua ‘existência fictícia’ somente nos pontos principais da cidade, fazendo referência ao evento (no Museu Fridericianum); à história cultural da cidade e da Alemanha (na casa que pertenceu aos Irmãos Grimm); e ao comércio (na loja de departamentos Kaufhof)”. Renata Lucas oferece pontos para uma ligação por meio de uma conexão mental. “Não se encontra uma pirâmide e sim frag-

mentos para completar o todo”, salienta a doutoranda. A propósito, ela recorda que o subsolo tem uma carga muito forte durante a guerra. É o lugar onde as pessoas são enterradas e também é o lugar aonde se escondem. Para o místico, uma pirâmide – maia ou egípcia – condensa a vida e a morte. Além dessas construções, no segundo subsolo do estacionamento, sob a Friedrichsplatz, foi inserido um painel com seis monitores de câmera de vigilância. Apenas um apresentava imagens simultâneas do local. Outros exibiam filmes que a artista produziu. Esses filmes mostravam lugares da área central de Kassel, sendo invadidos por uma tempestade de areia, varrendo a cidade, tudo muito devagar. O vento depositava areia nas vitrines das lojas, nas calçadas, nos prédios, na praça. Também podiam ser captados por equipamentos móveis ou visualizados nos televisores expostos nas vitrines das lojas. A areia ia lentamente invadindo tudo de forma aniquiladora. É uma sensação muito desoladora, que pode levar às pessoas a se perguntarem: isso faz parte da Documenta (13)?, a artista refere-se a quê?, que trauma é esse?, quem são essas pessoas? “Estão falando do Afeganistão ou do povo alemão? Afinal, aquela cidade foi destruída porque produzia armas, mas hoje em dia se sustenta com o comércio de armas?”, pergunta a doutoranda. A artista parte do pressuposto de que não tem que dar nada pronto, de que o público é inteligente e de que ele buscará montar as peças do “quebra-cabeça”. Somente está exibindo as questões de outra forma. Esse potencial político não declarado do trabalho, nota-se, foi certamente objeto desta pesquisa, relata Luciana. Ela descreve que o potencial político de Renata Lucas salta dos seus trabalhos. A artista já participou da Bienal de São Paulo de 2006, da Bienal de Sidney de 2008, da Bienal de Veneza de 2009, da Bienal de Istambul de 2011 e da Documenta de Kassel de 2012, entre outros projetos em galerias e em residência artística no exterior e no Brasil. Sua carreira é marcada por prêmios: Ernst Schering Foundation Art Award (Berlim, Alemanha), Absolut Art Bureau (Estocolmo, Suécia), Wattis Institute for Contemporary Arts (São Francisco, USA), Dena Foundation Art Award (Paris, França), Prêmio Pipa e Marco Antonio Vilaça.

Publicação Tese: “Renata Lucas e os espaços públicos: intrincamento e fissura” Autora: Luciana Benetti Marques Valio Orientadora: Maria José de Azevedo Marcondes Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Capes


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