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Foto: Antoninho Perri

Um cimento ósseo 100% puro

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Parceria entre a Unicamp e o Instituto de Cerâmica e Vidro de Madri, Espanha, resultou na obtenção de um pó com 100% de pureza (foto), capaz de ser convertido em cimento ósseo empregado em implantes. O biomaterial, desenvolvido no âmbito da tese de doutorado de Hugo Cardoso, é absorvido totalmente pelo corpo humano, formando uma nova estrutura óssea.

Jornal daUnicamp www.unicamp.br/ju

Campinas, 19 a 25 de maio de 2014 - ANO XXVIII - Nº 597 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antonio Scarpinetti

Mudanças demográficas elevam renda domiciliar 3

Dissertação da economista Camila Strobl Sakamoto, desenvolvida no Instituto de Economia (IE), revela que, entre 1981 e 2011, a renda domiciliar per capita aumentou 38% nas áreas urbanas e 92,5% nas rurais do país. A melhora é atribuída a mudanças demográficas, entre as quais a maior participação de casais sem filhos e de pessoas que vivem sozinhas, além da queda no número de casais com filhos pequenos.

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Sem carteira

Tese de Régis Borges de Oliveira, defendida no IE, mostra que, entre trabalhadores rurais informais, é baixo o impacto dos ganhos obtidos com os aumentos reais do salário mínimo.

Peste Negra ‘gerou’ indivíduos mais fortes Aulas chatas são contraproducentes

TELESCÓPIO

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A Copa do Mundo e os movimentos sociais O peso do chuveiro na curva do consumo

Casa no interior de Goiás: segundo a pesquisa, a renda domiciliar aumentou 92,5% nas áreas rurais entre 1981 e 2011

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O esporte e as pessoas com lesão na medula As mediações entre o pagode e o samba de raiz


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TELESCÓPIO

CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

Foto: Nasa

O Glaciar Thwaites, na Antártida Ocidental, está entrando em colapso

Artigos apontam degelo irreversível na Antártida Dois artigos científicos divulgados na semana passada alertam para o colapso do lençol de gelo da Antártida Ocidental, o que poderia causar uma elevação drástica do nível dos oceanos. Um dos trabalhos, que será publicado no periódico Geophysical Research Letters, afirma que seis grandes glaciares do lençol já “passaram do ponto sem volta”, e que seu colapso é irreversível. “Essas geleiras já contribuem de modo significativo para a elevação do nível do mar (...) Elas contêm gelo suficiente para elevar o nível global dos oceanos em 1,2 metro”, diz nota divulgada pela Universidade da Califórnia em Irvine, onde atua um dos autores do estudo. O trabalho se baseia em observações realizadas ao longo dos últimos 40 anos. O colapso total pode ocorrer ao longo de vários séculos. Já o artigo publicado na revista Science mostra que o Glaciar Thwaites, também localizado no lençol de gelo ocidental, está se desintegrando. Esse colapso pode levar mais de 200 anos, e acrescentar cerca de 60 centímetros ao nível do mar. A perda do Glaciar Thwaites deve abrir caminho para um derretimento mais rápido e generalizado de outras partes do lençol.

Política social no longo prazo Um estudo avaliou um programa de transferência de renda para famílias pobres mantido pelo governo dos Estados Unidos entre 1911 e 1935, e constatou que os filhos homens das mães aceitas no programa tiveram, em média, um ano a mais de vida, 30% mais anos de estudo, correram menos risco de desnutrição e maior renda, na vida adulta, que filhos de mulheres rejeitadas. O programa, chamado “Pensão das Mães”, buscava beneficiar “crianças que se tornaram dependentes pela perda ou invalidez do arrimo da família”. “Um dos principais desafios de avaliar se transferências de renda (...) melhoram os resultados é identificar um contrafactual plausível: como seriam as vidas das crianças na ausência das transferências?”, escrevem os autores, ligados ao National Bureau of Economic Research (NBER), um instituto privado de pesquisas econômicas dos EUA. “Nossa estratégia principal foi usar, como grupo de comparação, filhos de mães que requisitaram as transferências mas foram rejeitadas”.

Uma das vantagens do uso de uma base de dados antiga, afirmam os pesquisadores, é a possibilidade de comparar dados de longevidade: o estudo mostrou que o ganho médio de um ano de vida foi ainda maior nas famílias mais pobres.

retornaram ao país. Em resposta aos surtos recentes de doenças evitáveis por vacinas, como caxumba e coqueluche, alguns Estados dos EUA aumentaram as restrições ao uso da objeção de consciência como justificativa para que os pais deixem de vacinar os filhos, e alguns pediatras já vêm se recusado a tratar – “demitindo”, na palavra usada em reportagem de 2012 do Wall Street Journal – crianças não vacinadas.

Você às vezes fala sem pensar O senso comum sugere que as pessoas geralmente elaboram o que querem dizem em suas mentes antes de abrir a boca, mas um estudo publicado por pesquisadores suecos no periódico Psychological Science sugere que, ao menos em algumas circunstâncias, o falante só toma consciência do que está dizendo da mesma forma que seus ouvintes: ao escutar a própria voz. No experimento conduzido pelos cientistas europeus, voluntários pronunciavam palavras mas, por meio de uma manipulação realizada no laboratório, ouviam-se dizendo outra coisa. Nessa condição, mais de 60% das manipulações passaram despercebidas e, dessas, 85% foram aceitas pelos voluntários como produzidas por eles mesmos. Pessoas que perdem a audição ao longo da vida não perdem a capacidade de articular a fala, o que sugere que esse “feedback auditivo” não é o único mecanismo de atribuição de significado ao que se diz, mas o principal autor do trabalho, Andreas Lind, disse ao site Nature News, da revista Nature, que “as pessoas provavelmente se valem mais dele do que de outros tipos de feedback, na hora de determinar o significado das próprias palavras”.

Sarampo cresce nos Estados Unidos Depois de ser considerado erradicado no país em 2000, o sarampo está voltando aos Estados Unidos, e em 2014 o número de casos cresce à maior taxa já vista em quase 20 anos, com o número de pacientes registrado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) chegando a 161 em 3 de maio. O ressurgimento da doença está sendo rastreado a americanos não vacinados que foram expostos à doença no exterior e depois

Peste Negra e a seleção natural As gerações de europeus que viveram imediatamente após o fim da Peste Negra do século 14 foram compostas por indivíduos mais fortes e saudáveis que as gerações imediatamente anteriores, afirma estudo publicado no periódico PLoS ONE. A autora do trabalho, a antropóloga Sharon N. De Witte, da Universidade da Carolina do Sul (EUA), tirou essa conclusão extrapolando a partir de amostras retiradas de cemitérios londrinos usados antes e depois da praga, que eliminou pelo menos 30% da população do continente. A autora nota que estudos anteriores já haviam determinado que a peste não matava de modo indiscriminado, mas “selecionava” suas vítimas entre as pessoas que já eram mais fracas e de saúde frágil. “Dado que a mortalidade associada à Peste Negra foi extraordinariamente alta e seletiva, a epidemia medieval pode ter moldado os padrões de saúde e a demografia da população sobrevivente”, escreve De Witte. Depois de comparar dados demográficos e as amostras dos cemitérios, onde esqueletos foram analisados para definição de longevidade e saúde, a autora conclui: “Os resultados deste estudo indicam que a mortalidade e a taxa de sobrevivência melhoraram nas gerações seguintes à Peste Negra (...). Estes resultados põem em evidência o poder das doenças infecciosas em moldar padrões de saúde e demografia de populações inteiras, tanto no curto quanto no longo prazo”.

Aulas chatas ensinam menos, diz estudo

limita a expor a matéria, como se estivesse dando uma palestra, são menos eficazes do que aulas que buscam envolver os estudantes por meio de discussões e atividades em classe. Uma metanálise de 225 pesquisas sobre educação superior realizadas entre 1942 e 2010 concluiu que os alunos que assistem a cursos que promovem o envolvimento ativo do estudante têm, em média, notas 6% maiores, e que os estudantes que assistem a cursos baseados em palestras têm 55% mais chance de fracassar na disciplina. A metanálise, conduzida por professores de Biologia das universidades de Washington e do Maine, debruçou-se sobre as chamadas disciplinas STEM – ciência, tecnologia, engenharia, matemática – consideradas cruciais para o desenvolvimento tecnológico e econômico. Os autores do estudo afirmam que a evidência a favor da educação mais participativa é tão robusta que não faz mais sentido considerar o modelo de palestras como o normal, ou padrão, para a educação superior, ao menos nas áreas STEM. O levantamento foi publicado no periódico PNAS.

Alemanha pede regras para pesquisa perigosa Pesquisas biológicas como o experimento que, em 2012, aumentou artificialmente a capacidade de um vírus de gripe aviária de contaminar humanos deveriam ser reguladas pelo governo, diz relatório produzido pelo Conselho de Ética da Alemanha, um órgão consultivo do governo. A condução dessas pesquisas, conhecidas como de “duplo uso” – já que podem tanto fazer avançar a medicina quanto produzir conhecimentos e tecnologias úteis para criminosos e terroristas – é alvo de controvérsia em todo o mundo. Em seu parecer, o Conselho reconhece que há “aspectos incalculáveis” na análise dos riscos da pesquisa biológica, mas acrescenta que “o uso ilícito não pode ser excluído categoricamente”, não importa o grau de segurança dos laboratórios. O texto pede que uma definição de “pesquisa de duplo uso” seja estabelecida em lei, e que uma comissão governamental específica seja criada para autorizar ou vetar o financiamento público desse tipo de pesquisa.

A ciência e outra desigualdade sexual O sexo feminino, na ciência, não sofre apenas com uma subrepresentação na comunidade dos cientistas: ele também é discriminado como objeto de estudo. Um levantamento publicado no periódico PLoS Biology mostra que as pesquisas sobre a evolução dos órgãos sexuais privilegia fortemente a genitália masculina: no período 2010-2013, apenas cerca de 10% dos estudos da área trataram exclusivamente da genitália feminina, enquanto que mais de 50% trataram exclusivamente da masculina, com uma quantidade intermediária dando conta da evolução de ambas. Os autores do levantamento argumentam que a preferência dos cientistas pelo estudo dos genitais masculinos “reflete preconceitos duradouros sobre o papel dominante do macho no sexo”, e que “a compreensão da evolução genital é prejudicada por esse viés”. Segundo os autores do estudo, fatores como a facilidade de acesso promovida pelas diferenças anatômicas não explicam o viés masculino da maior parte da pesquisa.

Pode parecer óbvio, mas agora há confirmação científica: aulas em que o professor se

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Mudanças demográficas ampliam renda domiciliar per capita no país Constatação é de dissertação defendida no IE, com base em dados da PNAD dos últimos 30 anos Fotos: Antonio Scarpinetti

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

s mudanças demográficas ocorridas nas últimas três décadas, observadas pela análise da composição das famílias brasileiras, contribuíram para o aumento da renda domiciliar per capita da população do país. A constatação é da dissertação de mestrado da economista Camila Strobl Sakamoto, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Alexandre Gori Maia. Segundo o estudo, nas áreas urbanas a elevação da renda total das famílias foi de 38% entre 1981 e 2011, enquanto nas áreas rurais a ampliação foi de 95,2% no mesmo período. Entre os fatores que concorreram para a melhora da renda per capita estão a maior participação de casais sem filhos e de pessoas que vivem sozinhas e a queda participativa de casais com filhos pequenos nos arranjos familiares. De acordo com Camila, o fato de a renda do brasileiro ter crescido no período considerado não é uma novidade, visto que essa progressão vem sendo constatada pelos indicadores econômicos disponíveis. Tal avanço, diz a economista, é consequência de uma série de fatores, entre os quais o contexto macroeconômico favorável, a ampliação das políticas sociais de transferência de renda e as mudanças demográficas. Este último aspecto, afirma a autora da dissertação, não tem sido muito considerado no Brasil nesse tipo de análise. “É por isso que decidi dedicar meu trabalho ao tema, uma vez que o país passou por importantes transformações no plano demográfico ao longo dos últimos 30 anos”, explica. Essas mudanças, acrescenta Camila, vão além da queda da taxa de fecundidade, elemento mais comumente analisado em variados estudos. “Outro ponto importante a ser levado em conta são as mudanças que ocorrem no interior das famílias. É interessante investigar as mudanças na organização dos arranjos familiares da população que interferem nas condições de obtenção e de distribuição da renda de um determinando domicílio. Vale lembrar que, ao deixar de sustentar um filho, que se torna independente, uma família tem a sua renda impactada de forma positiva, o que pode fazer com que ela eventualmente deixe um determinado estrato socioeconômico e migre para outro, superior”, detalha a economista. A pesquisadora baseou o seu estudo nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme a PNAD, entre 1981 e 2011 a participação de pessoas morando sozinhas na área urbana aumentou de 0,7% para 2% entre os homens e de 0,8% para 2,3% entre as mulheres. Ademais, o número de casais sem filhos cresceu tanto numa área quanto na outra, passando, respectivamente, de 4,2% para 9,4% e de 3% para 9,9%. “A partir da metodologia utilizada pelo estudo, inferiu-se que as mudanças participativas dos diferentes tipos familiares dentro da população urbana contribuíram com um aumento de R$ 57 na renda per capita, enquanto que na área rural esse aumento foi de R$ 30”, informa Camila. A autora da dissertação observa que, se serviram para ampliar a renda per capita, as mudanças ocorridas no interior das famílias também contribuíram para um aumento da desigualdade entre os meios urbano e rural. Isso se explica, conforme a economista, porque as transformações demográficas foram mais pronunciadas no primeiro âmbito que no segundo. Ademais, os tipos familiares que experimentaram aumento da sua participação estão associados a maiores níveis de renda no urbano que no rural. “Na área urbana, a renda domiciliar per capita era, em 2011, de R$ 828. Já na área rural esse valor era de R$ 350”, compara. Camila frisa que apesar de as mudanças na composição familiar terem gerado um efeito regressivo sobre a distribuição de renda rural-urbana, que continua visivelmente muito desigual,

O estudo mostra que, nas áreas urbanas, a elevação da renda total das famílias foi de 38% entre 1981 e 2011

houve redução considerável das disparidades de renda entre essas áreas ao longo das últimas três décadas. Em sua pesquisa, a economista investigou, ainda, os impactos das mudanças demográficas sobre cada extrato de renda. Ela apurou que, também nesse aspecto da análise dos efeitos das mudanças na composição familiar, os benefícios não foram distribuídos de maneira igualitária entre as camadas mais ricas e mais pobres da população. Ou seja, os 10% mais ricos tiveram a renda

Camila Sakamoto, autora da dissertação: “A análise das características demográficas através da unidade familiar é extremamente relevante, uma vez que a aplicação desse corte de análise facilita a avaliação das mudanças, englobando ao mesmo tempo a queda da fecundidade brasileira e o envelhecimento populacional”

ampliada, enquanto a renda dos 40% mais pobres não apresentou a mesma dinâmica. A explicação está, mais uma vez, na intensidade com que as mudanças demográficas aconteceram dentro de cada estrato. “No geral, as alterações que mais impactaram positivamente a renda foram registradas justamente nas camadas mais elevadas, como a expansão dos casais sem filhos. Já as que impactaram negativamente a renda per capita foram mais pronunciadas entre as camadas mais pobres, como o aumento do

número de mulheres que sustentam sozinhas seus domicílios”, pormenoriza Camila. Esse impacto negativo sobre o estrato mais pobre da população, observa a autora da dissertação, não significa que apenas os mais ricos estão se beneficiando dessas mudanças. O estudo levanta a hipótese de que estaria ocorrendo uma mobilidade intergeracional das famílias brasileiras. “Devido ao elevado ganho trazido pelas próprias mudanças na estrutura familiar, muitas famílias que estavam situadas nas camadas inferiores da escala socioeconômica experimentaram uma mobilidade, migrando para estratos superiores”, reforça. Na análise da evolução da renda domiciliar per capita, especificamente nas áreas rurais, foi registrado um aumento interno das desigualdades, ocasionado principalmente pelo rendimento do trabalho e pelo valor das aposentadorias. Os dois fatores apresentaram maior valorização entre os estratos mais elevados de renda. A disparidade somente não foi maior, conforme a autora da dissertação, porque as famílias situadas nos estratos mais pobres foram beneficiadas por outras fontes de renda, como o BolsaFamília. “Ademais, esse tipo de fonte de renda teve papel essencial para a redução da vulnerabilidade econômica de determinados tipos de arranjos, principalmente os que contavam com a presença de filhos pequenos no domicílio”, diz a economista. A economista faz questão de assinalar que esse aumento das assimetrias entre os mais pobres e os mais ricos não significa que a pobreza cresceu no campo. “Não há necessariamente uma relação de causa e efeito nesse caso. Ao contrário, a renda dos mais pobres tem melhorado no rural nos últimos anos, por causa, como já mencionado, do desempenho favorável da economia e da ampliação dos programas assistencialistas”. Já nas áreas urbanas, ocorreu uma redução interna das desigualdades, provocada principalmente por causa da evolução mais acelerada do rendimento do trabalho nos estratos mais pobres. “Vale lembrar que, nas duas áreas [urbana e principalmente rural], as aposentadorias impactaram com menor intensidade as famílias do estrato mais pobre. Isso porque é justamente o elevado valor das aposentadorias que explica a maior propensão de famílias que contam com esse benefício em se situarem nos estratos mais elevados da renda. Mesmo assim, a sua importância não pode ser descartada entre a população mais pobre, visto que as aposentadorias contribuíram para aumentar a renda de todos os estratos”, assinala a pesquisadora. Os dados revelados pela pesquisa, reafirma Camila, apontam para a importância dos estudos que relacionam as mudanças demográficas aos impactos socioeconômicos, algo que somente em épocas recentes tem sido feito de maneira mais detalhada no Brasil. “A análise das características demográficas através da unidade familiar é extremamente relevante, uma vez que a aplicação desse corte de análise facilita a avaliação dessas mudanças, englobando ao mesmo tempo a queda da fecundidade brasileira e o envelhecimento populacional, além de outras mudanças contextuais que igualmente alteram os padrões de organização das famílias”, considera a autora da dissertação, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado ao Ministério da Educação.

Publicação Dissertação: “Mudanças na composição das famílias e impactos na distribuição de rendimentos: um comparativo entre áreas rurais e urbanas no Brasil” Autora: Camila Strobl Sakamoto Orientador: Alexandre Gori Maia Unidade: Instituto de Economia (IE) Financiamento: Capes


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Mínimo tem baixo impacto entre trabalhadores rurais sem carteira

Foto: Antoninho Perri

Descolamento do rendimento de informais está relacionado com a falta de fiscalização, aponta pesquisador CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

s aumentos reais do salário mínimo obtidos ao longo dos últimos 18 anos vêm ajudando a reduzir a desigualdade no Brasil, em geral, mas com uma importante exceção: no meio rural, a parcela mais pobre dos trabalhadores informais – sem carteira assinada – vem sendo deixada para trás e o fosso entre esses agricultores e os demais está se ampliando, mostra a tese de doutorado “Análise do impacto do salário mínimo sobre a distribuição de renda na agricultura brasileira: recortes segundo a posição na ocupação”, defendida por Régis Borges de Oliveira no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Em sua tese, o pesquisador faz uma revisão do debate econômico sobre o salário mínimo – se ele favorece o trabalhador ou, ao criar um piso para o custo do trabalho, aumenta o desemprego e o trabalho informal – e nota que, nos países menos desenvolvidos, existe a expectativa de que o mínimo “exerça o papel de indexador para os rendimentos mais baixos”, puxando para cima mesmo os salários abaixo do valor mínimo legal. O trabalho de Oliveira mostra que esse “efeito farol”, como também é chamado, do salário mínimo é mais fraco quando se observa a renda da parcela mais pobre dos trabalhadores rurais sem carteira assinada. Oliveira faz uma revisão de diversos estudos anteriores dos efeitos do salário mínimo sobre o mercado de trabalho e a desigualdade econômica, no Brasil e no mundo, e destaca que, no caso específico brasileiro, “nos anos recentes, a queda sistemática da desigualdade despertou o interesse dos pesquisadores sobre os seus determinantes, e o salário mínimo aparece novamente como uma das variáveis-chave na explicação do comportamento da desigualdade”. Ao longo dos anos, os estudos sobre a economia brasileira analisados pelo pesquisador apontam que a desigualdade na distribuição de rendimentos tende a cair à medida que o salário mínimo aumenta, sem que haja elevação significativa do desemprego.

ESTATÍSTICAS Mas a queda da desigualdade, no cenário nacional amplo, mascara outros efeitos, mais específicos do setor agrícola, argumenta a tese. Usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, o autor nota que o índice Gini, que mede a desigualdade, caiu, para os trabalhadores assalariados urbanos brasileiros, 21,2% entre 1995 e 2012, enquanto que o dos empregados rurais reduziu-se em apenas 4,1% entre o início e o fim do período, sendo que “o comportamento das medidas de desigualdade ao longo da série analisada é mais irregular” no setor agrícola. Comparando a evolução da renda entre os empregados mais ricos e os mais pobres dos setores agrícola e não-agrícola, Oliveira

Publicação Tese: “Análise do impacto do salário mínimo sobre a distribuição de renda na agricultura brasileira: recortes segundo a posição na ocupação” Autor: Régis Borges de Oliveira Orientador: Rodolfo Hoffmann Unidade: Instituto de Economia (IE)

Para Régis Borges de Oliveira, autor do estudo, “o setor agrícola possui particularidades que deveriam ser levadas em conta pela legislação”

constata que “a proporção da renda apropriada pelos 50% mais pobres cresce no caso dos empregados não agrícolas, e permanece quase estável para os empregados agrícolas”. A tese divide os trabalhadores rurais brasileiros em quatro categorias – permanentes com carteira de trabalho assinada; permanentes sem carteira; temporários com carteira; temporários sem carteira – e se vale de duas técnicas estatísticas mais sofisticadas, as regressões quantílicas e as curvas de densidade de Kernel, para descobrir como a evolução do salário mínimo afetou cada grupo. “No caso das regressões quantílicas é possível mensurar o efeito do salário mínimo ao longo da distribuição dos salários. Significa dizer que é possível identificar se o efeito exercido pelo salário mínimo é maior entre os relativamente mais pobres ou os relativamente mais ricos”, explicou Oliveira. “Conforme mostram os resultados, no caso dos empregados sem carteira de trabalho, o salário mínimo apresenta maior impacto sobre o rendimento dos relativamente mais ricos e seu crescimento, ao influenciar o rendimento destes, contribuiu para aumentar a dispersão dos salários dessa categoria de empregados”. Já as curvas de densidade de Kernel “permitem avaliar graficamente onde há uma maior concentração de rendimentos com valor igual ou próximo ao valor do salário mínimo”, disse o autor. “Assim, é possível ter uma ideia da importância do mínimo para determinada categoria de empregado. São métodos que, com os recursos computacionais disponíveis, trazem resultados mais interessantes e refinados”.

FISCALIZAÇÃO Oliveira não acredita que o salário dos trabalhadores rurais mais pobres e sem carteira assinada tenha ficado para trás, em relação aos avanços do salário mínimo e da renda dos demais assalariados rurais, por conta de uma eventual elevação excessiva do piso. “Na realidade, o que se observou foi um movimento de aumento das relações de trabalho formais no setor agrícola, acompa-

nhado a tendência geral de formalização no Brasil, principalmente a partir de 2001. Entre 1995 e 2012, enquanto houve aumento de 23% no número de empregados agrícolas com carteira de trabalho, os empregados sem carteira acumularam uma redução de 34,3%”, disse ele. “Isso mostra que o fato de o salário mínimo ter apresentando trajetória ascendente não inibiu a geração de postos de trabalho com carteira assinada, ou a transferência de empregados do segmento informal para o segmento formal”. “Obviamente, devemos observar o impacto do mínimo sobre os custos da mão de obra e a possibilidade de retração no emprego”, pondera. “Mas, no caso dos empregados temporários sem carteira, o descolamento do rendimento da categoria está muito relacionado com a dificuldade, ou mesmo falta, de fiscalização. Muitas das vezes é até difícil caracterizar a relação como vínculo empregatício. O setor agrícola possui particularidades que deveriam ser levadas em conta pela legislação. Toda a regulamentação do trabalho agrícola tem origem urbana e não atenta às especificidades do setor”. Ele não teme, também, que uma fiscalização trabalhista mais rigorosa venha a causar desemprego no campo. “Nos últimos anos, observamos o aumento da fiscalização do trabalho no setor agrícola sem necessariamente a destruição de postos de trabalho”, disse. “Um exemplo interessante é o caso da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, onde houve grande avanço na formalização dos cortadores de cana, sem gerar desemprego”. O pesquisador faz a ressalva de que “a fiscalização, por si só, não resolverá o problema dos baixos salários pagos no setor agrícola. A fiscalização deve estar atrelada a políticas de requalificação da mão de obra, aumentando as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho”. A tese anota que “os empregados temporários sem carteira registraram menor escolaridade média ao longo de todo período considerado”. E prossegue: “A escolaridade dos empregados sem carteira (permanentes e temporários) deveria crescer a um ritmo mais acelerado do que é constatado. A informalidade está, geralmente, associada a bai-

xa escolaridade e, por consequência, a menores salários. Deve-se pensar em formas de qualificação desses empregados agrícolas como uma das possibilidades de aumentar as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho”.

DESIGUALDADE Números apresentados na tese mostram a evolução dos rendimentos das quatro categorias de trabalhadores avaliadas ao longo do período de 1995 a 2012. “Observa-se que o rendimento médio dos permanentes com carteira é, pelo menos, 40% maior que a média dos empregados permanentes sem carteira”, diz a pesquisa, acrescentando que a taxa de crescimento do rendimento dos empregados permanentes com carteira também é maior: um aumento de 69,1% no período, ante 40,2% dos sem carteira e uma elevação real de 105,4% do salário mínimo, no mesmo intervalo. No último ano do período analisado, 2012, o rendimento médio dos empregados permanentes com carteira assinada era 70% maior que o dos sem carteira. Entre os trabalhadores temporários, a diferença de rendimentos entre os com carteira assinada e os sem carteira é ainda maior. “Em 1995, a média dos temporários com carteira era aproximadamente 72% maior do que a dos sem carteira. Essa diferença sobe para 97% em 2012”, afirma a tese. “Entre 1995 e 2012, o aumento do rendimento médio real dos empregados temporários com carteira foi de 58,2%, já para os temporários sem carteira o aumento foi de 38,1%”. Em sua conclusão, Oliveira escreve que, para os trabalhadores sem carteira assinada, “o efeito do salário mínimo é o inverso do esperado”. “Seu impacto é significativamente maior para os rendimentos da parte superior da distribuição, apresentando, inclusive, sinais negativos e estatisticamente significativos” para as faixas inferiores de renda. E, mais adiante: “Percebe-se que a maior parte desses empregados não foi beneficiada pela valorização do salário mínimo, e o comportamento da desigualdade entre esses empregados não seguiu a tendência geral de redução”.


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Engenheiro mecânico obtém Pó de elevada pureza é absorvido pelo corpo para a formação de nova estrutura

cimento ósseo ‘natural’ destinado a implantes Fotos: Antoninho Perri

SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br

ma pesquisa conduzida pela Unicamp em parceria com o Instituto de Cerâmica e Vidro de Madri, na Espanha, acaba de obter um pó com 100% de pureza, capaz de ser convertido em cimento ósseo para ser empregado em implantes. A grande vantagem é que, com este grau de pureza, a substância é absorvida totalmente pelo corpo humano para a formação de uma nova estrutura óssea. Ela atuaria como uma espécie de cimento ósseo natural. O pesquisador envolvido afirma que não há, até o momento, relatos na literatura científica que reportam a existência de um material nessas condições. Trata-se do alfa-fosfato tricálcico (α-TCP), composto já existente até então, porém com nível de pureza baixo, o que diminuía seu desempenho como implante. O biomaterial deverá ser empregado em implantes ósseos como alternativa às ligas de aço inoxidável, titânio, cerâmicas densas, entre outros. Devido à sua biocompatibilidade, quando implantado no corpo humano, o composto serve de “alimento” para o organismo produzir um novo osso. A etapa seguinte da pesquisa, que estabeleceu um protocolo para a obtenção da substância, é desenvolver próteses personalizadas a partir do material. “É um composto ótimo, com características perfeitas para ser utilizado em um implante porque não é necessária uma segunda cirurgia para a retirada do material. O cimento ósseo de alfa-fosfato tricálcico é feito durante o processo cirúrgico, o que diminui o tempo e os riscos da intervenção. Além disso, o material possui capacidade elevada para se adequar em qualquer cavidade, mesmo naquelas mais irregulares”, explica o engenheiro mecânico Hugo Ananias Inácio Cardoso, autor do estudo que obteve o α-TCP. O pesquisador da Unicamp ressalta que, por enquanto, o uso do biomaterial deverá ser destinado apenas para implantes ósseos de cabeça, face e pescoço. “A sua resistência mecânica ainda impede o uso integral em uma prótese de joelho, quadril ou cotovelo, por exemplo. Portanto, nestes tipos de próteses, ele deverá ser empregado como um material auxiliar, juntamente com uma liga metálica ou cerâmica”, pondera. A síntese do α-TCP foi desenvolvida por Hugo Cardoso como parte de sua tese de doutorado defendida junto à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Ele realizou parte dos experimentos no Instituto de Cerâmica e Vidro de Madri (Instituto de Cerámica y Vidrio) por meio de doutorado sanduíche entre as duas instituições. A instituição espanhola - vinculada ao Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), órgão governamental de fomento à pesquisa daquele país - está instalada no campus da Universidade Autônoma de Madri. Os trabalhos foram coordenados pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia, do Departamento de Engenharia de Manufatura e Materiais da FEM, e pelos pesquisadores Raúl García Carrodeguas e Miguel Angel Rodriguez, da instituição madrilena.

Publicação Tese: “Síntese, caracterização e cinética de formação do pó de [alfa]-fosfato tricálcico de elevada pureza” Autor: Hugo Ananias Inácio Cardoso Orientadora: Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) Financiamento: CNPq, Capes e Fundação Carolina

O pó desenvolvido na FEM e na Espanha: biomaterial serve de “alimento” para o organismo produzir um novo osso

“Apesar de o material já ser conhecido há décadas, ainda não há um consenso sobre como conduzir a reação química. Não havia um protocolo sobre isso. A literatura científica era difusa e não se sabia, até então, todos os fatores que influenciavam na síntese de α-TCP de elevada pureza. Obter este material com um nível de pureza considerado baixo prejudicaria sua reatividade e desempenho ‘in vivo’”, justifica o engenheiro mecânico. Ele situa que os fosfatos de cálcio estão entre os substitutos ósseos mais utilizados ao redor do mundo. Isso acontece devido a sua similaridade química com a parte mineral dos ossos e excelente biocompatibilidade, caracterizada pela alta osteocondutividade, fenômeno que estimula a formação óssea no local onde o material é implantado. Hugo Cardoso informa que os estudos também foram desenvolvidos no âmbito do Laboratório de Biomecânica da FEM; do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris), instalado na Unicamp; e da Rede Iberoamericana de Biofabricação. A pesquisa foi financiada, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e, na Espanha, pela Fundação Carolina.

FOSFATO TRICÁLCICO O fosfato tricálcico, uma combinação de compostos de cálcio e fosfato, possui duas fases estáveis em temperatura ambiente - a alfa e a beta. Estas fases, possíveis de se obter via reação de estado sólido, apresentam características diferentes entre si, especifica o engenheiro mecânico, que desenvolve pesquisas sobre o assunto desde 2009, data em que iniciou seu mestrado na FEM. “O material alfa se transforma no corpo humano, quando em contato com água, em hidroxiapatita deficiente em cálcio, substância muito similar a nossa fase mineral óssea. Portanto, depois de algum tempo, a hidroxiapatita vai ser utilizada pelo nosso próprio corpo para formar um novo tecido. Isso acontece porque o nosso osso não é tão deficiente em cálcio quanto esta substância. O nosso osso começa a fagocitar

Hugo Ananias Inácio Cardoso, autor da tese: “Não é necessária uma segunda cirurgia para a retirada do material”

este material para formar um osso novo, que vai surgindo à medida que o material vai embora.” Conforme o pesquisador da Unicamp, o seu trabalho consistiu em obter o fosfato tricálcico até atingir 100% de pureza na fase alfa. Ele acrescenta que o fosfato tricálcico estável em temperatura ambiente é uma mistura entre as fases alfa e beta. O objetivo dos experimentos foi separar estas duas fases. Na literatura científica há relatos reportando a obtenção de alfa-fosfato tricálcico, mas sempre com quantidades significativas de beta. Neste caso, de acordo com Hugo Cardoso, o beta seria a impureza porque ele não é absorvido pelo osso. “Desenvolvi, com base em uma reação química de estado sólido, vários estudos de cinética e choque térmico, com diferentes tempos de permanência do material no forno e também com diferentes temperaturas. Utilizei reagentes sintetizados em laboratório para purificar o fosfato tricálcico. Estes reagentes foram preparados para diminuir

o nível de impurezas, principalmente o teor do magnésio, um dificultador na obtenção de α-TCP. A pureza do pó precursor foi um fator essencial para o sucesso da aplicação de um cimento de α-TCP a 100%”, revela. O material em fase alfa foi obtido num tempo de duas horas, considerado reduzido em relação aos experimentos já reportados na literatura científica. O protocolo desenvolvido por Hugo Cardoso foi validado com até 50g de material, condição em que o nível de pureza também foi de 100%. “Além disso, obtivemos α-TCP a 1265ºC, sem a necessidade de choque térmico. Na maioria das vezes os experimentos utilizam temperaturas superiores a 1300ºC e tempos de patamar não menores que seis horas e, ainda assim, não conseguem 100% de pureza. Isto representa, portanto, um aumento na eficiência da reação, além de um ganho energético extremamente relevante, por meio de uma diminuição da temperatura com um tempo no forno mais curto”, acrescenta.


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‘Limpando’ o terreno Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Dissertação mapeia movimentos sociais que atuam no âmbito da Copa do Mundo LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

entrificação é um termo derivado do inglês que não consta nos dicionários de português: refere-se a um fenômeno que altera a realidade de um bairro ou região com a criação de novos pontos comerciais ou edifícios, valorizando os custos de bens e serviços e dificultando a permanência da população de baixa renda no local. O fenômeno vem ocorrendo nos preparativos da Copa do Mundo a ser disputada em 12 cidades brasileiras e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, havendo a estimativa de remoção forçada de mais de 170 mil pessoas, seguindo a ideia de “limpar o terreno” para grandes projetos urbanos. Acima dos impactos econômicos, fundiários, urbanísticos e ambientais, sobressaemse os sociais. “A Copa Fifa 2014 para além da política esportiva: estudo do dissenso entre os interesses da ‘cidade empresarial’ e os citadinos através da análise da ação dos movimentos sociais” é o título da dissertação de mestrado de Juliana Cristina Barandão, orientada pelo professor Lino Castellani Filho e apresentada na Faculdade de Educação Física (FEF). “A realização de megaeventos esportivos em solo brasileiro, desde os Jogos Pan-Americanos de 2007 e a Copa das Confederações de 2013, evidencia o surgimento de um modelo de planejamento de cidade pautado na racionalidade econômica e na gestão empresarial do espaço urbano”, afirma a autora da dissertação. Juliana Barandão explica que, em contraposição à gentrificação, entidades e movimentos sociais se articularam para debater, acompanhar e questionar os projetos, denunciando aspectos que violem os direitos dos setores desprivilegiados da população. “O objetivo da pesquisa é o mapeamento dos movimentos sociais que fizeram e ainda fazem este embate político nas doze cidadessedes da Copa do Mundo de 2014. A fonte principal é o portal do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, site onde os comitês populares de cada cidade-sede dialogam em rede nacional – a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop).” A Copa Fifa terá jogos em Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, todas as cidades com comitês locais criados por movimentos sociais, universidades e entidades da sociedade civil. “São os próprios comitês populares que alimentam o portal com notícias sobre as lutas, vitórias e derrotas em torno dos projetos”, informa a mestra em educação física. “E, pelas notícias, percebemos que a princípio os movimentos não são contrários à realização da Copa no Brasil; prevalece a ideia de que em nosso país o futebol possui um forte poder simbólico, que também os afeta. As críticas se relacionam à forma como o megaevento está sendo organizado.” Diante do senso comum de que a realização de megaeventos esportivos impõe às cidades-sedes um modelo de estruturação e gestão, a autora da dissertação, com base em estudos acadêmicos, conclui o contrário: que as cidades, por já possuírem um planejamento estratégico pautado na racionalidade econômica, veem nos megaeventos uma oportunidade de implementação e legitimação do seu projeto de desenvolvimento. E que as entidades e movimentos sociais, por sua vez, veem a oportunidade de discutir demandas sociais, participando dos comitês e buscando soluções que contentem todas as partes. “Na matriz da Copa no Brasil estão projetos guardados há muitos anos e que em outro contexto não seriam aprovados – é um contexto de exceção, em que as regras podem ser mudadas e tudo pode.” Juliana Barandão afirma que alguns movimentos criticam não apenas as remoções, mas a forma como são executadas, sem o cumprimento de leis internacionais ratifica-

Manifestação contra a Copa do Mundo, no último dia 15, em Brasília

Portal tem notícias de 255 entidades Juliana Barandão informa em sua dissertação de mestrado que no Portal Popular da Copa e das Olimpíadas (http://www.portalpopulardacopa.org.br/) estão indicados todos os comitês das 12 cidades-sedes, bem como notícias, cartilhas, panfletos e documentos relacionados à Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016, produzidos sobre os seguintes temas: luta e resistência, remoções e despejos, trabalho e precarização, exceções e ilegalidades, discriminação e segregação, recursos públicos para interesses privados, criminalização e repressão, elitização e mercantilização da cidade, autoritarismo e processos decisórios e ameaças à soberania. Foto: Antoninho Perri

As notícias possibilitaram identificar 255 entidades/organizações sociais articuladas em torno da temática da Copa 2014, a partir da denúncia de violações dos direitos humanos e da resistência de comunidades afetadas pela organização do evento, seja pela necessidade de remoções em decorrência das obras para os estádios e mobilidade urbana; pelo aumento da especulação imobiliária e, consequentemente, expulsão de parcela da população para as franjas periféricas; pelo alto custo do evento financiando por recursos públicos; e pelo ataque ao sistema jurídico vigente, aos direitos sociais e de certa forma à soberania do país.

Segundo a pesquisadora, os motivos alegados para a remoção forçada evidentemente são outros: favorecer a mobilidade urbana, proteger as populações de riscos ambientais e inclusive melhorar suas condições de vida. Em tese, a Copa Fifa 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio podem deixar legados para as cidades sedes na área social, novas e modernas instalações esportivas, incremento das intervenções urbanas e capacitação do setor empresarial. “Ocorre que em muitos casos estes megaeventos têm gerado efeitos negativos sobre diversos segmentos sociais, especialmente sobre os historicamente excluídos, como moradores de assentamentos informais, migrantes, moradores de rua, trabalhadores sexuais e comunidades indígenas.”

TRABALHO E PRECARIZAÇÃO

Juliana Cristina Barandão: “Na matriz da Copa no Brasil estão projetos guardados há muitos anos e que em outro contexto não seriam aprovados”

das pelo Brasil e que dizem respeito, entre outros aspectos, ao aviso com antecedência e participação dos moradores no processo e na definição do local para realocação. “Entidades procuram dialogar com o poder público propondo alternativas como de reduzir a dimensão de projetos para que menos famílias sejam afetadas. Há comunidades vivendo em áreas ocupadas de maneira pacífica, sem oposição dos proprietários e por prazo superior a cinco anos – premissa para a usucapião urbana. Geralmente, eram áreas consideradas franjas urbanas (periféricas) que valorizaram com o crescimento das cidades, tornando-se alvos da cobiça dos especuladores.”

O problema da moradia talvez seja o que mais afeta as comunidades, mas Juliana Barandão observa que o portal do Comitê Popular da Copa também traz notícias sobre as paralisações de trabalhadores nos estádios em construção, por conta de direitos trabalhistas e denúncia de condições similares às de trabalho escravo. “Sejam empregados e subempregados em grandes obras como estádios e rodovias, sejam trabalhadores informais reprimidos no exercício de sua atividade econômica, observa-se um padrão de crescente precarização, conduzido por empresas e consórcios contratantes e pelo próprio Estado. Se é verdade que os megaeventos poderiam oferecer uma oportunidade de inclusão social dos trabalhadores, geração de empregos e ampliação de direitos, não tem sido esta a realidade no Brasil.” A autora da dissertação considera que estes efeitos perversos são ampliados através da imposição, pelo público e comitês promotores, do que Carlos Vainer chama de “estado de exceção” instituído especial-

mente no contexto dos megaeventos, que permite a flexibilização das leis e suspensão de direitos antes e durante os jogos. “A chamada Lei Geral da Copa aprovou a isenção dos encargos para a Fifa, alterou o critério de entrada de estrangeiros no país para os eventos, a lei de descontos para estudantes e idosos (com a estipulação de cotas), permitiu a venda de bebida alcoólica nos estádios (depois de tanta luta para proibi-la) e limitou uma área exclusiva no entorno dos locais de competição para a entidade, prejudicando os comerciantes que já estavam estabelecidos ali.” A Lei da Copa, na opinião de Juliana Barandão, não é apenas contrária ao Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Torcedor, como flexibiliza a legislação das próprias práticas urbanísticas no Brasil. “No Estatuto da Cidade foi aprovada a possibilidade de aplicação de operações urbanas consorciadas, ou seja, de um conjunto de intervenções pelo poder público em parceria com proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental. E para essas parcerias está prevista a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação de solo, regularização de construções ou reformas executadas em desacordo com a legislação vigente.” De acordo com Juliana, a Articulação Nacional e os Comitês Populares locais estão atentos às violações do ordenamento jurídico brasileiro e ao estado de exceção, somando-se ações que partem de instâncias do próprio governo, visando questões como das isenções ficais à Fifa. “As novas legislações visam conceder exceções e privilégios para assegurar o lucro da Fifa e de seus parceiros comerciais e patrocinadores em detrimento dos interesses da população brasileira. Encontrei 34 notícias postadas sobre o tema, entre elas da urbanista e professora da USP Raquel Rolnik, relatora da Comissão Especial de Direito à Moradia da ONU. Ela dirá que não era prioridade do Brasil organizar um evento tão dispendioso; que em 1950 o Brasil organizou a Copa que podia, e que a mesma postura poderia ter sido adotada agora. Já há indicações de quatro estádios superfaturados e que deverão ficar como elefantes brancos, em cidades que nem possuem times nas séries A ou B.”

Publicação Dissertação: “A Copa Fifa 2014 para além da política esportiva: estudo do dissenso entre os interesses da ‘cidade empresarial’ e os citadinos através da análise da ação dos movimentos sociais” Autora: Juliana Cristina Barandão Orientador: Lino Castellani Filho Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)


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O chuveiro

na curva do consumo

Simulações revelam que banhos são responsáveis por 23% da carga no horário de pico Fotos: Antonio Scarpinetti

Nordeste. Desta maneira, dá para separar o Brasil em termos de uso de chuveiro elétrico por regiões: de um lado vêm Norte e Nordeste e de outro Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Nas regiões Norte e Nordeste, a participação do chuveiro é mínima. Na Norte é de 2% e na Nordeste bate a porta dos 10%. Sul, Sudeste e Centro-Oeste superam, cada qual, os 25%. “Então analisando estratégias para serem adotadas para o aquecimento de água, haveria uma resposta mais efetiva trabalhando só com as regiões mais ao Sul do país do que ao Norte, devido ao clima. Na maior parte do ano, não há necessidade de aquecimento de água para banho nas regiões Norte e Nordeste.” O estudo de Maurício pretende mostrar o quanto de energia elétrica está sendo consumida para uma atividade de intensa importância, mas para a qual, felizmente, há outras alternativas, como por exemplo a adoção da energia solar. Acontece que ela não resolve todos os problemas. Vem uma semana nublada e não há o aquecimento de água almejado. Nesse caso, o chuveiro elétrico pode ser utilizado para compensar a falta do aquecimento solar. A energia elétrica é, a seu ver, uma excelente forma de complementação para o aquecimento de água, e não deveria ser utilizado como fonte principal. Um outro aspecto ainda a ser levado em conta é que o aquecimento solar, em longo prazo, é mais econômico que o aquecimento elétrico. Há um custo inicial de instalação, não há custos de consumo e a manutenção é bem espaçada. Mas o chuveiro acabou conquistando mercado em razão do preço atrativo (há modelos a partir de R$ 40,00). Outra coisa: há lugares em que as moradias são muito verticalizadas, principalmente nas grandes cidades. Os prédios, em seu topo, não têm área suficiente para instalação de coletores solares para atender todos os apartamentos. “Mas é possível utilizar outras formas de aquecimento, como os aquecedores a gás”, menciona. Os grandes centros urbanos têm disponibilidade de gás. No município de São Paulo, no caso, desde 1987 é obrigatória a instalação de gás canalizado em todos os prédios. Agora, tanto o aquecimento a gás quanto o aquecimento solar, se não estiverem previstos na obra, necessitam de alterações hidráulicas que podem encarecer a sua instalação. Um aquecedor solar custa pelo menos R$ 2 mil, sem contar a parte hidráulica. Logo, esse preço pode subir mais ainda.

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ma pesquisa de mestrado apresentada à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) confirmou as estimativas de órgãos governamentais sobre o consumo do chuveiro elétrico como formador do horário de pico do setor residencial, com impacto na curva de carga do sistema elétrico brasileiro. As estimativas oficiais sobre a participação do consumo do chuveiro no setor residencial eram de 20% a 30%, e as simulações resultaram em cerca de 23%. “O consumo de energia elétrica pelo chuveiro ao longo do ano por toda a população corresponde a praticamente 30% da energia gerada por Itaipu no mesmo período”, revela o engenheiro eletricista Maurício de Castro Tomé, autor da investigação. Segundo seu estudo, nas regiões Sul e Sudeste do país, esse aparelho chegou a responder por até 40% do consumo de energia elétrica residencial no horário de pico – entre as 18 e as 19 horas. A curva de carga é o consumo de energia elétrica agregado de todas as residências, de todas as indústrias e de todo o setor comercial. “Se pensarmos no consumo de energia de todas as residências, metade do consumo no horário de pico parte do chuveiro elétrico. Se houver algum tipo de esforço para melhorar esse quadro, com certeza haverá um grande ganho”, garante. O pesquisador avaliou o chuveiro elétrico por ser ‘o maior vilão da conta de luz’. “E, como ele é utilizado em horários muito específicos, acaba gerando picos de consumo sobretudo quando as pessoas se levantam para ir à escola ou trabalhar, ou na hora em que retornam aos seus domicílios.” Pela manhã, o maior consumo de chuveiro concentra-se entre as 6 e as 8 horas. Maurício expõe que sempre se preocupou com o chuveiro e que procurou um orientador que o pudesse auxiliar a desenvolver uma pesquisa sobre o assunto. Seu orientador foi o professor da Feec Luiz Carlos Pereira da Silva. Inicialmente, fez um levantamento de dados que constatou que o chuveiro elétrico está presente em mais de 70% dos domicílios brasileiros. “Mas o detalhe é que boa parte dos 30% restantes não aquece a água de maneira alguma, principalmente nas regiões mais quentes. Descontando esses domicílios, a participação do chuveiro elétrico sobe para 92%”, afirma. Além disso, dados do Ministério do Meio Ambiente e de diversos outros órgãos apontavam que o chuveiro elétrico era o eletrodoméstico responsável pela maior parte do consumo de energia de uma residência. Ele consome mais energia do que a geladeira, dependendo do tipo de residência e da classe de consumo, e é o aparelho de maior potência para uso doméstico. Trata-se de uma invenção brasileira utilizada quase exclusivamente pelo Brasil e por países da América Latina. Um chuveiro tipicamente nas regiões Sudeste e Sul tem cerca de quatro mil watts de potência. Para se ter uma ideia, o forno de micro-ondas, por exemplo, apresenta potência de mil watts e uma geladeira cerca de 300 watts. Logo, o chuveiro é o responsável por uma parcela muito significativa desse consumo. Em alguns países, não é usado o aquecimento instantâneo, e sim o aquecimento de acumulação, baseado em energia elétrica ou a gás. Já em outros, que têm um parque de termoelétricas, são disponibilizadas redes públicas de água aquecida por meio do calor residual do processo de geração termoelétrico. “Como existe esse resíduo de calor na geração térmica, ele é empregado para aquecer a água e disponibilizála à população. No caso brasileiro, cuja base de geração é hidroelétrica, não há a produção de calor residual, e o parque de termoelétricas é mais disperso. Além disso, não dispomos nem de rede de água encanada em alguns lugares. Que dirá de água quente?”, compara.

PICOS

O mestrando explica que o padrão de uso do chuveiro e sua alta potência contribuem para a formação do horário de pico do sistema. No horário de pico, os transformadores e as linhas de transmissão estão operando próximos do seu limite, ou até em sobrecarga. Essa sobrecarga, em casos extremos, pode causar interrupções na distribuição de energia elétrica. O ideal, tanto para o sistema de geração quanto de transmissão de energia, seria que o consumo de energia fosse constante ao longo do dia, de modo que o perfil da curva de carga fosse plano. No entanto, na maior parte das residências, não é possível deslocar o consumo de energia elétrica para outros horários, pois a maior parte dos eletrodomésticos só está em operação quando os moradores estão em casa. Para estudar o impacto do chuveiro elétrico nas redes de distribuição, é necessário saber qual é o padrão de uso do chuveiro ao longo do dia, bem como os demais eletrodomésticos presentes em uma residência. Os dados de consumo dos

Segundo o estudo, nas regiões Sul e Sudeste do país, o uso do chuveiro chega a responder por até 40% do consumo de energia elétrica residencial no horário de pico

TARIFA BRANCA

O engenheiro eletricista Maurício de Castro Tomé: “É preciso investir em algum plano de conscientização para o uso da energia elétrica”

eletrodomésticos utilizados pelo aluno foram obtidos do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), da Eletrobras. O Procel periodicamente realiza pesquisas de posse e hábitos de consumo de eletrodomésticos, em parceria com as concessionárias de energia elétrica do país. Essas pesquisas consistem de entrevistas com consumidores residenciais, para levantamento do número de eletrodomésticos possuídos, e o padrão de utilização dos mesmos. A partir disso, consegue-se traçar uma curva de consumo típica do consumidor separada por regiões e também do agregado nacional, que corresponde ao consumidor médio brasileiro. Como as informações foram separadas por eletrodoméstico e faixa horária, o pesquisador tinha a flexibilidade de analisar o impacto individual de cada aparelho a cada período. Como imaginava que o chuveiro seria o responsável pela maior parte do consumo, dedicou-se a ele. Utilizando os dados da pesquisa e um modelo simplificado de uma rede de distribuição de energia elétrica, o autor do estudo efetuou simulações computacionais de fluxo de carga, que possibilitam a obtenção de informações sobre o consumo de energia elétrica, potência e perdas. Simulou o consumo com todos os eletrodomésticos e o consumo sem o uso do chuveiro ao longo do dia, comparando os resultados.

ABRANGÊNCIA

Qual o consumo médio de energia no país? Como o Brasil é um país extenso e atravessa diversas latitudes, o padrão de consumo muda bastante, até por questões de renda. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm um padrão de consumo de energia elétrica médio maior que as regiões Norte e

Hoje em dia, os consumidores pagam energia elétrica pela tarifa monômia, ou seja, paga-se o mesmo valor pela energia elétrica, independentemente da hora. Mas está em discussão a tarifa branca, que estabelece patamares nos quais o preço da energia elétrica nos horários de pico é mais alto e, fora do horário de pico, é mais baixo do que o atual. Maurício explana que isso daria margem para fazer o deslocamento de carga e se aproveitar das tarifas mais baixas para tomar banho, lavar roupa e ter uma economia na conta de luz graças à mudança no seu hábito de consumo, sem necessariamente consumir menos energia. Ocorre que a maioria das pessoas não consegue tomar banho muito mais cedo ou muito mais tarde e pode ser que essa medida não seja efetiva para reduzir o pico de demanda. Além disso, muitas vezes, é necessária uma mudança de hábitos brusca, que pode não ser conveniente ao usuário e nem trazer uma boa economia na conta de energia. Este é um dos motivos pelos quais essa tarifa não deve ter ampla aceitação, realça ele, e portanto os impactos também não serão significativos. O mestrando tomou ainda dados do Balanço Energético Nacional de 2011 e viu que “estamos gastando um terço da energia gerada pela maior usina em operação no mundo para esquentar água num país que tem insolação suficiente para aquecer a água através do sol na maior parte do ano”, observa. O Brasil tem capacidade de empregar aquecimento de água a partir de outras fontes: seja a gás ou solar. “É preciso investir em algum plano de conscientização para o uso da energia elétrica de maneira mais racional, bem como incentivos econômicos para a adoção de outras formas de aquecimento de água”, reflete o autor do estudo.

Publicação Dissertação: “Análise do impacto do chuveiro elétrico em redes de distribuição no contexto da tarifa horossazonal” Autor: Maurício de Castro Tomé Orientador: Luiz Carlos Pereira da Silva Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec)


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Estudo avalia impactos de sistemas de manejo da cana Tese desenvolvida por pesquisadora da Feagri analisa emissão de CO2 em solos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

sistema de colheita mecanizada da cana-de-açúcar, em substituição ao processo de queima do canavial, tem sido adotado pelo setor canavieiro. A finalidade é obter benefícios na qualidade do solo e do ambiente, com vistas a minimizar as emissões de gases causadores do efeito estufa, como o gás carbônico (CO2), o óxido nitroso (N2O) e o metano (CH4), apesar de muitos estudos comprovarem efeito nulo do gás carbônico no contexto de gás poluidor à atmosfera. Ao mesmo tempo em que é emitido, é absorvido pelas plantas através do processo de fotossíntese. A queima do canavial em muitos lugares do Brasil (o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo) ainda é bastante praticada e tem causado perdas de matéria-prima. Por esse e outros motivos, o país tem agido com rigor para acabar de vez com essa prática inconsequente, que traz um verdadeiro transtorno às pessoas que moram nos arredores desses locais. A fumaça e a fuligem são incômodas, por sujarem as casas e promoverem poluição no ar, afetando inclusive a saúde humana, principalmente no aparelho respiratório. Uma lei que está em vigor no Estado de São Paulo determinou prazos para a eliminação gradativa do emprego do fogo para despalha da cana-de-açúcar nos canaviais paulistas. Mas afinal qual sistema emite mais gás carbônico: o de cana crua ou queimada? Em estudo de doutorado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), a pesquisadora Rose Luiza Moraes Tavares avaliou a emissão de CO2 em solos sob sistema de cana crua (sem queima) e em solos de queimada do canavial. Sua conclusão foi que, contrariamente ao que se mencionava na literatura, a emissão de gás carbônico no solo foi maior no sistema de cana crua. “Nosso achado derrubou o mito de que o sistema de queimada emite mais gás carbônico”, revela. Contudo a estudiosa faz uma ressalva: o sistema de cana crua, mesmo emitindo mais CO2 no estudo, mostrou ter efetuado uma emissão benéfica, isso porque o resíduo da cana – a palhada –, que permanece sobre o solo após a colheita, age como um verdadeiro tapete de proteção. Ela estimula a atividade dos organismos vivos, ocasionando uma maior emissão de CO2, visto que esse gás é o produto final da respiração dos seres que atuam no processo de decomposição dos resíduos orgânicos. A explicação é que a palhada libera compostos orgânicos fundamentais ao desenvolvimento da planta. Os organismos do solo são responsáveis pela sua degradação e, sem a sua presença, esse material ficaria difícil de ser decomposto. Primeiro acontece o trabalho das operárias do solo: as minhocas, as formigas e outros organismos macroscópicos. Eles decompõem os resíduos mais facilmente degradáveis e depois aparecem os microrganismos – sobretudo fungos e bactérias, que no processo final transformam compostos orgânicos em minerais, os quais serão aproveitados pelas raízes das plantas. Como há muita oferta de substratos sobre o solo no sistema de cana crua, há maior estímulo à atividade desses microrganismos que, por sua vez, acabam emitindo mais gás carbônico para o solo. Mesmo com a liberação de CO2 durante a decomposição microbiana, parte do carbono que seria liberado na queima é incorporado ao solo. Foi o que atestou esse projeto financiado pela Fapesp. Isso não ocorre com a cana queimada. A palhada, ao invés de ficar no solo, é liberada para a atmosfera. Mas utiliza-se muito esse sistema para facilitar o corte manual, pois é muito difícil cortar a cana crua. E, após o corte, é levada às usinas para moagem e para ser transformada em açúcar ou álcool.

Hoje, o uso da mecanização, mais intenso na fase de colheita, vem sendo implementado de modo irreversível. Gradualmente, as pessoas vão cedendo lugar aos maquinários, fazendo a colheita nas lavouras ganhar em agilidade. A vantagem da colheita mecanizada, expõe, é que ela diminui, em maior medida, a emissão de gases poluentes de efeito estufa, como o óxido nitroso e o metano, sabidamente prejudiciais. Por outro lado, há que se reconhecer que esses gases, que participam do efeito estufa, são um fenômeno natural e importante à manutenção da vida no planeta, mantendo, em média, a temperatura próxima à superfície da terra em torno de 14°C. Caso não houvesse esse efeito, a superfície da terra seria 33°C mais fria, ensina ela. O problema, a seu ver, é o aumento desses gases que está sendo feito de maneira indiscriminada, ocasionando uma série de fenômenos, como o aquecimento global.

CAUTELA

Um solo desprotegido é prejudicial à agricultura e mais propenso a erosões. Então um dos gargalos do processo de cana crua é que o peso das máquinas promove maior compactação do solo – um problema físico que impede a renovação do canavial. A despeito dos efeitos que o sistema de cana mecanizada proporciona na física do solo, como maior compactação provocada pelo uso intensivo de maquinário, a abolição da queima do canavial, o aumento da conservação do solo pela deposição da palha e a melhoria na qualidade do ar tornam esse sistema um avanço no cultivo da cana-de-açúcar. Além disso, os trabalhos que comprovam os efeitos nocivos da cana mecanizada na qualidade do solo são raros, carecendo de estudos mais pormenorizados que avaliem não somente os impactos – que façam um balanço geral dos benefícios e malefícios desse sistema ao ambiente. Outro gargalo é que, com a presença mais frequente de maquinários nessas áreas, ocorre também grande emissão de gases poluentes devido ao diesel no sistema de cana crua. A ideia para contornar esse obstáculo é usar combustíveis mais limpos que o diesel (possivelmente o etanol). Rose sublinha que o gás carbônico não é devastador em termos de aquecimento global porque, ao mesmo tempo em que ele é emitido, a planta absorve-o mediante a fotossíntese. É por isso que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças

Climáticas (IPCC) não considera o CO2 no contexto de aquecimento global.

ATRIBUTOS

Constatou-se nesta investigação, como dito anteriormente, que no sistema de cana crua há um maior adensamento do solo provocado pelo maquinário em comparação ao sistema de cana queimada, comprovado por análises de densidade, umidade e porosidade do solo. Não obstante, nas áreas de cana crua, esses valores de adensamento não foram desastrosos no estudo, conta Rose. É que na literatura a densidade para o solo avaliado, tida como uma situação de compactação prejudicial ao desenvolvimento radicular, é em torno de 1,45 g/cm3. “A nossa esteve abaixo de 1,38 g/cm3. Cremos então que o efeito da palhada é benéfico, ainda que proporcione maior emissão de CO2. Ela traz inúmeros benefícios à física, química e biologia do solo.” A expectativa de Rose é de que a presença de palhada sobre o solo, em longo prazo, promova estabilização das emissões de CO2 do solo, porque seu estudo indicou variações não significativas entre inverno e verão para a área de cana crua com presença de palhada por dez anos, enquanto que o sistema de cana queimada, com ausência de palhada, apresentou grandes variações nas emissões de CO2 nos períodos avaliados. No sistema de cana crua houve uma estabilização de gás carbônico, mesmo tendo sido maior. Já no sistema de cana queimada, no inverno a emissão foi baixa e, no verão, alta. Isso foi estimulado pelos microrganismos no solo durante o verão, mais ativos, e pela umidade do solo, que está maior. Uma parte da pesquisa de Rose foi realizada nos Estados Unidos. Ela recebeu uma bolsa-sanduíche para estudar seu tema na Universidade de Minnesota e USDA (Departamento de Agricultura dos USA). A autora do estudo levou amostras de solo para lá e fez análise de CO2, metano e óxido nitroso, pelo período de nove meses. No Brasil, ela fez o trabalho de campo em Pradópolis, São Paulo. Essa cidade possui a Usina São Martinho, uma das mais antigas na produção de cana do mundo e com grandes produtividades de seus canaviais. Rose é graduada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e alcançou o mestrado pela Unesp de Jaboticabal. Seu doutorado foi orientado pelo professor da Feagri Zigomar Menezes de Souza, especialista em Física do Solo, em parceria com o professor Newton La Scala, da Unesp de Jaboticabal, especialista em CO2 do solo.

Conversão De acordo com a Unica (2013), o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, com 9.616.615 hectares (ha) de área plantada. Desse total, o Estado de São Paulo possui 5.533.176 ha de cana, com moagem de 406,26 milhões de toneladas, aumento de 16,21% quando comparado ao período de 2012. Estima-se que a área de conversão da cana queimada em cana crua no período de 2012 a 2014 será de 556.840 ha, se forem atendidos todos os protocolos estabelecidos de abolição da queima. No acumulado desde o início da safra 2013/2014 até a primeira quinzena de setembro, a produção de etanol totalizou 17,24 bilhões de litros. Já a produção de açúcar alcançou 22,92 milhões

de toneladas no mesmo período. Em 1999, a queima da cana era responsável por cerca de 98% das emissões de gases provenientes da queima de resíduos agrícolas no Brasil. Uma curiosidade: a temperatura durante a queima da cana é de cerca de 160-200 °C na superfície do solo, ocasionando perda por volatilização de nutrientes essenciais no ciclo vegetativo. Em 2011, foi 1,67 milhão de ha de cana-de-açúcar queimada no Estado de São Paulo. Portanto, a recente tendência de adoção de práticas agrícolas que levem a uma maior sustentabilidade do sistema, com menor emissão de gases do efeito estufa, pressiona a agroindústria sucroalcooleira a rever seus processos, incluindo a colheita da cana sem queima prévia. Foto: Antonio Scarpinetti

PRÓS E CONTRAS

O cultivo da cana-de-açúcar caracterizou-se na década de 1970 pela queima e corte manual, com uma média de três a quatro cortes, influenciados pela menor qualidade das variedades existentes na época. No início de 1980, com o surgimento de variedades melhoradas, o número de cortes do canavial aumentou e, em meados desta década, a colheita mecanizada intensificou-se pela necessidade de complementar a colheita manual em um período de grande expansão do plantio da cana. Na década seguinte, essa cultura passou a ser colhida sem processo de queima e de forma mecanizada.

Publicação Tese: “Emissão de CO2 e atributos físicos, químicos e microbiológicos do solo em sistemas de manejo de cana-de-açúcar” Autora: Rose Luiza Moraes Tavares Orientador: Zigomar Menezes de Souza Coorientador: Newton La Scala Jr. Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) Financiamento: Fapesp A pesquisadora Rose Luiza Moraes Tavares e o equipamento usado nas medições: mecanização é irreversível


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Campinas, 19 a 25 de maio de 2014

Pesquisa mostra que prática regular de esporte atenua alterações vasculares e cardíacas em pessoas com lesão crônica na medula espinhal

Mão na roda

Foto: Joon Ho Kim

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

esquisa interdisciplinar coordenada pelos professores da Unicamp Alberto Cliquet Junior, do Departamento de Ortopedia, e Wilson Nadruz, do Departamento de Clínica Médica, da disciplina de cardiologia, ambos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), e José Irineu Gorla, do Departamento de Atividade Física Adaptada, da Faculdade de Educação Física (FEF), comprova que a atividade física ajuda a resguardar o coração de pessoas com lesão crônica na medula espinhal (LM). Por meio de ecocardiograma e ultrassom da carótida (a artéria que fica no pescoço e leva sangue para o cérebro), os pesquisadores demonstraram que exercícios regulares minimizam o processo de entupimento dos vasos, diminuindo o risco de infarto, acidentes vasculares e insuficiências cardíacas, mais prevalentes nesses indivíduos do que nas pessoas em geral. O trabalho, que comprova que a prática regular de esporte está associada à atenuação de alterações vasculares e cardíacas em indivíduos com lesão crônica na medula espinhal, venceu, em 2013, a VIII edição do Prêmio Saúde, na categoria Saúde e Esporte, promovido pela revista SAÚDE é Vital, da Editora Abril. A premiação, considerada uma das mais importantes de seu segmento no país, tem o objetivo de valorizar, incentivar e divulgar campanhas de preservação e educação, trabalhos clínicos ou de área cirúrgica e outras ações que tenham contribuído para melhorar a saúde e a qualidade de vida dos brasileiros. A Categoria Saúde e Esporte reúne pesquisas, ações e campanhas assinadas por profissionais da saúde para incentivar o estilo de vida ativo e derrubar as taxas de sedentarismo no Brasil, valorizando o esporte amador. A respeito do trabalho premiado, lê-se no site da revista: “A cada ano, o desempenho de atletas paraolímpicos emociona e prova que é possível superar dificuldades impostas por limitações físicas. Surpreendem ainda a força, a disposição e o fôlego de quem se vale de cadeiras de rodas para participar de esportes coletivos. Esse estudo da Unicamp evidencia que tais práticas resguardam o coração de indivíduos com lesão na medula espinhal – e não precisa ser atleta para colher esses benefícios”. Os resultados das pesquisas levaram à publicação, em 2013, de três artigos em prestigiosos periódicos internacionais: Atherosclerosis, Medicine and Science in Sports and Exercise e International Journal of Cardiology.

CONSTATAÇÃO

Os indivíduos com LM apresentam maior prevalência de doenças cardiovasculares, maior desenvolvimento de aterosclerose e pior função diastólica do ventrículo esquerdo em comparação com a população geral, independentemente de variações em fatores de risco tradicionais tais como idade, pressão arterial, tabagismo, parâmetros metabólicos e marcadores inflamatórios. Estudos demonstram que a incidência de doenças cardiovasculares varia de 30% a 50% em indivíduos com mais de uma década de LM, constituindo sua principal causa de morte. Esse índice se reduz

À direita, jogadores do time de rúgbi, introduzido em 2008 nas atividades adaptadas na FEF da Unicamp: campeão nacional por quatro anos consecutivos

a 5% a 10% entre as pessoas mais velhas da população geral. “Nós nos propusemos a estudar o porquê dessa diferença”, diz Nadruz. Para a realização do estudo os pesquisadores avaliaram três grupos: um composto por 28 pessoas sem problema físico algum, que constituiu o grupo controle, outro de 26 atletas com LM que jogavam basquete, rúgbi, tênis ou handebol adaptados, e um terceiro constituído de 32 sedentários com o mesmo tipo de comprometimento na medula. Esses indivíduos, que foram submetidos aos exames já mencionados, apresentavam as mesmas características: eram normotensos, normolipêmicos, não diabéticos, não fumantes e os portadores de LM não exibiam motricidade voluntária abaixo da lesão. Tinham a mesma idade e mesmo índice de massa corpórea. No grupo de atletas amadores lesionados todos treinavam e jogavam regularmente basquete, rúgbi, tênis ou handebol em cadeira de rodas há pelo menos um ano. O projeto começou em torno de 2007 com o objetivo de avaliar as repercussões cardiovasculares da lesão da medula espinhal, em geral decorrente de um trauma na coluna. A medula é o órgão responsável por conduzir o estimulo do cérebro até os membros permitindo a movimentação do corpo. As lesões na parte baixa da coluna comprometem a movimentação das pernas, levando à paraplegia, e as na região cervical, ao nível do pescoço, comprometem os movimentos das pernas e geralmente de parte dos braços, levando à tetraplegia. A população afetada é constituída em geral de homens vítimas de traumas que ocorrem mais frequentemente entre os 15 e 35 anos em consequência de mergulhos em águas rasas, acidentes automobilísticos e ferimentos por armas de fogo. Desde o início dos estudos, os pesquisadores utilizaram como metodologias o ultrassom da carótida e a ecocardiografia. O ultrassom da carótida permite determinar a espessura da parede dessa artéria. O chamado espessamento da camada íntima média da carótida é utilizado como uma medida de arteriosclerose, que é o processo de entupimento das artérias e que leva ao risco de derrame ou infarto. Trata-se, esclarece Nadruz, de um exame simples e que permite avaliação imediata. Os portadores de LM foram também submetidos à ecocardiografia, exame que permite aquilatar as condições de funcionamento do coração que depende tanto de sua força de contração ao bombear o sangue (função sis-

tólica) como da capacidade de relaxamento necessário para que o órgão receba novamente a quantidade de sangue a ser bombeado (função diastólica). Mesmo que a contração seja boa, se o relaxamento do músculo cardíaco não for suficiente, ocorre déficit de sangue e menor irrigação das artérias.

RESULTADOS

Os resultados dos exames ecocardiográficos mostraram que a espessura intima-média carotídea, utilizada como medida de aterosclerose, é maior no grupo LM sedentário do que nos dois outros grupos. Embora nos três grupos as estruturas cardíacas fossem similares, a função diastólica apresentava-se significativamente mais comprometida no grupo LM sedentário. Estas constatações e as medidas da espessura carotídea levaram os pesquisadores a concluir que a atividade física regular está associada a melhores características cardíacas e vasculares em indivíduos com LM, reduzindo a aterosclerose carotídea e melhorando a função diastólica. Por outro lado, dados epidemiológicos prévios demonstraram consistentemente que menor aterosclerose carotídea e melhor função diastólica estão associadas à menor ocorrência de eventos cardiovasculares como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Na população geral essas ocorrências estão associadas aos chamados fatores de risco cardiovascular, ou seja, diabetes, pressão arterial e colesterol altos, tabagismo. Como esses males não acometiam os grupos selecionados, a única variável passou a ser a inatividade física relacionada à LM. Eles constataram ainda que há também uma interação entre aterosclerose, LDLoxidada - uma lipoproteína que tem alto potencial para estimular o desenvolvimento de aterosclerose - e inatividade física na população com LM, o que pode contribuir para o entendimento dos mecanismos pelos quais o sedentarismo predispõe à aterosclerose. A comprovação da hipótese de que o sedentarismo extremo estava envolvido no desenvolvimento dos problemas cardiovasculares em indivíduos com LM só pode ser feita graças ao trabalho desenvolvido no Departamento de Atividade Física Adaptada da FEF da Unicamp pelo grupo coordenado pelo professor Gorla, no qual equipes de cadeirantes praticam basquete, rúgbi, tênis ou handebol devidamente adaptados. Foi com base nesses atletas amadores que o trabalho pode ser desenvolvido levando a equipe médica a consta-

tar que esses atletas apresentam os mesmos índices, em relação aos parâmetros analisados, das pessoas saudáveis, diferentemente do que observado no grupo LM sedentário. Essa conclusão inédita é que possibilitou a publicação dos resultados em revistas científicas internacionais e levou ao Premio Saúde. Assume particular importância o serviço de reabilitação dos portadores de LM, orientado pelo professor Cliquet da FCM, que permite caracterizar as condições dos indivíduos que podem ser encaminhados para a prática das atividades esportivas adaptadas. Sem esse trabalho prévio, o estudo seria inviável. O professor Nadruz conclui com justificado orgulho: “Hoje somos no mundo um grupo na fronteira do conhecimento porque fomos os primeiros a mostrar que a atividade física reduz a aterosclerose em paraplégicos e tetraplégicos e melhora a função cardíaca dos portadores de LM. Sempre se imaginou que, por estarem com parte do corpo paralisada, para eles a atividade física não faria diferença. Mostramos que mesmo a movimentação restrita pode promover múltiplos benefícios cardiovasculares para esses indivíduos”. Estes achados podem servir de estímulo para a disseminação da prática de esportes adaptados aos indivíduos com LM e para o desenvolvimento de políticas públicas de apoio a este grupo populacional. O professor Gorla destaca a importância do estudo como contribuição à inclusão social de uma população altamente marginalizada: “Depois da divulgação de nossos estudos, começaram a aparecer portadores de LM procurando os serviços oferecidos pela FEF da Unicamp motivados pela prática de esportes adaptados não só como atividade lúdica, mas também como uma possível maneira de prevenir o desenvolvimento de alterações cardiovasculares”. Gorla lembra que, desde 2008, quando introduzido o rúgbi nas atividades adaptadas na FEF da Unicamp, suas equipes de tetraplégicos estiveram em todas as finais de campeonatos brasileiros da categoria, chegando a ser campeãs por quatro anos consecutivos. O trabalho, desenvolvido no Hospital de Clínicas da FCM e na FEF da Unicamp, envolveu a participação de cerca de 20 pessoas entre orientadores, docentes, pesquisadores e alunos de pós-graduação das áreas de Cardiologia, Ortopedia e Educação Física, o que lhe confere um caráter multidisciplinar, envolvendo áreas aparentemente não afins, o que o professor Gorla considera um privilégio da Universidade.

Fotos: Antonio Scarpinetti

Wilson Nadruz: exame simples permite avaliação imediata

José Irineu Gorla: pesquisas voltadas para a inclusão social

Foto: Antoninho Perri

Alberto Cliquet Junior: importante serviço de reabilitação


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Campinas, 19 a 25 de maio de 2014 tras informações no site http://www.foruns.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/arte60.html. O Fórum está sob a responsabilidade do professor José Eduardo Ribeiro de Paiva, do Instituto de Artes (IA). Mais detalhes: 19-3521-5039.  Clusters e Parques tecnológicos - A Agência de Inovação Inova Unicamp organiza, no dia 22 de maio, às 9 horas, na sede do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), encontro que reunirá palestrantes internacionais para discutir o tema “A importância dos Clusters e de seus Parques Tecnológicos como instrumentos para fortalecer o desenvolvimento sócio econômico regional”. O evento é uma correalização entre a Unicamp, Fundação Fórum Campinas, Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) e Prefeitura Municipal de Campinas. Apoio: Ciesp. O Ital fica na Av. Brasil 2880, no Jardim Chapadão, em Campinas-SP. Mais informações no site http://www.inova.unicamp.br/evento/3028  Integração dos alunos estrangeiros - A Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) e a Vice-Reitoria de Relações Internacionais (Vreri) organizam a “1ª Integração dos alunos estrangeiros”, dia 22 de maio, às 14 horas, no auditório do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc). A programação do evento está disponível no link http://www.internationaloffice.unicamp.br/integracaodos-alunos-estrangeiros-da-pos-graduacao/  10º Simpósio Internacional de Glaucoma da Unicamp - Evento acontece de 23 e 24 de maio, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo-SP. Inscrições e outras informações no site http:// www.simposioglaucomaunicamp.com.br/ ou telefone 11-5575-0254.

PAINEL DA SEMANA  Intercâmbios - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza palestra no dia 20 de maio, às 12 horas, no auditório da Biblioteca Central “Cesar Lattes”. No evento serão fornecidas orientações sobre intercâmbios de estudantes para a Austrália por meio do Programa Ciência sem Fronteiras. A palestrante será Erika Watanabe. Mais informações: 19-3521-7145.  Encontro PAD/PED - O Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA2), órgão da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), organiza no dia 20 de maio, às 13h30, no Centro de Convenções da Unicamp, o Encontro de Aperfeiçoamento PAD/PED do primeiro semestre de 2014 com o tema “Avaliação em sala de aula: conflitos e alternativas”. O evento terá como palestrante a professora Jussara Hoffman, diretora da Editora Mediação, educadora, conferencista e consultora educacional. Mais informações podem ser obtidas mediante contato com o telefone 19-3521-7991 ou e-mail ea2@reitoria.unicamp.br  Capacitação do Nepo - O Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” organiza em 20 de maio, o V Programa de Capacitação: População, Cidades e Políticas Sociais. O objetivo do evento é ampliar o conhecimento e informações do gestor público que trabalha com questões demográficas. Mais informações no site do evento http://www.nepo.unicamp.br/eventos.html, telefone 19-3521-5893 ou e-mail baeninger@nepo.unicamp.br  Histórias da Arte - O Museu de Artes Visuais (MAV) da Unicamp e o Grupo de pesquisa Modos de Ver, Exibir e Compreender organizam, dia 21 de maio, às 10 horas, no auditório do Instituto de Artes (IA), o colóquio nacional “Histórias da arte em exposições”. O colóquio objetiva discutir exposições consideradas “cruciais” para/ pela história da arte refletindo sobre o papel das exposições de arte para a constituição de uma História da Arte no Brasil. Mais detalhes no site http://haexposicoes.wordpress.com/, telefone 19-3521-6583 ou e-mail mfmcouto@iar.unicamp.br  Saraiel - Dia 21 de maio às 17 horas, o Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) organiza o evento “Saraiel - 50 anos do Golpe Civil-Militar: protesto em música e poesia”.  Arte, tecnologia e processos midiáticos - Tema será tratado na próxima edição do Fórum Permanente de Arte, Cultura e Lazer. O evento acontece no dia 22 de maio, das 9 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Inscrições, programação e ou-

EVENTOS FUTUROS  Micro-organismos probióticos em alimentos - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) promove entre 26 e 30 de maio, o workshop “Micro-organismos probióticos em alimentos: microbiologia, tecnologia, funcionalidade e inovação”. O evento é organizado por docentes da Unicamp, da Universidad Nacional del Litoral (Argentina) e conta com a participação de palestrantes de universidades brasileiras e de órgãos governamentais. Interessados em participar podem se inscrever, até 23 de maio. Mais detalhes no link http://www.fea.unicamp.br/extensaoworkprobioticos.html  A arte e a formação do estudante universitário - A Faculdade de Educação (FE) recebe no dia 28 de maio, a professora Silvia Maria Cintra da Silva, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Na ocasião, ela profere a palestra “A arte e a formação do estudante universitário: desafios para o nosso tempo”. O encontro acontece às 9 horas, no Salão Nobre da FE e é promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (Gepec). A participação é gratuita e não há necessidade de inscrição prévia. Mais informações pelo telefone 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Coleções biológicas - Divulgar as coleções da Unicamp ao público acadêmico e empresarial visando atender a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico com qualidade, embasamento científico e em conformidade com a legislação vigente. Este é o objetivo do workshop “Coleções biológicas e seu impacto no desenvolvimento científico e tecnológico nacional e internacional”, evento organizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e que será realizado no dia 28 de maio, às 9 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). As inscrições podem ser feitas no link http:// www.prp.rei.unicamp.br/inscricoes/formulario.php?id=4. No workshop serão abordadas as coleções biológicas já constituídas pela Unicamp e apresentadas as experiências consolidadas pela Fiocruz e Embrapa. Docentes, alunos de graduação e de pós-graduação e empresas que fazem uso da biodiversidade brasileira para pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas alimentícia, farmacêutica, cosmética, entre outras, são o público-alvo. Mais detalhes sobre o evento podem ser obtidos mediante contato com o telefone 19-35212798 ou site http://bit.ly/1neJqGP  A Educação estética na pedagogia Waldorf - Palestra será ministrada por Jonas Bach Junior, pós-doutorando pela Faculdade de Educação (FE), dia 28 de maio, às 14h30, no Salão Nobre

DESTAQUE

da FE. A participação no evento é gratuita e não há necessidade de inscrição prévia. Informações: 19-3521-5565.  Contribuições da clínica da atividade de Yves Clot No dia 28 de maio, a professora Selma Venco, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, profere palestra sobre as contribuições da clínica da atividade de Yves Clot. O evento é promovido pelo Núcleo de Estudos Trabalho, Saúde e Subjetividade e ocorre às 14 horas, na Sala ED14 da FE. A participação é gratuita e não há necessidade de inscrição prévia. Mais informações: 19-3521-5565 ou e-mail eventofe@unicamp.br  O pensamento de Ana Clara Ribeiro - No dia 28 de maio, às 14 horas, no auditório do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, Leila Christina Dias (UFSC) e Fernanda Sanches (UFF) debaterão o tema “O pensamento de Ana Clara Torres Ribeiro: contribuição para a formação de uma teoria social crítica”. O debate está sob a coordenação da professora Adriana Bernardes (Unicamp). Trata-se de evento em homenagem à pesquisadora Ana Clara Torres Ribeiro (falecida em 2011), reconhecida nacional e internacionalmente como fonte de reflexão teórica imprescindível nas áreas de ciências sociais, humanas, no campo da saúde pública, nas artes e na cultura e como inspiradora de ações políticas junto a segmentos populares. Outros debates relacionados à vida e obra de Ana Clara Ribeiro ocorreram na USP de Rio Claro e na Unesp de Presidente Prudente e Rio Claro. Informações: 19- 3521-5114.  Quartas interdisciplinares - No dia 28 de maio, às 16 horas, no Anfiteatro UL01 da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), em Limeira-SP, acontece mais um encontro do evento Quartas Interdisciplinares (QIs), promovido pelo Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS) da FCA. Desta vez, o tema a ser tratado será “Pensamento humanístico e condição humana na modernidade”. As QIs são coordenadas pelos professores Eduardo Marandola Júnior e Álvaro D’Antona. Mais informações: telefone 193701-6674 ou e-mail chs@fca.unicamp.br  Mesa-redonda - A Faculdade de Educação (FE), por meio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (Greppe), realiza no dia 28 de maio, uma mesa-redonda com os professores Rubens Barbosa de Camargo, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), e com Vaniza Guidotti, presidente do Conselho Municipal de Educação de Paulínia/SP. O evento ocorre às 19 horas, no Salão Nobre da FE. “PNE: desafios para a Educação Básica” é o tema a ser tratado. A participação é gratuita e não há necessidade de inscrição prévia. Mais informações: 193521-5565.  Seminários Violar - A Faculdade de Educação (FE), por meio do Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude (Violar), encerra, dia 29 de setembro, às 14 horas, no Salão Nobre da FE, a programação do III Seminário Violar com a mesa-redonda “Educação e criação de novas possibilidades de vida: diálogos com a Arte”. Mais informações podem ser obtidas na página eletrônica http://www.fe.unicamp.br/semviolar/  Rotas para internacionalização de empresas - O Fórum “Rotas para a internacionalização de pequenas e médias e empresas e de empresas de base tecnológica” será realizado no dia 29 de maio, das 14 às 22 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), em Limeira-SP. O evento está sob a responsabilidade dos professores Cristiano Morini, Edmundo Inácio Júnior e Muriel Gavira de Oliveira. Um dos palestrantes será Andre Luiz Souza Limp de Azevedo, analista de negócios Internacionais da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Mais detalhes no link http://www.foruns.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno66.html ou telefone 19-3521-5039.  A geografia e os geógrafos - O corpo discente do curso de Geografia do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp organiza conferência em comemoração ao Dia do Geógrafo. Será com a professora aposentada pela USP, Maria Adélia Aparecida de Souza, dia 29 de maio, às 19h30, no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes. Na ocasião, ela aborda o tema “A Geografia e os geógrafos: método e práticas na construção do futuro”. Mais detalhes pelo telefone 193521-4196 ou e-mail rafaelstrafo@ige.unicamp.br

TESES DA SEMANA  Artes - “Estilos de samba na bateria” (doutorado). Candidato: Leandro Barsalini. Orientador: professor Fernando Hashimoto e José Roberto Zan (coorientação). Dia 20 de maio de 2014, às 14 horas, na sala 3 da Pós -graduação da Música do IA.  Biologia - “Aspectos estruturais dos eventos moleculares associados à regulação e seletividade do transporte de cargas celulares pelas miosinas de classe V humanas” (doutorado). Candidato: Andrey Fabricio Ziem Nascimento. Orientador: professor Mário Tyago Murakami. Dia 23 de maio de 2014, às 13 horas, na sala IB-11 do prédio da CPG do IB.  Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Habitação coletiva de interesse social e cidade: análise dos concursos Renova SP, São Paulo e Vallecas 49, Madrid” (mestrado). Candidata: Carolina Celete Pinto Pereira. Orientador: professor Leandro Silva Medrano. Dia 20 de maio de 2014, às 14h30, na sala CA-22 da CPG da FEC. “Acoplamento MEC-MEF para análise de pórtico linear sobre base elástica” (mestrado). Candidato: Luiz Antonio dos Reis. Orientador: professor Leandro Palermo Júnior. Dia 22 de maio de 2014, às 9h30, na sala CA-22 da CPG da FEC.  Elétrica e de Computação - “Controle de sistemas markovianos a tempo contínuo com taxas de transição incertas” (mestrado). Candidato: Caetano de Brito Cardeliquio. Orientador: professor Alim Pedro de Castro Gonçalves. Dia 19 de maio de 2014, às 10: horas, na FEEC. “Um estudo do reconhecimento de linhas palmares utilizando pca e limiarização local adaptativa” (mestrado). Candidato: Claudio Cesar Silva de Freitas. Orientador: professor Yuzo Iano. Dia 22 de maio de 2014, às 9h30, na sala PE-12 do prédio da Pós-graduação da FEEC. “Estudo de guias de onda segmentados em óptica integrada” (mestrado). Candidato: Yuri Hayashi Isayama. Orientador: professor Hugo Enrique Hernández Figueroa. Dia 23 de maio de 2014, às 14 horas, na FEEC.  Odontologia - “Resistência a fratura de coroas monolíticas e bicamada a base de zirconia” (doutorado). Candidata: Deborah Pacheco Lameira. Orientador: professor Wilkens Aurelio Buarque e Silva. Dia 19 de maio de 2014, às 8h30, no anfiteatro 2 da FOP. “Análise mecânica e fotoelástica de quatro diferentes métodos de fixação em fraturas de corpo mandibular” (doutorado). Candidato: Danillo Costa Rodrigues. Orientador: professor Roger William Fernandes Moreira. Dia 19 de maio de 2014, às 13h30, na sala de seminário da Anatomia da FOP. “Expressão de angiotensinogênio e dipeptidil peptidase 1 pode ter efeito protetor contra o desenvolvimento de leucoplasia verrucosa proliferativa” (doutorado). Candidata: Isadora Luana Flores. Orientador: professor Marcio Ajudarte Lopes. Dia 21 de maio de 2014, às 14 horas, no salão nobre da FOP. “Caracterização do sistema de dois componentes sptr/s de streptococcus sanguinis com possível papel na viabilidade em saliva humana” (doutorado). Candidata: Tarsila Mendes de Camargo. Orientadora: professora Renata de Oliveira Mattos Graner. Dia 23 de maio de 2014, às 14 horas, no anfiteatro 4 da FOP.  Química - “Preparação de fase estacionária para cromatografia líquida de alta eficiência em fase reversa a partir da imobilização térmica do poli(metiltetradecilsiloxano) sobre sílica aluminizada” (doutorado). Candidata: Renata Cristiano Nome. Orientadora: professora Carol Hollingworth Collins. Dia 19 de maio de 2014, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Síntese de núcleos indolizidínicos a partir de adutos de Morita-Baylis-Hillman. Avaliação de uma metodologia para a dessimetrização de adutos de Morita-Baylis-Hillman” (mestrado). Candidato: Bruno Vinicius Motta Teodoro. Orientador: professor Fernando Antonio Santos Coelho. Dia 20 de maio de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “Desenvolvimento de nanopartículas poliméricas contendo amitraz, fluazuron e/ou violaceína para o uso na pecuária” (doutorado). Candidato: Elias Antonio Berni Neto. Orientador: professor Nelson Eduardo Durán Caballero. Dia 22 de maio de 2014, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

DO PORTAL

Egressos da Unicamp ganham

holofotes da mídia científica dilson Motter, que foi aluno de graduação do Instituto Gleb Wataghin (IFGW) e tem mestrado e doutorado pelo Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), é um dos 30 cientistas de até 40 anos de idade mais promissores da América Latina, no ranking da revista chilena Qué Pasa e do blog bilíngue LatinAmericanScience.org. E Vanessa Testoni, mestre e doutora pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), está entre os 10 jovens brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos, na primeira edição brasileira do prêmio concedido pela MIT Technology Review, publicação vinculada ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Adilson Motter vem construindo sólida e premiada trajetória nos Estados Unidos e esteve na Unicamp em 2010 para ministrar um colóquio aos alunos do IFGW, quando descreveu ao Jornal da Unicamp o trabalho do grupo de pesquisa que lidera na Northwestern University. “Desde então tive a felicidade de publicar trabalhos influentes e de receber vários prêmios. Em 2011 fui promovido a professor catedrático, que é a posição mais alta nas universidades americanas. No mesmo ano recebi o NSF Career, oferecido pela NSF (Fundação Nacional da Ciência dos EUA). Em 2013, o prêmio Erdös-Rényi da Network Science Society, e também fui eleito Fellow da Sociedade Americana de Física”, informa o pesquisador brasileiro. Motter considera sua inclusão no ranking da revista chilena gratificante, primeiro por ser lembrado em um país diferente daquele onde se formou e daquele onde trabalha, sugerindo que sua pesquisa pode ter impacto realmente global. “Um segundo motivo de

Fotos: Antonio Scarpinetti

Vanessa Testoni: entre os 10 jovens brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos

Adilson Motter: construindo uma sólida e premiada trajetória nos Estados Unidos

satisfação é que este reconhecimento pode servir de incentivo para a formação de futuros pesquisadores no Brasil. Da pré-escola ao doutorado, estudei quase que exclusivamente em escola pública. Apesar de todas as adversidades, que não são poucas no caso de estudantes de baixa renda, é possível chegar a uma carreira científica promissora nascendo e estudando no Brasil.” Sobre os temas que vem pesquisando, Adilson Motter lembra que em 2010 estava focando as redes de infraestrutura, incluindo as redes elétricas, estudo que tem levado a novos métodos para controlar possíveis cascatas de falhas responsáveis, por exemplo, por provocar apagões. “Ocorre que nossos métodos computacionais se provaram bem mais gerais e úteis para o controle de numerosas outras redes complexas – entre as quais as genéticas, que governam o funcionamento de células do corpo. Falhas nessas redes, a exemplo das

causadas por uma mutação, frequentemente levam a doenças como câncer. Aplicar tais métodos para identificar intervenções que sirvam de tratamento é um dos temas mais centrais da minha pesquisa atual.”

JOVENS INOVADORES

O prêmio “Inovadores com menos de 35 anos”, que é realizado pelo MIT desde 1999 e agora ganha uma versão brasileira, tem como meta destacar os jovens inovadores cujos trabalhos tragam soluções reais aos desafios mundiais, envolvendo as áreas de biotecnologia, energia, telecomunicações, nanotecnologia e internet. Vanessa Testoni, uma apaixonada por processamento de sinal digital e codificação de vídeo, está entre os 10 vencedores por desenvolver um sistema de segurança para comércio eletrônico, como pesquisadora da Samsung em Campinas. Ela vai

receber o prêmio em cerimônia no dia 13 de maio e ainda pode figurar entre os 35 da lista internacional – a iniciativa se estende a Itália, Espanha, sudeste da Ásia e América hispânica. O prêmio tem apoio da Finep e do BBVA, e já teve vencedores como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Sergey Brin, do Google. O professor Max Costa, orientador de Vanessa Testoni no doutorado pela Unicamp, coloca a ex-aluna entre os cientistas que mais entendem de codificação de imagens e de vídeo no mundo, com profundo conhecimento dos aspectos teóricos e de implementação prática dos algoritmos. “É uma das melhores alunas que já tivemos na FEEC. Possui uma formação dupla na graduação, em engenharia elétrica e em ciência da computação (respectivamente na UFPR e PUC-PR), o que lhe dá enorme competência para desenvolver algoritmos matemáticos complexos e também para implementá-los através de programas sofisticados ao computador.” Max Costa acrescenta que, ao mesmo tempo da pós-graduação na FEEC, Vanessa recebeu bolsa de Felowship da Microsoft Research e passou três estágios de verão nos laboratórios da gigante americana em Redmond, encontrando tempo ainda para fundar o grupo de Mulheres em Engenharia (IEEE – Women in Engineering) da Unicamp e presidi-lo por um ano. “Na sequência, ela fez o pós-doutorado na Universidade da Califórnia (San Diego). Atualmente é pesquisadora do Centro de Pesquisas da Samsung, em Campinas. Este prêmio é altamente merecido e vem reconhecer a competência, produtividade, dedicação e entusiasmo científico de uma das mais proeminentes pesquisadoras brasileiras.” (Luiz Sugimoto)


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Da autenticidade em filosofia SANDRO KOBOL FORNAZARI skf@usp.br

m livro que vale por dois. Corpo e pensamento é o título escolhido por Cíntia Vieira da Silva para uma pesquisa de fôlego sobre essa relação tão complexa entre o que certa tradição postula como essencialmente independentes no ser humano: por um lado, nosso corpo orgânico em sua interação com o meio, por outro, nossa racionalidade como que aprisionada nesse corpo, sofrendo com suas necessidades e suas paixões, mas dotada do poder de liberar-se dessas interferências como meio para planar suavemente sobre a vida. Não é disso que se trata nesse livro. Antes, as alianças que a autora busca são aquelas em que se constrói outra imagem para essa relação entre corpo e pensamento, em que ambos são a expressão de um mesmo movimento vital, são maneiras integradas de viver a experiência de estar no mundo, afetando-o e sendo afetado por ele, produzindo ideias que procuram dar conta, nem sempre de maneira adequada, dessa quase sempre ínfima parcela de mundo com a qual estabelecemos relação, mas que possui em si infinitas possibilidades. Os filósofos privilegiados são Deleuze e Espinosa, e o que explicitamente se propõe é a exploração das alianças conceituais “entre” eles. Ora, é exatamente o modo como a autora leva a cabo essa proposta que faz desse trabalho algo tão incomum e provocador. A filosofia de Espinosa exerceu uma

influência incontestável no trabalho filosófico de Deleuze, que sobre ele escreveu dois livros, além de inúmeros outros comentários cruciais. No entanto, Cíntia recusa tratar esses dois pensadores em termos de filiação, assim como dá menos importância para a análise da interpretação que Deleuze faz da filosofia espinosana, do que para o uso que faz dela na criação de seu próprio plano conceitual de imanência (ainda que Deleuze reconheça, em O que é a filosofia?, que apenas Espinosa foi capaz de pensar o plano de imanência, ao invés de apenas mostrar que ele está, impensado em cada plano: Espinosa era “quem sabia plenamente que a imanência não pertence senão a si mesma” e nela encontrou a liberdade ao dar ao pensamento “velocidades infinitas”). Por isso, interessa muito mais à autora descrever os desenvolvimentos dos conceitos de corpo sem órgãos e de hecceidade, do que, por exemplo, a interpretação deleuziana dos modos finitos em Espinosa e o problema da expressão. Por isso, começamos dizendo que o livro vale por dois, porque na passagem do segundo para o terceiro capítulo e no início deste algo excepcional acontece que diz respeito à exploração dessa aliança. A análise vigorosa do plano de imanência da filosofia da diferença, em que o conceito de corpo sem órgãos é minuciosamente descrito, a partir de muitos dos elementos-conceitos que o constituem, tendo como horizonte a obra completa de Deleuze, vai cedendo passagem vagarosamente à exploração das páginas da Ética de Espinosa. Assim, Corpo e pensamento conduz o leitor à explo-

SERVIÇO Obra: Corpo e pensamento - Alianças conceituais entre Deleuze e Espinosa Autora: Cíntia Vieira da Silva Páginas: 336 páginas Área de interesse: Filosofia Preço: R$ 56,00 Editora Unicamp

ração desses dois grandes filósofos com o mesmo grau de excelência e de rigor, fazendo com que ambos coabitem o mesmo campo de problematização que é proposto por Cíntia, a saber, de que maneira pode se produzir em nós o pensamento a partir da multiplicidade de encontros ou afectos com os quais estamos destinados a lidar e que constituem, para cada um, o que se pode chamar uma vida. Não se trata, é claro, do pensar ordinário, mas daquele que nos chega “quando experimentamos um tal sentir que desorganiza nossas faculdades” e “nos arrasta num exercício de despersonalização”, nas palavras de Cíntia, após convidar Clarice Lispector a fazer parte desse concerto que rege. Haveria ainda muitos pontos a destacar nesse livro, por exemplo, a presença de subdivisões nos capítulos que facilitam muito a leitura para quem está menos acostumado com trabalhos acadêmicos, o sem-número de referências bibliográficas que devem auxiliar outros pesquisadores que queiram se aprofundar nos temas, o estilo muito pessoal da escrita. Mas talvez nada seja tão importante quanto o fato de estarmos diante de um trabalho autoral, algo menos comum do que se imagina, em que os problemas levantados, os sentidos formulados, dizem respeito àquilo que se pode chamar de “autenticidade” em filosofia: a abertura para a alteridade e a construção da liberdade. Um livro, de fato, que vale por muitos. Sandro Kobol Fornazari é professor adjunto do departamento de Filosofia da Unifesp.

Um modelo para o empreendedorismo Metodologia estimula a transferência de tecnologia ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

ma pesquisa a partir da metodologia Business Model Canvas (em português Modelo de Negócios de Canvas) resultou num modelo barato, escalável e de fácil replicação para capacitar alunos de graduação e de pós-graduação em empreendedorismo de base tecnológica. O seu autor, Virgilio Ferreira Marques dos Santos, chegou a essa conquista em sua tese de doutorado, que foi defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e que já se projeta como um novo modelo de estímulo à criação de spin-offs a partir da pesquisa universitária. O modelo estimula a transferência de tecnologia por meio da criação de ‘spin offs acadêmicos’ – empresas criadas para explorar uma propriedade intelectual gerada por meio de um trabalho de pesquisa de uma instituição acadêmica. “O estudo encontrou o caminho para transformar alunos em empreendedores de uma maneira prática e aplicada”, descreve. Ele foi testado por três anos consecutivos na Unicamp por meio do programa Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica, uma competição que visa capacitar alunos empreendedores e estimulá-los a abrir uma empresa de base tecnológica. O resultado foi que, somadas as três edições do Desafio, houve mais de 500 participantes, 70 tecnologias e 200 modelos de negócios, sendo criado um spin off acadêmico e dois que estão em processo final de implementação. Tal iniciativa contempla quaisquer interessados em empreendedorismo tecnológico de todo Brasil, com ou sem vínculo com a Unicamp, que, ao longo de três meses, frequentam workshops, palestras e mentorias. A ideia é que, ao tirar dúvidas específicas, as equipes se sintam mais motivadas a marcar reuniões com os mentores acadêmico e empresarial e, assim, montar corretamente o modelo de negócios da tecnologia selecionada para a competição. Ao final, a equipe vencedora é premiada como forma de estimular a participação e o engajamen-

to dos alunos. “Os campeões do Desafio ganharam diversos prêmios mundiais de empreendedorismo e abriram empresas”, menciona. O modelo em questão foi implementado pela Agência de Inovação Inova Unicamp, que é o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Universidade, instituído em 2003, combinando as funções de gestor da propriedade intelectual, de parcerias e projetos colaborativos em P&D com empresas, de transferência de tecnologias e de estímulo ao empreendedorismo tecnológico. “Devemos continuar estimulando os alunos por meio desse Desafio. Devemos criar um fundo de prova de conceito (uma ferramenta para provar a viabilidade técnica do invento) para apoiar financeiramente os projetos e devemos montar uma equipe de apoio a estas iniciativas. Este apoio acontecerá por meio do compartilhamento da rede de contatos e auxílio para fazer as mudanças necessárias”, reflete. Virgilio, que escreveu a tese “Modelo de transferência de tecnologia por meio do estímulo à criação de spin offs acadêmicas” e é profissional da área de Melhoria de Processos, abordou nesse texto como encorajar os alunos a criarem empresas a partir de tecnologias depositadas pela Unicamp em seu banco de patentes. O trabalho teve orientação do professor da FEM Antonio Batocchio.

Esse assunto foi escolhido pelo doutorando ao notar que há nesta Universidade mais de mil tecnologias depositadas e apenas sete empresas formadas a partir delas até o momento, de 2009 a 2014. O objetivo do estudo foi estimular a criação de empresas de base tecnológica por meio do uso de tecnologias e com alunos da própria instituição. Por isso foi criado o Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica. Um grande diferencial ao adotar o Desafio Unicamp é que os modelos de negócio devem ser desenvolvidos a partir das patentes e programas de computador registrados pela Unicamp. Os resultados obtidos atestam o êxito do modelo em capacitar e motivar alunos a empreender e a ampliar o uso de propriedade intelectual da Universidade. Esse êxito se torna mais relevante considerando-se a cultura, o estágio incipiente do empreendedorismo tecnológico e a legislação de inovação do país. Sua aplicabilidade é em empresas e em instituições que queiram fomentar a criação de novas empresas de base tecnológica ou explorar novas tecnologias criadas. Há várias universidades estudando a utilização da metodologia criada.

INCENTIVO De acordo com o pesquisador, o grande problema de pesquisa está na dificuldade Foto: Divulgação

de criar casos de sucesso, uma vez que o período do estudo é curto. A média de tempo esperado para o surgimento deste tipo de empresa é de 4,5 anos, o que ultrapassa o tempo da pesquisa de doutorado, que é de quatro anos. Por esse motivo é que se espera que muito dos resultados ainda estejam por aparecer. Virgilio comenta que o método proposto seguiu como etapas a formação de equipes, o treinamento, a escolha da tecnologia, a mentoria, o desenvolvimento do modelo de negócio, a seleção dos finalistas e o pitching final (apresentação de ideias em tempo restrito em que o apresentador tenta convencer sobretudo potenciais financiadores de que sua proposta merece receber apoio). Na metodologia, utilizou-se como ferramenta de auxílio à construção do modelo de negócio, para a exploração comercial das tecnologias, o Business Model Canvas. Esta ferramenta consiste em um mapa visual no qual se esboçam (mediante blocos) os pontos-chaves de um modelo de negócio, que é o responsável por delinear o caminhar de uma empresa. Um obstáculo hoje, para que haja transferência de tecnologia, está em encontrar empreendedores capacitados para enfrentar o longo e caro ciclo até atingir sucesso na exploração comercial da tecnologia. “Empreendedorismo de base tecnológica é diferente do pregado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Há poucas iniciativas que preparam os alunos para este desafio e os professores não possuem interesse em abrir empresas, mas sim em pesquisar”, compara. Diante de seus achados, o pesquisador ressalta que é possível capacitar os alunos em empreendedorismo de base tecnológica em menos de quatro meses. Contudo ele acrescenta que, para que as empresas deem certo, é preciso que a Universidade crie um fundo de prova de conceito para que os alunos consigam recursos a fim de desenvolverem uma aplicação comercial. “Sem dinheiro e apoio, é muito difícil que as iniciativas dos alunos saiam do papel”, admite.

Publicação Tese: “Modelo de transferência de tecnologia por meio do estímulo à criação de spin offs acadêmicas” Autor: Virgilio Ferreira Marques dos Santos Orientador: Antonio Batocchio Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) Virgilio Ferreira Marques dos Santos, autor da tese: modelo testado por três anos consecutivos


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O samba mediado

Fotos: Divulgação

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

á mais semelhanças entre o chamado samba de raiz e o pagode romântico da década de 1990 que muita gente possa supor. Esta é a tese desenvolvida pelo pesquisador Waldir de Amorim Pinto em seu trabalho de doutorado: “O estúdio não é o fundo de quintal: convergências na produção musical em meio às dicotomias do movimento do pagode nas décadas de 1980 e 1990”. Para Waldir, tudo é pagode e tudo é samba, sem melindres. Mas ele explica. “Quando o samba, no caso específico, o pagode, é gravado, automaticamente precisa passar por uma mediação, e um dos principais mediadores é o produtor musical. Na mediação ocorre a conexão e a tradução de mundos, pessoas, valores e ideias díspares, em suas várias formas”. Waldir usa diversas vezes a palavra “mediação”. A insistência no termo deve-se ao fato de que, analisando diversas obras, o doutorando verificou que nas mãos do produtor musical e, em estúdio, o que significa sob a influência de muitos fatores, o samba não é o mesmo que o tocado na roda e apresenta elementos de sua variação mais comercial ou até mesmo de outros estilos musicais. Ao passar por um estúdio de gravação, a música reflete o processo de mediação que seria de responsabilidade do produtor musical. A necessidade de criar “rótulos” advém, segundo a tese, do mercado fonográfico. Divide-se o produto para criar um novo nicho mercadológico, acredita Waldir. “O público de modo geral tem a visão que os meios de comunicação passam, já os músicos têm, em tese, uma visão mais técnica e aprofundada.” Waldir de Amorim Pinto é contrabaixista de formação prática e acadêmica, graduado em música pela Unicamp, com mestrado nos Estados Unidos. Ele analisou mais de 30 discos de grupos de pagode dos anos 80 e 90. Um dos exemplos dos resultados da mediação, ou influência, de que trata Waldir, é Samba pras Moças, de 1995. A música título do primeiro disco de Zeca Pagodinho, lançado pela gravadora Universal, na época Polygram, ganhou uma tonalidade baiana, por conta do sucesso da axé music, que imperava na década. Foi o produtor musical Rildo Hora o responsável por acrescentar dendê ao samba carioca. “Os anos 90 marcaram a explosão da música sertaneja e da axé music com percussão massiva. Grande parte do casting da Universal era ligado ao axé. Rildo me disse que a simulação de percussão baiana foi a sacada neste trabalho de Zeca Pagodinho. A introdução com sonoridade baiana foi um sucesso”. Da mesma forma, afirma Waldir, o grupo Katinguelê, inspirado no partido alto e no modelo de sonoridade do Fundo de Quintal faz o samba Meu Cavaco, com a participação de Zeca Pagodinho. Waldir ressalva que Katinguelê, Exaltasamba, Soweto e Grupo Raça, entre outros, são grupos da década de 1990 conhecidos como representantes do chamado pagode romântico, mas que, em muitos fonogramas, utilizam o paradigma musical da geração do pagode da década de 1980.

Roda de samba no Cacique de Ramos: partido alto e improvisação

O sambista Zeca Pagodinho: adquirindo um novo status com o passar dos anos

INSTRUMENTOS É em relação à utilização dos instrumentos que Waldir afirma ter encontrado mais pontos convergentes. Desde que Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida foi gravada, em 1917, o samba se tornou mais popular. Nessa época, as fronteiras ainda não eram tão definidas. Havia a polca e o maxixe, que se confundia com o samba. “Tal qual conhecemos hoje, o samba veio após 1928, 1929, por conta da inserção de alguns novos instrumentos como surdo, cuíca e tamborim, usados pelo bloco carnavalesco Deixa Falar, do Rio de Janeiro, para facilitar a marcação do cortejo do carnaval”, sinaliza. Foto: Antoninho Perri

Quanto maiores e mais organizados, os cortejos cariocas mais atraíam a atenção do público, do estado e mais tarde da mídia, até chegar ao grande espetáculo que é visto hoje na Sapucaí. “Com o passar do tempo, os desfiles foram deixando de ser uma coisa comunitária e passaram a ser um grande espetáculo midiático. O samba foi se restringindo ao samba-enredo e muitos compositores acabavam à margem desse processo”. O refúgio de vários sambistas chamavase Cacique de Ramos, o bloco carnavalesco formado na década de 1960, cujo presidente, “Bira Presidente”, fundou posteriormente o grupo Fundo de Quintal. “As reuniões informais começaram a ocorrer em outros espaços, fora do carnaval. Ali, no Cacique, se tocava o samba na roda, sem amplificação, reunindo figuras como Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jovelina Pérola Negra, entre outros. O Cacique foi o principal ponto irradiador do pagode dos anos 80”. Segundo o pesquisador, por sua característica mais intimista, a roda de samba do Cacique acabava “expulsando” alguns instrumentos que dificultavam às pessoas ouvir as composições, tais como o surdo e o tamborim. Outros entraram: o banjo com braço de cavaquinho, o repique de mão, o tantan. Na roda utilizava-se o partido alto e a improvisação. Novos grupos como o Raça Negra, Negritude Junior e Só Pra Contrariar apareceram no início dos anos 1990, ficando conhecidos como representantes do pagode romântico, que fez muito sucesso. “A batida era inspirada no swing de Jorge Benjor, no samba joia de Benito de Paula. Os grupos apareceram utilizando bastante o teclado, saxofone e metais, com músicas e letras mais simples, românticas ou de duplo sentido”. Alguns, como o Negritude Junior, se inspiravam na soul music norte-americana, nos grupos como Jackson Five. “Na década de 1990 os músicos ligados ao Cacique não quiseram se vincular ao chamado pagode romântico que seria supostamente um samba aberto às influências internacionais”, pondera Waldir. No entanto, os sambistas vinculados à década de 1980 por sua vez, já utilizavam teclados, bateria, baixo elétrico e, em menor proporção o saxofone e a guitarra elétrica nas gravações. “Até mesmo o surdo e outros instrumentos de percussão do samba que tinham sumido nas rodas do Cacique, no estúdio estão todos lá. Não é só no pagode romântico que estes instrumentos são utilizados”. As supostas diferenças, relembra, seriam usadas para separar o termo pagode em duas vertentes. “Pagode nada mais é do que o samba” enfatiza.

RAÍZES

O contrabaixista Waldir de Amorim Pinto, autor da tese: “O Cacique foi o principal ponto irradiador do pagode dos anos 80”

A definição está nas origens. “Pagode é o encontro social regado à comida, bebida e música com predomínio de instrumentos de percussão, ou seja, samba e pagode originalmente significavam encontros comunitários.

Mais tarde o termo pagode foi utilizado para rotular uma maneira específica de se tocar samba e vinculado a um determinado grupo de sambistas ligados ao Cacique de Ramos”. As dicotomias, nos termos da pesquisa, são criadas pelo mercado e com a influência dessa figura tão comentada na tese, que é a do produtor musical. Além de Rildo Hora (produtor de Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, entre outros), o pesquisador entrevistou Milton Manhães, Ivan Paulo, Jorge Cardoso e Alceu Maia. Acreditava que, a partir da multiplicidade de experiências de cada produtor, poderia salientar as diferenças, e não as semelhanças entre o pagode romântico e o chamado samba de raiz. “Os parâmetros dos produtores são diferentes, e eles influenciam no produto. Eu acreditava que as marcas individuais de cada produtor fossem motivos para endossar diferenças, mas, conversando com eles, as semelhanças vieram à tona. As divisões e fronteiras são mais turvas, a linha divisória é tênue”. Milton Manhães é um nome ligado ao pagode da década de 1980 e aos primeiros discos do Fundo de Quintal. Ivan Paulo produziu Zeca Pagodinho, Almir Guineto. Jorge Cardoso produziu João Nogueira, Alcione, Só Pra Contrariar e Negritude Jr. Alceu Maia, cavaquinhista, produziu Leci Brandão, entre outros sambistas. O produtor musical passou a ter importância fundamental na carreira dos artistas a partir dos anos 1950, quando a fita magnética e as gravações de áudio em diversos canais passaram a ser utilizadas em estúdio. “Passou a ser possível editar sons, gravar em canais e mixar. Aí surge o produtor musical como conhecemos hoje. É alguém com visão artística, técnica e de mercado e que, em tese, conhece música e pode interferir no resultado do trabalho”. Apontando as semelhanças entre o pagode das décadas de 1980 e 1990, Waldir acredita que acabou contribuindo para a questão do juízo de valor que se atribui especialmente à corrente classificada como romântica. “O Zeca Pagodinho hoje é um artista da música popular brasileira. Na década de 1980, ele não tinha esse status. Acredito que o trabalho pode contribuir para diminuir as fronteiras. Como diz o maestro Ivan Paulo (produtor), o samba tem muitas vertentes e você pode brincar com ele do jeito que você quiser”.

Publicação Tese: “O estúdio não é o fundo de quintal: convergências na produção musical em meio às dicotomias do movimento do pagode nas décadas de 1980 e 1990” Autor: Waldir de Amorim Pinto Orientador: José Eduardo Ribeiro de Paiva Unidade: Instituto de Artes (IA)


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