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O pólen, as plantas, o tempo 5
Em pesquisa inédita no país, o biólogo André Rodrigo Rech analisou os efeitos da variação tempoespaço sobre as estratégias de reprodução das plantas, concluindo que as mudanças climáticas dos últimos 20 mil anos estão ligadas ao comportamento de determinadas espécies. O trabalho fundamentou tese defendida no Instituto de Biologia, sob orientação da professora Marlies Sazima.
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Campinas, 1º a 7 de setembro de 2014 - ANO XXVIII - Nº 604 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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CORREIOS
FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT
Vacina contra o contágio da crise de 2008
Foto: Retronaut
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A adoção de políticas anticíclicas no governo Lula (20032011) e de técnicas inéditas de gestão dos fluxos de capitais e derivativos, na atual administração de Dilma Rousseff, deu ao país mais autonomia para enfrentar os efeitos da grande crise internacional de 2008. É o que conclui dissertação de mestrado de Saulo Abouchedid, do Instituto de Economia. A professora Daniela Prates orientou o trabalho.
Mudo, escrito e falado – Popular vê imagens reproduzidas em kinetoscópio, no final do século 19. Tese de Danielle Crepaldi Carvalho revela como o cinema influenciou os textos dos principais cronistas brasileiros entre 1894 e 1922. Defendida no Instituto de Estudos da Linguagem, a tese foi orientada pela professora Miriam Gárate.
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Em busca do remédio para combater fungos Por que as colônias de férias mudaram tanto?
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China é prioridade na internacionalização O Brasil musical de Osvaldo Lacerda
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A ecologia vai ter que se reinventar? As ciências sociais e o ‘viés de publicação’ A luz infravermelha e mundos em colisão
TELESCÓPIO
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Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014
TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Foto: Reprodução/Nasa
Construído órgão com células reprogramadas
Ilustração do Telescópio Espacial Spitzer, envolvido na descoberta da colisão entre planetas
Pesquisadores ligados à Universidade de Edimburgo conseguiram usar células extraídas de um embrião de camundongo para produzir um órgão completo e funcional no interior do corpo de um camundongo adulto, diz artigo publicado no periódico Nature Cell Biology. O órgão produzido foi um timo, que faz parte do sistema imunológico. Os autores do estudo reprogramaram as células embrionárias, de tecido conectivo, para que assumissem características de células do timo, forçando a expressão de um gene específico e, no laboratório, misturaram essas células reprogramadas a outras células típicas do timo. O conjunto foi transplantado para o corpo de camundongos adultos, onde deu origem a timos funcionais.
Raios na Lua
Ecologia em crise? Os estudos científicos sobre ecologia – que tratam da interação dos seres vivos entre si e com o ambiente – vêm se tornando cada vez mais complexos e detalhados, mas seu poder explicativo está ficando cada vez menor, afirma um artigo publicado no periódico Frontiers in Ecology and the Environment, da Sociedade Ecológica dos Estados Unidos. Os autores do trabalho, vinculados à Universidade McGill do Canadá, criaram um programa de computador que analisou mais de 18 mil artigos científicos do campo, publicados desde 1913, em busca de duas estatísticas fundamentais, os valores de P e os coeficientes de determinação. Os valores de P estimam a chance de os dados levantados no estudo serem fruto do acaso; já os coeficientes de determinação avaliam até que ponto os dados podem ser explicados, ou previstos, por um determinado fator – por exemplo, a disponibilidade de nutrientes no solo é um bom fator para prever o crescimento das plantas. O que o levantamento canadense descobriu foi que, embora o número médio de valores de P por artigo tenha aumentado bastante no último século – o que indica que os pesquisadores em ecologia vêm testando cada vez mais hipóteses – o valor médio do coeficiente de determinação dos estudos da área só faz cair. Os autores do trabalho escrevem que encontrar as causas do fenômeno pode requerer “uma revisão crítica do processo científico na ecologia”. Já um especialista ouvido pelo site ScienceInsider propõe que a ecologia talvez esteja no mesmo ponto onde outra ciência que lida com fenômenos altamente complexos e previsões incertas, a meteorologia, estava há alguns anos: tentando mensurar e quantificar os próprios erros, o que é, em si, uma boa prática científica.
Gene fumante Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Copenhague, numa população de cerca de 33 mil fumantes, encontrou uma correlação entre uma mutação genética e o consumo excessivo de tabaco. De acordo com o pesquisador Børge Nordestgaard, o gene não determina se a pessoa vai começar a fumar ou se conseguirá parar, mas os fumantes que são portadores fumam, em média, 20% mais que os fumantes sem a mutação. Esses “superfumantes” têm 14% mais chance de morrer antes dos fumantes
neurônios é modulada por meio de sinais luminosos –, pesquisadores do MIT foram capazes de reverter a associação emocional vinculada a lembranças específicas, efetivamente transformando uma memória ruim numa boa. A equipe de Susumu Tonegawa condicionou camundongos a associar certas experiências ao medo, por meio de choques elétricos, ou a recompensas, por meio de interação com fêmeas. Quando a memória era reativada pelo sinal de luz, os animais evitavam ou buscavam uma determinada localização, dependendo da associação construída. A ativação artificial de certos grupos de neurônios associados à memória, durante experiências penosas ou prazerosas, levou à inversão do valor emocional dessas lembranças, diz nota distribuída pelo periódico.
comuns, e 75% mais chance de morrer que um não fumante da mesma idade. O estudo dinamarquês foi publicado no periódico International Journal of Epidemiology.
Viés nas ciências sociais Um levantamento de 221 estudos de ciências sociais de reconhecida qualidade, publicados nos Estados Unidos, mostrou que os trabalhos apresentando resultados positivos – isto é, onde a hipótese proposta pelo pesquisador acaba confirmada pelos dados – têm 40% mais chance de serem publicados, e 60% mais chance de sequer chegarem a ser redigidos. Os autores do trabalho, da Universidade Stanford, concluem que existe “prova direta de viés de publicação” e que a origem desse viés é clara: “os autores não redigem e apresentam seus resultados negativos”. Os pesquisadores responsáveis pelos estudos que não chegaram a ser redigidos disseram aos autores que acreditavam que sua produção não chegaria a ser publicada. A criação de periódicos para a publicação de resultados nulos, talvez como parte do movimento de livre acesso, poderia ajudar a equilibrar melhor a literatura científica, sugerem os autores.
Bactérias da família Quando uma família muda de casa, a “aura” de bactérias que envolve seus membros vai junto e logo trata de colonizar o novo ambiente, diz artigo publicado na revista Science. Além disso, a maioria das bactérias encontradas num domicílio é comum a todos os moradores: as únicas bactérias individualizadas são as que vivem no interior do nariz.
Analisando o genoma de micróbios presentes no corpo humano e em superfícies como maçanetas e a pia da cozinha de sete famílias, incluindo três que mudaram de residência durante o estudo, os autores, vinculados a instituições dos Estados Unidos, determinaram que é possível distinguir entre os conjuntos de bactérias de cada morada e vincular cada comunidade bacteriana a uma casa e à família que vive nela. “A microbiota de cada lar era identificável por família”, escrevem. “As comunidades microbianas diferiram substancialmente entre os lares, e o microbioma do lar tinha como fonte principal os seres humanos”.
Mundos em colisão Um flash intenso de luz infravermelha, vindo da direção de uma estrela, ID8, que parece ser uma versão mais jovem do nosso Sol – ambos os astros são mais ou menos do mesmo tamanho, mas ela tem 35 milhões de anos e o Sol, 4,5 bilhões – pode ter sido produzido pela colisão de planetas ainda em fase de formação, diz análise publicada na revista Science. O infravermelho partiu do disco de detritos espaciais que cerca a estrela jovem, e simulações sugerem que sua causa foi a condensação de uma nuvem de rocha vaporizada num grande choque espacial.
Mudando o sentido da memória Cientistas conseguiram transformar memórias ruins em boas, manipulando as conexões entre células no cérebro de camundongos, informa artigo publicado na revista Nature. Usando a técnica conhecida como optogenética – onde a atividade dos
A Lua não tem uma atmosfera capaz de sustentar fenômenos climáticos, mas é possível que tempestades solares provoquem “relâmpagos” subterrâneos nos polos do astro, a uma profundidade de cerca de um milímetro, diz artigo publicado no Journal of Geophysical Research-Planets. De acordo com os autores, da Nasa e da Universidade Rutgers, partículas eletricamente carregadas emitidas pelo Sol, em tempestades especialmente intensas, podem penetrar o rególito – como é chamado o “solo” lunar – nas zonas polares, deixando ali uma carga capaz de desencadear faíscas. Essas faíscas teriam intensidade suficiente para pulverizar o material em seu caminho, criando pequenos canais subterrâneos e mudando a própria natureza do rególito.
Vinho da Era do Bronze Artigo publicado no periódico PLoS ONE descreve a descoberta de uma adega de cerca de 3.400 anos atrás durante a escavação de um antigo palácio em Israel. Foram encontrados 40 vasilhames contendo vestígios que, analisados por espectrometria de massa, revelaram-se componentes de vinho, além de aditivos como mel e resinas. Nota distribuída pela PLoS lembra que, embora a literatura e a arte do período indiquem que o consumo e a produção de vinho eram atividades importantes para a sociedade, poucos são os vestígios físicos dessas práticas que chegaram até nós.
Cientista chinês investigado por corrupção Um importante pesquisador chinês da área de clonagem animal é suspeito de desviar recursos de pesquisa para empresas onde tem controle acionário, diz o serviço noticioso ScienceInsider, citando fontes da imprensa chinesa. O cientista, Li Ning, da Universidade Agrícola da China, não é visto em público desde o início de julho. O Insider informa que, de acordo com a Universidade Agrícola, Li é o principal investigador em 18 projetos, incluindo uma importante iniciativa para a produção de animais transgênicos.
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Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014 Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Alexandre Tombini, presidente do BC, discursa em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em 2011: flexibilização do tripé macroeconômico
Autonomia em meio ao furacão
Para pesquisador, medidas adotadas pelos governos Lula e Dilma foram importantes para o país enfrentar efeito-contágio da crise de 2008 CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
s avanços da economia brasileira nos anos anteriores à grande crise internacional de 2008 deram ao governo os meios para reagir de forma mais autônoma, com a adoção de políticas anticíclicas já no governo Lula (2003-2011) e de técnicas inéditas de gestão dos fluxos de capitais e derivativos na atual administração de Dilma Rousseff, diz dissertação de mestrado defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. “No Brasil, além da política de acumulação de reservas, a redução do endividamento externo público foi fundamental para a diminuição da vulnerabilidade externa. Essas ações tornaram o governo e país credores líquidos em moeda estrangeira em 2006 e 2007, respectivamente, posição muito importante para o Brasil enfrentar o efeito-contágio da crise”, diz o trabalho, de autoria do pesquisador Saulo Abouchedid. “Isso porque a desvalorização da moeda brasileira no último quarto de 2008 gerou um efeito positivo sobre as contas públicas pela primeira vez na história, e não obrigou o país a recorrer ao FMI, como nas crises dos anos 1980 e 1990”. Esse resultado foi fundamental, escreve o autor, “para aumentar a autonomia da política econômica, possibilitando a adoção de políticas anticíclicas”. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Abouchedid explicou que países cujas moedas não têm liquidez internacional, como é o caso do real, possuem um grau reduzido de autonomia de política econômica. “A hierarquia de moedas é uma hierarquia entre os diferentes graus de liquidez que as várias moedas exibem na economia mundial. O fato de o real ser uma moeda ilíquida internacionalmente implica uma instabilidade nas taxas de câmbio e de juros e uma perda de autonomia na política econômica”. Por conta disso, esses países emergentes muitas vezes se veem presos aos ciclos de liquidez internacional. Uma política anticíclica, nesse sentido, seria uma política que
Publicação Dissertação: “A política econômica no Brasil no contexto da crise financeira global (2008-2012)” Autor: Saulo Abouchedid Orientadora: Daniela Prates Unidade: Instituto de Economia (IE)
busca se contrapor a esse ciclo – no caso da crise de 2008, ao ciclo depressivo iniciado pela quebra do banco Lehman Brothers, que se seguiu ao colapso dos chamados empréstimos subprime nos Estados Unidos, ocorrido no ano anterior.
MOMENTOS DE MUDANÇA Em sua dissertação, Abouchedid identifica dois momentos de mudança na política econômica brasileira após o início da crise. Ele lembra que durante o governo Lula, com o Banco Central ainda sob o comando de Henrique Meirelles, as políticas de juros, de câmbio e de metas de inflação vinham seguindo a linha ortodoxa adotada na gestão de Fernando Henrique Cardoso. “O primeiro momento veio logo após a eclosão da crise sistêmica, da falência do Lehman Brothers, por meio da ação do Banco Central (BC) nos mercados interbancários e no mercado de crédito”, disse ele. “E o governo também atuou na politica fiscal, por meio de um pacote de estímulo ao investimento e ao consumo. Além do estímulo fiscal, outra ação fundamental, anticíclica, foi o uso dos bancos públicos para estimular o crédito”. O segundo momento da mudança, prossegue o pesquisador, vem após a retomada dos fluxos de capitais para o Brasil, a partir de 2009. Com a queda dos juros nos países desenvolvidos, em resposta à recessão desencadeada pela crise, investidores internacionais passaram a buscar mercados emergentes, que ofereciam taxas mais atraentes. Com a entrada abundante de dólares, o real passou a ser valorizado. “O mercado de câmbio brasileiro é muito líquido e suscetível aos ciclos especulativos”, explicou Abouchedid. “Se o Banco Central não atuasse, o câmbio brasileiro tenderia à paridade”. Em 2011, tinha início o mandato de Dilma Rousseff e Henrique Meirelles era substituído por Alexandre Tombini no comando do BC. “A Dilma não só atuou com controle de capitais no mercado de câmbio à vista, por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas também atuou no mercado de derivativos de câmbio”, disse o pesquisador. “Ela atuou por meio do que se convencionou chamar de técnicas de gestão de derivativos: colocou um limite nas posições dos bancos e investidores estrangeiros, impediu essa festa que havia no mercado de câmbio”, onde era possível, por exemplo, apostar nas cotações futuras do dólar sem desembolsar um real, apenas apresentando garantias. “Essas técnicas de gestão de derivativos foram inéditas”, explicou o pesquisador. “Porque são diferentes do simples controle de fluxo de capitais. Elas nem sempre en-
volvem fluxos de capitais. Os investidores vinham aqui às vezes sem desembolsar nenhum real. Então como é controle de fluxo de capitais se não há entrada e saída de capital?”
CONDICIONANTES Em sua dissertação, Abouchedid levanta quatro hipóteses para explicar a autonomia demonstrada pelo governo brasileiro na administração da economia durante a crise: ela teria feito parte de uma grande concertação de esforços anticíclicos encabeçada pelos países ricos; teria ocorrido em resposta a uma mudança no receituário econômico do FMI e de outros organismos multilaterais; o Brasil teria tirado proveito de uma situação favorável construída nos anos anteriores à crise; e, por fim, as mudanças refletiriam uma alteração na orientação econômica do governo, a partir da posse de Dilma. O pesquisador conclui que a principal causa foi a situação favorável obtida no período 2003-2007, seguida pela mudança na gestão da política econômica no biênio 2011-2012. As mudanças nas recomendações dos organismos internacionais, disse o autor, ocorreram quando as transformações na política brasileira já estavam em curso, e a concertação dos países avançados, embora relevante, não foi, de acordo com a dissertação, suficiente para explicar as mudanças no Brasil.
de diversos instrumentos de política cambial, reduziu a taxa de juros e lançou mão de vários programas para desoneração de folha salarial e de compras governamentais de produtos de conteúdo nacional. Essas são politicas de estímulo ao crescimento”, disse ele. O pesquisador atribui o fato de essas políticas não estarem gerando os resultados esperados a uma série de fatores, incluindo uma mudança no cenário internacional, com redução de liquidez internacional; uma “convenção pessimista”, na qual os empresários relutam em investir; e, também, erros do governo, que não soube coordenar suas ações de estímulo e nem foi capaz de fazer deslanchar os investimentos públicos em infraestrutura. “Mas a gente não pode deixar de reconhecer os pontos positivos. Dilma foi na direção correta em diversos pontos cruciais da política econômica”, declarou ele. A autonomia que permitiu ao Brasil reagir à crise de 2008 não existe mais, na avaliação de Abouchedid. “O pequeno aumento do grau de autonomia de política econômica que a gente conseguiu nesses dois momentos, acho que perdemos”, disse ele. “Tanto por causa dessa reversão parcial dos fluxos de capitais, quanto por conta de todos esses fatores internos: o insucesso de algumas políticas, principalmente de estímulo ao investimento, que fez com que o governo voltasse para a defensiva, a inflação também voltou a incomodar. O tripé voltou a ser mais inflexível e a taxas de juros e de câmbio voltaram a apresentar maior instabilidade”. Mas algumas conquistas se preservaram, segundo ele: “Lá no longo prazo, quando a abundância de liquidez voltar a acontecer, o governo já tem algumas técnicas de gestão dos fluxos de capitais e de derivativos desenvolvidas. Se houver necessidade, espero que esses instrumentos sejam usados novamente”. Saulo Abouchedid, autor da dissertação: “Se o Banco Central não atuasse, o câmbio brasileiro tenderia à paridade”
CONVENÇÃO PESSIMISTA Abouchedid acredita que o governo Dilma tomou medidas corretas para estimular a retomada do crescimento da economia brasileira, como a flexibilização do chamado “tripé macroeconômico” – câmbio flutuante, meta de inflação, superávit primário –, a tentativa de redução dos juros, os pacotes de desoneração e os investimentos públicos. De acordo com o autor, a aplicação rígida do tripé tinha sido útil para controlar a inflação no período de bonança anterior à crise de 2008, mas depois passou a ser um entrave ao desenvolvimento econômico, ao manter os juros altos e o real valorizado. “Dilma buscou durante todo o governo estimular o investimento. Ela utilizou
Foto: Antoninho Perri
Henrique Meirelles, presidente do Banco Central no governo Lula: ortodoxia
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014
Pesquisadora testa combinações
de medicamentos antifúngicos Fotos: Antoninho Perri
Objetivo é combater ação de fungos do gênero Cryptococcus, que causam a criptococose e podem provocar a morte CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
lém de vírus e bactérias, os fungos também podem causar doenças. “Quando se fala em micose, todo mundo pensa em infecção de unha, pé de atleta, frieira”, disse ao Jornal da Unicamp a pesquisadora Franqueline Reichert Lima, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “Mas há infecções por fungos que são muito graves, e que acometem principalmente pessoas com o sistema imunológico fragilizado, ou porque passaram por um transplante, ou porque são portadoras de HIV, por exemplo”. Exemplos destes fungos pertencem ao gênero Cryptococcus, agentes causadores da criptococose. Cryptococcus neoformans foi uma das espécies estudadas, ao lado do Cryptococcus gattii, por Franqueline em sua dissertação de mestrado. Para o trabalho, ela caracterizou o genótipo de variedades de Cryptococcus, provenientes de pacientes tratados no Hospital de Clínicas da Unicamp e de isolados encontrados em fezes de pombo na cidade de Campinas (SP), e testou combinações de medicamentos antifúngicos para combatê-los. Estruturas de Cryptococcus, presentes no ar, entram no corpo humano principalmente por inalação. Uma vez nos pulmões, podem vir a causar complicações, como pneumonia grave. Mas a principal complicação causada por espécies Cryptococcus afeta o sistema nervoso central. “A infecção é por via inalatória. Tem como foco primário os pulmões, onde pode até passar despercebida. Porém, por disseminação pelo sangue, pode atingir diversos órgãos, especialmente o sistema nervoso central”, disse Franqueline. Na dissertação, a autora explica que “C. neoformans e C. gattii têm uma predileção a invadir o sistema nervoso central e podem causar meningite aguda, subaguda ou crônica, assim como meningoencefalite grave. Os sinais e sintomas estão geralmente presentes por diversas semanas e incluem cefaleia, febre, neuropatia craniana, alteração da consciência, letargia, perda de memória, sinais de irritação meníngea e coma”. Os fungos do gênero Cryptococcus estão em toda parte. “A exposição humana a espécies desse gênero é bem comum, pois esses fungos têm sido isolados de vários locais, como construções abandonadas, jardins, igrejas, praças e domicílios”, diz a dissertação de Franqueline, intitulada “Espécies de Cryptococcus obtidas de isolados clínicos e ambientais da cidade de Campinas-SP: genotipagem e avaliação da suscetibilidade in vitro frente a agentes antifúngicos isolados e em diferentes combinações”.
Publicação Dissertação: “Espécies de Cryptococcus obtidas de isolados clínicos e ambientais da cidade de CampinasSP: genotipagem e avaliação da suscetibilidade in vitro frente a agentes antifúngicos isolados e em diferentes combinações” Autora: Franqueline Reichert Lima Orientadora: Angelica Zaninelli Schreiber Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Franqueline Reichert Lima, autora da dissertação: diagnóstico precoce é importante
O trabalho acrescenta ainda que espécies de Cryptococcus aparecem no solo, na poeira, em material orgânico em decomposição, na casca de árvores e nas fezes de pombos. Os pombos foram a principal fonte destes fungos analisada por Franqueline. “O pombo é muito estudado como sendo a principal fonte ambiental desse fungo”, disse a pesquisadora. O pombo não é a única ave a abrigar o Cryptococcus em seu aparelho digestivo, mas sua presença marcante nos espaços urbanos acaba fazendo com que seja uma fonte de destaque. “Então, locais infestados de pombos, como praças públicas, seriam fontes ou reservatórios deste micro-organismos. Por isso é recomendado não alimentar esses animais”. Na elaboração de seu trabalho, Franqueline fez coletas de excreta de pombos em vários pontos de Campinas e encontrou nas fezes diversas espécies de Cryptococcus, inclusive Cryptococcus neoformans, que é a espécie que atinge principalmente pacientes com sistema imunológico comprometido. Os locais onde houve coleta foram o HC-Unicamp, o Mercado Central, o Largo do Rosário, a Biblioteca Central da Unicamp, o Centro de Convivência e o Teatro Castro Mendes. Além das fezes de pombos, também foi coletado material em ocos de árvores. Há dez anos, o grupo de pesquisa do qual Franqueline participa realizou coletas de excretas nos mesmos locais e pôde ser observado que o número de pombos encontrados no primeiro estudo foi bem maior do que o encontrado no atual, o que sugere que houve conscientização da população sobre não alimentar esses animais, diminuindo o número de pombos e também o acúmulo de fezes. A mortalidade é alta. Estima-se que ocorram anualmente um milhão de casos de infecção por Cryptococcus, resultando em 600 mil mortes no mundo. No Brasil, não existem dados precisos, já que a infecção por Cryptococcus não é uma doença de notificação compulsória, mas a dissertação cita alguns números encontrados na literatura: dos mais de 215.000 pacientes registrados com HIV no Brasil entre 1980 e 2002, 6% foram diagnosticados com criptococose no momento do diagnóstico da aids. Um estudo de 2009 mostrou que, de 1998 a 2006, 125.633 pacientes morreram de aids no Brasil, sendo que 5.898 mortes foram associadas a alguma infecção por fungo, sendo a criptococose a principal delas, respondendo por 50% dos casos.
Amostra usada nas pesquisas: fungos estão em toda parte
“É um problema muito grave”, disse Franqueline. “Muitas pessoas morrem, e das que sobrevivem, muitas apresentam sequelas. Perda de visão, audição, sequelas sérias”.
MEDICAMENTOS O objetivo do tratamento das infecções por Cryptococcus é erradicar o micro-organismo, para evitar as sequelas neurológicas e mortes. O tratamento envolve três fases, sendo a primeira de redução da carga de fungos no organismo do paciente, chamada fase de indução. Órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Infectious Diseases Society of America (Sociedade de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos) recomendam que essa primeira linha de ataque seja feita com a combinação de dois antifúngicos, a anfotericina B (AMB) e 5-flucitosina (5FC). No Brasil e em vários outros países em desenvolvimento, da Ásia e da África, o 5FC não se encontra disponível, no entanto. “Não está claro o motivo exato de o 5FC não estar disponível no Brasil”, disse Franqueline. “Desconfiamos que sejam questões financeiras: ele é muito barato, provavelmente não dá o lucro que as empresas farmacêuticas gostariam. Mas, então, por que o Brasil não importa? Também nos fazemos essas perguntas”. A dissertação cita documentos oficiais sobre a ausência da 5FC no Brasil. O produto foi retirado da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) em 2006, sob as justificativas de que causa efeitos colaterais e de que seu uso isolado, sem a AMB, leva a um rápido desenvolvimento de resistência pelo fungo. Além disso, o Ministério da Saúde afirma que a 5FC pode ser substituída por outro antifúngico na combinação com a AMB.
“Mas podemos ver na literatura científica, em ensaios clínicos, que não é assim”, disse a pesquisadora, referindo-se à alegação de que a 5FC é facilmente substituível. “A utilização da 5FC com a AMB ainda é a melhor opção terapêutica, com a menor taxa de mortalidade. Mas no Brasil não dispomos desse antifúngico, e por isso estudamos outros, com objetivo de buscar novas opções terapêuticas”.
ALTERNATIVAS
Para sua dissertação, Franqueline testou diferentes combinações de antifúngicos contra Cryptococcus. “Testamos a terbinafina, que é um antifúngico utilizado para micoses de unha, micoses de pele”, disse ela. “Foi muito efetivo in vitro, porém in vivo ainda algumas questões precisariam ser investigadas”. A dificuldade, explicou, é que a terbinafina parece não ser capaz de cruzar a chamada “barreira hematoencefálica”, que filtra o sangue que chega ao cérebro. “Teríamos que buscar alguma forma de fazer esse antifúngico, que é muito potente in vitro, penetrar na barreira hematoencefálica, para que ele possa ser utilizado contra meningite”, disse a pesquisadora. “Temos algumas ideias, mas nada para aplicação prática até o momento”. Franqueline acredita que um modo de avançar com a pesquisa na área é buscar opções de diagnóstico precoce, o que contribui para o aumento da chance de sobrevivência e para a diminuição de sequelas. Além disso, seguir testando diferentes antifúngicos, talvez mesmo em combinação com medicamentos de categorias diferentes. “Por exemplo, existem estudos que utilizaram antidepressivos. A vantagem dessas substâncias é que, como já são utilizadas para doenças mentais, penetram na barreira hematoencefálica.” Por fim, Franqueline afirma em sua dissertação que “trabalhos governamentais precisam ser realizados para aumentar o acesso aos agentes antifúngicos em muitos locais em todo o mundo, inclusive no Brasil. De mesma importância, para otimizar a utilização dos antifúngicos existentes, estudos que avaliem a utilização mais ampla dos mesmos são necessários para buscar novas estratégicas que possam ser seguidas no tratamento de micoses sistêmicas como a criptococose”.
Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014
Olhando o passado para enxergar o futuro
5 Estudo do IB investiga os efeitos da variação tempo-espaço sobre as estratégias de reprodução das plantas Fotos: Divulgação/Antoninho Perri
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ma boa maneira de tentar entender o que nos reserva o futuro é olhar para o passado e buscar compreender as transformações ocorridas através do tempo. Partindo desse princípio, o biólogo André Rodrigo Rech investigou em sua tese de doutoramento, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, os efeitos da variação tempoespaço sobre as estratégias de reprodução das plantas. O trabalho, pioneiro no Brasil, concluiu que as mudanças climáticas registradas ao longo dos últimos 20 mil anos estão associadas com a forma como determinadas espécies se reproduzem. Além disso, o estudo também apurou que em áreas de florestas, nas quais as chuvas são mais constantes, o clima atual é o fator mais importante na determinação da polinização por animais. Já em áreas abertas, como as de Cerrado, nas quais o regime de chuvas é diferente, o clima do passado é que teve papel decisivo na definição do sistema de polinização das plantas, que são mais dependentes da ação do vento. A pesquisa desenvolvida por Rech foi orientada pela professora Marlies Sazima, do Departamento de Biologia Vegetal do IB, e contou com a colaboração de pesquisadores da Dinamarca e também da Inglaterra, país no qual o biólogo realizou parte do seu doutorado. O autor da tese destaca que o Brasil ainda tem pouca tradição científica no estudo de interações ecológicas e mudanças climáticas. Tanto é assim que uma das integrantes da banca examinadora chegou a afirmar que o trabalho era tão inovador que estaria dando início a uma nova linha de pesquisa no país. Rech explica que na Europa há mais experiência nesse tipo de investigação, entre outros motivos porque o continente foi mais impactado pelas mudanças climáticas do passado, notadamente pelos ciclos de glaciação. O biólogo conta que resolveu pesquisar o tema por causa das polêmicas existentes em torno de quais seriam os efeitos das mudanças climáticas sobre as plantas. Ao buscar entender como elas se adaptaram aos acontecimentos pretéritos, conforme Rech, é possível encontrar elementos para projetar o futuro, de modo a predizer que populações estariam ameaçadas pelas mudanças climáticas em curso. “Conhecendo cenários futuros de mudanças no clima é possível prever quais espécies ou estratégias reprodutivas serão beneficiadas, permitindo assim que se faça um planejamento em termos de mitigação de efeitos e valoração de consequências das mudanças que estão sendo apontadas pelos grupos pesquisadores do clima”, explica o pesquisador. A investigação de Rech foi dividida em duas partes. Na primeira, ele saiu a campo para estudar dez populações da espécie Curatella americana, distribuídas pelos Estados de Mato Grosso, Goiás, Pará, Amazonas e Roraima. Essa árvore típica do Cerrado, que tem propriedades medicinais, também é conhecida pelos nomes populares de lixeira ou caimbé. Em estudos paleoecológicos o pólen dessa espécie é utilizado juntamente com outras espécies para interpretar se uma dada localidade teve ou não vegetação savânica no passado, sendo considerada por essa razão uma planta indicadora. Para testar a relação entre o clima e a reprodução da planta, o estudante de doutorado fez modelagens computacionais para a determinação das mudanças climáticas ao longo dos últimos 20 mil anos em cada local que estudou. Ele também realizou diversos cruzamentos entre indivíduos da espécie estudada para entender como ela se reproduz e o quanto depende de animais como polinizadores. Os resultados levaram o biólogo a concluir que quanto mais instável é o clima, mais as plantas são capazes de se autopolinizarem. Em outras palavras, elas se tornaram autônomas em relação à tarefa de polinização exercida pelos animais, principalmente os insetos. “Também pude constatar que essas plantas apresentaram mudanças morfológicas que promoveram a aproximação de seus órgãos reprodutivos, o que favorece a autopolinização. Com essa estratégia, fica facilitado o deslocamento dos grãos de pólen da parte masculina para a feminina da flor, dentro do mesmo indivíduo”, detalha o autor da tese. Rech revela que enfrentou alguns percalços para executar os experimentos de campo, causados por “agentes externos”. Em Santarém, por exemplo, parte do trabalho foi perdida por causa do fogo. Em Roraima, o pesquisador teve que aguardar duas longas semanas acampado em um local desprovido de luz elétrica até que a chuva passasse e ele pudesse checar o estágio de florescimento das plantas. “Outro contratempo foi o apetite das formigas, que comeram alguns sacos com os quais protegíamos as flores depois de feito o cruzamento. Felizmente, eu havia preparado um número maior de experimentos prevendo algum tipo de problema”, relata o biólogo. A segunda parte da pesquisa abordou com maior ênfase a polinização pelo vento, outra forma de as plantas se reproduzirem sem a contribuição dos animais. Para esse estudo foram considerados 50 locais espalhados pelo planeta. O método empregado por Rech relacionou as pro-
André Rech, autor da tese, em trabalho de campo (acima) e na Unicamp (à esq.): pesquisa verificou que em áreas onde o clima variou mais ao longo do tempo houve favorecimento das plantas que menos dependiam dos animais como agentes polinizadores
porções de plantas polinizadas por animais e pelo vento de cada um desses pontos com fatores contemporâneos como riqueza de espécies, densidade de árvores, topografia e clima atual, além obviamente do clima do passado. As informações sobre as condições climáticas pretéritas foram fornecidas por um banco de dados internacional similar ao utilizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Após cruzar e analisar a massa de dados, o autor da tese constatou que em áreas de florestas o clima atual é mais importante que o do passado no que toca à polinização feita por animais. “A chuva favorece as condições para, por exemplo, a produção de néctar, além de dificultar a polinização pelo vento, pois deixa os grãos de pólen mais pesados, fortalecendo a importância dos animais no cumprimento dessa tarefa”, diz. Já nas áreas abertas, como a do Cerrado, a constatação foi inversa. Ou seja, Rech apurou que o clima do passado é que exerce maior influência nas estratégias de reprodução das plantas de hoje. “Isso pode ser explicado da seguinte maneira. A quantidade de chuva do passado funcionou como um processo seletivo das espécies que podem ser encontradas atualmente nesse bioma. Foram favorecidas aquelas que já apresentavam adaptações que as tornaram independentes da ação dos animais para promover a polinização, que segue sendo feita com a ajuda do vento, nos locais onde o clima foi muito seco”, destaca. Dito de outra forma, a pesquisa desenvolvida pelo biólogo verificou que em áreas onde o clima variou mais ao longo do período considerado foram favorecidas as plantas que menos dependiam dos animais como agentes polinizadores. “Do ponto de vista da evolução, os indivíduos que dependiam mais de polinizadores foram extintos. Houve uma seleção a favor daqueles que se mostraram mais independentes. Isso pode ser visto por diferentes ângulos.
Publicação Tese: “Caminhando entre flores: o papel de variações no tempo e espaço na evolução de estratégias de polinização” Autor: André Rodrigo Rech Orientadora: Marlies Sazima Coorientador: Jeff Ollerton Unidade: Instituto de Biologia (IB) Financiamento: Fapesp, Faepex-Unicamp, Capes e Santander Universidades
Há que se tomar cuidado para não criar a falsa ideia de que não é preciso preservar os polinizadores nessas áreas, o que não é verdade. Outro aspecto a levar em conta é que muitas espécies que se reproduzem de forma independente estão cruzando com elas mesmas. Assim, não há troca de informação genética com outros indivíduos. Isso tem um preço, pois essas espécies provavelmente estão gerando descendentes com menor diversidade genética, o que pode implicar em indivíduos mais frágeis”, pontua. Rech chama a atenção para o fato de as mudanças climáticas afetarem distintamente animais e plantas. Os primeiros, por serem móveis, se deslocam mais rapidamente em busca de lugares que lhes ofereçam melhores condições de sobrevivência. Já as plantas são fixas. Seu deslocamento se dá pela dispersão do pólen ou das sementes, que são carreadas por animais, vento ou cursos d’água. “Por isso é importante procurar entender o passado, pois ele nos fornece elementos muito importantes para projetarmos o futuro. Ao considerarmos as mudanças climáticas que estão em curso, temos como predizer se uma espécie poderá, dadas determinadas condições, perecer em dado prazo. O estudo permite também vislumbrar possíveis impactos das mudanças climáticas futuras sobre os dois terços dos alimentos ingeridos pela humanidade, que dependem de animais como polinizadores”, reafirma. A pesquisa desenvolvida por Rech também teve um caráter extensionista relevante. Durante os trabalhos de campo, o pesquisador ofereceu cursos para alunos de graduação de universidades próximas das áreas de estudo. O objetivo foi compartilhar com os estudantes informações e metodologias avançadas, às quais esse público dificilmente tem acesso. “Tive a preocupação de agir dessa forma porque, quando era aluno de graduação, encontrei muita dificuldade para travar contato com pesquisadores de destacadas instituições de pesquisa. No Brasil, infelizmente, ainda carecemos muito da interiorização das mais diversas linhas de pesquisa, para além das fronteiras da região Sudeste”, esclarece o autor da tese. Na opinião de Rech, seu trabalho deixa clara a importância de estudos de campo em amplas áreas geográficas, como é o caso do Brasil, associados com modelos simulatórios computacionais. “Para além dessa vantagem em termos de relevância científica, as inúmeras viagens aos confins do Brasil me permitiram entender melhor esse mosaico sociocultural e ambiental que compõe nosso país”, frisa o biólogo, que contou com bolsa estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ele também obteve auxílio Fapex-Unicamp e bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Santander Universidades, por meio das quais participou do programa de doutorado sanduíche com a Universidade de Northampton, da Inglaterra, onde foi coorientado pelo professor Jeff Ollerton.
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Campinas, 1 a 7 de
O cinema ‘escrito’ (e falado) n
Tese mostra como as imagens em movimento influenciaram os textos dos principais cronistas Imagens: Divulgação/Reprodução
MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br
ssim que chegou ao Brasil, no final do século XIX, o cinema despertou imediatamente a atenção de diversos cronistas, que passaram a escrever sobre o entretenimento em jornais e revistas. O realismo das imagens em movimento era, ora aceito estritamente, ora questionado por esses literatos. Influenciados pela novidade, alguns deles chegaram até mesmo a adotar características da semântica cinematográfica em seus textos. Estes e outros aspectos da relação entre o cinema e a literatura surgem esmiuçados na tese de doutorado da pesquisadora Danielle Crepaldi Carvalho, defendida recentemente no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O trabalho, que também apresenta um anexo contendo as crônicas analisadas acompanhadas de comentários da autora, foi orientado pela professora Miriam Viviana Gárate. Graduada em Letras e com mestrado em Teoria e História Literária pela Unicamp, Danielle conta que sua pesquisa concentrou-se na produção de cronistas cariocas entre os anos de 1894 e 1922, período que coincide com o desenvolvimento tanto do cinema como da cidade do Rio de Janeiro. “O cinema chega ao Brasil em 1894, através do kinetoscópio, que na verdade ainda não era cinema. Era uma máquina inventada por Thomas Edison, que permitia que apenas uma pessoa de cada vez pudesse observar imagens em movimento”, explica a pesquisadora. Naquele instante, o invento era exibido em pequenos salões na Rua do Ouvidor, espaços alugados para a apresentação de variedades, como fonógrafos, bandas de música, bonecos de cera, órgãos humanos e outras “bizarrices” ao público. No início, conforme Danielle, esse primeiro cinema era frequentado, sobretudo, pelas classes populares. A elite o desdenhava, classificando-o como entretenimento menor. “Entretanto, desde o princípio as imagens em movimento chamaram a atenção de algumas camadas mais letradas, os cronistas em particular. Inicialmente, o tema foi tratado em textos esparsos. Depois, surgiu com maior frequência nas crônicas, gênero que, circulando na imprensa cotidiana, se debruçava sobre os acontecimentos do dia a dia da cidade. Escritores destacados como Olavo Bilac, Arthur Azevedo, João do Rio e Lima Barreto, entre outros, trataram do assunto em seus textos”, destaca a autora da tese de doutorado, que utilizou como fontes fundamentais da sua pesquisa os acervos físicos do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp e da Biblioteca Nacional (BN), além da Hemeroteca Digital da BN. O primeiro texto sobre o kinetoscópio localizado por Danielle data de 1894, poucos meses antes da chegada da máquina ao país. Depois que os brasileiros travaram contato com a engenhoca, mais e mais escritores passaram a falar dela em suas crônicas. Bilac foi aparentemente o primeiro. Em texto assinado com o pseudônimo de Fantásio, o poeta adotou um tom crítico a respeito das possibilidades oferecidas pelas imagens em movimento. “Usando a máscara do falso bobo da corte saído da pena de Musset [Alfred Louis Charles de Musset, poeta, novelista e dramaturgo francês do século XIX], Bilac disse que o kinetoscópio era uma ameaça à literatura, pois com ele era possível eternizar em imagens o sorriso e os gestos da mulher amada. Na opinião dele, ao repetir à exaustão as imagens de situações tão especiais, estas acabariam por perder o encanto”, relata Danielle. Em sua investigação, a pesquisadora descobriu que entre os pioneiros a abordar o cinema – ou melhor, o kinetoscópio – na literatura estava uma mulher, a poetisa Elvira Gama, desconhecida do público de hoje, mas cuja carreira jornalística e literária estava em franca ascensão naquele tempo. Na pele de Edisonina – pseudôni-
Charge de J. Carlos publicada em março de 1920 na revista Careta
mo adotado em homenagem a Edison, inventor do kinetoscópio –, ela escreveu uma crônica com a qual dialogava com o texto de Bilac, citando “o amigo Fantásio”. Ela criou toda uma série cronística ainda nos tempos da máquina individual do inventor norte-americano, quando a histórica primeira sessão pública do cinematógrafo dos irmãos Lumière ainda não havia acontecido em Paris - o que se deu somente em dezembro de 1895. Edisonina fazia-se de “pequenininha” – como eram as imagens exibidas pelo kinetoscópio – para melhor criticar os políticos, protestar contra o jogo do bicho e chamar atenção para a epidemia de cólera. Uma das características das crônicas que tinham o cinema como objeto de reflexão, diz a autora da tese, é que seus conteúdos também se aproximavam muito das questões urbanísticas, por causa das reformas executadas, a partir de 1903, pelo prefeito do Rio, Francisco Pereira Passos. “Com o passar do tempo, surgiu uma tentativa de usar o cinema para a construção de uma imagem moderna e desenvolvimentista do Rio, nos moldes do que ocorria na Europa, particularmente em Paris. Com a inauguração dos cinematógrafos, instalados na Avenida Central aberta por Pereira Passos, esses espaços passaram a produzir seus próprios filmes. As imagens fechadas mostravam belas mulheres passeando pela cidade e os melhores ângulos da reforma urbanística. Na minha proposição, isso criou uma espécie de continuidade simbólica, como se o Rio fosse Paris, embora não fosse realmente. Ou seja, o cinema contribuiu para a construção de uma imagem positiva da cidade”, destaca Danielle. Tal estratégia, de acordo com ela, não era uma novidade. No período de seis meses em que passou em Paris, cumprindo o programa de um doutorado sanduíche, a pesquisadora frequentou a Cinemateca Francesa e leu inúmeros jornais e livretos do início do século XX, publicados na Europa. “Um livreto londrino do início dos anos de 1910 sugeria que se filmassem a alta sociedade e o máximo de pessoas possível, com o objetivo de levá-las ao cinema para se verem na tela. A montagem cinematográfica, picada e decupada, contribuía para atingir o objetivo almejado. De certa forma, a crônica também fazia isso aqui no Brasil. Esse aspecto aparece claramente nos textos de João do Rio [pseudônimo do escritor Paulo Barreto]. Em outras palavras, a cidade se pintava e se criava tanto a partir do cinema quanto da literatura. Assim, é possível afirmar que o realismo presente na tela e nos textos dos jornais e revistas também foi, em boa medida, inventado”, analisa.
“Voyage dans La lune” (Viagem à lua, de Georges Méliès, 1902): fotograma da cena à qual Arthur Azevedo se refere em crônica de 1903
Excertos Kinetoscópio (...) “Não te lembras, às vezes, com uma saudade e um gozo inenarráveis, do gesto brando e amoroso com que dous braços femininos um dia te chamaram, cheios de promessas? Pois bem! Hoje, com o Kinetoscópio, terias perpetuado esse apaixonado movimento de braços, fotografando-o numa placa metálica. E bastar-te-ia mover uma pequena manivela, e fazer agir sobre a placa uma corrente elétrica, para que visses, mas positivamente visses, a tua amante estender-te os braços e chamar-te... E imagina que horror: o gesto amoroso repetido ao infinito, durante uma, durante cem horas, cem semanas, cem anos! Acabarias naturalmente por achar cômico o que hoje te parece divino: e, em vez de chorar com a evocação do delicioso momento, desatarias a rir, desgraçado mortal, mísero desiludido! (...) Ah! Isto é o fim de um mundo, meus amigos! Ide ver o kinetoscópio! Ide ver uma briga de galos, uma dança serpentina, uma briga entre yankees, pilhadas em flagrante, fixadas fotograficamente para toda a eternidade, — e dizei-me se ainda tendes ilusões que vos povoem um sonho, e rimas que vos enfeitem um soneto.” Fantásio Fantásio (pseudônimo de Olavo Bilac). Kinetoscópio. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 17 dez. 1894, p. 1.
O Teatro (...) “Na segunda parte do espetáculo figurou um cinematógrafo com fotografias coloridas, talvez o mais perfeito que ainda se viu nesta capital. O engenhoso aparelho exibiu uma interessante pantomima fantástica, intitulada Viagem à lua, inspirada no romance de Júlio Verne. Conto que essa pantomima, inventada e composta com uma fantasia admirável, leve ao São Pedro todas as crianças do Rio de Janeiro. O quadro representando a lua no espaço, figurada por uma cara risonha e gaiata, que aumenta progressivamente à medida que se aproxima do espectador, é de um grande efeito cômico. Não há quem resista à careta da lua quando um obus, levando no bojo meia dúzia de astrônomos, penetra e fica encravado num dos olhos daquela cara. Tem, realmente, muita graça”. (...) A. A. A. A. (Arthur Azevedo). O Teatro. A Notícia, Rio de Janeiro, 9-10 abr. 1903, p. 3.
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setembro de 2014
na época do cinema mudo
s brasileiros entre 1894 e 1922
Capa de livro de João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto: obra foi lançada em 1909
DIÁLOGOS A relação entre cinema e literatura foi tão estreitada entre o final do século XIX e o início do século XX que alguns dos cronistas analisados por Danielle recorreram à semântica cinematográfica para construir seus textos. É o caso de um autor que se intitulava Jack, que escrevia para a Revista Careta e cuja verdadeira identidade a autora da tese não conseguiu elucidar. “Certas narrativas dele se assemelhavam aos enredos de filmes, transformando o Rio de Janeiro numa espécie de Hollywood. Ele descrevia passeios pela cidade e criava diálogos com as moças da época nos quais a cena cinematográfica aparecia espelhada.”, pontua a pesquisadora. Outro ponto importante tratado por Danielle na tese diz respeito ao diálogo que os cronistas brasileiros travavam com seus pares estrangeiros. Os textos produzidos em outras plagas chegavam ao país e eram repercutidos pelos autores nacionais. “O João do Rio, por exemplo, dialogava com alguma frequência com escritores de fora.
Ele observou com cuidado os primeiros ‘filmes de arte’ que chegaram à cidade em 1909, influenciado muito provavelmente pelo escritor italiano Edmondo de Amicis, que pouco antes havia publicado em seu país um conto chamado ‘Cinematógrafo cerebral’. Foi um dos primeiros a perceber, por aqui, as características artísticas do cinema e como ele conectava o público de uma forma diferente do teatro. Em 1909, João do Rio escreveu o livro ‘Cinematógrafo’, uma recolha das crônicas que publicou em jornais cariocas ao longo de anos. Além de se aprofundar em aspectos técnicos do cinema e em questões referentes à sua fruição, o autor submeteu o livro a uma organização semelhante à do espetáculo cinematográfico de então [quando apresentavam-se, numa mesma sessão, fitas de tons e temáticas variados]”, informa a pesquisadora. Em seu trabalho, Danielle também faz uma reflexão sobre a linguagem empregada pelo cinema mudo. A pesquisadora questionou a afirmação, reiterada por
Fotografia de João do Rio na Fon-Fon, em 1909
muitos escritores, de que o público entendia naturalmente as histórias contadas na tela, visto que a mímica supostamente constituiria uma linguagem universal. Ao se debruçar sobre inúmeras publicações do período, ela percebeu que a literatura, mais uma vez, estava próxima da cinematografia e que oferecia suporte indispensável à compreensão do espectador. “Identifiquei que jornais e revistas publicavam resumos muito detalhados de cada filme. Uma série como ‘Os Mistérios de Nova York’, com a atriz Pearl White, por exemplo, saiu no jornal ‘A Noite’ como folhetim romanesco, antes de ser exibida nos cinemas. Os textos praticamente decupavam o que apareceria na tela. A graça de ir ao cinema não estava, então, em descobrir o tema, mas o filme em si, pois a história era conhecida previamente do público. No Brasil, desde o começo, a literatura aparece muito colada ao cinema”, reforça. Além do arcabouço teórico, a tese de Danielle também é constituída por um anexo de 520 páginas, no qual ela apresenta
210 textos e 20 imagens selecionadas do material que analisou. “Devo este trabalho à minha orientadora, professora Miriam Gárate, com quem cursei em 2009 uma disciplina fundamental sobre o cinema silencioso e a literatura do período. Miriam apontou a inexistência de uma pesquisa e compilação do que se escreveu sobre cinema na imprensa brasileira de fins de 1890 e começo do século XX. Além do texto claramente teórico, que buscou mostrar como os cronistas viram o realismo no cinema nas primeiras décadas desse entretenimento, optamos também pela preparação da antologia anotada. Procuro fazer comentários relativos a cada uma das crônicas, numa tentativa de contextualizar o que dizem seus autores, hoje tão recuados de nós”, esclarece a pesquisadora, que contou com bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de doutorado-sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência vinculada ao Ministério da Educação. Foto: Antonio Scarpinetti
Publicação Tese: “Luz e sombra no écran: realidade, cinema e rua nas crônicas cariocas de 1894 a 1922” Autora: Danielle Crepaldi Carvalho Orientadora: Miriam Gárate Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: Capes e Fapesp
Danielle Carvalho, autora da tese: “Desde o princípio as imagens em movimento chamaram a atenção de algumas camadas mais letradas, os cronistas em particular”
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na época do cinema mudo
s brasileiros entre 1894 e 1922
Capa de livro de João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto: obra foi lançada em 1909
DIÁLOGOS A relação entre cinema e literatura foi tão estreitada entre o final do século XIX e o início do século XX que alguns dos cronistas analisados por Danielle recorreram à semântica cinematográfica para construir seus textos. É o caso de um autor que se intitulava Jack, que escrevia para a Revista Careta e cuja verdadeira identidade a autora da tese não conseguiu elucidar. “Certas narrativas dele se assemelhavam aos enredos de filmes, transformando o Rio de Janeiro numa espécie de Hollywood. Ele descrevia passeios pela cidade e criava diálogos com as moças da época nos quais a cena cinematográfica aparecia espelhada.”, pontua a pesquisadora. Outro ponto importante tratado por Danielle na tese diz respeito ao diálogo que os cronistas brasileiros travavam com seus pares estrangeiros. Os textos produzidos em outras plagas chegavam ao país e eram repercutidos pelos autores nacionais. “O João do Rio, por exemplo, dialogava com alguma frequência com escritores de fora.
Ele observou com cuidado os primeiros ‘filmes de arte’ que chegaram à cidade em 1909, influenciado muito provavelmente pelo escritor italiano Edmondo de Amicis, que pouco antes havia publicado em seu país um conto chamado ‘Cinematógrafo cerebral’. Foi um dos primeiros a perceber, por aqui, as características artísticas do cinema e como ele conectava o público de uma forma diferente do teatro. Em 1909, João do Rio escreveu o livro ‘Cinematógrafo’, uma recolha das crônicas que publicou em jornais cariocas ao longo de anos. Além de se aprofundar em aspectos técnicos do cinema e em questões referentes à sua fruição, o autor submeteu o livro a uma organização semelhante à do espetáculo cinematográfico de então [quando apresentavam-se, numa mesma sessão, fitas de tons e temáticas variados]”, informa a pesquisadora. Em seu trabalho, Danielle também faz uma reflexão sobre a linguagem empregada pelo cinema mudo. A pesquisadora questionou a afirmação, reiterada por
Fotografia de João do Rio na Fon-Fon, em 1909
muitos escritores, de que o público entendia naturalmente as histórias contadas na tela, visto que a mímica supostamente constituiria uma linguagem universal. Ao se debruçar sobre inúmeras publicações do período, ela percebeu que a literatura, mais uma vez, estava próxima da cinematografia e que oferecia suporte indispensável à compreensão do espectador. “Identifiquei que jornais e revistas publicavam resumos muito detalhados de cada filme. Uma série como ‘Os Mistérios de Nova York’, com a atriz Pearl White, por exemplo, saiu no jornal ‘A Noite’ como folhetim romanesco, antes de ser exibida nos cinemas. Os textos praticamente decupavam o que apareceria na tela. A graça de ir ao cinema não estava, então, em descobrir o tema, mas o filme em si, pois a história era conhecida previamente do público. No Brasil, desde o começo, a literatura aparece muito colada ao cinema”, reforça. Além do arcabouço teórico, a tese de Danielle também é constituída por um anexo de 520 páginas, no qual ela apresenta
210 textos e 20 imagens selecionadas do material que analisou. “Devo este trabalho à minha orientadora, professora Miriam Gárate, com quem cursei em 2009 uma disciplina fundamental sobre o cinema silencioso e a literatura do período. Miriam apontou a inexistência de uma pesquisa e compilação do que se escreveu sobre cinema na imprensa brasileira de fins de 1890 e começo do século XX. Além do texto claramente teórico, que buscou mostrar como os cronistas viram o realismo no cinema nas primeiras décadas desse entretenimento, optamos também pela preparação da antologia anotada. Procuro fazer comentários relativos a cada uma das crônicas, numa tentativa de contextualizar o que dizem seus autores, hoje tão recuados de nós”, esclarece a pesquisadora, que contou com bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de doutorado-sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência vinculada ao Ministério da Educação. Foto: Antonio Scarpinetti
Publicação Tese: “Luz e sombra no écran: realidade, cinema e rua nas crônicas cariocas de 1894 a 1922” Autora: Danielle Crepaldi Carvalho Orientadora: Miriam Gárate Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: Capes e Fapesp
Danielle Carvalho, autora da tese: “Desde o princípio as imagens em movimento chamaram a atenção de algumas camadas mais letradas, os cronistas em particular”
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Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014
Um esqueleto fascina muita gente... RICARDO SCHINAIDER DE AGUIAR rideaguiar@uol.com.br
m esqueleto humano é encontrado durante uma escavação. Para olhos não treinados, aquele conjunto de ossos talvez não diga muita coisa. Já para um especialista, a quantidade de informações contidas ali, tanto sobre aquele indivíduo como sobre a sociedade na qual ele vivia, é imensa. Mas como um simples esqueleto pode ajudar na recuperação de características e comportamentos de populações antigas e extintas? Escrito pelo bioantropólogo e arqueólogo brasileiro Walter Alves Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Um esqueleto incomoda muita gente... tenta responder a essa pergunta para leitores não especializados. A obra é mais uma da coleção Meio de Cultura, publicada pela Editora da Unicamp, que busca divulgar ciência e tecnologia para um público amplo com livros de linguagem acessível a todos. Um esqueleto incomoda muita gente... aborda diversos aspectos do estudo de ossos humanos, e seu autor é um especialista no assunto. Walter Neves foi o responsável por analisar, na década de 1990, o mais antigo crânio humano encontrado no continente americano, chamado por ele de Luzia. Com o argentino Héctor Pucciarelli (Museo de Ciencias Naturales da Universidade de La Plata), Walter Neves participou
da formulação de uma teoria original sobre o povoamento das Américas, segundo a qual duas diferentes correntes de caçadores-coletores teriam migrado da Ásia para o nosso continente. Neste seu mais recente livro, lançado em 2013, Walter Neves mostra que, além de ser um renomado cientista, sabe também escrever sobre sua área para um público não familiarizado com o tema. Já no título vemos o humor do pesquisador, que, em paródia da conhecida música infantil “Um elefante incomoda muita gente”, chama atenção para a interdisciplinaridade e o grande número de pessoas, de diferentes áreas, envolvidas no estudo de ossos humanos. O senso de humor é mantido ao longo de todos os nove capítulos, organizados tematicamente. O autor trata desde tópicos básicos – como o que fazer quando um esqueleto, ou parte dele, é encontrado – até questões mais complexas, como tentar inferir a dieta, o estilo e a qualidade de vida de uma determinada população. Cada um dos capítulos conta com uma parte teórica e uma parte de estudos de caso, na qual vemos exemplos de pesquisas que ajudam o leitor a entender a teoria apresentada. O livro também é amplamente ilustrado com fotos e esquemas, o que facilita ainda mais a compreensão e a visualização de estruturas ósseas, instrumentos e procedimentos para os leigos nas áreas de arqueologia e anatomia humana. Além da linguagem acessível, o profundo conhecimento de Walter Neves também é marca notória do livro. A simplificação da ciência
SERVIÇO Título: Um esqueleto incomoda muita gente... Autor: Walter A. Neves Páginas: 160 páginas Área de interesse: Divulgação Cultural e Científica Preço: R$ 30,00 Editora da Unicamp
para a compreensão de um público amplo, sem a perda de precisão científica, é um grande mérito da obra. Para todos que se interessam por bioantropologia e arqueologia, Um esqueleto incomoda muita gente... é uma boa recomendação.
Ricardo Schinaider de Aguiar é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em divulgação científica pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo dessa mesma universidade (Labjor-Unicamp).
Por que é difícil brincar na escola? Pesquisa mostra que brincadeiras foram esquecidas no ensino fundamental Foto: Antoninho Perri
PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br
ma reflexão sobre o nome: ensino fundamental. Porque fundamental é aprender a ler e a escrever, fundamental é decifrar parte dos códigos até então reservados ao mundo adulto. Fundamental pode ser copiar o que está na lousa, fazer a lição de casa. Brincar não é fundamental, ou pelo menos não é algo bem-vindo no ensino fundamental. Foi o que constatou a mestranda Luciana Dias de Oliveira na dissertação apresentada a Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. A pesquisa foi realizada em duas escolas municipais da cidade de Indaiatuba, próximo a Campinas, a partir de entrevistas com coordenadores de ensino e professores de duas turmas de primeiro ano, além de períodos de observação de aula. Em 2010 encerrou-se o prazo para os sistemas de ensino se adequarem e passou a ser obrigatória a matrícula de crianças de seis anos de idade no ensino fundamental, que foi estendido para nove anos. Antes a criança permanecia até esta idade na educação infantil e tinha no brincar o reconhecimento de sua condição primeira: a infância. Brincar, de modo geral, era visto como caminho para o aprendizado de coisas importantes na vida afora, além da diversão. Agora é a sala de aula em vez do parque, lápis e caderno em vez de areia e gira-gira. O que era lúdico, portanto, transforma-se. Agora é até marginalizado. Não pode mais correr, nem pular, nem rabiscar. Gritar e até cantar, nem pensar. O movimento é restrito: quase da carteira para casa e vice-versa. Mesmo no recreio a brincadeira é dirigida: ou pula-corda ou... E, em alguns casos, tem sim espaço adequado na escola: uma brinquedoteca, por exemplo, que nunca, ou quase nunca, é usada. Na teoria e no projeto pedagógico a importância do brincar pode ser compreendida, mas só aí. Este texto representa a fala da pesquisadora.
BRINCAR RELUTANTE “O brincar que era apropriado dentro da educação infantil, deixou de ser algo importante mas equivocado até, porque atrapalha a sala de aula. Se na educação infantil as crianças brincam a todo o momento, vão ao parque com bastante frequência e em geral são vistas de forma global e não segmentada, na educação fundamental existe a
Luciana Dias de Oliveira: “A pressão dos compromissos obrigatórios causa a automatização das ações e alienação nas pessoas”
aula de educação física e muita cobrança”, salienta a pesquisadora. Entrou no ensino fundamental você aprende o que a professora tem que passar na lousa e ponto final. “Brincar é só depois, se terminar a lição. Se não terminar, não pode”, afirma. Luciana ressalta, porém, que não pôde observar o período de adaptação das crianças. “Chegamos no meio do ano, quando eles já estavam adaptados, mas vimos um ritmo acelerado mesmo, uma cobrança”. Nas turmas observadas na pesquisa, havia entre 25 a 30 crianças. Dentre os episódios que chamaram a atenção de Luciana, até mesmo uma aula de educação física foi oferecida dentro da sala, com uma proposta de desenho. “O ingresso da criança de seis anos ao ensino fundamental deve levar em
Publicação Dissertação: “Bem-vinda à escola: o ingresso da criança no primeiro ano do Ensino Fundamental sob o olhar docente e a perspectiva do brincar” Autora: Luciana Dias de Oliveira Orientadora: Elaine Prodócimo Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
consideração que ela se mantém criança, com características que devem ser respeitadas. O brincar deve fazer parte da sua rotina, não importa em que instituição de ensino ela seja atendida”. A pesquisadora afirma que a importância do brincar é um direito que não se limita somente à infância, mas deveria se estender por toda a vida adulta. “O ser humano necessita de prazer além do trabalho, e é no jogo ou outra atividade de lazer que se pode sentir-se ‘vivo’, pois a pressão dos compromissos obrigatórios causa a automatização das ações e alienação nas pessoas. A falta de tempo e o esquecimento da importância do brincar na vida adulta, não podem contaminar a infância, já que ambos, brincar e infância, são inalienáveis”. As crianças querem brincar, observa Luciana e, como não podem, relutam. “A criança sai da cadeira para buscar um livro, por exemplo, e vai saltitando. Ou pega um brinquedo fora do horário ou do dia do brinquedo e acaba ouvindo ‘se quiser brincar vá para a sua casa’. Em poucas situações o brincar foi aproveitado, ou legitimado. O aluno apenas foi ‘liberado’ enquanto algum trabalho era corrigido ou alguma tarefa realizada e houve sobra de tempo. “Vimos a atividade de brincar para preencher espaços ou brincar como recompensa para a criança”.
OBSERVAÇÃO POSITIVA Nas aulas de artes a pesquisadora relatou algumas experiências positivas. O professor utilizou outro espaço além da sala de aula para uma atividade com massinha. Além da tarefa, as crianças começaram a brincar livremente e o professor permitiu, sem restrição. “A criança brincou e fez o que foi proposto. Neste caso também está aprendendo, pois enquanto brinca trabalha o social e o cognitivo”. Luciana explica que há várias possibilidades de mediação das brincadeiras que possibilitam o aprendizado. Ela propõe por exemplo que o parque, quando existir, seja aproveitado pelo professor que poderia utilizar um instrumento que desafie os alunos, como um bambolê ou qualquer outro elemento diferente àquele ambiente que possa despertar o interesse da criança para o brincar. “O brincar também deve ser aprendido. Se você oferece um jogo para os alunos precisa explicar como funciona, quais são as regras. A criança pode dar outra função para as peças, mas ainda assim está agindo com autonomia. O professor deve oferecer opções para a criança com elementos de mediação e propostas de aprender”. O grande risco se não houver mudanças, afirma a pesquisadora, é educar apenas para o trabalho, como se a vida fosse apenas isso.
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Tese aborda mudanças no perfil de colônias de férias Foto: Divulgação
Até a década de 1950, locais eram atrelados ao Estado e voltados a crianças de famílias com poucos recursos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
or muito tempo, as colônias de férias ofereciam às crianças matriculadas nas escolas públicas uma viagem dos centros urbanos para ambientes ao ar livre: para o campo, a montanha e o litoral. Entre 1882 e 1950, essas colônias tinham em vista o tratamento de saúde dos estudantes, subsidiado pelo governo do Estado. Elas apareciam atreladas a antigos conhecimentos da medicina e primavam por um estilo de vida mais saudável, para a recuperação e o fortalecimento corporal de crianças carentes. Anos depois, assumiriam um caráter educacional e, hoje, tornaram-se conhecidas como estabelecimentos unicamente de lazer. No período estudado, essas instituições trouxeram uma leitura mais positiva da natureza. “E as colônias de férias infantis passaram a carregar a ideia de uma natureza jardim construída pela cidade”, constata a professora Carmen Lúcia Soares, orientadora de estudo de doutorado da Faculdade de Educação (FE). “Um pouco antes, a natureza era considerada inóspita e rude. E o mundo rural era o mundo do Jeca Tatu”, revela. O autor da investigação, André Dalben, lamenta que as práticas corporais ao ar livre, antes ofertadas a essas crianças por meio de uma instituição inovadora, não existam mais. “Foi algo que perdemos enquanto política pública voltada à população mais pobre.” O pesquisador abordou nessa pesquisa a história das colônias de férias na América do Sul – em especial no Brasil, no Uruguai e na Argentina. “Essas colônias de férias tinham como ponto de convergência o fato de estarem ligadas ao sistema de ensino da época”, recorda. Segundo ele, esse trabalho, com 389 páginas e apoiado pela Fapesp, teve origem em algumas práticas comuns na escola, que não tinham sido tão estudadas, ou em algumas instituições muito próximas das escolas, que ainda não tinham sido discutidas. Essas colônias, diz o doutorando, sempre tinham um direcionamento. As viagens partiam da cidade para locais nos quais havia um contato maior com a natureza. A intenção era tirá-las temporariamente desse contexto para respirarem uma atmosfera mais voltada à saúde.
Publicações - DALBEN, A.; SOARES, C.L. Uma educação pela natureza: vida ao ar livre e métodos terapêuticos nas colônias de férias infantis do Estado de São Paulo (1940). Pro-Posições, 22:167-82, 2011. - DALBEN, A.; DANAILOF, K. Natureza urbana: parques infantis e escola ao ar livre em São Paulo (19301940). Rev. Bras. de Ciências do Esporte, 31:163-77, 2009.
Tese: “Mais do que energia, uma aventura do corpo: as colônias de férias escolares na América do Sul (1882-1950)” Autor: André Dalben Orientadora: Carmen Lúcia Soares Unidade: Faculdade de Educação (FE) Financiamento: Fapesp e Capes
ras, porém não se dirigem mais às classes populares, diferente do que acontece na Argentina e no Uruguai, que ainda são colônias fruto de política de governo. Na Argentina, as colônias de férias estão sediadas sobretudo em parques públicos urbanos, em contato com uma natureza criada e preservada dentro dos parques, antagonicamente a outras colônias de férias, como no caso brasileiro e uruguaio, que estavam sempre à procura do mar ou das montanhas. Particularmente no Uruguai, as colônias de férias tiveram ainda grande influência dos acampamentos norte-americanos da Associação Cristã de Moços da YMCA (em inglês Young Men’s Christian Association).
MUDANÇAS
Estudantes durante atividades na colônia Marítima “Dr. Álvaro Guião”, em Santos: contato com a natureza Fotos: Antonio Scarpinetti
André Dalben, autor da tese: “As colônias de férias tinham como ponto de convergência o fato de estarem ligadas ao sistema de ensino”
As crianças selecionadas para participar das colônias de férias recebiam, durante a estadia, que se estendia entre 15 e 30 dias, uma farta e nutritiva alimentação. Exercícios corporais realizados na natureza eram sempre indicados para que seus corpos ganhassem novas formas e se fortificassem. Esse era o ideal médico das colônias de férias. Tal conceito mudou com o tempo, havendo um deslocamento da área médica para a educacional. Notou-se então que as práticas ao ar livre revigoravam o corpo das crianças e faziam mais que isso: também produziam um conteúdo educativo. Em muitas colônias, havia muitos passeios. Com isso, as crianças saíam da cidade para visitar zoológicos, jardins botânicos, parques, bosques ou praias. Nesses passeios, os professores as acompanhavam e aproveitavam para lhes dar uma série de informações e palestras. O aprendizado era feito na prática, e não pela leitura de livros ou pela memorização. Por outro lado, também há que se considerar que as colônias de férias, apesar de estarem próximas desse universo pedagógico, não eram bem instituições escolares. “Ocupavam o tempo das férias e não seguiam o currículo escolar”, dimensiona André Dalben. Além do mais, incentivavam um conjunto de práticas corporais que, na década de 1930, não era a praxe nas escolas. Nas aulas de educação física, sempre prevalecia o domínio da ginástica. Assim, as colônias de férias trouxeram práticas corporais completamente reveladoras, que incluíam os banhos de mar, as caminhadas, os jogos ao ar livre, as competições esportivas e as gincanas. “É por isso que essa tese se situa entre os campos da história da educação e da história da educação física”, afirma a professora Carmen.
PRÁTICAS
Desde o mestrado, André Dalben se preocupava em saber quais eram as práticas corporais ao ar livre ofertadas à população. Foi então que utilizou um órgão oficial – o Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo –, da década de 1930-1940, para compreender essas práticas. Foi nesse momento que encontrou sobretudo três instituições: os parques infantis, uma escola ao ar livre (dentro de um parque público paulistano) e as colônias de férias. A partir desse levantamento, verificou que as colônias de férias tinham um grande potencial para estudo, mesmo atualmente, para conhecer como foi consolidado o currículo da educação física e as práticas corporais existentes hoje em dia. Sobre colônias modelares na época, o doutorando menciona a de Santos, organizada pelo governo do Estado de São Paulo. Reunia crianças do interior e da capital, que iam até o litoral por meio de trem de passageiro. Era a Colônia Marítima “Dr. Álvaro Guião”. Como essa, existia também a colônia de férias de altitude, localizada em Campos de Jordão. “Então tivemos ali dois ideários – o da praia em Santos, do divertimento e das práticas corporais ao ar livre; e o da montanha em Campos de Jordão, mais curativo e de restabelecimento da energia, além, é claro, desse intuito de auxiliar as crianças desnutridas de famílias mais pobres”, rememora. Atualmente, as colônias de férias no Brasil não existem mais com a concepção do passado. Paga-se pela hospedagem e não são mais ofertadas para a classe popular. Ficaram mais restritas à classe média e alta. No período de férias, os pais procuram colônias para os filhos, sendo muitas delas ligadas a igrejas e a outras propostas que envolvem questões do mercado privado. Até atuam de modo a trazer as práticas inovado-
O doutorando conta que a colônia de férias de Santos ficou primeiro locada no hotel do Cassino Miramar, então transformado em alojamentos e refeitórios coletivos para receber as crianças. Este tipo de colônia findou atividades na década de 1950, pela falta de financiamento. O sistema S (Sesc, Senai e Sesi), assim como as associações de funcionários públicos e sindicatos, começou a investir em colônia de férias, deixando estas instituições de se vincular à escola para se vincular às famílias e a todo o universo do trabalho e do lazer”, observa André Dalben. No campo da educação física escolar, a pesquisa apresenta uma série de práticas corporais ao ar livre que poderia ser incorporada aos currículos. “Vários conteúdos também poderiam incluir atividades ao ar livre. Seria aí um novo conteúdo a ser trabalhado e que muitas vezes já vem sendo, mas não de modo sistematizado, enquanto práticas corporais ao ar livre”, explana o autor. De acordo com Carmen, esse estudo resulta de uma pesquisa exaustiva de arquivos no Brasil, no Uruguai e na Argentina. “O André construiu as colônias de férias escolares como um objeto de pesquisa em que as relações entre natureza e cidade foram problematizadas.” A questão que se colocou é que as colônias de férias infantis, no período estudado, trouxeram uma leitura positiva da natureza e ajudaram a recuperar a ideia de uma natureza construída pela cidade e oferecida à população, resume a docente. André Dalben averiguou inclusive que essas atividades, sendo realizadas na natureza, reforçam seus elementos como curativos, educativos e provedores de uma vida muito mais harmoniosa. “Há o sol, o vento, o ar, as árvores. É algo muito original”, sublinha a professora Carmen. O doutorando esteve no Uruguai e na Argentina fazendo pesquisa documental. Também teve a experiência de permanecer na França por um ano com bolsa Capes na Universidade de Montpellier 3. Em sua estadia, trabalhou parte das questões teóricas. “A França é um dos países nos quais se encontram as origens dessas colônias de férias e onde André encontrou uma farta e instigante bibliografia específica”, recupera a orientadora.
Carmen Lúcia Soares, orientadora: “A tese se situa entre os campos da história da educação e da história da educação física”
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PAINEL DA SEMANA Pesca recreativa - A Unicamp sedia, de 1 a 4 de setembro, a 7ª Conferência Mundial de Pesca Recreativa. O evento é promovido pelo do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores da Área de Ciências (Formar) da Faculdade de Educação (FE); pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) e pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O coordenador-geral do evento é o professor Ezequiel Theodoro da Silva (Unicamp). Mais informações podem ser obtidas no site http:// www.7wrfc.com/ Estude em Singapura - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza no dia 2 de setembro, às 11 horas, a palestra ”Research and Educational Opportunities in Singapore”, na qual serão fornecidas orientações, informações e esclarecimento de dúvidas acerca das oportunidades de intercâmbio com universidades de Singapura. A palestra, que é promovida pela A* STAR – Agency of Science, Technology and Research –, ocorre no auditório da Biblioteca Central Cesar Lattes (BC-CL), às 11 horas. Mais detalhes: 19-3521-7145. Palestra com a Duke University - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) organiza palestra com a Duke University, na qual serão fornecidas orientações, informações
e esclarecimento de dúvidas acerca das oportunidades de intercâmbio para as áreas de engenharias. A palestra acontecerá às 12h215, no auditório ID02 da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), dia 2 de setembro. Mais informações: 19-3521-7145. Matéria escura - Apenas 5% da energia do Universo é composto de partículas conhecidas, sendo 23% destas na forma chamada matéria escura. O Dr. Nicolas Bernal (ICTP-SAIFR) descreverá como podemos explicar a matéria escura, dia 2 de setembro, às 11 horas, no seminário “Z_3 Dark Matter and Goldstone bósons”. O evento ocorre no auditório Meson Pi, prédio “Pierre Auger” do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW). Mais informações: 19-3521-5314 ou e-mail aguilar@ifi.unicamp.br Estudos Rurais - Com o tema “Desigualdade, exclusão e conflitos nos espaços rurais”, o VI Encontro da Rede de Estudos Rurais acontece de 2 a 5 de setembro na Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp (Feagri), com abertura no anfiteatro da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Na abertura oficial, às 18 horas, haverá a participação de Marc Mormont, da Universitè de Liège (Bélgica). A organização é da professora Sônia Maria Bergamasco. Conheça o programa completo. Mais informações: telefone 193521-1072 ou e-mail rederural@feagri.unicamp.br Café tecnológico - No dia 5 de setembro, às 15h30, será realizado o Café Tecnológico, evento organizado mensalmente pela Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) e que reúne empreendedores da região com o objetivo de discutir temas relacionados aos desafios de empreender. O evento, que acontece no auditório da Incamp, vai abordar o tema “estratégias emergentes de criação de negócios inovadores”, palestra ministrada pelo Professor Luciano Assis. Além disso, o encontro concluirá o treinamento oferecido pelo Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação (Nagi) da Universidade de São Paulo (USP). Neste módulo, o palestrante e professor Leonardo Gomes vai falar sobre “modelo de negócio: conceitos básicos de modelos de negócios e abordagens visuais para geração de modelos de negócios”. Mais informações: http://www.inova.unicamp.br/noticia/3195
EVENTOS FUTUROS Pagu 20 anos - Abertura de evento comemorativo aos 20 anos do Núcleo de Estudos do Gênero (Pagu) acontece no dia 9 de setembro, às 15 horas, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Veja cartaz com a programação completa no link http://www.pagu.unicamp.br/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/ files/20anospagucartaz.jpg. Mais detalhes: telefone 19-3521.1704 ou e-mail pagu@unicamp.br Feira de Educação do Japão - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (VRERI) organiza no dia 10 de setembro, às 13 horas, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas
DESTAQUE
(FCM), a Feira de Educação do Japão. O evento contará com a participação de cinco universidades japonesas, as quais fornecerão orientações, informações e esclarecimentos de dúvidas acerca das oportunidades de estudos, por meio de intercâmbio - no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras (CSF). Mais detalhes: telefone 19-3521-7145. Ensino de Geografia - O Grupo de Pesquisa Ateliê de Pesquisas e Práticas em Ensino de Geografia (APEGEO) e a AGB-Campinas organizam entre os dias 11 e 13 de setembro, nas dependências do Instituto de Geociências (IG), o IV Encontro Regional de Ensino de Geografia com o tema “Formação de professores de Geografia: políticas e práticas curriculares”. Acesse a programação no site http://agbcampinas.com.br/encontroensino2014/ programacao/. Mais informações pelo e-mail encontroensino@ agbcampinas.com.br Pensar e repensar a América Latina - O Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam/USP) convida estudantes, professores, pesquisadores e os demais interessados na temática latino-americana para o Simpósio Internacional “Pensar e repensar a América Latina”. O evento forma parte da comemoração dos 25 anos do Prolam e tem como objetivo contribuir para o conhecimento da região e das pesquisas produzidas, tal como incentivar a importância de se repensar e refletir a América Latina. O evento ocorrerá entre os dias 11 e 14 de novembro, no Complexo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin na Universidade de São Paulo. As inscrições de trabalho para os Seminários de Pesquisa estão abertas até o dia 15 de setembroPara mais informações acesse o site do evento: http://sites.usp.br/prolam V Simpósio de Profissionais da Unicamp - Evento ocorre de 16 a 18 de setembro, no Centro de Convenções da Unicamp. Terá exposição de pôsteres de trabalhos realizados ou desenvolvidos por profissionais de todos os segmentos da Unicamp, palestras, minicursos, atividades de integração e de cultura. O Simtec teve sua primeira edição em 1997. Foi retomado em 2008 e faz parte da agenda institucional da Unicamp, sendo realizado a cada dois anos. O V Simtec é organizado pelo GGBS, através de uma Comissão designada pelo reitor. A DGRH, a AFPU e o Cecom, órgãos da linha de Recursos Humanos da Universidade, também fazem parte da produção do evento. Mais detalhes no site http:// www.simtec.gr.unicamp.br/simtec_5/ Prêmio Santander Universidade Solidária - Alunos e professores da Unicamp que tenham interesse ou que já realizem projetos sociais de desenvolvimento sustentável com ênfase em geração de renda podem se inscrever para o Prêmio Santander – Universidade Solidária. Serão selecionados oito projetos. Cada projeto vencedor receberá R$100 mil para implementação, além de suporte técnico especializado. O apoio terá duração de dois anos e o repasse de recursos será feito em duas parcelas (R$50 mil por ano). Os inscritos poderão realizar curso on-line de empreendedorismo, certificado pela Babson College. As inscrições podem ser feitas até às 18 horas de 18 de setembro pelo site http://universidades.ciatech.com.br/premios/inscricao#tabs-3
TESES DA SEMANA Computação - “Apoio ao gerenciamento de bancos de dados de observações biológicas” (doutorado). Candidato Daniel Cintra Cugler. Orientadora: professora Claudia Maria Bauzer Medeiros. Dia 1 de setembro de 2014, às 10 horas, no auditório do IC. Engenharia Agrícola - “Eficiência de remoção nos processos de filtração e retrolavagem em filtros de areia pressurizados” (doutorado). Candidato: Fábio Ponciano de Deus. Orientador: professor Roberto Testezlaf. Dia 2 de setembro de 2014, às 9 horas, no anfiteatro da Feagri. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Contribuição ao estudo do índice de segurança de barragens - ISB” (mestrado). Candidato: Daniel Prenda de Oliveira Aguiar. Orientador: professor José Gilberto Dalfré Filho. Dia 9 de maio de 2014, às 14 horas, na sala CA-22 da CPG da FEC. Engenharia de Alimentos - “Produção de lipídios especiais por interesterificação enzimática de óleos da Amazônia e influência na atividade biológica” (doutorado). Candidata: Paula Speranza. Orientadora: professora Gabriela Alves Macedo. Dia 1 de setembro de 2014, às 14 horas, no salão nobre da FEA. Engenharia Elétrica e de Computação - “Esquema de codificação turbo quaternário aplicado em comunicação cooperativa” (doutorado). Candidato: Zelmann Strobel Penze. Orientador: professor Renato Baldini Filho. Dia 5 de setembro de 2014, às 14 horas, na sala PE12 do prédio da CPG da FEEC. Engenharia Química - “Fracionamento do óleo de laranja utilizando um sistema híbrido de evaporação” (doutorado). Candidata: Heloisa Helena Berredo Reis de Medeiros. Orientadora: professora Maria Regina Wolf Maciel. Dia 5 de setembro de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do bloco D da FEQ. Física - “Utilização do detector CR-39 de diferentes tamanhos para a detecção de filhos do radônio em ambientes com baixa ventilação” (mestrado). Candidato: Lucas Antoniassi Pereira. Orientador: professor Julio Cesar Hadler Neto. Dia 5 de setembro de 2014, às 10 horas, no auditório Méson-Pi do DRCC do IFGW. Matemática, Estatística e Computação Científica “Modificações na fatoração controlada de Cholesky para acelerar o precondicionamento de sistemas lineares no contexto de pontos interiores” (doutorado). Candidato: Lino Marcos da Silva. Orientador: professor Aurelio Ribeiro Leite de Oliveira. Dia 2 de setembro de 2014, às 9 horas, na sala 253 do Imecc. Odontologia - “Estudo prospectivo da incidência de trismo induzido por radioterapia em pacientes com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço” (doutorado). Candidato: Gustavo Kiyosen Nakayama. Orientador: professor Alan Roger dos Santos Silva. Dia 3 de setembro de 2014, às 13h30, na sala da Congregação da FOP.
DO PORTAL
Cotuca aproxima alunos da inovação e empreendorismo na 4ª SeEMTeC Foto: Antoninho Perri
O evento, que ocorreu no Centro de Convenções da Unicamp, nos dias 26 e 27, teve cerca de 900 inscritos
studantes do Colégio Técnico de Campinas (Cotuca) e de outras escolas técnicas participaram da quarta edição da Semana do Ensino Médio e Técnico (SeEMTeC), aberta dia 26, no Centro de Convenções da Unicamp. O evento organizado pelo Cotuca é multidisciplinar e visa possibilitar maior integração dos alunos de cursos técnicos com pesquisadores de ponta e profissionais do mercado envolvidos com conhecimentos e inovações nas diversas vertentes dos setores tecnológico e educacional. Foram dois dias de palestras, minicursos e mesas-redondas. O professor Alan César Yamamoto, diretor-associado do Cotuca e organizador da SeEMTeC, lembrou que esta é a quarta edição do evento bianual, que vem crescendo desde 2008 com a participação de
grandes empresas e de pesquisadores renomados. “O intuito é integrar a parte de sala de aula e de laboratórios com a vanguarda da pesquisa acadêmica e da indústria, a fim de colocar nosso ensino médio sempre para cima, além de oferecer aos estudantes um contato com a realidade do mercado de trabalho.” Segundo Yamamoto, foram convidados palestrantes de áreas diversas como de ciências (biologia, física, química), segurança do trabalho, meio ambiente, enfermagem, mecatrônica, eletrônica e também de humanidades. “A partir desta edição daremos enfoque à inovação e ao empreendedorismo, que vêm norteando tanto a indústria e a academia como as ações de ensino médio técnico do Cotuca. A primeira mesa-redonda será sobre esse tema: coisas novas são o que querem as empresas e a universidade.”
A mesa sobre “Inovação e Empreendedorismo” teve a participação do professor Milton Mori, coordenador da Agência de Inovação Inova Unicamp; Marcelo Tabascia, do Instituto Inovação da 3M; e André Ferrarese, gerente de Inovação da Mahle Metal Leve. A mediação foi do professor Paulo Victor de Oliveira Miguel, do setor de Estágios do Cotuca da Unicamp. A programação versátil ainda tratou de temas como alimentos, segurança cibernética, acidentes de trabalho, doação de órgãos, planejamento de carreira, violência no futebol, bioinformática e microbiologia, mobilidade urbana, astronomia, cidade inteligente, HPV e aplicativos no mundo dos negócios. A diretora do Cotuca, professora Teresa Celina Meloni Rosa, informou que esta SeEMTeC teve cerca de 900 alunos inscri-
tos, sendo 50 de outros colégios. Ela fez um agradecimento aos colaboradores que viabilizaram o evento em um ano especialmente complicado, pela mudança de prédio da unidade. A diretora do Cotuca agradeceu ainda ao apoio da Reitoria da Unicamp, CPPq, MCTI, Capes, MEC, Instituto Inovação 3M, Movile a Associação de Pais e Mestres (APM) do Cotuca. Um evento que ocorreria em paralelo é a IV Mostra de Trabalhos de Cursos Técnicos, que vai acontecer no dia 26 de setembro por causa da indisponibilidade momentânea do Ginásio Multidisciplinar, onde os pôsteres serão expostos. A mostra terá aproximadamente 400 trabalhos de alunos de várias escolas técnicas, principalmente do Sudeste, mas também de outras regiões do país. (Luiz Sugimoto)
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Vice-reitor de Relações Internacionais elenca ações estratégicas para reforçar cooperação com país asiático SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
China é um país prioritário, e a Unicamp precisa ampliar o seu relacionamento com as universidades daquele país. A demanda é exposta pelo professor Luís Augusto Barbosa Cortez, titular da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) da Unicamp. Ele justifica: “Tem havido, nos últimos anos, uma intensificação do relacionamento comercial entre os dois países. Os chineses são, hoje, os principais parceiros comerciais do país. A Unicamp, como uma das universidades mais importantes do Brasil, deve preparar seus recursos humanos para ter condições de dialogar com os chineses, de entender a sua cultura, de trabalhar nas empresas chinesas instaladas aqui e contribuir para equacionar problemas concernentes aos dois países. Nosso papel é tentar fortalecer este relacionamento, enviar estudantes nossos para lá e formar esses recursos.” O vice-reitor executivo de relações internacionais da Unicamp elencou, durante entrevista ao Jornal da Unicamp, uma série de ações estratégicas que vêm sendo desenvolvidas para reforçar a cooperação científica e acadêmica com a China. Ele citou a contratação de uma nova funcionária, com domínio do mandarim, para facilitar a interlocução entre pesquisadores da Unicamp e de universidades chinesas; a instalação de um posto do Instituto Confúcio na Unicamp; o estímulo à ampliação de projetos de pesquisas relacionados aos dois países; e o envio de delegações a universidades chinesas para a prospecção, visando futuras parcerias. Cortez também apontou áreas de pesquisa prioritárias para a resolução dos problemas dos dois países, mencionando os principais desafios e oportunidades no plano da cooperação científica com a China. Jornal da Unicamp – Como tem sido, no contexto atual, as prioridades e investimentos da Unicamp para aumentar as relações com a China? Luís Augusto Barbosa Cortez – A Unicamp já tem alguma relação com a China e estamos tentando intensificar esse relacionamento. Há menos de um ano contratamos uma funcionária com domínio do mandarim, para facilitar a interlocução entre pesquisadores da Unicamp e de universidades chinesas. Ela se chama Yu Pin Fang, é natural de Taiwan e exaluna da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Existem várias outras ações também, como a instalação do Instituto Confúcio na Unicamp. Estamos participando do programa Top China, do Banco Santander. Este ano coordenaremos o projeto, com o envio de estudantes e duas docentes: a professora Gabriela Celani, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, e Carmenlucia Soares, da Faculdade de Tecnologia. Nós também enviamos uma equipe de docentes e assessores da Vreri à China há um mês para intensificar o relacionamento. A China é um país prioritário para a Unicamp. Tem havido, nos últimos anos, uma intensificação do relacionamento comercial entre os dois países.
Uma prioridade chamada China
Fotos: Antonio Scarpinetti
Luís Cortez, vice-reitor executivo de relações internacionais: “A Unicamp deve preparar recursos humanos com condições de dialogar com os chineses”
Os chineses são, hoje, os principais parceiros comerciais do país. E a Unicamp necessita aumentar o seu relacionamento com a China. JU – A instalação de um posto do Instituto Confúcio no campus da Unicamp é uma medida que vem sendo amadurecida nos últimos anos. Qual a sua importância? Cortez – Cada país de grande porte tem uma estratégia de entrar com seus interesses na comunidade mundial. British Council, no Reino Unido e Aliança Francesa, na França, são algumas dessas estratégias. E a China desenvolve isso para a sua internacionalização por meio dos Institutos Confúcio. Só nos Estados Unidos são mais de 100. No Brasil são 10. E nós somos um deles. É uma instituição oficial do governo chinês e o seu objetivo é o ensino de mandarim e a disseminação da cultura chinesa no mundo. Em decorrência do Instituto Confúcio, começamos a ter de forma mais estruturada o relacionamento com uma universidade chinesa, a Beijing Jiaotong University. A Beijing Jiaotong é a nossa universidade parceira, madrinha, vamos dizer assim, para o funcionamento do Instituto Confúcio. Nós iremos nos relacionar com ela, e este relacionamento envolve desde ações técnicas, até ações culturais, o ensino da língua, entre uma série de outras coisas. JU – Como está o andamento desta proposta? Cortez – O reitor José Tadeu Jorge assinou, recentemente, um convênio para instalação do Instituto. A ideia é que o funcionamento comece em 2015. Inicialmente, funcionará na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), até que um local próprio seja definido. JU – Em quais áreas prioritárias o senhor acha que pesquisadores da Unicamp e de uni-
Yu Pin Fang, ex-aluna da Faculdade de Educação, que foi contratada pela Vreri: facilitando a interlocução com os chineses
versidades chinesas podem colaborar visando a resolução de problemas, tanto do Brasil, como da China? Cortez – Um exemplo é que esta universidade madrinha, a Beijing Jiaotong, tem na área de transportes ferroviários uma das suas fortes especialidades. E esta é uma área muito importante e estratégica para o Brasil, inclusive no relacionamento com a China. Dos produtos que o Brasil exporta para a China, os principais são minério de ferro e soja. E eles dependem muito de transporte. E o transporte, quando não é feito adequadamente, encarece muito os produtos. Tem também a logística do transporte urbano que, principalmente, a região de São Paulo necessita muito. Recentemente foi muito discutida esta questão dos trens para ligar o Rio de Janeiro, Campinas e São Paulo. E eu acho que a Unicamp pode se capacitar para ajudar a formar recursos humanos a equacionar esses problemas. Neste grupo que vai à China, temos professores das faculdades de Engenharia Mecânica, de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo e de Tecnologia. Há especialistas em transportes, construção, ocupação urbana, resíduos sólidos e poluição. Este é um grande problema lá, que está associado à questão da urbanização. Portanto, estas ações que nós estamos começando vão ter desdobramentos em outras áreas aqui dentro da Unicamp. Esperamos que comece mais forte no campo da engenharia, tecnologia e meio ambiente e que haja desdobramentos em outras áreas, incluindo a medicina, ciências humanas e economia. JU – Há um Grupo de Estudos Brasil-China, constituído por pesquisadores e docentes da Universidade. Como tem sido a interlocução entre a Vreri, no campo institucional, e este grupo, no campo da pesquisa? Cortez – Antes de enviarmos uma missão à China, tivemos uma conversa com este grupo de pesquisadores. Eles têm projetos de pesquisa específicos. O que nós estamos buscando, evidentemente, é fortalecer estes grupos, mas queremos ampliar para a Universidade, queremos descobrir outros interesses. E que eles se tornem cada vez mais interesses acadêmicos também. Queremos fortalecer o ensino de chinês na Unicamp, trazer pesquisadores da China e, sobretudo, diversificar o espectro. Assim como acontece com os Estados Unidos - país que tem um grande número de pesquisadores na Unicamp, além de professores e alunos da Unicamp que atuam em parceria com universidades americanas -, nós queremos que esse elenco com a China aumente. O objetivo é verticalizar, sem deixar também de horizontalizar este relacionamento e fazer com que, dentro de um tempo de dois ou três anos, isso seja consolidado em outras áreas. Percebemos que a Educação Física tem grande interesse na China, a própria Econo-
mia, a Engenharia de Alimentos... Portanto, o relacionamento com o chamado Grupo China é do interesse institucional da Universidade, sobretudo pela sua ampliação. É um grupo que nasceu do zero e tem um papel muito importante. JU – Quais são os principais desafios e oportunidades no plano da cooperação científica com a China? Cortez – As áreas mais evidentes de cooperação científica estão entre três e quatro eixos. Temos a questão ambiental. A China é um país enorme, com uma população de 1,2 bilhões de pessoas. O país tem problemas ambientais importantes, como a poluição atmosférica. Esse é um dos desafios das grandes cidades chinesas. Há o problema da deposição dos resíduos, e isso nos interessa muito também. Embora não tenhamos a mesma população da China, temos áreas no Brasil com praticamente a mesma densidade de lá. A questão energética é uma área interessante porque os chineses estão fazendo ações importantes, direta e indiretamente, para a redução de emissões e promoção de energias renováveis. Há ainda a questão ligada ao comércio e diplomação. Isso nos interessa muito porque fazemos parte dos Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], cuja principal ação recente foi a criação de um banco de desenvolvimento. O Brasil e a China são dois parceiros importantes, eles se complementam. Nós temos uma agricultura muito forte e a China precisa desse nosso conhecimento. A exploração mineral e o petróleo são campos promissores também. A China tem uma forte influência na região do Pacífico, que pode ser considerado, atualmente, como o novo centro comercial do mundo - o comércio mundial está se deslocando para lá. Todos os países que estão na costa do Pacífico estão sendo beneficiados, como o Chile, o Peru, os latino-americanos. O Brasil, evidentemente, tem interesse em criar canais de escoamento dos seus produtos para o Pacífico. Há uma barreira importante que são os Andes, tem um caminho que se faz por Mendoza, na Argentina, e Valparaiso, no Chile. Mas tem outras possibilidades que agora devem se tornar realidade com o escoamento de grãos, pelo Peru, ganhando o Pacífico, para diminuir os custos de exportação da soja, principalmente. Portanto, a Unicamp, como uma das universidades mais importantes do Brasil, deve preparar recursos humanos com condições de dialogar com os chineses, de entender a sua cultura, de trabalhar nas empresas chinesas instaladas aqui e contribuir, com os conhecimentos desta interação, para resolver os problemas dos dois países. Nosso papel é tentar fortalecer este relacionamento, enviar estudantes nossos para lá, e formar esses recursos. Nossa esperança é que o relacionamento cresça bastante nos próximos anos.
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Campinas, 1 a 7 de setembro de 2014
Do aboio ao cururu Foto: Reprodução
LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br
entre os compositores eruditos brasileiros preocupados em valorizar a nossa cultura, adeptos do chamado movimento nacionalista surgido na Europa no século 19, figura Osvaldo Lacerda (1927-2011), que reuniu em suas Brasilianas nada menos que 46 gêneros musicais de todas as regiões do país. Ele buscou desde representações do baião, forró, xote e maracatu – que se mantêm em alta – até do aboio, canto típico dos vaqueiros na condução do gado, e do bendito, canto sacro popular das procissões – contribuindo para que tais gêneros não caiam no esquecimento. “Constâncias musicais brasileiras e aplicabilidade didática: um olhar sobre as Brasilianas de Osvaldo Lacerda” é o título da tese de doutorado de Andréia Miranda de Moraes Nascimento, orientada pela professora Aci Taveira Meyer e defendida no Instituto de Artes (IA) da Unicamp. A autora realizou um estudo analítico e pedagógico das Brasilianas para piano que Lacerda compôs entre 1965 e 1993: são 12 suítes, cada uma com quatro peças, totalizando 48 – uma detalhe é que, dos 46 gêneros incluídos, dois se repetem (o dobrado e a valsa). Segundo Andréia Nascimento, a sua tese se justifica pela crescente importância de se valorizar a produção nacional nos meios acadêmicos, desenvolvendo estudos técnicos e difundindo novos repertórios. “Osvaldo Lacerda quis resgatar todos os gêneros presentes na cultura do povo brasileiro e trazê-los para a música de concerto. No estudo analítico, procurei investigar os elementos técnicos utilizados pelo compositor e como ele os manipulou. Mas a tese vai além da questão da interpretação, trazendo uma parte mais didática, voltada à educação musical.”
O nacionalismo musical brasileiro Em fins do século XIX, surgiu uma nova corrente estética no meio musical que rapidamente se espalhou pela Europa Ocidental: o nacionalismo. É caracterizada pela música escrita com constâncias nacionais, com objetivo de promover uma integração entre o artista criador e o meio social através de uma identidade musical. Compositores russos, espanhóis, poloneses, tchecos e húngaros aproveitaram-se de ritmos e melodias populares de seus países em peças de vários gêneros musicais. O nacionalismo musical brasileiro teve como precursores Carlos Gomes (18361896), Brasílio Itiberê (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892), Alberto Nepomuceno (1864-1920), Francisco Braga (1868-1945) e Barroso Neto (1881-1941). O Movimento Modernista do início do século XX pregava a modernização das linguagens artísticas e defendia a liberdade de expressão: era contra o academismo e o tradicionalismo, e deu grande ênfase ao nacionalismo, tornando-se a grande base desta corrente estética. Esse movimento teve como auge a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, sendo que na música o destaque foi Heitor Villa-Lobos (1887-1959). O mentor intelectual e teórico máximo do nacionalismo musical brasileiro foi Mário de Andrade, que influenciou diretamente três compositores que são considerados hoje, ao lado de Villa-Lobos, os grandes nacionalistas: Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948), Francisco Mignone (1897-1986) e Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993). Este último foi responsável pela criação de uma escola de compositores que deu continuidade e progressão aos seus ideais. Dentre os seus mais consagrados alunos, está Osvaldo Lacerda (1927-2011), autor das doze Brasilianas para piano, tema escolhido para o desenvolvimento deste trabalho.
O compositor Osvaldo Lacerda, cuja obra foi tema da pesquisa: valorização de elementos da nossa cultura
Foi ainda no mestrado focando outro compositor nacionalista, Francisco Mignone, que Andréia seguiu o conselho de sua orientadora, professora Aci Meyer, e procurou Osvaldo Lacerda para receber aulas de harmonia. “Ele também me ajudou muito no trabalho sobre Mignone e, mais no final do mestrado, quando comecei a pensar no tema para o doutorado, me dei conta daquele meu contato com um compositor ainda em atividade – era 2008 e ele faleceu em 2011. Quando comentei sobre as Brasilianas (algumas eu já conhecia e tinha inclusive tocado), Lacerda se sentiu empolgado e muito honrado com a oportunidade de ter sua obra mais divulgada no meio acadêmico.” A autora recorda que nas conversas com o professor de harmonia, via sua enorme preocupação em registrar ritmos próprios da cultura brasileira que eram pouco valorizados e que os compositores eruditos deixavam passar batidos. “Osvaldo Lacerda realizou inúmeras pesquisas de campo para resgatar esses gêneros. Sobre a quantidade grande que reuniu em suas peças, disse que em nosso folclore havia muito mais gêneros que poderia ter abordado. Estas obras, todas para piano, incluindo para quatro mãos, foram muito bem aceitas no cenário erudito e algumas incluídas em currículos de conservatórios e mesmo de universidades, além de gravadas por pianistas renomados.”
preservar as constâncias musicais registradas na cultura popular ao trazer esses gêneros para a música erudita, apesar de todas as inovações harmônicas da contemporaneidade. “Ao ouvirmos uma peça das Brasilianas, não nos damos conta desses elementos, que estão lá, ainda que obviamente manipulados; é preciso buscar no fundo. Osvaldo Lacerda era um compositor moderno, que muitas vezes se utilizava da harmonia que chamamos de atonal, mas preservou as melodias simples da moda caipira, independentemente da região.”
EXPERIÊNCIA DIDÁTICA Andréia Nascimento considera a análise harmônica, melódica e estrutural das Brasilianas de Osvaldo Lacerda muito importante para o pianista, que assim pode entender melhor a partitura e buscar uma performance fiel. No entanto, aproveitando a condição de professora da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e da Universidade de Sorocaba (Uniso), incluiu na tese uma parte didática. “Como trabalho há seis anos com alunos do curso de licenciatura em música, eu e minha orientadora
pensamos em ampliar a pesquisa, envolvendo a educação musical.” Uma das disciplinas ministradas pela autora na Unimep é de percepção, improvisação e arranjo, para uma classe com aproximadamente 30 alunos, que ela dividiu em grupos. “Na experiência, escolhi cinco das 48 peças que Lacerda escreveu para aplicá-las na sala de aula. A disciplina de arranjo tem o propósito de fazer com que os alunos desenvolvam vários arranjos a partir de uma melodia já existente; não vão criar nada novo, vão recriar. Sugeri que, mantendo a melodia original, escrevessem uma outra música, apropriando-se dos instrumentos que eles tocavam.” Esta experiência surgiu da crença de Andréia de que seria uma boa forma de levar para a sala de aula, ainda que de um curso de formação de professores, gêneros que muitos desconheciam. “Eles conheciam o samba e o baião, mas nunca tinham ouvido o cururu, o dobrado e o coco. Fiquei meio pasma em relação ao cururu: por estarmos em Piracicaba, a típica cidade caipira, achei que 100% tivessem contato com o gênero; deu apenas 34,4%. O fato é que os arranjos ficaram lindos e inclui a análise de 15 deles na tese, a fim de mostrar como os alunos apreenderam esses gêneros e preservaram as constâncias em suas recriações.” Ainda sobre o cururu, a pesquisadora destaca um arranjo dos alunos para clarinetas, com a mais aguda mantendo a melodia de Osvaldo Lacerda, e outras duas tocando “O rio de Piracicaba”. “Surgiram trabalhos muito criativos com gêneros que para esses futuros professores estavam perdidos. Eles tiveram a chance de pensar, recriar e cumprir com os objetivos da disciplina, e se abrindo para uma proposta nova. Enquanto outros compositores brasileiros se ocuparam de gêneros de maior evidência da cultura popular, como baião e maracatu, Osvaldo Lacerda quis abordar a maior quantidade possível, preocupando-se com características mínimas, por perceber que para o povo elas eram fortes.” Fotos: Divulgação/Antonio Scarpinetti
CONSTÂNCIAS MUSICAIS A pesquisa de Andréia Nascimento resultou em dois volumes recheados de partituras, que ela analisou compasso por compasso, preocupada em destacar as chamadas constâncias musicais, no caso, dos gêneros brasileiros. “Essas constâncias, que acabaram dando título à tese, são os elementos melódicos ou rítmicos que caracterizam nossa música. Paralelamente à análise formal, estrutural e harmônica das obras, faço um histórico de cada gênero – se é genuinamente brasileiro, se veio de fora, como se enraizou no país – e cito compositores, tanto no erudito como no popular, que também compuseram em cima dele.” Como exemplo, a pesquisadora cita a moda, que veio de Portugal e se disseminou no Brasil como moda caipira, sobretudo nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. “A característica principal da moda de viola são as melodias criadas em terças: na dupla de cantadores, temos uma primeira voz e uma segunda voz sempre cantada uma terça acima ou abaixo da primeira. Em minha análise identifiquei que Osvaldo Lacerda também pensou em duas melodias sobrepostas em terças; e que no acompanhamento que faz ao piano procura um movimento rítmico lembrando o ponteado da viola caipira.” A pesquisadora observa que a hipótese levantada no início da tese era exatamente de comprovar se o compositor conseguiu
Publicação Tese: “Constâncias musicais brasileiras e aplicabilidade didática: um olhar sobre as Brasilianas de Osvaldo Lacerda” Autora: Andréia Miranda de Moraes Nascimento Orientadora: Aci Taveira Meyer Unidade: Instituto de Artes (IA)
Andréia Miranda de Moraes Nascimento, autora da tese, com Osvaldo Lacerda em 2008 e com a orientadora, Aci Taveira Meyer: estudo analítico e pedagógico das Brasilianas